Adaptação Do Texto de Ariano Suassuna - A Farsa Da Boa Preguiça
Adaptação Do Texto de Ariano Suassuna - A Farsa Da Boa Preguiça
Adaptação Do Texto de Ariano Suassuna - A Farsa Da Boa Preguiça
PRÓLOGO
SIMÃO PEDRO
MANUEL CARPINTEIRO
MIGUEL ARCANJO
Eu quero lhe contar o que há! O senhor sabe: como Anjo, não posso ser
mentiroso! O tal do Joaquim Simão é um poeta preguiçoso, que,
detestando o trabalho,vive atolado e ainda tem coragem de se exibir
alegre e animoso!
SIMÃO PEDRO
Você detesta a preguiça mas é porque nunca trabalhou! Sempre foi Anjo!
O trabalho nas costas nunca lhe doeu! Sei que é um Anjo importante e
que ao Demônio venceu! Mas você nunca foi homem: eu fui um! Você
nunca deu um dia de serviço a homem nenhum!
MIGUEL ARCANJO
SIMÃO PEDRO
O que ele acha, eu não sei! Mas pergunte a São José, o pai dele, junto de
quem eu morei: garanto que o Carpinteiro se pauta por minha lei!
MIGUEL ARCANJO
Ah, isso não! São José foi um Santo tão perfeito, que era uma espécie de
Anjo, puro e satisfeito! Nunca enrolou no serviço: age assim quem é
direito!
SIMÃO PEDRO
Se ele deu duro na vida, garanto que preguiçou. Quando as costas lhe
doíam quantas vezes não gritou: “Ô Jesus! Ô Maria! Me armem aí uma
rede pois a preguiça chegou!” Foi ou não foi, Nosso Senhor?
MANUEL CARPINTEIRO
Talvez, talvez, São Pedro! Nem tanto assim, nem tão pouco! Preguiçar demais, é
ruim!
SIMÃO PEDRO
MIGUEL ARCANJO
Mas veja aí esses dois: Aderaldo Catacão que é rico, trabalha muito!
SIMÃO PEDRO
MIGUEL ARCANJO
Estes invejam dos pobres até a pura alegria! Pensam que o Cristo é um deles!
MANUEL CARPINTEIRO
MIGUEL ARCANJO
SIMÃO PEDRO
Ah, isso é! Os intelectuais de boates é que vivem feito rapariga e vendo no
povo só bondades, como se o povo não fosse gente!
MIGUEL ARCANJO
Por isso, vivo de olho no tal do Joaquim Simão. Vejo esse moço, tocando
sua viola, na toada do baião, enquanto o rico trabalha de sol a sol, de
inverno a verão!
SIMÃO PEDRO
Não sei como é que se tem coragem de reclamar contra o ócio criador da
Poesia! O que acontece, Nosso Senhor, é que esse rico desgraçado, cada
dia cria mais raiva de Joaquim Simão só e unicamente porque ele é Poeta
e, sendo pobre, vive contente, sem a sede e a doença da ambição!
MIGUEL ARCANJO
MANUEL CARPINTEIRO
MIGUEL ARCANJO
SIMÃO PEDRO
Nevinha, a mulher do Poeta, ama o marido dela. Toma conta dos filhos,
não faz cursos nem conferências, não se mete em discussões, cuida dele,
ajeita a casa e reza suas orações.
MANUEL CARPINTEIRO
Vamos ver e apurar: depois se tem um roteiro para este caso julgar! Vai começar!
Comecem! Luz!
ATO 1
CENA 1
ANDREZA
O senhor não se preocupe, Seu Aderaldo, hoje seu encontro amoroso sai!
ADERALDO
Diga que, para ela, eu vou ser muito mais do que um amante: um Pai!
ANDREZA
ADERALDO
Bastante! Mas vamos deixar isso! Agora, o que eu quero é essa mulher! Esse Poeta
me irrita:diz que vive como quer! Vou tomar a mulher dele da forma como quiser!
