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Filosofia e Políticas Educacionais

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FILOSOFIA E

POLITICAS EDUCACIONAIS

BELO HORIZONTE / MG

1
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 3
TÓPICO I: BREVE HISTÓRICO DA FILOSOFIA ........................................................................................ 4
TÓPICO II: CONCEITO E PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA .................................................................... 6
Tópico III: Filosofia E Educação ...................................................................................................... 7
Tópico IV: O Ensino De Filosofia ...................................................................................................16
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................19

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

INTRODUÇÃO

Prezados alunos,

Nos esforçamos para oferecer um material condizente com a graduação e consequente


capacitação daqueles que se candidataram à está Pós-Graduação, procurando referências atualizadas,
embora saibamos que os clássicos são indispensáveis ao curso.
As ideias aqui expostas, como não poderiam deixar de ser, não são neutras, afinal, opiniões
e bases intelectuais fundamentam o trabalho dos diversos institutos educacionais, mas deixamos claro
que não há intenção de fazer apologia a esta ou aquela vertente, estamos cientes e primamos pelo
conhecimento científico, testado e provado pelos pesquisadores.
Apesar de o curso possuir objetivos claros, positivos e específicos, nos colocamos abertos
para críticas e para opiniões, pois somos conscientes que nada está pronto e acabado e com certeza
críticas e opiniões só irão acrescentar e melhorar.
Como os cursos baseados na Metodologia da Educação a Distância, você é livre para estudar
do melhor modo que possa. Este arranjo preserva a sua individualidade impondo, uma
responsabilidade imperativa. Organize-se, lembrando que: aprender sempre, refletir sobre a própria
experiência se somam, e que a educação é demasiado importante para nossa formação.

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

TÓPICO I: BREVE HISTÓRICO DA cujo objetivo máximo seria a formação de um


FILOSOFIA cidadão pleno, preparado para atuar
politicamente para o crescimento da cidade.
Dentro desta proposta pedagógica, os jovens
A palavra filosofia é de origem grega deveriam ser preparados para falar bem
(philosophia) e significa "amor à sabedoria". A (retórica), pensar e manifestar suas qualidades
filosofia surge desde o momento em que o artísticas.
homem começou a refletir sobre o funcionamento
Para Sócrates, a verdade está ligada ao
da vida e do universo, buscando uma solução
bem moral do ser humano. Ele começa a pensar
para as grandes questões da existência humana.
e refletir sobre o homem, buscando entender o
Os pensadores, no contexto histórico funcionamento do Universo dentro de uma
de sua época, buscam diversos temas para concepção científica. Ele não deixou textos ou
reflexão. A Grécia Antiga é conhecida como o outros documentos, desta forma, só podemos
berço dos pensadores, sendo que os sophos conhecer as ideias de Sócrates através dos
(sábios em grego) buscaram formular, no século relatos deixados por Platão.
VI a.C., explicações racionais para tudo aquilo
que era explicado, até então, através da Sócrates teve como discípulo de Platão
que defendia que as ideias formavam o foco do
mitologia.
conhecimento intelectual. Os pensadores teriam
a função de entender o mundo da realidade,
separando-o das aparências.

AULA 1: Os Pré-Socráticos Outro importante filosofo desta época


foi Aristóteles que desenvolveu os estudos de
Platão e Sócrates. Foi Aristóteles quem
desenvolveu a lógica dedutiva clássica, como
forma de chegar ao conhecimento científico. A
A primeira corrente de pensamento,
sistematização e os métodos devem ser
surgiu na Grécia Antiga por volta do século VI
desenvolvidos para se chegar ao conhecimento
a.C. Os filósofos que viveram antes de Sócrates
pretendido, partindo sempre dos conceitos gerais
se preocupavam muito com o Universo e com os
para os específicos.
fenômenos da natureza. Tinham por objetivo
explicar tudo através da razão e do conhecimento
científico. Período Pós-Socrático
Neste contexto, destacam-se os físicos
Tales de Mileto, Anaximandro e Heráclito.
Pitágoras desenvolveu seu pensamento Compreende o final do período clássico
defendendo a ideia de que tudo preexiste a alma, (320 a.C.) até o começo da Era Cristã, dentro de
já que esta seria imortal. Demócrito e Leucipo um contexto histórico que representa o final da
defendem a formação de todas as coisas, a partir hegemonia política e militar da Grécia. Dentro
da existência dos átomos. deste espaço temporal surgem as seguintes
doutrinas:
Período Clássico Ceticismo: de acordo com os
pensadores céticos, a dúvida deve estar sempre
presente, pois o ser humano não consegue
Na Grécia Antiga, os séculos V e IV a.C, conhecer nada de forma exata e segura.
foram de grande desenvolvimento cultural e
Epicurismo: os epicuristas, seguidores
científico. O esplendor de cidades como Atenas,
do pensador Epicuro, defendiam que o bem era
e seu sistema político democrático, proporcionou
originário da prática da virtude. O corpo e a alma
o terreno propício para o desenvolvimento do
não deveriam sofrer para, desta forma, chegar-se
pensamento. É a época dos sofistas e do grande
ao prazer.
pensador Sócrates.
Estoicismo: os sábios estoicos como,
Os sofistas, entre eles Górgias,
por exemplo, Marco Aurélio e Sêneca, defendiam
Leontinos e Abdera, defendiam uma educação,

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

a razão a qualquer preço. Os fenômenos Conhecido como o percursor do


exteriores a vida deviam ser deixados de lado, pensamento filosófico moderno, o filósofo e
como a emoção, o prazer e o sofrimento. Outros matemático francês René Descartes dá uma
filósofos representantes desta corrente filosófica grande contribuição para a Filosofia no século
são: Zenão de Cítio (fundador do estoicismo), XVII ao desenvolver o Método Cartesiano.
Cleantro e Epicteto. Segundo este método, só existe aquilo que pode
ter sua existência comprovada.
O iluminismo surge em pleno século
Período Medieval
das Luzes, o século XVIII. A experiência, a razão
e o método científico passam a ser as únicas
Na Idade Média, o pensamento foi formas de obtenção do conhecimento. Este, a
muito influenciado pela Igreja Católica. Por esta única forma de tirar o homem das trevas da
razão, o teocentrismo acabou por definir as ignorância. Podemos citar, nesta época, os
formas de sentir, ver e também pensar durante o pensadores Immanuel Kant, Friedrich Hegel,
período medieval. De acordo com Santo Montesquieu, Diderot, D'Alembert e Rosseau.
Agostinho, importante teólogo romano, o O século XIX é marcado pelo
conhecimento e as ideias eram de origem divina. positivismo de Auguste Comte. O ideal de uma
As verdades sobre o mundo e sobre todas as sociedade baseada na ordem e progresso
coisas deviam ser buscadas nas palavras de influência nas formas de refletir sobre as coisas.
Deus. O fato histórico deve falar por si próprio e o
A partir do século V até o século XIII, método científico, controlado e medido, deve ser
uma nova linha de pensamento ganha a única forma de se chegar ao conhecimento.
importância na Europa. Surge a escolástica, Neste mesmo século, Karl Marx utiliza
conjunto de ideias que visava unir a fé com o o método dialético para desenvolver sua teoria
pensamento racional de Platão e Aristóteles. O marxista. Através do materialismo histórico, Marx
principal representante desta linha de propõe entender o funcionamento da sociedade
pensamento foi São Tomás de Aquino. para poder modificá-la. Através de uma
revolução proletária, a burguesia seria retirada do
controle dos bens de produção que seriam
Período Filosófico Moderno controlados pelos trabalhadores.
Neste contexto, Friedrich Nietzsche, faz
No Renascimento Cultural e Científico, duras críticas aos valores tradicionais da
surgindo da burguesia e encerrando Idade sociedade, representados pelo cristianismo e
Média, as formas de pensar sobre o mundo e o pela cultura ocidental. O pensamento, para
Universo ganham novos rumos. A definição de libertar, deve ser livre de qualquer forma de
conhecimento deixa de ser religiosa para entrar controle moral ou cultural.
num âmbito racional e científico. O teocentrismo
é deixado de lado e entre em cena o
antropocentrismo homem no c entro do Período Contemporâneo
Universo).
René Descartes cria o cartesianismo, No século XX várias correntes de
privilegiando a razão e considerando-a base de pensamentos agiram ao mesmo tempo. As
todo conhecimento. A burguesia, camada social releituras do marxismo e novas propostas
em crescimento econômico e político, tem seus surgem a partir de Antonio Gramsci, Henri
ideais representados no empirismo e no Lefebvre, Michel Foucault, Louis Althusser e
idealismo. Gyorgy Lukács. A antropologia ganha
No século XVII, o pesquisador e sábio importância e influencia o pensamento do
inglês Francis Bacon cria um método período, graças aos estudos de Claude Lévi-
experimental, conhecido como empirismo. Neste Strauss. A fenomenologia, descrição das coisas
mesmo sentido, desenvolvem seus pensamentos percebidas pela consciência humana, tem seu
Thomas Hobbes e John Locke. maior representante em Edmund Husserl. A

