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02 - Ciência e Religião

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NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Coordenação Pedagógica – IBRA

DISCIPLINA

CIÊNCIA E RELIGIÃO
2

SUMÁRIO

1 - CIÊNCIAS E RELIGIÃO ................................................................................ 3

2 - SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ........................................................................ 5

3 – ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO ................................................................. 8

4 - FILOSOFIA DA RELIGIÃO E A RELIGIOSIDADE BRASILEIRA ................ 12

5 - RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ............................................................. 18

6 - O KARDECISMO ........................................................................................ 30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UTILIZADAS E CONSULTADAS ............ 35


3

1. CIÊNCIAS E RELIGIÃO

Para Usarski (2002, s/p) o que nós chamamos de ―religião‖ tem se


manifestado, no decorrer da história e em todas as partes do mundo, em
diversificações e diferenças múltiplas. De acordo com essa complexidade não
considero adequado pensar em uma definição fechada de religião e opto por um
conceito aberto capaz de superar um entendimento pré-teórico que generaliza
fenômenos religiosos, sobretudo os de origem cristã, com os quais nós estamos
culturalmente acostumados. Isso é somente necessário por que, por exemplo, para
chineses, hindus e muçulmanos nem existem sinônimos em suas línguas que
correspondam exatamente com nosso termo religião.

A partir dessas considerações meu conceito de religião contém quatro


elementos:

- Primeiro: religiões constituem sistemas simbólicos com plausibilidades próprias;

- Segundo: do ponto de vista de um indivíduo religioso, a religião caracteriza-se


como a afirmação subjetiva da proposta de que existe algo transcendental, algo
extra-empírico, algo maior, mais fundamental ou mais poderoso do que a esfera que
nos é imediatamente acessível através do instrumentário sensorial humano;

- Terceiro: religiões se compõem de várias dimensões: particularmente temos que


pensar na dimensão da fé, na dimensão institucional, na dimensão ritualista, na
dimensão da experiência religiosa e na dimensão ética.

- Quarto: religiões cumprem funções individuais e sociais. Elas dão sentido para a
vida, elas alimentam esperanças para o futuro próximo ou remoto, sentido esse que
algumas vezes transcende o da vida atual, e com isso tem a potencialidade de
compensar sofrimentos imediatos. Religiões podem ter funções políticas, no sentido
ou de legitimar e estabilizar um governo ou de estimular atividades revolucionárias.
Além disso, religiões integram socialmente, uma vez que membros de uma
comunidade religiosa compartilham a mesma cosmovisão, seguem valores comuns
e praticam sua fé em grupos. (USARSKI, 2002, s/p)
4

A Ciência, para Usarski (2002, s/p) é uma maneira específica de se aproximar


a ―realidade‖ e de adquirir conhecimento sobre ela. De acordo com o princípio de
divisão de trabalho, ciências diferentes têm seus enfoques particulares, ou seja, elas
são especializadas em investigar certos segmentos da ―realidade‖. Para disciplinas
como a Ciência da Religião é preciso que a ―realidade‖ científica se restrinja à
esfera empírica. Em outras palavras: O que conta como ―realidade‖ são somente
aquelas camadas da existência que são extraídas da observação. Esta observação
pode ser direta (através dos sensos inclusive suas ampliações artificiais) ou indireta
(por exemplo, a partir de uma dedução com base em uma estatística). Temos que
lembrar que ciência é um empreendimento coletivo. A vida acadêmica se organiza
em sociedades científicas. O cientista individual faz parte de um conjunto de outros
cientistas que se comprometem com as mesmas regras epistemológicas, que se
referem ao mesmo vocabulário de termos técnicos e que têm como pressuposto os
mesmos pontos de partida. (USARSKI, 2002, s/p)
5

2. SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Para Cancian (s/d, s/p) o estudo da religião é tema constitutivo e fundador


da sociologia. Tanto Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber se interessaram pela
elaboração de teorias visando compreender aspectos da vida religiosa e sua
influência na sociedade. Os estudos produzidos por Weber, porém, sem dúvida
alguma tiveram maior amplitude teórica e empírica. Weber analisou e comparou
diversas religiões que existiram e que ainda existem no mundo, avaliando o papel
que as crenças religiosas exercem na conduta dos indivíduos em sociedade. Num
plano mais geral, o autor desvelou o potencial que a religião tem de provocar
transformações na ordem social, sejam elas na esfera da economia, da política ou
da cultura em geral.

Weber jamais aceitou os pressupostos do materialismo histórico (teoria


elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels) como único modelo teórico-
metodológico válido para compreensão da realidade social. De acordo com a teoria
marxista, a forma como o homem produz e reproduz sua sobrevivência (ou seja, a
maneira como busca satisfazer suas necessidades materiais, indispensáveis à
manutenção da própria vida) exerce uma influência determinante sobre as outras
esferas da vida social, tais como a religião, a cultura, as instituições políticas e
jurídicas, etc.

A sociologia compreensiva formulada por Weber se contrapõe ao


determinismo econômico ao enfatizar que nem sempre as diversas esferas da vida
social derivam (ou estão subordinadas) da estrutura econômica de uma sociedade.
Há casos em que ocorre o inverso, isto é, as ideias, valores éticos e concepções de
mundo (ou seja, as representações sociais) podem desempenhar um papel crucial
na produção da vida material.

Weber atribuiu às crenças e valores religiosos um papel importante na


conduta dos indivíduos em sociedade. Num dos seus livros mais proeminentes, A
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, ele defendeu a tese de que a religião
protestante exerceu uma poderosa influência no surgimento do modo de produção
capitalista. Com base em dados estatísticos extraídos da sociedade americana, ele
demonstra que, naquele país, os líderes do mundo dos negócios e os proprietários
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de capitais eram, na maioria dos casos, adeptos do protestantismo. Weber


descreveu e analisou os valores e princípios éticos constitutivos da crença religiosa
protestante e apontou sua adequação à racionalidade inerente ao empreendimento
capitalista. (CANCIAN, s/d, s/p)

A Reforma Protestante, de acordo com Cancian (s/d, s/p) foi um movimento


religioso que se contrapôs aos preceitos e dogmas do catolicismo. A partir dela,
surgiram várias seitas protestantes, entre elas as que se basearam no pensamento
de João Calvino. Weber observou que a expansão das seitas calvinistas na
Inglaterra coincidiu com o aparecimento do modo de produção capitalista. Os
preceitos religiosos constitutivos da doutrina calvinista levaram seus adeptos a
adotarem um estilo de vida metódico em todos os aspectos, denominado por Weber
de ascetismo.

O ethos de vida característico do ascetismo calvinista levava os crentes a


valorizarem o trabalho secular (mundano), o lucro e a acumulação de riquezas
materiais. Enquanto o católico buscava assegurar a salvação pela virtude, pelo
arrependimento e pela penitência, os adeptos do calvinismo - e do protestantismo de
modo geral - viviam sem saber se seriam salvos ou condenados. Essa incerteza
levava-os a buscarem, no decorrer de suas vidas, possíveis sinais de concessão da
graça divina. O enriquecimento econômico, por exemplo, era um sinal que Deus
daria aos predestinados à salvação, aos ―escolhidos‖. Por conta disso, os calvinistas
desenvolveram um rígido e disciplinado modo vida, que os levava a concentrarem
seus esforços na acumulação material. As atividades econômicas peculiares ao
empreendimento capitalista - ou seja, a extração pacífica da mais-valia (do lucro),
através da compra e remuneração da mão de obra do trabalhador livre - foram muito
beneficiadas porque se adequaram ao estilo de vida dos crentes protestantes.
O ethos calvinista concebe o trabalho como uma vocação. A disciplina moral
calvinista levava os crentes a pouparem seus ganhos e, ao mesmo tempo, os inibia
de usarem os lucros para o consumo de bens luxuosos. Por isso, os lucros
geralmente eram reinvestidos no próprio empreendimento capitalista, gerando um
movimento cíclico de acumulação/reinvestimento/acumulação.

Weber emprega o conceito de afinidade eletiva a fim de explicar a influência


que os valores religiosos calvinistas exerceram no sentido de ―desencadear‖ o
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capitalismo. Uma vez desencadeados, os valores e práticas religiosas calvinistas


deixam de ser ―determinantes‖ para a permanência e a continuidade do capitalismo.
O conceito de afinidade eletiva é mais complexo do que a concepção de ―causas
determinantes‖. Há uma correspondência entre o ethos calvinista (espírito do
capitalismo) e o empreendimento capitalista, mas é impossível apresentar uma
explicação com base nos pressupostos de ―causa‖ e ―efeito‖.

