Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

O Essencial Sobre A PIDE - IN

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 146

O E S S E N C I A L S O B R E O E S S E N C I A L S O B R E

O ESSENCIAL SOBRE
A PIDE
Irene Flunser Pimentel

«A PVDE/PIDE/DGS ajudou
A PIDE
Irene Flunser Pimentel
o regime a manter-se, assim como

A PIDE
outros dos seus grandes pilares,
a Igreja Católica e sobretudo as
Forças Armadas, que asseguraram
a continuidade do regime, em 1958,
durante o “terramoto delgadista”
e em todo o período da guerra
colonial.» Mas que polícia política
era essa, quais os seus fundamentos,
práticas e ramificações?
153

ISBN 978-972-27-3151-5

9 78 972 2 73 1 5 1 5

AF-PIDE-9mm.indd 1 05/12/2023 20:23


O ESSENCIAL S OB R E

A PIDE

PIDE.indd 1 04/12/23 14:52


PIDE.indd 2 04/12/23 14:52
O ESS ENCIAL SO BRE

A PIDE
Irene Flunser Pimentel

PIDE.indd 3 04/12/23 14:52


PIDE.indd 4 04/12/23 14:52
Índice

9 Prólogo: a tomada da sede da PIDE/DGS


12 Os tiros para o «ar» e a rendição da DGS

23 1. As polícias políticas da Ditadura Militar,


1926-1932
25 Dois grupos no seio da Ditadura Nacional

29 2. A chegada de Salazar ao poder e a


Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado
(PVDE), 1933-1945
31 Crimes de «rebelião» e a criação da Polícia de
Defesa Política e Social (PDPS)
33 A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE)
36 Os alvos e métodos da PVDE
40 Uma PVDE à semelhança das polícias políticas
fascista e nazi?
41 Polícia política na Itália fascista e a PVDE
45 As polícias nazis e a PVDE
48 Polícias na Espanha de Franco
49 A PVDE durante a II Guerra Mundial e o PCP
51 Os presos da PVDE, até 1945

55 3. A Polícia Internacional de Defesa do


Estado (PIDE), 1945-1969
58 As primeiras duas fases da vida da PIDE, 1945-
-1960
61 A «internacionalização» da PIDE
64 Homero de Matos substitui Neves Graça, na
direção da PIDE, 1960-1962

PIDE.indd 5 04/12/23 14:52


65 A terceira fase da vida da PIDE e a remodelação da
direção, 1962-1969
67 A PIDE e as empresas
72 Os alvos da PIDE. Para que serviam as prisões?
76 Uma polícia eficaz? Os métodos da PIDE:
informadores e tortura
77 A rede de informadores
83 A violência e a tortura nos interrogatórios
84 Objetivos da tortura e como nasce um torcionário
90 Modalidades de tortura: espancamentos, «estátua» e
«sono»
92 O exemplo da CIA
94 O isolamento
96 Mulheres torturadas
98 Torturas com conotações sexuais e os terríveis anos de
1965-1966

101 4. A DGS, durante o marcelismo


102 A quarta fase da vida da PIDE/DGS:
recrudescimento das torturas
105 Marcello Caetano e a DGS: uma organização de
Intelligence?
106 A reorganização da DGS, em 1972

109 5. O fim da DGS


111 O destino do diretor e de outros diretores de
Serviços da DGS
115 O que aconteceu nas colónias ainda em guerra?
120 Criação da comissão de extinção da PIDE/DGS
121 A Lei n.º 8/75, de criminalização dos elementos da
PIDE/DGS
122 O 25 de Novembro de 1975 e a aprovação da
Constituição de 1976

PIDE.indd 6 04/12/23 14:52


123 Houve um processo de justiça de transição em
Portugal? O caso da PIDE/DGS

129 Notas finais: para que serviu a polícia


política em Portugal?

133 Fontes
134 Bibliografia

PIDE.indd 7 04/12/23 14:52


PIDE.indd 8 04/12/23 14:52
Prólogo: a tomada da sede
da PIDE/DGS

Na manhã de 25 de abril de 1974, a sede da polí-


cia política portuguesa, então chamada Direção-
-Geral de Segurança (DGS), na Rua António Maria
Cardoso, no centro de Lisboa, foi cercada por uma
força de fuzileiros. No entanto, os responsáveis
dessa polícia política da ditadura que estavam no
interior não se renderam. Conforme explicaria
mais tarde o já então ex-diretor dessa polícia, já
preso, major Fernando da Silva Pais, «o governo de
Marcello Caetano ainda estava no poder e a leal-
dade que a DGS tinha assegurado ao governo não
era — nem deve ser — uma palavra vã». A força de
fuzileiros às ordens do Posto de Comando (PC) da
Pontinha do Movimento dos Oficiais (depois,
Movimento das Forças Armadas, MFA), que então
levara a cabo um golpe de Estado militar, era
comandada pelo capitão-tenente da Marinha,
Eugénio Cavalheiro.
Cedo nessa manhã, este recebera, na Base Naval
do Alfeite, do comandante Pinheiro de Azevedo, a
ordem de tomar a sede da DGS, que «prova-

PIDE.indd 9 04/12/23 14:52


velmente já estaria evacuada», juntamente com o
Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE)
n.º 10, comandada pelo primeiro-tenente Vargas de
Matos. Depois, movimentando-se em dois autocar-
ros, em direção a Lisboa, juntamente com o oficial-
-engenheiro David e Silva e o comandante Cava-
lheiro, Vargas de Matos manifestou grande
surpresa, ao ver a DGS cheias de «pessoas/agentes
(ao contrário das informações recebidas)». Na «ja-
nela/varanda central estava o topo da hierarquia
da DGS, e o Comte. A. Calvão», que interpelaria os
fuzileiros.
O próprio Pinheiro de Azevedo havia recebido o
pedido de tomada da sede da DGS, do «tenente Ba-
rata», num telefonema, pelas 6 horas da manhã do
dia 25 de abril. Tratou-se do comandante Carlos
Almada Contreiras, que, horas antes, se dirigira ao
Centro de Comunicações da Armada no Ministério
da Marinha, na Praça do Comércio, em Lisboa,
onde estava destacado, para participar nas opera-
ções do MFA. Cerca das 7 horas e 10 da manhã, se-
gundo a sua versão, Almada Contreiras telefonou
para a Força de Fuzileiros do Continente (FFC), a
pedir a Pinheiro de Azevedo, por meias-palavras,
para disponibilizar uma força de fuzileiros «para
sair às ordens do Movimento para o cerco da sede
da DGS, em Lisboa, na Rua António Maria Cardo-
so». Almada Contreiras indicou o capitão-tenente
Eugénio Cavalheiro para essa missão.
Eugénio Cavalheiro disse ter-se deslocado «à
PIDE mas não conseguiu ocupá-la», pois confron-
tou-se, por volta do meio-dia, com o seu «camarada
de armas» Alpoim Calvão, que o aconselhou a reti-
rar-se, antes que os pides fizessem «os marinheiros

10

PIDE.indd 10 04/12/23 14:52


em carne picada». Numa entrevista, dada em 2012,
Guilherme de Alpoim Calvão justificou a sua pre-
sença na sede da DGS, no dia 25 de abril de 1974,
com as suas funções de comandante da Polícia Ma-
rítima, «entidade que dava saída aos navios mer-
cantes». Ao saber que estavam «12 navios parados»
no Tejo, decidira «ir à sede da DGS, onde ninguém
atendia o telefone, ver o que se passava», lá encon-
trando «os agentes muito agitados, com armas e
granadas de mão».
Na Rua António Maria Cardoso, deparara-se
com o seu camarada da Marinha, comandante Eu-
génio Cavalheiro, com uma força de fuzileiros, pre-
parado para tomar o edifício, que lhe dissera: «Ve-
nho tomar esta casa em nome da Nação».
Aproximando-se, Silva Pais perguntara se o co-
mandante Cavalheiro não queria dialogar, mas ou-
vira deste: «Os senhores nunca quiseram dialogar
com o povo. Não é agora altura de o fazer. Só per-
gunto se se rendem sem efusão de sangue». Alpoim
Calvão terá aconselhado Cavalheiro a sair, pois os
«homens, lá dentro, estão armados, atrás de pare-
des e em muito maior número do que estes setenta
fuzileiros que tens aqui fora».
Foi assim que, por volta do meio-dia, Cavalhei-
ro e Vargas de Matos regressaram à FFC, cujo co-
mando tinha sido atribuído pelo chefe do Estado-
-Maior da Armada (CEMA) a Pinheiro de Azevedo.
Ao receber um telefonema do então ainda CEMA,
furioso, a dar ordem para prender Vargas de Matos,
Pinheiro de Azevedo ordenou, pelo contrário, a
este último e a Cavalheiro «para se dirigirem para o
Cristo Rei/Ponte sobre o Tejo, para se juntarem à
força militar de Estremoz».

11

PIDE.indd 11 04/12/23 14:52


Os tiros para o «ar» e a rendição da DGS

Face às notícias sobre movimentações popula-


res, em Lisboa, cerca de duzentos agentes da DGS,
encurralados na sede dessa polícia, na Rua António
Maria Cardoso, no dia 25, começaram a temer uma
tomada de assalto às instalações. O major Silva Pais
ordenou que, se a situação atingisse «tal acuidade»,
fossem disparados «uns tiros para o ar a fim de dis-
persar tais indivíduos», mas os tiros não foram
«para o ar» e provocaram feridos. Quatro destes
acorreram ao hospital, onde foram presos à saída
por elementos da DGS e levados para o Governo Ci-
vil de Lisboa. Isto é, foram presos pela DGS, em 25
de abril, só sendo libertados, já após a rendição de
Marcello Caetano, pelos militares do MFA. Tratou-
-se do primeiro de dois tiroteios a partir da sede da
DGS, ocorrido entre as 13h30 e as 15 horas, con-
soante as diversas versões das testemunhas.
Depois, às 20h20, começou novo tiroteio desen-
cadeado pelos elementos da DGS, no qual foram
atingidas 45 pessoas, quatro das quais mortalmen-
te. Tratou-se de Francisco Carvalho Gesteiro, em-
pregado de comércio de 18 anos, José James Harte-
ley Barneto, de 37 anos, José Guilherme Rego
Arruda, estudante de 20 anos, e Fernando Luís
Barreiros dos Reis, soldado de 24 anos. Esse crime
acicatou ainda mais a «repulsa que a generalidade
do povo sentia por um organismo altamente res-
ponsável pela repressão da liberdade», como era a
DGS, conforme afirmaria, mais tarde, o responsá-
vel pela tomada da sede desta polícia, comandante
Luís Costa Correia. Este sublinhou «a importância
que as mortes de quatro cidadãos alvo dos disparos

12

PIDE.indd 12 04/12/23 14:52


de pessoal da DGS/PIDE tiveram no evoluir da si-
tuação local e nas incidências respetivas no plano
político geral».
No FFC do Alfeite, já na tarde do dia 25, Pinhei-
ro de Azevedo recebera entretanto nova instrução
do «tenente Barata» e ordenou novamente a saída
de uma força com objetivo igual ao anterior, para a
sede da DGS. O núcleo duro dessa força voltou a ser
constituído pelo destacamento do tenente Vargas
de Matos, ao qual se juntou pessoal voluntário, in-
cluindo oficiais da reserva naval. O comando das
forças foi então atribuído ao capitão-tenente Luís
da Costa Correia, por sugestão a Pinheiro de Aze-
vedo, de Almada Contreiras, sem que este soubesse
que Costa Correia se «encontrava a poucos metros
do seu interlocutor». Pinheiro de Azevedo excla-
mara: «Mas o comandante Costa Correia está aqui
à minha frente!».
Foi assim que este se dirigiu ao monumento do
Cristo-Rei, onde o aguardava o Destacamento de
Fuzileiros Especiais (DFE) comandado pelo então
primeiro-tenente Fernando Vargas de Matos. Jun-
taram-se a um companhia de fuzileiros ad hoc, co-
mandada pelo então subtenente Lobo Varela,
também para atuar às ordens de Costa Correia.
Ao chegarem às instalações da Marinha, junto à Ri-
beira das Naus, cerca das 20 horas, Luís da Costa
Correia recebeu um telefonema de Carlos Almada
Contreiras, informando-o de que a DGS «tinha dis-
parado sobre manifestantes, tendo morto alguns»,
pelo que solicitava a rápida deslocação para cercar
a sede da DGS. Costa Correia diria ter mantido
sempre contacto com Almada Contreiras, através
do recurso a uma cabina telefónica, afirmando ter

13

PIDE.indd 13 04/12/23 14:52


sido este último «o comandante “de facto” das ope-
rações das citadas Forças de Marinha em terra».
Já no Chiado, ao ver carros de combate do Exér-
cito, Costa Correia contactara, cerca das 21 horas,
com o respetivo comandante, capitão de Cavalaria
Andrade Moura (RC3 — Estremoz), combinando
ambos o «dispositivo de cerco» à sede da DGS.
Ao encontrar-se junto ao Quartel do Carmo, An-
drade Moura ouvira, cerca das 20h30, «o ratatá das
metralhadoras da PIDE». Depois, no meio de uma
«multidão enfurecida, clamando vingança», conse-
guira, «com muito custo, colocar a viatura blindada
Panhard na António Maria Cardoso (…), de canhão
apontado à sede da DGS». Como não dormisse ha-
via muito tempo, Andrade Moura entregara o co-
mando das suas forças ao major Campos de Andra-
da, que ali surgira, «nomeado pelo Movimento».
Campos Andrada contaria ter sido incumbido,
por Spínola, de dirigir-se à sede da DGS, «munido
da autoridade emanada do general, mas sem efeti-
vos militares próprios». Ao chegar à Rua António
Maria Cardoso, com um jipe de Lanceiros 2, encon-
trara um capitão com uma companhia de Infanta-
ria da Amadora, forças de Santarém comandadas
pelo capitão Salgueiro Maia e um esquadrão de Ca-
valaria 3 de Estremoz, desviada do Largo do Car-
mo, sob a chefia do então capitão Alberto Ferreira.
Este relataria, por seu turno, ter recebido ordem do
PC da Pontinha para desarmar a GNR, no Largo do
Carmo, ao anoitecer de 25 de abril, mas que não o
fizera. Após ter dormido umas horas numa caserna
de praças da GNR, apercebera-se, já na manhã do
dia 26, que as suas forças estavam cercadas «por
um cordão de fuzileiros».

14

PIDE.indd 14 04/12/23 14:52


Pouco antes, surgira o major Campos de Andra-
da, comunicando-lhe para «tomar conta da DGS,
para a entregar à Polícia Judiciária, por ordem do
general Spínola». Depois, «com uma secção do Re-
gimento de Cavalaria de Estremoz, acompanhando
aquele oficial» (Campos Andrada), este e Alberto
Ferreira, segundo afirmaria, terão sido os primei-
ros a entrar na sede DGS, onde foram recebidos
pelo major Silva Pais, acompanhado do inspetor
Pereira de Carvalho. Ainda segundo o testemunho
de Alberto Ferreira, Campos Andrada dera-lhe ins-
truções «no sentido de separar os funcionários su-
periores do resto do pessoal» e ficar com as armas
entregues pela DGS, e os dois oficiais deram uma
«volta pelas instalações» da DGS, guiados pelo ins-
petor superior Pereira de Carvalho.
Interpelaram este último, ao detetarem, na sala
dos «arquivos», «vestígios de terem sido queima-
dos papéis recentemente», respondendo-lhes Ál-
varo Pereira de Carvalho que se tratava de «infor-
mações relacionadas com militares». Fora ele
próprio, horas antes, a dar ordens para destruir
documentação, mas esta estava relacionada com os
ficheiros de «informadores», cuja destruição pre-
tendia «evitar perseguições imediatas», e «algu-
mas reproduções de escutas telefónicas», que po-
deriam «criar graves desavenças conjugais em
alguns lares».
Após uma revista a todo o edifício da sede da
DGS, Campos Andrada e Alberto Ferreira separa-
ram-se e este último contaria que, ao chegar ao
átrio do edifício, encontrara aquele major a falar
com Costa Correia, que, entretanto, chegara com
os fuzileiros. Como este afirmasse ter ordens para

15

PIDE.indd 15 04/12/23 14:52


ficar a controlar a sede, Alberto Ferreira disse ter
aconselhado Campos de Andrada a telefonar para a
Pontinha, onde lhe fora confirmado ser «aquele
pessoal da Marinha» a tomar conta da sede da DGS.
O relato de Costa Correia difere do de Andrade
Moura, segundo o qual os «marinheiros» teriam
surgido na Rua António Maria Cardoso, cerca das 2
horas da madrugada de 26 de abril.
O primeiro afirmou ter ali chegado à rua, cerca
das 22 ou 23 horas do dia anterior, ao comando de
uma companhia e de um destacamento de cem fu-
zileiros. Depois, durante a longa noite que se segui-
ra, «na companhia de muitos cidadãos e de diver-
sos jornalistas, ansiosos por presenciar o que
sucederia», segundo o testemunho de Costa Cor-
reia, foram capturados alguns agentes da DGS, le-
vados sob detenção para o Governo Civil. Cerca das
8 horas de 26 de abril, ele próprio selecionara um
desses agentes, chamado J. Azevedo, para levar
uma mensagem verbal ao diretor-geral da polícia,
informando-o de que os sitiantes iriam entrar na
sede. Costa Correia prometera aliás ao agente que
teria um tratamento preferencial do MFA, o que
acabaria por não se concretizar, para sua grande
deceção.
Segundo contou ainda Costa Correia, poste-
riormente, ele próprio, acompanhado pelo primei-
ro-tenente Vargas de Matos e por alguns jornalis-
tas, descera a rua, constatando que o seu camarada
de curso, major Campos Andrada, descia também a
rua para se juntar ao grupo. Ambos entraram na
sede da polícia, subindo até ao gabinete do major
Silva Pais, onde este garantira que «a Direção-Ge-
ral de Segurança estava ao lado das Forças

16

PIDE.indd 16 04/12/23 14:52


Armadas». Costa Correia disse ter-lhe retorquido
que, se assim era, não compreendia porque «é que
aqueles retratos ainda se encontram pendurados
neste seu gabinete» (tratava-se de Oliveira Salazar,
Américo Tomás e Marcello Caetano). Vários inspe-
tores retiraram-nos, «em ato cujo profundo simbo-
lismo assinalava o termo das operações militares
desencadeadas na véspera visando a deposição do
regime político ditatorial vigente».
Por ocasião da publicação na revista Visão
História, em março de 2014, de um artigo sobre a
rendição da DGS, ocorreu uma troca de impressões
entre Luís da Costa Correia, Vargas de Matos e o
atual coronel de cavalaria Alberto Ferreira, que co-
mandara a Secção do RC3 (Estremoz), em 1974.
Entre parênteses, lembre-se que, ao cercar, duran-
te a noite, o edifício da DGS, essa força abatera um
elemento da DGS e capturara outros doze, até à
chegada do reforço de dois destacamentos da Mari-
nha, cerca das 2 horas da madrugada de 26 de abril.
A vítima mortal foi o servente dessa polícia, Antó-
nio Lage, que, em pânico, fugira da sede da DGS.
Fechado o parêntese, Alberto Ferreira disse
lembrar-se de, cerca das 21h30 de 25 de abril, ter
constatado a presença de pessoal da Marinha junto
à entrada da Rua António Maria Cardoso, repetin-
do ter sido o primeiro a entrar na sede da DGS, no
dia 26, acompanhado pelo então major Campos
Andrada. Este informara-o de ter sido nomeado
pelo general Spínola para comandar as forças que
tinham a missão de ocupação da sede da então
DGS. Costa Correia realçou que Vargas de Matos e
ele próprio, ao entrarem na sede dessa polícia, não
se tinham apercebido de que forças de Cavalaria 3

17

PIDE.indd 17 04/12/23 14:52


os tinham precedido. Alberto Ferreira admitiu que
o major Campos Andrada tivesse entretanto saído
do edifício e então encontrara Costa Correia e Var-
gas de Matos, que entravam no edifício.
Em resposta às afirmações, constantes num ar-
tigo escrito, em 2020, por Costa Neves e por Alber-
to Ferreira, na revista Referencial, da Associação 25
de Abril, Campos Andrada continuou a manter a
sua versão. Isto é, após Spínola lhe ter «dado ordem
de ir comandar as forças que estavam a cercar a
sede da PIDE/DGS», ele chegara «ao Largo do
Chiado cerca das 20 horas, quando tinham acabado
de ser mortos pela PIDE quatro civis e vários feri-
dos». Apercebendo-se da dificuldade de atacar o
edifício da sede da DGS, dirigira-se ao Quartel do
Carmo, onde se reunira aos camaradas dos regi-
mentos de Cavalaria 3 e Infantaria da Amadora.
Ao dirigir-se, na manhã de 26 de abril, para o Largo
do Chiado, aparecera uma escolta com o inspetor
superior da DGS, Rogério Coelho Dias, informan-
do-o de que o major Silva Pais se rendia ao major
Campos Andrada conforme tinha combinado com
o general Spínola.
Ainda segundo o relato de Campos Andrada, ao
entrar na Rua António Maria Cardoso, surgira uma
força da Marinha comandada por Costa Correia,
que o questionara se podia acompanhá-lo, na en-
trada da sede da DGS. Já no interior da sede, o ins-
petor superior Coelho Dias levara ambos ao gabi-
nete onde se encontravam o diretor e vários
inspetores superiores dessa polícia, onde recebera
«a rendição de Silva Pais». Campos Andrada rela-
tou ainda que Spínola lhe dissera, por telefone, que
Coelho Dias iria remeter-lhe uma «Lista com os

18

PIDE.indd 18 04/12/23 14:52


nomes dos agentes, a quem devia fornecer viaturas
e armas, para irem guarnecer as fronteiras». Quan-
to aos elementos da DGS presos na sede desta polí-
cia, Spínola ordenara-lhe que fossem transporta-
dos em viaturas do RL2, comandado por Correia de
Campos, para o forte de Caxias, enquanto as insta-
lações da DGS ficaram à guarda do comandante
Costa Correia.
Na descrição do jornal República, ao romper da
manhã de dia 26 de abril, uma multidão começara a
juntar-se no Largo de Camões, onde unidades dos
Fuzileiros Navais e do RI1 (Amadora) tinham mon-
tado o dispositivo de ataque à sede da DGS.
Às 9h30, fora enviado à sede da DGS, por intermé-
dio de dois agentes detidos pelas forças militares,
um ultimatum, nos termos do qual «ou os entrin-
cheirados se rendiam, ou começaria o assalto à
sede». A resposta veio de imediato — «rendição
imediata e incondicional».
E, exatamente às 9h46, «um destacamento do
RI1 entrava no edifício para desarmar os elemen-
tos da PIDE-DGS, apreender todo o material e co-
meçar as operações de transferência dos agentes,
sob prisão, para o Instituto Hidrográfico da Mari-
nha». Concluída a ocupação da sede da polícia polí-
tica, o tenente Melo Saião, dos fuzileiros navais,
deslocou-se ao Largo das Duas Igrejas, onde disse
aos jornalistas: «Pronto, renderam-se». Ao Chiado,
durante a manhã, chegaria uma nova força de Fuzi-
leiros, comandada pelo capitão-tenente Abrantes
Serra, para reforçar o cerco à sede da DGS, mas
como já não fosse necessário o reforço, com o as-
sentimento de Almada Contreiras, Costa Correia
sugerira-lhe que se dirigisse para o forte de Caxias.

19

PIDE.indd 19 04/12/23 14:52


Com o primeiro-tenente Vargas de Matos e com
o segundo-tenente Lobo Varela, Costa Correia
montou de seguida um dispositivo de segurança,
em torno da ex-sede da DGS, no interior da qual fi-
cou um pequeno grupo para assegurar a coordena-
ção com as forças exteriores. Antes das 18 horas, as
forças de Cavalaria 3 retiraram para o Regimento
de Lanceiros 2, antes de regressarem a Estremoz,
já no dia 27, e, para render essas forças, Costa Cor-
reia disse ter solicitado ao Estado-Maior da Arma-
da o envio de oficiais e pessoal. Contou que, cerca
das 18h30 de dia 26 de abril, surgira «um estafeta
portador de um documento assinado pelo general
Spínola e com selo branco ilegível, no qual era no-
meado como novo diretor-geral de Segurança o
inspetor superior Coelho Dias».
Costa Correia entregou a credencial a Coelho
Dias, felicitou-o e enviou-o para a sua residência,
ordenando ao então marinheiro Luís para avisar os
jornalistas de que alguém «tinha acabado de ser
nomeado diretor-geral de Segurança». O mesmo
oficial da Marinha descreveu as suas primeiras
missões, como tendo decorrido em «quase auto-
gestão». Um dos seus principais objetivos foi a des-
truição à martelada do sistema de escutas da DGS e
evitar o «linchamento sumário de pides», sugerin-
do Costa Correia que «o Destacamento de Marinha
no edifício da Rua António Maria Cardoso passasse
a ser oficialmente designado por DestacMarCardo-
so», enquanto unidade da Armada.
Esse facto, ainda segundo Costa Correia, foi
«assim o primeiro passo na intervenção da Marinha
no processo de extinção da DGS/PIDE». Carlos Al-
mada Contreiras («tenente Barata») assinalou

20

PIDE.indd 20 04/12/23 14:52


a importância, no day after, da manutenção da Ma-
rinha, comandada por Luís da Costa Correia, na
sede da DGS, pois se tratou de um passo fundamen-
tal para a extinção dessa polícia, bem como para a
salvaguarda dos respetivos arquivos. De facto, os
acontecimentos na Rua António Maria Cardoso,
tal como, depois, a libertação dos presos políticos,
representaram dois pontos de não retorno no 25 de
Abril de 1974.
A partir de então, tornou-se claro que a DGS
não iria continuar — na chamada «metrópole»,
pois nas colónias foi diferente —, muito devido ao
papel de centenas de pessoas que acorreram ao lo-
cal e ao assassinato por elementos dessa polícia de
quatro portugueses e o ferimento de dezenas de
outros. Esses acontecimentos marcariam também
os eventos que ocorreriam posteriormente e trans-
formariam um golpe de Estado militar num pro-
cesso revolucionário. Mas o que foi a polícia políti-
ca da ditadura que durou tantos anos em Portugal?
A resposta obriga a um grande recuo cronológico.

