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Direitos Humanos, História e Cultura Afro-Brasileira e Indígenas

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DIREITOS HUMANOS,

HISTÓRIA E CULTURA
AFRO-BRASILEIRA
E INDÍGENA

Felipe Carmo
Presidente da Divisão Sul-Americana: Stanley Arco
Diretor do Departamento de Educação para a Divisão Sul-Americana: Antônio Marcos da Silva Alves
Presidente do Instituto Adventista de Ensino (IAE), mantenedora do Unasp: Maurício Lima

EAD
Reitor: Martin Kuhn
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Editora Universitária Adventista

Conselho editorial e artístico: Dr. Adolfo Suárez; Dr. Afonso Cardoso; Dr. Allan Novaes;
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Dr. Reinaldo Siqueira; Dr. Rodrigo Follis; Me. Telson Vargas

Editor-chefe: Allan Macedo de Novaes


Supervisora Administrativa: Rhayane Storch
Responsável editorial pelo EaD: Jéssica Lisboa Pereira
DIREITOS HUMANOS,
HISTÓRIA E CULTURA
Felipe Carmo AFRO-BRASILEIRA
Mestre em Estudos Judaicos pela
Universidade de São Paulo (USP) E INDÍGENA

1ª Edição, 2023

Editora Universitária Adventista


Engenheiro Coelho, SP
Editora Universitária Adventista

Caixa Postal 88 – Reitoria Unasp


Engenheiro Coelho, SP – CEP 13448-900
Tel.: (19) 3858-5171 / 3858-5172
www.unaspress.com.br

Direitos humanos, história e cultura afro-brasileira e indígena

1ª edição – 2024
e-book (pdf)

Validação editorial científica ad hoc:


Michael Lima de Jesus
Mestre em Direito pela UFMA.

Designer Instrucional: Nádia Fabiana Menin de Souza


Preparação: Gustavo Alves Almeida
Projeto gráfico: Ana Paula Pirani
Capa: Jonathas Sant’Ana
Diagramação: Felipe Rocha

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Marques, Pâmela Caroline Costa


Ferramentas de produtividade e gestão do tempo [livro eletrônico] / Pâmela Caroline Costa
Marques. -- 1. ed. -- Engenheiro Coelho, SP : Unaspress, 2022.

PDF

Bibliografia.
ISBN 978-65-5405-041-8

1. Administração 2. Gestão de negócios


3. Produtividade 4. Tempo - Administração I. Título.

22-134421 CDD-650.1

Índices para catálogo sistemático:


1. Tempo : Produtividade : Administração 650.1
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

Editora associada:

Todos os direitos reservados à Unaspress - Editora Universitária Adventista.


Proibida a reprodução por quaisquer meios, sem prévia autorização escrita da
editora, salvo em breves citações, com indicação da fonte.
SUMÁRIO

DIREITOS RACIAIS NO BRASIL.................................................................. 7


Introdução...................................................................................................................................... 8

O trabalho escravo e a origem das “raças”..................................................................................... 9


O negro como fonte de lucro: entre o colonialismo e o liberalismo.................................... 9
A conquista da “humanidade” a custo da violência............................................................ 13

Breve história da resistência negra no Brasil................................................................................ 14


Resistência negra no Brasil Colônia (1530-1822)............................................................... 15
Resistência negra no Brasil Imperial (1822-1889)............................................................. 19
Resistência negra no Período Pós-abolição e República (1889-atual).............................. 23

Direitos Raciais na Legislação Brasileira....................................................................................... 28


Esforços legislativos em prol de direitos raciais................................................................... 29
Críticas e perspectivas à legislação de direitos raciais......................................................... 31

Considerações finais ..................................................................................................................... 32

Referências.................................................................................................................................... 32
EMENTA
Educação para as relações étnico-raciais. Políticas
de ações afirmativas. Reflexão sobre a cultura e
história afro-indígena e conhecimento dos direitos
humanos. A contribuição da cultura afro-indígena
e sua relevância no debate sobre diversidade
cultural e enriquecimento da sociedade. Debate de
experiências na comunidade escolar de valorização e
respeito à diversidade.
UNIDADE 1

DIREITOS RACIAIS NO BRASIL


DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

INTRODUÇÃO
É impossível falar sobre raça, e desenvolver uma discussão sobre direitos raciais, sem visitar uma infini-
dade de sentimentos incômodos, tanto para brancos quanto para negros. De uma forma ou de outra, ambos
estavam implicados nas condições materiais e históricas que fizeram emergir um fenômeno repudiado há
poucos séculos: o racismo. E não apenas o fenômeno, mas todas as consequências sociais que o Brasil en-
frenta, ainda hoje, por conta de um sistema econômico que decidiu basear-se no trabalho escravo de um
grupo de pessoas que, julgavam eles, “inferiores”, por razão da cor de sua pele. Alguém pode — num lapso de
desinformação — afirmar que o racismo não existe no Brasil, como já pretendiam os militares durante os anos
de chumbo. No entanto, ao visitar a história, não há quem possa negar a fissura social causada pelo sistema
escravista, e o abismo que separou os negros de seus direitos fundamentais até recentemente.

Não basta falar sobre os direitos raciais como se, do alto, fossem um “presente” oferecido aos negros
com passar do tempo. Ou como se tais direitos fossem uma consequência óbvia do progresso intelectual
da humanidade, agora iluminada pelos ditames da liberdade e da igualdade. Os negros sempre estiveram
conscientes de sua humanidade e dos direitos que lhes pertenciam; e apenas através de muita insistência
e violência foram capazes de comprovar isso a um sistema econômico que dependia de sua insignificância
ontológica para lucrar com seu trabalho. Falar sobre a conquista de direitos raciais, portanto, não seria justo
de uma perspectiva paternalista, como se tais direitos lhes fossem entregues: é, ao contrário, falar sobre as
vitórias e as derrotas experimentadas pelos próprios negros enquanto denunciavam ao mundo a indecência
de sua submissão forçada sob as mais severas formas de violência.

Por isso, nesta unidade, vamos falar sobre os direitos raciais, em primeiro lugar, entendendo-os desde o
contexto de sua perversão histórica. Depois disso, vamos compreender a história do Brasil da perspectiva das
resistências negras, que desde os tráficos transatlânticos se rebelavam para conquistar a igualdade por direito
à vida. Vamos notar que a resistência nunca cessou, e que a luta por direitos raciais tomou diferentes formas, a
depender do contexto de das condições favoráveis para sua reivindicação. Esperamos que, ao final, você con-
siga conduzir à consciência a relevância deste assunto, assim como sua urgência para a atualidade. Acima de
tudo, o objetivo desta unidade será cabalmente cumprido, caso você consiga chegar à compreensão de que a
luta contra o racismo é, na verdade, um dever coletivo, já que ele expressa uma das evidências de um sistema
econômico falido que se utiliza do preconceito para gerir sua manutenção e estender seus privilégios.

Os objetivos desta unidade são:

• Discutir a origem e o propósito das caracterizações étnico-raciais humanas;

• Compreender a história do Brasil da perspectiva negra;

• Analisar a origem e o desenvolvimento dos direitos raciais no Brasil;

• Descrever a situação atual dos negros no Brasil;

• Refletir criticamente sobre os avanços dos direitos étnico-raciais no Brasil.

Bom estudo!

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

O TRABALHO ESCRAVO E A ORIGEM DAS “RAÇAS”


Ainda que pareça natural, hoje em dia, classificar pessoas entre negras e brancas, esse costume nem sempre
foi regra. Essa ideologia hegemônica, de que a humanidade está dividida entre “raças”, isto é, categorias anatômicas
ou culturais que distinguem hierarquicamente os seres humanos a partir de sua cor, é muito recente. Claro, civiliza-
ções antigas categorizavam seus semelhantes por meio de distinções diversas, como aspectos físicos, ascendência
familiar ou afiliação tribal (ver DITÖTTER, 1992; GOLDENBERG, 2003); e, durante a Idade Média, suposições sobre
a “origem da pele negra” já eram sugeridas entre argumentos teológicos ou ambientais (ver GOLDENBERG, 1997;
CHOUKI, 2002). No entanto, a noção que ainda vigora, e é a causa do que reconhecemos como “racismo”, tem nome
e endereço na história: o colonialismo (c. séc. 15-16) e, posteriormente, o liberalismo (c. séc. 17-19) – que se utiliza-
ram da suposta inferioridade racial para explorar trabalho e acumular riquezas.

O NEGRO COMO FONTE DE LUCRO: ENTRE


O COLONIALISMO E O LIBERALISMO
Após o fim da Idade Média, as nações europeias iniciaram um processo de colonização das Américas
e da África. Nesse processo, os colonizadores não se contentaram apenas em explorar os recursos dos países
subjugados, mas implementaram um sistema de dominação econômica sobre os povos nativos dessas re-
giões. Os diferentes povos – majoritariamente negros – eram encarados pelos colonizadores como povos não
civilizados. Para que essa população fosse dominada e, outra, promovida, foi necessária a invenção de uma
categoria que hierarquizasse a humanidade com base em aspectos fisiológicos, manifestando-se na discrimi-
nação, preconceito ou hostilidade aos indivíduos por conta da colorização de suas peles.

Mas vale lembrar: a ideologia racial, como a conhecemos hoje, não justificou a escravidão em geral,
porque a escravidão nem sempre foi “racial”. Ela existiu em várias civilizações antigas, e não estava vinculada
à distinção da cor de pele – e, portanto, a uma ideologia de raças. A escravidão era uma forma de trabalho
forçado, que poderia ser justificada de várias maneiras por aqueles que desejavam mantê-la como sistema
de produção e reprodução (ver PAINTER, 2011). Uma pessoa, por exemplo, poderia ser condenada à escravi-
dão por dívidas, ou seja, com prazos de servidão limitados ao pagamento de seus débitos. Isso significa que,
embora a escravidão exista há centenas de anos, as definições de branquidade, como “liberdade”, e negritude
como “escravidão”, passaram a ser mais efetivas com a expansão das colônias.

SAIBA MAIS

Em seu livro The Invention of the White Race (“A invenção da raça branca”),
Theodore W. Allen (2021) afirmou que“quando os primeiros africanos chegaram
em Virgínia, em 1619, não havia brancos lá”. Com essa afirmação, o autor quer
explicar que a palavra “branco”, para designar uma raça privilegiada, não existia
na lei colonial até 1691. Em outras palavras, as práticas racistas de Virgínia
– no período em que os EUA eram divididos em treze colônias – não estava
diretamente vinculado ao conceito de raça branca. Havia, naturalmente, a noção
de que os europeus figuravam como “superiores”, mas, naquele local e ocasião,
ela ainda não tinha como base a distinção da cor de pele. Essa observação nos
ajuda a compreender que o regime escravocrata só funciona à base de um tipo
de discriminação, seja ela de cor, de tribo, de linhagem familiar etc.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Naturalmente, essa distinção de raças foi útil, em primeira instância, à manutenção do sistema escravo-
crata nas colônias europeias e, por óbvio, serviu à justificação dos métodos desumanos aplicados às nações
subservientes. Esse processo inaugurou a prática da racialização como um “marcador social” que organizava
as relações humanas em hierarquias. Em outras palavras, a fim de explorar à exaustão os colonizados e es-
gotar seus recursos naturais em benefício próprio, os colonizadores lançaram mão de uma ideologia que
desumanizava o outro, privando-o de uma “alma branca” e estigmatizando sociedades inteiras até os dias de
hoje. O filósofo francês Jean-Paul Sartre ([1961] 1968, p. 9-10), na tentativa de desvendar a lógica racista da
colonização, a descreveu da seguinte maneira:

Com o trabalho forçado, dá-se o contrário: nada de contrato; além disso, é preciso intimidar; patenteia-se,
portanto, a opressão. Nossos soldados no ultramar rechaçam o universalismo metropolitano, aplicam ao
gênero humano o numerus clausus; uma vez que ninguém pode sem crime espoliar seu semelhante, es-
cravizá-lo ou matá-lo, eles dão por assente que o colonizado não é o semelhante do homem. Nossa tropa
de choque recebeu a missão de transformar essa certeza abstrata em realidade: a ordem é rebaixar os
habitantes do território anexado ao nível do macaco superior para justificar que o colono os trate como
bestas de carga. A violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens
subjugados; procura desumanizá-los. Nada dele ser poupado para liquidar as suas tradições, para substi-
tuir a língua deles pela nossa, para destruir a sua cultura sem lhes dar a nossa; é preciso embrutecê-los pela
fadiga. Desnutridos, enfermos, se ainda resistem, o medo concluirá o trabalho: assentam-se os fuzis sobre
o camponês; vêm civis que se instalam na terra e o obrigam a cultivá-la para eles. Se resiste, os soldados
atiram, é um homem morto; se cede, degrada-se, não é mais homem; a vergonha e o temor vão fender-lhe
o caráter, desintegrar-lhe a personalidade.