É interessante compararmos A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo


com outros estudos de Weber, em especial aqueles que se referem às religiões
asiáticas, como, por exemplo, o hinduísmo e outras religiões que são a base das
sociedades de castas. Nesses casos, a religião serviria para manter uma ordem
social e econômica acentuadamente hierarquizada e estática, ou seja, sem qualquer
possibilidade de haver mobilidade e mudança social. O caso da Índia é interessante.
Há décadas, o Partido Comunista da Índia, considerado uma das grandes forças
políticas daquele país, tentou em vão aplicar programas políticos de melhoria das
condições de vida das populações mais pobres. Sempre houve uma enorme
resistência social, que levou ao fracasso inúmeros programas políticos de caráter
socialista (que preconizavam igualdade e justiça social), pois a sociedade de castas
está fortemente assentada sobre preceitos religiosos muito arraigados, que
concebem as desigualdades e diferenças sociais como manifestações da vontade
divina. (CANCIAN, s/d, s/p)
8

3. ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO

De acordo com Stigar (s/d, s/p) Bettina Schmidt apresenta em seu capitulo
denominado Antropologia da Religião no livro O espectro disciplinar da Ciência da
Religião de Frank Usarski, uma visão panorâmica da antropologia da religião, que
ele apresenta a seguir:

Segundo Stigar (s/d, s/p) para Schimidt (2007) devemos estar atentos à
natureza da religião, para melhor entende lá. A sociedade e as pessoas empregam o
termo ―religião‖ de forma irregular, acabam usando este termo para expor outras
ideias, muitas vezes o senso comum permanece. O termo ―religião‖ é por demais
amplo, para ser definido na esfera do senso comum. Dentro desta perspectiva a
autora propõe que o estudo sobre a antropologia da religião deva ser iniciado pela
história da academia, ou seja, pelo estudo do discurso e do conceito que os
acadêmicos têm sobre a religião. A autora apresenta um breve histórico da
antropologia, seu inicio e suas influências pelo iluminismo e pelo filósofo Rousseau,
cujo pensamento era guiado pelo uso da razão. Novamente concordo com a autora,
é necessário entendermos a historia da sociedade para entendermos os seus
desdobramentos culturais, sociais, políticos e outros.

Sem dúvida o iluminismo é tido como o ―carro chefe‖ das ciências na


sociedade moderna, onde conseguimos interligar e instrumentalizar o conhecimento,
as informações e com isso formalizar novos estudos e conceitos de cultura,
sociedade, religião, tecnologia, entre outros. A interação é fundamental segundo a
autora para se moldar qualquer conceito, a antropologia da religião nasce assim, da
interação da cultura das civilizações, a fim de entender o mistério, o místico de cada
cultura, fatos estes originários da cultura humana. (STIGAR, s/d, s/p)

Para Stigar (s/d, s/p) a autora apresenta em seguida um pequeno panorama


sobre os períodos formativo, moderno e rebelde a fim de mostrar como a história
das mentalidades, das civilizações, hoje conhecida como história cultural influenciou
os conceitos da antropologia sobre a questão da religião e da religiosidade, o que é
muito importante para o seu entendimento enquanto ciência clássica em busca de
autonomia. No período formativo temos os acadêmicos ligados à evolução social
dos seres humanos, neste período se começa a valorizar as culturas e tradições
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religiosas presentes no ser humano, se trata de um olhar cultural, mas já


antropológico devido ao uso da razão em suas interpretações. Neste período a
grande característica marcante foi o Darwinismo social, que tinha como ideia que a
sobrevivência dos seres humanos estava ligada diretamente a sua sobrevivência do
mais forte. Sobre esta ideia apresento e questiono se não foi neste período que
tivemos a penetração do capitalismo na sociedade e a partir deste momento o temos
até o presente.

Não resta dúvida que o Darwinismo social foi e ainda é um paradigma para
muitas civilizações e também para a própria questão religiosa, mas este não foi o
único fator a determinar o surgimento da antropologia da religião. A autora expõe
algumas ideias de Tylor, segundo o qual tem o animismo foi a alavanca para a
antropologia começar a estudar os fenômenos religiosos. Tylor acredita também que
o animismo foi a primeira grande teoria na história da humanidade, buscava com
isso a unidade psíquica da humanidade. (...)

Diante do período clássico a autora apresenta que temos que ter cuidado ao
analisar a cultura alheia, pois a nossa perspectiva por ser totalitária ou mesmo
reducionista. Segundo a autora temos que ter cuidado para não julgar as outras
teorias a partir da nossa perspectiva, principalmente com as religiões primitivas junto
ao estagio pré-religioso.

No período moderno a autora apresenta algumas ideias sobre o conceito de


religião, relevantes para o entendimento antropológico da religião como a teoria de
Thrower que apresenta a religião como uma maneira codificada no qual o ser
humano fala de si, de suas esperanças, dos medos, teoria próxima e semelhante ao
funcionalismo. Apresenta também a visão de Durkheim sobre a religião, este por sua
vez tinha como objetivo investigar as funções sociais da religião, pois a tem a
religião como um ―fato social‖, onde segundo o qual todo o ser humano necessita de
algum tipo de crença. Tais informações expostas pela autora são fundamentais para
o entendimento da importância da antropologia da religião em face da diversidade e
o pluralismo existente nas diversas culturas.

No período rebelde temos a questão da tradução como protagonista, a autora


enfatiza as dificuldades diante da tradução, fato que traz inúmeros desencontros
com as demais culturas principalmente as culturas estrangeiras e a religião como um
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fato cultural não pode deixar de ser investigado com o devido cuidado de não entrar
em equívocos face ao fundamentalismo ou ao dogmatismo religioso. (STIGAR, s/d,
s/p)

- Antropologia da religião hoje: para Stigar (s/d, s/p) Schimidt (2007) apresenta a
questão da contextualização como a coluna dorsal da antropologia nos dias atuais,
enfatiza que os antropólogos atuais tendem a ter uma abordagem holística,
contextualizando a religião com outras realidades e instituições, sendo dificilmente
entendida separadamente ou isolada. Fato interessante face ao paradigma
cartesiano que vem norteando nossa sociedade ate os dias atuais. Porém a
sociedade vem a um bom tempo alertando para a virada paradigmática, onde o
paradigma predominante seria o paradigma sistêmico. Pessoalmente, não gosto do
termo holístico, prefiro utilizar o termo sistêmico, pois este tem uma penetração
maior na academia e se tratando de paradigma o mesmo é mais instrumental
(racional) contemplando não só o religioso, mas o ecológico e a própria ciência.
Porém entendo que a autora se propôs a reproduzir o os conceitos utilizados nos
dias de hoje na antropologia, evidentemente isso não desvaloriza a antropologia da
religião, precisamos apenas estar atentos para não fazer pré-julgamentos.

Conforme Stigar (s/d, s/p) a autora ainda apresenta a dificuldade da tradução


no campo religioso. Sabemos bem o quanto difícil e perigosa é essa tarefa. Sendo
assim a autora expõe que precisamos de certo distanciamento critico para melhor
compreender o real significado de determinados conceitos e ideias, principalmente
na relação oriente e ocidente, onde o oriente é visto pelo ocidente de forma oposta a
sua realidade, ignorando assim a sua diversidade e o pluralismo existente em cada
cultura. Destaca a importância do relativismo cultural e a complexidade dos
elementos insider e outsider nas culturas e nas religiões. (...) (STIGAR, s/d, s/p)

- Conceitos-chave da antropologia da religião: não é uma tarefa fácil falar dos


conceitos-chave da antropologia da religião uma vez que cada um deles está
recheado de mistério, porem a autora apresenta alguns elementos centrais em seu
capitulo apontando como as pessoas expressam as suas crenças, os símbolos, os
mitos, as lendas, os folclores de cada cultura e ate mesmo o próprio gênero pode
ser considerado como um elemento chave para o entendimento da religião. Geertz
propõe para a religião uma abordagem simbolista, onde os símbolos estabelecem a
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harmonia na vida e nas relações pessoais. A autora destaca ainda que esses
símbolos precisam ser contextualizados, assim sendo a religião precisa se entendida
e vista em seu contexto histórico-cultural. Tal ideia é de extrema relevância, porem
devemos ter cuidado para não sermos por demais fundamentalistas e esquecer o
presente e com isto nos alienarmos a uma crença que na atualidade não faz o
mesmo sentido que se fazia em outros tempos, assim a contextualização a meu ver
deve ser um caminho de ida e de volta. (STIGAR, s/d, s/p)

- Relevância da antropologia da religião: Stigar (s/d, s/p) aponta que a autora


destaca que face a atualidade e ao processo de globalização mais do que nunca
precisamos dar continuidade aos estudos de antropologia da religião, dado a
violação das fronteiras da privacidade das culturas e tradições religiosas.