21

PIDE.indd 21 04/12/23 14:52


PIDE.indd 22 04/12/23 14:52
1. As polícias políticas da
Ditadura Militar, 1926-1932

Durante a I República portuguesa, no curto


período do sidonismo, em 1918, fora criada a Polícia
Preventiva (PP), denominada no ano seguinte Polí-
cia de Segurança do Estado (PSE). Esta transfor-
mar-se-ia, em 1922, em Polícia de Defesa Social
(PDS) e, depois, em Polícia Preventiva e de Segu-
rança do Estado (PPSE). Depois, durante a Dita-
dura Militar — apelidada de Ditadura Nacional —,
erguida a partir do golpe de 28 de Maio de 1926, que
derrubou a I República, sucederam-se diversas
polícias políticas. E, no entanto, as forças vitoriosas
do golpe militar começaram por dissolver a PPSE,
de triste fama, começando por não ter qualquer
polícia política, até 16 de dezembro de 1926.
Foi então criada, junto do Governo Civil de Lis-
boa, a Polícia Especial de Informações (PEI), ou
simplesmente Polícia de Informações (PI), dirigi-
da pelo tenente-coronel Brás Vieira. No Porto,
onde se iniciou a primeiro sublevação militar e civil
contra o governo militar, em fevereiro de 1927, foi
também instituída, a 26 desse mês, uma PEI,

23

PIDE.indd 23 04/12/23 14:52


chefiada pelo então tenente de cavalaria José Mo-
rais Sarmento. As duas polícias de Lisboa e do Por-
to foram fundidas, em 1928, na Polícia de Informa-
ções do Ministério do Interior (PIMI).
Por outro lado, através da fusão dos Corpos de
Polícia Cívica de Lisboa e Porto, fora formada, em
março de 1927, a Polícia de Segurança Pública
(PSP), sob o comando do então coronel José Maria
Ferreira do Amaral, que chefiava, desde 1923, o
Corpo de Polícia de Segurança de Lisboa. Ainda
nesse mês de março, no rescaldo da revolta revira-
lhista republicana do mês anterior, foram restabe-
lecidas as funções da Direção-Geral de Segurança
Pública (DGSP). Criada em abril de 1918, esta supe-
rintendia os Corpos de Polícia Civil de Lisboa e
Porto, a Guarda Nacional Republicana (GNR), bem
como a Polícia de Investigação Criminal (PIC, mais
tarde Polícia Judiciária, PJ).
Dez anos depois, ficando sob a tutela do Minis-
tério do Interior, a DGSP deixou de ter autoridade
sobre a PIC, que passou a depender do Ministério
da Justiça. Em 31 de julho de 1928, foi extinta, subs-
tituída pela Intendência-Geral de Segurança Pú-
blica, sob a chefia do coronel Fernando Luís Mou-
zinho de Albuquerque. Em 21 de agosto, foi criada a
Polícia Internacional Portuguesa (PIP), com o en-
cargo de vigiar as fronteiras e os estrangeiros. Diri-
gida pelos capitães Agostinho Lourenço, vindo da
Polícia de Viação, e José Catela, seu adjunto, a PIP
teve então pouca duração, pois seria extinta por
falta de verbas, dois anos depois.

24

PIDE.indd 24 04/12/23 14:52


Dois grupos no seio da Ditadura Nacional

Ainda em 1928, ano em que Salazar foi nomeado


ministro das Finanças do governo presidido pelo
general Vicente de Freitas, estavam já em forma-
ção dois grupos no seio do governo da Ditadura Mi-
litar, então já chamada Ditadura Nacional. De um
lado, estavam os chefes do governo, o general Vi-
cente de Freitas e depois o seu sucessor, o general
Artur Ivens Ferraz. Estes oficiais pertenciam à di-
reita republicana liberal, que então controlava a
GNR e a PIMI, mas encarava a ditadura apenas en-
quanto medida provisória de «regeneração», na
qual a Constituição de 1911 ficava entre parênteses,
mas não seria abolida.
Do outro lado da Ditadura Nacional, estavam
forças monárquicas, os integralistas e católicos,
que não queriam a reposição da Constituição repu-
blicana. Alguns desejavam mesmo formar um novo
regime à semelhança do fascismo implantado na
Itália, a partir da «marcha sobre Roma», em 1922, e
encontrariam em António Oliveira Salazar um lí-
der. Entre estes, contava-se o próprio secretário
pessoal deste, o tenente do 28 de Maio Horácio As-
sis Gonçalves, da guarnição de Caçadores 5.
Entre 1928 a 1930, o novo ministro das Finan-
ças, António Oliveira Salazar, e os seus amigos polí-
ticos viriam a romper com o republicanismo con-
servador militar, então na chefia do governo e do
Estado. Estes passariam a hegemonizar a Ditadura,
em janeiro de 1930, com a nomeação do novo chefe
do Executivo, general Domingues de Oliveira, pró-
ximo de Salazar. No entanto, o período até 1932,
ano da chegada de Salazar à chefia do governo, por

25

PIDE.indd 25 04/12/23 14:52


nomeação do Presidente Carmona, foi tudo menos
pacífico.
Após a sublevação de fevereiro de 1927, no Por-
to e em Lisboa, assistira-se a diversas outras revol-
tas republicanas ditas «reviralhistas», todas fracas-
sadas. Foram os casos da revolta do Castelo (de São
Jorge em Lisboa, quartel-general dos insurretos),
de julho de 1928, e ainda de todas as revoltas que
tiveram lugar nas ilhas atlânticas, em algumas co-
lónias africanas e em Lisboa, em 1931. Sempre que
a Ditadura Militar derrotava essas intentonas, re-
forçava o seu aparelho policial, endurecia a repres-
são, bem como prendia e deportava para as coló-
nias os seus principais adversários políticos.
Em janeiro de 1931, o ministro do Interior, co-
ronel António Lopes Mateus, demitiu o diretor da
Polícia de Informação do Ministério do Interior
(PIMI), tenente-coronel Brás Vieira, próximo dos
generais Vicente de Freitas e Ivens Ferraz. Devido
às críticas à sua atuação violenta, a própria PIMI
foi dissolvida, em 3 de junho, e as suas funções fo-
ram provisoriamente atribuídas à PSP. Em larga
medida devido à implantação da República em Es-
panha, que levou à necessidade de reforçar as fron-
teiras, reapareceu a Polícia Internacional Portu-
guesa (PIP), em 28 de julho de 1931, mantendo-se
na sua chefia o capitão Agostinho Lourenço.
Já em 1932, foi criada «uma brigada especial de
vigilância», no seio do «Serviço de Informação, até
aí um pouco ao sabor das contingências». A criação
deste novo serviço relacionou-se com o facto de o
então ministro do Interior, Mário Pais de Sousa, ter
reforçado, em maio desse ano, a Secção de Vigilân-
cia Política e Social (SVPS) da PIP, que reuniu pela

26

PIDE.indd 26 04/12/23 14:52


primeira vez todas as funções de polícia política
num único corpo.
Em 26 de agosto de 1931, eclodiu em Lisboa
uma nova revolta republicana, que no fim do dia foi
derrotada, saldando-se em quarenta mortos e du-
zentos feridos. Com grande eficácia junto da opi-
nião pública terá tido aliás uma célebre fotografia
de Ferreira da Cunha, registada durante a revolta,
onde se vê Salazar, num carro, a ser informado dos
acontecimentos, pelo general David Neto, respon-
sável pela repressão do movimento. Politicamente
e militarmente vitoriosa das revoltas reviralhistas,
a Ditadura Nacional tinha passado a ser hegemoni-
zada pelos civis e militares que defendiam a substi-
tuição do chefe do governo.

27

PIDE.indd 27 04/12/23 14:52


PIDE.indd 28 04/12/23 14:52
2. A chegada de Salazar ao
poder e a Polícia de Vigilância
e de Defesa do Estado (PVDE),
1933-1945

O general Domingos de Oliveira demitir-se-ia,


em 24 de junho de 1932, e o general Carmona
nomeou, em 5 de julho, António de Oliveira Salazar
presidente do Ministério. Além de chefiar o
governo, este viria a instituir um novo regime dita-
torial civil — o Estado Novo, erguido através de
uma nova Constituição. Ao caracterizar, nesse ano,
o novo regime, Salazar afirmou que este recusava
tanto o liberalismo como o totalitarismo estatal.
Segundo as suas palavras, a Constituição negava os
fundamentos democráticos e parlamentares do
Estado e as abstrações da soberania popular, do
cidadão e da liberdade como conceitos legitimado-
res do regime.
Quanto ao totalitarismo estatal, que tudo su-
bordinava «à ideia de nação ou de raça», Salazar
considerou-o incompatível com a civilização cristã
da qual Portugal fazia parte. Por isso, segundo

29

PIDE.indd 29 04/12/23 14:52


ele, a Constituição portuguesa limitava, pela «mo-
ral e o direito», a omnipotência do Estado ao im-
por-lhe «o respeito pelos direitos individuais e
corporativos, ao assegurar a liberdade de crença e
prática religiosa». Ao caracterizar, ainda em 1932,
a União Nacional (UN), por ele formada dois anos
antes para integrar as elites conservadoras e de di-
reita do novo regime, Salazar afirmou não tratar-
-se de um «partido» e que, fora dela, o Estado
reconhecia as liberdades e direitos políticos. Esta
última afirmação não tinha aplicação prática, pois
admitia uma exceção que abria a porta a todas as
exceções: não seriam toleradas, fora da UN, quais-
quer «ofensas à atividade governativa nem aos fins
da Constituição».
Numa das entrevistas, concedidas ainda em
1932, ao jornalista António Ferro, que o questiona-
ra sobre maus-tratos levados a cabo pela polícia
política, o novo presidente do Conselho declarou
ter-se chegado «à conclusão que as pessoas mal-
tratadas eram sempre, ou quase sempre temíveis
bombistas». Ora, estes só diziam «a verdade» de-
pois de a polícia «empregar esses meios violen-
tos». Por isso — Salazar respondeu ao seu
entrevistador, através de uma pergunta retórica —
«se a vida de algumas crianças e de algumas pes-
soas indefesas não vale bem, não justifica
largamente, meia dúzia de safanões a tempo nes-
sas criaturas sinistras…?».

30

PIDE.indd 30 04/12/23 14:52


Crimes de «rebelião» e a criação da Polícia
de Defesa Política e Social (PDPS)

Através do Decreto n.º 21 942, de 5 de dezem-


bro de 1932, Salazar regulou o novo regime de pu-
nição dos «crimes de rebelião», ao mesmo tempo
que cuidava da aparência, ao declarar, através de
outro diploma, uma amnistia para alguns — não
para todos — exilados e presos, acusados de «crime
político» nos primeiros seis anos da Ditadura.
Fora da lista e proscritos ficaram os republicanos
Bernardino Machado, Afonso Costa, Agatão Lan-
ça, Jaime de Morais, Sarmento de Beires, Pestana
Júnior, Prestes Salgueiro e Utra Machado. O Sécu-
lo avisou, em 8 de dezembro, que só eram amnis-
tiados os «comunistas idealistas, isto é, aqueles
que não tiverem tomado parte em atentados», mas
que os «bombistas», embora se intitulando comu-
nistas, continuariam «presos e seriam sujeitos a
Julgamento, nos termos do diploma agora
publicado».
Esta noção iria prevalecer até ao fim do regime
ditatorial, dado que, até 1974, quer o governo, quer
a sua polícia política afirmariam sempre que, em
Portugal, o art.º 8 da Constituição de 1933, garan-
tindo a liberdade de expressão, pensamento e asso-
ciação, era cumprido e ninguém era preso devido às
suas ideias políticas. Ou seja, apenas eram detidos,
segundo o governo, aqueles que se organizassem
politicamente para subverter o regime legal ins-
taurado por essa mesma Constituição. Por isso, a
polícia política viria sempre a qualificar os elemen-
tos do PCP como membros de uma «associação de
malfeitores», pondo aspas em tudo o que se referia

31

PIDE.indd 31 04/12/23 14:52


ao comunismo, bem como aos seus «militantes»,
«funcionários» e «dirigentes».
Após terem sido criados, ainda em dezembro de
1932, tribunais militares especiais para julgarem
os crimes de «rebelião», o novo regime salazarista
tornou público, em 24 de janeiro de 1933, que a Sec-
ção de Vigilância Política e Social (SVPS) da PIP se
iria transformar num corpo policial autónomo.
Mantendo-se na pasta das Finanças, Salazar convi-
dara para a pasta do Interior Albino Soares Pinto
dos Reis, um católico, formado em Direito em
Coimbra, onde até então havia sido governador ci-
vil. Este criou, através do Decreto n.º 22 151, a Polí-
cia de Defesa Política e Social (PDPS), chefiada por
Rodrigo Vieira de Castro, um magistrado civil, mas
esta polícia teve vida breve.
Não terá agradado ao capitão Agostinho Lou-
renço, diretor da PIP, e foi disso que deu conta a Sa-
lazar o tenente Horácio Assis Gonçalves, que reme-
teu posteriormente ao presidente do Conselho
dois relatórios contra o ministro do Interior, Albi-
no dos Reis. Desgastado, por suscitar críticas à UN
e não merecer a confiança dos militares e dos «Ra-
pazes da Ditadura», que consideravam que o Mi-
nistério do Interior manobrava como «Diretório
de partido à antiga», Albino dos Reis demitir-se-ia,
em 24 de julho de 1933. Com a sua demissão, saiu
também o diretor da PDPS, Rodrigo Vieira de Cas-
tro, ficando a direção dessa polícia a cargo do capi-
tão Rosa Mendes.

32

PIDE.indd 32 04/12/23 14:52


A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
(PVDE)

Em resultado da fusão entre a PDPS, com fun-


ção de vigilância político-social sobre os nacionais,
e a PIP, que vigiava as fronteiras e os estrangeiros,
foi criada, em 29 de agosto de 1933, pelo Decreto-
-Lei n.º 22 992, a Polícia de Vigilância e Defesa do
Estado (PVDE). Vindo a ser conhecida pelos portu-
gueses como a «Internacional», devido à sua ante-
cessora, PIP, a PVDE — e as suas sucessoras (PIDE
e DGS) — desenvolveria um relacionamento com
as polícias e os serviços secretos estrangeiros. De-
sempenharia competências de informação estraté-
gica, ao mesmo tempo que reprimiria toda a oposi-
ção interna ao regime.
A PVDE tinha como principal função a repres-
são do comunismo, designadamente no que tocava
às ligações entre elementos portugueses e agitado-
res estrangeiros. Por isso, ficou incumbida de cola-
borar tanto com as polícias estrangeiras como com
outras polícias portuguesas, com as autoridades
administrativas e as repartições de autoridade do
Estado Novo, incluindo as representações consula-
res e diplomáticas. Esta polícia atuou segundo uma
tripla lógica: de prevenção-dissuasão, vigilância-
-investigação e punição-repressão, ficando inicial-
mente estruturada em duas secções — Defesa Polí-
tica e Social e Internacional, como caracterizou
Maria da Conceição Ribeiro, a primeira historiado-
ra a estudar a PVDE.
Ao erguer o seu novo regime, em 1933, António
de Oliveira Salazar aproveitou os elementos das
Forças Armadas que ocupavam as instituições do

33

PIDE.indd 33 04/12/23 14:52


período da Ditadura Militar. Foi essa a forma en-
contrada para apaziguar a estrutura militar e man-
ter a sua coesão em torno do seu regime, aprovei-
tando quadros das anteriores polícias, prove-
nientes, em particular, do Exército, para dirigirem
a PVDE. O tenente Assis Gonçalves, secretário de
Salazar, assumiu junto deste a defesa do capitão
Agostinho Lourenço, até então comandante da PIP,
rival da PDPS. Nascido em 1886, Agostinho Lou-
renço tinha sido governador civil de Leiria, come-
çando por ingressar na PSP, dirigida pelo tenente-
-coronel Ferreira do Amaral, e sendo nomeado
diretor da PIP, em 1928 e novamente em 1931.
Em 1932, Agostinho Lourenço iniciara um pro-
cesso de reforço da disciplina da sua polícia (então
PIP), ao impor aos candidatos à entrada na mesma
a apresentação de um registo criminal limpo e o pa-
trocínio de dois oficiais do Exército, ao mesmo
tempo que expulsava todos os que haviam pratica-
do roubo ou homicídio. O certo é que este capitão
foi nomeado para a nova polícia política, conti-
nuando a ser, coadjuvado pelo tenente, depois ca-
pitão, José Ernesto do Vale Catela, secretário-geral
da PVDE até 1945.
Os anos 30 e 40 do século xx foram os que pro-
duziram os «melhores» elementos da PVDE e da
sua sucessora, PIDE, em termos de conhecimento
do PCP. Foram os casos dos futuros inspetores Fer-
nando Gouveia, José Gonçalves ou António Rosa
Casaco, que ingressaram na PVDE sem grandes ha-
bilitações e subiram a pulso até aos escalões mais
altos. A maior parte dos dirigentes da PVDE eram
oficiais das Forças Armadas e, em particular, do
Exército. Estavam neste caso, além dos já referidos,

34

PIDE.indd 34 04/12/23 14:52


ainda o capitão, depois major, Rui Pessoa de Amo-
rim, ingressado na polícia em 1931, atuando na Sec-
ção Internacional, na Secção de Vigilância Política
e Social e, depois, na delegação do Porto da PVDE.
Entre os primeiros quadros da PVDE, conta-
ram-se também o capitão Baleizão do Passo, vindo
da Polícia de Informação do Ministério do Interior
(PIMI), embora fosse exonerado das suas funções
em dezembro de 1934. Passaram também a desem-
penhar funções dirigentes na PVDE, em 1935 e
1936, os capitães Jorge Alcides Pedreira, Gaspar de
Oliveira, antigo chefe de Gabinete do ministro do
Interior (Mário Pais de Sousa), bem como o tenen-
te Paulo Cumano, colocado nos Serviços de Fiscali-
zação e Fronteiras. Em 1937, o tenente António Ne-
ves Graça, que viria mais tarde a substituir
Agostinho Lourenço na chefia da PIDE, transitaria
para a delegação do Porto.
Por seu lado, o capitão Porfírio Hipólito da Fon-
seca substituiria o capitão Maia Mendes, na Secção
de Vigilância Política e Social, onde também passa-
ria a desempenhar funções o capitão João Amado
de Vasconcelos. No ano seguinte, ingressariam no
quadro dirigente da PVDE os tenentes Manuel Ma-
gro Romão e Adelino Soares, este último como ad-
junto na delegação do Porto. Outros oficiais do
Exército seriam igualmente nomeados para dirigir
as prisões do Aljube e Caxias, em Lisboa, os fortes
de Angra do Heroísmo e de Peniche, bem como a
«colónia penal» do Tarrafal de Cabo Verde.
Muitos destes oficiais transitariam, em 1945,
para a PIDE, cujo quadro incluiria, no seu início,
547 funcionários, enquanto a PVDE apenas tinha
cerca de trinta agentes. A Secção Política e Social

35

PIDE.indd 35 04/12/23 14:52


da PVDE começou por estar sediada na Rua Serpa
Pinto — antiga Rua 16 de Outubro, ainda conheci-
da, em 1933, por «Rua da Leva da Morte» —, en-
quanto a Secção Internacional e de Estrangeiros
estava situada na Rua António Maria Cardoso.
A primeira grande subdiretoria ou delegação, de-
pois da de Lisboa, viria a ser a do Porto, situada na
Rua do Heroísmo, a qual tinha uma cadeia
privativa.

Os alvos e métodos da PVDE

Até 1934, os alvos políticos e sociais da PVDE,


ou seja, os inimigos principais da Ditadura Militar
e do início do regime de Salazar, foram o reviralhis-
mo e os anarcossindicalistas, pois os comunistas
não passavam de pequeno grupo de agitação políti-
ca e sindical, composto sobretudo por jovens orga-
nizados na Federação das Juventudes Comunistas
Portuguesas (FJCP). A PVDE só começou a com-
preender o funcionamento da organização comu-
nista, ao efetuar importantes apreensões de arqui-
vos e detenções, em 1932-1933.
Depois, a «fascização» dos sindicatos, em con-
sequência das leis corporativas de setembro de
1933, e a dura repressão que se sucedeu à resposta
operária a essa legislação — a «greve geral insurre-
cional» de 18 de janeiro de 1934 — alteraram o qua-
dro da relação de forças oposicionistas. O PCP tor-
nou-se a única organização política permanente
no campo oposicionista, com uma atividade mais
ou menos regular e uma estrutura partidária rela-
tivamente mais capaz de se adaptar à luta na

36

PIDE.indd 36 04/12/23 14:52


clandestinidade. Após o 18 de Janeiro, o comunis-
mo passou a hegemonizar o campo oposicionista,
tomando o lugar do reviralhismo e dos anar-
cossindicalistas.
O regime apercebeu-se aliás disso, e, no comício
da Associação Estudantil Vanguarda (AEV), de 28
janeiro de 1934, realizado no Teatro de São Luís,
em Lisboa, Salazar apresentou o novo tema do an-
ticomunismo, depois exacerbado nos anos seguin-
tes, nomeadamente com a eclosão da guerra civil
de Espanha. A parte mais importante do seu dis-
curso foi aquela em que Salazar afirmou perento-
riamente que o comunismo se havia convertido na
«grande heresia da nossa idade». Não por acaso, a
partir de junho de 1934, foram atribuídas à PVDE
competências prisionais, bem como de controlo da
atividade dos engajadores de emigrantes clandesti-
nos e da circulação de passaportes falsos (Decreto-
-Lei n.º 23 995, de 12 de junho).
No ano seguinte, após a proibição de todos os
partidos e sindicatos livres, foi publicada uma lei
contra as «associações secretas», visando sobre-
tudo a Maçonaria. Outro diploma forçava à de-
missão dos funcionários públicos e empregados
civis ou militares que revelassem «espírito de
oposição aos princípios fundamentais da Consti-
tuição Política».
Ainda em 1935, ano em que ficou organizada em
diversos serviços — Gerais; de Informação e Liga-
ção; bem como de Fiscalização de Fronteiras e de
Emigração —, a PVDE conseguiu deter os dirigen-
tes comunistas Bento Gonçalves, José de Sousa e
Júlio Fogaça. Juntamente com cerca de 150 outros
presos, entre os quais se contaram o anarquista

37

PIDE.indd 37 04/12/23 14:52


Mário Castelhano e os comunistas Militão Ribeiro
e Sérgio Vilarigues, foram enviados para a colónia
penal do Tarrafal. Aberta em setembro de 1936,
para ela foram também desterrados participantes
na greve revolucionária de 18 de janeiro de 1934 e
da sublevação da ORA de três navios de guerra, dois
anos depois. Ainda neste ano de 1936, os funcioná-
rios públicos passaram a ser obrigados, sob jura-
mento, a repudiar «o comunismo e todas as ideias
subversivas» e a aceitar «a ordem estabelecida pela
Constituição Política de 1933».
Embora a Constituição garantisse «aos argui-
dos, antes e depois da formação de culpa, as neces-
sárias garantias de defesa» (art.os 8 e 10), a instru-
ção preparatória de crimes políticos, a cargo da
PVDE, «permaneceu sempre secreta e sem con-
tradição, isto é, sem a assistência de advogados e a
presença de qualquer juiz de instrução». Essa au-
sência de controlo judiciário colocava a instrução
nas mãos da polícia, até porque os autos por ela
elaborados faziam fé em julgamento, dando àque-
la, além da possibilidade de deter por quanto tem-
po entendesse, a de incriminar quem e como lhe
apetecesse. Era no decurso da instrução prepara-
tória, realizada nos calabouços da polícia, sem a
presença de advogado, que a PVDE usava e abusa-
va de métodos de tortura para extorquir confissões
de culpa ou denúncia de culpa alheia.
Nos anos 30 e 40, a PVDE utilizou sobretudo as
torturas físicas e os espancamentos, acompanha-
dos da tortura da «estátua», em que o detido era
obrigado a estar de pé ou voltado para a parede,
sem a tocar e de braços estendidos — a posição de
«Cristo» — durante longas horas. Quando o preso

38

PIDE.indd 38 04/12/23 14:52


se deixava cair, os pontapés atingiam-no em todas
as partes do corpo. O dirigente comunista Francis-
co Miguel contou que, na sua primeira prisão, ocor-
rida em 1938, foi selvaticamente espancado, de pés
e mãos algemados, com um cavalo-marinho, um
pau grosso a que chamavam «arriba Espanha»,
duas portas e uma cadeira. Dessa vez, esteve cerca
de sete meses incomunicável, sem receber visitas e
autorização para escrever.
Também Álvaro Cunhal relatou que, da pri-
meira vez em que foi preso pela PVDE, foi coloca-
do, algemado, no meio de uma roda de agentes,
que o espancaram a murro e pontapé, com cava-
lo-marinho e umas tábuas grossas. Depois, deixa-
ram-no cair, descalçaram-lhe os sapatos e deram-
-lhe violentas pancadas nas plantas dos pés.
Quando o levantaram, obrigaram-no a andar em
passo de marcha sobre os pés feridos e inchados,
ao mesmo tempo que voltaram a espancá-lo pelo
primitivo processo. Isto repetiu-se numerosas
vezes, até que perdeu os sentidos. Era desta for-
ma que a PVDE interrogava os detidos políticos,
aos quais também submetia a tortura da
«estátua».
A PVDE, que superintendia a execução das pe-
nas dos presos políticos, era a entidade verdadei-
ramente condutora de todo o processo de «justiça
política», desde a instrução dos processos à execu-
ção das penas, passando pelo julgamento dos réus
que levava a tribunal. Além do mais, a PVDE deti-
nha poderes de «prisão preventiva», superinten-
dendo uma rede de prisões para os detidos a aguar-
dar julgamento, mas onde era igualmente frequen-
te cumprirem pena os já condenados.

39

PIDE.indd 39 04/12/23 14:52


Embora apenas pudesse guardar em prisão
sem culpa formada durante oito dias, reinava na
realidade o arbítrio policial. Efetivamente, à luz da
lei processual militar, a detenção policial para ave-
riguações era ilimitada, como também era sem
prazo a detenção ordenada pelo Tribunal Militar
Especial (TME). Nos anos 30 e início de 40 do sé-
culo xx, a prisão posterior ao cumprimento da
pena aplicada aos presos políticos era prolongada
indefinidamente com base numa ordem de prisão
preventiva, decidida pelo diretor da PVDE ou do
ministro do Interior.

Uma PVDE à semelhança das polícias


políticas fascista e nazi?

O Estado Novo português não foi caso único de


uma ditadura na sua época e enquadrou-se num
movimento político europeu mais lato do qual re-
sultaram, no período entreguerras, outros regimes
de novo tipo, autoritários e totalitários. Entre os
mais conhecidos contaram-se o fascismo italiano
de Mussolini, que ascendeu ao poder em 1922, e o
nacional-socialismo de Hitler, nomeado chanceler
da Alemanha, em 1933. No caso da polícia política,
a comparação entre a ditadura salazarista, por um
lado, e as do fascismo italiano e o nacional-socia-
lismo alemão, por outro, só pode e deve ser feita
até ao fim desses regimes, até 1945; isto é, no mes-
mo período cronológico em que, em Portugal, ela
se chamava PVDE.

