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A Globalização Da Comunicação Cap. 3

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3 A Vez da propaganda

A Grande Guerra conferiu à propaganda


seu título de nobreza. A paz a consagra como
método de governo. No período entre-guerras,
a ambição hegemônica dos Estados Unidos co-
meça a preocupar os criadores europeus no
que tange a cultura comercial. Já próximo da
segunda conflagração mundial, as estratégias
de propaganda dão o tom na internacionaliza-
ção do rádio.

O Gerenciamento da opinião popular

1. Uma Guerra de informação. - Primei-


ra guerra de âmbito mundial, a guerra de 1914-
18 para alguns significou um “despertar das
consciências”,ao passo que para outros ela foi
“pura enganação”, um imperativo maior. Guerra
política, econômica e ideológica, este conflito
de proporções mundiais não se limitou apenas
ao palco das operações militares. Os beligeran-
tes criam organismos oficiais de propaganda e
censura. O mais ativo no exterior é a britânica
Crewe House. Sua equipe é composta por jorna-
listas como Lord Northcliffe, proprietário do Ti-
mes, ou romancistas como G. H. Wells ou Rud-
yard Kipling. Centro de emissão de despachos,

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Londres é a referência técnica para a transmis-
são mundial de notícias da guerra. O governo
dos Estados Unidos cria o Committee on Public
Information ou o Comitê Creel, nome do jorna-
lista que o dirige. É neste comitê que Edward
Bernays (1895-1990), futuro fundador da indús-
tria das relações públicas, começa sua carreira.
A dose de rumores, de notícias fabricadas e de
clichês enganadores postos em circulação é di-
retamente proporcional ao rigor adotado pelos
dispositivos de censura.
Para a França, que não fica atrás no rigor
das medidas de censura interna, a Primeira Guer-
ra é uma ocasião de constatar o atraso do dispo-
sitivo diplomático na área dos “meios de ação in-
telectual no exterior”, conforme uma expressão
muito em voga na época.Associando jornalistas
e editores, uma “Maison de la Presse” (Casa da
Imprensa) é criada com correspondentes nas
embaixadas. Na primavera de 1918, é acrescenta-
do um comitê especial criado sob a égide do Mi-
nistério da Educação e das Belas Artes, cuja mis-
são é orientar a “propaganda artística no exte-
rior”. Um de seus figurantes mais notáveis é a câ-
mara sindical da alta costura.
Após a grande derrota em Verdun, o alto
comando do exército do Kaiser pede, em 1917,
que seja criada a UFA (Universum Film AG). Jun-
to com os bancos e as grandes empresas, os mi-
litares agrupam as empresas do ramo que estão
dispersas e fundam uma sociedade cujo campo
de atividade engloba todos os “setores do cine-
ma, bem como a fabricação e o comércio de

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qualquer atividade ligada à indústria do cinema
e da imagem luminosa”. A idéia subjacente é
não apenas transformá-la em arma de propa-
ganda, mas dotar o país de uma indústria cine-
matográfica capaz de garantir-lhe o controle do
mercado interno dominado pelas companhias
estrangeiras. Em fevereiro de 1916, o governo
havia baixado diversas medidas como as que
criavam a exigência de uma autorização espe-
cial para a importação de filmes. Um ano mais
tarde, todas as importações ficavam proibidas.
Pela primeira vez na História um país desafiava
as leis do livre comércio com base nas necessi-
dades da indústria cultural.
A UFA torna-se a primeira sociedade cine-
matográfica no mundo a integralizar verticalmen-
te suas atividades. O Reich inventa o conceito de
“cinemas do fronte”, de “trupes cinematográfi-
cas” e de “oficiais do cinema”. Mas não haverá
tempo suficiente para mobilizar todos os recur-
sos deste projeto nascido sob o signo do gigantis-
mo e, definitivamente, exageradamente militar.
Após a declaração do armistício,os estrategos ale-
mães verão na eficiente propaganda aliada uma
das principais causas da derrota de suas tropas.

