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Psicologia da Saúde: Bases e


Intervenção em Hospital Geral

Tânia Rudnicki

A intervenção psicológica em hospital geral busca aportes teóricos


para lidar com situações que se apresentam com os dois lados de um mesmo
segmento – saúde e doença. Isso porque, em algum momento da vida de
qualquer pessoa, um hospital se fará presente. A preocupação com saúde e
doença é inerente à natureza humana, pois vincula-se diretamente à sua
sobrevivência. Pode-se, assim, vislumbrar uma variedade de papéis e re­
presentações, bem como diferentes abordagens de intervenções psico­lógicas
que já chegaram ao hospital geral apresentando, cada uma delas, peculia­
ridades e aplicabilidades, pautadas no seu referencial teórico, cujo resultado
prático trará grande riqueza, através da qualificação de vários conceitos e
aplicações práticas.
O psicólogo que exerce atividades na área da saúde necessita de um
instrumental teórico-técnico, como uma “caixa de ferramentas”, no dizer
de Foucault. Não se pode esperar envolvimento no trabalho de quem não
se sente à vontade nele. É preciso ter claro que toda escolha supõe um ato
de vontade, e cada escolha significa encontrar uma saída entre distintas
tendências. Uma ocupação que seja resultado de uma escolha impede uma
atividade insatisfatória, comportando a participação interna da pessoa. A
civilização humana foi decisivamente marcada pela sua capacidade de
articulação social (Engels, 1986), polêmica e complexa, e que supõe tam­
Psicologia da Saúde 21

bém mudanças, diversidade de condições e de estilos de vida, de padrões


de bem-estar, de necessidades humanas e de desenvolvimento. Dessa forma,
a ordenação dos aportes precisa ser feita a partir de uma perspectiva
psicossocial, estabelecendo relações entre os distintos níveis implicados,
seja individual, seja grupal e político-institucional.
Quando as pessoas se referem à saúde, geralmente centralizam suas
preocupações no aspecto orgânico, raramente nos aspectos emocionais,
com­portamentais e/ou econômicos a ela associados. Modelos de saúde já
sofreram grandes mudanças e, a partir do paradigma biopsicossocial, várias
contri­buições concorreram para uma aproximação teórica e clínica mais
com­preensiva. Entre elas, a mudança na prevalência de doenças infecciosas
para enfermidades crônicas com o elevado custo dos cuidados de saúde e
ênfase na qualidade de vida (Bishop, 1994). O desenvolvimento trazido
pelo século XIX melhorou as condições de saúde dos indivíduos, além do
progresso alcançado por alguns estudos voltados à imunologia, à saúde
pública, entre outros. Ao longo do século XX, o avanço na área médica foi
decisivo, minimizando sensivelmente as taxas de mortalidade de diversas
doenças (Straub, 2005).
No cenário nacional, a partir do final da década de 1950 e início da de
1960, a Psicologia iniciou suas atividades no contexto do hospital geral,
respondendo a novas tendências que mostravam a necessidade da expansão do
saber biopsicossocial na compreensão do fenômeno da doença, visando mo­
dificar concepções habituais, cristalizadas pelo modelo biomédico (Chiatto­ne,
2003). Em 1978, a American Psychological Association (APA) criou a Divisão
38, da Psicologia da Saúde e, em 1986, foi criada na Europa a European Health
Psychology Society (EHPS), a partir da qual foram lançadas diversas revistas
especializadas em vários países europeus. A Psicologia da Saúde, como disciplina
da Psicologia, aplica princípios e pesquisas psicológicas para a melhoria,
tratamento e prevenção de doenças, bem como para promoção de saúde.
Assim, ela não se restringe à noção de saúde como um mero estado de ausência
de doença. Ao contrário, apoia-se na definição de saúde da Organização
Mundial de Saúde, de 1948 (Straub, 2005).
No Brasil, a disciplina é recente, transparecendo seu dinamismo a
partir do surgimento de um amplo conjunto de propostas teóricas e
22 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

práticas. Por sua própria formação, compreende uma considerável área


conceitual, metodológica e profissional, incluindo, em sua finalidade, a saúde
física e mental. Por meio do paradigma biopsicossocial, engloba o campo
médico e o transcende, incluindo fatores sociais, econômicos, culturais, eco­
lógicos, espirituais, entre outros, todos relacionados à saúde e à doença (Go­
rayeb, 2010). Nos últimos anos, seus avanços vêm-se mostrando relevantes,
indicam o caminho a ser seguido no atendimento na área da saúde, com
inclusão do paciente hospitalizado. O interesse dos profissionais, os estudos
de investigação, a inclusão da disciplina no currículo de cursos de formação
em Psicologia são provas de que a Psicologia da Saúde é uma área de co­
nhecimento e intervenção que veio para ficar. Conforme Dimenstein (2000),
o psicólogo capacitado para trabalhar em saúde precisa receber, em sua
formação, as bases necessárias para essa prática. Necessita da teoria, da técnica
e precisa estar comprometido com o social, preparando-se para lidar com os
problemas de saúde de sua comunidade e ter condições de atuar em equipe
multi e/ou interprofissional.
Com base no paradigma biopsicossocial, a Psicologia da Saúde utiliza
os conhecimentos das ciências biomédicas, da Psicologia Clínica, da Psi­co­
logia Social, Comunitária, do Desenvolvimento, entre outras (Remor, 1999).
Por isso, o trabalho com outros profissionais é imprescindível dentro dessa
abordagem. Gorayeb (2010) aponta que o termo Psicologia da Saúde tem
sido confundido com outros, tais como Psicologia Clínica, sendo que essa
discussão já foi também estabelecida em vários outros artigos (Ya­mamoto
& Cunha, 1998; Kerbauy, 2002; Miyazaki, Domingos, Valério, Santos, &
Rosa, 2002; Yamamoto, Trindade, & Oliveira, 2002; Castro & Bornholdt,
2004). Psicologia da Saúde não é a Psicologia Clínica aplicada ao ambiente
da saúde. Esta última é uma prática da Psicologia, existente desde seus
primórdios. Em geral, envolve o atendimento ou tratamento psicoterápico
de uma pessoa que padece de algum transtorno emocional e/ou de com­
portamento.
Outra questão importante está na diferenciação entre Psicologia da
Saúde e Psicologia Hospitalar, como conceitos diferenciados. A Psicologia
Hospitalar é uma área importante inserida na Psicologia da Saúde, neces-
sitando de uma intervenção precisa e adequada em um ambiente acostu-
Psicologia da Saúde 23