40

PIDE.indd 40 04/12/23 14:52


Polícia política na Itália fascista e a PVDE
Logo no início do regime fascista, foi reorgani-
zada a Direção-Geral de Segurança Pública
(DGPS), aparelho policial centralizado dirigido
inicialmente por Emilio De Bono (1922-1924), que
criou, no seio da DGPS, a Milícia Voluntária de
Segurança Nacional (MVSN). Sucederam-lhe
Francesco Crispo Moncada e, em 1926, Arturo
Bocchini, no contexto de aprovação das leis «fas-
cistíssimas». No seio da DGPS, foi então criada
uma divisão de Polícia Política, POLPO, cujo braço
operacional nasceu em 1927, com o acrónimo de
OVRA (ignora-se o significado preciso, que pode
ser «Obra de vigilância e repressão do antifascis-
mo» ou «Obra voluntária de repressão do
antifascismo»).
Após o golpe de Estado palaciano de 25 de julho
de 1943, que levou à queda de Mussolini, erradica-
do do Grande Conselho Fascista, o novo governo
do marechal Badoglio suprimiu a OVRA, substi-
tuindo-a pelos Ispettorati speciali di polizia, no
reino italiano do Sul. Na Itália central e setentrio-
nal, após a libertação pelos nazis de Mussolini,
este criou a República de Salò, que, em total cum-
plicidade com a ocupação alemã, levou à multipli-
cação das estruturas repressivas no seio de um Is-
pettorato speciale polizia antipartigiana (ISPA).
Este foi colocado na dependência direta da Schut-
zstaffel (SS) nazi, ao mesmo tempo que era criada a
Guardia nazionale, constituída por efetivos da mi-
lícia fascista (MVSN), dos Carabinieri e da Polícia
da África Italiana (PAI).
A PVDE compartilhou com as polícias políticas
do fascismo italiano, tal aliás como o fez com as do

41

PIDE.indd 41 04/12/23 14:52


nacional-socialismo alemão, o carácter «preventi-
vo», no sentido em que todas essas forças policiais
prendiam administrativamente «ante delictum» os
«habituais inimigos» políticos e sociais, partidos
comunista e socialista e sindicatos. Ambas as polí-
cias detinham a competência em matéria de ins-
trução dos processos dos casos que a elas diziam
respeito e utilizavam uma vasta rede de informa-
dores, recrutados entre as respetivas populações.
Embora Salazar esclarecesse que o Estado Novo
se assemelhava ao fascismo italiano, sobretudo «no
reforço da autoridade», não deixou de afirmar que
a «violência» do regime de Mussolini não se adap-
tava à «brandura dos costumes» portugueses. Se-
gundo o ditador, o Estado Novo português não po-
dia fugir «a certas limitações de ordem moral», que
tornavam as leis portuguesas «menos severas», os
«costumes menos policiados» e o Estado «menos
absoluto» do que na Itália de Mussolini.
No entanto foi ao fascismo italiano que Salazar
recorreu para corrigir a inabilidade da PVDE na
investigação do atentado falhado contra ele, da
parte de anarcossindicalistas, em julho de 1937.
A PVDE considerou erradamente que o atentado
falhado tinha sido obra dos comunistas e foi neces-
sária a intromissão na investigação policial da PIC
para se chegar aos verdadeiros autores, libertários
da Confederação Geral do Trabalho (CGT), um dos
quais foi Emídio Santana.
Para ajudar a PVDE a reorganizar-se e aperfei-
çoar-se, o dirigente da polícia italiana, Leone San-
toro, esteve em Portugal, entre 1938 e 1940. No re-
latório que entregou ao ministro do Interior
português, sugeriu, à maneira do fascismo, a

42

PIDE.indd 42 04/12/23 14:52


criação uma Direcção-Geral da Polícia centraliza-
da e unificada, que englobasse todos os corpos po-
liciais — a PVDE, a PSP, a Polícia de Investigação
Criminal (PIC), a Guarda Nacional Republicana
(GNR), a Guarda Fiscal (GF) e a Legião Portuguesa
(LP). Conforme escreveu Santoro, «um Estado
forte» não podia ter «uma Polícia fracionada» e,
pelo contrário, necessitava «a unificação do
Comando».
A proposta não foi aceite pelo governo portu-
guês, isto é, por Salazar, que nunca defenderia uma
direção-geral com tanto poder, a pontos de se po-
der transformar num «Estado dentro do Estado».
No entanto, foi assinado, entre a PVDE e a Polícia
Italiana, um acordo técnico e uma troca de infor-
mações sobre pessoas «politicamente perigosas»,
nomeadamente comunistas. Mas a imagem da po-
lícia política portuguesa criada à imagem da DGPS
centralizada e da polícia política, OVRA, não cor-
responde à verdade, pois, como Salazar sempre es-
clareceu, por outro lado, a PVDE era um produto
nacional. De facto esta sofreu sobretudo a influên-
cia de polícias anteriores portuguesas, especial-
mente as da Ditadura Militar.
Mas não deixou de ter semelhanças com a que
existiu na Itália fascista, pois ambas permanece-
ram sob tutela do Ministério do Interior e recruta-
ram, para seus dirigentes, elementos de polícias
anteriores. Aliás os dois regimes autoconsidera-
vam-se a expressão única e exclusiva da essência da
Nação, ou a forma institucionalizada de esta se rea-
lizar. Como referia o 10.º ponto do Decálogo do Es-
tado Novo, os «inimigos do Estado Novo» eram
«inimigos da Nação», contra os quais se podia e

43

PIDE.indd 43 04/12/23 14:52


devia «usar a força, que realizava, neste caso, a legí-
tima defesa da Pátria».
O comunismo era, para o Estado Novo salaza-
rista, o paradigma do «crime antinacional» e, em
tal clima, a polícia política portuguesa distinguia
entre os adversários do regime, de carácter nacio-
nal — por exemplo, liberais ou reviralhistas —, e os
comunistas. Estes eram considerados «perdidos»
para qualquer espécie de regeneração, pois eram
vistos como delinquentes fautores de crimes co-
muns. Não por acaso, a PVDE e posteriormente a
PIDE e a DGS não encaravam o PCP como um par-
tido, mas, sim, uma «associação» criminosa e sub-
versiva, que cometia «crimes contra a segurança
interna do Estado».
Além do mais, na medida em que estaria ao ser-
viço do «estrangeiro» e de uma potência externa,
praticava também «crimes contra a segurança ex-
terna do Estado». Dessa natureza de regimes en-
quanto expressão única da Nação decorreu a fun-
ção das polícias políticas dessas ditaduras, fosse
fascista ou autoritária. Eram polícias de defesa
política-ideológica, e até social, da ordem única,
bem como de perseguição e repressão da dissidên-
cia e resistência, e não só de defesa da «manuten-
ção da ordem pública», como nos regimes liberais.
Tinham poderes tendencialmente discricioná-
rios e estavam aptas a lidar contra a «antinação»,
com a lei adaptada a essa função, ou mesmo sem
lei. A natureza dessas polícias consistia em serem
instrumentos da eliminação da recusa do consen-
so imposto por esses regimes, juntamente com ou-
tros meios — Censura, partido único, proibição de
liberdade de expressão e associação, legislação

44

PIDE.indd 44 04/12/23 14:52


corporativa e organizações de enquadramento de
sectores da população, entre outros.

As polícias nazis e a PVDE


Na Alemanha nazi, a génese da polícia política
foi a Schutzstaffel (SS), serviço de segurança de
Hitler existente desde os anos 20 do século xx, que
atuava em paralelo e rivalidade com o Sturmab-
teilung (SA), braço armado do Nationalsozialistis-
che Deutsche Arbeiterpartei (NSDAP, partido na-
cional-socialista alemão). Controlada, a partir de
1929, por Heinrich Himmler, a SS começou por ter
um ramo informativo de Intelligence, o Sicherheits-
dienst (SD), que ficou a cargo do SS Reinhard
Heydrich.
Em 1933, com a chegada de Hitler à Chancelaria
da Alemanha, Hermann Göring criou, no Estado
federado da Prússia, a Geheime Staatspolizei (Ges-
tapo). Secundado por Reinhard Heydrich, chefe do
serviço policial de segurança e de informação Si-
cherheitspolizei und Sicherheitsdienst (SiPo/SD) da
SS, o supremo comandante SS Heinrich Himmler
foi sucessivamente acumulando o controlo das po-
lícias autónomas de todos os Länder (Estados fede-
rados), centralizando-as, em Berlim. Ocupou tam-
bém os respetivos postos-chave com membros da
SS, e, em 17 de junho de 1936, foi nomeado chefe de
todas as polícias alemãs, com mandato de Hitler
para unificá-las.
Ao ser reforçada a ligação estrutural entre a SS e
a Gestapo, esta tornou-se numa polícia nacional.
Enquanto gabinete do organismo central da Polícia
de Segurança Nacional e Internacional (Sicherhei-
tspolizei/Sicherheitsdient, SiPo/SD), que também

45

PIDE.indd 45 04/12/23 14:52


englobou, em 1936, a Polícia Criminal (Kriminalpo-
lizei, Kripo). Depois, Hitler encarregou Heinrich
Himmler de unificar e coordenar todas as tarefas
policiais do Reich no Reichssicherheitshauptamt
(RSHA, Alto Gabinete de Segurança do Reich), no
qual foram centralizadas, em 27 de setembro de
1939, todas as forças policiais da SS — Gestapo, Kri-
po e Sipo-SD.
Diferentemente do Estado Novo de Salazar e do
Estado fascista de Mussolini, que se arvoravam
como a expressão única da Nação, o nazismo consi-
derava-se a essência da «raça ariana». Além do
mais, as polícias nazis ficaram sob tutela extra-ad-
ministrativa da SS, e não sob a do ministro do Inte-
rior. Pode-se até falar do nacional-socialismo como
um «sistema SS», que, após o aniquilamento da tro-
pa de choque rival — a SA —, em 1934, invadiu todas
as forças policiais e passou a chefiá-las. O complexo
SS/Gestapo foi um «Estado dentro do Estado»,
apesar de muitos estudiosos considerarem que o
Estado nazi era «policrático».
Pelo contrário, o Estado Novo foi uma ditadura
unitária centralizada no seu «chefe», Salazar, que
esteve aliás sempre informado do que fazia a sua
polícia política. Também não houve no Portugal de
Salazar poderes rivais a digladiarem-se entre si
para ganharem mais poder e erguerem-se acima
dos outros, com o beneplácito do «chefe». A PVDE
— bem como as suas sucessoras — nunca deixou de
responder à tutela do Ministério do Interior e so-
bretudo a justificar a sua ação face a Salazar. Foi um
instrumento fundamental de um regime político
oligárquico, assente numa chefia ultracentralizada
de um ditador.

46

PIDE.indd 46 04/12/23 14:52


Existiram, episodicamente, alguns conflitos e
rivalidades com os ministérios da Justiça e da De-
fesa Nacional, mas foram sempre e rapidamente
solucionados por quem de facto mandava no regi-
me: António de Oliveira Salazar. Da parte do Mi-
nistério dos Negócios Estrangeiros (MNE), pasta
ocupada por este último, até 1945, a PVDE só ob-
teve a colaboração. Esta também lhe foi fornecida
por toda a administração pública, pelo aparelho
de Censura e por todas as outras polícias, PSP,
GNR e PIC. A polícia política não deixou, aliás, de
retribuir os serviços prestados através do papel
crucial que viria a ter no saneamento dessa mes-
ma administração, uma vez que o emprego de um
professor, de um médico ou de qualquer outro
funcionário público dependia de uma boa infor-
mação dela.
A PVDE compartilhou algumas características
da Gestapo/SD, entre 1933 a 1939, mas a repressão
salazarista e o terror nacional-socialista, até ao iní-
cio da II Guerra Mundial, revelaram graus diferen-
tes, tanto em qualidade como em quantidade. Em
Portugal, mesmo se atingiu por vezes muitos portu-
gueses, como aconteceu nos anos 30 do século xx,
a repressão foi de carácter seletivo e unicamente di-
rigida contra os adversários sociais e políticos. Além
da especificidade racial do nazismo, que tornou o
regime nazi qualitativamente diferente do portu-
guês, este não só utilizou a polícia para eliminar os
seus inimigos políticos, mas também para purificar
a Volksgemeinshaft, fora da qual estavam os seus ini-
migos raciais, em particular os judeus.
A repressão nazi atingiu muitos outros aspetos,
«raciais» e «associais», bem como muitos com-

47

PIDE.indd 47 04/12/23 14:52


portamentos «morais» e de carácter privado. Por
outro lado, no sistema de justiça política da Alema-
nha nazi, foi adotada a analogia jure, que não exis-
tia teoricamente em Portugal, embora, na prática, a
figura de «crime contra a segurança do Estado»
tornasse punível um vasto leque de dissidências
análogas. O regime salazarista apoiava-se na «sua
legalidade», mas também aproveitou os vazios da
lei ou interpretou-os à sua maneira.
Por exemplo, o regime e a polícia sempre afir-
maram que, em Portugal, só eram detidos aqueles
que atentavam contra a «segurança do Estado» e
que ninguém era preso devido às suas opiniões. Na
realidade, bastava colocar, como fez o Estado Novo,
no grupo dos que atentavam contra a sua seguran-
ça todos os que discordavam dele — em particular,
os comunistas — como pertencentes a uma organi-
zação de malfeitores.

Polícias na Espanha de Franco


Em Espanha, até agosto de 1937, cada um dos
dois lados beligerantes na guerra civil teve os seus
próprios órgãos de Intelligence e de polícia, mas,
com a vitória das forças «nacionalistas» de Francis-
co Franco, em abril de 1939, a já existente Dirección
General de Seguridad (DGS ou Seguridad) foi reor-
ganizada, concentrando no seu seio numerosos
serviços policiais. Foi com esta polícia política que
a PVDE colaborou, sobretudo após ser regulada
pela Lei de Segurança do Estado franquista, que co-
meçou por ser dirigida pelo militar José Ungría
Jiménez, logo após o final da guerra civil. Suceder-
-lhe-ia José Finat y Escrivá Romaní (conde de
Mayalde), da Falange Espanhola (FET Y de las

48

PIDE.indd 48 04/12/23 14:52


JONS). Em 30 de agosto de 1939, foram também es-
tabelecidos serviços de informação militares no
seio do Estado Mayor Central (EMC), sob a depen-
dência do chefe do Estado, generalíssimo Franco.

A PVDE durante a II Guerra Mundial


e o PCP

Durante a II Guerra Mundial, a PVDE, que tam-


bém era uma «polícia internacional», geriu a entra-
da e permanência em Portugal dos refugiados ju-
deus e políticos fugidos às tropas alemãs. Propôs,
aliás, a Salazar — também ministro dos Negócios
Estrangeiros — que, contra o afluxo de estrangeiros
que se dirigiam a Portugal, os seus passaportes fos-
sem sujeitos a vistos. Estes deveriam ser recusados
aos que não possuíssem recursos financeiros para a
estadia em Portugal, não pudessem voltar aos seus
países de origem ou invocassem o embarque para a
América sem mostrarem garantia de o poder fazer
ou sem visto de entrada num país de destino.
Salazar concordou com a PVDE e enviou diver-
sas circulares às suas repartições diplomáticas, no
estrangeiro, para limitar a concessão de vistos e
submetê-la à autorização da PVDE. No entanto,
após a invasão de diversos países europeus pela
Wehrmacht, em 1940, milhares de refugiados che-
garam a Portugal, a maioria dos quais munidos de
vistos concedidos por Aristides de Sousa Mendes.
Na maior parte dos casos, se os vistos dos refugia-
dos estivessem em ordem e os transportes pagos,
as autoridades policiais portuguesas não dificulta-
vam demasiado a sua vida, procurando sobretudo

49

PIDE.indd 49 04/12/23 14:52


que eles permanecessem o mínimo de tempo no
país.
Para aqueles que entravam em Portugal sem
visto ou viam o seu prazo de validade caducar, o
grande receio era ser apanhado numa rusga poli-
cial da PVDE, que prendeu vários refugiados, en-
viando-os para prisões, onde se encontraram com
presos políticos portugueses. Parece também ter
sido verdade que a PVDE tratou melhor os presos
estrangeiros do que os portugueses, e foi mais
«branda» com os refugiados que só careciam de do-
cumentação, do que com aqueles dos quais tinha
desconfiança política.
A circunstância de Portugal ter sido um país de
abrigo transitório durante a II Guerra Mundial
prendeu-se, entre outros fatores, com o facto de o
país se ter mantido neutro nesse conflito. Portugal,
em cuja capital se ouvia então falar todas as línguas
europeias, tornou-se uma importante placa girató-
ria de informações, mercadorias e pessoas. Mas um
dos campos em que a neutralidade portuguesa teve
um carácter «equidistante», até quase ao final da
guerra, foi o da espionagem.
Depois de ter desmantelado, em 1941-1942, re-
des de espionagem inglesas em Portugal, a neutra-
lidade portuguesa tornou-se mais colaborante com
os aliados anglo-americanos, a partir de 1943, e a
PVDE virou-se contra as redes alemãs no país. Em
7 de junho desse ano, Salazar resolveu entretanto
criminalizar a espionagem de estrangeiros contra
«terceiros» em Portugal, em 7 de junho de 1943.

50

PIDE.indd 50 04/12/23 14:52


Os presos da PVDE, até 1945

A Comissão do Livro Negro do Regime Fascista


(CLNRF) contabilizou quase 17 000 presos às
mãos da PVDE, entre os anos de 1936 e 1945, o que
dá, nesses treze anos, uma média de cerca de 1300
detidos por ano. Entre 1933 e 1939, tinham sido
presas por motivos políticos pelo menos 9950 pes-
soas, entre militares e civis de todas as correntes
políticas, ou seja, cerca de 1420 presos por ano.
Houve, porém, picos de detenções, em 1936 e 1937,
ano em que aquelas chegaram quase às 6000.
Entre 1940 e 1945, essa polícia deteve 4952 in-
divíduos; isto é, 825 por ano, registando-se uma di-
minuição que se prendeu com o facto de a repressão
ter sido muito grande durante todo o período ante-
rior. Por outro lado, durante a II Guerra Mundial,
permaneceram presos e exilados e deportados inú-
meros adversários do regime, detidos no período
anterior, alguns dos quais no Tarrafal. Foi também
um período em que o PCP, principal alvo da PVDE
e do regime, se estava a reorganizar internamente,
a partir de 1940-1941.
No entanto, o período entre final de 1941 e 1944
foi de intensa agitação social, em Lisboa e na mar-
gem sul do Tejo, pois a prosperidade de alguns por-
tugueses, que enriqueceram com a guerra, não
desenvolveu o país por igual e teve um preço dife-
rente para a maioria da população. A partir de
1942, a escassez de bens essenciais, em conse-
quência do bloqueio, o açambarcamento, a subida
dos preços e da inflação provocada pela própria
entrada de divisas, o desemprego em indústrias
com falta de matéria-prima e o congelamento dos

51

PIDE.indd 51 04/12/23 14:52


salários contribuíram para o agravamento das
condições de vida. E, consequentemente, para um
ainda maior aprofundamento das desigualdades
sociais.
Em outubro/novembro, estalaram, nas zonas
operárias de Lisboa, revoltas contra a carestia de
vida e ocorreram greves, contra a diminuição dos
salários. O governo tentou acalmar os protestos,
com a assinatura dos primeiros contratos coleti-
vos de trabalho, mas não conseguiu evitar que as
paralisações laborais e a revolta se espalhassem, a
partir do verão de 1943, às empresas fabris e com-
panhias de transportes de Lisboa e da margem sul
do Tejo.
Quando se iniciou nesse ano o racionamento, as
filas para as senhas passaram a ser palco de focos de
socialização e de insatisfação social. O governo res-
pondeu, por um lado, através de algumas — poucas
— benesses sociais, e, por outro lado, através da re-
pressão. Durante uns meses, o movimento entrou
em refluxo, mas, em maio de 1944, o agravamento
da escassez de géneros, o racionamento do pão e o
congelamento dos salários rurais levaram a que o
descontentamento rebentasse, de novo, nas fábri-
cas a norte de Lisboa e nos campos do centro e sul
do país.
A repressão dos conflitos sociais dos anos 1941-
-1944 levou muitos grevistas e manifestantes à pri-
são, mas só atingiu levemente o PCP, dado que a
PVDE ainda não conhecia bem as técnicas conspi-
rativas do partido, desde a «reorganização». Apesar
de ter realizado centenas de prisões entre os gre-
vistas, a PVDE não conseguir encontrar um que se
confessasse membro do partido, o que tornou essas

52

PIDE.indd 52 04/12/23 14:52


prisões muito breves. Na greve ocorrida em 1943,
em São João da Madeira, a PVDE apenas incrimi-
nou os dirigentes da paralisação, enquanto «agita-
dores sociais».
A polícia também não se apercebeu como foi
possível levar a efeito as grandes greves no Barrei-
ro, em outubro/novembro de 1942, bem como em
Lisboa e na zona industrial ao longo da linha até
Vila Franca de Xira, em julho/agosto de 1943 e em 8
e 9 de maio de 1944. O jovem dirigente comunista
Alfredo Diniz («Alex») confirmou que, devido à sua
ação nas greves, o PCP recebeu então uma fornada
de novos funcionários clandestinos.
Aproveitando, a partir de 1943, a sua condição
de força mais organizada na luta contra a ditadura,
o prestígio da URSS e a convicção de que a vitória
do campo aliado na guerra poria fim ao regime sala-
zarista, o PCP «reorganizado» foi-se fortalecendo
de forma crescente e realizou, nesse ano, o seu
III Congresso (I ilegal). Além do assassínio de mili-
tantes seus, entre as quais, já em 1945, Alfredo Di-
niz, assassinado a tiro pela brigada de José
Gonçalves, e da prisão de dezasseis dos seus funcio-
nários, o PCP perdeu sete casas clandestinas e a ti-
pografia onde se imprimia o Avante!, assaltada pela
PIDE, em 7 de novembro.
Doze dias depois, morreu, aos 39 anos, no Hos-
pital de Santo António dos Capuchos, transferido
da cadeia do Aljube, Joaquim Henriques Fernan-
des, preso em março de 1939, sem nunca ter sido
submetido a julgamento. Mas, antes de 1945, mui-
tos outros presos, cujo nome não ficou para a pos-
teridade, morreram ou enlouqueceram, enquanto
estavam presos nas prisões da PVDE. Só no campo

53

PIDE.indd 53 04/12/23 14:52


de concentração do Tarrafal morreram 31 presos
deportados e, segundo o cadastro da própria PVDE,
relativamente a mortos ou enlouquecidos, nas ca-
deias dessa polícia no continente e no forte de An-
gra do Heroísmo, morreram às mãos dessa polícia,
entre 1939 e 1945, pelo menos dez presos políticos.

Presos pela PVDE, segundo a CLNRF

Anos Presos
1936-1939 9575
1940-1945 4952
Total 16 891

54

PIDE.indd 54 04/12/23 14:52


3. A Polícia Internacional
de Defesa do Estado (PIDE),
1945-1969

Terminada a II Guerra Mundial, com a derrota


dos regimes ditatoriais e totalitários, as polícias —
fascista e nacional-socialista — foram extintas, mas
o mesmo não aconteceu em Portugal, onde o
regime salazarista se manteve. Entre as modifica-
ções que Salazar e o seu regime operaram nas insti-
tuições do Estado Novo, contou-se a substituição
da PVDE pela Polícia Internacional de Defesa do
Estado (PIDE). O Decreto-Lei n.º 35 046 de 22 de
outubro de 1945, que criou a PIDE, considerou-a
como organismo autónomo com a mesma orgânica
interna, poderes e funções que o direito comum
atribuía à PJ, em que, aos chefes de brigada e inspe-
tores, foram acometidas funções e poderes pró-
prios dos magistrados.
A PIDE manteve competência em matéria ad-
ministrativa relativa à emigração, incluindo o li-
cenciamento das agências de passagem de passa-
porte, à passagem das fronteiras terrestres e

55

PIDE.indd 55 04/12/23 14:52


marítimas e ao regime de permanência e trânsito
de estrangeiros em Portugal. Em matéria de re-
pressão criminal, estavam no seu âmbito de atua-
ção as infrações praticadas por estrangeiros, rela-
cionadas com a sua entrada ou permanência em
território nacional, os crimes de emigração clan-
destina e aliciamento ilícito de emigrantes, bem
como os crimes contra a segurança exterior e inte-
rior do Estado. A PIDE conservou da sua anteces-
sora a instrução preparatória dos processos de cri-
mes políticos, a qual permaneceu sempre secreta e
sem contraditório; isto é, sem a assistência de ad-
vogados e a presença de qualquer juiz de instru-
ção.
Permaneceram na PIDE aspetos essenciais da
sua antecessora, que passaram, porém, a ficar legis-
lados e especificados na lei. Um deles foi a ideia de
que a polícia devia corrigir as sentenças dos tribu-
nais e a noção de uma polícia «preventiva», espa-
lhando o medo entre a população, de modo a man-
tê-la num estado de apatia política. Era a PIDE que
determinava o regime de prisão preventiva, nos
crimes que a ela diziam respeito. De ilimitada, até
1945, passou depois a ter um prazo três meses, mas
passíveis de prorrogação de dois períodos de 45
dias cada, por autorização do Ministério do Inte-
rior. Esse período de seis meses podia ainda ser
prolongado, através de uma medida de segurança
provisória, ou pela prática usada, várias vezes, por
essa polícia, de libertar um detido ao fim dos seis
meses e prendê-lo de novo, à saída da porta da ca-
deia, por mais um período de seis meses.
A PIDE tinha efetivamente capacidade para
propor a aplicação de medidas de defesa — de

56

PIDE.indd 56 04/12/23 14:52


segurança — previstas no art.º 175 do Código Penal
e vigiar indivíduos a elas sujeitos, mesmo se estes
estivessem entregues à supervisão do ministro da
Justiça. Por outro lado, a situação do arguido deti-
do, depois de 1945, era ainda agravada pela inexis-
tência de prazos de prisão preventiva, depois da
formação da culpa, confundindo-se esta com a du-
ração do próprio processo até ao trânsito da deci-
são. A polícia política portuguesa continuou a ser a
entidade condutora de todo o processo de «justiça
política», desde a instrução dos processos à execu-
ção das penas, passando pelo julgamento dos réus
que levava a tribunal.
A legislação que criou a PIDE visou, assim, lega-
lizar o que, na realidade, nunca deixara de ser uma
prática constante — e ilegal, dado que, nos anos 30,
a preocupação com a legalidade era nenhuma — da
PVDE, relativamente à detenção por tempo inde-
terminado, sem pena, ou para além desta. Deve-se,
assim, dizer que, longe de acabar, o arbítrio não
deixou de existir, apenas foi coberto com o manto
da jurisdição. Lembre-se também que, se a PVDE
apenas tinha cerca de 30 agentes, em 1935, através
de uma reorganização dos serviços, em 1947 (De-
creto-Lei n.º 36 527), a PIDE ficou com um quadro
composto por 541 funcionários de direção e inves-
tigação e 150 de secretaria.
No ano da criação da PIDE e nos anos imedia-
tos, ingressaram, como agentes auxiliares, elemen-
tos que viriam a ascender nessa corporação poli-
cial: foram os casos de Adelino Tinoco, Porto
Duarte, Boim Falcão e Sílvio Mortágua. Outras fi-
guras conhecidas da PIDE, que não entraram pela
base da pirâmide, mas enquanto inspetores, ao

57

PIDE.indd 57 04/12/23 14:52


terem mais habilitações literárias, foram Agosti-
nho Barbieri Cardoso, José Barreto Sacchetti,
Cunha Passo e Álvaro Pereira de Carvalho, ou de
Manuel da Silva Clara e Ernesto Lopes Ramos.