2. A Revelação da propaganda. - Con-


forme fora verificado pelos dois campos anta-
gonistas, a importância da propaganda na de-
flagração do conflito fora tal que chega a ser
vista com todo-poderosa. Os discursos apolo-
géticos dos publicitários e cientistas políticos,
fundadores da sociologia americana da mídia,

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transferem para o tempo de paz essa experiên-
cia dos tempos de guerra. Cria-se a convicção
de que a democracia não consegue sobreviver
sem as técnicas modernas de “gerenciamento
invisível da sociedade maior”, no interior
como no exterior do perímetro do Estado Na-
cional. Daquele momento em diante, já esti-
mam os primeiros especialistas em “relações
internacionais”, a diplomacia deverá contar
mais com a “psicologia de massa” do que com
o “poder do charme”e os “acordos secretos”.
Em 1922, o americano Walter Lippmann
(1889-1974) lança o Public Opinion. Nesta
obra, destinada a tornar-se texto de referência
nas escolas de jornalismo das universidades
americanas, ele deduz do comportamento dos
meios de comunicação durante a guerra e no
imediato pós-guerra uma primeira teoria da opi-
nião pública em sua relação com a paz interna-
cional. Baseado em sua experiência de capitão
do fronte da propaganda e conselheiro da dele-
gação americana na Conferência de Paz, ele faz
uma primeira reflexão sobre a natureza da infor-
mação e os esteriótipos que impedem a com-
preensão entre os povos. Esta teoria havia sido
testada por ele mesmo em “A Test of the News”,
um extenso artigo publicado em relatório de 42
páginas num suplemento do New Republic de 4
de agosto de 1920. Escrito com a colaboração
de seu compatriota e colega de profissão Char-
les Merz, igualmente antigo oficial, o trabalho
analisa como o New York Times forjou, entre
1917 e 1920, a imagem do “perigo vermelho”.

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Os dois autores chegam a pensar em uma cam-
panha sistemática de desinformação destinada
ao público americano. É, em todo caso, com
base em esteriótipos semelhantes que o Depar-
tamento de Justiça e o FBI vão apoiar-se para de-
sencadear a primeira caça às bruxas contra os
“agentes e conspiradores de Moscou”, os cha-
mados “Reds”, que termina em 1927 com a exe-
cução dos imigrantes italianos Sacco e Vanzetti,
símbolo de um erro judiciário provocado pela
pressão de uma opinião pública atiçada.
No mesmo ano, Harold Lasswell (1902-
1978) publica um livro fundador da sociologia
funcionalista da mídia: Propaganda Techniques
in the World War. Como o próprio título indica,
o material de reflexão é tirado da Grande Guer-
ra. Sob a lupa do cientista político, a propagan-
da assume uma aura de eficácia infalível.

3. Alta cultura ou marketing? - Logo


após a assinatura do armistício, a Casa Branca
dissolve o Comitê Creel. Ignorando as lições da
guerra, e bloqueando qualquer tentativa de pro-
longar no exterior o trabalho de informacão ofi-
cial, será brutalmente despertada de seu sono
com os assaltos da propaganda nazista.
O governo britânico, por sua vez, cria um
império chamado Marketing Board, com a mis-
são de promover a venda dos produtos do impé-
rio (Buy British). Uma sub seção do serviço
“Publicidade e Educação” é encarregada da pro-
dução cinematográfica. Seu diretor, o escocês
John Grierson (1898-1972), que passou a guerra

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num navio caça-minas e em seguida viajou para
os Estados Unidos para observar não somente a
produção dos primeiros filmes de Robert Fla-
herty, mas os primeiros passos da indústria de
relações públicas, transforma-a num viveiro da
escola do documentário britânico, com a qual
cineastas estrangeiros são convidados a colabo-
rar. Grierson é também o mentor do projeto de
criação do British Council e de sua rede de an-
tenas culturais, ambicioso plano de ação “para a
projeção da Inglaterra” onde a propaganda cine-
matográfica ocupa lugar de destaque.
Quanto à França, ela não aprende nem
com o desenvolvimento das técnicas audiovi-
suais, nem com o papel estratégico da informa-
ção e da propaganda. Confiante na vocação uni-
versal da cultura do Iluminismo, ela reformula
as linhas gerais de sua política de “relações cul-
turais internacionais”. Convencida de que sua
influência exterior se mede pela captação das
elites dos países visados, ela multiplica o envio
de missões universitárias de ensino.

A Ascensão irresistível dos Estados


Unidos
1. A Base do poder das comunicações. -
Durante a Primeira Guerra são aperfeiçoadas as
técnicas de codificação e decodificação de men-
sagens secretas e aperfeiçoam-se o telégrafo e o
telefone. Principalmente, porém, ela confirma o
papel das radiocomunicações e a primazia in-
dustrial da Grã-Bretanha nessa indústria.