mado a raciocinar com base em evidências (Gorayeb, 2001; Gorayeb &


Guerrelhas, 2003). No artigo, “Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar:
definições e possibilidades de inserção profissional”, Castro e Bornholdt
(2004) apontam para uma confusão dos termos no campo de ação. Os ter-
mos acabaram sendo confundidos entre si, e isso é resultante, em parte, do
fato de que uma grande quantidade de psicólogos brasileiros que iniciaram a
trabalhar em Psicologia da Saúde o fez em ambientes hospitalares, ficando
estabelecido o local de atuação como área do conhecimento. Psicologia da
Saúde foi definida a partir da proposição de Joseph Matarazzo (1980), pio-
neiro no desenvolvimento das áreas de Medicina Comportamental, Saúde
Comportamental e Psicologia da Saúde. Sua pesquisa teve três focos: a entre-
vista clínica, funções cognitivo-intelectuais e Psicologia da Saúde, tendo uma
carreira de destaque na Psicologia americana e internacional.
Para o profissional psicólogo, trabalhar na área da saúde, é importante
conhecer o contexto em que vai atuar, seja em hospital, ambulatório, unidade
básica de saúde, comunidade ou empresa/organização. Assim, o ambiente é
quase sempre determinante dos procedimentos que poderão ser utilizados e,
evidentemente, é determinante também dos padrões comportamentais de
adoecer, ficar saudável ou melhorar a qualidade de vida. Geralmente, tra­
balha-se no próprio contexto onde a situação/comportamento ocorre; assim,
conhecimento sobre epidemiologia, fatores psicossociais de risco para doenças
físicas, habilidades de relacionamento interpessoal, familiaridade com outras
áreas de conhecimento, como Medicina, Enfermagem, Fisiote­rapia, Nutrição,
entre outras, são importantes e necessárias para atuação profissional do
psicólogo da saúde (Casseb, 2011).
Em Psicologia da Saúde, os atendimentos não precisam ter motivo,
necessariamente, por algum transtorno psicológico. É um campo diferen­
ciado de outras áreas da Psicologia, considerando que seus usuários têm,
em geral, algum problema ligado à saúde física, que apresentam diferenças
quanto à forma ou à gravidade. Usualmente, refere-se a um indivíduo que
sofre com algum problema orgânico relacionado a aspectos comportamentais
ou emocionais, podendo ser causa ou consequência desta relação tanto a
dificuldade orgânica como os aspectos comportamentais/emocionais (Ro­
drí­guez-Marín, 2003).
24 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

A Psicologia da Saúde se desenvolveu particularmente a partir da


década de 1970, fundamentada em uma abordagem holística da saúde e da
doença, tomando como referência e unificando os campos da saúde e me-
dicina comportamental, sendo área de intervenção e investigação especifi-
camente psicológica que, levando em consideração o sujeito, a família, o
apoio social e os riscos ecológicos e econômicos para a saúde, permitiu
integrar mais harmoniosamente os três clássicos níveis de prevenção. Defi-
nida por Matarazzo (1980) como a soma de contribuições educacionais,
científicas e profissionais da Psicologia para a promoção e a manutenção da
saúde, para a prevenção e o tratamento de doenças, incluindo a identifica-
ção da etiologia e o diagnóstico dos fatores associados à saúde, à doença e
a outras disfunções associadas, bem como a análise do sistema de saúde,
com o auxílio a este e, ainda, à formação de políticas de saúde, a Psicologia
da Saúde está se introduzindo na formação de diversos profissionais da
área, conduzindo a interessantes resultados tanto no desenvolvimento in-
terno como na aceitabilidade da especialidade.
Quanto ao hospital, este é entendido como instituição de atendi-
mento à saúde, cuja finalidade específica exige dos profissionais conheci-
mentos distintos para sua atuação junto aos que precisam de assistência no
processo diagnóstico-terapêutico (Collet & Oliveira, 2002). A Psicologia,
como ciência e profissão, contribui para o desenvolvimento da saúde dos
indivíduos, atendendo também às suas necessidades na instituição hospita-
lar. Nesse contexto, a atuação do psicólogo depende de sua formação teó-
rica e de sua atuação prática. A inexistência inicial de um paradigma claro
que pudesse definir estratégias trouxe dificuldades na legitimação do espa-
ço psicológico na instituição. Esse profissional da saúde – o psicólogo –
possui um papel clínico, social, organizacional e educacional, buscando a
promoção, a prevenção e a recuperação do bem-estar do doente, de modo
global, implicando que aspectos físicos e sociais sejam considerados em
interação contínua na composição do psiquismo desse mesmo paciente
(Campos, 1995).
A contribuição da Psicologia no contexto da saúde, especialmente na
área hospitalar, foi de extrema importância nos últimos anos, na medi-
da em que buscou resgatar o ser humano para além de sua dimensão físi-
Psicologia da Saúde 25

co-biológica, situando-o em um contexto maior de sentido e significado


nas suas dimensões emocional, social e espiritual (Rodríguez-Marín, 2003;
Pessini & Bertachini, 2004). O diagnóstico de uma doença e todas as al­
terações que ela acarreta, bem como os tratamentos e seus efeitos se­cun­
dários, exibem grande impacto sobre o indivíduo e sobre os diferentes con­
textos nos quais ele se insere e, em consequência, na sua qualidade de vida
(Neipp, López-Roig, Terol, & Pastor, 2009; Paredes et al., 2008).
No adoecimento potencializam-se angústias, medos, inseguranças e
revoltas, tanto para os doentes quanto para os familiares e profissionais de
saúde, preparados, é certo, para a cura, porém em constante contato com
a morte (Dattilio & Freeman, 2004; Bruscato, 2004). O hospital é uma
instituição marcada por situações de sofrimento e dor, e pela luta constante
entre vida e morte. Estudos empíricos (O'Brien & Moorey, 2010) realizados
no âmbito da saúde identificam diferentes fatores relacionados com a
doença (tipo de enfermidade, localização, estágio e tipo de tratamento) e
com o indivíduo (personalidade, estratégias de coping, apoio social, entre
outros), que parecem mediar a relação entre o diagnóstico da doença e o
ajustamento emocional e comportamental a ela.
Quando uma pessoa está hospitalizada, várias formas de manifestações
e de condutas se expressam. Assim, além do procedimento – cirúrgico e/ou
medicamentoso –, existe a necessidade de atendimento psicológico, que
pode auxiliar para que o enfermo participe de forma efetiva e produtiva em
sua melhora e no uso de seu potencial, colaborando com os profissionais
que o atendem (Campos, 1995). A especificidade de atuação do psicólogo
no contexto hospitalar traz delimitações de objetivos e metodologias de
atuação prática. De acordo com Chiattone (2000), a mera transposição do
método de atendimento no consultório para o âmbito hospitalar pode ser
desastrosa. Uma das diferenças está relacionada ao setting terapêutico. Cada
um dos espaços, seja enfermaria, ambulatório, centro obstétrico/cirúrgico,
irá oferecer ao profissional psicólogo um contexto de atuação diferente,
tendo em vista o tipo de demanda, os objetivos e a forma de trabalhar em
equipe. O hospital se caracteriza como campo de pesquisa e atuação da
Psicologia, independentemente do referencial teórico utilizado. No en­
tanto, “as características que o próprio contexto hospitalar impõe parecem
26 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

