Piovesan - DUDH - Desafios e Perspectivas-31-56
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FLÁVIA PIOVESAN1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
1
Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo de Olavide
(Sevilha, Espanha); visitingfellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000),
visitingfellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), visitingfellow do Max Planck
Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg - 2007 e 2008), sendo atualmente
Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Insititute (2009-2011); Procuradora
do Estado de São Paulo, membro do CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos
Direitos da Mulher), membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro
da SUR – Human Rights University Network.
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1 INTRODUÇÃO
São estas as questões centrais a inspirar o presente estudo que tem por objetivo maior
propor uma reflexão a respeito dos direitos humanos e seus desafios na ordem contem-
porânea, tendo como referência o legado da Declaração Universal de 1948.
Caminhando na história, verifica-se, por sua vez, que, especialmente após a Primeira
Guerra Mundial, ao lado do discurso liberal da cidadania, fortalece-se o discurso social da
cidadania e, sob as influências da concepção marxista-leninista, é elaborada a Declara-
ção dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da então República Soviética Russa,
em 1918. Do primado da liberdade transita-se ao primado do valor da igualdade,
objetivando-se eliminar a exploração econômica. O Estado passa a ser visto como agen-
te de processos transformadores e o direito à abstenção do Estado. Nesse sentido, con-
verte-se em direito à atuação estatal, com a emergência dos direitos a prestações sociais.
A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, bem como as
Constituições sociais do início do século XX (ex.: Constituição de Weimar de 1919, Cons-
tituição Mexicana de 1917, etc.) primaram por conter um discurso social da cidadania,
em que a igualdade era o direito basilar e um extenso elenco de direitos econômicos,
sociais e culturais era previsto. Essa breve digressão histórica tem o sentido de demonstrar
o quão dicotômica se apresentava a linguagem dos direitos: de um lado, direitos civis e
políticos; e do outro, direitos sociais, econômicos e culturais.
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2
Para Henkin: “Por mais de meio século, o sistema internacional tem demonstrado comprometimento com
valores que transcendem os valores puramente “estatais”, notadamente os direitos humanos, e tem
desenvolvido um impressionante sistema normativo de proteção desses direitos”. (1993, p. 2). Ainda sobre
o processo de internacionalização dos direitos humanos, observa Celso Lafer: “Configurou-se como a
primeira resposta jurídica da comunidade internacional ao fato de que o direito ex partepopuli de todo ser
humano à hospitabilidade universal só começaria a viabilizar-se se o ‘direito a ter direitos’, para falar com
Hannah Arendt, tivesse uma tutela internacional, homologadora do ponto de vista da humanidade. Foi assim
que começou efetivamente a ser delimitada a ‘razão de estado’ e corroída a competência reservada da
soberania dos governantes, em matéria de direitos humanos, encetando-se a sua vinculação aos temas da
democracia e da paz”. (Prefácio. In: ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema
global. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. XXVI).
PIOVESAN, F. Declaração Universal de Direitos Humanos 35
É nesse cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos como
paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional.
Fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao
domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional.
Prenuncia-se, desse modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus
nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua
soberania. Para Hurrell (1999, p. 277):
Nesse contexto, a Declaração de 1948 vem a inovar a gramática dos direitos humanos ao
introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela uni-
versalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão
universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito
único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencial-
mente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à
condição humana. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente,
sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O
valor da dignidade humana, incorporado pela Declaração Universal de 1948, constitui o
norte e o lastro ético dos demais instrumentos internacionais de proteção dos direitos
humanos.
da chamada “Era dos Direitos”, que tem permitido a internacionalização dos direitos
humanos e a humanização do Direito Internacional contemporâneo, como atenta
Buergenthal (1991, p. XXXI). No mesmo sentido, afirma Henkin: “O Direito Internacio-
nal pode ser classificado como o Direito anterior à Segunda Guerra Mundial e o Direito
posterior a ela. Em 1945, a vitória dos aliados introduziu uma nova ordem com importan-
tes transformações no Direito Internacional.” (HENKIN, 1993, p. 3).
Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a
consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam
o consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos, na busca da salva-
guarda de parâmetros protetivos mínimos – do “mínimo ético irredutível”. Nesse sentido,
cabe destacar que, até agosto de 2007, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
contava com 160 Estados-partes; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais contava com 157 Estados-partes; a Convenção contra a Tortura contava com 145
Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial contava com
173 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher
contava com 185 Estados-partes e a Convenção sobre os Direitos da Criança apresentava
a mais ampla adesão, com 193 Estados-partes (UNDP, 2007).
Logo, a Declaração de Viena de 1993, subscrita por 171 Estados, endossa a universalida-
de e a indivisibilidade dos direitos humanos, revigorando o lastro de legitimidade da cha-
mada concepção contemporânea de direitos humanos, introduzida pela Declaração de
1948. Note-se que, enquanto consenso do “pós-Guerra”, a Declaração de 1948 foi ado-
tada por 48 Estados, com oito abstenções. Assim, a Declaração de Viena de 1993 esten-
de, renova e amplia o consenso sobre a universalidade e indivisibilidade dos direitos hu-
manos. A Declaração de Viena afirma ainda a interdependência entre os valores dos
direitos humanos, democracia e desenvolvimento.
Não há direitos humanos sem democracia e, tampouco, democracia sem direitos humanos.
Vale dizer: o regime mais compatível com a proteção dos direitos humanos é o regime
democrático. Atualmente, 140 Estados, dos quase 200 Estados que integram a ordem inter-
nacional, realizam eleições periódicas. Contudo, apenas 82 Estados (o que representa 57%
da população mundial) são considerados plenamente democráticos. Em 1985, este percentual
era de 38%, compreendendo 44 Estados (UNDP, 2007). O pleno exercício dos direitos
políticos pode implicar o “empoderamento” das populações mais vulneráveis, o aumento de
sua capacidade de pressão, articulação e mobilização políticas. Para Sen (2003), os direitos
políticos (incluindo a liberdade de expressão e de discussão) são não apenas fundamentais
para demandar respostas políticas às necessidades econômicas, mas são centrais para a
própria formulação destas necessidades econômicas.
O direito ao desenvolvimento, por sua vez, demanda uma globalização ética e solidária.
No entender de Bedjaqui (1991, p. 1.182):
As assimetrias globais revelam que a renda dos um por cento dos mais ricos supera a
renda dos 57% mais pobres na esfera mundial (UNDP, 2007, p. 19).
Como atenta Stiglitz: “The actual number of people living in poverty has actually increased
by almost 100 million. This occurred at the same time that total world income increased by
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Para a World Health Organization “poverty is the world’s greatest killer. Poverty wields
its destructive influence at every stage of human life, from the moment of conception to
the grave. It conspires with the most deadly and painful diseases to bring a wretched
existence to all those who suffer from it.” (FARMER, 2003, p. 50)3.
Serão destacados sete desafios centrais à implementação dos direitos humanos na ordem
contemporânea, tendo como referência o legado introduzido pela Declaração Universal.
3
De acordo com dados do relatório “Sinais Vitais”, do WorldwatchInstitute (2003), a desigualdade de renda
se reflete nos indicadores de saúde: a mortalidade infantil nos países pobres é 13 vezes maior do que nos
países ricos; a mortalidade materna é 150 vezes maior nos países de menor desenvolvimento com relação aos
países industrializados. A falta de água limpa e saneamento básico mata 1,7 milhão de pessoas por ano (90%
crianças), ao passo que 1,6 milhão de pessoas morrem de doenças decorrentes da utilização de combustíveis
fósseis para aquecimento e preparo de alimentos. O relatório ainda atenta para o fato de que a quase
totalidade dos conflitos armados se concentrar no mundo em desenvolvimento, que produziu 86% de
refugiados na última década.
4
Ao conceber o desenvolvimento como liberdade, sustenta Amartya Sen: “Neste sentido, a expansão das
liberdades é vista concomitantemente como 1) uma finalidade em si mesma e 2) o principal significado do
desenvolvimento. Tais finalidades podem ser chamadas, respectivamente, como a função constitutiva e a
função instrumental da liberdade em relação ao desenvolvimento. A função constitutiva da liberdade relaciona-
se com a importância da liberdade substantiva para o engrandecimento da vida humana. As liberdades substan-
tivas incluem as capacidades elementares, como a de evitar privações como a fome, a subnutrição, a mortalida-
de evitável, a mortalidade prematura, bem como as liberdades associadas com a educação, a participação
política, a proibição da censura. Nesta perspectiva constitutiva, o desenvolvimento envolve a expansão destas
e de outras liberdades fundamentais. Desenvolvimento, nesta visão, é o processo de expansão das liberdades
humanas.” (SEN, 1999, p. 35-36 e p. 297). Sobre o direito ao desenvolvimento, ver também Vasak, 1979.
