10 Crise Da Política e Crise Do Logos
10 Crise Da Política e Crise Do Logos
10 Crise Da Política e Crise Do Logos
Abstract: Thinking about the formation of the Western subject’s identity, as Theodor
W. Adorno (1903-1969) and Max Horkheimer (1895-1973) did in their works Dialectic
of Enlightenment (1944) and Eclipse of Reason (1947), is to have the great challenge of
understanding how a promise of emancipation becomes an instrument of domination.
The answer to this contradiction will be found in a veritable genealogy of the Aufklärung
at the dawn of Western civilization. The emergence of the autonomous subject is revealed
as a consequence of a double relationship of domination: of him over nature and of
the rationality that emancipated him over himself. Reason is not only the instrument,
but, first and foremost, the very object of the analysis in question. The crisis of politics
Introdução
4 Como comenta Jay (2008, p. 323-324), embora Horkheimer e Adorno ainda fizessem uso de uma linguagem marxista,
pois expressões como o “princípio da troca” aparecerem em suas análises com um papel fundamental, eles já não
buscam mais respostas para perguntas culturais na estrutura material da sociedade. Na verdade, sua análise do
princípio da troca, como chave para a compreensão da sociedade ocidental, lembra tanto a discussão de Nietzsche
(1844-1900) na Genealogia da moral (1887) quanto a de Marx (1818-1883) em O capital (1867). Nesse sentido, segundo
Jay, a Escola de Frankfurt não só deixou para trás os vestígios de uma teoria marxista ortodoxa da ideologia como
também, implicitamente, inclui Marx na tradição iluminista que ela está criticando. A ênfase exagerada de Marx
na centralidade do trabalho como modo de autorrealização do homem, que Horkheimer já havia questionado em
Dämmerung (1934), foi a razão primordial dessa argumentação. Implícita na redução do homem à condição de animal
laborans, acusou, estava a reificação da natureza como campo da exploração humana. Se as coisas fossem como
queria Marx, o mundo inteiro seria transformado numa gigantesca oficina. Os pesadelos tecnológicos repressores
perpetrados por seus autoproclamados seguidores no século XX não podiam ser completamente dissociados da
lógica intrínseca do trabalho do próprio Marx. Observa Jay que, de modo algum, Marx é o alvo principal da Dialética
do esclarecimento, pois Horkheimer e Adorno eram muito mais ambiciosos. Toda a tradição iluminista, com seu
processo de desmistificação supostamente libertário que Max Weber (1864-1920) chamou de die Entzauberung der
Welt (o desencantamento do mundo), era o verdadeiro alvo. Horkheimer e Adorno seguiam, nesse ponto, Lukács
(1885-1971) em História e consciência de classe (1923), na qual a ideia weberiana de racionalização recebe uma crítica
mais incisiva ao ser vinculada ao conceito de reificação.
A luta contra a sedução do cântico das Sereias é, por assim dizer, uma representação
da luta que cada indivíduo deve travar para que o seu eu possa se constituir. Em suma,
como diz Habermas (1929-), em O discurso filosófico da Modernidade (1985), Adorno
e Horkheimer percorrem episódio por episódio da Odisseia para descobrir o preço
que o experiente Ulisses tem de pagar para que seu eu saia fortalecido e consolidado
das aventuras sucedidas. Os episódios relatam perigos, astúcias e fugas, e a renúncia
autoimposta pela qual o eu, que aprende a dominar o perigo, conquista a própria
identidade e, ao mesmo tempo, despede-se da felicidade do arcaico ser um só com a
natureza, tanto a exterior como a interior (HABERMAS, 2002, p. 157).