Assim percebemos que temos cada vez mais presente a homogeneização e a


dominação cultural, fato altamente criticado devido aos conceitos ideológicos em
favor da globalização. A globalização acaba fazendo um pré-julgamento sob as
culturas e tradições religiosas, sendo cada vez mais comum generalizar a cultura a
partir de um conceito único e universal. Assim a globalização tende a trazer danos
irreparáveis devido a cultura moderna ocidentalizada não respeitar a diversidade. Tal
fato é inquestionável e a autora mais uma vez tocou no cerne da questão em
levantar a importância do respeito sobre as demais culturas, denuncia com muita
clareza o quanto a globalização tende a ser perigosa para as culturas e religiões.
Observamos assim novamente o uso radical do poder e da dominação sobre o mais
fracos, percebe-se com isso claramente que o sistema capitalista também tem
interesses na esfera religiosa. (STIGAR, s/d, s/p)
12

4. FILOSOFIA DA RELIGIÃO E A RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

Para Ferreira (2009, s/p) a religião é estudada por diversas áreas da ciência,
pela psicologia, fenomenologia, psicanálise e pela sociologia. Essas ciências
estudam a consciência religiosa na história. Em outras palavras estudam a
consciência do ser humano. Nisso a filosofia da religião se torna uma reflexão a
realizar com a ajuda da razão. Disso a filosofia nasceu como sabemos, na antiga
Grécia, como atitude de critica na vida concreta do ser humano. Ela nasceu com a
possibilidade de formular a questão da verdade desta vida. Com isso a religião fazia
parte desta vida concreta. A filosofia da religião como disciplina própria é recente e
não se confunde com a teologia, pois esta tematiza a relação homem-Deus a partir
da liberdade de revelação de Deus ao homem, ou seja, a partir de Deus. Já na
filosofia, quando o homem filosofa ele mesmo pensa e nisso o pensar filosófico é
forma radical da liberdade humana. A religião é um dado que está presente e não se
funda na filosofia. Não é filosofia. A filosofia da religião tem a religião como objeto de
seu pensar.

A filosofia da religião atualmente se encontra em situação precária dentro do


conjunto social. Trata-se de indagação filosófica que usa métodos filosóficos com
objetivos filosóficos. Cabe então a investigar o fenômeno religioso.

Na década de 60 foi assistido um eclipse do sagrado, ―fim do monopólio das


tradições religiosas‖. A religião adapta-se ao modo da sociedade capitalista e
neoliberal, mergulhando-se no secularismo e ocultamento religioso. As décadas
seguintes vão mostrar que tal ocultamento se oculta, abrindo espaço a um espasmo
religioso que nos atinge fortemente. Assim instaura-se até mesmo um regime de
concorrência religiosa entre as novas formas religiosas. Elas recorrem ao recurso da
divulgação, marketing moderno, gerando assim um grande pluralismo religioso.
Surgem então várias expressões religiosas e movimento. A exemplo disso surgem
as comunidades de base (Teologia da Libertação) dentro da Igreja Católica. Uma
espiritualidade voltada para os pobres e de critica ao capitalismo. Criando-se um
movimento que se expandiu, articulando com a fé e política. (hoje a teologia da
libertação está enfraquecida, segundo Dom Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo
em entrevista ao Jornal a Folha de São Paulo). Nos Estados Unidos desenvolve-se
13

uma corrente religiosa neoconservadora com o intuito de salvar a sociedade


capitalista de sua crise cultural, espiritual e religiosa. Na América Latina, décadas
anteriores foram agitadas pelo movimento libertador. Os Jovens entregaram-se
generosamente a uma militância ardorosa. Decepcionados pelo resultado, os jovens
perderam os sonhos utópicos e acomodaram-se numa vida burguesa. Nesse meio
da pós-modernidade cética, a religião é chamada a cumprir várias funções.
Ela oferece segurança e paz contra a insegurança e angustia do futuro, leva a
uma resignação diante da inexorabilidade do processo histórico. Isso exatamente
como dizia Marx: ―ópio do povo‖. Existia uma promessa de um mundo melhor, uma
nova terra, uma outra vida ―reencarnação‖. Aqui surgem vários novos movimentos
religiosos e do neopentecostalismo. (FERREIRA, 2009, s/p)

Anteriormente, segundo Ferreira (2009, s/p) falamos de uma forma genérica


que abrange o fenômeno religioso. Trata-se agora do cristianismo. O Cristianismo,
ao longo dos séculos, tem sido abalado pelo impacto externo do ateísmo anticristão
e pela força corrosiva interna do secularismo ateu. O cristianismo foi combatido pelo
ateísmo anticristão que considerava como forma supersticiosa, avessa à razão. De
dentro do cristianismo surge um secularismo ateu, ligado a herança de Fiori
(+1202). O secularismo ateu suprime a Deus, sem abolir-lhe os atributos divinos.
A tradição Judaico-cristã veiculou elementos que permitiriam surgir no Ocidente em
secularismo ateu e o progresso tecnológico na esteira de Fiori. Evidentemente a
revelação judaico-cristã alcança o seu ponto mais alto com a Encarnação do Verbo
Divino, assumindo a humanidade de Jesus Cristo. De Jesus Cristo pode-se dizer
―Este homem é Deus‖. Diante dos acontecimentos os católicos e protestantes,
percebem que o cristianismo nesse final de milênio já não se defronta tanto com o
ateísmo como seu maior desafio, mas com essa religiosidade vaga, inquieta, pagã,
fora das grandes instituições religiosas.

A Igreja Católica sofre no momento presente com o forte impacto dos


movimentos religiosos. São ambas as manifestações que deixam a Igreja às
voltas. Um grande movimento que surge dentro da Igreja hoje é conhecido como,
Renovação Carismática Católica. Um fenômeno explicável pela trajetória teológica e
institucional da Igreja Católica no Ocidente. Um movimento de grande massa, um
povo que busca na raiz, as expressões pentecostais. Seu carisma principal é a
Efusão do Espírito (falar em outras línguas, língua dos Anjos). Anos atrás essa
14

espiritualidade também gerou grande problema para a Igreja, principalmente na


América Latina, onde a espiritualidade que havia era libertadora. O Cardeal
Ratzinger (hoje Papa Bento XVI) não hesitou em dizer que o aparecimento de novos
movimentos ―abre espaço à esperança em nível de Igreja universal‖, que ―nela se
manifesta, ainda, ainda que discretamente, algo com o um período de pentecoste na
Igreja‖. (RATZINGER, 1985, p. 27)

O cristianismo em geral, e a Igreja Católica, em particular, veem-se


chamados a praticar com lucidez esse discernimento pastoral e social.
Podemos então aqui perguntar: Por que os homens fazem religião? Algo difícil de
ser dito e respondido. Foi proposta no século passado, a teoria que a religião nada
mais era que uma reminiscência que o homem guardava de um período primitivo do
seu desenvolvimento. Acrescentava-se que o homem estava aos poucos se
educando para a realidade, e dentro em breve deixa para trás, definitivamente, as
suas ilusões religiosas, as mais primitivas. Muitas das expressões do fenômeno
religioso que vemos nos são apresentados como qualquer coisa. Há mitos que se
cristalizaram. Ritos que se solidificaram, instituições que se chamam religiosas e
linguagens que falam acerca dos deuses. Por detrás disso, elas são as fontes de
onde surge não a religião, mas a racionalização da religião. Pergunta-se: Que é o
que caracteriza a consciência religiosa? Em resumo a consciência religiosa é uma
expressão da imaginação. É a própria consciência religiosa que afirma: ―Ninguém
jamais viu a Deus‖. Por exemplo, os animais não têm imaginação, por isso nunca
produziram arte, profetas ou valores e tampouco produziram religião. A religião tema
sua base na diferença essencial entre o homem e os brutos – os brutos não tem
religião, porque a imaginação é a origem da criatividade humana.
A imaginação é a consciência de uma ausência, a saudade daquilo que ainda não é
a declaração de amor pelas coisas que ainda não nasceram. (FERREIRA, 2009, s/p)