PIOVESAN, F. Declaração Universal de Direitos Humanos 39
O primeiro desafio se refere a um dos temas mais complexos e instigantes da teoria geral
dos direitos humanos, concernente à própria fundamentação dos direitos humanos. O
debate entre os universalistas e os relativistas culturais retoma o dilema a respeito dos
fundamentos dos direitos humanos: por que se tem direitos? As normas de direitos huma-
nos podem ter um sentido universal ou são culturalmente relativas?
decidam quais os valores a serem respeitados. [...] Esta posição poderia ser
classificada como um universalismo pluralista (PAREKH, 1999, p. 139-140).
A respeito do diálogo entre as culturas, merece menção as reflexões de Sen sobre direi-
tos humanos e valores asiáticos, particularmente pela crítica feita às interpretações auto-
ritárias destes valores e pela defesa de que as culturas asiáticas (com destaque ao budis-
mo) enfatizam a importância da liberdade e da tolerância (SEN. Human rights and asian
values. The New Republic, july 14, p. 33-40, 1997, apud HENKIN et al, 1999, p. 113-
116)5. Menção também há que ser feita às reflexões de Abdullah Ahmed An-Na’im, ao
tratar dos direitos humanos no mundo islâmico a partir de uma nova interpretação do
islamismo e da Sharia (AN-NA’IM, Abdullah Ahmed. Human rights in the muslim world.
3 Harvard Human Rights Journal, 13, 1990, apud STEINER; ALSTON, 2000, p. 389-
398) e AN-NA’IM, 1992).
Acredita-se, de igual modo, que a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à
diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidade e direitos,
é condição para a celebração de uma cultura dos direitos humanos, inspirada pela obser-
vância do “mínimo ético irredutível”, alcançado por um universalismo de confluência. Para
a construção desta cultura de direitos humanos, há que se transitar da ideia de
“clashofcivilizations” para a ideia do “dialogue amongcivilizations” (SEN, 2006, p. 12)6.
5
A respeito da perspectiva multicultural dos direitos humanos e das diversas tradições religiosas, ver:
BALDI, César Augusto (Org.). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar,
2004. Em especial os artigos de Chandra Muzaffar (Islã e direitos humanos); Damien Keown (Budismo e
direitos humanos); Tu Weiming (Os direitos humanos como um discurso moral confuciano); e Ashis Nandy
(A política do secularismo e o resgate da tolerância religiosa). Ver também: CHAN, Joseph. Confucionism
and human rights; e CHAN, Stephen. Buddhism and human rights. In: SMITH, Rhona K. M. VAN DEN
ANKER, Christien (Ed.). The essentials of Human Rights. London: Hodder Arnold, 2005, p. 55-57 e p.
25-27, respectivamente.
6
Sobre a ideia de “clash of civilization”, ver: HUNGTINGTON, Samuel. The clash of civilizations and the
remaking of the world order. New York: Simon & Schuster, 1996.
7
Se em 1948 apenas 41 organizações não-governamentais tinham status consultivo junto ao Conselho
Econômico e Social, em 2004 este número alcança aproximadamente 2.350 organizações não-governamen-
tais com status consultivo. Sobre o tema, consultar: McDOUGALL, 2004, p. 13.
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Confundir Estado com religião implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis que, ao
impor uma moral única, inviabiliza qualquer projeto de sociedade aberta, pluralista e de-
mocrática. A ordem jurídica em um Estado Democrático de Direito não pode se conver-
ter na voz exclusiva da moral de qualquer religião. Os grupos religiosos têm o direito de
constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são parte de uma
sociedade democrática. Mas, não têm o direito a pretender hegemonizar a cultura de um
Estado constitucionalmente laico.