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

existência humana ganha importânci a nas Mas, nem sempre a Filosofia tratou de temas
reflexões de JeanPaul Sartre, o criador do selecionados, como os indicados acima.
existencialismo.
Na Grécia, a Filosofia tratava de todos
os temas, já que até o séc. XIX não havia uma
separação entre ciência e filosofia, incorporava
TÓPICO II: CONCEITO E
todo o saber. A Filosofia inaugurou um modo
PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA novo de tratamento dos temas a que passa a se
dedicar, determinando uma mudança na forma
de conhecimento do mundo até então vigente
A filosofia trata da realidade não a partir
(ARANHA, 1996).
de recortes, mas do ponto de vista da totalidade.
A filosofia em sua trajetória histórica
A visão da filosofia é de conjunto, de procura resposta as questões percebidas e a
entendimento do problema, não de modo cada época são respondidas a partir de
parcial, mas relacionando cada aspecto diferentes reflexões que constituem correntes ou
observado outros do contexto em que está escolas de pensamentos.
inserido (CUNHA,1992). Platão (427-347a.C) e Aristóteles (384-
A Filosofia não faz juízos de 322 a.C) deram à filosofia uma de suas melhores
realidade, como a ciência, mas juízos de definições. Eles viram a filosofia como um
valor. Isto significa que filosofar é ir além do discurso admirado e espantado com o mundo. A
que é, é buscar entender como deveria ser, filosofia faz, na concepção tradicional que
julgar o valor da ação, ir em busca do aparece em Platão e Aristóteles, ou seja, põe
significado Filosofia propriamente surge certas perguntas que nos obrigam a olhar o banal
quando um pensar torna- se objeto de uma como não mais banal.
reflexão (CUNHA,1992). A filosofia, então, é o vocabulário com o
qual se desbanaliza o banal. Tudo com o que se
Pode-se então conceituar a filosofia acostuma torna-se motivo para uma suspeita,
tudo que é corriqueiro fica sob o crivo de uma
como uma reflexão sobre os problemas que a
sentença indignada, e então deixamos de nos
realidade apresenta.
aceitar como acostumados com as coisas que
até então estão se estava acostumado.
A filosofia não é, de modo algum,
uma simples abstração independente da vida. A maioria das definições de filosofia são
Ao contrário ela é a própria manifestação razoavelmente controversas, em particular
humana e sua mais alta expressão. A filosofia quando são interessantes ou profundas. Esta
traduz o sentir, o pensar e o agir do homem. situação deve-se em parte ao fato de a filosofia
Evidentemente, o homem não se alimenta da ter alterado de forma radical o seu âmbito no
filosofia, mas sem dúvida nenhuma, com a decurso da história e de muitas das investigações
ajuda da filosofia (BRANGATTI,1993) nela originalmente incluídas terem sido mais
tarde excluídas (ARANHA, 1996).
Uma definição é que a filosofia consiste
Tal ramo do conhecimento pode ser em pensar sobre o pensamento. Isto permite-nos
caracterizado de três modos: sublinhar o caráter de segunda ordem da
- pelos conteúdos ou temas tratados; disciplina e tratá-la como uma reflexão sobre
gêneros particulares de pensamento — formação
- pela função que exerce na cultura; de crenças e de conhecimento — sobre o mundo
- pela forma como trata tais temas. ou porções significativas do mundo
(ARANHA,1996).
Uma definição mais pormenorizada,
Com relação aos conteúdos,
mas ainda assim incontroversa e abrangente, é
contemporaneamente, a Filosofia trata de
que a filosofia consiste em pensar racional e
conceitos como o bem, beleza, justiça, verdade.
criticamente, de modo mais ou menos
sistemático sobre a natureza do mundo em geral

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

(metafísica ou teoria da existência), a justificação desenvolvimentos das ciências naturais


de crenças (epistemologia ou teoria do (CUNHA,1992).
conhecimento), e a conduta de vida a adaptar
Parte considerável da filosofia volta-se
(ética ou teoria dos valores).
mais para o modo pelo qual conhecemos as
Cada um dos três elementos listados coisas do que propriamente para as coisas que
possui uma contraparte não filosófica, da qual se conhecemos, sendo essa uma segunda razão
distingue pelo seu modo de proceder pela qual a filosofia parece carecer de conteúdo.
explicitamente racional e crítico e pela sua
No entanto, discussões a respeito de
natureza sistemática. Todos têm sua concepção
um critério definitivo de verdade podem
geral sobre a natureza do mundo em que vivem determinar, na medida em que recomendam a
e do lugar que nele ocupam. A metafísica aplicação de um dado critério, quais as
interroga-se sobre os pressupostos que proposições que na prática se delibera como
sustentam acriticamente estas concepções sendo verdadeiras. As discussões filosóficas da
recorrendo a um conjunto organizado de crenças teoria do conhecimento têm exercido, ainda que
(ARANHA, 1996). de modo indireto, importante efeito sobre as
Conforme Chauí (1985), ciências (CUNHA,1992).
ocasionalmente, duvidamos e questionamos
Diferentes partes da filosofia, e
crenças, não só as nossas como as alheias, e diferentes elementos que compõem nossa visão
fazemos com mais ou menos sucesso sem de mundo, deveriam integrar-se. Sendo assim,
possuirmos uma teoria acerca do que fazemos. conceitos à primeira vista muito distanciados
As ações também são usadas com vista a podem vir a afetar de modo vital outros conceitos
objetivos e fins que valorizamos. A ética, ou que envolvem mais de perto a vida diária.
filosofia moral, no sentido mais inclusivo,
pretende articular, de uma forma racional e A filosofia merece ser valorizada por si
sistemática, as regras ou princípios subjacentes. própria, e não por seus efeitos indiretos de ordem
(Na prática, a ética tem-se restringido aos prática. E a melhor maneira de assegurar esses
aspectos morais da conduta e, em geral, tem bons efeitos práticos é a dedicação em encontrar
tendência para ignorar a maioria das ações que a verdade, buscando-a desinteressadamente.
praticamos em virtude de critérios de eficiência
ou prudência, como se fossem demasiado
básicos para justificarem um exame racional). Tópico III: Filosofia E Educação