Ainda de acordo com Ferreira (2009, s/p) imaginação nos revela as intenções
mágicas que habitam os níveis mais profundos da personalidade. O ato da
imaginação observa Sartre, é um ato mágico. É um encantamento destinado a
produzir o objeto que desejamos, de forma que dele possamos nos apropriar. Agora,
entraremos nas formas de expressão religiosa, e uma delas é o rito. Do ponto de
vista religioso o ritual é uma característica que esta em todas as religiões. Vários
elementos podem ser caracterizados no seu ritual (preparação do lugar, objetos ou
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utensílios, atores entre outras). O rito é todo simbólico, todo rito é uma linguagem e
todo rito é uma ação. Rito aparece como uma norma que guia todo o
desenvolvimento de uma ação sacra. O rito se torna uma prática periódica. A
palavra latina ritus é próxima da palavra sânscrito-védica rta (Rita), a força da ordem
cósmica sobre a qual velam divindades. Isso indica que o rito não é somente uma
ação humana, mas também uma ação divina. Já o rito está entre o ―entre‖ o símbolo
e o mito, quer dizer, uma participa do outro. O rito é equivalente ao mito. O mito
recita (é um legómenon) o que o rito converte em cena teatraliza (é um drômenon,
de drao ―fazer‖, que também origina a palavra drama). O mito relata uma ação divina
que difunde na realidade presente em um contexto de sacralidade. Mas é no O rito
que essa expressão se torna em um ato litúrgico. Toda ritual precisa de um grupo de
pessoas, um lugar sagrado, objetos, vestes e outros, assim o mito dá ao rito um
sentido. Podemos assim ver na Bíblia a variedades de mitos e ritos que o povo de
Israel realizava. Assim ―mitos é historias contadas pelos profetas e demais pessoas,
e os diversos ritos realizados como os sacrifícios de animais, etc‖.

A princípio os ritos são classificados pela finalidade. Émile Durkheim propõe


uma divisão em três classes:

- Ritos negativos (tabus, ascese, jejum);

- Ritos positivos (oferendas, comunhão oração);

- Ritos expiatórios (expiação e propiciação).

(...) Nisso também temos variados ritos no judaísmo, cristianismo etc.


Rito das festas anuais (judaísmo e cristianismo) festa do Pessah, festa da colheita,
festa do tabernáculo, festa de Cristo Rei, Natal, Semana Santa, etc. Há também o
rito do sacrifício. Ritos dos ritos, o sacrifício é o fato religioso mais típico, mas ao
mesmo tempo o mais difícil de ser compreendido. A palavra latina sacrificium está
relacionada ao ―fazer com que alguma coisa seja sagrada‖ (sacrum facere).
Sacrificar é converter em sagrado o que é entendido como a ―oferenda‖ do
sacrifício. Podemos compreender que a chave do sacrifício é a vida oferecida (Jesus
se deu ao sacrifício) e a chave desta vida é o divino, fator decisivo sem o qual a
ação sagrada não teria sentido. O Sacerdote realiza o ato do sacrifício, ou melhor, o
ato litúrgico. Ele é o sujeito que apresenta a oferenda e recebe o dom divino para tal.
Na tradição Católica o sacerdote realiza o sacrifício da missa para um grupo de
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pessoas. Mediante a oferenda ou a vítima existem os atores principais. (...)


(FERREIRA, 2009, s/p)

Agora veremos, segundo Ferreira (2009, s/p) o quadro religioso em que se


encontra o Brasil.

O Brasil depois de uma pós-redemocratização passa por uma transição


econômica, cultural e política, na qual o fator religioso não pode ser descurado.
Diversas igrejas, movimento religiosos surgiram no país como: Igreja Evangélica
Assembleia de Deus que exportamos para Moscou, Igreja Universal do Reino de
Deus que exportamos para Paris e a Umbanda para o Cone Sul. Já o Catolicismo
romano oficial tem em vista a diversidade de seu papado. Diante disso o catolicismo
vem buscando retomar sua liderança no Brasil e na América Latina. Mas hoje chama
a atenção as manifestações realizadas pelos pentecostais, na liderança política e
nos interesses pelo os meios de comunicação. Uma visão capitalista da sociedade
atual. Pode-se dizer que no Brasil a sua matriz religiosa é diversificada e única,
devido às várias expressões culturais e religiosas no país.

Somos de um país de brigas religiosas como, por exemplo, entre a Igreja


Católica e Igrejas Protestantes, devido às diferenças no seu modo de entender e
evangelizar. Entre Igrejas Protestantes e as Religiões Afrodescendentes. Existem no
Brasil diversas matrizes protestantes pentecostais devido seu crescimento, mas
também um grande crescimento destas outras igrejas que se destaca-se pelo
conhecimento através da mídia, etc, são: Assembleia de Deus, Igreja Universal do
Reino de Deus (pode ser considerada pentecostal?), Renascer em Cristo, etc.
Um caso preocupante é que nas últimas décadas houve um grande crescimento de
ataques às religiões afro-brasileiras feitas pelas igrejas neopentecostais, que levam
a se tornar em uma ―guerra santa ou batalha espiritual‖, uma luta do bem contra o
mal, devido às representações consideradas como demônios. Já que as Igrejas
neopentecostais, pentecostais são consideradas, como igrejas das curas milagres
etc. Mas podemos perguntar: Por que as escolha dessas religiões como alvo
principal? Essa briga deve-se a diversos movimentos que tem um vínculo com a
sociedade e mantém um importante valor histórico. (...) Tendo toda essa pluralidade
religiosa, podemos dizer que a sociedade brasileira é marcada por profunda
diversidade de práticas religiosas. Nisso temos o declínio do catolicismo e
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crescimento dos grupos de cunho evangélico pentecostal. Além das mais diferentes
possibilidades de vivenciar o cristianismo, como práticas variadas do catolicismo e
as multiplicações dos evangélicos, das tradições afro-brasileiras como candomblé e
xangô, da umbanda e do espiritismo. Outras como novas expressões como Santo-
Daime e a Ordem Espiritualista Cristã (Vale do amanhecer), Nova Era, Wicca, a
Ordem Rosa Cruz (AMORC) Igreja da Cientologia, Nova Acrópolis, entre tantos
outros.

Para concluir, no futuro, história cobrará das religiões a contribuição que


deram ou os obstáculos que colocaram para uma sociedade humanizada. Assim,
nos dias atuais, a mediação do diálogo entre as Igrejas cristãs e entre as religiões
deve ser a própria vida, caso contrário, perderam a sua credibilidade e a sua razão
de ser. (FERREIRA, 2009, s/p)
18

5. RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

- Um pouco de História: segundo Sousa (s/d, s/p) durante o processo de colonização


do Brasil, notamos que a utilização dos africanos como mão de obra escrava
estabeleceu um amplo leque de novidades em nosso cenário religioso. Ao chegarem
aqui, os escravos de várias regiões da África traziam consigo várias crenças que se
modificaram no espaço colonial. De forma geral, o contato entre nações africanas
diferentes empreendeu a troca e a difusão de um grande número de divindades.
Mediante essa situação, a Igreja Católica se colocava em um delicado dilema ao
representar a religião oficial do espaço colonial. Em algumas situações, os clérigos
tentavam reprimir as manifestações religiosas dos escravos e lhes impor o
paradigma cristão. Em outras situações, preferiam fazer vista grossa aos cantos aos
batuques, danças e rezas ocorridas nas senzalas. Diversas vezes, os negros
organizavam propositalmente suas manifestações em dias santos ou durante outras
festividades católicas.

Do ponto de vista dos representantes da elite colonial, a liberação das


crenças religiosas africanas era interpretada positivamente. Ao manterem suas
tradições religiosas, muitas nações africanas alimentavam as antigas rivalidades
contra outros grupos de negros atingidos pela escravidão. Com a preservação desta
hostilidade, a organização de fugas e levantes nas fazendas poderia diminuir
sensivelmente.
Aparentemente, a participação dos negros nas manifestações de origem
católica poderia representar a conversão religiosa dessas populações e a perda de
sua identidade. Contudo, muitos escravos, mesmo se reconhecendo como cristãos,
não abandonaram a fé nos orixás, voduns e inquices oriundos de sua terra natal. Ao
longo do tempo, a coexistência das crendices abriu campo para que novas
experiências religiosas – dotadas de elementos africanos, cristãos e indígenas –
fossem estruturadas no Brasil. (SOUSA, s/d, s/p)

É a partir dessa situação, de acordo com Sousa (s/d, s/p) que podemos
compreender porque vários santos católicos equivalem a determinadas divindades
de origem africana. Além disso, podemos compreender como vários dos deuses
africanos percorrem religiões distintas. Na atualidade, não é muito difícil conhecer
19

alguém que professe uma determinada religião, mas que se simpatize ou também
frequente outras.

Dessa forma, observamos que o desenvolvimento da cultura religiosa


brasileira foi evidentemente marcado por uma série de negociações, trocas e
incorporações. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que podemos ver a presença de
equivalências e proximidades entre os cultos africanos e as outras religiões
estabelecidas no Brasil, também temos uma série de particularidades que definem
várias diferenças. Por fim, o sincretismo religioso acabou articulando uma
experiência cultural própria.