ANDREZA
ADERALDO
ANDREZA
Não bote essa caçada fora! Seu Aderaldo está louco por você! E é um homem rico,
Comadre!
NEVINHA
Pode ser rico como for: Sou casada com Simão, Dona Andreza.
ANDREZA
O que aquilo é, é um preguiçoso de marca maior. A única coisa que Joaquim Simão
faz é tocar viola e cantar besteira e bendito! E é feio que nem a peste! Agora, Seu
Aderaldo não, é outra coisa! O homem nasceu pra trabalhar e pra juntar dinheiro!
Aquilo não é amor mais não, é fome, é sede! Eu vou chamar o rapaz.
Agarra o pé de NEVINHA, que se solta.
VINHA
DREZA
madre, não bote essa caçada fora! Ah mulher besta dos seiscentos diabos!
VINHA
e que meu marido é tão importante que a mulher do rico veio ontem para cá
ente pra ver os versos que Simão faz?
DREZA
madre, deixe de ilusão! Você não está vendo que aquelas besteiras que Joaquim
ão faz não valem nada?
VINHA
ue Simão escreve não vale nada? Dona Clarabela, a mulher de Seu Aderaldo é a
or entendida nessas histórias de folheto e bendito! Vem do Recife pra ver: vem pra
r um estudo! Se achar bom o que Simão faz, vai ficar comprando tudo! Ele pode ter
guiça pra tudo no mundo mas bom para mulher e fazer verso ele é!
DREZA
oveite enquanto é tempo! Não bote a caçada fora! Olhe, Aderaldo está com um colar
to rico pra lhe dar! Você quer que eu vá buscar?
VINHA
, Dona Andreza, minha sina é Simão, mesmo! Simão, aquele safado! Pode ser podre
preguiça mas é um visgo danado! Ai, meu Deus, lá vem Simão! Eu chega fico
vosa!
NDREZA
ue é que você vê nesse peste, Comadre? Tenho horror a esse sujeito, todo metido a
graçado! Se eu fosse casada com essa desgraça, botava-lhe um par de chifre que ele
ava empenado!
IMÃO
Ai, ai, ai! Eu, hem?
Lá vem!
SIMÃO
ANDREZA
Nada!
NEVINHA
SIMÃO
ANDREZA
Você vá pra merda, viu Seu Simão? (Sai arrebatadamente.)
NEVINHA
Simão, meu filho, pelo amor de Deus acabe com essas brincadeiras!
Avalie se essa tal de Dona Clarabela chega aqui e encontra você assim!
Ela pode achar que você é sem compostura! Essa mulher se interessou
por seus versos, isso pode ser a salvação da gente.
SIMÃO
NEVINHA
SIMÃO
ovo lá gosta da Arte nem da Poesia! Isso tudo é conversa fria! Me diga uma coisa:
deraldo não está morando aí? E como é que a gente nunca viu a mulher dele? Me
sso faz sentido? Toda mulher séria que eu conheço vive ali, junto, agarrada com o
o! Cadê que você me larga?
NHA
sou diferente, Simão! Sou uma mulher ignorante, a mulher dele, não! Ela entende
sia, escreve, discute, fez um curso de Psicologia...
bonita e boa, toma conta de mim e dos filhos e é mulher pra todo serviço!
NHA
meu filho, acabe com esse negócio de viver pelos cantos dizendo doidice! Pra ver se
pelo menos melhora esse trem de vida!
a? Não atrapalhe não, que eu estou pensando em fazer um folheto arretado! É sobre
ata que pariu um cachorro! Vai ficar tão engraçado! No dia, quando a gata pare, em
gato é cachorro! Já pensou na raiva do gato, na surpresa, na confusão? Que acha?
que já estou vendo a capa e escrito nela: “Romance da Gata que Pariu um
rro. Autor: Joaquim Simão”! Vou vender tanto folheto, vou ganhar tanto dinheiro!