Os primeiros filósofos reconhecidos, os


pré-socráticos, eram sobretudo metafísicos As relações entre filosofia e educação
preocupados em estabelecer as características são tão intrínsecas que John Dewey pôde afirmar
essenciais da natureza no seu todo. Platão e que as filosofias são, em essência, teorias gerais
Aristóteles escreveram penetrantemente sobre de educação. Está claro que se referia à filosofia
metafísica e ética; Platão sobre o conhecimento; como filosofia de vida. A educação é o processo
Aristóteles sobre lógica (dedutiva), a técnica mais pelo qual se adquire ou forma "as atitudes e
rigorosa para justificar crenças; estabeleceu as disposições fundamentais, não só intelectuais
suas regras de uma forma sistemática e manteve como emocionais, para com a natureza e o
intacta a sua autoridade durante mais de 2000 homem".
anos.
Assim a educação constitui o campo de
Na Idade Média, ao serviço do aplicação das filosofias, e, como tal, também de
cristianismo, a filosofia apoiou-se primeiramente sua elaboração e revisão. Muito antes, com
na metafísica de Platão, e em seguida na de efeito, que as filosofias viessem expressamente
Aristóteles, com o propósito de defender crenças a ser formuladas em sistemas, já a educação,
religiosas. No Renascimento, a liberdade de como processo de perpetuação da cultura, nada
especulação metafísica ressurgiu; na sua fase mais era do que meio de se transmitir a visão do
tardia, com Bacon e, de um modo mais influente mundo e do homem, que a respectiva sociedade
com Descartes e Locke, dirigiu-se para a honrasse e cultivasse.
epistemologia com o objetivo de ratificar e, tanto
Os primeiros filósofos são os primeiros
quanto possível, acomodar a religião e os novos
mestres, procurando reformular os valores da

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

sociedade e, na realidade, reformar a educação Os sofistas e Platão não eram, assim,


corrente. Os estudos filosóficos formais nascem, os reveladores da vida grega, mas os seus
assim, como estudos de educação. Os sofistas reformadores. Ao investirem contra os costumes
foram os "primeiros educadores profissionais" da e as práticas correntes, tão hirtos e mortos, que
civilização ocidental. pareciam decorrer da adaptação cega do homem
O traço distintivo dessa civilização, na aos seus rudes apetites e necessidades, criaram
frase de André Siegfried, desde então consistiu virtualmente a sociedade dinâmica que se iria
no "hábito de tratar os problemas à luz da razão, fundar na mudança e no cultivo da mudança.
liberta do mágico, do supersticioso e do irracional Com uma língua excepcionalmente
". Daí por diante a mentalidade ocidental não se avançada para o tempo, possuíam os gregos não
afastou mais dessa tradição, buscando somente este instrumento verbal de alta
subordinar a própria religião à razão e, na perfeição como também com a disposição
realidade, toda a vida humana é um esquema especial para criar, por desenhos, simbolizações
coerente de ideias, compreendendo teorias do intelectuais para a especulação nos campos da
homem, do conhecimento, da sociedade e do geometria e da matemática.
mundo.
Acrescente-se a isso a peculiaridade
Uma vez que essas teorias são, todas helênica de não estar a sua civilização, tanto
elas, fundadas na teoria do conhecimento, faz-se quanto outras civilizações contemporâneas,
esta a teoria-chave, não só para iluminar e acorrentada ao poder sacerdotal, detentor
esclarecer as demais, como, sobretudo, para habitual e cioso do saber tradicional, teremos
comandar as consequências da filosofia, como alguns elementos para esclarecer a mudança de
um todo, sobre o processo educativo. direção na aventura humana, a que Renan veio
Antes de realizar formulações explícitas chamar de "milagre grego".
de filosofia, a humanidade elaborou as culturas A capacidade especulativa, devida ao
em que vivia imersa e que lhe deram os desenvolvimento da língua e da simbolização
instrumentos para a ação e para a fantasia, para geométrica, aliada ao secularismo da civilização
o trabalho e para o consumo, para o prazer e para grega, deu a esse momento histórico
o sofrimento. Tais culturas continham em estado oportunidade para a formulação do pensamento
de suspensão, as teorias que viriam depois a ser filosófico da humanidade em condições jamais
formuladas expressamente. até então imaginadas. Tão definitivas se
revelaram certas formulações, que A. N.
Com base em costumes e rotinas
imemoriais, as culturas, quando a história delas Whitehead pôde afirmar que "a melhor
nos deu conhecimento, já apenas podiam mudar caracterização geral da tradição filosófica do
por acidente ou por pressões externas, por Ocidente é a de ser ela uma série de notas" -
notas de pé de página, diz ele - "ao pensamento
choques e conflitos, desprovida a prática dos
atos humanos de qualquer elemento intencional de Platão". Não se pode analisar a filosofia de
educação de nossa época sem que antes se
e mesmo de qualquer plasticidade para mudança
deter nesses recuados primórdios da civilização.
ou progresso percebidos e ordenados.
A domesticação dos animais, a A construção filosófica então erguida
pelo homem é um prodígio de bom-senso e de
produção de animais híbridos, a confecção de
ferramentas e instrumentos, a organização social capacidade especulativa, dentro das limitações
e religiosa, com toda a complexidade de ritos e de conhecimento do tempo. A experiência, antes
instituições, demonstra que o homem usou criadora, se havia tornado rotina ou acidente e,
amplamente a inteligência e a usou com eficácia esvaziada do conteúdo plástico, já não oferecia
e corretamente. condições para progresso contínuo ou ordenado.
A razão, pelo contrário, recém-descoberta,
O auge das "civilizações" encontra os estava em pleno esplendor de criação
homens mergulhados em um estágio de triunfo e especulativa, extasiando a imaginação grega
estagnação, mais devotados ao lazer e à com a maravilha das proporções, do ritmo, da
suntuosidade do que à criação, endurecidos e simetria, da harmonia, do completo, do acabado,
cristalizados em intricados contextos de do ordenado, do perfeito.
costumes, ritos e rotinas.