No Estado laico, marcado pela separação entre Estado e religião, todas as religiões me-
recem igual consideração e profundo respeito, inexistindo, contudo, qualquer religião ofi-
cial, que se transforme na única concepção estatal, a abolir a dinâmica de uma sociedade
aberta, livre, diversa e plural. Há o dever do Estado em garantir as condições de igual
liberdade religiosa e moral, em um contexto desafiador em que, se de um lado o Estado
contemporâneo busca se separar da religião, esta, por sua vez, busca adentrar nos domí-
nios do Estado (ex.: bancadas religiosas no Legislativo).
Em 1986, foi adotada pela ONU a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, por
146 Estados, com um voto contrário (EUA) e oito abstenções. Para Rosas:
Em uma arena global não mais marcada pela bipolaridade Leste/Oeste, mas sim pela
bipolaridade Norte/Sul, abrangendo os países desenvolvidos e em desenvolvimento (so-
bretudo as regiões da América Latina, Ásia e África), há que se demandar uma globalização
mais ética e solidária. Note-se que, em face das assimetrias globais, os 15% mais ricos
concentram 85% da renda mundial, enquanto que os 85% mais pobres concentram 15%
da renda mundial.
O quarto desafio se relaciona com o terceiro na medida em que aponta aos dilemas
decorrentes do processo de globalização econômica, com destaque à temerária
flexibilização dos direitos sociais.
Nos anos noventas, as políticas neoliberais, fundadas no livre mercado, nos programas de
privatização e na austeridade econômica, permitiram que, hoje, sejam antes os Estados
que se achem incorporados aos mercados e não a economia política às fronteiras esta-
tais, como salienta Habermas (1999).
Há que se romper com os paradoxos que decorrem das tensões entre a tônica includente
voltada para a promoção dos direitos humanos, consagrada nos relevantes tratados de
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proteção dos direitos humanos da ONU (com destaque ao Pacto Internacional dos Direi-
tos Econômicos, Sociais e Culturais) e, por outro lado, a tônica excludente ditada pela
atuação especialmente do Fundo Monetário Internacional, na medida em que a sua polí-
tica, orientada pela chamada “condicionalidade”, submete países em desenvolvimento a
modelos de ajuste estrutural incompatíveis com os direitos humanos. Além disso, há que
se fortalecer a democratização, a transparência e a accountability destas instituições
(STIGLITZ, 2003)8. Note-se que 48% do poder de voto no FMI se concentra nas mãos
de sete Estados (Estados Unidos, Japão, França, Inglaterra, Arábia Saudita, China e
Rússia), enquanto que no Banco Mundial 46% do poder de voto se concentra nas mãos
também destes mesmos Estados (UNDP, 2007). Na percepção crítica de Stiglitz:
[...] we have a system that might be called global governance without global
government, one in which a few institutions – the World Bank, the IMF, the
WTO – and a few players – the finance, commerce, and trade ministries,
closely linked to certain financial and commercial interests – dominate the
scene, but in which many of those affected by their decisions are left almost
voiceless. It’s time to change some of the rules governing the international
economic order [...] (STIGLITZ, 2003, p. 21-22).
8
Para o autor: “When crises hit, the IMF prescribed outmoded, inappropriate, if standard solutions, without
considering the effects they would have on the people in the countries told to follow these policies. Rarely
did I see forecasts about what the policies would do to poverty. Rarely did I see thoughtful discussions and
analyses of the consequences of alternative policies. There was a single prescription. Alternative opinions
were not sought. Open, frank discussion was discouraged – there is no room for it. Ideology guided policy
prescription and countries were expected to follow the IMF guidelines without debate. These attitudes
made me cringe. It was not that they often produced poor results; they were antidemocratic.” (STIGLITZ,
2003, p. XIV).
PIOVESAN, F. Declaração Universal de Direitos Humanos 47
A efetiva proteção dos direitos humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas
específicas, endereçadas a grupos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais
da exclusão. Isto é, a implementação dos direitos humanos requer a universalidade e a
indivisibilidade destes direitos, acrescidas do valor da diversidade. Nas lições de Farmer:
A primeira fase de proteção dos direitos humanos foi marcada pela tônica da proteção
geral, que expressava o temor da diferença (que no nazismo havia sido orientada para o
extermínio), com base na igualdade formal.
Ainda: “temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o
direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade
de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza,
alimente ou reproduza as desigualdades.” (SANTOS, 1997, p. 56).
dar visibilidade a sujeitos de direito com maior grau de vulnerabilidade, visando ao pleno
exercício do direito à inclusão social. Se o padrão de violação de direitos tem um efeito
desproporcionalmente lesivo às mulheres e às populações afrodescendentes, adotar polí-
ticas “neutras” no tocante ao gênero, à raça/etnia, significa perpetuar este padrão de
desigualdade e exclusão.