HA
ho, você é o maior: a história é ótima, vai ficar bonita e divertida! Mas acontece é que
ha dos meninos, hoje, inda não está garantida! Vá ver se dá um jeito!
HA
rto estão fazendo uma construção. Eu fui lá, falei com o pedreiro, e ele disse que
um lugar de ajudante pra você!
SIMÃO
NEVINHA, catucando-o.
Simão! Simão!
SIMÃO
NEVINHA
Pegou no sono! Ah, meu Deus, de tudo o que Simão diz só vejo uma coisa
acertada: é que esta vida da gente é uma vida danada de desmantelada!
ADERALDO
NEVINHA
Bom dia! Mas, por favor, deixe de falar em verso pra meu lado, viu?
Versos, pra mim, só os de Simão! E eu já te disse!
ADERALDO, aproximando-se.
ADERALDO
Já disse! Agora, porque, não sei! Tenho ódio daquele homem: é pobre,
preguiçoso e orgulhoso! Ele se faz de feliz só para me fazer raiva! Um
homem feliz, morrendo de fome! Eu tenho três carros, vinte casas, em
cada casa onde estou, tenho sete criados! Que amor na pobreza, é defeito
e complicação! A única coisa que me falta é Nevinha, a flor do dia!
NHA
ALDO
ela é uma mulher bonita, elegante, mas, depois que eu vi você, Nevinha,não acho
raça em mulher nenhuma! Mas, cuidado! Aí vem ela!
RABELA
campo! O Sertão! Que pureza! As bolinhas dos cabritos, o canto das juritis. A água
e limpinha e esse maravilhoso perfume de chinica de galinha! Ah, a vida pura! Ah, a
enovada! Dá vontade até de não chifrar mais o marido, só para nos sentirmos tão
quanto o Sertão!
RALDO, tossindo.
RABELA
aldo, querido! Não sei, na impaciência de revê-lo, como suportei essa viagem! Beije
nge, para não estragar a maquiagem! E quem é esse rústico maravilhoso que está
dormindo ao Sol? Não diga, espere! Já sei! É o Poeta!
RALDO
ABELA
ALDO
CLARABELA
NEVINHA
SIMÃO, coçando-se.
CLARABELA
NEVINHA
Simão, você podia era mostrar uns folhetos e romances a Dona Clarabela!
CLARABELA
É! Joaquim Simão, disseram que você é Poeta! Mas me diga uma coisa: seus
versos são puros?
JOAQUIM SIMÃO
CLARABELA
SIMÃO
ABELA
ABELA
NHA
ABELA
Então, eu quero essa! Sou louca por coisas românticas! Sou a última abencerragem
mantismo
LARABELA
aquim Simão, você é um Poeta, um artista, e com os artistas a gente deve ser sempre
nca: Não gostei! Francamente, é de péssimo gosto!
LARABELA
vinha, façamos o seguinte: a senhora, me leva em sua casa e lá me mostra o que o
eta tem escrito. Posso gostar de outras obras doutra fase mais autêntica e primitiva!
cê não vem, Aderaldo?
DERALDO
LARABELA
ve o cheque e vá saber!
DERALDO
EVINHA
EGOSO
eu senhor! Acorde, por favor! O senhor desculpe a chateação, mas sabe me dizer
mora o poeta Joaquim Simão?
GOSO
smo, em minha casa. Dona Clarabela! Dona Clarabela! Tem um Frade aqui, à sua
ra!
CLARABELA
FEDEGOSO
CLARABELA
Deixou, santo homem!
FEDEGOSO
Ele mandou dizer que o dinheiro chegou. Mandou este peru que comprou
na rua para que vocês dois comemorassem, juntos, na noite de hoje e com
muita alegria a chegada do dinheiro! Disse que a senhora mandasse o
cheque por mim, porque ele precisa concluir um negócio!
CLARABELA
FEDEGOSO
CLARABELA
E Eu não sei!