Não cabe dizer que o contato entre elas acabou designando um processo de
aviltamento de religiões que aqui apareceram. Tanto do ponto de vista religioso,
quanto em outros aspectos da nossa vida cotidiana, é possível observar que o
diálogo entre os saberes abre espaço para diversas inovações. Por esta razão, é
impossível acreditar que qualquer religião teria sido injustamente aviltada ou
corrompida. (SOUSA, s/d, s/p)

Para Prandi (2003, p. 15) na última década, muita coisa mudou também no
âmbito das religiões no Brasil. O censo de 2000 nos diz que o País está hoje menos
católico, mais evangélico, e menos afro-brasileiro. Velhas tendências foram
confirmadas, novas direções vão se impondo. Religiões recém-criadas se enfrentam
com as mais antigas, velhas religiões assumem novas formas e veiculam renovados
conteúdos para enfrentar a concorrência mais acirrada no mercado religioso. Vou
tratar aqui de um ramo religioso pequeno demograficamente, porém importante do
ponto de vista de seu significado para a cultura brasileira e da visibilidade que
transborda de seu universo de seguidores: as religiões afro-brasileiras.

Antes de qualquer coisa, é preciso observar que, no caso das religiões afro-
brasileiras, o censo oferece sempre cifras subestimadas de seus seguidores. Isso se
deve às circunstâncias históricas nas quais essas religiões se constituíram no Brasil
e ao seu caráter sincrético daí decorrente. As religiões afro-brasileiras mais antigas
foram formadas no século XIX, quando o catolicismo era a única religião tolerada no
País e a fonte básica de legitimidade social. Para se viver no Brasil, mesmo sendo
escravo, e principalmente depois, sendo negro livre, era indispensável antes de tudo
ser católico. Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões africanas dos
20

orixás, voduns e inquices se diziam católicos e se comportavam como tais. Além dos
rituais de seus ancestrais, frequentavam também os ritos católicos. Continuaram
sendo e se dizendo católicos, mesmo com o advento da República, quando o
catolicismo perdeu a condição de religião oficial. Desde o início as religiões afro-
brasileiras se fizeram sincréticas, estabelecendo paralelismos entre divindades
africanas e santos católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo,
valorizando a frequência aos ritos e sacramentos da igreja. Assim aconteceu com o
candomblé da Bahia, o xangô de Pernambuco, o tambor de mina do Maranhão, o
batuque do Rio Grande do Sul e outras denominações, todas elas arroladas pelo
censo do IBGE sob o nome único e mais conhecido: candomblé.

Até recentemente essas religiões eram proibidas e por isso, duramente


perseguidas por órgãos oficiais. Continuam a sofrer agressões, hoje menos da
polícia e mais de seus rivais pentecostais, e seguem sob forte preconceito, o mesmo
preconceito que se volta contra os negros independentemente de religião. Por tudo
isso, é muito comum, mesmo atualmente, quando a liberdade de escolha religiosa já
faz parte da vida brasileira, muitos seguidores das religiões afro-brasileiras ainda se
declararem católicos, embora sempre haja uma boa parte que declara seguir a
religião afro-brasileira que de fato professa. Isso faz com que as religiões afro-
brasileiras apareçam subestimadas nos censos, em que o quesito religião só pode
ser pesquisado de modo superficial. Com o tempo, as religiões afro-brasileiras
tradicionais se espalharam pelo Brasil todo, passando por muitas inovações, mas
quanto mais tradicionais os redutos pesquisados, mais os afro-brasileiros continuam
se declarando, e se sentindo, católicos. Mais perto da tradição, mais católico.

Um mapeamento dos afro-brasileiros segundo as diferentes regiões mostra


isso muito bem: eles são em número relativamente pequeno no Nordeste, região em
que a religião afro-brasileira tradicional se formou o que pode parecer paradoxal, e
em número bem maior nas regiões em que se instalou mais recentemente. O censo,
entretanto, nos permite comparações ao longo do tempo muito importantes para
entendermos o que se passa com essas religiões, pois em cada região a
subestimação pode ser considerada característica local, como uma constante
preservada ao longo do tempo. Devemos estar atentos para a situação em que de
um censo para outro se registra um aumento no número de seguidores declarados:
pode de fato ter havido um acréscimo no número de filiados, como pode ter ocorrido
21

um aumento nas declarações em consequência de mudança na identidade religiosa


que leva o afro-brasileiro a se declarar como tal. Claro que o crescimento das
declarações numa região em que a religião foi introduzida recentemente deve
apontar para um crescimento real.

Já um decréscimo no número de fiéis dificilmente deve refletir maiores


dificuldades de alguém se declarar adepto da umbanda ou do candomblé, uma vez
que, como já foi enfatizado, tem sido crescente a legitimidade social da livre escolha
da religião, sem os constrangimentos tradicionais. Neste caso, um decréscimo no
número dos declarados deve mesmo significar uma queda demográfica real. De todo
modo, quando tomamos estatísticas para o Brasil como um todo e as comparamos
em diferentes épocas, as distorções introduzidas pelos padrões culturais locais e
regionais associados com a identidade religiosa acabam se compensando.
(PRANDI, 2003, p. 18)

Para Prandi (2003, p. 18) feitas essas ressalvas, o que os dados disponíveis
nos mostram é que o conjunto das religiões afro-brasileiras vem perdendo adeptos
nos últimos vinte anos. Considerando que atualmente são menos imperativas as
razões que têm levado os afro-brasileiros a se declararem católicos ou espíritas, a
queda recentemente observada pode até mesmo ser maior, uma vez que em censos
anteriores as taxas de ―escondidos‖ podiam ser maiores que as de agora, já que
agora estariam menos subestimados.

Para os censos de 1991 e 2000, podemos contar com dados que separam o
candomblé e a umbanda, sendo que a classificação candomblé reúne as chamadas
religiões afro-brasileiras tradicionais, isto é, as formadas no século XIX (candomblé,
xangô, tambor de mina, batuque). Pelo menos desde a década de 1950, a umbanda
tem sido majoritária no conjunto afro brasileiro. Formada no Rio de Janeiro nos anos
20 e 30 do século XX, logo se espalhou pelo Brasil todo como religião universal sem
limites de raça ou etnia, geografia e classe social. Até essa época, o candomblé e as
demais denominações tradicionais continuavam circunscritas àquelas áreas urbanas
em que se formaram em razão da concentração de populações negras, isto é,
aglutinação de descendentes dos antigos escravos africanos. Continuavam a ser
religiões de negros. A umbanda não: ela já nasceu num processo de branqueamento
e ruptura com símbolos e características africanas, propondo-se como uma religião
22

para todos, capaz mesmo de se mostrar como símbolo de identidade de um País


mestiço que então se forjava no Brasil das primeiríssimas décadas do século XX.
Alastrou-se rapidamente.

Parecia que a umbanda seria a única grande religião afro-brasileira destinada


a se impor como universal e presente em todo o País. E de fato não tardou a se
espalhar também por países do Cone Sul e depois mais além. A umbanda é
chamada de ―a religião brasileira‖ por excelência, num sincretismo que reúne o
catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra e símbolos e os espíritos
de inspiração indígena, contemplando as três fontes básicas do Brasil mestiço. Mas,
a partir da década de 1960, muita coisa mudou nas religiões afro-brasileiras.

O candomblé foi extravasando suas fronteiras geográficas, abandonando os


limites originais de raça e etnia dos seus fiéis e ampliando seu território. Espalhou-se
pelo Brasil, conquistando para seus quadros até mesmo antigos seguidores da
umbanda. Nas pegadas da umbanda, também chegou ao estrangeiro. Cada vez
mais foi se fazendo visível através da imagem capturada pelas artes e costumes de
uma sociedade consumista e multicultural, marcando presença em esferas culturais
não religiosas: literatura, cinema, teatro, música, carnaval, televisão, culinária, etc.
(...) Como já sabemos, o termo candomblé, como rubrica censitária, inclui diferentes
modalidades religiosas afro-brasileiras. Embora as chamemos todas de religiões
tradicionais, para contrastar com a umbanda, que é de formação muito mais recente
e muito mais desprendida de elementos culturais trazidos da África pelos escravos,
elas têm mudado. Mesmo uma religião tradicional muda com o tempo, ao se
enfrentar com novas situações sociais, especialmente quando passa a fazer parte,
como concorrente, do mercado religioso. O candomblé tem mudado muito.
Transformando-se em religião universal, sem as velhas amarras étnicas que faziam
dele religião de preservação do patrimônio cultural e fonte de identidade do negro no
Brasil, o candomblé pôde se espalhar pelo Brasil.