As primeiras duas fases da vida da PIDE,


1945-1960

Muito brevemente, refira-se que a «vida» da


PIDE/DGS, entre 1945 e 1974, pode ser dividida em
quatro fases cronológicas. Na primeira fase, entre
1945 e 1953, sucessivos diplomas deram maior po-
der à polícia política, num período em que o regime
recuperava as suas forças e endurecia a repressão
contra a oposição, num contexto de início e desen-
volvimento da Guerra Fria. A partir de 1941, a
PVDE passou a ser composta por Serviços Gerais,
de Segurança (Vigilância, Defesa e de Investiga-
ção), de Informação e Ligação, bem como pelos de
Estrangeiros, Prisionais e de Emigração. A PIDE
começou por ser constituída por três divisões, de
Serviços Internacionais, de Investigação e de In-
formação, esta última também apelidada de Secção
Central (SC).
Entre 1945 e o final dos anos 60, o alvo principal
da PIDE foi o PCP e as suas organizações satélites.
O ano de 1947 foi palco de muita repressão em todo
o país e de numerosas prisões de elementos de sec-
tores do PCP. O aparecimento de organizações
frentistas, como o Movimento de Unidade Demo-
crática (MUD), o MUD Juvenil ou o Movimento
Nacional Democrático (MND), dirigidas ou não
por esse partido, levaram a PIDE a tentar identifi-

58

PIDE.indd 58 04/12/23 14:52


cá-las como ramificações do PCP ou, pelo menos, a
tentar detetar quem eram os comunistas no seio
delas.
Nesse período, a PIDE atingiu também outros
alvos, nomeadamente militares participantes nas
tentativas falhadas de sublevação militar da Mea-
lhada, em 1946, e da Abrilada, em 1947. Neste ano, o
chefe da PIDE, capitão Agostinho Lourenço, deslo-
cou-se à 16.ª reunião da Assembleia-Geral da Co-
missão Internacional de Polícia Criminal (CIPC),
ou Interpol, da qual viria a ser vice-presidente no
início da década de 50. Aconselhou Salazar a cons-
tituir um bureau nacional português da CIPC, que
passou a funcionar, junto da PIDE, a cargo do ins-
petor-adjunto Castro Silva.
Em 1951, a reunião internacional da CIPC viria
mesmo a decorrer em Lisboa. A PIDE representa-
va, em Portugal, a Interpol, sem se adequar aos
moldes em que essa comissão internacional de po-
lícia funcionava, ao não permitir que alguém fosse
arbitrariamente preso, detido ou exilado. Esta nor-
ma não era seguida em Portugal, mas a participa-
ção na Interpol, representada pela PIDE, possi-
bilitou, a esta polícia, uma colaboração com outras
polícias.
O ano de 1949 fora entretanto novamente de-
sastroso para o PCP, que viu presos muitos dos seus
quadros, incluindo elementos do Secretariado,
como Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro. Estas de-
tenções tiveram a colaboração de outras polícias e
do aparelho distrital e local do regime. Nesse ano,
foi criado o Conselho Superior de Polícia (CSP),
que incluiu a PIDE, e esta passou a propor a prorro-
gação das medidas de segurança já de carácter de-

59

PIDE.indd 59 04/12/23 14:52


tentivo, após terem sido alargadas, a partir de 1947,
aos presos políticos.
Como se viu, o Gabinete Nacional da Interpol
era gerido pela PVDE, que também se relacionou
com os serviços secretos dos países da NATO,
Aliança do Norte Atlântico na qual Portugal ingres-
sara, em 4 de abril de 1949, em plena Guerra Fria,
período em que o anticomunismo do regime sala-
zarista era útil ao lado ocidental, hegemonizado
pelos EUA, num mundo bipolar. Portugal foi solici-
tado a aderir a diversas organizações internacio-
nais e passou a trocar, via MNE, notas com os
serviços de informações dos países envolvidos no
Pacto do Atlântico Norte, no qual a PIDE tinha,
aliás, representantes.
Nos anos 50, em que a oposição ao sistema este-
ve dividida e o PCP isolado, a PIDE pôde virar-se
quase exclusivamente contra este partido, por via
de uma repressão endurecida e seletiva. Não foi por
acaso que esse período ficou marcado pelas mortes
de Militão Ribeiro e de José Moreira (1950) nas
prisões da PIDE, de dois presos na prisão dessa po-
lícia no Porto (1957) e de Raul Alves (1958) na Rua
António Maria Cardoso, onde se localizava a sede
da polícia política.
Relativamente aos casos de morte, o argumento
da PIDE foi invariavelmente o de que os detidos em
causa se tinham suicidado. José Moreira e Raul Al-
ves «caíram» de uma janela do 3.ª andar da sede da
PIDE, na Rua António Maria Cardoso, e Joaquim
Lemos de Oliveira e Manuel da Silva Fiúza Júnior
morreram por «enforcamento» em condições mui-
to semelhantes. Ambos morreram com poucos dias
de diferença, quando os dois presos estavam isola-

60

PIDE.indd 60 04/12/23 14:52


dos e sem qualquer contacto um com o outro. Hou-
ve também assassinatos na rua, diretamente
cometidos pela PIDE, nos casos de Alfredo Diniz
(1945) e, mais tarde, de José Dias Coelho (1961) e
de Humberto Delgado (1965).
Entre 1954 e 1960, ocorreu uma segunda fase na
vida da PIDE, em que esta foi dirigida pelo capitão
de Infantaria António Neves Graça, que havia subs-
tituído interinamente o capitão Agostinho Lou-
renço, em 1955, e efetivamente, em 27 de novembro
de 1956. Em 9 de agosto de 1954, um diploma rede-
finiu a orgânica e as competências da PIDE, atri-
buindo funções de juiz à direção, aos inspetores e
aos chefes de brigada, na instrução preparatória
dos processos, relativamente à manutenção da pri-
são preventiva dos arguidos e à aplicação provisó-
ria das medidas de segurança. Foi então criado um
quadro nacional de 755 funcionários, incluindo no
Ultramar, bem como prolongado o tempo da prisão
preventiva, de 180 para 360 dias. Em 12 de março
de 1956, o regime das medidas de segurança, poste-
riores ao julgamento, de seis meses a três anos, pas-
saram a ser aplicáveis mesmo contra réus absol-
vidos.

A «internacionalização» da PIDE

Em meados dos anos 50, em plena Guerra Fria,


a PIDE «internacionalizou-se», estabelecendo
contactos e uma colaboração material, no campo
internacional, com as polícias de outros países da
Europa, das Américas e da Ásia. Muita dessa cola-
boração e troca de informações eram exercidas a

61

PIDE.indd 61 04/12/23 14:52


coberto da luta contra a criminalidade comum,
mas concretizada numa ação conjugada de «perse-
guição» e «trabalho de espionagem» dos exilados
portugueses no estrangeiro.
Diga-se que, aos países democráticos europeus
(França, Alemanha, Grã-Bretanha e outros), não
interessou demasiado o facto de Portugal ter um
regime ditatorial e que o relacionamento, com os
serviços secretos desses países, dependia dos inte-
resses da defesa nacional e segurança das referidas
nações e de situações geoestratégicas. Ora, o perío-
do entre o pós-guerra e 1974 foi essencialmente
marcado pela Guerra Fria, tendo-se Portugal situa-
do na órbita «ocidental», com os seus aliados da
NATO, na luta contra a URSS e seus satélites.
A PIDE, e depois a DGS, era, tal como o KGB so-
viético, uma polícia que «zelava» pela segurança
interna e externa do Estado. Nesta última qualida-
de, a PIDE relacionou-se assim com a Central Inte-
lligence Agency (CIA), tal como com o Federal Bu-
reau of Investigation (FBI) norte-americanos. Com
a CIA, criada, em 1947, através do National Security
Act (NSA), a colaboração da PIDE foi estabelecida,
em 1957, com um estágio de vários inspetores da
polícia portuguesa, no campo de treinos da agência
norte-americana, Camp Peary, na Virginia, sob o
nome codificado de Isolation.
Na Europa, além de um relacionamento estrei-
to com a Dirección General de Seguridad (DGS) es-
panhola, a PIDE tinha ligações estreitas em Fran-
ça. Era o caso do Service de Documentation
Extérieure et de Contre-Espionnage (SDECE), cria-
do em início de 1946, da Direction centrale des ren-
seignements géneraux (DCRG, ou Renseignements

62

PIDE.indd 62 04/12/23 14:52


généraux, RG) e da Direction de suretê du territoire
(DST). Evidentemente que a PIDE também teve
relações com organizações secretas britânicas, no-
meadamente com o SIS/MI6 e a Scotland Yard,
mas quase nada se sabe sobre elas, por falta de
investigação.
Entre outras agências de informação europeias
com as quais a PIDE também manteve contactos, a
partir de 1956-1957 contou-se o Bund Nachrichten
Dienst (BND) alemão, bem como os Servizio di In-
formazione di Difesa (SID) e Servizi Informazioni
Forze Armate (SIFAR), na Itália. Na Bélgica, a PIDE
colaborou com a Sureté de l’Etat, administration de
la securite publique du ministère de la Justice, e, na
Holanda, embora menos, devido à guerra colonial,
com o Hool Hoofd Binnenlandse Veiligheidsdienst
(HHBV).
Em 1955, ainda antes do início da guerra colo-
nial, o capitão António Neves Graça estabeleceu
relações com a África do Sul, que depois se desen-
volveram muito no decurso da guerra, nomeada-
mente com o State Security (BOSS). A partir da in-
dependência unilateral branca da Rodésia, a PIDE
também colaborou com o Federal Intelligence Ser-
vice Bureau (FISB) rodesiano, mais tarde, CIO.
Portugal, África do Sul e Rodésia assinariam ainda,
em 1970, um acordo secreto de colaboração em An-
gola e Moçambique — o chamado Exercício Alcora.

63

PIDE.indd 63 04/12/23 14:52


Homero de Matos substitui Neves Graça,
na direção da PIDE, 1960-1962

Mas, apesar de ter iniciado a «internacionaliza-


ção» da PIDE, o capitão António Neves Graça caiu
de certa forma em desgraça, nomeadamente ao não
conseguir evitar a extensa agitação social e políti-
cas em torno de Humberto Delgado, levando mes-
mo à necessidade da intervenção do Exército, que
prontamente acudiu ao regime. A António Neves
Graça, sucedeu, na chefia da PIDE em 26 de feve-
reiro de 1960, o coronel Homero de Matos, vindo da
GNR, que tentou transformar, sem o conseguir, a
PIDE numa organização policial militarizada, su-
bordinada ao Ministério da Defesa Nacional, que
centralizaria toda a informação interna e externa
do país.
Homero de Matos quis ainda reposicionar a
PIDE sob controlo do diretor, retirando poder aos
inspetores e afastando o efetivo vice-diretor, Agos-
tinho Barbieri Cardoso. Acresce que, se a infiltra-
ção de informadores da PIDE no PCP, resultando
em numerosas prisões, fez com que 1961 tivesse
sido um ano terrível para os comunistas, esse ano
foi também um annus horribilis para o regime e
para a PIDE. Esta guardiã da ditadura não conse-
guiu evitar os assaltos ao paquete Santa Maria e a
um avião da TAP, sofrendo ainda uma derrota es-
trondosa com a fuga coletiva de dirigentes comu-
nistas do forte de Caxias.
O ano de 1961 foi também o do início da guerra
colonial em Angola e, no final, da invasão pela
União Indiana de Nehru do chamado Estado Por-
tuguês da Índia (EPI), de Goa, Damão e Diu.

64

PIDE.indd 64 04/12/23 14:52


A PIDE ficou, a partir de então, com um quadro de
funcionários mais amplo e passou a ter novas tare-
fas, de apoio informativo, ao trabalho das Forças
Armadas nas frentes da guerra colonial, iniciada
em 1961. Por todas essas razões, e também porque
terá sido próximo do general Júlio Botelho Moniz,
ministro da Defesa Nacional que levou a cabo um
golpe de Estado palaciano contra Salazar fracassa-
do e foi demitido, Homero de Matos foi exonerado,
a seu pedido, em 3 de abril de 1962.

A terceira fase da vida da PIDE e a


remodelação da direção, 1962-1969

O novo diretor da PIDE foi o major Fernando da


Silva Pais, nomeado em 6 de abril de 1962, por ini-
ciativa do próprio Salazar. Vindo da Comissão Re-
guladora do Comércio do Bacalhau, cumpriria a
rotina do «despacho» junto de Salazar, funcionan-
do como «correia de transmissão» entre o chefe do
governo e o ministro do Interior, Santos Júnior.
Numa ocasião, o então agente Sílvio Mortágua afir-
mou a um preso político que o «senhor presidente
do Conselho sabe tudo o que se passa nas cadeias;
vai todos os dias a despacho o mapa de situação dos
presos». O próprio Silva Pais mencionaria, ao estar
preso, após 25 de Abril de 1974, nunca ter atuado
«por iniciativa própria», mas sempre às ordens do
presidente do Conselho.
Em 1962, iniciou-se assim uma terceira fase na
vida da PIDE, que durou até à morte política de Sa-
lazar, em 1968. Em tempos de guerra colonial, pri-
meiro em Angola e posteriormente na Guiné e em

65

PIDE.indd 65 04/12/23 14:52


Moçambique, foram reforçadas as componentes de
informação e de investigação desta polícia, com a
nomeação de novos diretores para os respetivos
serviços. A partir de 1962, a PIDE passou a ser com-
posta por quatro divisões: a 1.ª, de Investigação; a
2.ª, de Informação; a 3.ª, de Estrangeiros; e a 4.ª, de
Fronteiras e Segurança Especial.
Juntamente com o esfriamento da cooperação
entre a PIDE e a CIA, devido ao contencioso sobre
Angola, na Administração Kennedy, o «grupo an-
tiamericano» de Agostinho Barbieri Cardoso re-
forçou-se. Este regressou à PIDE, com o cargo de
inspetor superior, após ter deixado essa polícia, em
14 de dezembro de 1960, incompatibilizado com
Homero de Matos.
As 1.ª e 2.ª divisões, respetivamente, de Investi-
gação e de Informação foram também reorganiza-
das e passaram a ter novas chefias. Para a 1.ª Divi-
são, foi nomeado o inspetor-adjunto José Barreto
Sacchetti, transferido para Lisboa, da delegação de
Coimbra, que tinha dirigido e onde tinha ganho
grande conhecimento do meio estudantil. À frente
da instrução preparatória de processos dessa
1.ª Divisão estava o inspetor José da Cunha Passo,
que em 1969 substituiria Sacchetti na Direção dos
Serviços de Investigação.
Quando à 2.ª Divisão, que incluía o Serviço Re-
servado (SR), passou a ser chefiada por Álvaro Pe-
reira de Carvalho, que substituiu, na chefia da Sec-
ção Central (SC), Manuel da Silva Clara. Pereira de
Carvalho criou três centros de informações (CI):
CI (1), de informações nacionais; CI (2), de infor-
mações estrangeiras e ultramarinas; e CI (3), ou
interceção postal, gerida pelo recém-promovido

66

PIDE.indd 66 04/12/23 14:52


inspetor António Rosa Casaco e depois por Sílvio
Mortágua. Na 2.ª Divisão, incluíam-se as Brigadas
Especiais de Vigilância e o Gabinete Técnico (GT),
dirigido pelo inspetor Fernando Gouveia, embora
este pertencesse à 1.ª Divisão, de Investigação.
No início da guerra colonial, Pereira de Carva-
lho montou um serviço de informação estratégica
em África e aperfeiçoou a Intelligence, à semelhan-
ça da CIA e dos serviços secretos franceses, aos
quais a polícia portuguesa viria aliás a adquirir, em
1964, uma nova central de escuta telefónica. Foi
também na vigência de Álvaro Pereira de Carvalho
que a PIDE tomou contacto com novas técnicas de
informações, aprendidas no âmbito da NATO, e a
PIDE passou a estar mais diretamente relacionada
nas operações em África, através do serviço
informativo.

A PIDE e as empresas
Era a Divisão de Informação que lidava com as
principais grandes empresas públicas e privadas,
desde 1962. Sempre que se registavam distúrbios
que pudessem afetar a capacidade produtiva ou ti-
vessem bases políticas, a PIDE era chamada pela
administração ou chefia de pessoal de muitas em-
presas. Todas essas informações constam de um
relatório redigido pelo ex-diretor dos Serviços de
Informação da DGS, Álvaro Pereira de Carvalho,
em junho de 1974, em Caxias, onde estava preso.
Este esclareceu que o relacionamento entre as em-
presas e a PIDE/DGS se dividia em duas áreas.
Uma delas prendia-se com a «verificação do
pessoal a admitir pelas empresas como emprega-
dos, através da consulta aos arquivos da DGS ou

67

PIDE.indd 67 04/12/23 14:52


verificação pelo mesmo processo dos seus quadros
já existentes». Outra área era a do «recrutamento
entre o pessoal da empresa de fontes de informa-
ções capazes de detetar sintomas de greves, parali-
sações de trabalho, descontentamentos, etc., ou
admissão de empregados com esse fim, indicados e
instruídos nesse sentido pela DGS». Um agente
desta polícia, mediante a sua própria investigação,
fazia um relatório para os Serviços de Informação,
onde era feita a triagem das informações que se-
guiam para os administradores de empresas.
Eram os inspetores Américo Coelho, Basílio
Garcia e o próprio Álvaro Pereira de Carvalho que
mantinham a ligação com as empresas, a qual era
apenas do conhecimento de um núcleo reduzido na
polícia política. Incluía-se neste o responsável pe-
los ficheiros das empresas e dois administrativos
— o chefe de secção Joaquim do Rosário Silva e o
tesoureiro Francisco Picaró. Conforme escreveu,
no seu memorando, Álvaro Pereira de Carvalho,
eram «relativamente frequentes os contactos da
DGS com pessoal superior das grandes empresas,
pelas mais variadas razões, e sobretudo pelas per-
turbações no trabalho».
A polícia oferecia então um «serviço de infor-
mação a montar na empresa», cujas verbas pagas
serviam nomeadamente para reforçar a rede de in-
formadores e alimentar o «saco azul» da PIDE/
/DGS, através do qual eram pagos os informadores.
Em troca, as empresas «garantiam que entre os
seus trabalhadores não havia agitadores, ao verifi-
carem se algum dos nomes dos funcionários cons-
tava dos arquivos da PIDE, como medida preventi-
va». Além do mais, «asseguravam a participação de

68

PIDE.indd 68 04/12/23 14:52


agentes em caso de distúrbios, garantindo boas re-
lações com o regime e paz social, de modo a prosse-
guir com os negócios».
Em setembro de 1962, após lhe ser dada a chefia
da Secção Central da Divisão de Informação, Álva-
ro Pereira de Carvalho foi promovido a inspetor-
-adjunto. Deveu-se aliás a ele a emissão de uma cir-
cular «secreta» da PIDE, datada desse mês de
setembro, enviada a todos os postos dessa polícia
no sentido de melhorar a qualidade das informa-
ções, ao dar conta do ambiente político, militar,
económico, social. A circular apelou a todos os fun-
cionários da PIDE para que fizessem «renascer,
nos indivíduos mais irreverentes, nos críticos mal-
dosos, nos boateiros, em todos aqueles que profes-
sa(sse)m ideologia política contrária e dissolvente,
o respeito, digamos, certo temor, que há anos sen-
tiam» face à polícia política.

69

PIDE.indd 69 04/12/23 14:52


Organização da PIDE, SC e Divisões,
a partir de 1962

Secção Central (SC) Divisões


Centro de Informações 1.ª Divisão — Investigação
(CI) — Gabinete de Identifica-
ção e de Polícia Científica

Gabinete Técnico e de 2.ª Divisão — Informação,


Estudos (GT e GE) ou Serviços Reservados
(SR)
— Secção Informativa
— Secção Reservada

Gabinete de Cifra 3.ª Divisão — Estrangeiros

Registo e distribuição 4.ª Divisão — Fronteira e


de correspondência Segurança Especial
confidencial

Ficheiro Geral

Arquivo Geral
de Processos

Brigadas especiais
de vigilância

70

PIDE.indd 70 04/12/23 14:52


Postos A partir de 1962
Diretor Fernando da Silva Pais

Subdiretor Inspetor superior


Agostinho Barbieri Cardoso

Diretores Inspetores superiores


de Serviços Rui Pessoa Amorim Melício
Raul Rosa Porto Duarte
Aníbal de São José Lopes
Rogério Coelho Dias
Manuel da Silva Clara
José B. Sacchetti Malheiro
António Fernandes Vaz

Inspetores- Jorge Marques Ferreira


-adjuntos Abílio Alcarva
Filipe dos Reis Teixeira
Álvaro Pereira de Carvalho
António José Rodrigues
José Manuel da Cunha Passo
José Leitão Bernardino
Manuel da Silva Baltazar
António Diogo Alves
Mário Ferreira da Costa
Manuel dos Santos Correia

71

PIDE.indd 71 04/12/23 14:52


Em 6 de novembro de 1962, tal como o tinha fei-
to Homero de Matos, dois anos antes, Fernando da
Silva Pais dirigiu aos ministros do Interior e do Ul-
tramar um relatório a alertar para a necessidade de
preencher e ampliar as vagas do quadro da PIDE no
continente e, sobretudo, nas colónias. Propôs que
fosse facilitado o acesso a categorias superiores a
elementos antigos e queixou-se da obrigatoriedade
da habilitação do 5.º ano do ensino secundário,
para acesso ao funcionalismo público — e, portan-
to, à PIDE. Alertou contra o perigo de as categorias
mais elevadas dos funcionários da polícia política
poderem no futuro ser preenchidas por mulheres,
com todas as inconveniências que se fariam sentir
«nos serviços políticos de carácter reservado». No
entanto, apesar das reservas do próprio Silva Pais, a
PIDE também se «feminizou», através de um di-
ploma de 1961 que criou um quadro de pessoal fe-
minino de Investigação1.

Os alvos da PIDE. Para que serviam


as prisões?

Nos anos 1960, de agitação estudantil e social, a


repressão continuou a abater-se sobre o PCP, que
perdeu, neutralizados nas cadeias, muitos militan-
tes, desde operários e assalariados rurais, a estu-
dantes e intelectuais que haviam ingressado no ati-
vismo de oposição ao regime. O poder ficou, aliás,
bastante preocupado com o facto de se deparar

1 Decreto-Lei n.º 45 290, de 30/9/63.

72

PIDE.indd 72 04/12/23 14:52


com tantos estudantes e intelectuais, que, ao invés
de se constituírem como a elite do Estado Novo,
optaram por atuar diretamente contra ele.
Difíceis em termos de repressão foram os anos
de 1963 e 1965, durante os quais o sector estudantil
e o organismo intelectual do PCP de Lisboa foram
desmantelados, devido a traições dos funcionários
comunistas. O ano de 1965 foi muito duro, não só
porque foi aquele em que a PIDE assassinou Hum-
berto Delgado e Arajaryr Campos, mas também por
se ter assistido ao aumento da violência nos inter-
rogatórios. Além do mais, assistiu-se à colaboração
da PIDE com o aparelho de Censura, que também
aumentou então exponencialmente.
A PIDE ocupou-se precisamente dos «três nú-
cleos sociais mais baixos e nucleados da sociedade
portuguesa», conforme a definição de Hermínio
Martins. Isto é, reprimiu em particular o grupo
constituído pelos pequenos proprietários rurais do
norte e centro, com mecanismos compensatórios
para escapar à miséria via emigração; os assalaria-
dos rurais dos latifúndios do sul; e os operários das
grandes concentrações industriais, com maior mi-
litância política e que foram os principais alvos da
repressão. Ao longo dos anos, do ponto de vista da
profissão e classe social, mais de 60% de todos os
presos políticos da PIDE eram trabalhadores ma-
nuais indiferenciados das cidades e do campo.
Quase 20% dos detidos por razões políticas per-
tenciam aos sectores do comércio e dos serviços e
cerca de 11% eram membros das profissões liberais,
estudantes ou profissionais de alto estatuto social,
ou seja, da classe média e até alta. Se a estes últimos
se juntarem os negociantes e comerciantes, a

73

PIDE.indd 73 04/12/23 14:52


percentagem quase chega aos 20%. Por outro lado,
quase metade dos presos — 42,4% — eram naturais
e/ou viviam no Algarve, Alentejo, na Margem Sul
do Tejo e na grande Lisboa, ou seja, no sul do país e
nas grandes cidades. O centro do país «contribuiu»
com 17,2% dos presos por motivos políticos ou emi-
gração clandestina, nomeadamente nas regiões
fronteiriças, enquanto o litoral do centro e do nor-
te industrializados «forneceu» 22,6% dos presos.
De Trás-os-Montes apenas provieram 4% dos deti-
dos, a maioria por emigração clandestina.
Mas a repressão da PIDE foi seletiva, verifican-
do-se que entre 1945 e 1974, num universo de cerca
de 15 000 detidos, houve uma média de cerca de
400 detenções anuais de carácter político. É certo
que se assistiu a «picos» de detenções mais acen-
tuados, nomeadamente entre 1946 e 1954, nos anos
de 1958 e 1959, na sequência das eleições presiden-
ciais em que Humberto Delgado foi candidato pela
oposição, e entre 1961 e 1964. Em Portugal a deten-
ção política combinou três lógicas: a de afirmação
da autoridade; a de carácter corretivo; e, finalmen-
te, a de neutralização.
A primeira lógica, com carácter dissuasivo, pre-
ventivo e de intimidação, era utilizada contra a po-
pulação em geral, sobre a qual pairava a ameaça do
que lhe poderia acontecer, caso se «metesse em po-
lítica». Por isso, as detenções e julgamentos eram
noticiados oficiosamente na imprensa e a PIDE
usou e abusou da prisão preventiva, excedendo o
seu prazo legal de seis meses, por seu turno, pror-
rogável por mais seis meses, mediante pedido à tu-
tela, o Ministério do Interior. Num universo estu-
dado de cerca de 1800 presos, apenas cerca de 15%

74

PIDE.indd 74 04/12/23 14:52


foram julgados dentro desse prazo e houve mesmo
alguns que esperaram na cadeia mais de quatro
anos até serem levados a julgamento.
A segunda lógica era reservada aos que tinham
sido «momentaneamente transviados» e, através
do «susto» da prisão preventiva e detenção corre-
cional, sentenciada pelos tribunais plenários, fica-
riam vacinados para não voltarem a ter a ousadia
de atuar contra o regime. Num universo estudado
de cerca de sete mil presos, a larga maioria (95,7%)
permaneceu detida somente nos seis meses da pri-
são preventiva, enquanto apenas 15% foram leva-
dos a julgamento e cerca de 23% dos indivíduos
julgados foram absolvidos, amnistiados, soltos ou
simplesmente condenados a multas (neste caso es-
tiveram maioritariamente engajadores e emigran-
tes clandestinos). Por outro lado, num universo de
cerca de quatro mil presos julgados, cerca de 20%
foram condenados a penas de prisão correcional
com duração até um ano e seis meses.
Finalmente, a terceira lógica da detenção polí-
tica pela PIDE prendia-se com a neutralização dos
indivíduos presos que estavam organizados, no-
meadamente no PCP, e atingiu os seus militantes e
em especial os seus funcionários e dirigentes clan-
destinos. Através da prisão maior (pena de reclu-
são, além dos dois anos) e das medidas de seguran-
ça, o regime e a sua polícia retiravam do espaço
público os dirigentes e funcionários dos partidos
subversivos: os comunistas, os de extrema-esquer-
da e os que faziam parte de organizações de luta
armada.
Cerca de 5,5% dos presos foram condenados a
penas de dois anos de prisão maior e, nesse caso,

75

PIDE.indd 75 04/12/23 14:52


apenas era contado, até 1972, metade do tempo de
detenção preventiva cumprida, além de lhes ser
habitualmente acrescida uma medida de seguran-
ça. Num universo de 12 385 presos, pouco mais de
4% dos detidos foram condenados a medidas de
segurança. No entanto, entre estes, mais de 90%
cumpriram entre um e três anos de cadeia a mais,
relativamente ao tempo a que haviam sido conde-
nados por sentença judicial. O facto de, em Portu-
gal, as penas não serem de longa duração, como
sempre foi apregoado pelo regime, não deve fazer
esquecer que muitos detidos políticos acabaram
por ficar muito tempo atrás das grades devido às
medidas de segurança.