Devemos recordar que o colonialismo representou, basicamente, o desejo expansionista de uma na-
ção, com o objetivo de estender seu controle sobre territórios estrangeiros, explorando seus recursos, sub-
jugando seus nativos, estabelecendo mercados e acumulando riquezas. Ele imputava poder político, econô-
mico e cultural da metrópole sobre as colônias, a fim de expandir sua influência geopolítica. Durante esse
período, eram quase nulas as perspectivas que almejavam a aplicação de direitos de igualdade às populações
colonizadas: elas eram imediatamente destituídas de autodeterminação e soberania e, portanto, aptas para
serem exploradas e “educadas” aos moldes europeus. A empreitada econômica colonial era principalmente
justificada pela acumulação de riquezas das nações, mas chegou a desenvolver seus próprios ideólogos que
sustentavam tais objetivos.

Houve, por exemplo, os famigerados “teóricos da guerra justa”, como Francisco de Vitória (1483-156) e
Francisco Suárez (1548-1617), que justificavam a guerra contra negros e indígenas em nome da propagação
do cristianismo e do “bem comum”. Essas abordagens, como parece evidente, agregavam argumentos teoló-
gicos, filosóficos e éticos. O próprio filósofo inglês John Locke (1632-1704) é, ainda hoje, alvo de desconfian-
ças não solucionadas acerca de seu posicionamento sobre a escravidão (ver FARR, 1986, p. 263-289; BREWER,
2017, p. 1038-1078). A despeito de seu discurso antiescravista, ele foi beneficiado financeiramente pela Royal
Africa Company, uma empresa que comercializava escravos. E, enquanto conde de Shaftesbury, na Inglaterra,
chegou a encaminhar a instauração de um sistema aristocrático para que certos plantadores obtivessem total
autoridade sobre seus escravos. Ele nunca chegou a se pronunciar sobre a contradição de seus atos, motivo
de ser considerado hipócrita por alguns de seus estudiosos.

Mas a maneira de lidar com as colônias se alterou ao longo do tempo, embora não abandonasse seus mé-
todos desumanos. Em meados dos séculos 17-18, houve um conjunto de transformações sociais que ocorreu em
diferentes países, e especialmente na Europa: uma classe ascendente de comerciantes, industriais, banqueiros e
proprietários de terras ganhavam cada vez mais poder econômico e participação política. Nesse período, os privi-
légios das monarquias limitavam o avanço dessa classe, pois imputavam a eles taxações excessivas, restrições co-
merciais, legais e geográficas. Em alguns casos, inclusive, os senhores feudais mantinham o controle da produção e

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

do comércio desses indivíduos. No entanto, com o desenvolvimento das indústrias – impulsionados pela expansão
marítima e economia colonial –, essa classe passou a acumular cada vez mais riquezas, motivando-os a conquistar
ainda mais influência política e autonomia econômica.

Nesse contexto nasce o liberalismo econômico, ou seja, uma revolução civilizatória frente às monar-
quias absolutistas europeias; uma corrente filosófica da economia política. Os “liberais” – a exemplo do seu
principal ideólogo, John Locke – criticavam os mandos e desmandos dos reis absolutistas, e exigiam liberda-
de de mercado a uma burguesia em ascendência na Europa. Essa “liberdade”, evidentemente, é a de comércio,
já que os donos de grandes fábricas desejavam expandir seus negócios; queriam ser livres para escolher para
quem e por quanto comercializar seus produtos. Trata-se, portanto, de uma liberdade da burguesia do julgo
dos reis, mas – como é evidente – continua significando dominação e exploração dos corpos negros e indíge-
nas subalternos, ainda subjugados nas colônias.

Na Europa, os ideais liberais ganharam força durante a Revolução Francesa (1789-1799), que pretendia
liberdade, igualdade e fraternidade à “humanidade”. Mas a burguesia da época disseminava um tipo de de-
mocracia que privilegiava unicamente os grandes capitalistas, que, inclusive, ainda utilizavam mão de obra
escrava: não estavam incluídos os negros, os indígenas e mesmo as mulheres – sem mencionar a multidão de
trabalhadores submetidos a condições precárias, subsalários e jornadas de trabalho exorbitantes. Portanto, o
liberalismo surgiu como um projeto teórico-político que representava os interesses econômicos da burguesia
europeia. Foram as potências liberais – entre partidos, cientistas e filósofos dessa perspectiva –, por exemplo,
que intensificaram a colonização da África e da Ásia entre os séculos 19-20.

Muitos foram os discursos que validaram a economia colonial durante a ascensão da burguesia e do libe-
ralismo econômico. Durante o século 18, por exemplo, uma prática altamente pseudocientífica, conhecida como
racismo científico, buscava justificar a supremacia étnica para validar o regime escravocrata europeu. Entre os seus
expoentes estava o naturalista e taxonomista Carl Linnaeus, autor da obra Systema Naturæ (de 1735), que chegou
a categorizar a humanidade em quatro grupos principais, atribuindo características estereotipadas e preconcei-
tuosas a cada um.1 Outro, o naturalista francês Georges-Louis Leclerc (“conde de Buffon”), propagava que o am-
biente podia influenciar negativamente os seres humanos, tornando-os inferiores, a exemplo dos africanos, devido
ao clima quente e árido da África. É ainda possível citar Johann Friedrich Blumenbach, antropologista e anatomista
alemão que propôs uma classificação em cinco raças baseada em diferenças cranianas: caucasiana, mongoloide,
etíope, americana e malaia, considerando a caucasiana (“europoides”) como a superior.

SAIBA MAIS

Charles Darwin nunca se arriscou em interpretações sociológicas do ambiente


humano. Ele era um homem de seu tempo e, por isso, poderia ser paternalista
em relação aos africanos, com quem deseja educá-los a alcançar uma “cultura
mais elevada”. Mas ele foi conhecido como um abolicionista devoto que se
opunha às práticas escravocratas de sua época. Quando questionado sobre
sua teoria, e sobre o fato de ela ter endossado a ideologia racista que fortaleceu
a cultura escravista, ele defendia: “se a miséria de nossos pobres é causada não
por leis da natureza, mas por nossas próprias instituições, maior é o nosso
pecado”(DARWIN, C. apud GOULD, 1993, p. 194).

1 A saber: Americanus (indígenas americanos), Europæus (europeus), Asiaticus (asiáticos) e Africanus (africanos)

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Posteriormente, o século 19 conquistou um salvo-conduto científi-


co ainda mais sedutor para justificar o liberalismo escravocrata, e conferir
ainda mais corpo ao racismo científico disseminado até então: por aque-
le período, Charles Darwin, em sua obra A origem das espécies (de 1859),
defendia que os organismos vivos tendem a produzir descendentes ligei-
ramente distintos de seus progenitores, num processo de seleção natural,
que favorece os que melhor se adaptam ao ambiente. Tratava-se de uma
teoria científica que interpretava a origem das espécies por meio de uma
proposta biológica evolutiva. No entanto, essa teoria foi usurpada para sus-
tentar o racismo científico e o darwinismo social, afirmando a dominação DARWINISMO SOCIAL
e a exploração de culturas consideradas como “atrasadas” por outros, auto-
É uma adaptação da teoria de Charles
denominados “civilizados”, como os europeus.
Darwin que tentou aplicar os princípios
É importante sublinhar que tais ideias tinham como pressuposto um da teoria da evolução ao funcionamento
conceito de “humano” restrito a uma sociedade europeia, branca, maiori- das sociedades humanas, criando, as-
tariamente proprietária de indústrias privadas que se beneficiava econo- sim, diversas distorções. A ideia geral do
micamente do sistema escravocrata. Por absurdo que possa parecer, tão darwinismo social é usar conceitos como
hegemônica era a classificação racista que sequer filósofos iluministas pu- “seleção natural” e “luta pela sobrevivên-
deram se libertar totalmente delas.2 Em plena Revolução Francesa – sob as cia” para explicar a competição entre indi-
máximas da liberdade fraternidade e igualdade –, alguns pesadores ainda víduos ou grupos humanos, assim como
naturalizavam a cultura e a prática escravocrata, assim como a exclusão das Darwin o fez com animais e vegetais.
mulheres e dos trabalhadores de seus direitos civis e políticos. Mesmo o Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/
iluminismo, em outras palavras, assimilou o direito de legitimar a autoima- historiag/darwinismo-social.htm
gem que possuía dos povos a partir de uma perspectiva eurocêntrica do
mundo: o racismo era, para todos os efeitos, o espírito do tempo, e os filó-
sofos da época não podiam esquivar-se dessa ideologia.

Para esses pensadores, a razão humana foi elegida como ferramenta


para o esclarecimento de questões relativas à natureza. O esforço racional para
desvendar os mistérios da matemática e da física foram aplicados aos fenôme-
nos sociais, políticos e econômicos. Estes eram compreendidos como “proces-
sos naturais”, tão mecânicos e racionais quanto os das ciências exatas; as leis
naturais e morais, portanto, se desvendariam por meio da “sabedoria humana”.
É nesse contexto que a diferenciação das raças, utilizada para justificar a escra-
vidão, foi compreendida por filósofos iluministas como parte de uma dinâmica
social natural, que poderia ser explicada por argumentos racionais: a filosofia
naturalizou a inferioridade das raças utilizando a cultura europeia como parâ-
metro de superioridade intelectual e cultural.

Essa posição pode ser encontrada com ainda mais clareza e espanto
no discurso de filósofos iluministas, dos quais podemos citar, apenas a título
exemplo: David Hume (1875, v. 1, p. 252), que afirmou serem os negros “na-
turalmente inferiores aos brancos”; e mesmo Georg Friedrich Hegel (1999,
p. 83-86), por defender que, dos negros, “nada evoca a ideia do caráter hu-
mano [...] sua consciência ainda não atingiu a intuição de qualquer objeti-
vidade fixa”. A população negra que vivia escravizada nas colônias não era
o foco imediato dos direitos de liberdade, propagados por tais pensadores:
o negro foi categorizado como “criatura inferior”, desprovido de faculdades
2 Veja, por exemplo, Gonçálves (2015, p. 179-195); Lepe-Carrión (2014, p. 67-83);
Terra (2010, p. 299-312); Andrade (2017, p. 291-309).

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racionais e artísticas, incapaz de se organizar civilizadamente e, não obstante, passivo de ser educado por
meio da violência ao trabalho. Veja mais um exemplo, proveniente de Immanuel Kant:

Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O
senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um Negro tenha mostrado talentos,
e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles
terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na
arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles
que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão es-
sencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades
mentais quanto à diferença de cores. [...] Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão
matraqueadores, que se deve dispersá-los a pauladas (KANT, 2012, p. 75-76, grifo nosso).

A CONQUISTA DA “HUMANIDADE” A CUSTO DA VIOLÊNCIA


A partir da filosofia iluminista, é fácil compreender que os “direitos humanos” propagados pela Revolução
Francesa possuíam uma noção de “humano” muito limitada. Ela poderia apregoar a liberdade à humanidade, mas
apenas de uma perspectiva abstrata e inoperante. Jean-Paul Sartre criticou essa faceta contraditória do huma-
nismo daquele período, quando afirmou: “deixemos essa Europa que não cessa de falar do homem enquanto o
massacra por toda a parte onde o encontra” (SARTRE, [1961] 1968, p. 4-5). Tal humanismo seria uma “ideologia
mentirosa, a requintada justificação da pilhagem” (SARTRE, [1961] 1968, p. 16-17). A razão não poderia ser elogiada,
como pretendiam os iluministas, como método à conquista da verdade, já que “o colonialismo não é uma máquina
de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em estado bruto” (FANON, 1968, p. 46).

A prova mais flagrante de que os apelos à liberdade, fraternidade e igualdade não se aplicavam à vida
real – e não possuíam esse desejo – é a relação da França com suas colônias, da qual podemos eleger o Haiti
como exemplo. Ele figurava como uma das colônias francesas mais prósperas, devido ao cultivo de açúcar,
café e outras plantações, resultante da aplicação do sistema escravocrata sob péssimas condições de traba-
lho. A riqueza gerada pelo trabalho escravo no Haiti foi fundamental para o desenvolvimento da economia
francesa que, na prática, não poderia aplicar as máximas liberais a seus escravos.