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Logo após a guerra, a US Navy, em nome de
interesses estratégicos da nação, procura contra-
balançar essa posição dominante. Por sugestão
sua, em 1919, a American Marconi, filial local da
British Marconi, é absorvida pelo consórcio for-
mado pelos gigantes dos equipamentos elétricos
e das telecomunicações: General Electric,ATT e
Westinghouse, ao qual acrescenta-se a United
Fruit.A operação resulta na criação de uma firma
especializada em técnicas de radiocomunicação,
a RCA (Radio Corporation of America). A partir
de 1926, esta firma começa a construir a primei-
ra rede telefônica dos Estados Unidos (NBC).
Símbolo do poderio crescente dos Estados Uni-
dos na rede mundial da comunicação a distância
na virada dos anos 30, é a International Tele-
graph & Telephone (ITT) que arranca às compa-
nhias britânicas o monopólio de ligações inte-
rurbanas na América do Sul, que detinham desde
a instalação dos primeiros cabos submarinos.
A oportunidade da aliança industrial sob a
égide dos militares já é visível desde o final da
década de 1920 nos acontecimentos internacio-
nais. Nessa época, a integração das diversas téc-
nicas de transmissão a distância está no centro
dos debates sobre a regulamentação das redes
internacionais. Em 1932, a União Telegráfica e a
União Radiotelegráfica se fundem e surge a
União Internacional das Telecomunicações. Pela
primeira vez emprega-se oficialmente o termo
“telecomunicação”, inventado por um enge-
nheiro francês no começo do século. Também

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pela primeira vez o termo “informação” deixa a
órbita exclusiva do jornalismo (e dos procedi-
mentos judiciários) e se converte em unidade
de medida numa teoria estatística do sinal que
abre caminho ao código binário.

2. O Fantasma de Hollywood. - Em 1919,


90% dos filmes exibidos nos cinemas europeus
provinham dos Estados Unidos. A supremacia da
indústria francesa fica apenas na lembrança. A
transferência de Pathé para Nova Iorque durante
o conflito mundial, considerável redução de suas
atividades, perda dos mercados externos e do
mercado interno, – a primeira sociedade francesa
nunca se recuperará completamente do choque
da guerra. Em 1927, ela se transforma em Kodak-
Pathé. Com um fundo de recessão econômica ge-
neralizada, o advento do cinema falado aprofun-
da ainda mais a crise da indústria francesa.
As sociedades americanas ocuparam os
mercados disponibilizados pelas hostilidades. A
redução dos preços de revenda dos filmes em
seu próprio mercado interno e nos mercados vi-
zinhos mais restritos ainda revela-se desde já uma
vantagem de primeiro plano. Considerada como
“benefício suplementar”, a distribuição estrangei-
ra pode praticar uma grande variação de preços
para exportação.Tanto mais que a indústria ame-
ricana se reestrutura em volta das cinco majors
(Paramount, Metro-Goldwyn-Mayer, 20th Century
Fox,Warner, RKO) e formula suas próprias estra-
tégias de negociação quando se trata de consoli-

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dar suas parcelas de mercado no exterior. Junto
com os filmes começam a chegar os primeiros
produtos derivados. Encabeçando, as produções
Walt Disney. Desde 1930, pouco mais de três
anos após sua criação, Mickey Mouse conquista
um espaço para seus quadrinhos nas colunas do
Petit Parisien, e em 1933 inaugura seu Journal.
A única indústria do cinema que os produ-
tores americanos encontram pela frente é a ale-
mã. Mais que sobre os filmes, com o advento do
som, a luta entre as duas potências gira em torno
das patentes. Em 1930, o acordo de Paris assina-
do pelas empresas alemãs e americanas divide o
mercado mundial em duas zonas de influência.
Os benefícios da exploração dos aparelhos sono-
ros revertem-se unicamente aos grupos financei-
ros dos dois contratantes. O acordo está baseado
sobre o de 1907, assinado pelos grandes da in-
dústria eletrotécnica mundial, para limitar a con-
corrência num setor altamente concentrado.
Este acordo sobre o material não compro-
mete o poder de Hollywood. No plano da pro-
dução de filmes, a luta contra a concorrência
das majors continua desigual. Um número cres-
cente de países preocupados com o desenvolvi-
mento de sua indústria local procura criar medi-
das de proteção. A Alemanha da República de
Weimar renova a decisão imperial de limitar a
entrada de filmes americanos. Nesse curto pe-
ríodo pós-guerra, quando se assiste a um ex-
traordinário desabrochamento das artes e das
letras, os estúdios de Neubabelsberg da UFA