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Não há como admirar haver chegado ordenada e feliz será aquela em que o indivíduo
Platão à concepção de um mundo racional esteja a fazer aquilo a que o destinou sua
suprassensível, mais real que o mundo das natureza.
coisas desordenadas e passageiras, e de que
A observação do senso-comum estava
este último seria apenas a sombra fugaz e a mostrar que se escalonavam eles em graus
ilusória. A alegoria da caverna consagrou, sob diversos de capacidade mental, alguns mal se
forma literária, essa concepção de um mundo de libertando dos apetites e necessidades do corpo,
ideias, real, eterno e imutável, a que o homem outros alcançando a coragem e a generosidade,
podia chegar pela educação da mente e do e outros ascendendo, afinal, à contemplação
espírito. A descoberta do conhecimento racional,
intelectual e ao gosto das ideias e das formas do
como algo em que se pudesse apoiar o homem,
espírito.
constituiu aquisição de tal modo segura que daí
por diante as filosofias flutuaram e oscilaram, Com tais elementos não seria difícil a
mas dificilmente se puderam libertar e, ainda hoje fórmula especulativa pela qual se ordenasse o
incompletamente, dos quadros com que as complexo do mundo e do homem. O pressuposto
balizou o gênio de Platão. fundamental aí estava: tudo que existe se divide
em Formas e Aparências, as primeiras reais,
Duas ordens de eternas, e, só elas, suscetíveis de conhecimento,
conhecimento eram possíveis, o empírico, e as últimas, passageiras, mutáveis, em
fundado em experiência e erro e, por processo de ser, mas não chegando a ser,
conseguinte, insuscetível de produzir a suscetíveis apenas de produzir opiniões e
certeza, e o racional, fundado na
crenças, sem valor de saber, isto é, saber
especulação matemática e filosófica, nas
racional.
leis da harmonia e da simetria, construção
intelectual do espírito em sua intuição O conhecimento das Formas é uma
reveladora do real, do perene e do intuição mediata do intelecto sob a provocação
imutável. dos sentidos, e o fim do homem é a
contemplação dessas Formas. Composto de
Dar a esse segundo
alma e corpo, substâncias diversas e, de certo
conhecimento, que se elaboraria na
modo, independentes, o homem, pela alma, que
contemplação e no lazer, a nobreza e a não é propriamente Forma, mas aparentada com
dignidade da única realidade que as Formas e aprisionada no corpo, vive num
importava, era algo como uma conclusão
aspirar ao mundo das Formas, que é o seu
lógica, tanto mais consequente quanto a
verdadeiro mundo.
sociedade grega, aristocrática e baseada
na desigualdade entre homens livres e Como o corpo
escravos, veria nessa conclusão uma pertence ao mundo das aparências, cabe-
justificação de seu próprio regime social. lhe subordinar-se à alma e ser atendido
apenas em seus apetites "necessários", e
Estavam aí os elementos para as
em grau mínimo. Alcança o homem o seu
teorias do homem e da sociedade, que Platão
destino na medida em que se liberta das
desenvolve na República, propondo a ilusões e aparências e depara com o
organização de um Estado que, mais do que mundo das realidades ou das formas, que
nenhum outro, se iria fundar na educação e no vem a conhecer pela atividade intelectual
treinamento dos indivíduos para atender às e a amar pela sua harmonia e beleza.
diferentes funções sociais que lhes fossem
reservadas pelas respectivas ordens de sua A natureza e a
natureza humana. sociedade decorrem desses pressupostos,
distribuindo-se os homens na medida em
Filosofia e educação se fazem campos
que se libertam do corpo e ascendem na
correlatos de estudo e de prática, e em nenhum
capacidade de contemplação da Verdade,
outro período da história se registra afirmação do bem e do belo, isto é, do conhecimento,
mais decisiva, primeiro, quanto à função da que produz a virtude como uma
educação na formação e distribuição dos
consequência.
indivíduos pela sociedade e, em segundo lugar,
quanto ao reconhecimento de que sociedade

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Aos filósofos, que seriam, por A ideia da criação do mundo e a do


excelência, tais homens, competiria a função de pecado original, trazidas pelos cristãos e
governo, descendo, depois, a hierarquia aos oriundas da tradição judaica, viriam, por um lado,
capazes de generosidade e coragem tornar a "natureza" respeitável, por haver sido
(defensores), até aos artesãos e produtores, criada por Deus, e, por outro, dar nova explicação
dominados pelos apetites e sentidos. A aos elementos constitutivos do homem, já agora
sociedade é, assim, rigorosamente aristocrática carne e espírito, os quais, longe de serem
e se funda na desigualdade e que os homens se suscetíveis de controle pelo desenvolvimento do
distribuem por esses três degraus da escala espírito, se encontrariam em luta permanente,
humana. não sendo a vitória do espírito sobre a carne o
privilégio de alguns, mas a luta de todos os
Temos nessa filosofia, aí toscamente
homens, do mais humilde ao mais bem dotado.
esboçada, uma teoria do universo, uma teoria do
homem e uma teoria da sociedade, que vêm Não se alteram as grandes estruturas
governando a vida humana e a educação no do mundo, do homem, da natureza e da
Ocidente até os nossos dias. sociedade, mas surgem duas novas linhas de
desenvolvimento. A primeira é o fermento
Absorve-a, depois de longos séculos de
confusão, o cristianismo, que lhe acrescenta as democrático, decorrente da igualdade
teorias da criação e do pecado original. substancial de todos os homens; a segunda é a
Compreende-se a fascinação dos primeiros de estudo da "natureza", como algo em que se
filósofos da Igreja pelo pensamento platônico. esconderiam as formas, pois já não era a
natureza a extravagância de um demiurgo, mas
Parecia uma antecipação ao pensamento
a criação de Deus.
eclesiástico em elaboração e uma
fundamentação teórica para os pressupostos O dualismo de forma e matéria, assim
orientais da religião nascente. tomado aos gregos na formulação aristotélica,
viria, mais tarde, sofrer a reformulação tomista e
Pela teoria platônica, a natureza não
chegava a ser digna de estudo e os homens reconciliar-se com a doutrina judaico-cristã,
dando origem ao desenvolvimento moderno e às
estavam todos distribuídos em três classes,
filosofias de Bacon, Descartes, Locke, Kant,
apenas, de indivíduos, conforme atingissem os
dois únicos níveis de desenvolvimento além do Fichte e Hegel, todas oriundas e, no fundo,
nível dos simples apetites do corpo. Aos desse destinadas apenas a complementar Platão, em
face da evolução da sociedade e dos
último grupo caberia o trabalho, para atender às
conhecimentos humanos.
necessidades da matéria; aos que,
ultrapassando os apetites, alcançassem a Ainda na Idade Média, os primeiros
coragem e a generosidade, competia a defesa da estudiosos da "natureza" já se chamam de
sociedade; e, finalmente, aos que se elevassem platonistas, pois estão a buscar, além das
ao estágio da razão e da visão universal, o poder aparências e do bom-senso, o segredo das
e o governo. formas, de que a natureza seria a cópia ou a
imitação.
A educação seria o processo pelo qual
os indivíduos desvendariam suas Por outro lado, os homens passaram a
potencialidades e se distribuiriam pelas ser julgados pelo esforço com que lutavam pela
diferentes classes, formulando, desse modo, o vitória do espírito sobre a carne, e o mérito
filósofo grego a mais perfeita teoria das funções humano, em oposição ao critério grego, a se
de processo educativo. medir pela sinceridade na luta e não pelas
Não lhe foi, porém, intelectualmente vitórias alcançadas.
possível prever nem a unicidade de cada São dois elementos quase-novos, a
indivíduo, nem a extrema variedade de suas vontade do homem na luta entre o bem e o mal e
potencialidades, o que o levou a um conceito o julgamento do homem pelas intenções. O grego
aristocrático de sociedade e, em rigor, depois de virtuoso e sábio era um vitorioso de fato. Havia-
realizado, a uma forma limitada e estática para se desenvolvido até alcançar o saber e a virtude.
essa mesma sociedade. O cristão virtuoso era um lutador, sempre vencido
e sempre em luta, a ser julgado não pelos

10
FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

resultados, mas pelas intenções e pela acidental, o costume, a rotina, pela reflexão
intensidade da vontade de luta. especulativa racional, mas tal reflexão revelaria
uma verdade estática e puramente lógica.
Por isso mesmo, a fórmula platônica
Rompendo com a natureza e com os processos
era intelectualista e aristocrática e a fórmula
cristã "voluntarística" e "potencialmente" empíricos de trabalho, que não julgava sequer
democrática, na expressão de W. H. Walsh, dignos de estudo, achara a solução para
resumindo-se nestes pontos as diferenças mais sociedades aristocráticas e reduzidas, capazes
substanciais, originárias em essência da de viver de literatura e de lazer.
distinção entre a concepção grega de alma e Somente Bacon abre as portas para as
corpo e a cristã de espírito e carne. sociedades numerosas e ricas, em perpétuo
Recordemos que, para São Tomás, desenvolvimento, ao trazer o conhecimento
corpo e espírito constituiriam certa unidade, o racional para o campo do prático, com o que
que dificulta o conceito de imortalidade, e leva os inaugura nova era de criação e originalidade
cristãos ao dogma da ressurreição dos corpos, permanentes para a espécie humana. As
proeza de raciocínio que, de certo modo, santifica sociedades destinadas a mudar e agora
devotadas ao culto da mudança ressurgiram
o corpo na luta de espírito sobre a carne e
ameniza os rigores do ascetismo helênico. afinal sob o céu.