Em seu processo de transformação em religião universal, isto é, religião que


se oferece para todos, o candomblé conheceu o que os sociólogos chamam de
movimento de africanização, que implica certas reformas de orientação fortemente
intelectual, como o reaprendizado das línguas africanas esquecidas ao longo de um
século, a recuperação da mitologia dos deuses africanos, que em parte também se
23

perdeu nesses anos todos de Brasil, e a restauração de cerimoniais africanos


(PRANDI, 1991).

Um elemento importante, segundo Prandi (2003, p. 22) do movimento de


africanização do candomblé e sua constituição como religião autônoma inserida no
mercado religioso é o processo de dessincretização, com o abandono de símbolos,
práticas e crenças de origem católica. É a descatolização do candomblé, que se
descentra do catolicismo e se assume como religião autônoma. O processo de
africanização do candomblé evidentemente é muito desigual e depende das
diferentes situações com que se depara aqui e ali. Podemos, contudo afirmar com
segurança que o candomblé que mais se espalha pelo Brasil, o que mais cresce, é
esse que vai cada vez mais deixando de lado as ligações com o catolicismo. Um
seguidor desse candomblé pode, se quiser, frequentar ritos da igreja católica, mas
essa participação já não será mais vista como parte do preceito obrigatório a que
estavam sujeitos os membros dos candomblés mais antigos; já não é mais um dever
ritual. Não é mais necessário mostrar-se católico para poder louvar os deuses
africanos, assim como não é mais necessário ser católico para ser brasileiro.

Um seguidor da umbanda está longe dessas preocupações. Ao contrário, ao


invés de fortalecer sua identidade religiosa, uma aspiração muito corrente entre os
umbandistas é a de se iniciarem também no candomblé. Muitos o fazem e entre
esses não são poucos os que acabam abandonando a umbanda definitivamente
para se dedicar aos orixás segundo o rito do candomblé. Assim se enfraquece a
autonomia umbandista. Nos ritos da umbanda, as preces católicas e a invocação de
Jesus, Maria e santos da Igreja nas letras dos cantos sagrados continuam
indispensáveis. Num hipotético processo de dessincretização da umbanda, grande
parte de seu hinário teria que ser abandonada, pois as referências às crenças
católicas são muito explícitas.

Umbanda e candomblé são religiões mágicas. Ambas pressupõem o


conhecimento e o uso de forças sobrenaturais para intervenção neste mundo, o que
privilegia o rito e valoriza o segredo iniciático. Além do sacerdócio religioso, a magia
é quase que uma atividade profissional paralela de pais e mães de santo, voltada
para uma clientela religiosamente alheia à religião africana (PIERUCCI, 2001).
Nesses termos, o candomblé é visto dentro do próprio segmento afro-brasileiro
24

como fonte de maior poder mágico que a umbanda, o que atrai para o seio do
candomblé muitos umbandistas. (PRANDI, 2003, p. 23)

Ainda para Prandi (2003, p. 23) para o candomblé, que está mais perto do
pensamento africano que a umbanda, o bem e o mal não se separam, não são
campos distintos. A umbanda, porém, quando se formou, se imaginou também como
religião ética, capaz de fazer a distinção entre o bem e o mal, à moda ocidental,
cristã. Mas acabou criando para si uma armadilha. Separou o campo do bem do
campo do mal. Povoou o primeiro com seus guias de caridade, os caboclos, preto-
velhos e outros espíritos bons, à moda kardecista. Para controlar o segundo,
arregimentou um panteão de exus-espíritos e pombagiras, entidades que não se
acanham em trabalhar para o mal quando o mal é considerado necessário. Ficou
dividida entre dois campos opostos, ―entre a cruz e a encruzilhada‖, na feliz
expressão de Lísias Nogueira Negrão (1996). (...) Candomblé e umbanda são
religiões de pequenos grupos que se congregam em torno de uma mãe ou pai de
santo, denominando-se terreiro cada um desses grupos. Embora se cultivem
relações protocolares de parentesco iniciático entre terreiros, cada um deles é
autônomo e autossuficiente, e não há nenhuma organização institucional eficaz que
os unifique ou que permita uma ordenação mínima capaz de estabelecer planos e
estratégias comuns na relação da religião afro-brasileira com as outras religiões e o
resto da sociedade. As federações de umbanda e candomblé, que supostamente
uniriam os terreiros, não funcionam, pois não há autoridade acima do pai ou da mãe
de santo (CONCONE, NEGRÃO 1987, apud PRANDI, 2003, p. 24).

Além disso, aponta Prandi (2003, p. 24) os terreiros competem fortemente


entre si e os laços de solidariedade entre os diferentes grupos são frágeis e
circunstanciais. Não há organização empresarial e não se dispõe de canais
eletrônicos de comunicação. Sobretudo, nem o candomblé em suas diferentes
denominações nem a umbanda têm quem fale por eles, muito menos quem os
defenda. Muito diferente das modernas organizações empresariais das igrejas
evangélicas, que usam de técnicas modernas de marketing, que treinam seus
pastores executivos para a expansão e prosperidade material das igrejas, que
contam com canais próprios e alugados de televisão e rádio, e com representação
aguerrida nos legislativos municipais, estaduais e federal. Mais que isso, a derrota
das religiões afro-brasileiras é item explícito do planejamento expansionista
25

pentecostal: há igrejas evangélicas em que o ataque às religiões afro-brasileiras e a


conquista de seus seguidores são práticas exercidas com regularidade e justificadas
teologicamente. Por exemplo, na prática expansiva de uma das mais dinâmicas
igrejas neopentecostais, fazer fechar o maior número de terreiros de umbanda e
candomblé existentes na área em que se instala um novo templo é meta que o
pastor tem que cumprir.

Grande parte da fraqueza das religiões afro-brasileiras advém de sua própria


constituição como reunião não organizada e dispersa de grupos pequenos e quase
domésticos, que são os terreiros. Num passado recente, entre as décadas de 1950 e
1970, as religiões de conversão se caracterizavam pela formação de pequenas
comunidades, em que todos se conheciam e se relacionavam. A religião recriava
simbolicamente relações sociais comunitárias que o avanço da industrialização e da
urbanização ia deixando de lado. Tanto no terreiro afro-brasileiro como na igreja
evangélica, o adepto se sentia parte de um pequeno e bem definido grupo. Ao
contrário disso, a religião típica da década de 1980 em diante é uma religião de
massa. As reuniões religiosas são realizadas em grandes templos, situados
preferencialmente nos lugares de maior fluxo de pessoas, com grande visibilidade,
que funcionam o tempo todo — algumas 24 horas — e que reúnem adeptos vindos
de todos os lugares da cidade, adeptos que podem frequentar a cada dia um templo
localizado em lugar diferente.

Os crentes seguem a religião, mas já não necessariamente se conhecem. O


culto também é oferecido dia e noite no rádio e na televisão e o acesso ao discurso
religioso é sempre imediato, fácil. Os pastores são treinados para um mesmo tipo de
pregação uniforme e imediatista. No catolicismo carismático, por sua vez, a
constituição dos pequenos grupos de oração teve que se calçar na criação dos
grandes espetáculos de massa das missas dançantes celebradas pelos padres
cantores (SOUZA, 2001). Nesses vinte anos, mudou muito a forma como a religião é
oferecida pelos mais bem-sucedidos grupos religiosos. São mudanças a que o
candomblé e a umbanda, não estão habituados. Não são capazes de se massificar,
mesmo porque a vida religiosa de um afro-brasileiro se pauta principalmente pelo
desempenho de papéis sacerdotais dentro de um grupo de características
eminentemente familiares. Não é à toa que o grupo de culto é chamado de família
de santo. Mais que isso: as cerimônias secretas das obrigações e sacrifícios não são
26

abertas sequer a todos os membros de um terreiro, havendo sempre uma seleção


baseada nos níveis iniciáticos, não sendo concebível a sua exposição a todos, muito
menos sua divulgação por meio televisivo. (...) (PRANDI, 2003, p. 25)

Ao longo do processo de mudanças mais geral que orientou a constituição


brasileira da religião dos deuses africanos, o culto aos orixás primeiro misturou-se
ao culto dos santos católicos para ser brasileiro, forjando-se o sincretismo; depois
apagou elementos negros para ser universal e se inserir na sociedade geral,
gestando-se a umbanda; finalmente retomou origens negras para transformar
também o candomblé em religião para todos, iniciando um processo de
africanização e dessincretização para alcançar sua autonomia em relação ao
catolicismo. Para isso, certamente, o reconhecimento da cultura dos orixás pela
sociedade em geral representa um passo importante e sua divulgação através da
música popular, das novelas de televisão e da literatura, entre outras formas de
manifestação artística, não deixa de ser um meio muito expressivo.