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acolhem intelectuais e artistas do mundo todo
numa Alemanha que igualmente faz inovações
no campo do fotojornalismo, ao criar um novo
gênero, o das grandes revistas ilustradas de atua-
lidades. A crise financeira de 1927 obriga, toda-
via, a indústria cinematográfica alemã a fazer
concessões às majors. Conforme o acordo Paru-
famet, as empresas dos Estados Unidos deve-
riam contribuir com as produções alemãs, e a
Alemanha ampliaria a cota de filmes americanos
permitidos para a exibição. Paradoxalmente, é
em Hollywood que os grandes produtores do ci-
nema alemão poderão desenvolver sua arte. A
ascensão do nazismo ao poder, em 1933, e seu
controle total da UFA, dois anos mais tarde, for-
çam, com efeito, vários deles ao exílio. De modo
semelhante, o caráter autoritário do novo regi-
me para com a imprensa provoca o exílio de um
grande número de fotógrafos que haviam garan-
tido o lançamento das grandes revistas de atua-
lidades. O gênero criado na Alemanha é retoma-
do pela revista Life, fundada em 1936, após ter
inspirado a revista francesa Vu em 1928.
A França opta também por uma política
protecionista de seu mercado cinematográfico,
primeira atitude que virou tradição nacional.
Em 1928, o decreto Herriot estabelece uma
cota anual de 120 filmes americanos, cifra que
corresponde à produção anual média francesa
no período anterior à guerra. Na Grã-Bretanha,
a lei obriga os arrendatários de cinemas a exibir

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30% de longa metragens nacionais e 25% de
curtas. Desde essa época a política de cotas é
contornada por parte das majors que estimu-
lam as produções locais ou intensificam as co-
produções.Todas se aproveitam da definição de
“filme nacional”, que dá ampla margem de in-
terpretação. Assim, para a lei inglesa é conside-
rado nacional um filme mesmo sendo produzi-
do por uma companhia americana, com diretor,
cenário e atores americanos, onde exista uma
certa proporção de custos trabalhistas por con-
ta de técnicos britânicos.
A conquista do mercado internacional do
filme pelas empresas dos Estados Unidos, bem
como sua defesa a favor do livre comércio na
matéria tem correspondente no campo da im-
prensa.As agências de notícias americanas apro-
veitam-se do enfraquecimento dos concorren-
tes durante a guerra. É mais particularmente o
caso da UPI que aproveita a ocasião para assu-
mir o controle dos jornais da América Latina, ter-
ritório de Havas desde 1870. Por toda parte
onde tenta penetrar, ela tira partido de uma in-
formação pluralista, diferente daquela que é
emitida sob as condições da censura. Em 1930,
a AP e a UPI livram-se definitivamente do jugo
do cartel europeu em nome de um novo princí-
pio estratégico de internacionalização que aca-
ba com a legitimidade do conceito de territó-
rios protegidos: deve existir livre acesso à infor-
mação em todo o mundo.

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3.A primeira onda publicitária. - A guerra
transformou a nação devedora que eram os Esta-
dos Unidos em credores do mundo. Por volta do
fim dos anos 20, a economia fordista vai deslocar
o capital britânico de numerosas posições no ex-
terior, e o dólar substituirá a libra esterlina como
moeda lastro. Nasce uma nova economia mun-
dial centralizada em Nova Iorque. Com a curva
ascendente dos investimentos das companhias
americanas no exterior, cresce a presença exte-
rior das agências de publicidade que se tornam
as cabeças-de-ponte da cultura comercial.
Em 1927, a montadora automobilística Ge-
neral Motors convida J. Walter Thompson a re-
presentá-la internacionalmente e a instalar-se em
todos os lugares onde houver cadeias de monta-
gem e distribuição de seus veículos. Enquanto a
recessão atinge em cheio as receitas publicitá-
rias nos Estados Unidos, Thompson soma filial
atrás de filial: em Anvers e Madri em 1927, em Pa-
ris e Berlim no ano seguinte, em Montreal, Bom-
baim,São Paulo,Buenos Aires,Estocolmo e Cope-
nhague em 1929, na Austrália e África do Sul em
1930, no Rio de Janeiro e Toronto em 1931.Após
a General Motors, é a vez de Eastman-Kodak, Kel-
logg’s, Ford, RCA, Chesebrought-Ponds torna-
rem-se seus clientes. Uma segunda rede,
McCann-Erickson, chega a Paris e Londres em
1927, e a Berlim em 1928 a serviço de uma úni-
ca grande marca: Esso. Fã ardoroso da publicida-
de, o escritor Blaise Cendrars a celebra como
“uma arte que apela para o internacionalismo,