A conquista daqueles “direitos humanos” ocorreu somente com a iniciativa dos próprios haitianos, por
meio de um processo revolucionário liderado por Toutssaint L’Ouverture, a Revolução Haitiana (1791-1804).
Nessa ocasião, os escravos se rebelaram contra a dominação francesa e conseguiram obter sua indepen-
dência. No entanto, para Toutssaint L’Ouverture a libertação haitiana não era urgente a um caso isolado da
dominação francesa: ela era relevante a todas as outras colônias. Por isso, escreveu a Napoleão Bonaparte,
em 1799: “Não é uma liberdade circunstancial, concedida apenas a nós, que queremos; é a absoluta adoção
do princípio de que nenhum homem, nascido vermelho, preto ou branco, possa ser propriedade do outro”
(SCHOELCHER, 1982, p. 264 apud HAIDER, p. 143, grifo acrescentado).

Por fim, podemos afirmar, com certa objetividade, que o conceito de “raças” pode servir a diversos fins que
dependem, a princípio, de uma hierarquia inventada que atribua ou retire poder e privilégios de alguém com base
na cor de sua pele. Essa divisão racial, conhecida como “racismo”, é, principalmente, um legado do sistema econô-
mico escravocrata, uma imposição ideológica de colonizadores para justificar o trabalho forçado. Falar de racismo,
portanto, não é uma iniciativa que se restringe à psicologia individual, à autoestima do negro, à identidade africa-
na, às “ancestralidades” e mesmo aos direitos raciais: trata-se de um tópico inaugurado no controle econômico de
uma sociedade, e que ainda é utilizado para a manutenção de hierarquias dessa natureza.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

O modo de produção que deu corpo, alimento e nutrição ao racismo foi, basicamente, o modelo escra-
vista colonial. Ele foi estruturado a partir da violência, da contradição e do maniqueísmo entre escravizados
vs. escravizadores (ver FANON, 1968, 25-74), reforçados por um aparato ideológico repressivo para legitimar
uma política econômica. Ainda que essa lógica pareça se restringir a um passado remoto, há quem nos alerte
sobre perspectivas atuais – notadamente imersas em interesses econômicos – que tentam devolver legitima-
ção ao colonialismo. Elas defendem que o processo de colonização foi, na verdade, positivo à economia, e
que “violentos”, de fato, eram os que reagiram contra as práticas coloniais por meio de levantes e revoluções
radicais – em que a revolução haitiana, conforme citamos, seria um exemplo.

Essa releitura branda da escravidão, contudo, não é novidade no meio acadêmico. Há alguns anos, Jacob
Gorender (2016a; 2016b), historiador e cientista social brasileiro, combateu diversos argumentos que pretendiam
amenizar a violência escravista colonial, o “escravismo benigno e consensual”: essa perspectiva retratava o negro
brasileiro como acomodado, um negociador do “paraíso tropical”, que trabalhava pouco, comia bem, e era rara-
mente castigado. Essa tese remonta ao século 18, e pode ser associada à propaganda imperial portuguesa, que
pretendia disputar a narrativa dos movimentos abolicionistas. Atualmente – apenas a título de contraposição –,
vale mencionar que o acadêmico mais famoso a divulgar a ideia de uma “escravidão benigna” no Brasil foi o escritor
Gilberto Freyre (1981; ver VERSIANI, 2007, p. 163-183). Não há espaço para esse debate no momento, mas não é
exagero afirmar que essa perspectiva é encarada com descrédito, e possui pouca base empírica para sustentá-la.

Mesmo assim, o revisionismo da escravidão brasileira é apenas a ponta do iceberg, comparado às muitas
narrativas racistas que apregoam a supremacia branca. Outra perspectiva que evidencia o retorno ao pensamento
colonial – desta vez do contexto estadunidense – foi constatada por Loïc Wacquant (1969; 2001), que deflagrou
nos discursos penais direcionados à população carcerária a retomada consistente de pressupostos antigos do ra-
cismo científico, a partir da neurociência, que ainda tenta identificar uma “configuração cerebral específica” nos cri-
minosos – justificando, assim, sua situação carcerária por meio de elocubrações racistas e biologicistas. Essa noção
caminha em paralelo ao crescimento de movimentos neonazistas no mundo, que apelam a um “orgulho branco”
relativo às conquistas do passado colonial: um exemplo disso é o crescimento em 270% dos grupos neonazistas no
Brasil, entre 2019-2022, atuando em 530 núcleos que reúnem a média de 10 mil integrantes.

BREVE HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL


A história da resistência negra no Brasil pode ser dividia em, ao menos, três períodos: o Período Colonial
(1530-1822); o Período Imperial (1822-1889) e o Período Pós-abolição e República (1889 até os dias atuais).
No Brasil, a escravidão durou aproximadamente 400 anos. Ela foi uma instituição violenta, responsável pela
desumanização e assassinato de milhões de indígenas e africanos. Estabelecida no Brasil por volta da década
de 1530, quando as primeiras medidas efetivas de colonização foram implantadas pelos portugueses, ela se
caracterizou pelo abuso indiscriminado da força de trabalho.

Por isso, logo de início, é importante sublinhar o que observou o historiador Nelson W. Sodré (1984) so-
bre a história do negro no Brasil: ele explica que ela ocorreu por meio da incorporação da comunidade negra
à escravidão, de forma que a questão racial nasceu a partir de uma divisão étnico-racial do trabalho. Daí em
diante, é impossível fazer jus à história do negro brasileiro sem citar suas investidas anticoloniais, já que a luta
pelos direitos raciais tem sua relevância na libertação de qualquer sistema econômico que reproduz ideolo-
gias racistas. A exigência por esses direitos raciais se expressa muito cedo na história do negro brasileiro, e
pode ser prematuramente verificada em suas incontáveis investidas contra o sistema escravista.

Por isso, não é exagero afirmar, a princípio, que a história do negro no Brasil foi pautada pela violência:
seja aquela aplicada aos seus corpos pela escravidão, ou aquela desferida dos próprios negros contra seus se-
nhores, em atitude e protesto. Não por acaso; além de ser o último país a abolir a escravidão, o Brasil fez dessa

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

tragédia um dos sistemas mais lucrativos da história. Mas os conflitos contra o sistema escravista no Brasil
contaram com a investida de outros, como homens e mulheres pobres, e inclusive alguns de classe média,
escravos e libertos. Ainda assim, as revoltas nem sempre previam a destruição do regime escravocrata – por
horrendo que fosse –, ou mesmo a liberdade dos cativos: algumas delas visavam apenas corrigir excessos de
tirania, ou diminuir o limite tolerável de opressão, além de reivindicações de benefícios.

Mesmo assim, durante boa parte do período que iremos explorar, “as elites brasileiras, os escravistas
de um modo geral e a maior parte do povo livre concordavam com uma coisa [...]: o escravo carecia ser con-
trolado” (REIS; GOMES, 2021, p. 17). É por isso que a superação da escravidão, posteriormente, não pode ser
compreendida como um “fenômeno episódico” (MOURA, 1986a, p. 8-9) – fruto de um progresso natural da
sensibilidade humana –, mas como resultado de incursões potentes e frequentes da parte dos escravos, que
durante séculos insistiram por sua liberdade. É essa perspectiva ativa, inteligente, estratégica e libertadora da
história dos negros que pretendemos explorar neste momento.

RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL COLÔNIA (1530-1822)


No Brasil, a fase inicial da escravidão negra ocorreu a partir do século 16, instituindo as atividades econômi-
cas portuguesas. A principal delas foi a exploração do pau-brasil, uma árvore nativa valiosa devido à sua madeira
vermelha. Os portugueses estabeleceram feitorias ao longo do litoral brasileiro para extrair e exportá-la à Europa. A
princípio, os colonos se utilizaram da escravidão indígena; mas com o declínio dessa população, devido a doenças,
à resistência ao trabalho e outros fatores, os colonizadores começaram a importar escravos africanos para supri-
rem-se de mão de obra, marcando o início do tráfico negreiro (entre 1539 e 1542, ver REIKDER, 2011; COSTA, 2023).
Nesse período, foram estabelecidas as cidades de Salvador e Olinda, assim como os primeiros engenhos de açúcar,
principalmente no Nordeste, utilizando o trabalho escravo como principal forma de trabalho.

Desde o século 15, com as expansões marítimas, a África tornou-se a maior exportadora de mão-de-
-obra para trabalhos forçados. Estima-se a realização de 36 mil viagens de navios negreiros, ao longo de três
séculos, que partiam de 188 portos de escravos em África. Cerca de 5,5 milhões de negros vieram ao Brasil
sob essas condições – quase metade dos 12,5 milhões migrados para as Américas –, em que ao menos 1,8
milhões morreram no percurso. Mas a morte dos negros não era lucrativa aos comerciantes: encher um navio
de africanos e transportá-los ao Brasil sem nenhuma perda correspondia a lucros exorbitantes. Escravos eram
caros, e alternavam em preços a depender de suas condições físicas.

SAIBA MAIS

No momento, no endereço https://www.slavevoyages.org/ foi desenvolvido um


banco de dados acerca da comercialização de escravos no Oceano Atlântico,
após décadas de investigações individuais e colaborativas, fundamentado
em informações encontradas em acervos e registros de diferentes localidades
do mundo atlântico. Este banco de dados resulta do esforço de uma equipe
diversificada de acadêmicos, bibliotecários, cartógrafos, desenvolvedores de
software e web designers, em conjunto com especialistas em tráfico de escravos
de instituições de ensino da Europa, África, América do Sul e América do Norte.
Nele, por exemplo, é possível observar em tempo real a frequência do comércio
de escravos ao longo dos séculos através de representações visuais em timelapse.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Os negros sequestrados, no entanto, não eram ingênuos ou passivos, e podiam organizar rebeliões
nos navios: na metade do século 18, por exemplo, existem evidências de, ao menos, duas revoltas em navios
negreiros: a Revolta do navio Meermin (1766) e a Revolta do navio São José (1794). O primeiro navio, holan-
dês, navegava da África para as Índias Orientais Holandesas (atual Indonésia) em 1766. Os negros a bordo se
rebelaram contra a tripulação, resultando no extermínio de vários tripulantes. O navio encalhou na costa da
atual Namíbia, e os sobreviventes capturados pelas autoridades coloniais holandesas. O segundo, que trans-
portava africanos para o Brasil, naufragou perto da Cidade do Cabo, na África do Sul. Durante o naufrágio,
os escravizados se rebelaram contra a tripulação, resultando em outro extermínio.3 Mas a insurreição mais
famosa talvez seja de anos posteriores, a Revolta do navio Amistad (1839): africanos, liderados por Joseph
Cinqué, se rebelaram contra a tripulação, tomaram o controle da embarcação e tentaram retornar à África.
Mas o navio foi capturado pela marinha dos EUA, e os negros julgados e libertos por decisão da corte.4

Assim, no caso do Brasil, os negros eram traficados da África por meio de navios, com o propósito
principal de sustentar o sistema econômico escravocrata da época, de acordo com as demandas do merca-
do português. Essas viagens podiam ser mortais, e eram suscetíveis à revolta dos negros sequestrados. Ao
aportarem no Brasil, os trabalhos braçais as quais eram submetidos os negros aplicavam-se principalmente
nas roças; além de serem considerados mais resistentes do que os índios, os africanos estavam adaptados à
lógica do plantio, pois eram provenientes de uma sociedade agrícola. Entre Salvador e Recife, os engenhos de
açúcar poderiam contar entre 100-300 escravos – uma lógica de “criação de gado”.

A princípio, os portugueses exploraram o litoral brasileiro em busca de recursos naturais, impulsionan-


do a colonização, e levando à ocupação de vastas áreas. A sociedade colonial brasileira era hierarquizada, com
uma pequena elite de grandes proprietários de terras e escravos, conhecidos como “senhores de engenho”
ou “mineradores”, no topo da estrutura social; abaixo, estavam os “colonos livres”, muitos dos quais eram pe-
quenos agricultores ou comerciantes, seguidos pelos escravos africanos e, finalmente, pelos povos indígenas.
A administração colonial era centralizada em torno da figura do “governador-geral”, que representava os in-
teresses da coroa portuguesa. Ao longo do tempo, foram criadas capitanias hereditárias, sistema substituído
pelo governo-geral, consolidando o controle português sobre o território.

Mesmo assim, tanto os povos indígenas quanto os africanos escravizados resistiam à exploração e
opressão dos colonizadores portugueses. Houve rebeliões, fugas para o interior do país e formação de comu-
nidades livres, como os quilombos, que eram assentamentos de escravos fugitivos (ver MOURA, 1986a; 2020).
A esta altura, talvez seja possível afirmar que onde houve escravidão houve, também, “rebelião quilombola”.
Mas a reação rebelde à escravidão se manifestou de muitas outras maneiras: quando os escravos sabotavam
as máquinas, cometiam suicídio, trabalhavam com lentidão, abortavam seus filhos, aplicavam métodos con-
traceptivos, matavam seus senhores ou fugiam deles. Independentemente do grau de organização, o des-
contentamento dos negros contra o sistema escravagista era contundente.