Uma polícia eficaz? Os métodos da PIDE:


informadores e tortura

À semelhança de todas as polícias políticas das


ditaduras, a PIDE não precisava de ser muito aper-
feiçoada nas tarefas de informação e de investiga-
ção. A PIDE tinha a eficácia que lhe advinha de
constituir uma polícia de uma ditadura, não neces-
sitando de ter um aparelho oleado e eficaz de in-
formação e investigação, pois contava com os in-
formadores e a tortura. Tinha, desde logo, a sua
vida muito facilitada pela utilização de uma ampla
rede de informadores, pagos ou não, controlados
pelos Serviços de Informação, montados e chefia-
dos por Álvaro Pereira de Carvalho, entre 1962 e
1974.
Além disso, contava com a colaboração das ou-
tras polícias, das Forças Armadas, das diversas

76

PIDE.indd 76 04/12/23 14:52


polícias, da Legião Portuguesa e de todas as estru-
turas do regime e seu aparelho distrital e local. Em-
bora pouco satisfeita com o facto de outras organi-
zações do regime, como a Legião Portuguesa ou as
outras polícias, terem as suas próprias redes de in-
formadores (até porque as considerava poucos efi-
cazes), a polícia política não deixou de as utilizar.

A rede de informadores
Como noutros regimes ditatoriais, a polícia po-
lítica portuguesa contou ainda com o apoio volun-
tário ou involuntário das populações, pois o país
era pequeno e nele um clandestino comunista ti-
nha grande dificuldade em passar despercebido.
Poucos sítios serviam para albergar um foragido da
PIDE, até porque se sabia de forma generalizada
«ter a polícia política milhares de informadores
(“bufos”), espalhados por todo o país». Muitos até
inventavam informações para transmitirem à
PIDE.
A generalidade desses delatores recebia uma
quantia monetária por este trabalho sujo, embora
houvesse outros — poucos — que até desempenha-
vam gratuitamente, «por pura simpatia ideológi-
ca, essa tarefa ignóbil». Mas os informadores tam-
bém acediam a outro tipo de facilidades, entre as
quais se contavam, por exemplo, um passaporte ou
um ingresso num emprego. Quase todos, além de
ganhos financeiros e da partilha do poder em dita-
dura, utilizaram o velho hábito da «cunha» para
arranjar um emprego melhor ou subir na carreira
da administração pública.
Ao recrutar um informador, por meio de ofere-
cimento voluntário ou de chantagem, a PIDE

77

PIDE.indd 77 04/12/23 14:52


começava por pôr à prova a colaboração obtida. Por
outras palavras, seguia os informadores, fazia-lhe
escutas telefónicas, intercetava cartas para saber
se eram verdadeiros «colaboradores», além de con-
firmar a utilidade das suas informações. Se um in-
formador estava infiltrado numa organização clan-
destina, a PIDE defendia a zona em que ele atuava
para que não fosse detetado ou chegava mesmo a
prendê-lo para enganar os seus companheiros de
organização. Havia ainda «os informadores even-
tuais que por ideologia ou outras (razões) informa-
vam a PIDE com pseudónimo mas também anoni-
mamente sem contrapartida direta».
A partir do momento «em que a PIDE estendeu
o seu campo de observação a toda a sociedade, in-
cluindo o lado situacionista, colocou-se acima da
sociedade, tornou-se modelo de conduta em virtu-
de do sistema assentar na sua atividade», como ca-
racterizou Iva Delgado. A maioria das denúncias
eram anónimas e assinadas por «um nacionalista».
Muitos candidataram-se a informador da PIDE/
/DGS, junto da tutela do Ministério do Interior ou
de outros organismos do Estado. Os meios prefe-
renciais de recrutamento era evidentemente a
oposição ao regime e sobretudo no seio do PCP.
Uma das principais formas de recrutamento,
além da utilização da chantagem, aconteciam nos
interrogatórios, realizados pelos Serviços de Inves-
tigação. Numa situação de medo em que estava
completamente isolado e nas mãos do seu carrasco,
alvo de torturas ou na expectativa de ser sujeito a
mais violência, o prisioneiro político, maioritaria-
mente comunista, era colocado face a uma escolha
sem escolha. Ou nada dizia — o que era extrema-

78

PIDE.indd 78 04/12/23 14:52


mente difícil — e sofria em consequência, ou de-
nunciava os seus camaradas. Por vezes apenas con-
firmava as informações ou a identidade de camara-
das já do conhecimento da polícia; mas a PIDE
queria ouvir essa confirmação da boca dos próprios
presos, pois assim neutralizava-os politicamente,
ao fazer constar que teriam «falado na polícia» e as-
sim «traído» a sua organização — o PCP.
A PIDE fazia ainda mais, pois aproveitava para
recrutar como informador aquele que tinha con-
fessado, confirmado ou «falado», através da chan-
tagem de que iria fazer correr o rumor da traição,
ou em troca de não levar o seu caso a tribunal e ser
libertado. Por vezes também prendia para recrutar
um informador, como parece ter sido o caso de um
cauteleiro de Serpa com oito filhos, detido, para ser
transformado num preso político, por seu turno,
recrutável pelo PCP e assim infiltrado nesse parti-
do ao serviço da polícia.
Por outro lado, se foram alguns os que aceita-
ram sê-lo por razões ideológicas, sem receber com-
pensações em troca, na maior parte dos casos fo-
ram informadores em troca de dinheiro e de
benefícios concedidos pela polícia da ditadura.
Apesar de a origem e classe social da maioria dos
seus informadores ser baixa, a PIDE/DGS não dei-
xou de ter alguns provenientes de classes sociais
altas: oficiais militares, indivíduos de profissões li-
berais e elementos do regime, entre os quais se
contaram presidentes de autarquias.
Houve informadores em toda a sociedade por-
tuguesa, desde operários a assalariados rurais, a
escriturários, comerciantes, proprietários, médi-
cos que traíram o seu juramento, jornalistas,

79

PIDE.indd 79 04/12/23 14:52


fotógrafos, presidentes de Câmara e diretores de
empresas, militares e civis, homens e mulheres,
jovens e de meia-idade. Padres que transmitiram
o que ouviram em confissão, professores dos vá-
rios graus de ensino que denunciaram alunos e
estudantes. Alguns delatavam para obter mais al-
gum dinheiro, um emprego, uma casa, um cargo
ou pensando estar a partilhar o poder da
ditadura.
E, mesmo aqueles que diziam que o faziam por
adesão ao regime, de forma voluntária, e sem con-
trapartidas financeiras, como se viu, também aca-
bavam por solicitar dinheiro, em forma de emprés-
timo por vezes. O facto de muitos anónimos
escreverem recorrentemente ao Ministério do In-
terior e à PIDE a oferecerem os seus serviços de
informador é revelador de que existia, no seio da
população portuguesa, e não apenas nas classes
mais baixas, uma ampla e espalhada cultura de de-
núncia. Curiosamente, havia até mais candidatos a
informador da PIDE do que aqueles que a polícia
recrutava e a denúncia não se devia essencialmen-
te a razões ideológicas, mas resultava de interesses
mesquinhos, como a inveja, rivalidades ou vontade
de exercer um pequeno poder no seio de um deter-
minado microcosmo. O certo é que a PIDE/DGS
teve uma certa eficácia na forma como colocou,
próximo de algumas individualidades não comu-
nistas e no seio de organismos frentistas, tanto em
Portugal como no exílio, informadores «especia-
lizados» em sectores menos habituados às regras
conspirativas.
A ampla rede de informadores, cuja quantidade
era, aliás, exagerada de forma indireta pela própria

80

PIDE.indd 80 04/12/23 14:52


polícia, contribuiu para espalhar o medo nos por-
tugueses, convencendo-os de que os olhos «panóti-
cos» da PIDE os vigiavam por todo o lado e que
meio país denunciava outro meio país. Recorre-se
aqui ao Panopticon, cuja criação foi sugerida, no sé-
culo xviii, por Benjamin Bentham, um reformador
dos cárceres de então, para permitir a vigilância
permanente e omnipresente, através de um novo
dispositivo de vigilância carceral.
Este era constituído por uma torre central,
onde estava o vigilante, ao redor do qual se encon-
travam, em círculo, as celas individuais dos presos,
lado a lado. Estes nada viam, nem os companheiros
de celas contíguas, apenas a torre, onde o vigilante
tudo via ao seu redor, na condição de ele próprio se
tornar invisível. O Panopticum equiparava-se de
certa forma ao sistema utilizado nos regimes dita-
toriais e totalitários, que potenciam a vigilância po-
licial, já de si totalizadora, através de inúmeros in-
formadores formais e informais.
Ao se substituírem dessa forma a uma multidão
de agentes da polícia política, possibilitando a di-
minuição destes, esses informadores podem tudo
ver, sem serem vistos, assim impedindo a ação dos
indivíduos, ao mesmo tempo que instilam no seio
destes a autocensura e o autopoliciamento. Se não
correspondeu evidentemente à verdade o rumor
de que «meio país denunciava outro meio país», em
Portugal, a PIDE/DGS utilizou-o para multiplicar
a eficácia do número mais reduzido dos seus de-
nunciantes. Tal como o «temor da polícia multipli-
cava o número de polícias», da mesma forma, o
«medo da delação» potenciava «a delação,
multiplicando-a».

81

PIDE.indd 81 04/12/23 14:52


Portugueses espiaram, nas cidades e nos cam-
pos, nos partidos políticos clandestinos, nas em-
presas, na Igreja, nas Forças Armadas e militariza-
das, nas universidades, na administração pública,
nos ministérios, cobrindo todos os sectores nevrál-
gicos da vida portuguesa. A força de qualquer polí-
cia política advém menos dos seus efetivos, mas
sobretudo do facto de, em qualquer ditadura, se
respirar um clima policial e se realizar uma «polí-
cia imanente», muito mais poderosa e totalizadora
do que a presença inquietante do inspetor e do
agente.
No entanto, ao contrário do que por vezes é dito,
ser-se informador da PIDE/DGS era considerado
reprovável pela maioria das pessoas em Portugal.
Também o próprio regime negava o recurso a dela-
tores e, não por acaso, este escondia a denúncia,
levada a cabo por um delator, no maior secretismo
e de forma anónima, embora também tivesse havi-
do pessoas que se diziam informadores da polícia
sem o serem. O fenómeno do excesso das denún-
cias chegou mesmo a preocupar o governo, nomea-
damente os ministros do Interior, Trigo de Negrei-
ros, nos anos 1950, e Gonçalves Rapazote, em 1971.
Estavam receosos das consequências que isso po-
deria trazer ao apregoado corporativismo do
regime.
Após 25 de Abril de 1974, o Serviço de Coorde-
nação da Extinção (SCE, conhecido por Comissão
de Extinção) da PIDE/DGS e da LP afirmou que os
informadores da PIDE/DGS chegaram aos vinte
mil, em 1974. Além de utilizar os informadores, a
PIDE/DGS também pôde recorrer a outros meios,
sem qualquer fiscalização: a interceção postal e as

82

PIDE.indd 82 04/12/23 14:52


escutas telefónicas, os quais foram também, aliás,
usados contra elementos do próprio regime, para
impedir dissensões ou como instrumentos de
chantagem. Estes dois instrumentos, cuja capaci-
dade foi muito exagerada, tanto pela PIDE como
pelos opositores do regime, acabaram por ter, tal
como a existência de informadores, o mesmo efeito
dissuasor, ao darem uma imagem de omnipotência
e omnisciência à polícia política.

A violência e a tortura nos interrogatórios

A PIDE prendia frequentemente para depois


«investigar». Eram os Serviços de Investigação da
PIDE que instruíam os processos — atuando os ele-
mentos da PIDE enquanto juízes —, depois entre-
gues aos tribunais plenários, que substituíram, a
partir de 1945, os tribunais militares, que antes jul-
gavam os «crimes» políticos. Aliás, os plenários uti-
lizavam nas sentenças proferidas contra os acusa-
dos a linguagem que a própria polícia política usava
nos processos contra a «segurança interna e exter-
na do Estado».
Não há documentação no arquivo da PIDE/
/DGS que permita afirmar que houve violência nos
interrogatórios e de que forma estes decorriam,
com recurso a pancadaria, à privação de movimen-
to e de dormir, na «estátua» e no «sono». A própria
PIDE/DGS tinha o cuidado de que nada pudesse
constar sobre isso, além de que os portugueses sa-
biam que todas as polícias, entre as quais a PSPO, a
GNR e a PJ, também recorriam à violência nos pre-
sos. Mas, felizmente, a forma como a Ditadura em

83

PIDE.indd 83 04/12/23 14:52


Portugal foi derrubada, por rutura, possibilitou
que se acrescentassem aos inúmeros testemunhos
de ex-presos políticos violentados, os de elementos
da polícia política, que na prisão reconheceram a
existência da tortura e apontaram o dedo aos prin-
cipais torturadores.
Em Portugal, além dos espancamentos, foi so-
bretudo utilizada a tortura «científica» da priva-
ção, em parte aprendida com a CIA. No entanto,
desde os seus primórdios, tanto a PVDE como a
PIDE praticaram, de forma empírica, a privação de
movimento — ou «estátua» —, a privação de dor-
mir, ou tortura do «sono», e a privação de contactos
com o exterior, ou isolamento. Estas «modalida-
des» de tortura, reveladoras de que a polícia tinha
todo o tempo do mundo, foram a negação do pró-
prio argumento de que os «safanões a tempo» eram
dados para salvar inocentes de atos «terroristas»,
conforme tinha dito Salazar em 1932.

Objetivos da tortura e como nasce um


torcionário
Através da tortura, em qualquer latitude e épo-
ca, o carrasco tenta quebrar a dignidade e a autono-
mia do preso, dando ao torturado a sensação — real
— de estar à sua total mercê e atualiza, desde logo,
todas as outras violências que se seguirão. O fim úl-
timo da tortura é, além de provocar o abandono to-
tal da vontade da pessoa, a destruição física, psíqui-
ca e moral do preso, possibilitada pelo domínio
totalitário do carrasco sobre ele. O torturador con-
diciona a capacidade de pensar e a própria dignida-
de de ser humano do preso. Tenta destruir as cau-
sas e convicções da vítima, os seus sonhos e

84

PIDE.indd 84 04/12/23 14:52


esperanças, os seus segredos e a sua opacidade,
fundamentais na criação de uma identidade e na
constituição dos grupos humanos.
O objetivo da PIDE não era somente obter in-
formações. Ao «fazer falar» o preso, a PIDE pre-
tendia torná-lo transparente, dissolvido e isolado
do seu grupo de pertença — os seus camaradas de
partido —, bem como obrigá-lo a agir contra si
próprio e contra os seus valores, para o destruir
no seu interior. Além de «fazer falar», a tortura
pretende também levar a que o torturado oiça a
voz do poder e perceba que está nas suas mãos.
Por isso, a tortura também serve para «fazer ca-
lar», ao constituir um aviso destinado a silenciar
toda a oposição.
No Estado Novo, a utilização da tortura foi
negada e escondida, em nome da sua incompatibi-
lidade, num país de brandos costumes, com a civili-
zação cristã, que moldava a Constituição Portugue-
sa, através da moral da lei. Mas a ameaça da sua
existência permaneceu sempre no «ar», enquanto
instrumento utilizado para aterrorizar e desmobi-
lizar, através do simples rumor. Nesse sentido, em-
bora utilizando a técnica do eufemismo para se re-
ferir às torturas, a PIDE não deixou de fazer constar
que elas existiam, para travar veleidades de preva-
ricação «subversiva».
O que normalmente acontecia nos interrogató-
rios da PIDE era que, depois de um primeiro auto
em que não prestavam declarações, os presos fica-
vam em «interrogatório contínuo», eufemismo
para o «sono», a «estátua» e os espancamentos. Se
o detido não «falasse», começava então o longo iso-
lamento, até ser novamente chamado. No

85

PIDE.indd 85 04/12/23 14:52


isolamento e na incomunicabilidade, referidos pe-
los prisioneiros como mais duros de suportar do
que a violência física, tudo se torna rotina e desapa-
rece o inesperado, retirando ao preso toda a noção
da sua autonomia. Perde-se a noção de tempo.
A PIDE recorreu também à calúnia, não só rela-
tivamente aos indivíduos, mas também ao PCP, de-
finindo-o como uma associação de malfeitores.
Às mulheres, funcionárias do PCP, tratava-as como
prostitutas, pois viviam em casas clandestinas com
funcionários, sem com estes serem casados. Por ve-
zes, certos insultos foram mais difíceis de suportar
do que a pancada: Diniz Miranda sentiu-se particu-
larmente humilhado quando a polícia lhe disse que
iria ser condenado como vadio, uma vez que, sendo
funcionário do PCP, não tinha profissão.
Aconteceu que os torturadores simulassem o
fuzilamento, mas no continente europeu, onde se
situava a «metrópole» portuguesa, ao contrário do
que acontecia na guerra colonial em África, a PIDE
não estava interessada em matar. O preso político
comunista Octávio Pato confirmou que não era a
morte do preso que a PIDE queria, mas a sua neu-
tralização por via de uma longa prisão. Há que ter
em conta que o tratamento da PIDE foi diverso
conforme a classe social e a organização a que o
preso político pertencia. Amante das hierarquias e
respeitadora das elites, a PIDE enviava o intelec-
tual para a tortura do «sono», continuando, porém,
a tratá-lo por «sr. Dr.».
Ao mesmo tempo, ao operário ou ao assalariado
rural, mais do que persegui-los pelas suas ativida-
des políticas, punia-os brutalmente por ousarem
sequer pensar que lhes era permitido mudar de

86

PIDE.indd 86 04/12/23 14:52


vida e desafiar a ordem imutável e inquestionável.
A hipocrisia e duplicidade foram características da
polícia política, cujos inspetores e dirigentes culti-
vavam a família e os bons costumes, ao mesmo
tempo que espancavam homens e mulheres inde-
fesos, que submetiam à «estátua» e ao «sono», des-
piam e humilhavam, dizendo depois que eram es-
tes e estas que não tinham «moral». Depois,
negavam que torturavam, afirmando, como o fez o
perfumado Sacchetti, que tinham uma impecável
formação católica.
Não se nasce torcionário, mas um ser humano
pode transformar-se em torturador. Quem o afir-
mou foi a psicanalista Françoise Sironi, recorrendo
a uma célebre frase de Simone de Beauvoir, em Le
Deuxième Sexe (1949), segundo a qual «não se nas-
ce mulher mas torna-se mulher» («On ne naît pas
femme, on le devient»). No percurso da transfor-
mação deliberada de um indivíduo em perpetra-
dor, há diversas fases, a primeira das quais, prelimi-
nar, preconiza o enaltecimento dos atributos da
virilidade, da dureza, do orgulho e da obediência.
A par deste processo, ocorre a necessária prévia
aculturação e afastamento do grupo original, fami-
liar e geracional, bem como dos valores éticos ante-
riormente incutidos. Após a desconstrução da
identidade inicial, segue-se o processo de afiliação
a um novo grupo de pertença e de interiorização de
uma nova «cultura» (no caso, dos carrascos). Cer-
tas técnicas de treino podem contribuir para criar
carrascos. Em Portugal, um dos elementos da
PIDE/DGS confessou que, quando entrava ao ser-
viço nessa polícia, mudava totalmente, esquecendo
crenças, valores e amizades.

87

PIDE.indd 87 04/12/23 14:52


Tal como outras polícias políticas de regimes
ditatoriais, também a PIDE/DGS foi composta em
geral por indivíduos «normais», capazes das maio-
res violências, mas que compartilhavam nas suas
casas valores familiares, religiosos e morais. Al-
guns até eram considerados como tendo uma vida
exemplar: por exemplo, Adelino Tinoco era um
bom pai, Henrique Sá e Seixas, um marido terno
para a sua mulher cega, e Diogo Alves era bombei-
ro. José Barreto Sachetti Malheiro era um dandy
perfumado, frequentador da melhor sociedade de
Aveiro, Coimbra e, depois, Lisboa, perfeitamente
adaptado à sociedade hipócrita salazarista.
Os torturadores da PIDE/DGS não estavam só
nos Serviços de Investigação, pois, nos interrogató-
rios, também havia escriturários e telefonistas,
que, em «horas extraordinárias», tomaram parte
nos «turnos» da tortura do «sono» e da «estátua».
Um dos elementos mais conhecidos pelos presos
políticos era o inspetor Fernando Gouveia, um pro-
fundo conhecedor da vida clandestina do PCP, que
dirigiu mais tarde o Gabinete Técnico da PIDE/
/DGS.
Em 1947, no Porto, diversos processos foram
conduzidos pelos inspetores Jaime Gomes da Silva
e Antonino Faria Pais, bem como pelo subinspetor
Joaquim de Oliveira Monteiro, destacando-se, nas
violências exercidas sobre os detidos, o chefe de bri-
gada António Pinto Soares. Em Lisboa, contavam-
-se Raul Porto Duarte, Ferry Correia Gomes, bem
como Francisco Sales Velez, Eugénio Carvela e Má-
rio Silva. No final da década de 50, António Rosa Ca-
saco ascendeu a chefe de brigada e interrogou mui-
tos presos, às ordens de Aníbal de São José Lopes.

88

PIDE.indd 88 04/12/23 14:52


Nos anos 60, contaram-se ainda, entre os prin-
cipais inspetores dos Serviços de Investigação, Ós-
car Cardoso, Sílvio Mortágua, Manuel Rodrigues
Martins. Entre outros torturadores, destacaram-se
na violência face aos presos o chefe de brigada Be-
nedito Pereira André, bem como os agentes José
Manuel Baptista Coelho, Francisco Casas Fernan-
des, António Rosa Casaco, Inácio Afonso, Armando
Cristofameti da Costa Lima, Manuel Lavado e Cân-
dido Pires. Outros ainda que mais se evidenciaram
pelos maus-tratos aplicados a presos políticos fo-
ram Antero Glória Santos, António Capela, Artur
Pereira dos Santos, Carlos Franco, «Duarte», e «Ri-
cardo Graça», pseudónimo do agente António Pe-
reira Coelho.
Os presos e as presas da PIDE/DGS referiram
ainda, entre os torturadores, Esteves Martins,
Francisco Fernandes, Joaquim Monteiro, Júlio
Henriques, Mário Coelho, Santos Costa e Silva Car-
valho. Só conhecidos por um nome foram os agen-
tes Rego, Celso, Pompílio (perito em tortura psico-
lógica). Entre as mulheres, que «ascenderam» à
Divisão de Investigação, a partir de 1961, e que tam-
bém se destacaram nas torturas infligidas aos pre-
sos e às presas, houve duas subinspetoras, três che-
fes de brigada, dezasseis agentes de 1.ª classe e
trinta e sete agentes de 2.ª classe.
Muitas destas haviam ingressado na PIDE
como telefonistas ou funcionárias administrativas,
que por vezes também se revezavam, cada quatro
horas, para não deixar os detidos dormir, durante
os interrogatórios «contínuos». Uma das mais co-
nhecidas mulheres do quadro de Investigação da
PIDE/DGS foi Madalena das Dores Oliveira, ou a

89

PIDE.indd 89 04/12/23 14:52


tenebrosa «Leninha», como a alcunharam muitos
presos e presas, sendo as outras conhecidas pelos
presos e pelas presas pelo primeiro nome, como foi
o caso de Conceição, Odete, Fátima.

Modalidades de tortura: espancamentos,


«estátua» e «sono»
Os espancamentos, muito utilizados no tempo
da PVDE, nunca cessaram, posteriormente, e fo-
ram aplicados, pela PIDE e pela DGS, em elemen-
tos das classes sociais mais baixas e nos funcioná-
rios e dirigentes do PCP. Habitualmente, depois de
capturado, o preso político era levado, em Lisboa,
para a sede da PIDE, na Rua António Maria Cardo-
so, e, depois, para a prisão do Aljube ou para o forte
de Caxias, em Lisboa. Quando os interrogatórios
não eram realizados no próprio Aljube, os presos
eram conduzidos à noite, para o gabinete n.º 70, no
3.º andar da sede da PIDE, na Rua António Maria
Cardoso.
À entrada, o preso era despido, revistado, sendo-
-lhe retirados todos os objetos — como óculos e ata-
cadores — com que se pudesse suicidar ou localizar
no tempo. Não tinha visitas antes dos interrogató-
rios — ou enquanto a polícia as proibisse —, nem
acesso a livros, nem a papel, nem a lápis ou caneta.
Era a cela, a parede e a espera… Nas sessões de tor-
tura, participavam todos os agentes, e às vezes es-
criturários e até telefonistas, consoante um serviço
de escala («turnos») com a duração de quatro horas.
Antes e durante os interrogatórios, as visitas do mé-
dico da PIDE/DGS tinham como função assegurar
aos torturadores que o preso tinha condições de
saúde que permitiam a continuação da tortura.