Na história da filosofia, particularmente com Bacon (1561-1626), poder e
conhecimento se associam. Como afirmam Horkheimer e Adorno: “No sentido mais
amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo
de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores” (HORKHEIMER;
ADORNO, 1985, p. 19). Mas para poder colocá-los na posição de senhores foi necessário
desencantar o mundo, dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber. O
mesmo que fora feito por Xenófanes (570-475 a.C.), quando ridiculariza os deuses
da Antiguidade, considerando-os mera projeção da subjetividade humana, também
será feito mais tarde pela lógica, quando essa denuncia as palavras como “moedas
falsas”, carregadas de elementos míticos e, convenientemente, as substitui por “fichas
neutras”. O animal totêmico, os sonhos do visionário, a Ideia absoluta, ou qualquer outro
5 Como comenta Jay (2008, p. 342), o temor mais premente da Escola de Frankfurt depois da Guerra era justamente
a obliteração de determinados elementos da subjetividade que representavam importantes conquistas para a
humanidade. Nos estudos sobre a cultura de massa e sobre a personalidade autoritária constata-se que a existência
A essência desse saber se revela como a técnica, que não visa conceitos e imagens
nem o prazer do discernimento e da busca da verdade, mas o método, a operation, isto
é, o procedimento eficaz. Conhecer é simplesmente poder manipular. O verdadeiro
objetivo do conhecimento e da ciência não está em produzir discursos capazes de
proporcionar algum prazer, respeito, ou na capacidade de impressionar, mas em
trabalhar na descoberta de particularidades antes desconhecidas para melhor prover
e auxiliar a vida. A utilidade é o perfil dominante desse saber. A autoconservação do
sistema e daqueles que são por ele providos é o único objetivo justificável. O sistema
preserva a vida, mas a vida em jogo é vazia de sentido. Trata-se de um círculo vicioso,
no qual a vida é preservada na medida em que ela sustenta o sistema que, por sua vez,
também a sustenta. Fora dessa lógica não há alternativa para outro modo de vida. De
resto, tudo é apenas supérfluo, desnecessário e desperdício de energia, de tempo e
de recursos. Diante do progressivo avanço do esclarecimento, todo conteúdo envolto
em mistério teve de ser esvaziado e nenhum reduto no qual ele pudesse existir pôde
permanecer. O conhecimento dominador teve seu preço, o isolamento do sujeito
num mundo abstrato e totalmente definido que fora forjado à custa da limitação de
uma experiência mais ampla do mundo. Toda experiência se limita a uma experiência
racional. Por isso, esse sujeito não pode ter outro tipo de percepção senão aquela já
totalmente definida como a única forma válida de conhecimento. Como observam
os autores:
A dominação da natureza traça o círculo dentro do qual a Crítica da Razão Pura
baniu o pensamento, Kant combinou a doutrina da incessante e laboriosa
da individualidade autêntica vinha declinando em uma velocidade alarmante. Isso não significa, segundo Jay,
que a Escola de Frankfurt quisesse ressuscitar o velho indivíduo burguês em crise. Na verdade, percebia que a sua
substituição por homens-massa manipulados representava uma perda de liberdade, isto é, uma perda de autonomia,
portanto, um verdadeiro retrocesso social. Para Adorno, o indivíduo era um instrumento de transição que não
podia ser eliminado como um mito e precisava ser preservado numa síntese superior. Embora o indivíduo burguês,
definido em oposição ao todo, não fosse inteiramente livre, pois representava um momento de negatividade em
relação à unificação dos interesses particulares com os interesses universais, ou seja, ao mesmo tempo em que, de
um lado, era livre, mas, de outro, não, sua liberdade negativa, no entanto, era um momento da totalidade dialética. A
sociedade burguesa anterior à sociedade de massas abrigava contradições tangíveis que preservavam as negações
de suas tendências dominantes. Na identificação forçada do homem-massa com a totalidade social das modernas
sociedades se perdia essa negação e com ela o espaço para qualquer grau de liberdade e autonomia.
6 Afirma Franca Sera (2022, p. 7), no artigo “Modernità, opera d’arte e creatività: introduzione alla Mimesis adorniana”,
que a obra de arte tem a capacidade de repetir e duplicar a própria estrutura de nossa experiência. Nesse sentido,
a arte revela o funcionamento de nossa percepção ou de nosso conhecimento do mundo, na medida em que o
reproduz numa obra, trazendo-o à luz, ou seja, tornando-o conhecido.
7 Segundo Gagnebin (1997), Adorno retoma a crítica platônica da passividade do sujeito na mimesis e a aprofunda
graças às suas leituras de Freud (1856-1939) e de etnologia. Tanto a psicanálise como a etnologia a caracterizam
como comportamento regressivo. No Freud de Além do princípio do prazer (1920), essa regressão remete à pulsão
de morte, ao misterioso desejo de dissolução do sujeito no nada. No caso da etnologia, considerando textos de
autores franceses da época, como R. Caillois (1913-1978) e M. Mauss (1872-1950), citados por Adorno e Horkheimer, o
comportamento mimético é caraterizado como um comportamento regressivo de assimilação ao perigo, na tentativa
de desviá-lo. Para se salvar do perigo, o sujeito desiste de si mesmo, perdendo-se. Em suma, a reflexão de Adorno
e Horkheimer, na Dialética do esclarecimento, consiste em demonstrar como a razão ocidental nasce da recusa do
pensamento mítico e mágico. Apenas em momento posterior Adorno reconhecerá o valor positivo da mimesis.
Platão até chega a indicar o caminho para o individualismo, afirmando que a cada
homem cabe desenvolver suas potencialidades inatas. No entanto, de acordo com a
teoria das almas, ou das três partes da alma, isto é, concupiscente (Épithymia), irascível
(Thymós) ou racional (Nous), cada um tem seu lugar predeterminado na sociedade por
uma teologia preexistente, que é a expressão de uma realidade e harmonia eterna.