ADERALDO
CLARABELA
ocê ordenou! O Frade levou...
ALDO
mandei Frade nenhum aqui! Foi um ladrão! E você entregou o cheque? Miserável!
a! Vou pegar esse ladrão e recuperar o meu dinheiro!
ABELA
RAPEDRA
u Aderaldo?
RAPEDRA
ABELA
RAPEDRA
orrendo, mandado pelo Delegado! O Frade já foi pegado! Já está todo mundo na
cia. Seu Aderaldo precisa que a senhora me dê um peru… um agradinho pro
do...
ABELA
ALDO
ia disse que não pode fazer nada!
ABELA
de? E não pegaram o ladrão?
ALDO
ABELA
m era aquele calunga de caminhão que me pediu um peru? O que quer dizer tudo
dizer que devem ter rogado na senhora a tal praga de urubu: já tinham perdido o
, perdeu-se, agora, o peru!
ATO 1 CENA 2
O PEDRO
UEL CARPINTEIRO
não foi essa, Simão, mas, sim, a de que é preciso temperar sabiamente o trabalho
contemplação e o descanso. Existe um ócio corrutor, mas existe também o ócio
r.
UEL
esmo tempo, nós passamos, aqui, às nobres Damas e Cavalheiros, nosso produto
tual!
O PEDRO
que nós não reconheçamos que alguns dos nossos concorrentes podem também
ar e vender seus produtos, muito bem!
que o produto que não é garantido, como o nosso, pela Fábrica original, em pouco
o relaxa, amolece e se estraga, perde o predomínio natural!
UEL CARPINTEIRO
, procuro não impor, mas colocar meu produto Providencial: moralidade, religião,
dade, esperança, obediência, tragédia, drama e comédia, amor de Deus e da Igreja,
a e diversão. O cavalheiro vai agora ver as andanças da roda da Fortuna! Simão é
a e Poeta até o osso! Tem suas fraquezas, mas quem não tem? O rico foi roubado...
ai se aprumando. Ele é uma fera para trabalhar e uma fera para os outros enganar!
m capital porque mereceu? É rico e cheio de privilégios!Assim é fácil dizer: “Não dê
XE ensine a pescar” Mas então vamos, vamos logo voltar à história!
OS TRÊS
Aceitem nosso produto: terão paz e salvação.
ATO 2 CENA 1
ÃO
REZA
ino, salvou-se uma alma: Dona Andreza falando comigo! Bom dia! Que é que há,
reza?
EZA
SIMÃO
ANDREZA
Seu Simão, não se meta pra meu lado não! Eu dou-lhe uma tapa na cara! Olhe,
se convença logo: comigo, o senhor não arranja nada! Fique-se com Dona
Clarabela! Olhe, eu vou lhe ser franca, Seu Simão: se o único homem que
existisse no mundo fosse o senhor, eu preferia morrer donzela!
SIMÃO
Então, o que é que vem ver aqui? Por que não deixa minha
casa em paz? Só vive na minha porta, cheia de cochichos
para minha mulher, parecendo um Anjo mau...
ANDREZA
Um dia, o senhor saberá! Agora, por enquanto, o que vim fazer foi lhe dar um
recado. A tal da Dona Clarabela engraçou-se do senhor, porque, não sei, Seu
Simão! E quer saber, pela última vez, se o senhor topa a parada dela, ou não!
SIMÃO
Ah, já entendi tudo, então!
Quer dizer que o trabalho da senhora é esse, hein? É por isso que a senhora vive
aqui pelos cantos, cochichando com minha mulher, hein? Quer ver se enrola a
minha, Nevinha, enquanto me arranja a outra, hein?
ANDREZA
Nada, falei não! O fato, mesmo, Seu Simão, é que você é um frouxo de marca
maior! Está é com medo de topar Dona Clarabela porque nunca viu uma mulher
fogosa como aquela!
SIMÃO
Dona Andreza, você me deixe de mão! Não venha me esculhambar, não, se não eu
mostro a essa tal de Clarabela que o mundo não é o que ela está pensando não!