É com estes novos elementos que A volta à observação, que as


elabora Bacon a primeira revolta, com a concepções platônicas, de certo modo, haviam
reformação da teoria do conhecimento racional. tornado possível interromper, religa o espírito
Legitimado o estudo da natureza, e dignificado o científico aos períodos anteriores à época de
corpo humano, de um lado sob a inspiração Platão e de Aristóteles, restaurando cosmologia
platônica, de que a natureza escondia as formas anteriormente descoberta e criando, com o
método experimental, uma física e uma nova
do real, e, de outro, sob a inspiração cristã, de
ciência da natureza.
que a natureza era obra de Deus, o novo filósofo
lança as bases da experimentação como As estruturas do pensamento lógico e
processo do conhecimento e cria o novo filosófico são as mesmas de Platão, mas abre- se
conhecimento racional, o das leis da natureza um campo novo de estudos e se refazem, pela
reveladas, não pela simples especulação experimentação, os métodos de observação,
intelectual, fundada na observação do bom- antes os do senso-comum e, agora, os da
senso, mas pela especulação intelectual fundada pesquisa e da descoberta.
nos novos processos de experimentação. São estas estruturas de pensamento
A formulação medieval da filosofia que retoma Descartes, no século XVII, para
platônica, mantendo o mesmo critério do racional reformular o que se veio chamar de filosofia
que recebera dos gregos, "antecipava a moderna. A sua posição ainda é a de um
natureza", emprestando-lhe características platonismo-cristão.
arbitrárias e fundadas em opiniões humanas, que
Conserva o dualismo de res cogitans e
importava substituir pela descoberta de suas res extensa, em substituição ao de formas e
verdadeiras leis. Para tais descobertas se aparências; recria o conceito platônico de
inventara o método experimental, que mais não
conhecimento pela "intuição intelectual";
era que o método imemorial de observar a recomenda a observação antes com o olho da
manipular as coisas, a fim de ver o que se podia mente do que com os olhos dos sentidos; e
fazer com elas; no fim de contas, o método do antecipa os conceitos de Leibnitz de "cognitio
trabalho humano. intuitiva" como base da "cognitio symbolica", ou
O encontro entre o trabalho e o descritiva. Acrescenta, contudo, para mostrar a
conhecimento, desde que, dezenove séculos origem cristã de sua posição, a ideia da alma
antes, se dera o encontro entre a razão e o dotada das faculdades de compreender e de
conhecimento, constitui a segunda grande querer, esta mais extensa do que aquela, dando
revolução da inteligência humana. origem ao primado da vontade, que vai encontrar
em Kant a sua expressão mais decisiva.
Platão substituíra o mágico, o
supersticioso, o "empírico", no sentido de

11
FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Com efeito, Descartes consolida a Só recentemente essa tradição entrou


liberdade para o estudo da ciência física, em real ataque, com o repúdio ao cartesianismo
separando as esferas de influência entre o e ao kantismo, mas não se pode dizer que os
mecânico e o espiritual. Deixa este para os novos filósofos já estejam influindo
teólogos e moralistas e o mundo físico para os decisivamente nas instituições educativas.
cientistas, de certo modo reconciliando os Estas vêm de origem demasiado
esforços de uns e outros. remota para se transformar rapidamente, e os
É Kant, porém, que tenta a última professores, em sua esmagadora maioria,
pacificação, com o seu dualismo, ainda platônico, refletem a posição filosófica tradicional e não a
entre conhecimento e fenômeno. Todo que começa a se esboçar em face da nova
conhecimento é conhecimento de fenômeno, ou ciência das culturas e dos novos
de aparências. O categórico absoluto só é desenvolvimentos da filosofia científica.
possível no campo da razão prática. Substituiu- A filosofia mais recente repele o
se pela fé o conhecimento. "Pura fé prática" é, conceito cartesiano de alma e o seu conceito de
afinal, o motor da ação humana. O homem conhecimento. Alma passa a ser um nome para
progride nesse campo, não pelo conhecimento,
designar certas formas de comportamento
mas pela vontade e pela experiência ancestral da humano, suscetíveis de explicação natural, e o
vida humana. O primado do prático sobre o conhecimento, a descoberta muito mais de
teórico faz dele, já o disse alguém, o filósofo do "como" são as coisas do que de "que" são elas.
protestantismo, e mostra as suas raízes cristãs.
A estrutura dualista do seu pensamento é A busca da certeza que moveu
platônica, mas as consequências são Descartes continua a motivar os filósofos, mas
"voluntaristas" e cristãs. estes se mostram bem mais modestos e
começam a se contentar com a garantia
Toda essa tradição filosófica se reflete
provisória da prova experimental em constante
na educação, com a sua organização
processo de renovação. Do lado lógico, o
intelectualista e a sua prevenção contra o progresso tem sido sensível, considerando-se
técnico. Seja o sistema inglês, seja o francês,
diversas formas de lógica, fundadas em
seja o alemão, são organizações educativas
convenções diversas, válidas segundo os casos
fundadas na teoria do conhecimento pela intuição a que se aplicam. A ciência toda se vem fazendo
intelectual, na teoria moral do treino da vontade, convencional, em sua parte matemática, e
na nobreza de estudos literários e na prevenção
experimental, na parte física, com reflexos
contra o prático e o técnico. Bacon ficará, ainda
poderosos sobre as filosofias.
por muito tempo, simples profeta da ciência.
Assim que se generalizarem os novos
Até nos tipos de escolas encontra-se a conceitos sobre a natureza do homem, a
hierarquia platônica, com a maior dignidade
natureza do conhecimento e a natureza do
assegurada às formas contemplativas do saber, comportamento social e moral do homem, a
depois, em uma segunda ordem, as do
educação refletirá os novos conceitos, que,
conhecimento científico experimental e, afinal, as
depois, se verão institucionalizados nas escolas.
de ensino prático ou técnico, como último escalão
da ordem educacional. Com efeito, o método desenvolvido
pela pesquisa científica - originário do retorno à
Quase que até o fim do século XIX experiência recomendada inicialmente por
pode-se considerar pacífica essa classificação, Bacon, depois de séculos de pensamento
sendo as instituições educativas mais famosas puramente especulativo e racional - constituiu
as instituições em que Platão facilmente se algo de tão característico e amplo que veio a
reconheceria, com alguns rápidos refletir-se sobre a filosofia, produzindo primeiro
esclarecimentos sobre modificações de detalhes
os "empiricistas", depois, em contraste com
em suas concepções. Os próprios empiricistas, a
esses, os "racionalistas", e afinal os
despeito de divergências aparentes, não "pragmatistas", "instrumentalistas" ou
repudiavam os pressupostos básicos de "experimentalistas", que buscam reconciliar as
Descartes, e deste modo também se ligavam a
posições dos dois primeiros mediante uma
Platão. reconstrução fundamental dos conceitos de