90

PIDE.indd 90 04/12/23 14:52


Após 1945, o método de interrogatório da PIDE
foi a chamada tortura do «sono» — ou seja, a priva-
ção de dormir durante dias e noites, com ou sem
«estátua». A PIDE utilizava a tortura da «estátua»
habitualmente no Aljube, onde se servia de uma
sala contígua à enfermaria, no último andar, na
qual eram colocados grossos cobertores nas portas,
para abafar o som. De entrada, a PIDE insistia para
que o preso ficasse de pé, mas se este reagisse, per-
mitia-lhe que se sentasse, pois o que lhe interessa-
va era o seu esgotamento, por falta de sono.
Na realidade, quanto mais à vontade o preso fi-
casse, pior era, dado que a fadiga e as crises nervo-
sas só surgiam mais tarde, mas com consequências
mais graves. A polícia abordava cada preso, con-
soante a sua posição no PCP, a sua cultura ou classe
social. A cada um, a polícia dizia que os outros ti-
nham «falado», pondo na boca dele o que suspeita-
va ou conseguira investigar. A «estátua» foi sendo
progressivamente abandonada, não só porque o
preso podia recusar-se a «fazê-la», atirando-se
para o chão, mas também porque era um meio de
tortura que esgotava de forma demasiado rápida o
detido.
Já o sofrimento de um preso impedido de dor-
mir era mais longo, pois o detido «aguentava» mais
tempo do que na «estátua». Se esta implicava o
«sono», este nem sempre implicava a «estátua»,
mas foi o meio de tortura mais utilizado pela PIDE/
/DGS, e temido pelos presos políticos. Octávio
Pato, impedido em 1961 de dormir durante onze
dias e onze noites, de uma vez, e sete dias e sete noi-
tes, noutro período, contou que, quando o preso
estava prestes a dormir ou «adormecia de pé,

91

PIDE.indd 91 04/12/23 14:52


mesmo a andar», os agentes da PIDE batiam na ja-
nela com uma moeda, provocando «um barulho
que parece um tiro». No seu caso, ele próprio caiu
redondamente no chão, o que era uma situação
muito perigosa, pois o preso podia «ter morte
imediata».
No relato da sua segunda prisão, ocorrida em
1962, Alcino Sousa Ferreira referiu os novos méto-
dos de tortura usados pela PIDE. Estudando caso a
caso, esta aplicava a cada um o processo mais ade-
quado, desde a «amabilidade» do «polícia bom» às
«violências» do «polícia mau». Sousa Ferreira avi-
sou que a PIDE estava a utilizar o que os «america-
nos» chamavam «interrogatório seguido», tratan-
do-se de um eufemismo para a tortura do «sono».
Vários investigadores revezavam-se, nos interro-
gatórios, insistindo nos mesmos pontos, muitas ve-
zes aparentemente insignificantes, durante horas e
horas em que o impediam de dormir.

O exemplo da CIA
A polícia política portuguesa aperfeiçoou «cien-
tificamente» os seus métodos de tortura, a partir
do final dos anos 50, em contacto com serviços se-
cretos e polícias de outros países, nomeadamente
os norte-americanos. Depois, no início dos anos 60,
a CIA realizou diversas experiências sobre a «pri-
vação sensorial», nos interrogatórios, nas quais a
PIDE se inspirou. Não terá sido certamente uma
coincidência o facto de a PIDE ter utilizado méto-
dos idênticos aos apresentados num Manual da
CIA de 1963. Este incluía uma secção detalhada so-
bre The Coercive Counterintelligence Interrogation
of Resistant Sources («Interrogatório de

92

PIDE.indd 92 04/12/23 14:52


contrainteligência coercivo a fontes resistentes»),
entre cujas «técnicas coercivas», utilizadas de for-
ma combinada, se contavam a «Debilitação», a
«Dor» e sobretudo a «Privação de estímulos
sensoriais».
Para debilitar o detido, eram sugeridos o impe-
dimento de dormir e o fornecimento de refeições
de forma irregular, para desorientar e aniquilar a
vontade de resistir. Quanto à dor, a CIA alertava
que a infligida do exterior poderia ser contrapro-
ducente, pois podia intensificar a vontade de resis-
tência do detido. Por isso, aconselhava-se a optar
por induzir um tipo de sofrimento que parecia ser
aplicado pelo próprio preso, como era, por exem-
plo, o caso da tortura da «estátua», pois dava a ideia
de que a fonte da dor não era o carrasco, mas a pró-
pria vítima. Na secção «Privação de estímulos sen-
soriais», a CIA aconselhava a submissão do prisio-
neiro ao «isolamento prolongado».
Segundo o Manual da CIA, «a privação de estí-
mulos induz a regressão ao privar o sujeito do
contacto com o mundo exterior» e, depois, ao dar-
-se-lhe «estímulos calculados durante o interroga-
tório», o sujeito «regredido» tem tendência para
encarar o interrogador que vem quebrar esse isola-
mento «como uma figura paternal», daí resultando
a quebra da sua resistência. Em Portugal, a polícia
política da ditadura recorreu aos espancamentos e
a outras agressões dolorosas, mas também precisa-
mente à privação da mobilidade, na «estátua», do
descanso, na «tortura do sono», e do contacto com
o mundo exterior, através do isolamento prolonga-
do na cela.

93

PIDE.indd 93 04/12/23 14:52


O isolamento
Muitos detidos pela PIDE/DGS referiram que,
após serem sujeitos a violências e à tortura do
«sono» nos interrogatórios, sentiram alívio com o
retorno à cela e ao isolamento. Mas, depois, consi-
deraram o isolamento mais difícil de suportar do
que a própria tortura, pois provoca, no indivíduo,
um sentimento permanente de ameaça e uma vi-
vência de despersonalização. A incomunicabilida-
de, com proibição de livros, revistas e correspon-
dência, nas cadeias da PIDE/DGS podia ir até aos
seis meses, tempo da prisão preventiva, se não fos-
se prorrogada com autorização do ministro do
Interior.
Nessa situação, o silêncio tornava-se insuportá-
vel, a imaginação enlouquecia o detido e os fantas-
mas provocavam a perda das referências e a des-
truição da identidade, bem como da vida civilizada.
Isolado na cela, o prisioneiro desesperava ante a
expectativa do futuro suplício, ficando com uma
profunda sensação de vazio e desejando voltar a ver
qualquer pessoa, mesmo se esta só pudesse ser o
seu carrasco. Quando o iam buscar à cela, para uma
nova sessão de tortura, o preso quase experimenta-
va uma sensação de «libertação» e era então que
entrava em cena o chamado torturador «bom»,
numa situação onde se tornava fácil ceder e aban-
donar-se a ele.
Muitos torturados testemunharam que o «pon-
to de rutura» surgia quando o torcionário pronun-
ciava palavras simpáticas. É quando o indivíduo
está absolutamente só, isolado, desorientado, que
ele mais facilmente pode ceder e submeter-se ao
poder do torturador, que representa então a

94

PIDE.indd 94 04/12/23 14:52


«ordem» do mundo e penetra no âmago da vítima.
Em 1949, o dirigente e funcionário do PCP, Jaime
Serra, permaneceu em isolamento completo, du-
rante seis meses, numa cela pequena (2 metros por
1 metro e meio, sem cama, apenas um bailique que
se levantava durante o dia para se poder passear)
da cadeia do Aljube.
Detido de novo, no mesmo ano, Álvaro Cunhal
afirmaria que a «incomunicabilidade» «era a pior
de todas as torturas». Lembre-se que, nos primei-
ros catorze meses, ele permaneceu sempre sozinho
numa cela, sem passeios, nem livros, nem jornais e,
posteriormente, ficou incomunicável durante dez
anos, na Penitenciária de Lisboa e no forte de Peni-
che, após o seu julgamento, de onde conseguiria
fugir, em 1960, com outros nove dirigentes do PCP.
Ao considerar o isolamento «bastante mais difícil
de suportar que um espancamento», pois funcio-
nava como um «silencioso, mas implacável demoli-
dor da resistência moral do preso», J. A. da Silva
Marques descreveu a sua própria experiência, ao
ser detido em 1962:

«Sozinho numa cela, sem visibilidade para


o exterior, sem nada para fazer, sem ninguém
para conversar, sem nada para ler, sem nada
para escrever, sem horas, sem dias, atravessan-
do as intermináveis horas dos dias e das noites,
o preso no “isolamento” é verdadeiramente
um homem só. Sem tempo e sem espaço, reti-
rado da vida».

J. A. da Silva Marques descreveu a reação de


presos em «isolamento» na cela, observando que

95

PIDE.indd 95 04/12/23 14:52


alguns ansiavam ir a interrogatório, pois «era como
que ir ver o que se passava “lá fora”». Por vezes, ao
ouvir que era a cela de outro a abrir, para a ida de
um companheiro de cárcere, ao interrogatório, o
preso revelava «uma amargurada mistura de alívio
e frustração»: a «“sorte” de não ter ido, de não su-
portar provavelmente novos vexames ou violên-
cias; e o não ter tido a “sorte” de ir, de ir “lá fora”».
No isolamento, segundo acrescentou, aprendia-se
«a viver no “buraco”; mas estando nele».

Mulheres torturadas
A partir do início dos anos 60, quando deixaram
de ser apenas encaradas como «mulheres de rebel-
des» e passaram a ser elas próprias consideradas
«rebeldes» pela PIDE, as presas políticas começa-
ram a ser torturadas da mesma forma que os ho-
mens. É certo que, já em 1949, a funcionária clan-
destina Sofia Ferreira, presa juntamente com
Álvaro Cunhal, tinha sido espancada com um cas-
setête e esbofeteada com tal violência, que ficara
com um derramamento de sangue no olho e per-
turbações auditivas. Dez anos depois, na sua segun-
da prisão, foi submetida à «estátua», embora outra
presa, Alda Nogueira, dissesse que, até à data da sua
prisão, precisamente em 1959, «por sistema, a Polí-
cia ainda não batia nas mulheres nem as obrigava à
tortura do sono».
Fernanda Paiva Tomás, dirigente e funcionária
do PCP, presa uma segunda vez, em 1961, foi uma
das primeiras mulheres a ser torturada segundo o
padrão da tortura aplicado aos presos do sexo mas-
culino, ao sofrer duas «experiências» de 80 e 94 ho-
ras «consecutivas sem dormir». Também Albertina

96

PIDE.indd 96 04/12/23 14:52


Diogo, presa no forte de Caxias, sofreu então cinco
dias de «tortura do sono» e foi esbofeteada. As
agentes Madalena e Odete deram-lhe tanta panca-
da, que lhe lesaram um ouvido e a deixaram «toda
marcada, muito congestionada e a deitar sangue
por uma mão». Mas o ponto de viragem de as mu-
lheres passarem a ser torturadas como os homens
foi sobretudo nos anos de 1961 e 1962.
Em 27 de abril deste último ano, seis campone-
sas do Couço presas foram «submetidas a estas
mesmas torturas durante 3, 4 e mais dias algumas
mais do que uma vez». Foram os casos de Maria
Rosa Viseu, Maria Galveias, Maria Madalena Hen-
riques, Maria da Conceição Figueiredo, Maria Cus-
tódia Chibante e Olímpia Brás. A tortura com co-
notações sexuais também foi aplicada a alguns
homens e mulheres do Couço.
Várias detidas relataram que era habitual, na si-
tuação de tensão máxima nos interrogatórios, sur-
gir-lhes o fluxo menstrual e a PIDE não as deixa-
rem então recorrer a qualquer proteção,
obrigando-as a limpá-lo com a própria roupa. Ma-
ria Galveias contou que, ao fim de onze dias e onze
noites, a levaram para o forte de Caxias, «toda a
cheirar mal, toda urinada», pois não a deixaram la-
var. A proibição de recorrer a qualquer higiene,
proibindo os presos de se lavarem, foi utilizada
para humilhá-los e provocar, neles, aquela distan-
ciação relativamente à humanidade comum com o
torturador.

97

PIDE.indd 97 04/12/23 14:52


Torturas com conotações sexuais e os
terríveis anos de 1965-1966
Esse efeito também era conseguido, por outro
lado, com o desnudamento dos presos. Não terá
acontecido frequentemente, mas foi utilizado, e
provavelmente não se sabe de mais casos devido à
humilhação provocada na vítima, que perdura, ao
ser recordada. É, assim, possível que muitos presos
tenham ocultado esse tipo de tortura. Um dos pre-
sos do Couço, Jerónimo Bom, mencionou que a
agente Madalena e outra o despiram totalmente,
chamando-lhe nomes e mexendo-o «em todo o
lado», para lhe arrasar os nervos, «para rebentar
com tudo». Quanto a Domingos Catarino, relatou,
com a mesma coragem de Jerónimo Bom, que lhe
retiraram o cinto e como estava magro, as calças
caíram-lhe. Leia-se o seu testemunho:

«mandaram-me lá para uma casa de banho


aberta, e depois meteram-me uma mulher.
Aquilo eram mulheres preparadas, mulheres
pides. Meteram a mulher a lavar o chão, ali
mesmo em baixo de mim. Depois eu não fui
capaz de fazer nada. Enervado, envergonhado
por não estar habituado àquilo».

A partir de 1965, as violências da PIDE aumen-


taram de forma exponencial, em quantidade e
qualidade. Ao voltar a ser preso, em 21 de abril de
1965, com a sua companheira, Maria Conceição
Matos, Domingos Abrantes foi sujeito à tortura do
«sono» durante onze dias. Depois a novidade «foi
a “máquina” que, segundo os pides, consultava o
cérebro das pessoas». Só mais tarde percebendo

98

PIDE.indd 98 04/12/23 14:52


que aquilo «era mesmo tanga». Por seu lado, Ma-
ria da Conceição Matos seguiu nessa noite para a
sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso,
onde a submeteram, no terceiro andar, à tortura
do «sono».
Avisaram-na de que «não ia à casa de banho,
enquanto não falasse», e, conforme o seu testemu-
nho, as agentes femininas Odete e Mariet não a dei-
xaram ir à casa do banho, pelo que acabou por se
«agachar a um canto». Foi então que «entraram na
sala, de repelão, o Tinoco e o Serras», e o primeiro
avisou-a «de que se sujasse a sala teria de a limpar»
com a sua própria roupa. Depois, foram-na despin-
do aos poucos e tentaram obrigá-la a limpar, mas
ela recusou. Já em combinação, «entraram diver-
sos pides» e a agente Madalena foi «despindo peça
por peça» a sua roupa, até ficar nua. A agente es-
pancou-a brutalmente, à bofetada e ao pontapé,
enquanto o agente Serra lhe dava socos no queixo,
para a obrigar a manter a cabeça levantada, erguia-
-a pelos sovacos e atirava-a com toda a força para
cima de uma cadeira, repetindo várias vezes.
Em 1966, Mariana Janeiro foi sujeita ao suplí-
cio do sono, durante dezoito dias e dezoito noites, e
espancada de tal forma na cabeça que lhe rompe-
ram a membrana do ouvido esquerdo. Deitaram-
-lhe água pela cabeça, para que não desmaiasse, fi-
zeram-lhe dar voltas a uma mesa e saltar para cima
das cadeiras. Mariana ficou com a memória afetada
e sem conseguir lembrar-se dos nomes de todos os
que a supliciaram, mas recordou um deles, que lhe
bateu com uma matraca até lhe deixar o corpo todo
negro e «inchada que nem uma pipa». Novamente
presa, em julho de 1967, queimaram-lhe os olhos

99

PIDE.indd 99 04/12/23 14:52


com fósforos e submeteram-na, de novo, a treze
dias de tortura do «sono», além de ser brutalmente
espancada pela agente «Teresa de Braga», que lhe
deslocou o braço, com um murro. Ficou então sem
dormir, durante treze ou catorze dias, recebendo
muita pancada na cabeça.

100

PIDE.indd 100 04/12/23 14:52


4. A DGS, durante o
marcelismo

No marcelismo foi surpreendente a diversifica-


ção e aumento das atividades da oposição, contra
as quais a DGS teve dificuldade em responder,
embora recorrendo a uma repressão e violência
redobradas e já não tendo de lidar com a emigra-
ção, nem com, por exemplo, associações como as
Testemunhas de Jeová. No final da sua vida, a polí-
cia política teve de vigiar as eleições para as dire-
ções dos sindicatos, bem como as associações,
coletividades e cooperativas, que eram outros tan-
tos locais de luta contra a ditadura.
Os estudantes e as suas associações foram tam-
bém gradualmente tidos em conta pela PIDE/DGS,
sobretudo a partir de 1969, quando, mais politiza-
dos, se foram erguendo crescentemente contra a
ditadura e a guerra colonial. Os operários das gran-
des empresas industriais dos maiores centros urba-
nos, onde a contiguidade das empresas provocava
efeitos de contágio nas lutas laborais, foram tam-
bém alvos prioritários da DGS, que tentou fazer um
trabalho «científico» de prevenção das greves.

101

PIDE.indd 101 04/12/23 14:52


No dia a seguir ao Natal de 1968, já Salazar tinha
sido substituído na Presidência do Conselho por
Marcello Caetano, o Decreto-Lei n.º 48 794 intro-
duziu alterações na organização dos serviços da
PIDE. O seu quadro de pessoal era então composto
oficialmente por 3202 funcionários, dos quais, 1187
prestavam serviço no «continente e ilhas», 40 em
Cabo Verde, 101 na Guiné, 26 em São Tomé e Prín-
cipe, 1116 em Angola, 662 em Moçambique, 28 na
Índia, 8 em Macau e 4 em Timor.

A quarta fase da vida da PIDE/DGS:


recrudescimento das torturas

Na quarta fase da vida da polícia política, decor-


rida entre 1969 e 1974, correspondente ao período
em que Marcello Caetano foi presidente do Conse-
lho de Ministros, a PIDE passou a chamar-se Dire-
ção-Geral de Segurança (DGS), através do Decre-
to-Lei n.º 49 401 de 19 de novembro de 1969.
Os métodos de detenção arbitrária e de tortura não
sofreram alterações durante a chefia do governo
por Marcello Caetano, tendo mesmo endurecido
no segundo período, quando o regime ditatorial es-
tava a viver os seus últimos tempos.
Em 1971, os Serviços de Investigação da DGS fo-
ram transferidos, da Rua António Cardoso, para o
Reduto Sul do forte de Caxias e os interrogatórios
passaram a ser feitos a cerca de duzentos metros da
ala norte de Caxias, onde os presos estavam encar-
cerados. Os espancamentos, com matracas e cava-
los-marinhos, voltaram a ser utilizados, especial-
mente nos casos dos presos mais indefesos

102

PIDE.indd 102 04/12/23 14:52


socialmente ou contra os suspeitos da ação arma-
da, da Ação Revolucionária Armada (ARA) ou das
Brigadas Revolucionárias (BR).
Foi então que a duração da tortura do «sono»
atingiu limites indescritíveis, de mais de duas se-
manas consecutivas, infligida também aos jovens
presos das organizações marxistas-leninistas e
maoistas, então criadas. À privação do sono e à «es-
tátua», novamente utilizada, juntaram-se o funcio-
namento de altifalantes, com vozes, gritos e choros,
bem como os choques elétricos e o uso de drogas
estimulantes ou calmantes. Na sua segunda prisão,
em maio de 1973, José Lamego foi sujeito a espan-
camentos e a dois períodos de «sono», respetiva-
mente, de sete e de seis dias e noites.
Detido pela terceira vez, em finais de janeiro de
1974, foi então sujeito a dezasseis dias e noites,
ininterruptos, de tortura do «sono», aos quais se
sucederam, posteriormente, mais sete dias e, de
novo, mais três dias e noites, além de sofrer seis
dias de «estátua». Ao descrever a privação de sono,
contou que se tratava da tortura «mais sofistica-
da», pois se ficava «numa apatia geral, com perío-
dos de lucidez», e ao «fim de três dias, vinham as
alucinações visuais e auditivas».
Após 25 de Abril de 1974, o psiquiatra Afonso de
Albuquerque, ele próprio ex-preso político, anali-
sou as consequências clínicas dos interrogatórios
realizados pela PIDE/DGS, através de uma amos-
tra de cinquenta pessoas, presas entre 1966 e 1973
(«Dossier 1974, foi há 20 anos», Visão, 21/4/94;
Cambio 16, 16/9/74). Mencionou, entre as causas
das perturbações nesses ex-detidos, o isolamento e
a despersonalização (50%); a privação de sono

103

PIDE.indd 103 04/12/23 14:52


(96%); os espancamentos (46%); a «estátua»
(38%); os insultos e as chantagens (30%); as varia-
ções de temperatura (8%); os altifalantes com gra-
vações (8%); e os choques elétricos (4%).
Quanto às consequências imediatas da tortura,
contaram-se: as alucinações e o delírio (76%); as
perdas do conhecimento (15%); os edemas dos
membros inferiores (10%); e as tentativas de suicí-
dio (6%). Foram ainda observadas sequelas a mé-
dio e longo prazo: falhas de memória (16%); de-
pressão (16%); insónias (8%); psicoses
esquizofrénicas (8%); e ansiedade, cefaleias, ga-
guez e dificuldades sexuais, entre outras (30%).
Albuquerque acrescentou que, para a PIDE/
/DGS, fazer «falar» os presos não era o mais impor-
tante, mas, sim, a destruição da personalidade do
preso e a criação de um clima de terror em todo o
país através do que contavam as pessoas mais pró-
ximas do detido. O mesmo psiquiatra relatou que,
nos últimos anos do regime, os presos eram condu-
zidos à noite, para um quarto, onde havia, junto ao
teto, altifalantes, que transmitiam gravações, para
fazer crer aos detidos que as suas mulheres ou fi-
lhas também estavam presas e seriam torturadas,
bem como um poderoso aquecimento, que provo-
cava extremas mudanças de temperatura.
Todos os presos sujeitos a torturas guardaram
sequelas físicas, de ordem orgânica e psíquica,
como foi afirmado, após 25 de Abril de 1974, pelos
médicos Fragoso Mendes e Monteiro Baptista, que
visitaram muitos presos políticos. Lembraram
ainda que a PIDE/DGS demorava a dar autorização
para essas visitas, impossibilitando que os cuida-
dos necessários fossem atempadamente levados

104

PIDE.indd 104 04/12/23 14:52


aos detidos. Um dos advogados de presos políticos,
Macaísta Malheiros, afirmou que a droga começou
a ser utilizada a partir de 1969, quando os presos
«começaram a demonstrar sintomas de perturba-
ções mentais em razão da administração, por via
oral, de determinados tipos de drogas» e nove réus
sobre dez apresentaram perturbações mentais de-
pois da tortura.

Marcello Caetano e a DGS: uma


organização de Intelligence?

Marcello Caetano sempre soube, através de ele-


mentos da própria DGS, que eram aplicadas tortu-
ras aos detidos: por exemplo, o diretor da delegação
do Porto, José Manuel da Cunha, chegou a escre-
ver-lhe pessoalmente, assegurando «que as noites
de vigília são infelizmente uma triste realidade».
No entanto, pouco tempo depois, Caetano conce-
deria uma entrevista ao jornal sueco Svenska Dag-
bladet, onde diria que os interrogatórios duravam
apenas 3 a 4 horas. Contou que a DGS objetara «a
que se aplicassem certos preceitos, como o da fa-
culdade de assistência do advogado aos interroga-
tórios dos detidos», como foi sugerido em 1972,
pela Ordem dos Advogados portuguesa.
Caetano aceitou as objeções da DGS e a presen-
ça do defensor permaneceu «facultativa». Também
no exílio, o ex-chefe do governo reconheceria que
havia, na «metrópole», um mau ambiente em redor
da polícia política, mas diria ter ele próprio ordena-
do «a remodelação do serviço de investigação» da
DGS. Referia-se ao facto de, em 1969, o inspetor

105

PIDE.indd 105 04/12/23 14:52


superior José Barreto Sacchetti ter sido substituí-
do, na Direção de Serviços de Investigação, por
José Manuel da Cunha Passo.
Quanto aos Serviços de Informação, após ser
preso, na sequência de 25 de Abril de 1974, o ex-di-
retor da DGS, Silva Pais, disse ter-se manifestado
contra o facto de a LP e todas as polícias — PSP,
GNR e GF — terem os seus serviços de informação
para fins políticos e competirem entre si, quando
só à PIDE/DGS cabia a recolha de informações. Sil-
va Pais diria também ter sido ele, nos anos 70 do
século xx, a ter tentado «reforçar a informação» e a
sugerir, ao ministro do Interior, que a instrução
dos processos passasse para a PJ.
A ideia de que a DGS ficasse apenas responsável
pelo sistema de Intelligence, reforçando-o, ter-lhe-
-á sido veiculada por Álvaro Pereira de Carvalho,
diretor dos Serviços de Informação. Este propôs a
transformação da DGS num serviço exclusivamen-
te de Intelligence, à semelhança da CIA e dos servi-
ços secretos franceses, remetendo ao mesmo tem-
po «os interrogatórios e a instrução dos processos
políticos» para a PJ, o que retiraria à DGS a má ima-
gem de polícia violenta e torturadora. No entanto,
o ministro do Interior Gonçalves Rapazote não for-
neceu as verbas para essa mudança, considerada
demasiado dispendiosa.

A reorganização da DGS, em 1972

Em 30 de setembro de 1972, o Decreto-Lei


n.º 368/72 reorganizou a DGS, cujo quadro de pes-
soal tinha então 3638 lugares, na sua maioria

106

PIDE.indd 106 04/12/23 14:52


colocados no Ultramar. No último período da sua
vida, a DGS era chefiada por Fernando da Silva Pais
e por Agostinho Barbieri Cardoso, que tomou pos-
se do cargo de subdiretor geral, em 8 de novembro
de 1972. Ainda neste ano, o tempo de prisão pre-
ventiva começou a contar por inteiro nas penas de
prisão sentenciadas pelo tribunal plenário e as me-
didas de segurança foram extintas, mas apenas na
«metrópole».
A ordenação da prisão preventiva continuava a
ser da competência do pessoal superior da DGS, ao
qual continuaram a ser atribuídas funções de juiz e
de Ministério Público. Essa polícia manteve a ins-
trução preparatória dos processos da sua compe-
tência, podendo a assistência do advogado aos in-
terrogatórios ser interdita quando houvesse
«inconveniente para a investigação ou a natureza
do crime o justificasse». Nesta polícia, as funções
que a lei atribuía ao juiz continuaram a ser desem-
penhadas pelo diretor-geral, pelos inspetores su-
periores, diretores de serviço e inspetores-adjun-
tos. No entanto, como assinalou então o deputado
da Ala Liberal da Ação Nacional Popular (ANP),
Francisco Sá Carneiro, as «polícias não são
tribunais».
O diploma de 1972 consagrou uma velha reivin-
dicação da diretoria da PIDE, desde o tempo de Ho-
mero de Matos, pois passou a «ser dispensada, me-
diante autorização ministerial, a publicação no
Diário do Governo e nos boletins oficiais dos despa-
chos relativos à nomeação e ao provimento do pes-
soal da DGS, sem prejuízo de produzirem todos os
seus efeitos». Outra novidade foi a abolição das me-
didas de segurança de internamento para os

107

PIDE.indd 107 04/12/23 14:52


«delinquentes políticos», mas apenas na chamada
«metrópole». Essas medidas continuaram em vi-
gor nas colónias.
Em 1973, a DGS procedeu, em Portugal, a 561
detenções políticas, registando-se dessa forma um
aumento de detenções no final do regime, porque,
no estertor, a repressão endureceu, como reação ao
aumento de número e diversidade de adversários
políticos da ditadura. Nesse período, a DGS já não
tinha de lidar apenas com o PCP mas com inúme-
ras outras organizações de luta armada e de es-
querda radical. Por outro lado, a oposição à guerra
alastrou-se, passando a incluir indivíduos dos mais
diversos sectores sociais, incluindo católicos e
estudantes.
No final da sua vida, além do diretor e do subdi-
retor, Fernando da Silva Pais e Agostinho Barbieri
Cardoso, a DGS incluía os inspetores superiores
Rogério Coelho Dias e Aníbal de São José Lopes,
que coordenavam, respetivamente, a atividade na
«metrópole» e ilhas, o primeiro, e o Ultramar, o se-
gundo. A DGS estava organizada em Direções de
Serviços, as principais das quais eram respetiva-
mente a DSI (1.ª, de Informação), dirigida pelo ins-
petor superior Álvaro Pereira de Carvalho, e a DSIC
(2.ª, de Investigação e Contencioso), chefiada por
José Manuel da Cunha Passo. Havia ainda a 3.ª Di-
reção de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras
(DSEF), dirigida por António José Rodrigues, e a
4.ª Direção de Serviços Administrativos (DAS),
chefiada por José Maria Leitão Bernardino.