CLARABELA
Ai, que Simão vai me mostrar como é o mundo! Mostre, mostre, Simão! Quero
esgotar a taça do prazer até o fundo!
CLARABELA
CLARABELA
Simão, vou lhe fazer uma proposta!
SIMÃO
Dona Clarabela, fale baixo, que Nevinha pode ouvir! O que é isso que a
senhora quer fazer comigo? Proposta?
CLARABELA
Pois aqui vai minha proposta: você deite aqui no banco, que eu vou lhe dar
SIMÃO
CLARABELA
Você se deita aqui, eu pego você por trás, vou amolegando assim,vou amolegando
mais, devagar, bem devagar como quem prepara massa! Agrado, esfrego,
amolego:
SIMÃO
CLARABELA
Oxente, Simão! Você ficou doido?
SIMÃO, sempre dançando e cantando.
Carneirinho, carneirão, minha mulher está olhando, carneirinho,
CLARABELA
SIMÃO
Mas Nevinha, você já vem de novo com suas coisas! O que foi que eu fiz, pelo
amor de Deus?
NEVINHA
Você deixou Dona Clarabela catucar você!
SIMÃO
Mas mulher, já é essa história de catucado de novo? Eu não já disse que a única
mulher que eu deixo me catucar é você?
NEVINHA
E eu não vi não?
SIMÃO
Você viu? Que mentira! O que foi que você viu?
NEVINHA
SIMÃO
Menina, deixa de ser doida! Você não está vendo que essa
história não tem sentido? Você sempre será ameninada, a
menininha, querida do marido!
NEVINHA
Mentira, Simão!
SIMÃO
Juro, Nevinha,
NEVINHA
E você não me enganou não?
SIMÃO
Nevinha, vou jurar, pra você não duvidar:
eu nunca lhe botei um chifre, nem hei de botar!
NEVINHA
É mesmo, Simão? Agora, tem uma coisa: se eu descobrir que você está me
traindo, eu furo seus olhos e boto chumbo derretido em seu ouvido, quando você
estiver dormindo!
SIMÃO
Deixa de valentia, Nevinha, que brabeza não combina com você!
Vamos tirar uma pestana, que o mal da gente é sono! Vamos dormir, e acabe com
essa história!
NEVINHA, abraçada a ele.
Não tem jeito não, meu Deus! Esse homem é minha
ATO 2 cena 2
Simão Pedro, entra em ação e tenta fazer o Poeta mudar de vida, dá uma
cabra para Nevinha e a mesma pede para que Simão cuide da bichinha
ATO 3 cena 1
SIMÃO
Você está triste, meio sem coragem... Será que ainda não me perdoou?
NEVINHA
Perdoei, Simão! Sofri muito, mas tudo isso já passou!
SIMÃO
Vamos bater! Seu Aderaldo certamente não está! Com a mania do trabalho, a
essa hora deve estar pegado! Mas a tal da Dona Clarabela na certa está em casa,
e eu pretendo me valer é dela! Agora, Nevinha, se eu lhe disser uma coisa, você
não se zanga não?
NEVINHA
Não!
SIMÃO
Nem chora?
NEVINHA
Não, Simão!
SIMÃO
Pois eu queria lhe pedir para você se esconder! Essa tal de Dona Clarabela
nunca suportou você! você fica por aqui, escondida! Se eu notar que o negócio
tem vantagem, aí chamo você! Se não, trabalho hoje, para arranjar comida e
algum dinheiro, e depois a gente segue viagem. Está bem?
NEVINHA
Está! Agora, Simão, eu lhe digo uma coisa: estou de olho aberto em cima de você,
viu?
SIMÃO
Nevinha, deixa de besteirada, que não vai mais acontecer nada!
Eu estou velho, e Dona Clarabela também!