12
FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

experiência e de razão, à luz desse novo método esse reajustamento. Conhecimento ou saber é
científico. um resultado, um derivado dessa atividade,
quando conduzida inteligentemente. A mente não
A reformulação desses conceitos se fez
é algo de passivo em que se imprima o
em face da alteração real sofrida pela natureza
do ato de experiência e das modificações conhecimento, nem a razão uma faculdade
introduzidas na psicologia pelo progresso da superior e isolada que elabore as categorias, os
ciência biológica. conceitos. Estes conceitos ou categorias
resultam da percepção das conexões e
A mudança do caráter da experiência coordenações dos elementos constitutivos dos
pode ser condensada na diferença entre os processos de experiência e constituem normas
termos "empírico" e "experimental". A de ação ou padrões de julgamento.
experiência, no conceito tradicional, consistia no
processo de tentativa e erro, só podendo produzir A integração desses novos conceitos
o saber por acidente, saber que se na filosofia veio permitir a sua reformulação, com
consubstanciava em hábitos e procedimentos a elaboração de uma teoria geral do
cegos, os quais, por sua vez, se cristalizavam em conhecimento fundada no método do
conhecimento científico, uma teoria da sociedade
costumes e rotinas hirtos e duros. Daí ser a
experiência um instrumento de escravização ao adaptada aos novos meios de trabalho industrial
passado e não de renovação e progresso. A criados pela ciência e uma nova teoria política da
experiência, como a concebeu Bacon, seria a democracia, a qual essa mesma ciência veio
Experimentação, o produzir voluntariamente a afinal tornar possível.
experiência para se conseguir o resultado novo e Em nosso continente, de forma mais
o novo conhecimento. marcante, contribuíram para essa reconstrução
A psicologia dos séculos dezessete e os pensadores William James, Ch. S. Peirce e
John Dewey. A designação mais corrente dessa
dezoito retardou, se não impediu, que se
filosofia como "pragmatismo" e a identificação de
extraísse desse novo conceito da experiência
uma teoria experimental do conhecimento. O pragmatismo com a frase saber é o que é útil
concorreram para incompreensões, deformações
atomismo associacionista dos "empiricistas"
e críticas as mais lamentáveis. John Dewey, a
teve, por certo, a sua eficácia no
desencorajamento das racionalizações quem coube a formulação mais demorada e mais
especulativas, mas não forneceu os elementos completa desse método de filosofia (mais do que
sistema filosófico), muito se esforçou para afastar
para uma teoria satisfatória do saber, dando
as confusões e desinteligências, e a sua
assim lugar ao surgimento dos "racionalistas",
que buscaram completar o vácuo produzido pela contribuição foi decerto das maiores, se não a
maior, na empresa de integrar os estudos
psicologia inadequada dos sensacionalistas, com
filosóficos de nossa época no campo dos estudos
os conceitos e categorias a priori de Kant e dos
de natureza científica, isto é, fundada na
pós-Kant. Foi a abordagem, antes biológica do
que psicológica, já no século XIX, do fenômeno observação e na experiência, na hipótese, na
verificação e na revisão constante de suas
da experiência humana que permitiu
desenvolver-se o conceito de experiência como conclusões.
interação do organismo vivo com o meio, e Coube a Dewey a formulação do
elaborar-se uma teoria psicológica adequada à método, o método de "inteligência", como prefere
explicação do comportamento humano face à ele chamá-lo, para caracterizar a sua revisão do
experiência e ao conhecimento. conceito de razão e experiência. Mas o que será
Segundo essa teoria, o processo de a filosofia do nosso tempo ainda irá depender do
trabalho de inúmeras pessoas que, devotando-se
vida é uma sequência de ações e reações,
coordenadas pelo organismo para o seu à filosofia, realizem, nessa esfera, o que os
ajustamento e reajustamento ao meio. Os cientistas realizaram e vêm realizando no campo
da ciência. A generalização do novo método do
sentidos e as sensações não são meios ou
caminhos do conhecimento, mas estímulos, conhecimento humano ao campo da política, da
provocações e sugestões de ação, mediante os moral e da organização social, em geral, será a
grande tarefa das próximas décadas. John
quais o organismo age e reage, ajustando-se às
Dewey marcou os rumos e balizou as linhas para
condições ou modificando as condições para

13
FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

essa marcha da inteligência experimental por a crescer, e crescer é realizar-se mais


esses novos campos, marcha que nos há de dar amplamente em suas potencialidades. E como
uma nova ordem, mais humana do que tudo que tais potencialidades somente se desenvolvem
até hoje é conhecido. em sociedade, o indivíduo cresce tanto mais
Nenhum grande filósofo moderno foi quanto todos os membros da sociedade
mais explícito do que Dewey na necessidade crescerem, não podendo o seu comportamento
dessa transformação educacional imposta pela prejudicar o dos demais porque com isto o seu
filosofia fundada na nova ciência do mundo físico crescimento se prejudica.
e nova ciência do humano e do social. Com este critério naturalístico de moral,
Chegou ele a formular toda uma abre-se a possibilidade de seu estudo científico,
filosofia da educação, destinada a conciliar os e com ele o da generalização de processos de
velhos dualismos a dirigir o processo educativo conduzir a educação de forma objetiva ou
com espírito de continuidade, num permanente científica.
movimento de revisão e reconstrução, em busca Discordam os filósofos ingleses atuais
da unidade básica da personalidade em dessa possibilidade, reabrindo a velha questão e,
desenvolvimento. de certo modo, insinuando o dualismo kantiano
de razão pura e razão prática. Mas a correção se
Dewey, cujo centenário de nascimento
se celebra neste ano de 1959, continua a ser um fará se prevalecer o conceito integrado do social,
simples precursor, não se revelando sua como a mais ampla categoria do real, em que o
influência no sistema educacional dos Estados indivíduo encontra as suas formas de
Unidos, onde nasceu e viveu, nem muito menos desenvolvimento. Por isto mesmo, mais do que o
em outros países, senão em aspectos exame de aspectos mais recentes dos
superficiais e secundários. desdobramentos filosóficos e de suas
repercussões inevitáveis sobre a educação, cabe
Não há maior erro do que supô-lo analisar mais demoradamente o fenômeno da
seguido e, ainda menos, dominante no sistema democracia como forma do social, o qual
escolar norte-americano. Sem dúvida, foi recomeçou a medrar, depois das ruínas das
profundíssima a influência da vida americana, do civilizações antigas, com a filosofia cristã-
caráter prático de sua civilização, sobre o medieval, vindo afinal, na época moderna, a
pensamento de John Dewey. Este pensamento, implantar-se definitivamente e impor a mais
porém, na sua mais fecunda parte original, no ampla reconstrução educacional.
seu esforço de conciliação das contradições e
conflitos da vida moderna, ainda não logrou Os filósofos cristãos, com a
implantar-se e está mesmo ameaçado de se ver identificação do corpo e da alma em uma só
ali e na parte que lhe é oposta do mundo, unidade e a teoria da virtude como resultado da
luta voluntária do homem contra a carne e pelo
submergido por um refluxo das velhas doutrinas
dualistas, de origem platônica, hoje em franca espírito, haviam criado a possibilidade da
democracia, dando a cada homem o valor da
popularidade no Leste e no Oeste.
medida em que lograsse triunfar moralmente.
Antes que a influência de Dewey se
possa estabelecer com qualquer extensão e O cristianismo constituiu-se, assim,
uma teoria potencialmente democrática. Em sua
profundidade, ter-se-á de resolver o problema
que se poderia considerar o do materialismo ou pureza doutrinária, permitiria a democracia. O
naturalismo cultural, isto é, se a conduta humana exemplo das ordens religiosas é bem eloquente.
será suscetível de estudo científico. Para Dewey, Na realidade, não produziu a
isto será essencial, a fim de se restabelecer a democracia e se ajustou a condições sociais as
eficácia da formação moral pela escola. mais contraditórias, até que o renascimento e a
De certo modo, Dewey, neste ponto, reforma protestante vieram, aparentemente,
volta a uma concepção que não se distancia da renovar as esperanças de se estabelecer a
de Platão, não no aspecto dualista de sua democracia.
doutrina, mas no aspecto em que une o Com os fatos novos do "livre-exame"
conhecimento e a virtude. O comportamento religioso e a revolução científica baconiana, a
moral para Dewey é aquele que leva o indivíduo democracia, efetivamente, se faria possível, de