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ou poliglotismo”. Salvo uma ou duas agências
britânicas, naquela época não existe no mercado
internacional nenhuma agência de outra nacio-
nalidade. A França continua ainda na era do “re-
clame”. E é em Nova Iorque que o criador da pri-
meira agência moderna, Publicis, e inventor da
publicidade radiofônica na França debuta nos
anos 20. Nessa época, nesses Estados Unidos que
inventam a noção de “parcela de mercado”e pro-
duzem os primeiros estudos mercadológicos
sistemáticos, a indústria do marketing está se tor-
nando um órgão de base das estratégias fordistas
de gestão empresarial e do conjunto das rela-
ções sociais via incorporação das grandes mas-
sas à nascente sociedade de consumo.Após as fi-
liais publicitárias, desembarcam em Londres e
Paris, na segunda metade dos anos 30, as primei-
ras sociedades de pesquisas de mercado e de
pesquisas de opinião. A guerra interrompe essa
primeira onda, pelo menos nas nações beligeran-
tes, pois em outros lugares a expansão das agên-
cias americanas continua. Seu alvo principal é a
América Latina que oferece duas vantagens ao
mesmo tempo: a maioria dos países que a com-
põem optou por uma estruturação comercial de
seus veículos de comunicação e o conjunto da
região é a terra de eleição do capital americano
entre 1930 e 1950. É somente a partir desta data
que os fluxos de investimentos diretos prove-
nientes dos Estados Unidos se reorientam para a
Europa. É, portanto, sob os auspícios das agên-
cias e dos anunciantes estrangeiros que as radio-

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novelas e, em seguida, as telenovelas começam,
muito antes que os produtores e diretores dos
diversos países latino-americanos lhes dêem
uma forma autônoma.
Porém, desde o período anterior à declara-
ção da guerra, já é possível detectar os fatores
aglutinadores de uma organização corporativa
com pretensões mundiais. Em 1924 ocorre a
aproximação entre a associação das agências de
publicidade britânicas e sua parenta dos Estados
Unidos. Em 1938 cria-se em Nova Iorque a Inter-
national Advertising Association (IAA), primeira
organização de defesa dos interesses profissio-
nais dos três componentes dessa indústria
(agências, anunciadores, patrocinadores). Um de
seus objetivos é moralizar a atividade publicitá-
ria impondo o cumprimento das normas do
“Código Internacional de Práticas Publicitárias”.
Esse código de conduta foi elaborado em 1937
pela Câmara Internacional de Comércio, criada
logo após a Primeira Guerra pelos responsáveis
das grandes empresas européias e americanas a
fim de participar da formação de uma nova or-
dem econômica mundial. Veiculadas por esta
carta deontológica profissional, as idéias de au-
to-regulamentação e autodisciplina, opostas às
de controle pela autoridade pública, começam a
fazer escola no mercado internacional. E com
elas surge outra idéia que faz uma ponte entre a
democracia e o democratic marketplace, a li-
berdade de expressão dos cidadãos e a “liberda-
de de expressão comercial”, ou simplesmente a

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liberdade, e a livre circulação de bens e merca-
dorias. Todos argumentos recuperados pelas
majors reagrupadas na MPEA (Motion Picture
Export Association) que bem desejam extirpar
os ferrolhos protecionistas que dificultam a cir-
culação de seus filmes.