NEVINHA
Dona Clarabela não tem nada de velha, é uma mulher até enxuta,
aquela... sem-vergonha! Nem você está velho! Você continua o
Quem foi que bateu aqui, dizendo esta frase tão autêntica, tão pura?
SIMÃO
Aqui estou eu de volta! Perdi a fazenda e não tive como pagar. Posso entrar?
CLARABELA
SIMÃO
SIMÃO
Não!
CLARABELA
Precisa ler! E também Joyce e Maiakoviski, para saber o que é uma forma
concreta de vanguarda! Mas ter você como mordomo... O Poeta não vai se sentir
humilhado?
SIMÃO
CLARABELA
SIMÃO
Vou passar mais essa humilhação! É que eu estou com fome, arretada!
CLARABELA
Aderaldo controla até a comida! A única alegria que ainda tenho, vem do amor!
“Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente...” Conhece
isso? É de Camões!
ADERALDO
CLARABELA
ADERALDO
CLARABELA
CLARABELA
Entra SIMÃO, com roupa formal e antiquada, uma espécie de roupa de casamento
de 1915, com paletó preto, calça tabica de listas pretas e cinzentas etc.
ADERALDO
SIMÃO
ADERALDO
Mestre-Sala! Simão!
SIMÃO, em tom debochado
SIMÃO
ADERALDO
Eu não tenho nada a ver com santo, nem com alma, nem com mal-assombrado!
Vá ver quem é, Mestre-Sala!
Aparece VELHO 1, como mendigo, e com máscara de cego. Talvez seja
conveniente usar apenas uma meia máscara, para não prejudicar a emissão da voz;
e, se possível, é melhor que ele só coloque a máscara quando já estiver à vista do
público, para que este logo o reconheça.
VELHO 1
Ai, meu Deus! É possível que eu não ache, neste mundo, uma pessoa bondosa?
SIMÃO
Quem é você?
VELHO 1
SIMÃO
ADERALDO
Que é, Mestre-Sala?
SIMÃO
ADERALDO
SIMÃO
ADERALDO
SIMÃO
VELHO 1
Pois então esse peste vai perder quem ainda lutava por ele! O Diabo do inferno
que persiga esse miserável, na comida, na bebida, no estudo, na dormida, de
noite, de dia e no pino do meio-dia! Sai.
SIMÃO
Para sempre seja louvado. Meu velho, o que é que você quer? Ave-Maria, que
cara mais feia da peste! – faz sinal da cruz
VELHO 2
O que há, é que sou um velho sozinho no mundo, com cinco filhos com fome que
faz três dias que não come! Me dê uma esmola pelo amor de Deus!
SIMÃO
ADERALDO
SIMÃO
Oxente, dou nada! Se ele tem cinco filhos, como é que está sozinho no mundo?
SIMÃO
ADERALDO
Eles não comem porque não trabalham! Não dou esmola a preguiçoso não!
SIMÃO
Meu velho, não pode ser não! Vá procurar, por aí, um lugar onde rachar lenha,
que aqui não se dá esmola a preguiçoso desocupado não! Foi o patrão quem
disse, não sou eu não!
VELHO 2
Pois então diga a ele que a situação dele está piorando cada vez mais! O Diabo
do inferno que persiga esse miserável na comida, na bebida, no estudo, na
dormida, de noite, de dia e no pino do meio-dia! Sai.
SIMÃO
VELHO 3
Ai! Um pobre velho com não sei quantos filhos pede uma esmola, pelo amor de
Nossa Senhora!
SIMÃO
ADERALDO
Que é, Simão?
SIMÃO
ADERALDO
SIMÃO
Olhe aqui, meu velho, não pode ser não! Aqui não se dá esmola a quem não
trabalha não! Foi o patrão quem disse, não sou eu não!
VELHO 3
Depois não se queixe quando as forças do Mal envenenarem as fontes de água
pura de sua vida, e o Diabo venha pegá-lo, na comida, na bebida, no estudo, na
dormida, de noite, de dia e no pino do meio-dia! SAI.