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

um lado, pela revolução industrial, que Bacon multiplicado nos dualismos de atividade e
profetizara e que de fato veio a confirmar-se, e, conhecimento, atividade e mente, autoridade e
de outro, pela liberdade religiosa. liberdade, corpo e espírito, cultura e eficiência,
disciplina e interesse, fazer e saber, subjetivo e
As forças da tradição foram, porém,
mais fortes, reduzindo-se a liberdade religiosa a objetivo, físico e psíquico, prática e teoria,
controvérsias baseadas nas velhas formas de homem e natureza, intelectual e prático, etc. -
argumentação da Idade Média, exatamente do que continuam a impedir a constituição da
tipo da atividade intelectual que Bacon sociedade democrática, definida como sociedade
condenava, e a experimentação científica em que haja o máximo de participação dos
indivíduos entre si e entre os diferentes grupos
conservando-se extremamente reduzida e
sociais em que se subdivide a sociedade
limitada, aproveitados os seus resultados pelos
complexa, diversificada e múltipla em que se vem
que estavam em condições econômicas de
explorá-los em seu proveito. transformando a associação humana.

Embora estivesse superada a teoria do Não cabe nos limites deste artigo
conhecimento que justificaria a preeminência do estendermo-nos sobre as deformações geradas
por todos aqueles dualismos, pela natureza
conhecimento de natureza puramente intelectual
ou literária, o fato de não ser a cultura europeia puramente mecânica do progresso material e
nativa, mas, na sua parte mais significativa, pelo grau em que se viu frustrado o
herdada das civilizações antigas, concorria para individualismo, mais econômico do que humano,
que a educação, sob o pretexto de humanismo, dos séculos dezoito e dezenove.
se fizesse sobretudo por meio das letras gregas De qualquer modo, porém, todo o
e latinas, incluindo-se entre elas, quando muito, grande problema contemporâneo continua a ser
a matemática e a filosofia natural. Será o da organização da sociedade democrática, com
impossível exagerar o vigor da resistência das uma filosofia adequada, em face dos novos
tradições escolásticas da Idade Média no sistema conhecimentos científicos, das novas teorias do
escolar da época moderna e mesmo conhecimento, da natureza, do homem e da
contemporânea, sobretudo no ensino secundário própria sociedade democrática.
e superior.
Essa filosofia, que irá determinar a
A cultura chamada "acadêmica", isto é, educação adequada à nova sociedade
de letras, domina ainda na segunda metade do democrática em processo de formação, já se
século XIX as universidades inglesas, e somente acha esboçada na grande obra de John Dewey,
na Alemanha e na França já tem então certa, mas que a traçou tendo em vista, mais especialmente,
pequena, influência o ensino de ciências e da a sociedade americana, a qual, por um conjunto
tecnologia científica. de circunstâncias, constitui a sociedade que,
historicamente, mais se viu sob a influência direta
À maneira de Platão, pululam os
dualismos, sendo um dos mais influentes o do do espírito oriundo dos movimentos pré-
democráticos dos séculos XVI e XVIII e mais
espírito e matéria, considerada a ciência como
liberta das influências do feudalismo e da Idade
estudo da matéria, e continuando a mente como
algo de puramente subjetivo, confiado o seu Média.
estudo às especulações filosóficas. Como as filosofias, em suas
Até o século XIX, com efeito, a ciência formulações teóricas, ocorrem sempre a
não vai além do mecânico, e a própria biologia posteriori, mais como explicações ou
está ainda a aguardar Darwin para revolucioná-la justificações das culturas existentes, ou
com a Origem das Espécies. predicações para sua reforma, revisão e
reconstrução, não se consegue a sua
A despeito, pois, do novo método do implantação senão depois de longos esforços e
conhecimento científico e a despeito da riqueza lutas.
crescente produzida pela revolução industrial,
acelerada pela revolução científica a partir dos A educação institucionalizada em
fins do século XVIII, continua a dominar a escolas resiste, de todos os modos, à ação das
novas ideias e novas teorias, e só lentamente se
civilização chamada moderna uma filosofia de
irá transformando, até chegar a constituir
tipo platônico, cujo dualismo fundamental se vê
verdadeira aplicação da nova filosofia

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

democrática da sociedade moderna. No Brasil, 1996, com a promulgação da LDB e o


onde se desenvolve, em novas condições, a aparecimento e divulgação dos Parâmetros
mesma civilização ocidental que estivemos Curriculares Nacionais para os ensinos
analisando, a educação, de modo geral, reflete fundamentais e médios, o discurso em torno da
os modelos de que se originou, só recentemente importância da filosofia cresce, embora a prática
apresentando os primeiros sinais de efetiva das escolas não reflita esse crescimento.
desenvolvimento autônomo. .
Em linhas gerais, a filosofia de
educação dominante é a mesma que nos veio da
Europa e que ali começa agora a modificar-se AULA 1: Filosofia no ensino
sob a impacto das novas condições científicas e médio
sociais e das formulações mais recentes da
filosofia geral contemporânea.
Ao pensar na educação como amplo
processo de formação humana e sobretudo no
Tópico IV: O Ensino De Filosofia ensino médio, como um nível propedêutico à
universidade ou então como etapa final da
formação de um grande número de jovens que
Historicamente, a filosofia chega ao não vão para o ensino superior, podemos falar
sistema educacional brasileiro com os jesuítas, em três grandes áreas do conhecimento humano
ainda no século dezesseis. Nesse momento, seu fundamentais, que devem estar presentes nessa
ensino tinha um forte caráter dogmático, formação: as ciências, as artes e as filosofias.
impregnado de ideologia tomista. Com o advento Partindo daquilo que Deleuze e Guattari
da república e a hegemonia da ideologia produziram em O que é a filosofia? (Rio de
positivista, a filosofia perde importância nos Janeiro: Ed. 34, 1992), podemos dizer que as
currículos da educação média, ficando centrada ciências, na sua relação com o mundo, produzem
na lógica e na epistemologia. funções, que organizam os fatos observados
Na reforma educacional promovida pelo através de relações de causa-efeito; as artes, por
regime militar, a filosofia foi excluída dos sua vez, produzem perceptos e afetos, formas de
currículos da educação média, permanecendo compreensão do mundo numa perspectiva
apenas como disciplina da "parte diversificada", estética; as filosofias, por fim, produzem
em muitas escolas confessionais, sobretudo as conceitos, uma forma racional de
católicas. Em meados dos anos oitenta, após equacionamento dos problemas vividos no
muita luta e discussão, vimos o início de um mundo.
retorno da filosofia ao currículo do ensino médio, Cada uma dessas formas de
com situações muito diferenciadas em cada conhecimento humano, é irredutível à outra e são
estado da federação. todas mutuamente complementares. Dizendo de
No caso de São Paulo, por exemplo, outro modo, nenhuma ciência é capaz de fazer
esse retorno deu-se na forma de uma "disciplina por mim aquilo que a filosofia faz, assim como
optativa", que deveria ser incluída ou não pela nenhuma filosofia pode substituir os afetos
direção de cada escola, escolhendo duas estéticos, por exemplo. O que equivale a dizer
disciplinas entre filosofia, sociologia e psicologia, que, ao procurar por um processo educativo
em pelo menos uma série do então segundo como formação humana, minimamente é preciso
grau. garantir a todos os estudantes o acesso a estas
três instâncias de produção de saberes sobre o
Esse movimento pela volta da filosofia
mundo.
ao ensino médio buscou expressão durante a
redação da Lei de Diretrizes e Bases da Penso que reside aí a justificativa para
Educação Nacional, mas a letra da lei acabou a necessidade da presença da filosofia nos
gerando uma situação que afirma e não afirma a currículos do ensino médio. As diversas ciências
filosofia ao mesmo tempo, ao evidenciar sua lá estão; a experiência estética ou artística, de
importância, mas não a determinar como um outro modo também. Mas e quanto às
disciplina do currículo. É curioso que a partir de filosofias? Os estudantes têm acesso às funções