Grosso modo, quilombos eram comunidades formadas por fugitivos da escravidão. Esses locais serviam
como refúgio para que os negros pudessem viver em liberdade, mas também eram organizações de resistên-
cia militar ao regime escravocrata. Esses locais possuíam um funcionamento econômico próprio, e poderiam
agregar índios e brancos livres que, a despeito de suas diferenças raciais, construíam vidas independentes.
Esse funcionamento alternativo conferia oportunidade para que as tradições religiosas e culturais africanas
fossem resgatadas, desenvolvidas e mantidas a partir da experiência colonial brasileira. Os quilombos se or-
ganizavam de forma independente, desenvolvendo sua própria agricultura, educação, entretenimento, re-
ligião e exército – este último especialmente voltado à autodefesa, já que os locais eram frequentemente
atacados por expedições militares portuguesas.

3 Os destroços do navio foram descobertos em 2015, fornecendo evidências tangíveis da escravidão transatlântica.
4 Essa rebelião chegou a ganhar uma releitura cinematográfica, em 1997, com o filme Amistad.

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

As resistências quilombolas mais conhecidas do período colonial são: o Quilombo dos Palmares, locali-
zado na região da atual Alagoas, que foi o maior e mais duradouro quilombo do período colonial, liderado por
Zumbi dos Palmares; o Quilombo do Campo Grande, situado no atual estado de Minas Gerais, sendo um dos
primeiros do Brasil; o Quilombo de Quariterê, localizado na região do Vale do Paraíba, em São Paulo, um dos
principais redutos de resistência quilombola naquela área; o Quilombo do Cascalho, situado no estado do
Maranhão; e o Quilombo de Cabula, estabelecido na região da atual Bahia. A organização e manutenção dos
quilombos é a maior prova, já no período colonial, de que os negros possuíam protagonismo político e eram
capazes de sugerir um projeto econômico alternativo à escravidão, capaz de sustentar grandes comunidades
sem a implementação do trabalho forçado.

Naturalmente, desse contexto de subsistência e resistência negra, começaram a se conflagrar as guerras qui-
lombolas, isto é, o conjunto de conflitos armados entre os quilombos e as autoridades coloniais brasileiras. Essas
disputas só eram possíveis porque, muitas vezes, tais comunidades eram organizadas de forma militar e resistiam
ativamente às tentativas das autoridades coloniais de reintegrá-los à escravidão. Os quilombolas defendiam seus
territórios com estratégias de guerrilha e táticas de emboscada, tornando a luta contra eles desafiadora mesmo às
autoridades coloniais. Essa guerra não foi um conflito único e contínuo, mas sim uma série de confrontos dispersos
ao longo do período colonial, refletindo a constante luta pela liberdade e pela dignidade humana.

Um exemplo famoso de conflito quilombola foi protagonizado por Zumbi dos Palmares (16555-1695),
um dos símbolos mais importantes para a resistência negra no Brasil. Ele nasceu em um quilombo e, portanto,
em situação de liberdade. Numa das incursões contra o local, foi vendido para um sacerdote e, assim, estudou
latim e português. Anos depois, Zumbi volta ao quilombo e passa a liderar o local. Ele já tinha uma população
de 30 mil pessoas e representava uma ameaça ao governo português, atiçando ainda mais uma guerra em
curso. Nos Palmares, o exército de Zumbi foi derrotado, e o líder capturado e morto. Sua cabeça foi exposta
em praça pública, tornando-se um ícone da resistência e da luta pela liberdade: o “Dia da Consciência Negra”,
comemorado todo 20 de novembro, foi estabelecido em homenagem ao dia de seu falecimento, em 1695.

SAIBA MAIS

Em seu livro Sociologia do Negro Brasileiro, Clóvis Moura (1986b, p. 159-


186), faz um interessante comentário sobre o funcionamento econômico
do Quilombo dos Palmares em um dos seus capítulos: ele observa que o
quilombo não passava fome, e era mais farto do que a sociedade colonial
brasileira na época – respeitada as devidas proporções. A produção agrícola
do Brasil colonial era basicamente voltada à exportação e não para o povo,
enquanto a do quilombo preocupava-se com sua subsistência interna. Para
o autor, esse tipo de economia comunitária era o fator que preocupava os
colonizadores, porque possuía um ritmo de produtividade maior e mais
eficiente que desafiava a economia escravista.

A escravidão no Brasil, no século 17, foi caracterizada por uma intensificação do sistema escravista, espe-
cialmente com a expansão do cultivo de cana-de-açúcar e a consolidação das plantations nas regiões nordeste do
país. o Brasil se tornou o maior produtor mundial de açúcar, e essa economia foi a principal força motriz por trás
da colonização portuguesa. Grandes áreas de terra foram dedicadas ao seu cultivo, e a produção em larga escala
exigia uma quantidade significativa de mão de obra. Por isso, o tráfico transatlântico de africanos foi intensificado
durante esse período: milhares foram capturados e transportados à força em condições desumanas, sujeitos a
5 A data de nascimento de Zumbi dos Palmares, no entanto, é incerta. O ano de 1655 é uma estimativa.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

doenças, maus-tratos e morte durante a travessia. Nas plantations, eles eram


submetidos a um regime de trabalho brutal, recebendo pouca ou nenhuma
remuneração e sofrendo punições físicas.

Mas esse século também ficou conhecido por conferir ocasião a um


novo fenômeno: a “escravidão de ganho”. Ela foi uma modalidade que en-
volvia o uso de mão de obra escrava em atividades urbanas, em oposição às
atividades rurais associadas à produção de açúcar, ouro e outros produtos
primários. Os escravos de ganho eram empregados em diversas ocupações
nas cidades, desempenhando funções como vendedores ambulantes, car-
regadores, trabalhadores portuários, entre outras. Aqui, é possível notar
a diferença entre a escravidão rural e a urbana: ao contrário dos “escravos
tradicionais”, os escravos de ganho tinham uma relativa mobilidade pelas
áreas urbanas em que estavam alocados. Eles trabalhavam nas ruas, merca-
dos e portos, facilitando as transações comerciais e as atividades urbanas.
Em alguns casos, podiam ter autonomia relativa, pois precisavam gerar re-
ceitas a seus proprietários; e, por isso, tinham mais “liberdade” em compa-
ração aos escravos vinculados a plantações ou minas.

Apesar das condições adversas – e outras “menos severas” –, os escra-


vizados ainda resistiam ao sistema por meio de fugas, rebeliões e formas
mais violentas de resistência. Um evento importante para a época foi a Re-
belião Escrava de Camamu, entre 1691-1692 (ver SANTOS, 2021, p. 52-77),
iniciada por cinco fugitivos e uma agregação de outros adeptos: eles inva-
diram casas, roubavam armas, destruíam roças e chegaram a sequestrar ou
matar colonos brancos. Os rebeldes organizaram uma base na Vila de Santo
Antônio, um quilombo que possuía suas próprias tropas. Essa resistência
foi interceptada numa expedição de 100 homens, que foram recebidos ao
HAITIANISMO
som de tambores e gritos de guerra: “Morte aos brancos, viva a liberdade!”
Foi um termo cunhado para se referir ao
medo das elites em relação à convergên-
Posteriormente, por volta do século 18, a escravidão do Brasil foi marcada
cia dos interesses políticos entre negros
pela sua consolidação e pelo crescimento da economia colonial, especialmente
escravizados e ex-escravos à revolução
com a produção de ouro e diamante em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Essa
do Haiti. Essa revolução, ocorrida entre
realidade atraiu muitos proprietários cobiçosos, e, uma vez mais, intensificou o
1791 e 1804, foi a única protagonizada
tráfico de escravos. O trabalho nas minas era especialmente dificultoso, ocasio-
nando o crescimento da taxa de mortalidade dos negros. Por outro lado, as plan-
pela população escrava durante os mo-
tations continuaram importantes fontes de produção agrícola, onde o cultivo e a vimentos de independência dos países
produção de açúcar eram predominantes para o comércio em larga escala. latino-americanos. Os escravos haitianos
conseguiram expulsar ou assassinar seus
Nesse contexto, as rebeliões nas senzalas passaram a agir com mais antigos mestres e estabelecer seu próprio
intensidade, principalmente por conta de uma experiência histórica que governo, gerando apreensão entre os se-
inspirava os escravos à luta pela liberdade. De fato, apesar da opressão, os nhores de escravos em outras localidades.
negros resistiam violentamente ao sistema escravista, como pode ser evi- O medo da “haitianização” levou a preo-
denciado em levantes e sedições entre 1750-1815; no entanto, tais levantes cupações de que a influência da Revolu-
não estavam mais sem contexto: a Revolução Haitiana, como mencionamos ção Haitiana pudesse inspirar a população
anteriormente, passou a inspirar os crioulos, africanos e negros no Brasil; a negra em outros lugares a seguir os pas-
conquista pela liberdade por meio das insurreições em confrontos armados sos dos haitianos na busca por liberdade
no outro lado do oceano inspirou a possibilidade concreta de emancipação. e igualdade. Fonte: https://www.politize.
Por outro lado, naturalmente, ela também aterrorizou a elite colonial, que com.br/revolucao-haitiana/. Acesso em:
vivia assobrada pelo que se convencionou denominar de “haitianismo”. 11 abr. 2024.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Durante esse século, seguiram-se outras rebeliões, muitas inspiradas pelos ideais de liberdade alcan-
çadas pelos haitianos: podemos citar, por exemplo, a Revolta de Vila Rica, em 1720, e a Revolta dos Alfaiates,
em 1798. A primeira – também conhecida como “Revolta de Felipe dos Santos” –, foi um levante de 1720
composto por escravos e homens livres na região de Minas Gerais. Ela foi uma das primeiras manifestações de
descontentamento contra as políticas coloniais e tributárias impostas pela Coroa Portuguesa. E foi marcada
por uma série de atos de resistência, incluindo protestos, saques, ataques a postos fiscais e até a tomada do
controle de algumas cidades da região pelas forças rebeldes.

A segunda – também conhecida como “Conjuração Baiana” – foi um levante ocorrido em 1798 na cida-
de de Salvador, na capitania da Bahia, liderada por João de Deus do Nascimento e Lucas Dantas de Amorim
Torres, ambos alfaiates. Ela foi um dos primeiros movimentos de caráter emancipacionista e republicano no
Brasil, e é considerada um marco na luta pela independência e pela igualdade social no país. Motivada pelo
descontentamento com o sistema escravista e com a ascensão de ideais iluministas, a revolta reuniu mem-
bros da classe média e baixa, incluindo artesãos, alfaiates, soldados, mulatos e negros libertos. Os rebeldes
buscavam a independência da Bahia em relação a Portugal, além da criação de um governo republicano e
democrático. Embora existam evidências de que houve participação de escravos nessa revolta, ela não foi tão
significativa quanto a de homens livres e pobres (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 160-169).

Mas com o final do século 18, a mentalidade mundial começou a tomar outro rumo no que diz respeito
à escravidão. Houve uma comoção internacional contra o tráfico de escravos, levando a medidas legislativas
que restringiam esse comércio. Uma dessas iniciativas foi a Society for Effecting the Abolition of the Slave
Trade [“Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos”], em 1787, formada por ativistas britânicos. Pos-
teriormente, em 1807, o Reino Unido decretou o “Acto de Abolição do Tráfico de Escravos”, que proibia esse
comércio em navios britânicos – um primeiro passo significativo em direção à abolição do tráfico por uma
grande potência colonial. Um outro marco foi a assinatura do Tratado de Paris, em 1814, após as Guerras Na-
poleônicas, onde as grandes potências europeias concordaram em abolir o comércio de escravos. Antes, em
1808, Portugal também chegou a proibir o tráfico para o Brasil; mas sem sucesso, pois ele ainda ocorria de
forma clandestina e lucrativa.

RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL IMPERIAL (1822-1889)


Dessa perspectiva, na virada do século 18 para o 19, alguns países começam a proibir o comércio de escra-
vos. Portugal, França, Inglaterra e Holanda, que concorriam na África pelo tráfico, saem do mercado, com exceção
de Portugal. Por incrível que pareça, em meio a comoções abolicionistas, esse período foi o apogeu do tráfico por-
tuguês, com o Cais do Valongo com seu ponto principal de comércio. Isto porque, no século 19 especificamente, o
Brasil passou por uma transformação em sua economia devido ao crescimento do ciclo do café, emergindo como
um dos seus principais produtores. Inicialmente concentrado no Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, o seu cultivo se
expandiu para outras regiões, como São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná.