Nos tempos atuais, as mudanças por que passam as religiões dependem,


entre outros motivos, da necessidade da própria religião em mudança de se
expandir e se enfrentar de modo competitivo com as demais religiões. Pertencer
hoje a uma determinada religião é questão de escolha pessoal. A religião que se
professa hoje já não é aquela na qual se nasce, mas a que se escolhe. A religião
que alguém elege para si hoje, selecionada de uma pluralidade em permanente
expansão, também não é necessariamente mais a que seguirá amanhã. O religioso
é agora um ser pouco fiel. Mais de um quarto da população adulta da região
metropolitana de São Paulo professa hoje religião diferente daquela em que nasceu,
são convertidos, muitos tendo experimentado sucessivas opções (PIERUCCI,
PRANDI, 1996).

Houve tempo, aponta Prandi (2003, p. 26) em que a mudança de religião


representava uma ruptura social e cultural, além de ruptura com a própria biografia,
com adesão a novos valores, mudança de visão de mundo, adoção de novos
modelos de conduta, etc. A conversão era um drama, pessoal e familiar,
representava uma mudança drástica de vida. O que significa hoje mudar de religião,
quando a mudança religiosa parece não comover ninguém, como se mudar de
27

religião fosse já um direito líquido e certo daquele que se transformou numa espécie
de consumidor, consumidor religioso, como já se chamou esse converso? (...)

As mais díspares religiões, assim, surgem nas biografias dos adeptos como
alternativas que se pode pôr de lado facilmente, que se pode abandonar a uma
primeira experiência de insatisfação ou desafeto, a uma mínima decepção. São
inesgotáveis as possibilidades de opção, intensa a competição entre elas, fraca sua
capacidade de dar a última palavra. A religião de hoje é a religião da mudança
rápida, da lealdade pequena, do compromisso descartável.

Mas não somente o crente muda de um credo para outro, desta para aquela
religião. As religiões mudam também e mudam muito rapidamente, muitas vezes
suas transformações apontando para um outro público alvo, visando uma clientela
anteriormente fora do alcance de sua mensagem. É verdade que a religião muda a
reboque da sociedade, sobretudo no que diz respeito aos modelos de conduta que
prega e valores que propaga, frequentemente adaptando-se a transformações
sociais e culturais já plenamente em curso, num esforço para não perder o trem da
história, como tem ocorrido especialmente com a igreja católica. Hoje provavelmente
muitas das mudanças contemplam não especificamente a sociedade em
transformação, mas o conjunto das diferentes religiões que se oferecem como
alternativas sacrais, o que significa que a religião muda para poder melhor competir
com as outras crenças em termos da adesão de fiéis, e não em razão de se pôr
numa posição axiológica mais compatível com os avanços da sociedade, embora
isso também possa ser importante e às vezes pressuposto na dinâmica do próprio
mercado religioso. Posições anteriormente alcançadas, tanto no plano da filosofia
religiosa como no das consequências políticas e de orientação na vida cotidiana,
que derivam dos valores então assumidos, podem ser completamente abandonadas,
com a busca de novos modelos que possam melhor apetrechar aquela religião na
concorrência com as demais.

Grupos religiosos, igrejas e denominações cindem-se e se multiplicam,


ampliando ainda mais a oferta. Outras apresentam facetas múltiplas, mantendo a
unidade institucional, mas sendo capazes de atender a demandas variadas a partir
de mensagens diferentes e movimentos particulares, embora gostem de advogar
que a diversidade que contemplam e produzem repousa em verdades teológicas
28

únicas. (...) Tanta oferta, que é crescente, depende de demanda grande e


diversificada. Aquilo que se entende por religião deve contemplar necessidades,
gostos e expectativas que escapam às velhas definições da religião, surgindo as
mais inusitadas formas de acesso ao sagrado e sua manipulação mágica, como
ocorre com muita propriedade no vasto e pouco definido universo do esoterismo.
(PRANDI, 2003, p. 29)

Prandi (2003, p. 29) explica que experimentar novos sentimentos e formas da


religião, contudo, não significa necessariamente mudar de religião. Não é preciso
sair da religião que se professa para provar da mudança religiosa. Quantas vezes
não ouvimos pessoas mais velhas do candomblé reclamar que sua religião não é
mais como costumava ser nos seus tempos de juventude? Para os mais velhos, que
sentem a mudança como perda, a religião certa é a que não muda. As próprias
religiões costumam se apresentar como verdades eternas e imutáveis. ―Assim como
era no princípio, agora e sempre‖, afirma o Credo católico, oração afirmativa de uma
religião em constante transformação.

Os seguidores dos orixás também acreditam na eternidade das verdades


religiosas e na perenidade dos ritos. Sabem que muito se perdeu e se modificou ao
longo da história do culto dos orixás no Brasil, quer em razão das adversidades
sociais e culturais que enfrentou, a começar da própria escravidão, quer por causa
da displicência dos sacerdotes mais antigos, que teriam levado para o túmulo muito
conhecimento que preferiram não passar adiante. É o que se imagina. Pois bem,
esse conhecimento perdido, esquecido, escondido existe em algum lugar, e é
imperativo recuperá-lo, para o revigoramento da própria religião e fortalecimento do
poder de seus rituais, é o que se acredita.

A ideia de que é preciso recuperar o mistério perdido ao longo da história da


religião no Brasil (língua, rezas, cantigas, oriquis, mitos, odus, ebós, tabus etc.) parte
do suposto de que em algum lugar existe sobrevivência ou registro do que se
perdeu, que alguém de grande conhecimento é capaz de ensinar a fórmula
almejada, que algum processo iniciático em outro templo, nação ritualística, cidade
ou país pode resgatar o patrimônio que as gerações anteriores de pais e mães de
santo, por impedimento sociocultural, egoísmo e desleixo, não souberam transmitir
29

às gerações seguintes. Recobrar segredos guardados é imperativo para restaurar o


grande poder mágico da religião. (PRANDI, 2003, p. 30)
30

6. O KARDECISMO

Para Paula (s/d, s/p) existe uma dificuldade para se determinar uma data para
o aparecimento do Espiritismo. Sabemos que os fatos espíritas existiram desde
todos os tempos, mas os espíritas ingleses e americanos costumam indicar como
data inicial do movimento espírita moderno o dia 31/03/1848, que assinala o
episódio mediúnico de Hydesville (irmãs Fox).

Existe uma época que podemos chamar de pré-história do Espiritismo, com


os fatos da Antiguidade e da Idade Média, e uma época de preparação do advento
do Espiritismo, que foi a de Emanuel Swedenborg (1688-1772). A Igreja, cujos
dirigentes ensinavam uma vida após a morte (ressurreição, etc), mas que nunca
souberam, puderam ou quiseram provar, passou a atacar ferozmente os fatos e os
únicos indivíduos através dos quais essa prova‚ cientificamente possível, e que o
faziam e o fazem sem qualquer intuito de combate ou de desdouro as organizações
religiosas. Perdia a Igreja a grande oportunidade de demonstrar a existência da alma
e o seu cortejo de consequências e, do mesmo passo, de levar os seus promitentes
para uma nova etapa. Além de a eles anexar os que em nada acreditavam,
passando-os da forma‚ imposta, do desinteresse e da negação, para uma forma
sistemática, para uma forma‚ raciocinada, na qual os próprios dogmas, e os ritos
viriam a ser respeitados como valores históricos e como símbolos que tinham tido a
sua função no espaço e no tempo e dos quais os Espíritos iriam se emancipando, na
medida de sua mesma evolução. Do outro lado, atraídas pelos fatos, tomando
contato com os seus mortos queridos, as massas menos cultas, ou mesmo incultas,
foram, pôr um compreensível sincretismo religioso, que a ortodoxia não tolerava,
mas que, fina força, aquelas queriam que subsistisse, transformando o Espiritismo
numa religião ritualística. (PAULA, s/d, s/p)

Se, de um lado, aponta Paula (s/d, s/p) o despreparo geral as empurrava


nessa direção, foram desestimuladas pelas excomunhões, pela pressão política
exercida pela Igreja contra as massas espíritas e principalmente contra os médiuns.
E o Espiritismo, que de início atraíra a atenção das camadas mais cultas, pouco a
pouco foi sendo por estas abandonado, ou praticado nas ocultas, para que se não
comprometessem interesses materiais - sobretudo os políticos - dado o prestígio que
31

a Igreja desfrutava junto ao poder civil, nos países em que havia separação legal
entre ela e o Estado.