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

científicas, aos perceptos e afetos artísticos, mas seriam nada sem a assinatura daqueles que os
e aos conceitos filosóficos? Sem eles, não criam /.../ Que valeria um filósofo do qual se
teremos um conhecimento abrangente, uma pudesse dizer: ele não criou um conceito, ele não
formação abrangente. criou seus conceitos? (DELEUZE e GUATTARI,
Repito: não penso que a filosofia se 1992: 13-14).
justifique nos currículos da educação média por Se a filosofia consiste na atividade de
promover uma forma de visão crítica do mundo criar conceitos, que é isso então que ela cria?
(outras disciplinas também podem e devem fazer Podemos dizer que o conceito é uma forma
isso), nem por possibilitar uma visão eminentemente racional de equacionar um
interdisciplinar (outras disciplinas também podem problema ou conjunto de problemas, exprimindo
e devem fazer isso), muito menos por trabalhar com isso uma visão coerente do vivido.
com conhecimentos fundamentais ao exercício Sendo assim, o conceito não é abstrato
da cidadania (no limite, a ação cidadã não reside nem transcendente, mas imanente, uma vez que
na filosofia, mas talvez mesmo longe dela). Por parte necessariamente de problemas
outro lado, a ausência da filosofia nos currículos experimentados, isto é, na medida em que não
significa o não contato dos estudantes com essa
se cria conceito no vazio.
importante construção humana, que é o conceito.
Isso, sim, a filosofia pode oferecer. E apenas ela Se o conceito é o específico da filosofia,
pode oferecer. penso ser inconcebível uma aula de filosofia que
não passe pelo trato com conceitos. Mas como
lidar com os conceitos? Devemos fazer da aula
de filosofia uma exposição de conceitos, um
desfile de conceitos? A meu ver, uma aula de
AULA 2: A especificidade
filosofia que não lide com conceitos não pode ser
da filosofia e seu ensino
uma aula de filosofia; mas tampouco uma aula de
filosofia que trate os conceitos como peças de
museu, como algo já dado, tem algo de filosófica.
Se a filosofia consiste na atividade de criar
Vejo como três as características conceitos, a aula de filosofia é aquela que pratica
básicas da filosofia: o pensamento conceitual; o essa atividade.
caráter dialógico; a crítica radical. A experiência
filosófica passa necessariamente por estas três Gosto de pensar a aula de filosofia
instâncias. Mas aquilo que faz com que a filosofia como uma oficina de conceitos, um local onde os
seja filosofia, penso, na esteira de Deleuze e conceitos historicamente criados são
Guattari, é seu trabalho com o conceito; mais experimentados, testados, desmontados,
precisamente, seu trabalho de criação de remontados, sempre frente a nossos problemas
conceitos. Escreveram eles que o filósofo é o vividos. E também um local onde se arrisque a
amigo do conceito, ele é conceito em potência. criação de novos conceitos, por mais
Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte circunscritos e limitados que eles possam ser.
de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, É o conceito que permite à filosofia que
pois os conceitos não são necessariamente seja dialógica: dialoga-se, sim, mas a partir de
formas, achados ou produtos. A filosofia, mais conceitos, ou o que dá no mesmo, com a filosofia
rigorosamente, é a disciplina que consiste em que promove o diálogo dos conceitos; assim
criar conceitos. como é o conceito que permite que ela produza
Criar conceitos sempre novos, é o uma crítica radical: critica-se, mas critica-se a
objeto da filosofia. É porque o conceito precisa partir do conceito e pelo conceito.
ser criado que ele remete ao filósofo como aquele
que o tem em potência, ou que tem sua potência
e sua competência.
AULA 3: Filosofia e
Os conceitos não nos esperam
transversalidade
inteiramente feitos, como corpos celestes. Não
há céu para os conceitos. Eles devem ser
inventados, fabricados ou antes criados, e não

17
FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

O conceito não é paradigmático, mas transversal em sua criação, uma vez que
sintagmático; não é projetivo, mas conectivo; não atravessa outros campos e se deixa atravessar
é hierárquico, mas vicinal; não é referente, mas por eles; ela pode ser transversal em seu ensino,
consistente. É forçoso, daí, que a filosofia, a na medida em que o trabalho com o conceito
ciência e a arte não se organizem mais como os pode e deve atravessar funções das diversas
níveis de uma mesma projeção e, mesmo, que disciplinas científicas, perceptos e afetos das
não se diferenciem a partir de uma matriz diferentes expressões artísticas, da mesma
comum, mas se coloquem ou se reconstituam forma que é atravessado por essas outras
imediatamente numa independência respectiva, potências criativas.
uma divisão do trabalho que suscita entre elas
A filosofia só pode ser transversal e/ou
relações de conexão. (DELEUZE e GUATTARI,
transversalidade se houver, efetivamente, o trato
1992: 119-120)
com o conceito. Mas como tratar do conceito num
Uma característica intrínseca da currículo loteado pelas disciplinas científicas com
filosofia é a transversalidade, uma vez que o apenas pequenos e restritos guetos para as
conceito é sintagmático, conectivo, vicinal, atividades artísticas e para as atividades físicas?
consistente. O que faz dele necessariamente um
Trataremos do conceito em aulas de
empreendimento de abertura e de relação. A matemática? Ou de Física? Ou de História? Ou
filosofia não se fecha em si mesma, de Português? Não, nenhuma dessas disciplinas
ensimesmada, mas abre-se sempre a outrem, se presta ao trato com o conceito, entidade
busca a relação. eminentemente filosófica, como vimos.
Não gosto de pensar a filosofia como Trataremos do conceito em aulas de Educação
um empreendimento interdisciplinar, pois isso me Artística? Ou de Educação Física? Também elas
cheira a um positivismo démodé. Lembremos não se prestam a isso.
que Comte, não vendo a possibilidade de a
Podemos pensar a filosofia como um
filosofia produzir verdades positivas, uma vez
"tema transversal", mas num currículo que seja
que não opera pela experimentação, como as todo ele transversal, num currículo não
ciências, reservou a ela a função interdisciplinar
disciplinar. Num currículo disciplinar em que o
de reunir os conhecimentos parciais produzidos
território é todo loteado e dividido entre as
por cada ciência numa visão de conjunto, numa disciplinas, que se tornam verdadeiras
cosmovisão. Mas, por outro lado, não consigo "capitanias hereditárias", só podemos garantir a
deixar de vê-la como empreendimento
presença e a ação conceitual da filosofia se for,
transversal, que atravessa outros campos de
ela mesma, mais uma dessas capitanias, mais
saberes, na mesma medida em que é uma disciplina. Apenas a partir do momento em
atravessada por eles. Penso que hoje não se
que se fixa um espaço para a filosofia nesse
cria conceito, não se produz filosofia, sem uma
território loteado é que podemos assegurar o
conexão direta e transversal com as diversas
trabalho do conceito e almejar a
artes e as distintas ciências. Embora elas sejam transversalização dos saberes, num processo
distintas entre si, elas se retroalimentam, se
educativo minimamente abrangente.
fecundam mutuamente.
No contexto de um currículo disciplinar,
porém, não consigo ver como a filosofia seria
tratada como um "tema transversal". Ela é

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FILOSOFIAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

REFERÊNCIAS

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