Por isso, não tem sentido algum resistir a ela. A vida e a existência são governadas por
forças irresistíveis e inflexíveis. Resistir a ela seria tão absurdo quanto imaginar algum
organismo tentando resistir ao ritmo das estações ou ao ciclo de vida e morte. Essa
sociedade harmoniosa, mas estática, está fundada no trabalho escravo. Como ensina
Aristóteles (384-322 a.C.), nesse aspecto, não divergindo de Platão, alguns nascem
escravos e outros livres e a virtude do escravo, da mulher e da criança consiste na
obediência. Como conclui Horkheimer (1976, p. 144): “Segundo essa filosofia, somente
os homens livres podem aspirar à espécie de harmonia que nasce da competição e do
acordo”. E também: “A insistência sobre a ordem imutável do universo, que implica uma
visão estática da história, impede a esperança de uma emancipação progressiva do
sujeito de uma eterna infância tanto na comunidade quanto na natureza” (HORKHEIMER,
1976, p. 144). Mas é Sócrates (470-399 a.C.), diz Horkheimer, o verdadeiro arauto da
8 Como afirma Jeanne-Marie Gagnebin (1997, p. 88), Ulisses é a descrição do penoso caminho que rejeita a assimilação
simbiótica mimética com a natureza para forjar um sujeito que se constitui mediante o trabalho e se torna consciente
de si na sua diferença radical, na sua separação do outro. Ulisses encarna a passagem do mythos ao logos: ele não é mais
o herói mítico dotado pelos deuses de uma força física mágica, mas também ainda não é o indivíduo desamparado
que só pode contar com sua inteligência particular. Ulisses está no limiar, na passagem entre essas duas figuras.
Isso pode ser observado no conflito de Sócrates com os juízes atenienses durante seu
julgamento. Não era suficiente desejar ou fazer as coisas corretamente. Era necessária
a reflexão. “A escolha consciente era uma condição prévia do modo de vida ético”
(HORKHEIMER, 1976, p.145). É assim que Sócrates entra em conflito com os juízes que
representam os costumes e o culto sagrado. Segundo Horkheimer:
Seu julgamento parece marcar o momento na história cultural em que a consciência
individual e o estado, o ideal e o real, começam a ser separados como por um
abismo. O sujeito começa a pensar em si mesmo- em oposição à realidade
externa- como a mais alta de todas as ideias. (HORKHEIMER, 1976, p. 145-146)
A partir daí a filosofia adquire um outro perfil, ou seja, o de uma busca de consolo
através das harmonias interiores. As filosofias helenistas pós-socráticas, a exemplo do
estoicismo, são permeadas pelo sentimento de resignação. O maior bem do homem
é a autarquia, conquistada quando não se deseja nada além do necessário para uma
vida independente. Mas essa fuga do sofrimento, segundo Horkheimer, dissocia
o indivíduo de sua comunidade, conduzindo-o a renunciar a intervir na realidade.
Assim, o indivíduo tende a se submeter à tirania da realidade. Se o indivíduo se afasta
da participação política, a sociedade regride e ameaça pôr fim a todos os vestígios da
individualidade. Por isso, “O indivíduo absolutamente isolado foi sempre uma ilusão”
(HORKHEIMER, 1976, p. 146). A emancipação do indivíduo não é a sua emancipação
da sociedade, mas o resultado da superação da atomização social. Atomização que
atinge seu cume em momentos de coletivização e massificação.
Uma nova fase do desenvolvimento da individualidade ocorre com o advento do
cristianismo. O indivíduo cristão emerge, segundo Horkheimer, das ruínas da sociedade
helenística com o acréscimo de um novo elemento. A aspiração à individualidade é
agora imensamente reforçada pela doutrina de que a vida na Terra é mero interlúdio
na história eterna da alma. O valor da alma é acentuado pela ideia da imagem e
semelhança da criatura com o Criador e na expiação de Cristo por toda a humanidade.
A ideia de alma como luz interior, como lugar da residência de Deus, preenche um vazio
que havia na antiguidade. Como afirma Horkheimer: “A ideia de autopreservação se
transforma num princípio metafísico que garante a vida eterna da alma; pela própria
desvalorização de seu ego empírico, o indivíduo adquire uma nova profundidade e
complexidade” (HORKHEIMER, 1976, p. 147).
Mas o indivíduo moderno tem ainda outras características: “A morte adquire
um aspecto duro e implacável, e a vida do indivíduo tornou-se um valor absoluto
insubstituível” (HORKHEIMER, 1976, p. 148). Hamlet é considerado, então, o primeiro
indivíduo moderno, porque encarna a ideia de individualidade ao temer o caráter
decisivo da morte e o terror do abismo. Embora o personagem de Shakespeare (1564-
Conclusão
Referências
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Acesso em: 8 set. 2023.
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Editora Ltda., 1997.
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KANT, I. Resposta à Pergunta: Que é o Iluminismo? In: _____. A Paz Perpétua e Outros
Opúsculos. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 9-18.