Controle e "Desvios de Conduta" No Judiciário Brasileiro Notas para Uma Agenda de Pesquisa
Controle e "Desvios de Conduta" No Judiciário Brasileiro Notas para Uma Agenda de Pesquisa
Controle e "Desvios de Conduta" No Judiciário Brasileiro Notas para Uma Agenda de Pesquisa
ISSN: 0104-6721
ISSN: 2176-8099
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FFLCH-
USP
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2019.165678
Resumo O artigo esboça elementos para analisar os mecanismos de controle dos agentes
judiciais no âmbito do poder Judiciário. Através de análise documental procuramos
evidenciar as dimensões históricas e políticas da construção da ideia de controle
sobre as atividades da magistratura com foco na disposição institucional pós-1988
e, particularmente, nas mudanças instituídas com a atuação do Conselho Nacional
de Justiça. Procuramos relacionar a emergência de inovações jurídico-formais no
contexto da relação entre os Poderes, enfatizando a dimensão corporativa e a atuação
do Conselho da Magistratura. Para além dos limites das abordagens da problemática
do controle da magistratura, a análise dos dados obtidos permitiu esboçar elementos
sobre o perfil dos casos de “desvio de conduta” de magistrados, bem como, apontar os
limites das fontes públicas disponíveis para apoiar esse tipo de estudo.
Palavras-chave Controle. Judiciário. Conselho Nacional de Justiça.
Abstract The article outlines elements to analyze the control mechanisms of judicials
agents within the scope of Judiciary. Through documentary analysis, we look to
evidence the historical and political dimensions of the construction of the idea of
control over the activities of the magistracy focusing on the institutional arrangement
post-1988 and, in particular, in the changes instituted by The National Council of
Justice. We seek to relate the emergence of legal-formal innovations in the context
of the relationship between the Powers, emphasizing the corporate dimension and
the acting of the Council. Beyond the limits of approaches to the problem of control
of the judiciary, an analysis of the obtained data allowed to outline elements about
the profile of cases of “deviations of conduct” of magistrates, as well as, to point out
the limits of public sources available to support this type of study.
Keywords Control. Brazilian Judiciary. Brazilian National Council of Justice.
a Doutorando em Ciência Política pela UFRGS e pesquisador do Núcleo de Estudos em Justiça e
Poder Político (ufrgs.br/nejup).
b Professor Associado III de Ciência Política da UFRGS, Pesquisador 1D do CNPq, membro da
Diretoria Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) 2018/2020, atual coor-
denador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS e do Núcleo de Estudos
em Justiça e Poder Político (NEJUP).
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.26.2, ago./dez., 2019, p.152-173
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1 Outras abordagens produziram estudos através da história das instituições políticas (ver Mühlen-
brock, 1997, para o caso chileno), do estudo etnográfico (ver Mujica, 2011, para o Peru), ou ainda,
da aferição da “qualidade” do sistema de justiça em relação ao desenvolvimento econômico (ver
Fajardo, 2002, que faz uma comparação entre a matriz judicial herdada da colonização latina
comparada à matriz do direito anglo-saxão para explicar os problemas do caso colombiano).
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Judiciário (ver Chakraborty, 2010, para a Índia; Gong, 2004, para a China) – e, em
segundo lugar, a percepção da corrupção expressa na forma de índices elaborados
por organismos internacionais (ver Barret, 2005, para uma análise comparativa
transnacional).
A relação entre essas duas dimensões também foi enfatizada para identificar as
variáveis institucionais que possam ter relevância sobre a incidência da corrupção.
O aspecto formal-legal proporcionaria aos agentes a possibilidade de escolhas
mais acertadas em termos do risco envolvido na prática de desvios. Uma espécie
de cálculo econômico que os indivíduos fariam em torno dos riscos de possíveis
punições versus as vantagens a serem obtidas. As regras de funcionamento das
instituições, quando analisadas em conjunto com os índices de percepção da
corrupção permitiriam a execução de “diagnósticos” capazes tanto de medir a
corrupção no Judiciário, quanto apontar as suas causas e potenciais soluções (ver
Basabe-Serrano, 2013, para uma comparação entre três casos sul-americanos;
Begović, 2004, para a Sérvia; Grødeland, 2005, para uma comparação entre
quatro países do antigo bloco soviético; e Urribarrí, 2008, para uma comparação
na América Latina).