SIMÃO
ADERALDO
SIMÃO
FEDEGOSO
Chegou a hora das trevas, chegou a hora do sangue, do lodo e dos esqueletos!
QUEBRAPEDRA
É a hora do castigo para o servo do pecado, pro teto de sua casa, pra telha do seu
telhado. É hora, seu desgraçado! É hora, Seu Mito Catacão!
SIMÃO
Ai, Seu Aderaldo! Chame por Nossa Senhora e corra! Corra, que é o Cão!
ADERALDO
É o Cão nada, é um bode! Não existe o Cão! Isso é coisa medieval e superada!
ADERALDO
FEDEGOSO
Sim, fui eu que, disfarçado de Frade, roubei seu dinheiro. Mas sou, mesmo, é um
Diabo do inferno que veio te buscar
ANDREZA
ADERALDO
Andreza!
ANDREZA
QUEBRAPEDRA
Sou o calunga de caminhão, mas falando a sério, mesmo, você está é com o Cão
Caolho! Você não se lembra do velho do olho furado que passou por aqui,
pedindo esmola? Pois era São Miguel! Você não se lembra daquele outro que
tinha cinco filhos e dizia que vivia sozinho? Era São Pedro. Você não se lembra
do último que passou, que dizia que tinha não sei quantos filhos e a quem até um
pão você negou?
ADERALDO
Lembro de tudo...
QUEBRA-PEDRA
Pois aquele, era filho daquele Outro que, junto com Ele e com Outro,
FEDEGOSO
Como chefe desta patrulha do Inferno, vim avisá-lo: você e sua mulher só têm
sete horas de vida! Se, daqui até lá, você achar quem reze, vocês escapam!
FEDEGOSO
ANDREZA
CLARABELA, indo.
ADERALDO
Eu estou indo com você! Meu povo...meu GADO, minhas terras, adeus! Dê
lembranças aos capitalistas, aos reacionários, aos que não querem a justiça social
e o comunismo! Espero vocês no caldeirão do Luci... no Caldeirão infernal!
Seu Aderaldo! Dona Clarabela! Oxente! Onde é que está esse povo?
FEDEGOSO
Bâ-â-â! Puf, puf!
SIMÃO
FEDEGOSO
Está sendo levado agora mesmo, com Clarabela, para o lugar mais fedorento do
Inferno! E você vai também, porque foi amante dela!
NEVINHA
Cuidado, Simão!
SIMÃO
Entra QUEBRAPEDRA.
QUEBRAPEDRA
Xarapa velho, me sustente essa parada com essa gente desgraçada que
eu cheguei para ajudar!
SIMÃO
SIMÃO PEDRO
MIGUEL
FEDEGOSO
SIMÃO PEDRO
Estou é com pena desses dois desgraçados, que foram para o
SIMÃO PEDRO
NEVINHA
SIMÃO
Ai meu Deus! A única reza que conheço é a poesia!
NEVINHA
SIMÃO
NEVINHA
SIMÃO
“Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos
tubarões é que começaria verdadeiramente a vida”
MANUEL CARPINTEIRO
SIMÃO
MANUEL CARPINTEIRO
E sua vida, Poeta? De que vai viver? Como vai ser seu sustento?
SIMÃO
Ora, o senhor inda pergunta? Carregar carga é pra jumento! O que eu vou
fazer é escrever três folhetos arretados, começando pelo “O Avarento”. Vendo
tudo e é da vez que fico rico! Rico e desocupado, vivendo só de escrever, de
tocar e de cantar: “Ô mulher, traz meu lençol, que eu estou no banco,
deitado!”. (sai)
SIMÃO PEDRO
MIGUEL
MANUEL CARPINTEIRO
SIMÃO PEDRO
MANUEL CARPINTEIRO
Viva o Povo brasileiro, sua fé, sua poesia, sua altivez na pobreza, fonte de força e
Poesia! Viva a arte!!! viva o Teatro!!!
FIM