privilegiar ações mais objetivas e diretivas, como as intervenções cognitivo-


comportamentais” (Pereira & Penido, 2010, p. 193).
O ambiente hospitalar é desconhecido, o que aumenta a insegurança
gerada pela própria doença e pelo prognóstico a ela relacionado. O enfermo
desconhece como deve se comportar, depende daqueles que o rodeiam,
sejam familiares ou profissionais da saúde. Tais sentimentos podem, assim,
interferir no seu quadro clínico; ele tende a sentir-se indefeso e a abandonar
as suas obrigações e responsabilidades, e é nessa altura que se deve agir com
prudência, tornando-o participante e também responsável pelo seu trata­
mento, uma vez que o seu estado de ânimo é importante para sua recupe­
ração (López, Santos, & Lopes, 2008).
A ansiedade no ambiente hospitalar é intensa. O profissional psicólogo
busca produzir uma mudança cognitiva dos pensamentos e crenças do
paciente, cujo objetivo é a mudança emocional e comportamental frente às
alterações e necessidades geradas pela doença e pela hospitalização. Para
vincular o paciente, levando-o a um enfrentamento e mobilização para cura,
existem dois fatores a serem considerados. A existência de um método de
tratamento é o primeiro deles, incluindo a utilização dos avanços tecnoló-
gicos, a prática, a especialização médica e a utilização dos mais variados tipos
de medicamentos. Além deste, são importantes a adesão ao tratamento por
parte da pessoa doente e a sua capacidade de reagir e enfrentar adequadamente
a situação e a doença (Rodríguez-Marín, 2003).
O conceito de adesão é variável, mas pode ser entendido como a
utilização dos medicamentos prescritos ou outros procedimentos em
pelo menos 80% de seu total, observando horários, doses, tempo de
tratamento. Não está somente relacionada ao ato de tomar ou não a
medicação prescrita, mas, além disso, ao modo como o paciente admi­
nistra seu tratamento, ou seja, o seu comportamento em relação a ele.
Assim, ela ocorre quando a conduta do paciente, no que se refere a tomar
medicamentos, seguir dietas e executar mudanças no estilo de vida,
coincide com a prescrição clínica (Leite & Vasconcellos, 2003; Gusmão
& Mion, 2006; Ben, 2011).
Nenhuma intervenção simples é eficaz. Importante e necessária é a
combinação de várias estratégias: informação adequada, aconselhamento,
Psicologia da Saúde 27

automonitoramento, lembretes, reforços periódicos, terapia familiar, psico­


terapia, acompanhamento na internação e outras formas cabíveis para cada
caso. Já se encontram validadas excelentes escalas que medem a adesão ao
tratamento medicamentoso. A escala ROMI (Rating of Medication Influen­
ces), Escala de Influências em Medicações validada em português pelos
estudos de Rosa e Marcolin (2005), é dividida em duas partes: a primeira
é semiestruturada, abordando questões sobre o estilo de vida, o local do
tratamento, o regime medicamentoso prescrito, a atitude do paciente pe­
rante o tratamento e a postura da família perante a condição clínica e
tratamentos e orientações indicadas; a outra parte é qualitativa, envolvendo
questões sobre as razões de adesão ou não adesão. As seções iniciam com
uma questão aberta: “Qual a sua motivação primária para tomar a medi­
cação?” ou: “Qual a sua motivação primária para não tomar a medicação?”.
Na sequência, apresentam uma escala de motivos para tomar ou não a
medicação, sendo que o paciente atribui um grau de influência, ou um
“peso”, para cada item: “nenhuma influência”, “moderada influência” ou
“forte influência” pontuando-se respectivamente em 1, 2 ou 3, e 9 em caso
de não ser possível avaliar o grau de influência do item.
Outro instrumento é o Teste de adesão de Morisky, validado por
Dewulf, Monteiro, Passos, Vieira e Troncon (2006). É um questionário
estruturado que mede o grau de adesão, através de quatro perguntas que
buscam avaliar o comportamento do paciente em relação ao uso da medicação.
Será classificado no grupo de alto grau de adesão quando suas respostas a
todas as perguntas forem negativas. Quando pelo menos uma das respostas
for afirmativa, o paciente será classificado no grupo de baixo grau de adesão.
Essa avaliação permite, também, discriminar se o comportamento de baixo
grau de adesão é do tipo intencional ou não intencional, sendo também
possível caracterizar pacientes acometidos por ambos os tipos de comporta­
mento de baixa adesão. Perguntas como estas compõem o teste: “Você,
alguma vez, se esquece de tomar o seu remédio?”; “Você, às vezes, é descuidado
quanto ao horário de tomar o seu remédio?”; “Quando se sente bem, alguma
vez você deixa de tomar seu remédio?”; “Quando você se sente mal com o
remédio, alguma vez você deixa de tomá-lo?”.
28 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