Na tentativa de considerar a dimensão institucional em termos de ocorrência
dos casos de desvio no Judiciário, nossa estratégia foi nos reportarmos aos dispo-
sitivos legais que subsidiam a análise sócio-histórica da construção da ideia de
controle sobre o Judiciário na nova República e nas últimas sessões deste artigo
procuramos reunir uma série de dados sobre os casos públicos de desvios no
Judiciário, considerando os limites impostos pelo tratamento com que são ende-
reçados os casos no seio deste Poder. A partir da criação do Conselho Nacional
de Justiça, houve centralização e racionalização relativas desses processos na
esfera administrativa que, embora forneçam informações apenas superficiais
quanto aos méritos, permitem uma tabulação de dados fiável. Juntamente com o
cruzamento de informações reunidas da imprensa, é possível apreender em torno
desses casos, pistas complementares para analisar o estado atual dos “controles”
sobre a magistratura brasileira.
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2 A primeira foi uma comissão provisória, criada pelo Executivo a fim de elaborar um anteprojeto
para a nova Constituição, posteriormente rejeitado pelo Legislativo.
3 A criação do CNJ era vista por muitos políticos na época como necessária contrapartida em
relação à grande autonomia dada ao Judiciário pelos constituintes. A existência de órgãos ho-
mólogos em democracias consolidadas era costumeiramente lembrada.
4 Em um movimento que ficou conhecido como “dia do protesto”, vários magistrados registra-
vam sua posição contrária a criação do Conselho em atas de julgamento que eram enviadas ao
presidente da ANC.
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8 Apesar de 60% dos conselheiros serem do Judiciário, eles podem ter carreira inicial fora da
magistratura, como os membros do STF (que são indicados pelo chefe do Executivo) e do STJ
(pelo menos 1/3 são advogados ou membros do MP), ou ainda os que têm origem noutros tribu-
nais onde se aplica a regra do quinto constitucional. No entanto, uma vez que ingressam nessas
cortes, eles passam à condição de magistrados.
9 Na composição do CNJ, ele sempre é o Ministro do STJ.
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contra os “bandidos de toga” (ver entrevista concedida por Calmon, 2011). Ques-
tionando a idoneidade de seus colegas, a resistência do Judiciário para investigar
seus membros, o caráter brando das penalidades que dispunha para puni-los
(especialmente quanto à “penalidade máxima” de aposentadoria compulsória),
os esforços dos acusados para atrasar as investigações e arrastar o processo, a
então Corregedora criticou o STF por decisões que suspendiam ou anulavam as
penalidades conferidas pelo CNJ.
As polêmicas declarações ensejaram respostas contundentes das associações
de magistrados. Para o presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro,
a Corregedora desrespeitava a Constituição e o STF, demonstrava arrogância e
passava por cima das leis10. O presidente do Conselho (e do STF) leu na abertura da
135ª sessão plenária do CNJ uma nota subscrita por conjunto de conselheiros criti-
cando a Corregedora por ofender, de forma generalizada e “leviana”, o Judiciário
e a magistratura, desacreditando a instituição “perante o povo”11. No mesmo tom,
várias outras entidades da magistratura também publicaram notas12. Deputados e
Senadores, ao contrário, escreveram em favor da Corregedora e pela manutenção
das competências fiscalizadoras do Conselho reproduzindo, mais uma vez, o
jogo político entre os Poderes. No ano seguinte, o STF concluiu que o Conselho
possui competência “concorrente” aos tribunais em matéria correicional, podendo
instaurar processos sem depender da atuação das corregedorias locais, decisão
que foi repetidamente questionada, mas mantida até os dias atuais13.
Dos vinte e um tipos processuais que podem tramitar no CNJ, apenas um
deles pode investigar atos dos agentes do Judiciário. O Ministro-Corregedor, uma
vez que recebe a reclamação, pode dar-lhe três destinos: indeferi-la e arquivá-la,
enviá-la para a corregedoria local, ou promover a apuração do caso – notificando
o acusado para prestar esclarecimentos ao Conselho. Decidido que há chance
de existir ato irregular do magistrado, o Corregedor pode propor ao plenário a
instauração desse processo (PAD)14.