4. Americanização ou crise de civiliza-


ção? - A irrupção das redes financeiras dos Esta-
dos Unidos e dos produtos da cultura do enter-
tainment sobre os mercados europeus é vista
em certos meios artísticos e intelectuais como
uma agressão à tradição da alta cultura que G. H.
Wells havia considerado, um quarto de século
antes, como a melhor garantia da presença fran-
cesa no exterior.As idéias de “americanização” e
de “americanismo” passam a representar uma
ameaça exterior à alma européia. Maquinismo,
democracia gregária, nivelamento por baixo,
doutrinamento, materialismo, todas estas acusa-
ções são feitas para definir os impasses dessa
confrontação com a “selva americana” e seu cul-
to ao poder do dinheiro.“O americanismo está
nos submergindo, clama Luigi Pirandello, Prê-
mio Nobel de Literatura em 1934. Penso que se
tenha acendido um novo farol da civilização na-
quelas distantes paragens. O dinheiro que circu-
la no mundo é americano e, por trás desse di-
nheiro, existe todo um universo de vida e de
cultura.” Rompendo com essa concepção das re-
lações entre a Europa e o Novo Mundo marca-
das pela defesa da alta cultura, o filósofo Anto-

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nio Gramsci pressente estar ocorrendo, sob a le-
gitimidade crescente do fordismo e seu ideal de
racionalização da produção industrial, altera-
ções prestes a transbordar da reorganização da
empresa para atingir o conjunto dos mecanis-
mos de regulação social.
Em 1930, em sua obra Malaise dans la Ci-
vilisation (Mal-estar na Civilização), Sigmund
Freud passava em revista as “causas do desen-
canto”e sublinhava o caráter ambivalente da “re-
cente conquista do tempo e do espaço”. Ele se
interrogava principalmente sobre o significado
da fotografia e do disco como “materializações
da capacidade concedida ao homem de se lem-
brar, também chamada de memória”. “O ho-
mem, escrevia ele, tornou-se um tipo de deus
protético, deus este certamente admirável se
está equipado com todos os seus instrumentos
auxiliares; estes, porém, não cresceram junto
com ele e normalmente causam-lhe numerosas
dificuldades... O futuro distante um dia nos tra-
rá, neste campo da civilização, novos e conside-
ráveis progressos, de uma importância pratica-
mente impossível de ser corretamente avaliada;
eles acentuarão sempre mais os traços divinos
do homem... Não podemos absolutamente es-
quecer que, por mais que ele se assemelhe a um
deus, o homem de hoje não está feliz.”
Inaugurado pela visão apocalíptica do ale-
mão Oswald Spengler do “declínio do Ociden-
te”, o período entre-guerras se conclui com a re-
flexão de Paul Valéry sobre a “crise do espírito”.

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Para o escritor francês, esta crise confunde-se
com a crise da identidade européia e da univer-
salidade, e não é produto de fatores exógenos.
Ela é causada pela destruição do “capital cultu-
ral”, ou a rarefação desses homens que “sabem
ler, virtude esta que já se perdeu”, desses ho-
mens que “sabem ouvir e até escutar”, que “sa-
bem ver, reler, reescutar e rever”.

A Internacionalização das ondas


O advento do rádio dá novo alento às es-
tratégias de internacionalização da propaganda
governamental. Um país está na dianteira: a
União Soviética que inicia, já em 1929, transmis-
sões regulares de programas em alemão e fran-
cês, e no ano seguinte, em inglês e neerlandês. É
o prolongamento lógico de uma estratégia de
exportação da revolução, formulada em 1921
num documento programático intitulado “Teses
sobre a Organização e a Estrutura dos Partidos
Comunistas”, no III Congresso da Internacional
Comunista. A criação do Komintern como es-
trutura centralizada mundial permite assentar as
bases de uma formidável rede de “comunicação
internacional”, os partidos irmãos servindo de
intermediários e de ponto de apoio. Em 1923, o
Estado-partido reorganiza sua agência de im-
prensa que recebe o nome de Agência Tass.
Em 1931, a Igreja Católica equipa-se com
um instrumento poliglota, a Rádio Vaticana. É da
Alemanha, não obstante, que parte a real dinâmi-
ca da internacionalização radiofônica. Leitmotiv