Prática hospitalar e estratégias de intervenção

O trabalho em hospitais se diferencia dos demais em que atua o


psicólogo: espaço físico agitado, domínio médico; ambiente onde, dificil­
mente, existe a privacidade necessária para um atendimento psicológico, não
só pelo número de pacientes internados nas enfermarias como também pelas
frequentes interrupções de outros profissionais que seguem com sua rotina.
Outra característica importante é o tempo disponível para atendimento,
visto que o paciente internado receberá alta, não havendo, na maioria das
vezes, continuidade no tratamento psicológico. Esse tempo varia com a
duração da internação, que pode ser de dias, de semanas ou de meses, de­
pendendo da gravidade e/ou da cronicidade do caso. Esse pode ainda ser um
tempo para recuperação da saúde ou um tempo para morrer. Há outra
modalidade de atendimento em hospitais que difere dos atendimentos em
enfermarias e quartos. É o trabalho clínico ambulatorial, onde geralmente o
psicólogo possui uma sala para realizar o atendimento. Dessa forma, a questão
da privacidade é mantida, mas a duração da sessão é muitas vezes reduzida,
dependendo da política institucional (Rodríguez-Marín, 2003).
Na prática hospitalar, a intervenção psicológica junto ao paciente
internado cumpre objetivos específicos. Primeiramente, busca viabilizar uma
participação ativa no processo de hospitalização, oferecendo ao enfermo
melhores condições para aliviar a relação com a doença; minimizar ansiedades,
medos e expectativas irreais frente à enfermidade, quando existem. Apesar
das dificuldades que se podem encontrar, o atendimento psicológico tem
como objetivo principal levar o paciente ao autoco­nhecimento, ao autocres­
cimento e ao alívio de seus sintomas (Baptista & Dias, 2003).
Ao ser hospitalizado por um problema orgânico, dificuldades de na­
tureza psicológica são frequentemente ignoradas. Saindo de uma condição
de sadia, de participante do convívio familiar e social, a pessoa passa à con­
dição de doente, assistida por vários profissionais, passando por pro­ce­
dimentos invasivos, muitas vezes ouvindo palavras difíceis e desconhecidas.
A vivência no âmbito hospitalar tende a gerar algumas emoções como o
medo, a depressão, a insegurança, a ansiedade, a irritabilidade e a agressi­
vidade (Kubo & Botomé, 2005). A relação dos pacientes com a hospita­
Psicologia da Saúde 29

lização, os componentes envolvidos e o modo como ela irá acontecer de­


pendem não somente dos recursos da própria instituição, mas, princi­
palmente, do repertório de recursos pessoais que trazem de suas próprias
vivências, como visão de mundo, história de vida, estrutura familiar,
religiosidade, espiritualidade, entre outros, e como esses recursos auxiliam
ou prejudicam na relação com a hospitalização e interferem no enfren­
tamento da doença. Sendo assim, a intervenção psicológica junto ao pa­
ciente hospitalizado é direcionada para o atendimento das questões emo­
cionais que envolvem a doença e a internação. Ele enfrenta situações não
esperadas, que podem modificar completamente sua rotina e suas possibi­
lidades de controle e domínio de sua vida.
O paciente que sofre de uma doença orgânica, seja grave ou aguda,
possui uma demanda psicológica específica. Precisa comunicar-se bem
com seu médico, receber informações, ser comunicado sobre o que está
acon­tecendo, o que irá ocorrer, quais os riscos e objetivos dos procedimentos.
Essas informações, além da compreensão empática, irão reforçar o sen­
timento de segurança e de apoio. A qualidade e a intensidade das reações
dos indivíduos à hospitalização tendem a variar conforme as características
das doenças e suas implicações psicológicas no comportamento do indi­
víduo. Existem diagnósticos que modificam a vida, transformando-a, lan­
çando o indivíduo em um desânimo muitas vezes total, ativando crenças e
estratégias próprias da situação e da natureza da enfermidade. Entre estas,
estão a negação, que pode levar o enfermo a negar a realidade da situação;
a minimização, que pode levá-lo a reduzir a gravidade da doença; a pro­
crastinação, que pode ajudar a agravar a situação; o pensamento positivo/
mágico, que pode fazer com que o paciente acredite que algum tipo de
ritual poderá vir a reverter o seu quadro. É importante e necessário estudar
a relação do paciente com a hospitalização e sua consequente adesão no
enfrentamento da doença, auxiliando-o na busca dos aspectos objetivos da
hospitalização e da natureza da doença (Kubo & Botomé, 2005).
A debilidade física, as consequências limitantes da doença, a dor e a
angústia resultantes da situação de dependência são fatores que aumentam
o estresse e o desconforto, experimentados em uma situação de internação
hospitalar. O paciente, na maioria das vezes, se sente perdido, sem opções,
30 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

com fantasias e medos acerca do que pode acontecer e da gravidade de seu


próprio quadro. Esse momento é vivido de forma extremamente dramática,
não importando o motivo da internação, mas sim o modo como ele vi­
vencia esse momento.
As pessoas reagem de formas variadas a uma situação específica, po­
dendo chegar a conclusões também variadas. Em alguns momentos, a
resposta habitual pode ser uma característica geral dos indivíduos dentro de
determinada cultura, em outros momentos, porém, tal resposta pode ser
idiossincrática, ou seja, derivada das experiências particulares e peculiares a
um indivíduo. Em qualquer situação, estas respostas seriam manifestações de
organizações cognitivas ou de estruturas. Uma estrutura cognitiva é um
componente da organização cognitiva, em contraste com os processos cog­
nitivos, que são passageiros (Beck, 1963). A natureza e a função dos aspectos
cognitivos, ou seja, o processamento de informação, que é o ato de atribuir
significado a algo, é o principal objeto de estudo da abordagem.
A Terapia Cognitiva utiliza o conceito da estrutura “biopsicossocial”
na determinação e na compreensão dos fenômenos relativos à psicologia
humana; no entanto, constitui-se como abordagem que focaliza o trabalho
sobre os fatores cognitivos da psicopatologia. Ela vem mostrando a sua
eficácia em pesquisas científicas rigorosas, além de ser uma das primeiras a
reconhecer a influência do pensamento sobre o afeto, sobre o compor­
tamento, sobre a biologia e sobre o ambiente (Shinohara,1997; Shaw &
Se­gal, 1999). Para esta abordagem, os indivíduos atribuem significado a
acontecimentos, pessoas, sentimentos e demais aspectos de sua vida. Com
base nessa premissa, comportam-se de determinada forma e constroem
diferentes hipóteses sobre o futuro e sobre si mesmos.
O enfoque cognitivo sobre a saúde e a psicopatologia adotou um
modelo causal de vulnerabilidade-estresse (Abramson, Metalsky, & Alloy,
1989). Assim, estressores ambientais ativam pré-disposições biológicas e
psicológicas do indivíduo, podendo resultar em alguma doença. A Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma linha de terapia científica, cujas
técnicas foram pesquisadas, comprovadas e reproduzidas (Knapp & Beck,
2008). Vários estudos comprovam a eficácia da TCC dirigida a problemas
de saúde. Pesquisas mostram-na atuante no tratamento de várias doenças,
Psicologia da Saúde 31