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Gráfico 1. Incremento processual de competência correicional no CNJ por ano, entre 2007
e 2017. Fonte: Elaborado a partir de Brasil, Conselho Nacional de Justiça, 2018, p. 75.
Gráfico 2. Incremento de PADs no CNJ por ano, entre 2007 e 2017. Fonte: Elaborado a
partir de Brasil, Conselho Nacional de Justiça, 2018, p. 86.
Tabela 2. Penalidades aplicadas em PADs julgados pelo CNJ entre 2007 e 2017.
Penalidade aplicada Ocorrências
Advertência 5
Censura 11
Remoção compulsória 4
Disponibilidade 8
Aposentadoria compulsória 57
Total 85
Fonte: Elaborado a partir de Brasil, Conselho Nacional de Justiça, 2018, p. 87.
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17 O relatório de 2018 do CNJ (que traz dados até 2017), apresenta 57 PADs que aposentaram ma-
gistrados, porém, tal número desconsidera outros tipos de processos que também concluíram
com a penalidade máxima, como as revisões disciplinares – revisão de julgamentos das corre-
gedorias locais – e as avocações – processos em curso nas corregedorias que foram tomados
pelo Conselho. Também há casos em que um único processo traz mais de um acusado – como
o PAD 0001922-91.2009.2.00.0000, que terminou com 10 juízes aposentados – esse tipo de
ocorrência é considerada pelo CNJ como sendo processos diferentes, um para cada magistrado
penalizado. Também há casos em que o mesmo juiz foi aposentado mais de uma vez, em dife-
rentes processos.
18 Num primeiro contato com o Conselho, tivemos a informação de que o acesso seria garantido
através do sistema de processos eletrônicos. No entanto, em todos os casos desse tipo, tal sistema
não retorna resultados, mesmo tendo o código exato de cada processo. Num segundo momento,
o órgão informou que os processos são “sigilosos” – mesmo após transcorrido seu término. Ainda
que vários pedidos nossos, embasados na Lei de Acesso à Informação, foram formalizados em
terceira tentativa, nenhum deles obteve sucesso. Para mais detalhes dessa trama, ver: Vieira,
2019, p. 78-80.
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Chamamos atenção sobre o fato de que o maior número desses casos ocorre,
justamente, em 2010: ano anterior à publicação da resolução que regulamenta esses
processos e da reação corporativa dos magistrados ilustrada pela ação ajuizada
pela AMB questionando as atribuições correicionais do CNJ.
A distribuição por tribunal de origem dos magistrados demonstra que, em
39 julgamentos, eles atuavam na primeira instância (60%), e em 25, na segunda
instância. Apenas 1 julgamento condenou um membro de tribunal superior (do
STJ). Quanto à distribuição por esfera de competência, a ampla maioria dos casos
(53) tem origem na justiça dos estados (~81,5%). Os outros casos provêm da justiça
do trabalho e da justiça federal (Vieira, 2019, p. 82-84).
É preciso destacar que os dispositivos legais que embasaram esses julgamentos
possuem caráter amplo e indefinido, não especificando condutas: essas referências
normativas versam sobre princípios gerais que devem ser observados no exercício
da função. A infração mais ocorrente (29 vezes), diz respeito ao inciso I, art. 35
da LOMAN, que trata do dever de “cumprir e fazer cumprir, com independência,
serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”. Já o inc. VIII,
segundo mais frequente (23 vezes), dispõe sobre a “conduta irrepreensível na
vida pública e particular” do magistrado. O terceiro lugar (13 vezes) refere-se ao
art. 15 do Código de Ética da Magistratura, possuindo grande semelhança com
a regra anterior: “A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito
da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na
judicatura”. De fato, esses dispositivos limitam-se a princípios gerais, abstratos e
abrangentes, que poderiam se estender a outros servidores públicos na definição
de comportamentos socialmente esperados.