Portanto, o crescimento do empreendimento português, nesse período, teve implicações para o sis-
tema escravista, que foi intensificado e monopolizado para atender à demanda crescente por mão de obra
nas fazendas de café: se contabilizarmos os três séculos de duração do tráfico transatlântico, os anos 1800-
1850 valeram por 43% de africanos desembarcados, isto é, 2 milhões (REIS; GOMES, 2021, p. 5). Essa prática
começou a se contradizer ao espírito da época, desde 1830, que passou a rechaçar esse tipo de prática. A Lei
Eusébio de Queirós, de 1850, por exemplo, proibiu o tráfico de escravos para o Brasil, mas a elaboração de
tais aparatos legais não era suficiente para a emancipação negra. A partir desse ano, a população escravizada
declinou, mas cresceu nas regiões cafeeiras.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Durante o Brasil Imperial, a escravidão ainda era uma instituição fundamental na estrutura socioeco-
nômica do país. A economia brasileira dependia do trabalho escravo, especialmente nas atividades agrícolas.
Não obstante a isso, o processo que eclodiria na independência do Brasil começou a se intensificar no início
do século 19, impulsionado por uma série de fatores, incluindo as ideias iluministas, os conflitos internos
entre colonos e a própria situação política de Portugal. Em 1822, o príncipe regente Dom Pedro proclamou a
independência do Brasil, estabelecendo o país como um império sob sua liderança, tornando-se o primeiro
imperador do país: Dom Pedro I. Mas a escravidão continuou a ser uma prática amplamente aceita entre as
autoridades brasileiras. Além disso, movimentos abolicionistas surgiram ao longo do período imperial, defen-
dendo o fim da escravidão e a emancipação dos escravizados, sem alianças significativas com as resistências
escravas e os quilombos organizados na época.

SAIBA MAIS

Os ideais antirracistas abolicionistas tiveram muita influência no


pensamento cristão protestante durante os séculos 18-19. É possível
afirmar que tais ideias conquistaram espaço para validação teológica
durante esse período, com a participação de cristãos em iniciativas radicais
contra a escravidão. Para conhecer melhor o assunto, veja a obra de Isaac
Malheiros e Davi Boechat (2021), intitulada Pela estrada da liberdade: A
religião na história abolicionista e antirracista.

O contexto de escravidão no Brasil se deparava, portanto, com um sentimento contraditório flagrante:


ao passo que, no estrangeiro, o liberalismo começava a imperar como modelo econômico à escravidão, o
Brasil encontrava-se “atrasado” nesse processo. Em outras palavras, os ideais iluministas de liberdade, fraterni-
dade e igualdade, ainda que populares entre os brasileiros mais abastados, se chocavam com a crua realidade
do país. Para os estrangeiros, por esse motivo, o Brasil estava distante da “ciência” e de perspectivas para o
“progresso”. Este havia recém-chegado de sua independência, movida em grande parte por esses mesmos
ideais franceses, mas era incapaz de desfazer a hipocrisia de seu sistema econômico, que louvava a ideologia
das luzes e explorava o trabalho dos negros em seus latifúndios. Joaquim Nabuco, abolicionista e escritor
brasileiro, se expressou sobre essa contradição da seguinte forma: “Se isso ofende o estrangeiro, como não
humilha o brasileiro?” (NABUCO, 1965, p. 106 apud SCHWARZ, 2007, p. 11).

A despeito do sistema escravista, muitos negros, nesse período, já possuíam posições sociais de influência
e destaque. Essa diferente classe de negros surgiu por conta de oportunidades para educação e acesso a círculos
intelectuais da época. A maioria deles se aventurou na luta abolicionista, articulando os ideais de liberdade da
época a partir de suas áreas de especialidade, como no direito, na medicina, nas letras etc. Reconhecido como um
dos maiores abolicionistas do Brasil, por exemplo, Luís Gama (1830-1882) foi um advogado, escritor e jornalista
negro que lutou pela libertação dos escravizados. Ele utilizou seu conhecimento jurídico para libertar centenas de
pessoas da escravidão, além de defender os direitos dos negros perante tribunais.

Outro exemplo, reconhecido como um dos maiores escritores da literatura brasileira, Machado de Assis
(1839-1908), filho de mãe negra e pai branco, foi um pioneiro negro na literatura nacional como escritor, poe-
ta e romancista. Sua obra, repleta de críticas sociais e reflexões sobre a sociedade, abordou questões raciais
no contexto da época, é reconhecido por ser o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Embora
não tenha sido um ativista abertamente político, sua escrita e suas ideias contribuíram para a conscientiza-
ção sobre a injustiça e a crueldade da escravidão. Através de suas obras, como Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Dom Casmurro e Quincas Borba, por exemplo, Machado de Assis retratou personagens negros de

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

forma humana e complexa, desafiando estereótipos e preconceitos raciais


prevalentes na literatura de sua época.

Mesmo com o recrudescimento dos movimentos abolicionistas, a co-


moção mundial contra o tráfico e a escravidão, e a frequente ascensão so-
cial de alguns negros, assim como no passado, o século 19 também gerou
levantes e rebeliões. Vale ressaltar que, embora possuíssem objetivos mui-
to semelhantes, os movimentos abolicionistas, a princípio, não se uniram
às insurreições quilombolas (ver MOURA, 1984, p. 79-93); eles, inclusive,
tendiam a replicar sentimentos racistas ao desclassificar a “violência revo-
lucionária” dos escravos, e podiam agir de forma paternalista, “educando”
os rebeldes a agir civilizadamente para conquistar a liberdade. Mas houve,
de fato, iniciativas abolicionistas mais radicais que se uniram às comunida-
des quilombolas em lutas armadas; eles poderiam atuar em parceria, mas
correspondiam a resistências oriundas de diferentes classes, que possuíam
interesses econômicos distintos em se tratando da abolição da escravidão.

Um levante popular de caráter distinto, e importante para a época,


ficou conhecido como a Revolta dos Haussás, em 1814, na Bahia. Sua pe-
culiaridade está no caráter religioso da rebelião, que possuía motivações
islâmicas – sem claro, descartar a urgência política da liberdade dos escra-
vos. Os conflitos se iniciaram com o Jihad de 1804, no Sudão Central, lide-
rado por Usuman dan Fodio, e as vítimas da guerra foram embarcadas em
navios negreiros que partiram em direção à Bahia. Eles foram responsáveis
por diversas conspirações entre 1807 e 1816, das quais a mais séria ocor-
reu em 1814, envolvendo escravos do subúrbio litorâneo de Salvador (ver
REIS, 2014, p. 68-115). Outro levante, de motivação semelhante, ocorreu
por volta de 1835, denominado Levante dos Malês, também em Salvador.
Ele foi encabeçado por negros mulçumanos – durante a festa do Ramadã
– somando cerca de 600 pessoas que, em parte, lutaram pela abolição da
escravidão, resultando na morte de mais de 70 rebeldes (ver REIS, 2003).
Machado de Assis, aos 57 anos, em
1896.
Em 1832, ocorreu também a Revolta de Campinas (PIROLA, 2021, p. 186- Fonte: Wikimedia
215). Ela foi um episódio de resistência contra o governo imperial brasileiro que
teve lugar na então província de São Paulo, mais especificamente na região de
Campinas. Suas causas estavam ligadas às tensões políticas e sociais que mar-
caram o período regencial no Brasil; ela foi motivada pela insatisfação com as
medidas políticas e econômicas impostas pelo governo regencial, como altos
impostos e a nomeação de autoridades impopulares. Além disso, os escravos
campinenses entenderam que a proibição do tráfico, idealizada à época, deve-
ria ser também aplicada à escravidão, isto é, implementando o fim definitivo
desse sistema. Como os senhores ignoravam essa possibilidade, os cativos pas-
saram a se rebelar a fim de alcançar sua emancipação de forma definitiva. Essa
conspiração foi descoberta e desarticulada.

Durante esse século, há evidência de que as revoltas negras tam-


bém poderiam ser protagonizadas pelos “negros de ganho”, como men-
cionamos; isto é, os escravos urbanos que possuíam relativa liberdade em
comparação aos que trabalhavam no campo e nas minas. Nesse período,
deflagrou-se a Greve dos Ganhadores, de 1857, na Bahia, protagonizada

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

pelos “ganhadores”, que se organizavam em comunidade para realizar todo


tipo de serviço. A greve paralisou os transportes na capital baiana durante
vários dias contra uma imposição da Câmara Municipal, com medidas que
combinavam arrocho fiscal e controle policial de suas atividades econômi-
cas. Ela ficou conhecida como “o dia em que os pretos ocultaram-se”, pelo
Jornal da Bahia (ver REIS, 2019): a cidade ficou parada e carente de sua prin-
cipal mão de obra, que cruzou os braços em protesto. Esse evento ficou co-
nhecido como o primeiro de caráter grevista, envolvendo um setor sensível
dos trabalhadores urbanos no Brasil.

SAIBA MAIS

Os levantes de resistência contra a escravidão podiam expressar Foto de Marc Ferrez de Quituteiras
símbolos e valores religiosos. Com frequência, as revoltas eram no Rio de Janeiro, em 1875.
planejadas para dias festivos e ritualísticos. João José dos Reis (1996)
Fonte: Pesquisa FAPESP
chegou a elaborar uma lista de revoltas escravas acontecidas em
dias festivos em seu artigo“Quilombos e revoltas escravas no Brasil”,
publicado na Revista USP (Disponível em: https://doi.org/10.11606/
issn.2316-9036.v0i28p14-39 Acesso em: 09 fev., 2024). Das citadas,
por exemplo, tanto a revolta dos Haussás quanto a revolta de
Campinas foram planejadas para o Natal. Além disso, o ideal de
liberdade e a solidariedade coletiva eram, muitas vezes reforçados
por concepções espirituais e seus arsenais simbólicos. O papel da
religião na resistência escrava não se limitou à identidade africana:
os escravos cristianizados desenvolveram uma forma peculiar de
cristianismo que os direcionavam à revolução e transformação do
mundo (ver SPILLER, 2021; ARAÚJO, 2008; CARVALHO, 2004).

Outra revolta que também envolve ganhadores ocorreu no dia 13 de


maio de 1833, a Revolta de Carrancas (também conhecida como “Levante
de Bella Cruz”) (ANDRADE, 2021, p. 216-268). Ela resultou na morte de nove
membros da família senhorial, dois negros, um agregado e cinco escravos,
pois foi violentamente reprimida pelas tropas do governo central. Apesar
da resistência inicial, os rebeldes foram derrotados e a ordem foi restau-
rada, mas a revolta deixou um legado de descontentamento e resistência Escravos lavando ouro num rio de
contra as políticas impostas pelo governo central.
Minas Gerais.
Deve-se também mencionar a Revolta de 1864, em Serro e Diamanti- Fonte: Wikimedia Commons
na (MOTA, 2021, p. 269-299). Ela começou em 15 de agosto, quando grupos
de insurretos tomaram as ruas, saquearam prédios públicos e enfrentaram
as autoridades locais. Os revoltosos eram em sua maioria mineradores,
agricultores e outros setores da população marginalizada e escravizada –
uniram-se também a “a rapaziada sujeita das matas”, isto é, os quilombolas
(MOURA, 1986a, p. 19). Os rebeldes entendiam que as discussões sobre o
“elemento servil”, no Parlamento, assim como os noticiários sobre a liberta-
ção dos escravos nos EUA, anunciavam o fim do regime escravista brasileiro.

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Neste período, os conspiradores já apresentavam algum nível de letramen-


to por conta da capacidade de acompanhar nos jornais os acontecimentos
geopolíticos relativos à sua situação.