tais como: HIV/AIDS (Faustino & Seidl, 2010); síndrome do cólon


irritável (Neves Neto, 2001; Passos, 2006); doença obstrutiva pulmonar
crônica (Heslop, De Soysa, Baker, Stenton, & Burns, 2009; Padilha, 2010;
Von Leupoldt, Fritzsche, Trueba, Meuret, & Ritz, 2012); câncer (Castro et
al., 1993; Bishop & Warr, 2003; Dixon Keefe, Scipio, Perri, & Abernethy,
2007; Lopes, Santos Lopes, 2008; Lourenção, Santos Junior, & Luis, 2010;
O’Brien & Moorey, 2010; Pinto, 2012); doença de Parkinson (Macht,
Pasqualini, & Taba, 2007); fadiga crônica (Wittkowski, 2004; Saxty &
Hansen 2005); doenças cardiovasculares (Gomes & Pergher, 2010); TPM
(Caballo, 2008); síndrome das pernas inquietas (Prado, 2013); artrite
reumatoide (Santandrea, Boschi, & Vanti, 2011); cefaleia (Andrasik &
Rovan, 2008); fibromialgia (Penido, Rangé, & Fortes, 2005); transtorno
alimentar (Vaz, Conceição, & Machado, 2009); transplantes em geral
(Contel et al., 2000), entre outras.
A Terapia Cognitiva é uma linha de psicoterapia breve, proposta e
desenvolvida pelo psicólogo americano Aaron T. Beck. Envolve um conjunto
de técnicas e estratégias terapêuticas com a finalidade de mudança de padrões
de pensamento. Seu modelo cientificamente fundamentado apresenta
eficácia comprovada através de estudos empíricos. Trabalha com um conjunto
de técnicas específicas que utilizam princípios psicológicos de aprendizagem
para mudar construtivamente o comportamento humano. Tem como base o
modelo cognitivo no qual as emoções e os comportamentos das pessoas são
influenciados por sua percepção dos eventos. Fundamenta-se segundo o
princípio básico que diz não ser o fato em si que determina o que as pessoas
pensam, mas o modo como elas interpretam esse fato (Beck, 1997). É breve,
estruturada, orientada ao presente, direcionada a resolver problemas atuais e
a modificar pensamentos e comportamentos disfuncionais.
Outra aplicação potencial da Terapia no tratamento de pacientes
com doença física é abordar os comportamentos relacionados com a
doença, ou seja, a maneira pela qual as pessoas percebem, avaliam e agem
sobre os sintomas físicos. Dessa forma, um bom controle glicêmico em
pacientes com diabetes requer estilo de vida, respostas adequadas aos
sintomas e adesão ao tratamento. Em estudo de revisão sistemática
(Ismail, Winkley, & Rabe-Hesketh, 2004) de doze ensaios clínicos
32 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

randomizados e intervenções psicológicas que buscavam a melhora no


controle glicêmico de pessoas com Diabetes Tipo 2, oito destes casos
eram apoiados pelo tra­balho com TCC. Nestes encontraram-se melhora
no controle glicêmico de longo prazo e alívio do sofrimento psicológico
nos grupos de intervenção. Assim, a abordagem comportamental, como
um processo de aprendizagem, possui como objetivo auxiliar as pessoas
na resolução de problemas e dificuldades da vida, estando apoiada na
Análise do Comportamento. No dizer do psi­cólogo B. F. Skinner (1904-
1990), o modo como as pessoas se sentem é frequentemente tão im­
portante quanto o que elas fazem, encontrando-se, aqui, a relação entre
nossos sentimentos e nossas ações.
Os princípios básicos da Terapia Cognitiva (Beck, 1997) estão no
estabelecimento de aliança terapêutica (AT). Encontram-se ainda na iden­
tificação do pensamento atual que ajuda a manter os sentimentos ne­gativos
e comportamentos-problema, na ênfase na colaboração e na participação
ativa, na orientação para a meta e para a focalização no problema – sendo
o foco inicial centrado no aqui e agora, independentemente do diagnóstico
psicológico, e é possuidor de um caráter educativo, que enfatiza a prevenção
de recaída. Possui tempo de duração limitado e encontros estruturados, e a
relação terapêutica considera três fatores básicos que auxiliam a manter a
relação iniciada: a confiança básica, a colaboração terapêutica e o rapport
(Beck, 1979).
Ao longo da sua história de vida, os indivíduos formam diferentes
estruturas de significado (esquemas) que, por sua vez, influenciarão a maneira
como eles irão interpretar a realidade. A Terapia Cognitiva afirma que os
esquemas disfuncionais resultantes dessa história de vida são comuns a todos
os transtornos mentais e que a modificação destes esquemas costuma resultar
em mudanças no humor e no comportamento das pessoas
O modelo cognitivo pressupõe, portanto, que a maioria dos trans­
tornos psicológicos tem origem na forma distorcida com que cada um
per­cebe os acontecimentos e que esta influencia o afeto e o comportamento
da pessoa. Isso não significa que sejam os pensamentos os causadores dos
problemas, mas sim que fazem modular e manter emoções disfuncionais
que independem de sua origem (Rangé, 2001).
Psicologia da Saúde 33

3 níveis do pensamento
A Terapia Cognitivo-Comportamental trabalha com três níveis de
pensamento: o pensamento automático, as crenças intermediárias ou
subja­centes e as crenças centrais. Os pensamentos automáticos são espon­ pensamentos
automáticos
tâneos e fluem a partir dos acontecimentos do dia a dia, independentemente
de de­liberação ou de raciocínio. Podem ser ativados por eventos externos
e internos, aparecem sob forma verbal ou como imagem mental. É o
nível mais superficial da nossa cognição. Trata-se de ideias e conceitos a
respeito de nós mesmos, das pessoas e do mundo. São aceitos passiva-
mente, sem grandes questio­namentos, mantidos e reforçados sistemati­
camente (Beck, 2013). crenças intermediárias
Quanto às crenças intermediárias, estas correspondem ao segundo
nível de pensamento e não são diretamente relacionadas às situações, ocor­
rendo sob a forma de suposições ou regras. Derivam e reforçam as crenças crenças
centrais
centrais, que constituem o nível mais profundo da estrutura cognitiva e são
compostas por ideias absolutistas, rígidas e globais que um indivíduo tem
sobre si mesmo. No atendimento em ambiente hospitalar, esse conceito
mais enraizado e cristalizado acerca de si mesmo, dos outros e do mundo,
constituído desde as experiências infantis, que se solidifica e se fortalece ao
longo da vida, moldando, assim, a forma de ser e de agir da pessoa, é pouco
utilizado, salvo em atendimentos a pacientes crônicos com os quais o
psicólogo tem contato mais sistemático (Beck, 2013).
A TCC reinterpreta os elementos que geram emoção negativa. Tem
como princípio básico a proposição de que não é uma situação que deter­
mina as emoções e os comportamentos de um indivíduo, mas sim suas
cognições ou interpretações a respeito da situação, as quais refletem formas
idiossincráticas de processar informação. Com base nesse princípio e na
hipótese da primazia das cognições proposta por Beck, a Terapia Cognitiva
busca a reestruturação cognitiva a partir de uma conceituação cognitiva do
paciente e de seus problemas. Reestruturação cognitiva refere-se à refor­
mulação do sistema de esquemas e crenças do paciente mediante a inter­
venção clínica que, entre outras técnicas, utiliza-se do questionamento so­
crático a fim de desafiar esquemas e crenças disfuncionais, os quais, ao
longo do desenvolvimento do paciente, tornaram-se rígidos e supergenera­
lizados (Freeman & Power, 2007).
34 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