108

PIDE.indd 108 04/12/23 14:52


5. O fim da DGS

Em 25 de abril de 1974, ocorreu em Portugal um


golpe de Estado militar do chamado Movimento
das Forças Armadas (MFA), que derrubou o regime
ditatorial e colonial, cuja Direção-Geral de Segu-
rança (DGS) foi a última a render-se, como se viu.
A partir da meia-noite de 26 para 27 de abril, foram
libertados 128 presos políticos das prisões de
Caxias e, depois, de Peniche, fortes cuja tomada
também não constituíra alvo prioritário. Tal situa-
ção teve consequências para a própria extinção
dessa polícia, que só estava contemplada na então
chamada «metrópole» — e não nas colónias — no
Programa do MFA. Lembre-se que o general Fran-
cisco Costa Gomes insistira para que, no respetivo
texto, ainda em elaboração, antes de 25 de Abril de
1974, constasse que a DGS não seria extinta nas
colónias, enquanto a guerra durasse. Deveria ser
remodelada e transformada em Serviço de Infor-
mações Militares (SIM).
Consequências houve também na representação
da ditadura deposta, na qual os elementos desse
aparelho repressivo, particularmente odiado pela

109

PIDE.indd 109 04/12/23 14:52


oposição ao antigo regime, foram centrais. No dia 26
de abril de 1974, haviam-se entretanto rendido às
forças militares os elementos das delegações da
DGS de Santarém, Évora, Beja, Faro e Coimbra, na
qual foram detidos, já no dia 27, 40 agentes. Em Pon-
ta Delgada, as sedes da DGS e da Legião Portuguesa
foram tomadas, pelo meio-dia de 26 de abril, por
dois oficiais do MFA, que para ali haviam sido trans-
feridos, Ernesto Melo Antunes e Vasco Lourenço.
Ainda nesse dia, a delegação da DGS do Porto,
na Rua do Heroísmo, foi cercada pela multidão e
foram libertados 9 presos, enquanto os elementos
da DGS se rendiam. Levados em viaturas militares
para fora da cidade, sob o comando do atual general
Passos Esmoriz, acabaram por ser libertados, na
estrada entre Famalicão e Braga. Contou-se entre
eles o inspetor António Rosa Casaco, que, após
atravessar a fronteira para Espanha e chegar a Ma-
drid, se dirigiu à sede da Seguridad, onde foi pron-
tamente acolhido e auxiliado pelo velho e fiel ami-
go Vicente Reguengo.
Na madrugada de dia 27 de abril, perante a
pressão da multidão que cercava a Delegação em
Coimbra da DGS, o QG/RMC viu-se na emergência
de destacar uma força militar a fim de salvaguardar
os respetivos agentes da ira popular. Curiosamen-
te, as forças militares ocupantes dessa delegação
receberam um telefonema surpreendente do
«novo “Diretor-Geral de Segurança”», nomeado
por Spínola, inspetor superior Rogério Coelho
Dias. Este nomeou o inspetor Ferreira da Silva,
para dirigir a delegação de Coimbra, e o facto de ter
começado «abruptamente a dar ordens a toda a
gente como se já fosse o dono de tudo», na sede da

PIDE.indd 110 04/12/23 14:52


DGS, em Lisboa, provocou mal-estar entre os ele-
mentos dessa polícia que ainda ali se encontravam,
na noite de 25 de abril.

O destino do diretor e de outros diretores


de Serviços da DGS

O major Fernando da Silva Pais manteve-se no


seu gabinete durante todo o dia 26 de abril, até o
general António de Spínola lhe ordenar, já de noite,
que regressasse a sua casa. Segundo diria mais tar-
de, optou «por não aproveitar a oportunidade de
fuga que lhe [foi] proporcionada pelo presidente da
Junta» e acabou por ser preso pela Polícia Militar,
em 27 de abril. Conforme outra versão, apenas terá
sido capturado em sua casa, em 4 de maio. Por seu
lado, José Barreto Sacchetti, ex-diretor dos Servi-
ços de Investigação, até 1969, foi preso em 29 de
abril de 1974, ao tentar escapar do país, através da
fronteira luso-espanhola de Valença.
O ex-diretor dos serviços de Informação da
DGS, Álvaro Pereira de Carvalho, ficou provisoria-
mente em liberdade, ajudando os oficiais da Mari-
nha que ocupavam a sede dessa polícia a lidar com
os arquivos da ex-polícia política. Por outro lado, o
general Costa Gomes ter-lhe-á pedido que montas-
se um sistema de continuidade de alguns serviços,
nomeadamente o de fronteiras, que aquele aceitou
levar a cabo. Rogério Coelho Dias, depois levado
para sua casa, sob custódia militar, com «uma cre-
dencial assinada por Spínola e com selo branco a
nomeá-lo novo diretor-geral de Segurança», acaba-
ria por fugir do país.

111

PIDE.indd 111 04/12/23 14:52


Foi ajudado pelo general Spínola, que incumbiu
o capitão spinolista António Ramos de conduzir
Coelho Dias à fronteira espanhola, de onde partiu,
inicialmente para Moçambique, e depois para An-
gola, mas o seu destino final seria o exílio no Brasil.
Spínola viria a testemunhar a favor de Rogério
Coelho Dias, no seu julgamento no Tribunal Mili-
tar de Elvas, e ele acabaria por ser absolvido, sen-
do-lhe pagos posteriormente todos os seus venci-
mentos em atraso. O então general Costa Gomes
também ajudou a fugir o inspetor superior Aníbal
de São José Lopes, subdiretor da DGS para Angola
e Moçambique.
Juntamente com o diretor da delegação da DGS
em Lourenço Marques, inspetor-adjunto Pereira
de Castro, o inspetor superior São José Lopes en-
contrava-se em Lisboa, em 25 de abril de 1974, para
participar numa das reuniões das polícias dos paí-
ses brancos da África Austral, Portugal, a República
da África do Sul (RAS) e Rodésia, no âmbito do
Exercício Alcora. Poucos dias depois, o major San-
ches Osório recebeu um telefonema do general
Costa Gomes pedindo-lhe para ir à messe dos ofi-
ciais de Pedrouços, onde se encontrava São José
Lopes, para o conduzir ao aeroporto, de onde este
partiu para Luanda, onde chegou em 1 de maio de
1974.
No dia seguinte, já «coordenava uma reunião na
capital de Angola com vários quadros superiores da
DGS», mas foi internado no L. C. M. Hospital de
Pretória, vindo a falecer. Por seu lado, o general
Spínola ajudou também a fugir o inspetor António
Fragoso Allas, colocado na delegação da Guiné e
depois transferido para Moçambique, em 23 de

112

PIDE.indd 112 04/12/23 14:52


março de 1974, sem conseguir tomar posse, porque
Pereira de Castro, chefe da DGS em Lourenço Mar-
ques, se encontrava em Lisboa, para participar no
Exercício Alcora. Ao sentir-se fisicamente muito
mal, Allas foi internado no hospital de Lourenço
Marques, para ser operado de urgência de uma
apendicite, saindo do hospital, já após 25 de Abril
de 1974.
Após se apresentar em Luanda, para integrar o
Serviço de Informações Militares (SIM) no qual se
deveria transformar, nas colónias em guerra, en-
quanto esta durasse, a DGS, remodelada, Allas re-
cebeu, em 6 de julho de 1974, guia de marcha para
Lisboa. Ao chegar, no primeiro dia de agosto, deslo-
cou-se ao Palácio de Belém, para se encontrar com
António de Spínola, que lhe disse: «Vai para casa e
não te deixes prender porque eu já não posso fazer
nada por ti». Fragoso Allas foi aconselhado a fugir,
em 28 de setembro, dia da «manifestação silencio-
sa». Partiu para Madrid e Salisbúria/Rodésia, ins-
talando-se finalmente em Joanesburgo. Julgado à
revelia, no 3.° TMT de Lisboa, foi condenado, em 15
de abril de 1982, na pena de dois meses e quinze
dias de prisão, depois declarada perdoada.
Para além destas figuras importantes da DGS,
próximas de Spínola e de Francisco Costa Gomes,
muitos elementos dessa polícia entregaram-se aos
militares, com medo de que ex-presos políticos ou
outros elementos da população fizessem justiça
pelas suas próprias mãos. Foi o caso de Adelino Ti-
noco, torturador de muitos presos políticos, preso
no forte de Caxias e interrogado por um ex-preso
político que ele próprio havia «interrogado» anos
antes. No dia 27 de abril de 1974, a imprensa

113

PIDE.indd 113 04/12/23 14:52


portuguesa dera conta de que 170 elementos da
DGS tinham dado entrada nas celas de Caxias e que
a JSN exortava os elementos dessa polícia a monte
a renderem-se, até um determinado período, caso
contrário, seriam colocados as suas fotografias e os
seus nomes nos órgãos de informação.
Ao assinalar que quase todos os elementos da
DGS se apresentaram aos militares, «com receio
de que a população os linchasse», Otelo Saraiva de
Carvalho salientou que, de fora, permaneceram
«nove elementos, muitos dos quais, no 25 de Abril,
se encontravam no estrangeiro». Dois destes,
Agostinho Barbieri Cardoso e José da Cunha Pas-
so, estavam em Paris e Bruxelas, este último numa
reunião da NATO, em Bruxelas. No seio da DGS,
era Barbieri Cardoso quem mantinha contactos
mais estreitos com as agências secretas estrangei-
ras, nomeadamente com Espanha, Itália e França,
além de superintender as operações em África. Es-
tava aliás em Paris, para ultimar pormenores da
Opération Saphir, na Guiné-Conacri, onde foi in-
formado do 25 de Abril, no gabinete do chefe dos
serviços secretos franceses, conde de Marenches.
Exilado, com o apoio deste, em França, Barbieri
Cardoso instalar-se-ia depois em Espanha, onde
viria a fundar o Exército de Libertação Nacional
(ELP), organização terrorista de extrema-direita
que promoveria ataques em Portugal e estaria en-
volvida nos acontecimentos de 11 de Março de 1975.
Agostinho Barbieri Cardoso regressaria a Portugal,
nos anos 80, sem nunca ter sido preso, nem levado
a tribunal. Quanto ao ex-diretor dos serviços de In-
vestigação da DGS, José Manuel da Cunha Passo,
foi informado do golpe de Estado, na capital belga,

114

PIDE.indd 114 04/12/23 14:52


por um elemento do FBI. Exilado em Paris, e de-
pois em Espanha, nunca viria a ser preso e regres-
saria a Portugal, sem nunca comparecer a tribunal,
que o condenou apenas a três meses de prisão, pena
que nem cumpriu.

O que aconteceu nas colónias ainda em


guerra?

Nas colónias africanas em guerra, para onde co-


meçou a ser difícil enviar «mais um único soldado»,
devido à opinião pública que prontamente tomou
as ruas, começaram também libertações dos presos
políticos dos movimentos de libertação de Angola,
Moçambique, Guiné e Cabo Verde. A JSN e Spíno-
la, contra a sua própria lógica de não quererem a
independência das colónias, mandaram libertar
1200 presos políticos da colónia penal de São Nico-
lau, em Angola, 19, na Guiné, bem como 974, em
Moçambique. Foi assim que a Portaria n.º 331/74,
de 6 de maio de 1974, estendeu às colónias o decre-
to-lei impondo a libertação imediata e incondicio-
nal dos presos políticos.
Havia então 4249 presos políticos nas colónias,
dos quais 2200 em Moçambique e 1921 em Angola,
além de 50 angolanos presos do Tarrafal, 62 gui-
neenses na ilha das Galinhas e 26 cabo-verdianos,
14 dos quais detidos no Tarrafal e 12 em Angola. Na
semana subsequente a 25 de Abril de 1974, foram
libertados 85 presos políticos das cadeias de Luan-
da, enquanto prisioneiros do campo de São Nicolau
e de Ponta Albina, na foz do rio Cunene, foram sol-
tos a 3 de maio. Três dias depois, foram libertados

115

PIDE.indd 115 04/12/23 14:52


1200 africanos, presos sem culpa formada pela
DGS, em São Nicolau, bem como 2800 dos seus fa-
miliares, mulheres e filhos, que ali os acompanha-
vam. Em 12 de maio, foram libertados mais 306 de-
tidos de São Nicolau, e cinco dias depois, saíram os
últimos 330 presos.
Por outro lado, um Protocolo do MFA, depois
caído no esquecimento, previa o controlo, pelas
Forças Armadas, das unidades da DGS, dos Fle-
chas e das prisões outrora dirigidas por essa polí-
cia, além da detenção e julgamento dos agentes
dessa polícia, considerados culpados de crimes.
Lembre-se ainda que o Decreto-Lei n.º 171/74 de-
terminara a transformação da DGS, remodelada e
esvaziada dos seus elementos culpados de crimes,
na Polícia de Informações Militares (PIM) em
Moçambique, na Guiné e em Angola. Foi esta a
única colónia onde isso aconteceu, embora
brevemente.
Por isso, foram raras as prisões de elementos da
DGS, embora algumas dezenas se tivessem entre-
gado às autoridades militares portuguesas. Outros
agentes e informadores mais conhecidos, bem
como o diretor do campo de São Nicolau, Barradas
de Lima, detido em 4 de maio, fugiram, na maioria
deles para a África do Sul. Quanto ao chefe da dele-
gação de Angola, São José Lopes, como se viu, en-
contrava-se em Lisboa, em 25 de Abril, mas regres-
saria depois a Luanda.
Relativamente ao «saneamento» da DGS em
Angola, o novo responsável da PIM, nessa colónia,
tenente-coronel Passos Ramos, afirmou que cerca
de 200 elementos mais novos foram integrados e
espalhados por Angola, continuando a controlar as

116

PIDE.indd 116 04/12/23 14:52


Tropas Especiais. Por ordem de Lisboa, viriam a
ser demitidos ou contratados como tarefeiros téc-
nicos para apoiar a PIM.
Quanto aos mais velhos, conhecidos por come-
timento de crimes, foram aconselhados a pedir a
aposentação e foi-lhes concedida passagem aérea
para deixar Angola, mas, ao chegarem a Lisboa, vi-
riam a ser presos. Em 3 de junho de 1974, fugiram
de Angola, para a República da África do Sul, sete
membros da extinta DGS, que já prestavam serviço
na PIM. Em liberdade foram colocados 148 ex-
-agentes, mantidos sob controlo militar e em regi-
me de residência fixa, pela Comissão de Saneamen-
to da DGS em Angola.
Em Moçambique, um dos problemas, desde ja-
neiro de 1974, foram as manifestações da popula-
ção branca das cidades, nomeadamente em Vila
Pery e na Beira, que reclamavam uma maior prote-
ção militar e o fornecimento de armas. Ao chega-
rem as notícias do golpe de Estado militar em Lis-
boa, o governador-geral e o comandante-chefe
declararam adesão ao Programa do MFA, após a
proclamação da JSN. No dia 27 de abril, ocorreu
uma primeira reunião dos elementos do MFA, em
Nampula, onde foram discutidas a extinção da DGS
e a libertação dos presos políticos.
Entre 1 e 21 de maio, foram libertados 554 pri-
sioneiros do campo da Machava, seguindo-se as li-
bertações das cadeias de Ponta Mahone e, em 7 de
maio, dos detidos políticos na Beira. Dez dias de-
pois, foram soltos mais 420 detidos de Machava e,
em 18 de maio, saíram os primeiros prisioneiros
políticos da ilha de Ibo. Três dias depois, foram sol-
tos os restantes, que incluíam 600 guerrilheiros, e

117

PIDE.indd 117 04/12/23 14:52


em 1 de setembro, foram libertados os últimos pre-
sos da FRELIMO, de um total de 2200.
Quanto à detenção dos elementos da polícia po-
lítica, começou por ser inicialmente exigida pela
população europeia, através de um manifesto dos
Democratas de Moçambique, publicado em 7 de
maio de 1974. No dia 23 desse mês, passou pela Bei-
ra o major Hugo dos Santos, do MFA, que escreveu
um memorando sobre os problemas no distrito de
Vila Pery, referindo que a DGS continuava a contar
com a simpatia da população branca. No entanto,
era odiada pela população africana, razão pela qual
essa polícia política não deveria ser transformada
em PIM, nessa colónia. Ao ex-inspetor da DGS, Al-
ves Cardoso, ex-capitão miliciano dos comandos,
foi atribuída a missão de superintender a integra-
ção dos Flechas nas Forças Armadas.
Muitos deles «fugiram» para a Rodésia, en-
quanto outros passaram para a tutela dos Coman-
dos Chefes das Províncias Ultramarinas. No final
de maio, apenas tinham sido presos nessa colónia
cerca de cem elementos da DGS, mas, em 8 de ju-
nho, foi desencadeada a Operação Zebra, na qual
foram detidos 529 elementos, relativamente aos
quais a população moçambicana foi convocada a
apresentar queixas. Foram depois devolvidos à li-
berdade aqueles sobre os quais não recaíram acu-
sações, alguns dos quais foram transferidos para
Angola, para integrarem o SIM.
Na semana de 24 para 30 de junho, foram liber-
tados mais de 200 elementos da DGS, em Lourenço
Marques, incluindo o diretor-geral, Pereira de Cas-
tro, bem como elementos dessa polícia em Tete.
Três meses depois, registar-se-ia uma fuga em

118

PIDE.indd 118 04/12/23 14:52


massa dos elementos da DGS, ainda presos no
Campo da Machava, assaltado por colonos, no con-
texto de levantamento branco contra os acordos de
Lusaca. Em 7 de setembro, registar-se-iam graves
tumultos raciais na capital moçambicana e, na se-
quência desses acontecimentos, foi ordenado o re-
gresso a Portugal dos militares e ex-agentes da
DGS envolvidos em massacres durante a guerra
colonial. Acabaria, porém, por ser muito reduzido
o número dos remetidos para Lisboa e, em Moçam-
bique, não foi concretizada a transformação da
DGS em SIM.
Na Guiné, onde 33 combatentes independen-
tistas do PAIGC permaneceram detidos, até 14 de
setembro, para serem então trocados por militares
portugueses, presos por esse movimento de liber-
tação, as manifestações de exigência da extinção da
DGS e de libertação dos prisioneiros políticos co-
meçaram em 27 de abril. Cerca de 50 elementos da
DGS foram detidos em Bissau, para serem protegi-
dos da ira popular, até à sua evacuação para Lisboa,
em 29 de abril.
Por seu lado, foram libertados 19 presos políti-
cos em Bissau, e, em 3 de maio, 25 prisioneiros, na
ilha das Galinhas. Na cidade da Praia, na ilha de
Santiago, arquipélago de Cabo Verde, onde o repre-
sentante do MFA era o primeiro-tenente José Ma-
nuel Miguel Judas, houve manifestações espontâ-
neas contra a DGS, em 28 ou 29 de abril. Depois,
militantes e simpatizantes do PAIGC dirigiram-se
ao campo de concentração do Tarrafal, onde os
presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos es-
tavam presos.

119

PIDE.indd 119 04/12/23 14:52


Criação da comissão de extinção
da PIDE/DGS

Em Lisboa, foi criado pelo MFA, em 24 de junho


de 1974, o Serviço de Coordenação da Extinção
(SCE) da PIDE/DGS e LP, à guarda do qual ficaram
os arquivos dessa ex-polícia. Tutelada pela JSN,
através do almirante Rosa Coutinho, primeiro, e do
general Galvão de Melo, depois, tinha como objeti-
vo a extinção da polícia política e a instrução dos
processos-crime de inculpação dos seus membros.
Em 26 de junho, o Decreto-Lei n.º 284/74 determi-
nou, por seu turno, a criação de uma Comissão Ad-
ministrativa de Liquidação da PIDE/DGS da orga-
nização policial dissolvida.
As funções da DGS, que também era uma polícia
de Informação, Internacional e de Fronteiras, fo-
ram transferidas para a Guarda Fiscal, enquanto o
Gabinete Nacional da Interpol, ao longo dos anos a
cargo da polícia política, foi atribuído à Polícia Ju-
diciária. O controlo de estrangeiros e a emissão de
passaportes passaram para a Polícia de Segurança
Pública (PSP), dando lugar, mais tarde, à constitui-
ção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Quanto às informações estratégicas, até então con-
centradas nas mãos da polícia política — e em parte
no âmbito da Defesa Nacional —, o Estado portu-
guês ficou, durante algum tempo, esvaziado da sua
prestação.
O primeiro responsável executivo do SCE da
PIDE/DGS e Legião Portuguesa (LP) foi o coman-
dante Guilherme Conceição e Silva, segundo o qual
a antiga polícia política tivera 2162 funcionários e
20 000 informadores, entre os quais estavam

120

PIDE.indd 120 04/12/23 14:52


detidos 927 dos primeiros e 44 dos segundos. Na
chamada «metrópole», a opinião pública, particu-
larmente a mais diretamente atingida pela repres-
são no Estado Novo, revelou-se favorável a que os
elementos da PIDE/DGS fossem criminalizados e
levados a julgamento. Foi em particular os casos de
torturadores e dos responsáveis pelos assassinatos
de José Dias Coelho, bem como de Humberto Del-
gado e da sua companheira, Arajaryr Campos.
Após o 28 de Setembro, a designação de um
novo membro da JSN para tutelar o SCE da PIDE/
/DGS e LP, em substituição de Galvão de Melo, re-
caiu no almirante Silvano Ribeiro. No final de 1974,
esse SCE informou estarem então presos 1261 ex-
-elementos da DGS e que já estavam a ser instruí-
dos os processos de 1050, enquanto os funcionários
administrativos, motoristas e radiotelegrafistas da
DGS se encontravam quase todos em liberdade,
com a exceção de alguns com maiores responsabili-
dades no campo financeiro.

A Lei n.º 8/75, de criminalização


dos elementos da PIDE/DGS

Após os acontecimentos de 11 de Março de 1975,


a Comissão de Extinção da PIDE/DGS passou a ser
tutelada pelo primeiro-tenente Miguel Judas, em
nome do recém-criado Conselho da Revolução
(CR), enquanto o major Nápoles Guerra ficou com
a responsabilidade executiva dos serviços. Para a
instrução dos processos de mais de um milhar e
meio de presos da PIDE/DGS, Miguel Judas for-
mou uma comissão de juristas, em Lisboa e

121

PIDE.indd 121 04/12/23 14:52


Coimbra, da qual resultaria a Lei n.° 8/75, de 25 de
julho. Esta previa as penas a que estariam sujeitos
os elementos da ex-PIDE/DGS, a ser julgados em
tribunal militar.
Foram recusadas tanto a imprescritibilidade do
procedimento criminal, como a suspensão das pe-
nas ou a sua substituição por multa. No entanto, os
arguidos poderiam aguardar «em regime de liber-
dade provisória» os respetivos julgamentos. Na se-
quência da promulgação da Lei n.º 8/75, de 25 de
julho, houve em Lisboa um crescimento apreciável
do número de processos em fase instrutória, que já
totalizavam os 2582 processos distribuídos, em 4
de outubro de 1975. Presos estavam ainda 1559 in-
divíduos da ex-polícia política e 184 informadores.

O 25 de Novembro de 1975 e a aprovação da


Constituição de 1976

Com os acontecimentos de 25 de Novembro de


1975, terminou o chamado Processo Revolucioná-
rio em Curso (PREC), e esse fim teve consequên-
cias também no processo de justiça política relati-
va aos elementos PIDE/DGS. No dia 5 de dezembro,
o Decreto-Lei n.º 676/75 determinou que o Serviço
de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e Le-
gião Portuguesa passasse a depender, para efeitos
administrativos, dos Serviços de Apoio do Conse-
lho da Revolução (SACR), a partir de 1 de janeiro de
1976.
Em dezembro de 1975, foi nomeado o capitão
Rodrigo de Sousa e Castro, para superintender,
pelo Conselho da Revolução, a Comissão de

122

PIDE.indd 122 04/12/23 14:52


Extinção da PIDE/DGS, para presidente executivo
da qual o CR nomeou o general Manuel Ribeiro de
Faria. Quanto à Lei n.º 8/75, incriminatória dos
elementos da PIDE/DGS, foi alterada, após o 25 de
Novembro, pelas leis n.os 16/75 e 18/75, possibili-
tando a sua libertação, enquanto aguardavam jul-
gamento. O certo é que, nos últimos dois dias de
1975, foram libertados condicionalmente 102 indi-
víduos ligados a essa polícia.
Depois, a Constituição, promulgada em 2 de
abril de 1976, no art.º 309, sobre «Incriminação e
julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/
/DGS», manteve em vigor a Lei n.º 8/75, de 25 de
julho, com as alterações introduzidas pela Lei
n.º 16/75, de 23 de dezembro, e pela Lei n.º 18/75,
de 26 de dezembro. Ficaram assim regulamenta-
das, quer a atenuação extraordinária e a possibili-
dade de o juiz poder substituir as penas de prisão
por outras mais leves, ou apenas condenar à sus-
pensão de direitos políticos. Era o que acontecia se
tivessem mais de 70 anos à data do julgamento ou
houvessem prestado serviço no Ultramar, às or-
dens das Forças Armadas, após 25 de Abril de 1974.
Dessa forma, as comissões militares levadas a cabo
nas colónias africanas contaram como atenuantes,
em 56,6% dos casos dos elementos da PIDE/DGS
julgados.

Houve um processo de justiça de transição


em Portugal? O caso da PIDE/DGS

Segundo números apresentados pelo SCE da


PIDE/DGS, em início de 1980, dos 3244 elementos

123

PIDE.indd 123 04/12/23 14:52


da PIDE/DGS presos, 2731 (84,2%) já estavam em
liberdade definitiva após terem sido sujeitos a pro-
cesso criminal, enquanto 513 aguardavam julga-
mento, em liberdade. Dois anos depois, estavam
em liberdade definitiva 3773 (98%), em liberdade
provisória 76, havendo ainda 2921 (75%) já sem
qualquer mandado de captura. Haviam sido ins-
truídos 6215 processos, dos quais 1089 tinham ido
a tribunal e os restantes 69%, relativos a pessoal
menor, haviam sido arquivados.
A grande maioria dos elementos julgados so-
freu penas que não excederam o meio ano de pri-
são, assim acontecendo a 70,7% do pessoal dirigen-
te, a 71,5% do pessoal técnico superior (até chefe de
brigada) e a 78,8% do pessoal técnico inferior
(agentes e motoristas). Com penas superiores a
dois anos, foram condenados 5,5% de membros do
pessoal técnico superior. Apenas 5,2% dos infor-
madores foram condenados, mas a penas já cum-
pridas com a prisão preventiva sofrida, ou a perda
de direitos políticos.