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19 Basta fazer uma busca em torno do tema para comprovar: enquanto é muito mais intensa a
produção de manchetes sobre os “escândalos” da política, havendo considerável produção de
literatura à respeito, inclusive livros de jornalismo investigativo que “narram” esses aconteci-
mentos, no caso do Judiciário, poucos jornalistas se engajam nessa problemática, como é o caso
de Frederico Vasconcelos: seu blog especializado na crítica ao Judiciário e suas publicações sobre
alguns casos de desvio já lhe renderam alguns processos judiciais ajuizados por magistrados que
se sentiram ofendidos em sua honra (para mais detalhes, ver: Leoratti, 2019; Schiavon, 2009;
Vasconcelos, 2005).
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Além das motivações acima, ainda figuram como conteúdo: associação com
o tráfico internacional de drogas, relação sexual com menor de idade, assédio,
nepotismo, grilagem, repasse de informações sigilosas, prisão ilegal e nomeação
ilegal de funcionário – todos com uma ocorrência cada. Na grande maioria dos
casos (61), o desvio é diretamente ligado à função judicante – somente 4 casos
poderiam ser imputados a qualquer outro cidadão. Em pelo menos 25 casos foi
elucidada a recepção de valores monetários em troca de atos do magistrado (desvio
de recursos e venda decisões). Apenas em 4 ocorrências há explícita ligação com
o meio político.
Diferentes conteúdos também ensejam diferentes níveis de repercussão na
imprensa. Procuramos classifica-los conforme o número de ocorrências no mais
popular buscador da internet e obtivemos resultados muito díspares, variando
entre 3 e 1500 ocorrências (Vieira, 2019, p. 88-92). Esse número não guarda
relação com o tempo transcorrido desde a conclusão do caso. Contudo, os casos
com maior repercussão são aqueles em que ficou evidente o recebimento ilegal
de valores pelo juiz. Parcialidade nas decisões, negligência, demora excessiva ou
celeridade incomum, abuso de autoridade, vinculação de processos e comporta-
mento desrespeitoso, compõem os casos de menor repercussão (pois não teria
sido possível identificar o recebimento ou o desvio de recursos pelo “aposentado”,
havendo menor potencial para o escândalo político e midiático).
Em relação às votações dos julgamentos, a maioria (~67,7%) ocorreu de
forma unânime. Nos casos em que a aposentadoria compulsória foi aplicada por
votação em maioria, 61% dos votos discordantes (pró-réu) foram proferidos por
conselheiros originários da magistratura – o restante pelos conselheiros não-
-juízes. A tendência corporativista dos votos dos conselheiros juízes – em oposição
à tendência punitivista dos não-juízes – já foi atestada por uma amostra maior,
incluindo outras classes processuais (Franco, 2015, p. 146-148). Em 9 julgamentos
ocorreu voto divergente (pró-réu) pelo conselheiro relator do processo – dentre
esses, apenas em 2 casos o relator era não-juiz.
O peso da magistratura sobre a atuação do Conselho é inerente a forma como
este é composto (60% de conselheiros juízes). Não obstante, o corporativismo da
magistratura ganhou ainda mais espaço no CNJ pela criação de dois “conselhos
consultivos”. Sob alegação de auxiliar a Presidência do órgão, esses instrumentos
representam o sequestro do Conselho pelas entidades representativas de juízes:
um deles é composto por presidentes de associações corporativas da magistratura
(Portaria CNJ n. 30/2015) e o outro por membros do “Colégio Permanente de
Presidentes de Tribunais de Justiça” (Portaria CNJ n. 29/2015). Essas medidas
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teriam sido adotadas para responder aos “apelos” de desembargadores por “maior
participação” no CNJ20. A medida foi adotada pelo então Presidente do STF/CNJ,
Ricardo Lewandowski, que fez carreira na magistratura após passagem por cargos
de indicação política na administração. Abaixo temos o número de aposentado-
rias compulsórias aplicadas pelo Conselho, segundo a ocupação da Presidência
do STF/CNJ.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos elucidar como se deu a construção histórica do Judiciário após
a Constituição de 1988 no Brasil, marco legal e produto da luta política que lhe
forneceu grande parte na distribuição do poder político. Além de ampla inde-
pendência e autonomia, a Constituição ampliou as capacidades do Judiciário em
mediar conflitos entre cidadãos e o Estado, bem como entre os Poderes de Estado.
