O Notável Foguete - Oscar Wilde
O Notável Foguete - Oscar Wilde
O Notável Foguete - Oscar Wilde
Oscar Wilde
O filho do rei ia casar-se. Por isto o regozijo era geral. Tinha esperado um ano
inteiro pela sua noiva, que afinal chegara. Era uma princesa russa que tinha
feito a viagem desde a Finlndia num tren puxado por seis renas. O tren
tinha a forma de um grande cisne de ouro e entre as asas do cisne jazia a
pequena Princesa. O seu longo manto de arminho chegava-lhe directamente
aos ps, na cabea trazia um pequeno bon de tecido de prata e era plida
como o Palcio de Neve em que sempre tinha vivido. Era to plida que, ao
passar pelas ruas, enchia todo o povo de admirao.
- Parece uma rosa branca! - diziam e atiravam-lhe flores do alto dos balces.
Na porta do castelo estava o Prncipe esperando para receb-la. Ele tinha uns
sonhadores olhos cor de violeta e os seus cabelos eram como ouro fino.
Quando a viu, dobrou um joelho na terra e beijou-lhe a mo.
- O vosso retrato era belo - murmurou -, mas sois mais bela que o vosso
retrato.
E a Princesinha ruborizou-se.
- H pouco parecia uma rosa branca - disse um jovem pajem ao seu vizinho -,
mas agora parece uma rosa vermelha.
E toda a corte ficou extasiada.
Durante os prximos trs dias, toda a gente no cessou de repetir:
- Rosa branca, rosa vermelha, rosa vermelha, rosa branca!
E o rei ordenou que se pagasse salrio duplo ao Pajem. Como este no recebia
salrio algum, a sua posio no melhorou muito com isto, mas todos
- O romantismo morreu, o romantismo morreu, o romantismo morreu! murmurou. Era uma dessas pessoas que pensam que, repetindo uma coisa
certo nmero de vezes, acaba por ser verdade.
De repente, ouviu-se uma tosse forte e seca e todos olharam em redor.
Era um foguete de altivo porte, amarrado ponta de uma comprida vara.
Tossia sempre antes de fazer qualquer observao, como para chamar a
ateno.
- Hum! Hum! - disse ele, e todos se dispuseram a ouvi-lo, excepto a pobre
Roda Catarina, que continuava a abanar a cabea e a murmurar: O
romantismo est morto.
- Ordem, ordem - gritou um Petardo. Tinha algo de um poltico e sempre
tomara parte importante nas eleies locais, de modo que conhecia as frases
empregadas no Parlamento.
- Completamente morto - murmurou a Roda Catarina, que voltou a dormir.
No bem se restabeleceu por completo o silncio, o foguete tossiu uma
terceira vez e comeou. Falava com voz clara e muito lenta, como se estivesse
ditando as suas memrias, e olhava sempre por cima do ombro pessoa a
quem se dirigia. Tinha na verdade umas maneiras muito distintas.
- Quo feliz o filho do rei - observou -, por casar-se no mesmo dia em que
me vo disparar: Na verdade, nem preparando-o de antemo poderia resultar
melhor para ele; mas os prncipes tm sempre muita sorte.
- Ah! Sim? - disse o pequeno Busca-p. Pensei que fosse precisamente o
contrrio e que iramos ser lanados em honra do Prncipe.
- Talvez seja este o seu caso - respondeu ele. - De facto, no tenho dvida de
que seja, mas comigo diferente. Sou um foguete notvel e descendo de pais
notveis. A minha me foi a Roda Catarina mais famosa do seu tempo, clebre
pela graa da sua dana. Quando fez a sua grande apario em pblico, deu
tendes de ser feliz? Devereis pensar nos outros. Na verdade, devereis pensar
em mim. Penso sempre em mim e espero que todos faam a mesma coisa. Isto
o que se chama simpatia. uma bela virtude e eu possuo-a em alto grau.
Suponhamos, por exemplo, que alguma coisa me acontece esta noite. Que
desgraa para todo o mundo! O Prncipe e a Princesa no voltariam mais a ser
felizes, toda a sua vida matrimonial ficaria estragada. Quanto ao rei sei que
no poderia suportar isso. Na verdade, quando comeo a reflectir na
importncia da minha posio, comove-me at quase chorar.
- Se quereis agradar aos demais - exclamou a Vela Romana -, fareis melhor
mantendo-vos seco.