Sentenças pronunciadas nos TMT


até fevereiro de 1986

Sentença Número Percentagem


TOTAL 2755 100

Absolvidos 175 6

Suspensão de direitos 107 4


políticos

124

PIDE.indd 124 04/12/23 14:52


Sentença Número Percentagem
Até 1 mês 1014 37
De 1 a 6 meses 847 31
De 6 meses a 1 ano 172 6
De 1 a 2 anos 397 14
Desde 2 anos 43 2
Pessoal dirigente 42 100
da DGS

Absolvidos 1 1
Suspensão de direitos 3 8
políticos
Até 1 mês 11 27
De 1 a 6 meses 15 36
De 6 meses a 1 ano 3 8
De 1 a 2 anos 8 19
Desde 2 anos 1 1
Inspetores, 274 100
subinspetores e chefes
de brigada

Absolvidos 0 0
Suspensão de direitos 14 5
políticos
Até 1 mês 64 23
De 1 a 6 meses 117 43

125

PIDE.indd 125 04/12/23 14:52


Sentença Número Percentagem
De 6 meses a 1 ano 34 12
De 1 a 2 anos 30 11
Desde 2 anos 15 6
Agentes de 1.ª e 2.ª classe, 2033 100
motoristas e estagiários
Absolvidos 10 1
Suspensão de direitos 66 3
políticos
Até 1 mês 919 45
De 1 a 6 meses 614 30
De 6 meses a 1 ano 100 5
De 1 a 2 anos 315 15
Desde 2 anos 9 1
Colaboradores 406 100
(informadores)
Absolvidos 164 40
Suspensão de direitos 24 6
políticos
Até 1 mês 20 5
De 1 a 6 meses 101 25
De 6 meses a 1 ano 35 9
De 1 a 2 anos 44 11
Desde 2 anos 18 4

126

PIDE.indd 126 04/12/23 14:52


Em suma, a maior parte dos elementos da ex-
-PIDE/DGS julgados foram condenados a penas
equivalentes ao tempo de prisão preventiva já
cumprida, além de lhes terem sido consideradas
atenuantes e atribuídos perdões que permitiram a
sua libertação definitiva imediata, no dia do julga-
mento. Apenas alguns elementos da PIDE/DGS
mais conhecidos como torcionários e os envolvidos
em crimes de sangue foram sentenciados a penas
de prisão maior. Em 1986, a larguíssima maioria
dos elementos da PIDE/DGS haviam sido julgados
e reintegrados em diversos serviços públicos ou ti-
nham passado à situação de pensionistas.
O exemplo português, onde só houve um limita-
do processo de «justiça retributiva» e um tardio
processo de «justiça restauradora», foi pratica-
mente esquecido. Hoje existe a crença, em Portu-
gal, de que ninguém — em particular os elementos
da polícia política — respondeu pela sua ação du-
rante a ditadura. Tal não corresponde inteiramen-
te à realidade, mas, como se viu, a partir dos finais
de 1975, o processo de justiça política, radicalizado
até então, foi limitado tanto pelos governantes ci-
vis, como pelos militares que passaram a fazer en-
tão parte do Conselho da Revolução, após 25 de
Novembro desse ano.
Lembre-se que grande parte dos militares do
MFA, que realizaram o golpe de Estado em 25 de
Abril de 1974, já tinham estado nas colónias africa-
nas em diversas comissões de serviço e haviam-se
habituado a atuar com o apoio informativo da
PIDE/DGS. Por outro lado, sobretudo os generais
Francisco Costa Gomes e António de Spínola, aos
quais o movimento que derrubou o regime

127

PIDE.indd 127 04/12/23 14:52


ditatorial recorreu para obter legitimidade hierár-
quica, não quiseram realmente extinguir a polícia
política e o primeiro conseguiu impor a sua conti-
nuação nas colónias, transformada em (SIM), en-
quanto se mantivesse a guerra.
No processo revolucionário que se seguiu ao
golpe militar, a antiga polícia política foi conside-
rada como o paradigma violento do regime ditato-
rial derrubado. Devido à forma como caiu a ditadu-
ra, através de uma rutura em relação ao regime
anterior, houve de imediato, sobretudo da parte
das oposições ao antigo regime, uma forte mobili-
zação contra o regime ditatorial derrubado e uma
tentativa breve de ajustar contas, em particular
com a PIDE/DGS.
O facto de as quase únicas quatro mortes —
houve um elemento menor da DGS morto pelos
militares — terem sido da autoria da DGS, que de-
morou mais de 24 horas a render-se, também con-
tou muito para a necessidade de extinção da odiada
polícia política na «metrópole» e nas ilhas atlânti-
cas. Depois, devido a um ano e meio de crise revolu-
cionária — o chamado PREC — e de clivagens polí-
ticas agudizadas, esse «ajuste de contas» e a
accountability política foram sendo abandonados,
em nome também da construção da democracia e
da gestão de um presente de promessas.

128

PIDE.indd 128 04/12/23 14:52


Notas finais: para que serviu
a polícia política em Portugal?

A PVDE/PIDE/DGS ajudou o regime a man-


ter-se, assim como outros dos seus grandes pila-
res, a Igreja Católica e sobretudo as Forças
Armadas, que asseguraram a continuidade do
regime, em 1958, durante o «terramoto delga-
dista» e em todo o período da guerra colonial.
O regime ditatorial perdurou, porque conseguiu
uma «organização do consenso», através de apa-
relhos de desmobilização cívica e de inculcação
ideológica, bem como diversos instrumentos e
instituições. Entre estes, contaram-se, por exem-
plo, o aparelho corporativo, a Federação Nacional
da Alegria no Trabalho (FNAT) e as organizações
de enquadramento de estratos da população — a
Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN),
a Mocidade Portuguesa (MP) e a Mocidade Portu-
guesa Feminina (MPF).
Também, como em qualquer ditadura, em Por-
tugal, se as pessoas não atuassem politicamente
nem socialmente contra o regime, eram deixadas a
«viver habitualmente». Qualquer regime ditato-

129

PIDE.indd 129 04/12/23 14:52


rial, incluindo o português, entre 1932 e 1974, seja
ele classificado de autoritário ou de totalitário, não
usa apenas a repressão, a qual é sobretudo dirigida
contra a minoria de opositores e resistentes. Ne-
cessita de apoio de grande parte da população e,
por isso, não deixa de tentar cativá-la, através de
benesses concedidas e de privilégios, a par de cria-
ção de inimigos, utilizando as invejas e os interes-
ses próprios dos beneficiados.
A história da ditadura e da repressão, bem como
da sua polícia política, é assim também a história
das formas de sedução e cooptação de parte da po-
pulação, bem como das cumplicidades e dos modos
utilizados pelos governados para se adaptarem às
regras desses regimes e até deles beneficiarem. As-
sim como nem todos os portugueses se ergueram
contra a ditadura, nem todos foram vítimas da polí-
cia política e alguns colaboraram com esta.
Por outro lado, a ditadura de António de Olivei-
ra Salazar e de Marcello Caetano contou com ou-
tras polícias, com o aparelho administrativo cen-
tral e local, bem como com um eficaz aparelho de
Censura. Este escondia o conflito e recusava a plu-
ralidade de opiniões, «fabricando» um país inven-
tado, sem problemas e crimes, ao mesmo tempo
que «escondia» qualquer alternativa ao poder au-
tocrático. A ditadura portuguesa também contou
com o sistemático «saneamento» da administração
pública, que era o grande fornecedor de empregos
em Portugal, mas da qual estavam arredados todos
os que entravam em dissidência com o regime
Censura e sistema de «saneamento» político,
com os quais a polícia política sempre colaborou e
dos quais foi um importante instrumento. En-

130

PIDE.indd 130 04/12/23 14:52


quanto último fator dos meios de intimidação, des-
mobilização e repressão da ditadura portuguesa, a
PIDE/DGS reprimia e neutralizava seletivamente
os poucos que lutavam contra o Estado Novo e es-
palhava o medo, com a ameaça do que podia acon-
tecer aos que entravam em dissidência. Difundiu
também, com alguma eficácia, a ideia de que era
omnipotente e omnipresente, que via e ouvia tudo,
através de uma enorme rede de informadores e
uma cultura de denúncia.
O estertor do regime foi, como se viu, acompa-
nhado por uma maior repressão e um aumento da
violência policial, que coincidiram com a multipli-
cação dos problemas enfrentados pelo regime. Por-
tugal parecia então uma «panela de pressão» pron-
ta a explodir, por si própria, ou com ajuda. Esta
surgiu, mas de outro meio, do qual a DGS aparente-
mente não estava à espera, ou não viu o real perigo
— do seio de uma parte das Forças Armadas, com as
quais a DGS colaborava nos teatros de guerra. Reti-
cente em vigiá-las ou convencida de que iria sobre-
viver, após o golpe de Estado, a DGS não conseguiu
impedir a saída de militares em tanques, no dia 25
de abril de 1974.
Na realidade, ao deterem o monopólio das ar-
mas, os militares do MFA tiveram a capacidade
para enfrentar o regime e derrubá-lo, como já havia
acontecido, embora por razões diferentes, em 1926.
Semelhante era, nas duas situações, o estado de es-
tertor e de total falta de apoio político do regime
derrubado. Mas, em vez da indiferença da popula-
ção, os capitães das Forças Armadas que derruba-
ram Marcello Caetano em 1974 beneficiaram de
um imediato e vasto movimento de apoio popular

131

PIDE.indd 131 04/12/23 14:52


(ou nacional), que envolveu todas as forças da opo-
sição ao regime derrubado.
As forças oposicionistas, apesar da sua diversi-
ficação, das suas divisões e dos seus defeitos, aca-
baram por ter a grande qualidade de conseguir
hegemonizar intelectual, cultural, social e politi-
camente a sociedade portuguesa. Com algum êxi-
to, a polícia política conseguiu ao longo de mais de
quarenta anos travar as oposições, que só por si se
revelaram incapazes de derrubar o regime ditato-
rial, embora este nunca as tivesse definitivamente
neutralizado.

132

PIDE.indd 132 04/12/23 14:52


Fontes

Acervo Sousa e Castro no Arquivo Ephemera (José Pacheco Pe-


reira).
Arquivo António Oliveira Salazar (AOS).
Arquivo da PIDE/DGS.
Arquivo do Ministério da Administração Interna, MAI-DDA.
Arquivo Histórico Militar.
«Empresas estabeleciam contratos com a PIDE (conferência
de imprensa do comandante Conceição e Silva), A Capital,
10/9/74.
Discriminação Política no Emprego no Regime Fascista, Lisboa,
Presidência do Conselho de Ministros-Comissão do Livro
Negro sobre o Regime Fascista, 1982.
Legislação Repressiva e Andidemocrática do Regime Fascista,
Lisboa, Presidência do Conselho de Ministros-Comissão do
Livro Negro do Regime Fascista, 1985.
Pulsar da Revolução. Cronologia da Revolução de 25 de Abril
(1973-1976) (O), de Boaventura de Sousa Santos, Maria Na-
tércia Coimbra e Maria Manuela Cruzeiro, Porto, Afronta-
mento, 1997.
Repressão Política e Social no Regime Fascista, Lisboa, Presi-
dência do Conselho de Ministros-Comissão do Livro Negro
sobre o Regime Fascista, 1986.

133

PIDE.indd 133 04/12/23 14:52


Bibliografia

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, A Reforma da Justiça Crimi-


nal em Portugal e na Europa, Coimbra, Almedina (col. «Te-
ses»), 2003.
ARAÚJO, António, «O Fim da PIDE/DGS: Narrativa de Um Pas-
sado Recente», parte 1, Atlântico, agosto de 2005; Idem, ibi-
dem, parte 2, Atlântico, n.º 6, setembro de 2005.
BAPTISTA, Jacinto, Caminhos para Uma Revolução. Sobre o
Fascismo em Portugal e a Sua Queda, Lisboa, Bertrand,
1975.
BURLEIGH, Michael, The Third Reich. A New History, Pan
Books, 2000.
CALDEIRA, Alfredo, A. Santos Carvalho, «A operação de cerco
e aniquilamento do general Humberto Delgado», A Tirania
Portuguesa, versão electrónica, Fundação Mário Soares,
4 de janeiro de 2005, ww.fmsoares.pt/iniciativas/iniciati-
va?id=001141.
CASACO, António Rosa, Servi a Pátria e Acreditei no Regime,
Lisboa, ed. do autor, 2003.
Democracia, Ditadura. Memória e Justiça Política, coord. Pi-
mentel, Irene Flunser e Rezola, Maria Inácia, Lisboa, Tinta
da China, 2013.
FARINHA, Luís, O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a
Ditadura e o Estado Novo (1926-1940), Lisboa, Editorial Es-
tampa, 1999, 168-170.
Fita do Tempo, a Noite Que Mudou Portugal (A), org. Boaventu-
ra de Sousa Santos, Coimbra/Porto, Centro de Documenta-
ção 25 de Abril/Afrontamento, 2004.
FREI, Norbert, L’Etat hitlérien et la société allemande, 1933-45,
Paris, Editions du Seuil, 1994.

134

PIDE.indd 134 04/12/23 14:52


GARCIA, Manuel, Lourdes Maurício, O Caso Delgado. Autópsia
da «Operação Outono», Lisboa, Jornal Expresso, 1977.
GELLATELY, R., The Gestapo and German society, Enforcing ra-
cial policy 1933-1945, Oxford, Oxford University Press, 1990.
GODINHO, Paula, Memórias da Resistência Rural no Sul, Couço
(1958-1962), Oeiras, Celta, 2001.
MARQUES, J. A. Silva, Relatos da Clandestinidade. O PCP Visto
por dentro. Testemunhos e Análise Crítica da Acção do PCP
nos Anos de Ilegalidade, Lisboa, Jornal Expresso, 1976.
MARTINS, Hermínio, Classes, Status e Poder, Lisboa, Imprensa
das Ciências Sociais, 1998.
MATEUS, Dalila Cabrita, A PIDE/DGS na Guerra Colonial.
1961-1974, Lisboa, Terramar (col. «Arquivos do Século
XX»), 2004.
«O Fim da PIDE/DGS e a Libertação dos Presos Políticos», Mi-
litares e Política. O 25 de Abril, dir. Luísa Tiago de Oliveira,
Lisboa, Estuário, 2014.
PIMENTEL, Irene Flunser, A História da PIDE, Lisboa, Círculo
de Leitores/Temas & Debates, 2007.
Idem, Biografia de Um Inspector da PIDE, Fernando Gouveia e
o Partido Comunista Português, Lisboa, Esfera dos Livros,
2008.
Idem, História da Oposição à Ditadura em Portugal. 1926-1974,
Porto, Ed. Figueirinhas, 2014.
Idem, Informadores da PIDE. Uma Tragédia Portuguesa, Lisboa,
Temas & Debates, 2022.
Idem, O Caso da PIDE/DGS. Foram Julgados os Principais Agen-
tes da Ditadura, Lisboa, Círculo de Leitores/Temas & De-
bates, 2017.
RIBEIRO, Maria da Conceição, A Polícia Política do Estado
Novo. 1926-1945, Lisboa, Estampa, 1995.
ROSAS, Fernando, «O Estado Novo», História de Portugal, dir.
José Mattoso, Volume VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994.

135

PIDE.indd 135 04/12/23 14:52


SANTOS, Bruno de Oliveira, Histórias Secretas da PIDE/DGS,
Lisboa, Nova Arrancada, 2000.
SILVA, Paulo Marques da, O Caso de Inácio. A PIDE e os Seus
Informadores, Coimbra, Palimage, 2019.
Tribunais Políticos. Tribunais Militares Especiais e Tribunais
Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo, dir. Fernando
Rosas, Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha
e Maria Inácia Rezola, Lisboa, Círculo de Leitores/Temas &
Debates, 2009.
VASCO, Nuno, Óscar Cardoso, A Bem da Nação, Lisboa, Publica-
ções Dom Quixote, 1998.
Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política, pref. Fer-
nando Rosas, textos de Irene Flunser Pimentel, João Ma-
deira e Luís Farinha, Lisboa, Esfera dos Livros, 2007.

136

PIDE.indd 136 04/12/23 14:52


O Essencial sobre

1 Irene Lisboa 16 O Coração


Paula Morão Fernando de Pádua
2 Antero de Quental 17 Cesário Verde
Ana Maria A. Martins Joel Serrão
3 A Formação 18 Alceu e Safo
da Nacionalidade Albano Martins
José Mattoso
19 O Romanceiro Tradicional
4 A Condição Feminina J. David Pinto-Correia
Maria Antónia Palla
20 O Tratado de Windsor
5 A Cultura Medieval Luís Adão da Fonseca
Portuguesa (Séculos XI
a XIV) 21 Os Doze de Inglaterra
José Mattoso A. de Magalhães Basto

6 Os Elementos 22 Vitorino Nemésio


Fundamentais da Cultura David Mourão-Ferreira
Portuguesa 23 O Litoral Português
Jorge Dias Ilídio Alves de Araújo
7 Josefa d’Óbidos 24 Os Provérbios Medievais
Vítor Serrão Portugueses
8 Mário de Sá-Carneiro José Mattoso
Clara Rocha
25 A Arquitectura Barroca
9 Fernando Pessoa em Portugal
Maria José de Lancastre Paulo Varela Gomes
10 Gil Vicente 26 Eugénio de Andrade
Stephen Reckert Luís Miguel Nava
11 O Corso e a Pirataria 27 Nuno Gonçalves
Ana Maria P. Ferreira Dagoberto Markl
12 Os «Bebés-Proveta» 28 Metafísica
Clara Pinto Correia
António Marques
13 Carolina Michaëlis
29 Cristóvão Colombo
de Vasconcelos
e os Portugueses
Maria Assunção Pinto
Avelino Teixeira da Mota
Correia
14 O Cancro 30 Jorge de Sena
José Conde Jorge Fazenda Lourenço
15 A Constituição Portuguesa 31 Bartolomeu Dias
Jorge Miranda Luís Adão da Fonseca

137

PIDE.indd 137 04/12/23 14:52


32 Jaime Cortesão 49 Santo António de Lisboa
José Manuel Garcia Maria de Lourdes Sirgado
33 José Saramago Ganho
Maria Alzira Seixo 50 Tomaz de Figueiredo
34 André Falcão de Resende João Bigotte Chorão
Américo da Costa Ramalho 51/ Eça de Queirós
35 Drogas e Drogados 52 Carlos Reis
Aureliano da Fonseca 53 Guerra Junqueiro
36 Portugal e a Origem da António Cândido Franco
Liberdade dos Mares 54 José Régio
Ana Maria Pereira Ferreira Eugénio Lisboa
37 A Teoria da Relatividade 55 António Nobre
António Brotas José Carlos Seabra Pereira
38 Fernando Lopes-Graça 56 Almeida Garrett
Mário Vieira de Carvalho Ofélia Paiva Monteiro
39 Ramalho Ortigão 57 A Música Tradicional
Maria João L. Ortigão Portuguesa
de Oliveira José Bettencourt da Câmara
40 Fidelino de Figueiredo 58 Saúl Dias/Júlio
A. Soares Amora Isabel Vaz Ponce de Leão
41 A História das Matemáticas 59 Delfim Santos
em Portugal Maria de Lourdes Sirgado
J. Tiago de Oliveira Ganho
42 Camilo 60 Fialho de Almeida
João Bigotte Chorão António Cândido Franco
43 Jaime Batalha Reis 61 Sampaio (Bruno)
Maria José Marinho Joaquim Domingues
44 Francisco de Lacerda 62 O Cancioneiro Narrativo
J. Bettencourt da Câmara Tradicional
45 A Imprensa em Portugal Carlos Nogueira
João L. de Moraes Rocha
63 Martinho de Mendonça
46 Raul Brandão Luís Manuel A. V. Bernardo
A. M. B. Machado Pires
64 Oliveira Martins
47 Teixeira de Pascoaes
Guilherme d’Oliveira Martins
Maria das Graças Moreira
de Sá 65 Miguel Torga
Isabel Vaz Ponce de Leão
48 A Música Portuguesa
para Canto e Piano 66 Almada Negreiros
José Bettencourt da Câmara José-Augusto França

138

PIDE.indd 138 04/12/23 14:52


67 Eduardo Lourenço 84 Filosofia Política
Miguel Real da Antiguidade Clássica
Paulo Ferreira da Cunha
68 D. António Ferreira Gomes
Arnaldo de Pinho 85 O Romance Histórico
Rogério Miguel Puga
69 Mouzinho da Silveira
86 Filosofia Política Liberal
A. do Carmo Reis
e Social
70 O Teatro Luso-Brasileiro Paulo Ferreira da Cunha
Duarte Ivo Cruz 87 Filosofia Política
71 A Literatura de Cordel Romântica
Portuguesa Paulo Ferreira da Cunha
Carlos Nogueira 88 Fernando Gil
Paulo Tunhas
72 Sílvio Lima
Carlos Leone 89 António de Navarro
Martim de Gouveia e Sousa
73 Wenceslau de Moraes
90 Eudoro de Sousa
Ana Paula Laborinho
Luís Lóia
74 Amadeo de Souza-Cardoso 91 Bernardim Ribeiro
José-Augusto França António Cândido Franco
75 Adolfo Casais Monteiro 92 Columbano Bordalo
Carlos Leone Pinheiro
76 Jaime Salazar Sampaio José-Augusto França
Duarte Ivo Cruz 93 Averróis
77 Estrangeirados Catarina Belo
no Século XX 94 António Pedro
Carlos Leone José-Augusto França
78 Filosofia Política Medieval 95 Sottomayor Cardia
Paulo Ferreira da Cunha Carlos Leone
79 Rafael Bordalo Pinheiro 96 Camilo Pessanha
José-Augusto França Paulo Franchetti
80 D. João da Câmara 97 António José Brandão
Luiz Francisco Rebello Ana Paula Loureiro de Sousa

81 Francisco de Holanda 98 Democracia


Maria de Lourdes Sirgado Carlos Leone
Ganho 99 A Ópera em Portugal
82 Filosofia Política Moderna Manuel Ivo Cruz
Paulo Ferreira da Cunha 100 A Filosofia Portuguesa
83 Agostinho da Silva (Sécs. XIX e XX)
Romana Valente Pinho António Braz Teixeira

139

PIDE.indd 139 04/12/23 14:52


101/ O Padre António Vieira 117 O Fim do Império Soviético
102 Aníbal Pinto de Castro José Milhazes
103 A História da Universidade 118 Álvaro Siza Vieira
Guilherme Braga da Cruz Margarida Cunha Belém
104 José Malhoa 119 Eduardo Souto Moura
José-Augusto França Margarida Cunha Belém
105 Silvestre Pinheiro Ferreira 120 William Shakespeare
José Esteves Pereira Mário Avelar
106 António Sérgio 121 Cooperativas
Carlos Leone Rui Namorado
107 Vieira de Almeida 122 Marcel Proust
Luís Manuel A. V. Bernardo António Mega Ferreira
108 Crítica Literária 123 Albert Camus
Portuguesa (até 1940) António Mega Ferreira
Carlos Leone
124 Walt Whitman
109 Filosofia Política Mário Avelar
Contemporânea (1887-1939)
125 Charles Chaplin
Paulo Ferreira da Cunha
José-Augusto França
110 Filosofia Política
126 Dom Quixote
Contemporânea
António Mega Ferreira
(desde 1940)
Paulo Ferreira da Cunha 127 Michel de Montaigne
Clara Rocha
111 O Cancioneiro
Infantil e Juvenil 128 Leonardo Coimbra
de Transmissão Oral Ana Catarina Milhazes
Carlos Nogueira 129 Pablo Picasso
112 Ritmanálise José-Augusto França
Rodrigo Sobral Cunha 130 O Diário da República
113 Política de Língua Guilherme d’Oliveira Martins
Paulo Feytor Pinto 131 Vergílio Ferreira
114 O Tema da Índia Helder Godinho
no Teatro Português 132 A Companhia Nacional
Duarte Ivo Cruz de Bailado
115 A I República Mónica Guerreiro
e a Constituição de 1911 133 Os Ballets Russes em Lisboa
Paulo Ferreira da Cunha Maria João Castro
116 O Capital Social 134 Dante Alighieri
Jorge Almeida António Mega Ferreira

140

PIDE.indd 140 04/12/23 14:52


135 O Teatro de Henrique As Três Marias
149 
Lopes de Mendonça Joana Meirim
Duarte Ivo Cruz 150 Philip Roth
136 Mário Cláudio Mário Avelar
Martinho Soares Manuel Maria de Barbosa
151 
137 Viana da Mota du Bocage
Bruno Caseirão Daniel Pires
138 A Língua Portuguesa José Saramago
152 
como Ativo Global Carlos Reis e Sara Grünhagen
 Luís Reto, Nuno Crespo, A PIDE
153 
Rita Espanha, José Esperança Irene Flunser Pimentel
e Fábio Valentim
139 Teolinda Gersão
Annabela Rita e Miguel Real
140 Os Salvadores Portugueses
Margarida de Magalhães
Ramalho
141 Aristides de Sousa Mendes
Cláudia Ninhos
142 Os Portugueses no
Sistema Concentracionário
do III Reich
Fernando Rosas (coorde-
nação), Ansgar Schaefer,
António Carvalho, Cláudia
Ninhos e Cristina Clímaco
A Seara Nova
143 
Luís Andrade
O Diário de Lisboa
144 
Cláudia Lobo
Charles Baudelaire
145 
Jorge Fazenda Lourenço
Ruben A.
146 
Fernando Pinto do Amaral
147 H
 amlet
Maria Sequeira Mendes
A Constituição de 1822
148 
António Pedro Barbas
Homem

141

PIDE.indd 141 04/12/23 14:52


O livro o essencial sobre
A PIDE
é uma edição da
Imprensa Nacional
tem como autora
Irene Flunser Pimentel
design e capa do ateliê
silvadesigners
a partir da obra Graphic Design:
visual comparisons, de Bob Gill
revisão de
Mário Azevedo
e paginação de
Magda Coelho.
Tem o isbn papel 978-972-27-3151-5
e o depósito legal 525427/23
A primeira edição
acabou de ser impressa na Imprensa Nacional no mês de dezembro
do ano de dois mil e vinte e três.
cód. 1026209

Imprensa Nacional
é a marca editorial da
imprensa nacional-casa da moeda, s. a.
Av. de António José de Almeida
1000-042 Lisboa
www.incm.pt
www.facebook.com/INCM.Livros
prelo.incm.pt
editorial.apoiocliente@incm.pt

142

PIDE.indd 142 11/12/23 16:48


PIDE.indd 143 04/12/23 14:52
PIDE.indd 144 04/12/23 14:52
O E S S E N C I A L S O B R E O E S S E N C I A L S O B R E

O ESSENCIAL SOBRE
A PIDE
Irene Flunser Pimentel

«A PVDE/PIDE/DGS ajudou
A PIDE
Irene Flunser Pimentel
o regime a manter-se, assim como

A PIDE
outros dos seus grandes pilares,
a Igreja Católica e sobretudo as
Forças Armadas, que asseguraram
a continuidade do regime, em 1958,
durante o “terramoto delgadista”
e em todo o período da guerra
colonial.» Mas que polícia política
era essa, quais os seus fundamentos,
práticas e ramificações?
153

ISBN 978-972-27-3151-5

9 78 972 2 73 1 5 1 5

AF-PIDE-9mm.indd 1 05/12/2023 20:23

Você também pode gostar