No final do século 19, ocorreram diversos levantes entre quilombos


de distintas regiões do país. Eles poderiam ser caraterizados por fugas em
massa de fazendas e engenhos, ou às vezes antecedidas por investidas
mais violentas contra os feitores (MATA; SILVA, 2021; MOREIRA, 2021; MAES-
TRI FILHO, 2021). Além dos que foram citados até aqui, muitos outros foram
documentados em estudos recentes, envolvendo negros, escravos e livres.
A insistência na citação desses levantes deve ser entendida como forma
de evidenciar a concretude da resistência negra no Brasil a despeito dos
movimentos abolicionistas e dos aportes legislativos que culminariam na
abolição da escravidão, em 1888.
Foto de Marc Ferrez de escravos em
terreiro de uma fazenda de café na
RESISTÊNCIA NEGRA NO PERÍODO região do Vale do Paraíba, em 1882.
PÓS-ABOLIÇÃO E REPÚBLICA (1889-ATUAL) Fonte: Brasiliana Fotografia

O fim da escravidão no Brasil, assim como a história da resistência negra,


não possui um enredo romântico. Ele chegou demasiadamente tarde, e não
raro popularizou-se por interesses econômicos menos nobres do que se supõe.
O mundo vivia a “época das luzes”, e o sistema escravista demonstrava-se ob-
soleto às demandas econômicas. A revolução burguesa, como comentamos,
embora a princípio dependesse do sistema escravista, introduziu uma nova
relação entre “trabalhadores” e “patrões”, o trabalho assalariado. Nessa ocasião,
os novos senhores ainda buscavam o lucro, a superprodução, a exploração do
trabalho alheio e a expansão de seus negócios, mas os “servos”, agora, também
se configuravam como clientes – e o Brasil um mercado a ser alcançado e de-
senvolvido. Tratava-se, portanto, de uma substituição de mão-de-obra, num
processo de industrialização, e outras mudanças sociais, na qual o escravo não
possuía mais validade ou relevância.

Na primeira fase da escravidão, a luta contra o sistema é apenas dos


escravos. São eles que de várias formas solapam o instituto opressor.
Somente depois de 1850 é que veremos o apoio de personalidades
e entidades defendendo o fim do trabalho servil. Nessa última fase
de escravidão, após a abolição do tráfico, já no período, portanto,
que denominamos de escravismo tardio, várias vertentes abolicio-
Foto de Marc Ferrez de grupo de
nistas radicais passaram a cooperar e operar juntamente com os es-
pessoas (possivelmente escraviza-
cravos rebeldes. [...] Mas isso somente quando ele saiu do período
das) em colheita de café, em 1882.
de crise e entrou em plena decomposição. Enquanto o escravismo Fonte: Brasiliana Fotografia
brasileiro era uma instituição sólida e reconhecida, somente os es-
cravos lutaram radicalmente para extingui-lo (MOURA, 2020, p. 53).

É justamente nesse momento tardio de mudança que poderemos in-


serir o movimento abolicionista. Em outras palavras, ele passa a se organizar
politicamente quando o escravismo entra em “decomposição”, e não serve
mais como sistema econômico viável. Ao menos no papel, a escravidão foi

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

oficialmente abolida em 1888 por meio da “Lei Áurea”, assinada em 13 de maio do mesmo ano. No entanto,
ela não foi acompanhada de políticas de integração social e econômica aos ex-escravizados, resultando na
persistente exclusão social da população negra dentro do novo sistema econômico que se instaurava. Diver-
sos movimentos e lideranças contribuíram para a conscientização e a luta pela abolição; mas muitos desses
esforços foram liderados por brancos, sem um plano efetivo para a reparação social. Fato é que a discrimina-
ção racial persistiu por muitos anos.

A ênfase na vitória da causa abolicionista como o fim da escravidão – ironicamente – ajudou a propagar a
“mitologia histórica” de que a libertação dos escravizados ocorreu sem derramamento de sangue. Contudo, como
vimos, a história comprova exatamente o contrário: combates truculentos costumavam ser realizados em revoltas
e conspirações nos navios negreiros, nas senzalas e nos quilombos, as modalidades mais violentas da resistência
negra. Até o momento da abolição, incontáveis cativos e cativas se irmanaram em protestos para resistir, à força, a
tirania escravista a fim de administrarem sua própria subsistência. Já os abolicionistas tradicionais, por outro lado,
estavam mais preocupados em inserir o Brasil nos modelos econômicos liberais, motivados pelo sentimento de
progresso da época – pouco importando o que a resistência negra havia conquistado até então.

O processo abolicionista foi resultado de múltiplos aspectos que o influenciaram, desde pressões in-
ternacionais até mudanças nas dinâmicas econômicas do país. Tal processo foi protagonizado por resistên-
cias pró e contra a abolição, envolvendo lutas políticas, parlamentares e discussões de leis emancipatórias
(COSTA, 2012a). Nesse contexto, talvez seja possível afirmar que a Lei Áurea representou apenas uma etapa
na liquidação da estrutura escravista colonial, prejudicando a velha classe de senhores e inaugurando um
processo de transformações mais intenso que se estendeu até a metade do século 19 – do trabalho escravo
ao assalariado, da monarquia à República (COSTA, 2012b). Com a Lei Áurea, finalmente, o Brasil foi o último
país a abolir – ao menos formalmente – a escravidão, pois, como se sabe, mesmo após tal promulgação, os
negros permaneceram sem acesso a vários de seus direitos fundamentais.

A abolição da escravidão garantiu apenas um direito formal aos escravos, sem qualquer garantia para
a subsistência do povo negro. Ou seja, além de não possuir dinheiro, moradia e outras condições mínimas
para sobreviver, eles permaneciam como páreas. Essa realidade causou uma fissura econômica ainda não so-
lucionada, que ainda marginaliza negros e negras adaptados a cargos “inferiores” ou informais, como serviços
domésticos, rurais ou braçais. Desde a abolição, muitos foram os movimentos e as personalidades que luta-
ram pela igualdade de diretos aos negros no Brasil.6 Mas os registros disponíveis a esse respeito costumam
ser demasiadamente brancos, coloniais e notoriamente masculinos; daí as várias iniciativas acadêmicas que
pretendem resgatar a identidade e história dos negros e negras responsáveis pela força e abrangência dos
movimentos de emancipação.

O século 20 foi marcado por movimentos importantes à luta pela igualdade e pelos direitos dos ne-
gros. Por conta da falta de políticas públicas que agregassem os negros à sociedade, logo após a abolição,
eles passaram a se organizar em grupos que uniam escravos e libertos. Essas instituições adquiriam fundos
para a libertação de escravos e, além disso, administravam a inserção destes à sociedade, por vezes através
de educações formativas – há evidência de que eles existiam desde 1820 (ver SILVA, 2011). Alguns deles, por
exemplo, carregavam o nome “Clube 13 de Maio” em referência à data da abolição, como os ajuntamentos
que ocorreram em Curitiba (1888), em Ponta Grossa (1890) e em São Paulo (1902). Em tais locais, os partici-
pantes encontravam abrigo, trabalho e outros tipos de assistência. Essa iniciativa fazia parte de um movimen-
to clubista exclusivo para sócios negros, com o objetivo de se tornar locais de subsistência e lazer para os
ex-escravos. Um dos benefícios oferecidos pelos clubes, por exemplo, era o direito a um funeral digno, para
que os negros não fossem enterrados como indigentes.

6 Eles podiam ser profissionais liberais, esportistas, mães, professoras, curandeiros, médicos, músicos, ativistas, líderes
religiosos, feirantes, garis, cabeleireiros, eletricistas e donas de casa e a lista segue.

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

SAIBA MAIS

A Enciclopédia Negra (GOMES; LAURINO; SCHWARZ, 2021) conseguiu


reunir 550 biografias dessas personalidades, especialmente do período
pós-abolição. Outra iniciativa semelhante foi realizada por Haroldo Costa,
em 1982, na obra Fala, crioulo: O que é ser negro no Brasil (COSTA, 2009),
apresentando o perfil de personagens para enaltecer a identidade dos
negros brasileiros. Em 1998, Eduardo de Oliveira também lançou a obra
Quem é quem na negritude brasileira (OLIVEIRA, 1998), apresentando um
considerável repertório de biografias de artistas, intelectuais, ativistas e
figuras históricas do século 16 ao 20. Clóvis Moura, igualmente, em 2004,
contribuiu com o Dicionário da escravidão negra no Brasil (MOURA, 2004),
listando verbetes de personagens em eventos relacionados à escravidão.
Ainda Schuma Schumaher, em 2006, de forma mais específica, lançou
Mulheres negras do Brasil (SCHUMAHER, 2006), abrangendo figuras
femininas negras do período da escravidão a atualidade.

Nas primeiras décadas após a abolição (e até antes dela), se fortalece a “imprensa negra”, que em suas
publicações veiculava pautas sobre igualdade de direitos e denúncias de segregação racial. Estima-se que
entre 1915 e 1963, cerca de 30 jornais foram publicados por negros no Estado de São Paulo (ver FERRARA,
1985, p. 197-207). Desses jornais, por exemplo, podemos citar O Mulato (ou O Homem de Côr, de 1833), idea-
lizado por Francisco de Paula Brito – reconhecido por ser o primeiro editor de Machado de Assis; A Liberdade
(1919), editado por Gastão da Silva; O Clarim da Alvorada (1924), editado por José Correa Leite e Jaime Aguiar;
Tribuna Negra (1932), editado por Guaraná de Santana e José Correa Leite; e A Voz da Raça (1933), fundada
por Francisco Costa; entre outros. A imprensa negra, desde então, continuará a produzir muito conteúdo,
perpetuando uma tradição editorial permanente.

Mas em 1931, no Estado de São Paulo, o movimento negro conquistou um salto significativo com a cria-
ção da Frente Negra Brasileira (FNB), uma das primeiras frentes com reivindicações políticas mais deliberadas,
a entidade mais importante do movimento negro brasileiro nas primeiras décadas do século 20. Ela reuniu
milhares de membros, possuía filiais em diversos Estados e defendia os interesses da comunidade negra,
principalmente através do aperfeiçoamento intelectual contra o racismo (DOMINGUES, 2008, p. 517-596). Foi
a FNB quem lançou A Voz da Raça, por exemplo, e se transformou em partido politico em 1936, pretendendo
concorrer às eleições e capitalizar o voto da população negra. Vale enfatizar que a FNB não surge do vácuo,
mas recorre de iniciativas comunitárias, incluindo os diversos clubes e associações negras já existentes.

Até a criação da FNB, é possível afirmar que o movimento negro se aplicava a conquistar uma “cidada-
nia plena”, já que a discriminação ainda era um modus operandi para a segregação racial, e os negros com
extrema dificuldade se inseriam na sociedade brasileira. Neste primeiro momento, os negros buscavam a
integração social e o respeito dos brancos, mas sem questionar a estrutura discriminatória da sociedade de
maneira mais profunda. As pautas politicas passaram a tomar espaço com O Clarim da Alvorada e a fundação
da FNB, representando a culminância do projeto que aglutinou a movimentação nas irmandades religiosas,
na imprensa negra e nos clubes culturais, onde eram debatidos os problemas gerados pela discriminação em
busca de alternativas à melhora de vida para a população negra.

Outras iniciativas do gênero ocorriam em diferentes localidades do país, como a organização pela União dos
Homens de Cor (UHC), fundada por João Cabral Alves, em Porto Alegre, 1943. À semelhança da FNB, ela também

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

se ramificou e abraçou outros Estados; ela se dedicou à defesa dos interesses


negros no âmbito nacional. Entre outros objetivos, a UHC desejava aumentar
o nível econômico e intelectual dos negros a fim de que pudessem ingressar
na sociedade e atuar em cargos administrativos (SILVA, 2003, p. 215-235). A
UHC também chegou a editar um jornal, denominado Nosso Jornal, preocu-
pando-se com o desenvolvimento social e profissional de seus associados e
construindo uma identidade racial negra no Brasil.

Uma figura constantemente mencionada nesse novo contexto foi


Abdias Nascimento, artista plástico e ativista. Além de suas contribuições
para o teatro, Nascimento também foi um destacado político, sendo eleito
deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, onde continuou a lutar
pelos direitos dos afro-brasileiros. Foi Abdias, por exemplo, quem cunhou o
termo “quilombismo”, representando uma ideologia que valoriza a herança
cultural africana e afro-brasileira, promove a autoestima e a identidade ne-
gra, e defende a criação de uma sociedade igualitária e sem discriminação
racial. O quilombismo, para Abdias, apregoava que as pessoas negras pre-
cisam lutar contra o racismo e a opressão e criar uma nova sociedade que
valorize a diversidade e a igualdade racial.

Abdias também fundou Teatro Experimental do Negro (TEN), em


1944, uma companhia que buscava destacar a cultura afro-brasileira e pro-
mover a igualdade racial através das artes. A proposta, a princípio restrita,
produziu além do esperado: eles organizaram o jornal Quilombo, oferece-
ram cursos de alfabetização, corte e costura, fundaram o Instituto Nacional
do Negro e o Museu do Negro, e organizaram o 1o Congresso do Negro Bra-
sileiro. Além disso, o TEN chegou a realizar um concurso de artes plásticas
que teve como tema “Cristo Negro”, com repercussão polêmica na opinião
pública. Ao defender os direitos civis dos negros, o TEN promovia a criação
de uma legislação antirracista para o país.