- Certamente - exclamou o Fogo-de-Bengala, que se achava agora em
melhores disposies. - Isto simplesmente o senso comum.
- Senso comum, ora essa! - disse o Foguete, indignado. - Esqueceis que no
tenho nada de comum e que sou muito notvel. Ora, toda a gente pode ter
senso comum, conquanto carea de imaginao. Mas eu tenho imaginao,
pois nunca penso nas coisas como so realmente, vejo-as sempre muito
diferentes do que so. Quanto a isto de manter-me seco, que no h aqui,
com toda a segurana, ningum que saiba apreciar a fundo um temperamento
emotivo. Felizmente para mim, no me importo com isto. A nica coisa que
nos sustenta na vida a convico da imensa inferioridade dos nossos
semelhantes e este um sentimento que tenho sempre cultivado. Mas nenhum
de vs tem corao. Gritais e regozijais-vos, como se o Prncipe e a Princesa
no estivessem celebrando as suas bodas.
- Bem, de facto - exclamou um pequeno Balo-de-fogo -, por que no? uma
ocasio bastante alegre e quando eu estalar no ar, pretendo contar tudo s
estrelas l em cima. Vereis como brilharo, quando eu lhes falar a respeito da
linda noiva.
E realmente rebentou em lgrimas, que correram pela sua vareta como gotas
de chuva e quase afogaram dois pequenos escaravelhos que pensavam
precisamente em fundar uma famlia e procuravam um bonito lugar seco para
nele instalar-se.
- Deve ele ter um temperamento verdadeiramente romntico - disse a Roda
Catarina -, pois chora, quando no h motivo para chorar.
E lanando um profundo suspiro, ps-se a pensar no caixote de madeira de
pinho.
Mas a Vela Romana e o Fogo-de-Bengala estavam indignadssimos e
continuavam a dizer: Charlato, charlato!, a plenos pulmes. Eram muito
prticos e, quando se opunham a alguma coisa, gritavam: Charlato.
Ento apareceu a lua como um maravilhoso escudo de prata e as estrelas
comearam a brilhar e chegaram do palcio os sons de uma msica.
O Prncipe e a Princesa dirigiam o baile. Danavam to bem, que os altos
lrios brancos espreitavam pela janela e os contemplavam e as grandes
papoulas vermelhas abanavam as suas cabeas, marcando o compasso.
Naquele momento o relgio bateu as dez horas, e depois as onze, e por fim as
doze, e derradeira batida da meia-noite, todos saram para o terrao e o rei
mandou chamar o Pirotcnico Real.
- Comeai a queimar os fogos de artifcio - disse o rei.
E o Pirotcnico Real curvou-se numa profunda vnia e encaminhou-se para o
fundo do jardim. Tinha seis ajudantes, cada um dos quais levava uma tocha
acesa
na
ponta
de
uma
longa
vara.
flores
de
ouro,
florescendo
em
fogo.
azul
sem
nuvens.
Que
pena!
palavra
do
que
estou
dizer.
de
coisas
domsticas
cuido
da
minha
famlia.
- Nasci para a vida pblica e nela figuram todos os meus parentes - disse o
Foguete -, at mesmo os mais humildes. Quando aparecemos, excitamos
grandemente a ateno. Desta vez no apareci pessoalmente; mas, quando o
fao, o resultado um espectculo magnfico. Quanto s coisas domsticas,
envelhecem-nos rapidamente e apartam o esprito de coisas mais altas.
- Ah! Como so belas as coisas altas da vida! - disse a Pata. - Isso lembra-me
que estou com muita fome.
E desceu nadando a corrente, dizendo: qu, qu, qu.
- Volte! Volte! - gritou o Foguete. - Tenho muita coisa para dizer-lhe.
Mas a Pata no lhe deu ateno.
- Fiquei satisfeito por ela ter ido embora - disse a si mesmo, no resta
dvida que o seu esprito medocre. E mergulhou um pouco mais
profundamente na lama e comeou a pensar na solido do gnio, quando, de
- Agora vou explodir - gritou. - Incendiarei o mundo inteiro e farei tal barulho
que ningum falar a respeito de qualquer outra coisa durante um ano inteiro.
E, na verdade, explodiu. Pam! Pam! Pam! fez a plvora. A plvora no podia
fazer
outra
coisa.