9
Ver, dentre outras, a pesquisa apontada no artigo: FOR whom the Liberty Bell tolls. The Economist, 31
ago. 2002, p. 18-20.
50 Revista Brasileira de Estudos Jurídicos v. 9, n. 2, jul./dez. 2014
10
De acordo com um funcionário do Governo, “o objetivo de Obama é fazer do desarmamento uma priorida-
de.” (EUA planejam cortar armas. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 fev. 2009).
PIOVESAN, F. Declaração Universal de Direitos Humanos 51
Por fim, cabe enfatizar que, no contexto pós-11 de setembro, emerge o desafio de pros-
seguir no esforço de construção de um “Estado de Direito Internacional”, em uma arena
que está por privilegiar o “Estado Polícia” no campo internacional, fundamentalmente
guiado pelo lema da força e segurança internacional.
À luz desse cenário, marcado pelo poderio de uma única superpotência mundial, o equi-
líbrio da ordem internacional exigirá o avivamento do multilateralismo e o fortalecimento
da sociedade civil internacional, a partir de um solidarismo cosmopolita.
Se a era Bush adotou como vértice uma política internacional guiada pelo unilateralismo
extremo, pautado no direito da força e no “hard power”, a era Obama aponta a uma
política internacional guiada pelo “clever power”, a propiciar o multilateralismo e o diálo-
go intercultural. Joseph Nye já alertava ao “paradox of american power and why the
world’s only superpower can’t go alone”. Isto é, a manutenção da hegemonia norte-
americana não poderia mais se sustentar apenas no “hard power”, na óptica unilateralista
da força, orientada pela visão “westandtherest” (o ocidente e o “resto”), mas teria que
cultuar o “soft power”, a lógica multilateralista do diálogo, a legitimidade das negociações
e dos consensos internacionais. Há que se transitar da ideia do choque civilizatório
(“clashofcivilizations”) para a ideia do diálogo civilizatório (“dialogue amongcivilizations”).
Nesse quadro, emerge ainda o fortalecimento da sociedade civil internacional, com imen-
so repertório imaginativo e inventivo, mediante networks/redes que aliam e fomentam a
interlocução entre entidades locais, regionais e globais, a partir de um solidarismo cosmo-
polita. Se em 1948 apenas 41 ONG’s tinham status consultivo junto ao Conselho Econô-
mico e Social da ONU, em 2004 este número aponta a aproximadamente 2.350 ONG’s
(McDOUGALL, 2004, p. 13). Para Kaldor (1999, p. 211), “As vantagens na atuação da
sociedade civil são precisamente seu conteúdo político e suas implicações no campo da
participação e da cidadania. A sociedade civil adiciona ao discurso de direitos humanos a
noção de responsabilidade individual pelo respeito a estes direitos mediante ação públi-
ca.”.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se, no início, este artigo acentuava que os direitos humanos não são um dado, mas um
construído, enfatiza-se agora que a violação a estes direitos também o são. Isto é, as
violações, as exclusões, as discriminações, as intolerâncias são um construído histórico, a
ser urgentemente desconstruído. Há que se assumir o risco de romper com a cultura da
“naturalização” da desigualdade e da exclusão social que, enquanto construídos históri-
cos, não compõem de forma inexorável o destino de nossa humanidade. Há que se en-
frentar essas amarras mutiladoras do protagonismo, da cidadania e da dignidade de seres
humanos. A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de
igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades
humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da digni-
dade e pela prevenção ao sofrimento humano.
PIOVESAN, F. Declaração Universal de Direitos Humanos 53
Vislumbra Arendt a vida como um milagre, o ser humano como, ao mesmo tempo, um
início e um iniciador, acenando que é possível modificar pacientemente o deserto com as
faculdades da paixão e do agir. Afinal, se “all human must die; each is born to begin.”
(ARENDT, 1998).
Resta concluir pela crença na implementação dos direitos humanos, como a racionalidade
de resistência é única plataforma emancipatória de nosso tempo, inspirada no princípio da
esperança e da capacidade criativa e transformadora de realidades.
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