Então a doutrina caiu nas mãos do povo e a sua prática se alterou. Mas
houve uma diferenciação entre neolatinos e anglo-saxões. Nos países de origem
latina, onde predomina a igreja Católica, de todas a mais intolerante, os espíritas
foram excluídos de seu seio. E, teimosamente, ela apresentou aquele do qual
poderia ter feito o seu melhor aliado como um adversário temível, como uma nova
religião, embora lhe faltassem os requisitos essenciais de uma religião, a saber: um
conjunto de dogmas, um ritual e uma hierarquia sacerdotal. De maneira que, se luta
existe entre ela e o Espiritismo, não foi este quem a provocou.

Mas nos países saxônicos a coisa ‚ difere. Os promitentes da religião estão


mais íntima e solidamente ligados na sua igreja: são eles e não os pastores que a
administram e desenvolvem as obras assistências; com um ritual mais pobre,
enriquecem o Espírito pelo estudo. Assim, o surgimento dos fenômenos espíritas
não foi ignorado nem amaldiçoado, mas recebido como uma prova da sobrevivência
da alma e uma confirmação dos ensinos bíblicos. Os anglo-saxões, particularmente
os ingleses e americanos, aceitaram a revelação espírita com uma restrição, não
admitindo o principio reencarnacionista. Por muito tempo, esse fato serviu de motivo
a ataques e críticas ao Espiritismo, o que não impediu que o movimento seguisse
naturalmente o seu curso. A codificação Kardeciana, cujos princípios giram
praticamente em torno da lei da reencarnação, foi repelida inicialmente pelos anti-
reencarnacionistas. (PAULA, s/d, s/p)

Ainda para Paula (s/d, s/p) no movimento espírita, como em todos os


movimentos, as coisas vão se definindo aos poucos, através do tempo, não se
mostrando logo com a pressão necessária. Somente agora‚ que a figura de Kardec,
reconhecida há muito, nos países latinos, como codificador do Espiritismo, vai se
impondo também nas suas verdadeiras dimensões, ao mundo anglo-saxão. Todas
as descobertas, e todos os empreendimentos têm a sua razão de ser e servir ou
aparecendo, na proporção que se possam adaptar ao meio. Os choques do passado
foram muitos: Galileu, perseguido e martirizado, pôr ter-se lembrado de falar sobre o
movimento da Terra, coisa impossível, ideia louca; Genner com a sua vacina contra
a varíola, que afirmaram pretender ele inocular a bestialidade no homem; Horácio
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Wells, descobridor da anestesia, sofreu tantas perseguições que acabou se


matando; em 1470 o Parlamento francês confiscou os primeiros livros impressos
introduzidos em Paris. O povo considerava os tipógrafos e os impressores como
bruxos, chegando a pedirem, em 1533, a supressão da imprensa; Domenico foi
morto na masmorra pôr ter demonstrado a significação do arco-íris; e vai pôr aí a
fora.

Disse Kardec: ―A Ciência marcha com os homens, sem os homens e apesar


dos homens‖. Os espíritos precisavam fazer saber aos encarnados de sua
existência, e assim começaram a utilizar os médiuns de efeitos físicos para produzir
os mais diversos tipos de fenômenos, tais como: ruídos (conhecidos como raps),
materializações e desmaterializações, fenômenos de transporte, voz direta, etc.

Os termos Espírita, Espiritualista e Espiritista correm lado a lado até‚ que


Allan Kardec definiu como sendo Espiritismo a doutrina dos espíritos codificada por
ele (reencarnacionista), sendo então Espírita quem ‚ participasse desta doutrina. Os
norte-americanos e ingleses (não reencarnacionistas) usam mais o termo
Espiritualista ou Espiritista às vezes Espírita. Na Europa e na América do Norte,
Espiritismo significa principalmente intercâmbio com entidades desencarnadas; os
princípios doutrinários não o objeto de interesse. As pessoas estão o primariamente
interessadas em obter consolações, alegrias, informações e não em se modificarem.
(...) (PAULA, s/d, s/p)

O termo ―espírita‖ ficou definido para os que adotam a doutrina codificada por
Allan Kardec, pôr ocasião em que suas obras foram escritas, ou seja, a mais de 120
anos. No Brasil o Espiritismo assume um papel de destaque em nossa sociedade. A
organização dos vários centros e associações credenciados fica a cargo de
instituições como a Federação Espírita Brasileira - FEB, a Federação Espírita do
Estado de São Paulo - FEESP, a U. S. E. e outras.

O Espiritismo é baseado, como dissemos na codificação Kardeciana e tem


por base a prática do lema: ―Fora da Caridade não há Salvação‖, por isso vemos na
maioria dos centros espíritas credenciados funcionarem as creches, abrigos para a
velhice, escolas para alfabetização, campanhas visando a caridade e obras
assistências sem cobrança de nenhuma taxa ou remuneração. Mas não é só isso. O
verdadeiro espírita vive sua auto reforma, a derrotar constantemente o homem velho
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que existe em seu interior, esforçando-se para vivenciar as lições do Cristo. Ele sabe
que é imperfeito, mas permanece na busca contínua e silenciosa da sua harmonia
com o Cristo.

Dizer que o Espírita não é cristão, ou que não aceita Jesus em seu coração‚ é
no mínimo, ignorar ou desconhecer a Doutrina. O Espírita não só é cristão, como
está constantemente se esforçando por praticar as lições deixadas pelo Mestre
Nazareno. Há muitas confusões, feitas intencionalmente ou não, entre o Espiritismo
e numerosas formas de sincretismo religioso, afro-brasileiro, hoje largamente
difundido. Às vezes, opositores da doutrina espírita costumam fazer
intencionalmente essas confusões, com o fim de afastar pessoas do Espiritismo.
(PAULA, s/d, s/p)

Finalizando Paula (s/d, s/p) afirma que os grupos umbandistas, africanistas e


neo-espiritualistas em geral se intitulam de espíritas. Note que não está agora em
discussão a boa intenção de inúmeros médiuns dispostos a ajudar seu semelhante,
mas a identificação ideológica desses movimentos e do próprio Espiritismo. Algum
tempo atrás, o CONDU - Conselho Nacional Deliberativo Da Umbanda, no Rio de
Janeiro lançou uma campanha para que suas tendas assumissem a definição de
―umbandistas‖ no frontispício das sedes. Infelizmente parece que este projeto não
logrou resultado. Seria de interesse geral que os órgãos federativos da Umbanda,
Candomblé, Santo Daime, União do Vegetal e demais agremiações neo-
espiritualistas e mediunistas, retirassem o título ―espírita‖ de suas fachadas.

A imprensa brasileira é useira e vezeira em utilizar essas palavras em notícias


que envolvem praticas mediúnicas e presença de entidades espirituais. É assim que
se tornam ―espíritas‖ os mais chocantes casos de mistificação, fanatismo, magia
negra, debilidade mental, sacrifícios de animais e até de seres humanos. Há
também as cartomantes, quiromantes, curadores, jogadores de búzios que se dizem
―espíritas‖.

Nosso país é um imenso cabedal de mediunidade. As pessoas são pré-


dispostas na aceitação dos fenômenos mediúnicos e desde pequenas as nossas
crianças são levadas aos médiuns para que recebam algum benefício (benzedeiras).
Na Bahia, por exemplo, a Igreja não sobreviveria sem os terreiros de Umbanda e
Candomblé. É o imenso sincretismo religioso. Muitos dos que se dizem católicos
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frequentam a igreja e visitam regularmente os terreiros das religiões afro-brasileiras.


Não há como negar que a mediunidade faz parte do nosso dia-a-dia. Temos
médiuns espíritas exemplares: Chico Xavier (já falecido), Divaldo Pereira Franco,
Zíbia Gasparetto, Zilda Gama, e muitos outros. Quem não conhece ou ouviu dizer de
alguém que foi até Uberaba e recebeu uma linda mensagem de seu ente querido
desencarnado, trazendo-lhe palavras de conforto e provando delicadamente sua
identidade? A própria imprensa tem divulgado vários casos deste naipe, colocando
em destaque a fabulosa mediunidade do nosso querido Chico Xavier. (...) Chico
nunca recebeu um centavo pelo seu trabalho mediúnico. Cumpriu religiosamente o
―Dar de graça o que de graça recebemos‖. (...) (PAULA, s/d, s/p)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UTILIZADAS E CONSULTADAS

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- Revista Espaço Acadêmico

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