Sempre que a pessoa experimenta um estado de humor, existe um


pensamento relacionado a ele que ajuda a definir esse humor. É importante
identificar o que se está pensando, porque os pensamentos levam às crenças.
Diferentes crenças levam a estados de humor diferentes. A Terapia Cogni­
tivo-Comportamental propõe olhar a situação-problema a partir de muitos
pontos de vista diferentes – positivos, negativos e neutros –, para levar a
pessoa a novas conclusões e soluções. A solução é elaborar pensamentos
alternativos, ou seja, flexibilizar o pensamento. Um pensamento alternativo
surge de uma visão aumentada de si mesmo ou da situação na qual o
indivíduo se encontra. Ele é frequentemente mais positivo que o pensamento
automático, mas não é a mera substituição por um pensamento positivo,
pois este tende a ignorar as informações negativas. Com informações adi­
cionais ou um ponto de vista ampliado, a percepção mudará e, em conse­
quência, o indivíduo terá novos sentimentos e comportamentos (Freeman
& Power, 2007; Knapp & Beck, 2008).
Durante a hospitalização, paciente e psicólogo formulam um acordo
relacionado aos objetivos e procedimentos terapêuticos. É importante e
necessário explicar a duração do atendimento, a frequência, o funcio­
namento do processo e as suas flutuações. Reunir as respostas pode facilitar
o acesso a um acordo mínimo sobre esses pontos. Caso o paciente traga
algum marco de trabalho excessivamente restritivo pela causa da hos­
pitalização, ou não aceitar atendimento junto ao leito, não insistir. O que
fazer quando o paciente se nega a falar ou simplesmente ignora a presença
do psicólogo? Em geral, na primeira fase do contato, pode-se empregar
mais a empatia, aceitação e autenticidade, para assim fomentar a confiança
básica. Na segunda fase, reforça-se de modo progressivo a autonomia do
paciente; por exemplo, planificando com ele uma agenda em que po-
dem ser usadas atribuições internas a suas conquistas, como autoefi-
cácia, aumento de au­toestima observado nos cuidados consigo ou com o
tratamento (Rodri­guez-Marín, 2003; Freeman & Power, 2007; Heslop
et al., 2009).
Pensamentos Automáticos (PAs) são experiências comuns a todos,
não sendo exclusivamente inerente às pessoas com angústia. Eles influenciam
as respostas emocionais, comportamentais e fisiológicas subsequentes. A
Terapia Cognitiva ensina ferramentas para avaliar os pensamentos de uma
Psicologia da Saúde 35

forma consciente, estruturada. Embora pareçam surgir espontaneamente,


eles se tornam bastante previsíveis, tão logo as crenças subjacentes do
paciente sejam identificadas. Alguns exemplos de PAs de pacientes hospi­
talizados: enfermo em avaliação diagnóstica: “Isso faz sentido, finalmente
um médico com cabeça!” (entusiasmado); doente renal crônico recebendo
indicação de tratamento de hemodiálise: “Ah! Isso não é possível, nunca vai
funcionar!” (decepcionado); paciente em tratamento, há três meses, para
hemodiálise: “Este tratamento é muito ruim, um desperdício de tempo”
(aborrecido); paciente oncológico em radioterapia: “Tá muito complicado...
Sou muito burro, nunca vou entender por que preciso fazer este tipo de
tratamento” (triste); enfermo com indicação de cirurgia oncológica: “Eu
preciso mesmo fazer isso? E se eu não conseguir? Vou piorar?” (ansioso);
enfermo traumatológico, internado há dois meses: “Puxa, que médico este
#!#$¨#!” (raivoso).
Existem formas utilizadas para questionar estes PAs, por exemplo:
“Quais são as evidências contra [que apoiam] essas ideias?”; “Existe alguma
explicação alternativa?”; “Qual é o pior [melhor] que poderia acontecer?”;
“Qual é o efeito de eu acreditar neste PA?”; “Qual poderia ser o efeito de eu
acreditar [mudar] este PA?”; “O que eu deveria fazer em relação a isso?”; “O
que eu diria a um[a] amigo[a] se ele[a] estivesse na mesma situação?”. Exemplos:
“Por que isso aconteceu comigo?”; “Isso não deveria ter acontecido comigo! Eu
serei capaz de enfrentar isso?”; “Eu não serei capaz de enfrentar... Como
superarei isso?”; “Eu não serei capaz de superar isso... E se eu não puder mudar
isso tudo?”; “Eu serei infeliz para sempre, se eu não puder mudar...”.
Na prática, várias queixas são ouvidas porque é grande a dificuldade
dos indivíduos em lidar com as alterações provocadas pela doença (afas­
tamento da rede social, mudança na imagem corporal [IC], temor quanto
aos riscos da cirurgia). Algumas distorções (erros de pensamento) são
obser­vadas na prática, dentre elas: “Tudo ou nada”; paciente oncológico:
“Se eu não sou corajoso para fazer este tratamento, então eu sou um co­
varde” (“catastrofização”); paciente com indicação de exame de ressonância:
“Eu vou ficar tão nervosa que não serei capaz de entrar naquela máquina”
(“desqualificando”); paciente em seu pós-cirúrgico: “Eu fui bem na cirurgia,
mas isso foi pura sorte” (argumentação emocional); paciente com suspeita
36 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