Ao revés, não foram previstos mecanismos eficazes de controle sobre o Judiciário,
especialmente quanto às atividades da magistratura – o que se traduz em óbvias
implicações sobre a incidência de corrupção e desvios.
As inovações trazidas com a Emenda n. 45, ao mesmo tempo que promoveram
a instituição do CNJ, inaugurando um órgão de controle, acabaram por reforçar a
tutela judicial sobre a política, amplificando a poderosa institucionalidade deste
Poder. Ao passo que o Conselho tenta centralizar a complicada tarefa de fiscalizar
os servidores do Judiciário, trazendo alguma publicidade em torno dos casos (em
verdade parcial e fragmentada), o acesso às fontes ainda é restrito, especialmente
quando se trata de um membro da magistratura que é penalizado. O Conselho
também não consegue impor autoridade suficiente para promover maior trans-
parência no interior dos tribunais. As corregedorias locais continuam podendo
instaurar PADs e aposentar juízes sem que isso tenha qualquer repercussão ou se
transforme em indicador.
Os caracteres societários também imprimem grande constrangimento ao
funcionamento do campo jurídico. Podemos notar, por vários episódios, que a
construção de um corporativismo entre os magistrados – atuando sempre para
despistar quaisquer mecanismos de controle – se torna explícito, seja por declara-
ções de dirigentes de associações da categoria, seja por meios objetivos que fazem
transparecer o “espírito de corpo” – como no episódio da ação que contestou as
competências correicionais do Conselho. Esse espírito é reforçado pelos meca-
nismos de recrutamento que, ao passo que são ineficazes para selecionar os mais
preparados para a futura função, atuam reforçando a elitização da categoria
e garantindo aos ingressantes a quase absoluta certeza de sucesso na carreira,
conferindo-lhes prestígio e poder que raramente são postos em dúvida.
Pela análise dos casos de aposentadoria compulsória aplicadas pelo CNJ
(penalidade máxima no âmbito desse órgão), verificamos que a grande maioria
dos atos desviantes decorrem diretamente da atividade judicante. Vimos que a
maioria dos casos são provenientes da justiça estadual e da primeira instância,
que compõe o polo dominado da magistratura em comparação aos tribunais
superiores, cujos membros, dotados de maior capital político, muito raramente
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são punidos. Embora apenas uma ínfima parte dos processos correicionais do
Conselho seja do tipo que pode penalizar mais “gravemente” o juiz, uma vez que o
PAD seja instaurado, a chance do juiz ser aposentado é superior a 67%. A relação
entre esses números pode sugerir a importância dispensada aos casos é minorada
até um limite de gravidade suficientemente evidente que remeta à instauração do
PAD e seu julgamento em plenário. No entanto, resta avaliar quais são os impera-
tivos para que poucos casos sejam avaliados em plenário e, mais ainda, a ínfima
quantidade processos instaurados na esfera penal.
Penalidade questionável que dá ao magistrado a possibilidade de continuar
recebendo vencimentos que raramente são interrompidos por uma sentença penal
condenatória – o que também possui efeitos óbvios sobre a incidência desses casos
– traduz a limitação da atuação deste Conselho: enquanto órgão de controle, não
tem condições de reverter o quadro institucional de baixo accountability presente
no Judiciário brasileiro. Ao contrário, ao produzir indicadores de desempenho do
sistema de justiça e publicar, de forma esporádica e lacunar, informação sobre os
casos de magistrados que foram penalizados, mantendo o sigilo sobre a parte mais
substancial dos casos (os autos do processo), contribui para legitimar um modelo
que tende a restringir o controle público do Judiciário. Se é possível questionar
a forma como boa parte dos trabalhos sobre corrupção no Judiciário mobilizam
índices “interessados” de percepção da corrupção como método para mensurar
a ocorrência desses problemas, também podemos conjeturar que, num universo
de mais de 16 mil magistrados em atividade, é frágil supor que somente 60 deles
protagonizaram casos de corrupção e desvio ao longo do período analisado. No
entanto, é o que os limites impostos à publicidade dos dados permitem asseverar.
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