Ainda que os movimentos se multiplicassem, e a imprensa negra ga-


nhasse mais representantes – como Alvorada (1945); Quilombo (1950); Re-
denção (1950); A Voz da Negritude (1953); O Novo Horizonte (1954); Notícias
de Ébano (1957); O Mutirão (1958); e Nosso Jornal (1961) – o Golpe Empre-
sarial-Militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária, para
a luta dos negros. Ele desarticulou uma coalizão de forças que trilhava para
o enfretamento do preconceito de cor no país. Como consequência, o mo-
vimento negro organizado entrou em “recesso”, já que seus militantes eram
acusados pelos militares de dar ênfase a um problema que, para estes, não
existia no Brasil: o racismo. Por isso, a repressão lançou as resistências negras DEMOCRACIA RACIAL
à clandestinidade, e a discussão pública sobre igualdade racial foi pratica-
mente banida. Esse período fortaleceu o mito da “democracia racial”, e a É um conceito abstrato que se refere a
criação de um Brasil livre de desigualdades. Por isso, a retomada das lutas um “estado ideal” de igualdade entre as
antirracistas tomou novo fôlego apenas com a entrada da década de 1970, pessoas, independentemente de raça,
com a ascensão dos movimentos populares, sindicais e estudantis. cor ou etnia. Em uma sociedade assim
organizada, não haveria nenhum tipo de
Exemplo dessa nova retomada de fôlego foi a criação do Centro de exclusão ou discriminação racial. Fonte:
Cultura e Arte Negra (CECAN), oficializado em 2 de setembro de 1971, em https://brasilescola.uol.com.br/historia/
São Paulo, e idealizado por Thereza Santos, uma militante do Rio de Janeiro. democracia-racial.htm

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

A princípio, o centro pretendia desenvolver atividades sociais e recreativas em distanciamento das manifes-
tações políticas da época; ela pensava na temática da conscientização étnica como forma de superação das
desigualdades raciais, ao mesmo tempo em que realizava uma leitura crítica da história e desmistificava da
democracia racial (ver SILVA, 2020, p. 18-23). Porém, os ideais estatutários que, a princípio, afastavam o centro
de discussões políticas foi superado com tempo, justamente por entenderem ser impossível alterar o funcio-
namento racista do sistema sem agregar temáticas políticas e econômicas.

Aliás, no que diz respeito à cultura negra, a década de 1970 fez popularizar a música soul, protagoni-
zada por talentos negros como Tim Maia, Jorge Ben e Tony Tornado, assim como o movimento “Black Rio”. De
alguma forma, essa maneira de expressão musical representou a afirmação étnica e fortaleceu o sentimento
de contracultura vigente. Ele direcionou jovens negros a reflexões sobre política e identidade, além de reali-
zar oposição manifesta contra o mito da “democracia racial” (ver PAIVA, 2015). Em outro âmbito, no contexto
científico, pode ser citado o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), inaugurado em 8 de julho de
1975, no Rio de Janeiro, com o intuito de ocupar lugar como referência para a pesquisa da luta antirracista,
denunciando e combatendo o preconceito de cor.

No entanto, tais iniciativas, além de fragmentadas, ainda careciam do ímpeto político necessário para
abalar as estruturas sistémicas do Brasil, e não possuíam força para enfrentar o regime ditatorial. Apenas em
1978, com a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), ocorre um retorno mais intenso à cena política
brasileira e a configuração de um movimento negro organizado (ver DOMINGUES, 2007, p. 100-122). Esse
retorno foi, em parte, influenciado pelas muitas experiências emancipatórias externas, sobretudo as de lín-
gua portuguesa, como os movimentos de libertação de Guiné Bissau, Moçambique e Angola. Tais influências
incentivaram o MNU a adotar um discurso político mais radical em relação à luta contra a discriminação racial
no Brasil. Para isso, o movimento foi gerido em âmbitos de discussões políticas e econômicas da época, de-
senvolvendo não apenas um discurso antirracista, de uma perspectiva identitária, mas uma crítica aos siste-
mas econômicos – como o capitalismo –, que intensificavam a discriminação racial.

A primeira atividade no MNU foi a organização de uma manifestação pública, realizada em 7 de julho de
1978, em protesto contra a discriminação sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê, e contra a morte de
Robson Silveira da Luz, torturado até a morte no 44º Distrito de Guaianases. O evento foi um marco histórico à resis-
tência negra no Brasil, assinalando a retomada do ativismo negro, desmantelado pela Ditadura Empresarial-Militar.
Entre 1978-1979, por influência dessas iniciativas, o jornal Versus estipulou uma coluna para a “Afro-latino-américa”,
e à elaboração de artigos que conclamavam a população negra à luta contra o racismo e o sistema econômico
vigente. Pela primeira vez, a luta antirracista não esteve centralizada no âmbito acadêmico da intelectualidade
afro-brasileira, mas agregou nas ruas diversas representações e pautas do movimento negro.

O MNU chegou a incentivar, por exemplo, a criação de centros de luta nos bairros, nas vilas, nos terreiros de
candomblé e umbanda, nas escolas, nos locais de trabalho e mesmo nas prisões. Entre as muitas pautas imediatas
para resolução, estavam discriminação racial; a violência policial; o desemprego; o subemprego; a marginalização
da população negra; a implementação dos currículos escolares com assuntos voltados à história de África; e a des-
mitificação da democracia racial brasileira. Como parece evidente, à semelhança das resistências negras populares
citadas anteriormente, o MNU abrangia pautas que interessavam não apenas aos negros, mas principalmente à
massa de trabalhadores pobres, explorados e marginalizados pelo sistema capitalista. A luta do negro, nesse senti-
do, não era diferente daquela enfrentada pelas camadas oprimidas da sociedade brasileira.

Dos anos 2000 em diante, o movimento negro intensificou o processo de politização da raça, condu-
zindo mudanças na estrutura do Estado, como a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR), em 2003. Além disso, como será explorado com mais detalhes, foram elaboradas políticas pú-
blicas que facilitavam o acesso dos negros às universidades, as “cotas raciais”. Essas pautas, com o passar dos
anos, passaram a ganhar um local de destaque nas reivindicações dos movimentos, articulando esforços para

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

reforçar a participação dos negros no contexto acadêmico. Em 2000, por


exemplo, foi criada a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN),
responsável por agregar pesquisadores cujas investigações estivessem vol-
tadas às pautas raciais. Ainda no contexto da educação, em 2004, foi criado
no Ministério da Educação a Secretaria de Educação Continuada, Alfabeti-
zação e Diversidade, conferindo ainda mais força à reivindicação histórica
do movimento negro por educação.

No âmbito cultural, à semelhança do soul, houve a popularização da


cena Hip Hop, em meados de 2000, no Brasil. Um movimento que, por meio Hamilton Cardoso ao centro, com An-
da música, retratou a realidade da periferia e da negritude brasileira. Vale tonio Leite, Eduardo Ribeiro e Milton
destacar que a cultura Hip Hop se proliferou consideravelmente no Brasil Barbosa ao fundo, em manifestação
por meio do grupo Racionais MC’s, com o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, da MNU em julho 1978.
em 1997; e, posteriormente, passa a ganhar ainda mais popularidade como
Fonte: Jesus Carlos, da BBC News Brasil
estilo musical e filosofia de vida. É possível afirmar que, das manifestações
artísticas negras, esse gênero musical foi que abordou a questão do racis-
mo e a posição do negro na sociedade de forma mais transparente, violenta
e explícita, sem poupar metáforas ou expressões semelhantes que comu-
nicassem a decadência social e as injustiças imputadas à população negra.
Não por acaso, o gênero foi demonizado por anos, e acusado de aliciar os
mais jovens ao mundo do crime.

Apesar dos anos de luta e reivindicação, e dos diversos ganhos no


âmbito político, econômico e social, a causa do negro no Brasil ainda não
está ganha. O combate às violências incutidas a essa população ainda são
questões centrais na luta contra a desigualdade racial no país. Protestos
contra a violência policial aplicada principalmente aos negros, no Brasil, Abordagem policial durante a mani-
toma proporções crescentes, a exemplo do movimento “Vidas Negras Im- festação do MNU nas escadarias do
portam” – inspirado em outro, de origem estadunidense. Tais movimentos Teatro Municipal, em 1980.
costumam ir às ruas para denunciar as injustiças policiais que causaram a
morte de crianças e jovens negros assassinados: como foi o caso de João Fonte: Jesus Carlos, da BBC News Brasil
Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, que foi baleado durante a operação con-
junta da Polícia Federal no Complexo do Salgueiro, Rio de Janeiro, em 2020.
Na verdade, uma pessoa negra morreu, por ocasião de intervenções poli-
ciais, a cada oito horas no Rio de Janeiro, de acordo com o relatório “Pele
Alvo: a bala não erra o negro”, sobre o impacto da violência contra popula-
ções pretas. Os problemas sociais que envolvem os negros no Brasil, como
é evidente, representam uma doença antiga, cujos sintomas são sentidos
até hoje, e cuja medicação ainda permanece em fase de experimentação.

DIREITOS RACIAIS
NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Foto de Carlos Vergera da série “Car-
Com o avanço do liberalismo, a ascensão de uma burguesia e a imple- naval”, de 1972, em São Paulo.
mentação do trabalhado assalariado, os sistemas econômicos tomam formas
Fonte: Veja Imagens
progressistas, e a escravidão tornou-se cada vez mais obsoleta. Como vimos,
nesse período, os movimentos abolicionistas ganham substância, e as primei-
ras leis antiescravistas passam a ser estipuladas. Antes de 1888, durante século

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DIREITOS HUMANOS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

19, houve, por exemplo, o Alvará de 1818, que proibia o tráfico de escravos africanos para o Brasil, estipulando
multas à prática. Mas a legislação mais importante nesse sentido foi a Lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581/1850),
promulgada em 4 de setembro de 1850, que insistiu de maneira ainda mais contundente contra o tráfico transa-
tlântico. Ela foi seguida da Lei do Ventre Livre (Lei nº 2.040/1871), que declarou liberdade aos filhos e filhas de es-
cravos nascidos a partir de sua promulgação – embora não agisse diretamente contra o tráfico, ela desestimulava
a importação de escravos. E, semelhante à última, a Lei dos Sexagenários (Lei Saraiva-Cotegipe - Lei nº 3.270/1885)
promulgou liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.

Não é novidade afirmar, no entanto, que a estipulação dessas leis, somadas à abolição da escravidão
em 1888, não gerou resultados imediatos, e não impediu que o tráfico de escravos fosse realizado de diversas
formas ilegais. A articulação da legislação, tentou desmontar o negócio dos navios negreiros pela força da lei,
para que essa prática pudesse dar espaço a outros negócios mais lucrativos: a Inglaterra, por exemplo, embo-
ra tenha se beneficiado do comércio de escravos no passado, começou a perceber que o tráfico atrapalhava
o comércio britânico na costa ocidental da África. Com a Revolução Industrial, os africanos, além de “traba-
lhadores livres”, eram também consumidores dos produtos ingleses. “Esvaziar” a África, portanto, significava
desmantelar a dinâmica econômica que gerava lucro à Inglaterra em contexto africano.

Décadas à frente, após a Segunda Guerra Mundial, muitos países se uniam contra a ideologia das “raças
distintas”, revisitada e engendrada principalmente por ideais nazistas que enxergavam a realidade através de cate-
gorias inferiores ou superiores a depender de estereótipos físicos. Estava claro que a ênfase na categoria de “raça”,
na verdade, perpetuava o racismo, e não o contrário; quanto mais insistência era atribuída à essa distinção, mais
oportunidade era conferida a práticas racistas. Essa divisão dualista já era combatida por escritos afro-americanos
entre 1910-1940 (GUIMARÃES, 2002, p. 139-141) que enxergavam, no Brasil, a possibilidade utópica de realizar o
sonho de uma nação sem preconceitos: por ser o país da “mestiçagem”, ele deveria contribuir à crítica da distinção
das raças, idealizando a democracia racial – essa posição, em prol de uma sociedade identificada pela miscigena-
ção, chegou a ser defendida pela FNB, em meados da década de 1930, por exemplo.