diagnóstica de câncer: “Eu sei que eu faço muitas coisas certas para minha
saúde, mas ainda me sinto como se eu fosse um fracasso” (“rotulando”);
paciente internado em enfermaria geral de um Hospital Universitário: “Os
médicos não prestam... E psicólogo é para louco... Eu não sou... Não
preciso!” (magnificação/minimização); paciente renal com indicação de
cirurgia para fístula arteriovenosa: “Não conseguir fazer esta cirurgia, isso
mostra para todos que sou uma medrosa. Conseguir fazer não significa que
eu sou corajosa” (“filtro mental”, abstração seletiva); doente renal em
hemodiálise: “Eu não consigo fazer nada certo do que o doutor manda...
Isso me diz que o que estou fazendo é péssimo” (“leitura mental”): paciente
oncológico, iniciando quimioterapia: “Ele está pensando que eu não sei
nada sobre estes remédios ai...” (supergeneralização); paciente em trata­
mento de hemodiálise há mais de seis anos: “Eu não tenho motivos para
me cuidar. Não devia ter ficado doente; estou causando sofrimento para
todos da minha família. Não aguento mais isso. Um dia peguei minha mãe
chorando e é tudo por minha culpa...” (personalização); paciente em
avaliação por doença infectocontagiosa: “O doutor ficou brabo comigo
porque eu fiz uma coisa errada na hora dos exames...” (declarações do tipo
“eu deveria e eu devo”); doente renal em hemodiálise: “É terrível que eu
tenha cometido um erro. Eu deveria dar o melhor de mim e acertar sempre”
(“visão em túnel”); pai de jovem hospitalizado pós-acidente de moto: “O
doutor do meu filho não sabe fazer nada direito. Ele é muito crítico,
insensível e nos trata mal (inferência arbitrária); uma forma ou padrão de
perceber o mundo de forma errada, muitas vezes longe da realidade: “Não
quero, tenho medo, é muito arriscado. Eu sei que, de cada 50 pacientes
transplantados, apenas um sobrevive”.
Dentre as técnicas cognitivas comumente utilizadas no espaço
hospitalar, está a psicoeducação, que inclui: a determinação do significado
idiossincrático, cujo objetivo é questionar qual o significado da verbalização
do paciente; o questionamento de evidências: exame das fontes de infor­
mação; a reatribuição: distribuir a responsabilidade pela situação; a ação de
“descatastrofizar”: objetiva neutralizar as expectativas negativas, sendo um
procedimento que leva o paciente a identificar seus piores temores per­
Psicologia da Saúde 37

guntando o que de pior poderia lhe acontecer. É útil para os casos em que
a pessoa prediz importantes consequências negativas para os acontecimentos,
atribuindo-se poucos poderes para enfrentá-las; ao mudar o foco de aten­
ção, chegará à conclusão de que poderá, sim, enfrentá-las. Importante levar
o paciente a centrar sua atenção na conduta de enfrentamento, perguntando:
“e se isso acontecer, o que você faria?”. Conduz-se o tratamento dessa for­
ma, quando o paciente repete ou indica que é o pior. Mostrar a ele que se
pode sempre fazer algo para resolver um problema, que a situação pode
não ser tão terrível, que pode ser apenas incômoda. Outra técnica é incen­
tivar o paciente a falar de imagens que lhe vêm à cabeça: consequências
imaginárias; além das vantagens e desvantagens, avaliando todos os aspectos
da situação, e a descoberta orientada: “e então”; “o que isto significa”; “o
que aconteceria neste caso” (Caballo, 2008).
Entre as técnicas comportamentais mais usadas no espaço hospitalar
estão o programa de atividades; o treinamento em habilidades sociais (THS);
a biblioterapia; o relaxamento; a identificação de alvos comporta­mentais
(déficits e excessos); a instrução para planejamento de atividades e progra­
mação de recompensa; o estímulo ao aumento de autogratificações; o
estímulo e a construção de estratégias para a diminuição do tempo de ru­
mi­nação; e avaliação e estímulo às necessidades do paciente para modificar
hábitos alimentares e de higiene.
As técnicas cognitivas são associadas nos seguintes grupos de conexão
entre pensamentos: situações ativadoras e evocação de afetos negativos; no uso
da busca de evidências e distorções cognitivas; no uso de experimentos; explo-
ração de crenças e pressupostos subjacentes. É importante esclarecer que o
acesso às crenças é realizado nos casos de paciente crônico ou de alguma pato-
logia/trauma que exija um tempo de hospitalização mais prolongado, caso
contrário, são trabalhados os PAs e os comportamentos; conforme o ABC
de Ellis: A – eixo ativador; B – pensamentos e crenças; e C – consequências
emocionais. Albert Ellis criou a teoria do “ABC” emocional, nome críptico
que serve para facilitar o trabalho didático e educativo. Tratou de estabelecer
as principais crenças irracionais que na sua maioria dividimos na sociedade
ocidental, seja por educação, tendências biológicas, influências sociais etc., e
38 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

que é conveniente combater para se alcançar um maior desenvolvimento pes-


soal e social (Dryden, Neeman, & Yankura, 1999; Siqueira, 2011).
Na conexão dos pensamentos às situações e ao afeto, o paciente é
encorajado a se perguntar o que pensava em determinadas situações,
entre­tanto muitos podem ter dificuldade de lembrar ou examinar o
pensamento. O terapeuta pode então utilizar várias alternativas. Existem
muitos formulários de registros de pensamentos que podem ser utilizados
com esse objetivo, comumente adaptados para cada tipo de transtorno,
mas quase todos pos­suem colunas que representam a situação, a emoção/
sintoma, e os pensa­mentos. O preenchimento pode exigir certa prática,
alguns podem sentir desconforto em anotar seus pensamentos, e mes-
mo aqueles que não tiverem dificuldades em anotar poderão, provavel-
mente, não registrar os pensamentos “quentes”. Por meio de questiona-
mento e de diálogo, o psicólogo pode aju­dar o paciente a refinar a
habilidade de registrar pensamentos e se tornar, com isso, mais ciente dos
pensamentos “quentes”. Essa atividade, porém, pode ser difícil de ser
utilizada no atendimento hospitalar (Knapp & Beck, 2008; Torres, Pe-
reira, & Monteiro, 2012).
No uso da busca de evidências e distorções cognitivas, utilizando
uma abordagem socrática, os pacientes aprendem a questionar as evidências
em torno de um pensamento angustiante buscando uma visão mais ampla
da situação. No entanto, o exame das distorções não representa o “pensa­
mento positivo”. Os psicólogos terapeutas fazem perguntas que primeiro
buscam verificar os parâmetros situacionais relacionados ao pensamento
negativo, para então solicitar que os pacientes mudem de perspectiva,
percebendo a situação “através” de outras pessoas. Após, buscam com que
os pacientes focalizem informações incompletas ou indefinidas. Diante
das novas informações, o psicólogo solicita ao paciente que considere um
“pen­samento alternativo” que leve em conta todas as evidências. A
compreensão das distorções cognitivas ajuda no rápido ataque aos seus
próprios erros cognitivos.
A intervenção psicológica e a atuação do psicólogo junto à equipe
permitem que sejam trabalhadas emoções presentes na situação de hospi­
Psicologia da Saúde 39