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de Mein Kampf, o poder nazista inventa o con-
ceito de “guerra psicológica” e o aplica em sua
política externa. Em 1933, é inaugurada a esta-
ção de ondas curtas de Zeesen, nos arredores de
Berlim, que irradia programas destinados a nu-
merosas comunidades de alemães imigrados e
também em inglês, para os Estados Unidos.Três
anos mais tarde, quando dos Jogos Olímpicos de
Berlim, ela chega a emitir em 28 línguas diferen-
tes. Em 1935, o fascismo de Mussolini prova
compreender antecipadamente o valor do rádio
na propaganda proselitista ao transmitir progra-
mas em árabe para a África e o Oriente Médio.
Em 1936, durante a guerra civil espanhola, a uti-
lização do rádio em línguas estrangeiras pelos
dois campos faz pressentir o papel estratégico
desse novo meio de propaganda.
Primeira reação às transmissões de Ber-
lim: em 1934, pouco antes de ser assassinado
pelos nazistas, o chanceler social-cristão da
Áustria, Englebert Dollfuss, decreta a interferên-
cia na freqüência de canais. Os múltiplos esfor-
ços encetados pela Sociedade das Nações para
unir os diversos países da comunidade interna-
cional em pactos de “não-agressão radiofônica”
- a primeira convenção é assinada em 1936 pela
maioria dos membros - são votados ao fracasso.
Neste campo como em muitos outros, a Socie-
dade das Nações não chega a impor-se como a
“tribuna da opinião pública” (Court of Public
Opinion), ou a “consciência do mundo”, con-
forme a expressão de um de seus iniciadores, o
presidente americano Wilson (paradoxalmente

82
seu país, convertido ao isolacionismo, recusa-se
obstinadamente a fazer parte dos esforços). A
União Internacional da Radiodifusão, criada em
1925, já perdeu seu poder de influência. Esta
organização, sob a influência preponderante da
Alemanha, é a única instituição internacional a
manter suas atividades durante a Segunda Guer-
ra Mundial. A efervescência em torno do em-
prego propagandístico da rádio não impede a
reciclagem das ideologias salvadoras da comu-
nicação. Em 1934, Lewis Mumford (1895-1990),
historiador americano das técnicas e das cida-
des, além de tudo bastante esclarecido quanto
ao potencial de “aliciamento de massa” desta
técnica, prolonga as utopias de Kropotkin e de
Geddes. Ele imagina um emprego diferente das
redes de radiodifusão, transformados em meio
de restabelecer os laços com a ágora das meno-
res cidades da Grécia antiga.
Apenas tardiamente a Grã-Bretanha e os
Estados Unidos compreenderam a importância
estratégica das redes de propaganda do Estado
nacional-socialista. Em 1938, a BBC - que estava
chamada a exercer um papel catalisador no
combate entre as potências do Eixo e a contra-
balançar seu poderio com suas emissões em 23
idiomas - cria um programa em língua alemã
para em seguida começar a transmitir em espa-
nhol e português para a América Latina. No
mesmo ano, a Casa Branca começa a mobilizar
as redes de emissoras particulares dos Estados
Unidos para neutralizar a crescente influência
alemã nos países da América Latina onde estão

83
instaladas importantes colônias de imigrantes
particularmente ativas na propaganda dos
ideais do regime hitleriano. As produções Walt
Disney, as revistas Time e Life e o Reader’s Di-
gest seguem os passos da causa antifascista.
Fundada em 1922, a revista Reader’s Digest é
um dos primeiros periódicos a publicar, desde
1940, edições em línguas estrangeiras, no caso
o espanhol e o português, com o objetivo de
desestabilizar a influência do Eixo na América
Latina. Time, por sua vez, lança suas primeiras
edições regionais em inglês, também para cir-
culação nos países sul-americanos.
Em fevereiro de 1942,Washington toma o
lugar das empresas de radiodifusão privadas e
monta uma rádio oficial, Voice of America. A
propaganda no exterior fica a cargo de dois or-
ganismos: o Office of War Information (OWI),
encarregado da propaganda aberta (overt pro-
paganda), e o Office of Strategic Service (OSS),
encarregado das operações clandestinas (covert
propaganda). Diferentemente da guerra ante-
rior, à qual se consagraram, sobretudo, jornalis-
tas e escritores, essas novas instituições de pro-
paganda recrutam seus especialistas entre os
profissionais das agências de publicidade e rela-
ções públicas e junto aos sociólogos, psicólogos
e antropólogos das universidades.A maioria dos
pioneiros da sociologia funcionalista dos meios
de comunicação aí perfaz seu aprendizado das
realidades internacionais.

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