No entanto, a experiência dos negros no Brasil os conduziu ainda mais à divisão racista da socieda-
de, influenciando, assim, no campo do direito, e abandonando a ideia miscigenada da nação brasileira. Os
problemas sociais que resultavam na marginalização dos negros eram gritantes, e o preconceito contra sua
cor contradizia os ideais de igualdade promulgados por lei, desde 1888. Para lutar contra a evidente de-
sigualdade social e econômica, os movimentos negros prepararam sua artilharia contra o preconceito e a
discriminação e, por conseguinte, nutriam a noção da “entidade jurídica negro” (nos termos de PINTO, 1953,
p. 344, itálicos do original), racializando a legislação brasileira e fortalecendo a noção de “raças distintas”. Essa
nova maneira de pensar o negro no Brasil – que teve influência do Teatro Experimental do Negro (TEN) – irá
respingar na luta pelos direitos étnico-raciais até hoje. Em suma, a própria lei será regida pela existência de,
ao menos, duas raças.

ESFORÇOS LEGISLATIVOS EM PROL DE DIREITOS RACIAIS


A primeira manifestação dessa perspectiva na luta dos movimentos negros foi a Lei Afonso Arinos (Lei
1.390/51), aprovada pelo Congresso Brasileiro em 3 de julho de 1951. Ela carregou o nome de seu autor, o De-
putado Federal Afonso Arinos de Melo Franco, que teria, na época, se comovido com o caso de discriminação
envolvendo a bailarina afro-estadunidense Katharine Dunham, impedida de se hospedar em um hotel paulis-
ta. Além da inauguração de uma entidade jurídica para o negro na legislação brasileira, essa lei tornava con-
travenção penal a discriminação racial. A Lei Afonso Arinos foi a prova de que, a partir de então, o país passaria
a realizar propostas de políticas públicas com base na “raça”. Elas tomariam como pressuposto a existência de
candidatos aptos e não aptos aos privilégios sociais: brancos e negros, respectivamente (ver PINTO, 1953).

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Posteriormente à Ditadura Empresarial-Militar Brasileira, em 1985, a Lei Afonso Arinos ganhou uma
nova redação, que incluiu, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça,
cor, sexo e estado civil. Em 5 de janeiro de 1989 entraria, então, em vigor a Lei Caó (Lei 7.716/89) – referindo-se
ao Deputado Federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, militante do movimento negro e autor da nova redação
–, que determinava a pena de reclusão a quem cometesse atos de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. Vale ressaltar que, nessa época, já havia sido implementada a Cons-
tituição Federal de 1988 – 100 anos após a Lei Áurea. A Lei Caó, na verdade, foi uma norma complementar à
Constituição, regulamentando ainda mais os trechos relativos às práticas racistas.

Na Constituição Federal de 1988, por exemplo, o artigo 3º estabeleceu que um dos objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação”. Em outros termos, o Estado brasileiro deve trabalhar para garantir a
igualdade de todos os cidadãos, independentemente de sua raça ou cor. Além disso, o artigo 5º estabeleceu que
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Isso significa que todos os cidadãos brasileiros
têm os mesmos direitos e deveres perante a lei, independentemente de sua raça ou cor. Ela também estabeleceu
que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Essa medida é importante
porque tornou o racismo uma prática ilegal, sujeita os infratores a punições severas.

Até aquele momento, o governo de Fernando Henrique Cardoso foi o que mais se dedicou ao campo
jurídico relacionado aos direitos de raça. Em 1995, por exemplo, o presidente recém-eleito criou o Grupo de
Trabalho Interministerial para sugerir ações políticas que valorizassem os negros. Um ano depois, em 1996,
inaugurou o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), clarificando ainda mais o desejo de criar políti-
cas específicas para a população negra, tomando como base uma taxonomia brancos e negros (PNDH, 1996,
p. 29-31) – e, ao mesmo tempo, suprimindo as categorias “mulatos, pardos e pretos”.

Desde esse período, o governo já propunha, para médio prazo, “desenvolver ações afirmativas para o
acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta” (PNDH,
1996, p. 30). Com a virada do século, e a participação dos brasileiros na 3a Conferência Mundial das Nações
Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, desejou-
-se ainda mais adotar ações afirmativas em favor dos negros, legitimando reparações históricas à escravidão
e cotas para negros nas universidades públicas.

Como resultado, o ministro da Reforma Agrária anunciou que 20% das vagas no seu ministério seriam
para negros; em dezembro, o presidente da República estendeu o mesmo princípio ao funcionalismo público.
Além disso, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, reservou 40% das vagas de suas universida-
des para pessoas que se definissem “negros ou pardos” – a Lei nº 30.766, de 4 de março de 2002, que já tinha
como base a Lei nº 3.708, de 9 de novembro de 2001. O nascedouro das políticas de cotas tinha como pres-
suposto que a falta de negros nas universidades ocorria devido à cor de sua pele, e não a pobreza e educação
anterior, das quais a maioria deles era vítima.

Com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, foram feitas modificações no Sistema de
Financiamento ao Estudante (FIES), estabelecendo-se o Programa Universidade para Todos (PROUNI), ambos
especificando vagas para negros e outras minorias. O governo também criou, no mesmo ano, a Secretaria
Especial para a Promoção da Igualdade Racial (Seppier). Pode-se destacar, no entanto, a promulgação da Lei
10.639/2003, que tornava obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira em todas as escolas, públi-
cas e particulares, do ensino fundamental ao médio. Essa lei alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal (LDB), e foi atualizada na Lei 11.645/2008, que incluiu o ensino da história da cultura dos povos indígenas,
incluindo a noção de que a população brasileira agregava dois grupos étnicos no seu processo de formação.

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Em anos recentes, as cotas raciais tomaram proporções ainda mais abrangentes e obrigatórias no Brasil: a
Lei de Cotas Raciais (Lei nº 12.711/2012), aprovada em 2012, foi elaborada como política pública que garante a
inclusão social de grupos historicamente excluídos do ensino superior, como negros, indígenas, pessoas com de-
ficiência e estudantes de escolas públicas. A lei foi sancionada em 2012 e regulamentada em 2016, determinando
que ao menos 50% das vagas em universidades e institutos federais devem ser reservadas para estudantes que
cursaram o ensino médio em escolas públicas, com renda familiar per capita igual ou inferior a um salário-mínimo
e autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. A lei também estabelece que as instituições devem adotar políticas
de ações afirmativas para garantir a permanência e o sucesso acadêmico desses estudantes.

Para além da Educação, pode ser citada também a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que pre-
tendeu proteger a mulher da violência doméstica e familiar. Ela foi criada em 2006 por uma farmacêutica
chamada Maria da Penha, que sofreu violência doméstica por parte do marido durante anos, tornando-se pa-
raplégica após uma tentativa de assassinato. A lei foi criada com o objetivo de aumentar a pena, a assistência
às vítimas e a prevenção da violência, criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e fa-
miliar contra a mulher. Embora não seja específica para direitos étnico-raciais, ela protege vítimas de violência
doméstica, que afeta uma população superior de mulheres negras.

Em 2010, foi promulgado o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), que visou garantir a efe-
tivação da igualdade de oportunidades e a defesa dos direitos étnicos, individuais, coletivos e difusos. A lei
– promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – alterou outras, anteriores, como a Lei nº 7.716/1989,
que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e a Lei nº 9.029/1995, que proíbe a exigên-
cia de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de
permanência da relação jurídica de trabalho. O Estatuto estabelece diretrizes à promoção da igualdade racial
no Brasil, a exemplo da criação de políticas públicas à população negra, da promoção da igualdade de opor-
tunidades no mercado de trabalho e da valorização da cultura afro-brasileira. Além disso, a lei prevê a criação
de um sistema de monitoramento e avaliação das políticas públicas também voltadas à população negra.

CRÍTICAS E PERSPECTIVAS À LEGISLAÇÃO DE DIREITOS RACIAIS


Ainda que a luta étnico-racial se concentre e se fortaleça, basicamente, em termos jurídicos, não é possível
admitir um consenso dos movimentos negros nesse sentido. Há discordâncias que denunciam a própria divisão
dualista das raças e criticam a noção de que a baixa posição social dos negros seja “restaurada” no combate ao ra-
cismo (ver MAGGIE, 2008a; 2008b). Em 2006, por exemplo, parte do movimento negro escreveu uma Carta Pública
ao Congresso Nacional, enfatizando os princípios universalistas que deveriam reger a vida em sociedade. Posterior-
mente, em 2008, novamente, o movimento entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma nova carta: “Cento e
treze cidadãos antirracistas contra as leis racistas”, alertando acerca da racionalização do país.

Mas há um meio termo possível: de fato, os movimentos negros encontram-se de mãos atadas quando se
limitam a conquistar direitos no contexto jurídico; isto é, no limite estreito do sistema. A revisitação, atualização
e elaboração de novas leis – nas entrelinhas – flagram a ineficiência da legislação ao lidar com o racismo dentro
das estruturas sociais que o validam. A reprodução de direitos é, ironicamente, ainda mais benéfica às estruturas
vigentes, pois elas precisam se adaptar às novidades para se reproduzir. Nesse sentido, afirmar unicamente a im-
portância das subjetividades jurídicas – da “entidade jurídica negro” –, e não a de outras, de abrangência ainda mais
urgente, como as políticas e as econômicas, não altera o quadro da desigualdade perpetuada (ver SINGH, 2005;
ALEXANDER, 2018; HAIDER, 2019). Os dados alarmantes a respeito da negritude no Brasil não ocorrem especial-
mente pela falta de incentivo à cultura e identidade afro-brasileiras: eles resultam, acima de tudo, de uma estrutura
econômica fadada ao colapso, da qual os negros são, historicamente, as principais vítimas.

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DIREITOS RACIAIS NO BRASIL

Mesmo assim – é importante enfatizar – não seria positivo desistir das lutas identitárias, como fazem verten-
tes “anti-identitárias”. A ideologia que ronda a cor está inserida na vida concreta dos negros e servem, em situações
incontáveis, como medida para o seu sucesso ou fracasso. Ela carrega consequências fatais e, portanto, deve ser
estimada para o benefício da comunidade negra por meio de ações que valorizem sua identidade. As políticas de
identidade em sua forma atual são mecanismos de reprodução social do capitalismo. Quando as relações de poder
e de direitos civis são reduzidas à lei, elas ficam cegas a outras diversas práticas sociais responsáveis pelo acúmulo
de poder. Nesse sentido, a ênfase no identitarismo corre o risco de concentrar o foco em questões de identidade e
desconsiderar as contradições políticas e econômicas da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de revisão, nesta unidade, estudamos acerca do conceito de “raça” e como ele foi articulado no
contexto do sistema escravista para transformar-se em racismo, a fim produzir e reproduzir práticas econômi-
cas exclusivas. Entendemos que, de uma perspectiva histórica, a ideologia racista foi útil para a manutenção
de muitos privilégios europeus, e foi difundida não apenas por esforços pseudocientíficos, mas por autores
conceituados do pensamento iluminista. O “negro”, como o conhecemos hoje, foi basicamente formulado
dentro dessas condições históricas específicas, e as consequências que hoje se experimentam a seu respeito
são devastadoras. Por isso a urgência de se pensar os direitos humanos de uma perspectiva racial, na tentati-
va de aliviar a fissura social causada pelo sistema escravista, e em muitos termos perpetuada por outros que
criam, atualmente, uma população de miseráveis – no Brasil, representada majoritariamente por negros.

Estudamos, de uma perspectiva histórica, que os movimentos negros, em busca da igualdade social,
lutaram sozinhos por séculos para legitimar sua humanidade. Em especial no Brasil, em que a resistência
contra a escravidão poderia se expressar de forma mais trágica e individual, como o suicídio, ou de maneira
mais heroica e coletiva, como as insurreições populares e a organização de quilombos. Em todos os casos, os
negros demonstraram ao mundo que sua humanidade não podia ser definida pelos interesses econômicos
de uma maioria abastada; e que a violência aplicada a eles foi utilizada como ferramenta à emancipação. O
ódio acumulado durantes os anos, segundo Sartre ([1961] 1968, p. 7-11), foi o “único tesouro” que puderam
acumular. E a história demonstrou que a forma mais saudável de extravasar tal cólera era na luta armada em
prol da libertação dos cativos.

No processo histórico de resistência, é natural que os negros afirmem – por vezes através da força legis-
lativa – sua cultura, história e outros elementos identitários. No entanto, talvez seja necessário ir além de tais
concepções que, generalizadas nas lutas antirracistas, reafirmam a distinção hierárquica natural do conceito
de “raça”, estipulado como ideologia colonialista para subjugar um grupo em detrimento de outro. O negro e
o branco, como categorias raciais distintas, foram criados pelo racismo e, nesse sentido, precisam ser “destruí-
dos”. É como se a apropriação da luta antirracista fosse útil para alcançar o horizonte em que o próprio con-
ceito de raça seja extirpado da sociedade, num processo de emancipação econômica desracializadora – sem,
contudo, perder de vista a relevância dos direitos raciais para a transformação sociedade.

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