talização e que interferem no diagnóstico, na identificação e no processo de


tratamento do paciente. Seu trabalho pode iniciar com a coleta de informa­
ções úteis para o entendimento e a compreensão do estilo de vida do
paciente e dos recursos que possui para enfrentamento da hospitalização e
da doença. É importante investigar a história de vida do paciente, o que ele
pensa e sente no momento atual, que hipóteses faz sobre sua doença e seu
tratamento (Abernethy et al., 2006). Com isso, as expectativas, as mudan-
ças, os sentimentos de perda e a ansiedade, a percepção de si mesmo e de
sua imagem corporal antes e após o diagnóstico de sua enfermidade poderão
ser trabalhados de maneira correta e eficaz.
Dessa forma, o paciente terá a oportunidade de observar o processo
de adoecer desvinculado dos sentimentos de culpa e de castigo, e também
da consideração da cura como um prêmio. Esses são aspectos observados
com a internação, quando o paciente padece de ansiedade e de preocupação
com o diagnóstico e/ou com a cirurgia e suas consequências, suas possíveis
e prováveis sequelas, que resultam em sentimentos de perda, de solidão e
de medo, sendo importante também observar seu estado emocional, que
poderá atrapalhar o tratamento. A análise custo-benefício pode ser uma
maneira útil de auxiliar o paciente a avaliar um padrão de comportamento
ou de pensamento que está sendo reforçado por ganhos de curto prazo. Por
exemplo, um paciente de 30 anos de idade internou em UTI por uma
grave crise asmática. Recuperado fisicamente, apresentou intensa ansiedade,
restringindo os lugares aonde ia, para ficar sempre próximo de um hospital,
caso necessitasse. Começou a frequentar um serviço de emergência além
do clínico geral. Ele tinha muitos pensamentos e imagens automáticas,
facilmente acessíveis, relacionadas diretamente com a asma. Dentre os PAs,
manifestava: “Se eu tiver um ataque grave, vou morrer. E se eu não estiver
próximo de um hospital, é certo que vou morrer”. Na realidade, este pen­
samento podia ser verdadeiro, uma vez que ele corria o risco de novas crises
de asma, mantendo, de fato, proximidade com a morte. A formulação do
caso mostrou que ele superestimava essa probabilidade. Sendo muito difí­
cil, para ele, lidar com a incerteza, restringia excessivamente seus movimen­
tos: focava excessivamente o objetivo de evitar a possibilidade de sentir-se
40 Psicologia da Saúde: Bases e Intervenção em Hospital Geral

mal. Uma intervenção utilizada foi a análise custo-benefício, que destacou


os custos de seus comportamentos em relação aos benefícios.
No modelo de Beck, o foco está nas crenças disfuncionais, conside­
radas causadoras ou perpetuadoras de padrões desadaptativos de pensa­
mento, de comportamento e de emoção. Quando se lida com uma doença
física, deve-se levar em conta que as crenças relacionadas com a doença
podem não ser imprecisas. Dessa forma, lidar com pensamentos negativos
“realistas” não é um problema incomum quando se trata da definição de
doença crônica e, às vezes, com risco de vida (Moorey, 2005).
Uma das formas de lidar com o paciente hospitalizado e seus pensa­
mentos é não assumir que entendeu o que ele esta querendo dizer. O valor
de fazer perguntas buscando esclarecimentos está em levar o paciente a
pensar e/ou a confrontar pensamentos negativos com o risco real da doença.
Por exemplo, ao tratar um paciente com um mal prognóstico, cujo pensa­
mento “eu vou morrer” é o mais problemático, torna-se inútil tentar desa­
fiar a realidade, porém é fecundo explorar os problemas relacionados ao
morrer. Fazer perguntas sobre uma série de questões que podem ser abor­
dadas, tais como preocupações religiosas, preocupação sobre a forma de
lidar com os sintomas de ansiedade decorrentes ou, mesmo, como os de­
mais irão lidar com sua perda (Freeman & Power, 2007).
A forma indicada para tratar problemas relacionados à cognição
con­siste no reconhecimento da natureza deste prejuízo e, tanto quanto
possível, na ajuda ao paciente para recuperar este déficit. Alterações da
consciência, da percepção e da capacidade em manter a atenção, além de
falhas na me­mória, podem estar relacionadas a uma série de eventos
presentes durante a internação, desde o isolamento durante um longo
período de tempo, a rotina das atividades e horários, até o efeito tóxico de
determinados medicamentos. O uso de objetos para orientação, como
relógio e calendário, janelas por onde entra a luz do dia e a da noite, o
contato com familiares e o cuidado com a orientação clara e objetiva an-
tes de qualquer procedimento, são inter­venções terapêuticas em um
sentido amplo e eficaz nessas situações. Em um sentido mais estrito, o
emprego da negação pelo paciente deve ser avaliado cuidadosamen­te.
Psicologia da Saúde 41

Pode-se intervir, usando-se o esclarecimento e o apoio como facilitadores


para modificação do comportamento e da aceitação da realidade (Freeman
& Power, 2007).

Considerações finais

É perfeitamente normal e até esperado que uma pessoa diminua suas


atividades no período de uma doença aguda. Ela pode se afastar do trabalho
e reduzir suas responsabilidades familiares durante o período de tempo de
sua recuperação. No entanto, quando a doença não oferece perspectiva de
recuperação, trazendo efeitos prejudiciais, que incluem alterações fisioló­
gicas como perda de massa muscular, dor, fadiga intensa, haverá também
uma redução de vivências prazerosas e de realização. O paciente pode se
tornar socialmente marginalizado, percebendo ressentimento por parte
daqueles que estão a sua volta. A ativação comportamental busca reverter
esses efeitos a partir do aumento dos níveis de atividade. Neste caso, a
decisão sobre o final de tratamento não são baseadas em resolução completa
dos sintomas físicos e/ou emocionais, muitas vezes, impossível de ocorrer.
O objetivo da TCC é dar aos pacientes as habilidades e a capacidade de
resolver seus próprios sintomas, constituindo indicação de resolução e
término o momento que o paciente adquire estas habilidades.
Muitos pacientes poderiam receber atenção e intervenção como
atendimento preventivo e promocional em saúde. A necessidade de uma
intervenção efetiva pode ser observada pelo aumento de taxas de morbidade
em pacientes que mostram dificuldades de adaptação/adesão à doença or­
gânica. Há evidências que mostram que o custo-benefício é grande.
Enquanto isso, a Terapia Cognitivo-Comportamental pode ser extrema­
mente útil no tratamento de pessoas com alguma doença orgânica. Sua
eficácia depende dos conhecimentos necessários para formular e intervir
além do treinamento pelo qual devem passar os profissionais que a utilizam,
e necessita ainda mais investigação para que as decisões tomadas sejam
baseadas em evidências.

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