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Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Instituto de Filosofia E Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

GUILHERME DE CRUZEIRO ISER

OS ENTES SUBNACIONAIS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:


O FENÔMENO DA PARADIPLOMACIA

Porto Alegre
2013
GUILHERME DE CRUZEIRO ISER

OS ENTES SUBNACIONAIS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:


O FENÔMENO DA PARADIPLOMACIA

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Schmidt Arturi

Porto Alegre
2013
GUILHERME DE CRUZEIRO ISER

OS ENTES SUBNACIONAIS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:


O FENÔMENO DA PARADIPLOMACIA

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Carlos Schmidt Arturi (orientador)
PPG Relações Internacionais – UFRGS

________________________________________
Profª. Drª. Ondina Fachel Leal
PPG Relações Internacionais – UFRGS

________________________________________
Prof. Dr. Enrique Serra Padrós
PPG Relações Internacionais – UFRGS

________________________________________
Profª. Drª. Vanessa Marx
CEGOV - UFRGS
Dedico esta dissertação ao meu pai Clóvis,
que apressado se foi, sem presenciar este
momento; Mãe, Vó e Manô, minha família,
minha vida; e Suzana, minha força.
AGRADECIMENTOS

Foram diversas pessoas que fizeram parte desta jornada. Primeiramente, em


especial, agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Carlos Schimdt Arturi, que
me abraçou na fase final desta jornada, me incentivando, apoiando, sendo atencioso
e compreensivo com os diversos obstáculos que se fizeram presentes nesta minha
caminhada.
No meio acadêmico, sou profundamente grato aos professores do programa
de Mestrado em Relações Internacionais, que demonstraram toda a grandeza de
compartilhar o seu conhecimento e à Nara Widholzer, sempre atenta às demandas
dos alunos do programa e sendo de um cuidado zeloso e fundamental para todas
demandas acadêmicas
Agradeço aos colegas e companheiros que ingressaram comigo nesta última
turma do Mestrado de Relações Internacionais, tanto pela convivência quanto pela
troca de experiências e apoio. Gostaria de fazer um agradecimento especial ao
colega e amigo Bruno Mendelski de Souza, que foi parte importante desta minha
caminhada, tanto no campo acadêmico como na amizade
Agradeço também à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de Mestrado que tanto contribuiu para o
desenvolvimento desta dissertação.
Agradeço aos meus tios Gilberto e Carmen e Felipe e Carina, por estarem
sempre presentes e serem parte fundamental da minha vida. E também as tias
Sandra e Glaci, e aos primos paternos pelo apoio e carinho.
Agradeço ao meu pai Clóvis, que pelas circunstâncias da vida nos deixou tão
cedo, dentro de um vendaval, mas que está olhando por nós, onde quer que esteja.
Agradeço à minha mãe Elzira Beatriz, à minha vó Elzira e à minha irmã
Manoela pela paciência e apoio nos momentos mais importantes e difíceis que
pairaram sobre nós todos nestes tempos recentes. Amo vocês.
Por fim, gostaria de agradecer à minha namorada Suzana, por ser meu porto
seguro nos momentos de incerteza e por fazer parte da minha vida. Te Amo, Meu
Amor.
RESUMO

Esta dissertação aborda, de maneira analítico-descritiva, um fenômeno de crescente


importância nas relações internacionais: a atuação diplomática dos governos não
centrais, também conhecidos como entes subnacionais. Dentro do contexto da pós
Guerra-Fria e do vigente processo de globalização, após a década de 1980, é
analisado como os entes subnacionais de diversos países do mundo, além do Brasil,
se comportam diante das novas demandas globais e face à seus interesses
específicos. A partir da premissa teórica da interdependência complexa, o trabalho
estuda o início e o desenvolvimento deste processo de atuação internacional dos
entes subnacionais, fenômeno conhecido como paradiplomacia. A análise se
estende ao plano internacional, em um primeiro momento, demonstrando, de
maneira geral, a importância da paradiplomacia em diferentes países do mundo,
com ênfase nos casos de maior relevância para o trabalho. Num segundo momento,
estuda-se, em particular, a prática da paradiplomacia no Brasil, relatando suas
concepções e seu desenvolvimento, bem como os principais casos brasileiros e
seus resultados práticos. O trabalho conclui que a democratização dos Estados
nacionais, o federalismo e os processo de integração regional são tendencialmente
estimuladores da paradiplomacia dos governos não centrais.

Palavras-chave: Paradiplomacia. Relações internacionais. Globalização. Governos


não centrais. Entes subnacionais.
ABSTRACT

This dissertation approaches in a descriptive way a new perspective in International


Relations: the international action of non-central governments, or sub national actors.
Inside an after-Cold-War context and the present globalization process, started in the
80’s, is analyzed as the sub national actors from different countries in the world,
besides Brazil, behaved and as yet behave facing new global demands, observing
the process also in the Nation-States which they belong to. From the theoretical
premise of the complex interdependence, supported by the globalization tool, it is
approached the beginning and the development of this international entailing process
of the sub national beings, which is known as paradiplomacy. The analysis stretches
out to the international plan in the first moment, demonstrating, in a wide range, the
importance of the paradiplomacy in different countries of the world, exemplifying with
cases of bigger relevance to this monography, and demonstrating the misdeeds and
benefits of this practice. In a second moment, it is analyzed in particular the practice
of the paradiplomacy in Brazil, mentioning its conception and development, in the
same way as the global cases, and also mentioning, in a wide manner, the main
Brazilian cases of paradiplomacy, just like its practical results.

Key words: Paradiplomacy. International relations. Globalization. Non-central


governments. Sub national actors.
LISTA DE SIGLAS

ACIF Assessoria de Cooperação Internacional Federativa


AFEPA Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares
ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ARF Assessoria de Relações Federativas
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
C40 Climate Leadership Group
CAPTARE Gabinete Extraordinário de Captação de Recursos e Investimento
CODESUL Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul
CRECENEA Comissão Regional de Comércio Exterior do Nordeste Argentina
EUA Estados Unidos da América
FHC Fernando Henrique Cardoso
GNC Governos não centrais
IPPUC Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba
Mercosul Mercado Comum do Sul
MRE Ministério das Relações Exteriores
ONU Organização das Nações Unidas
OP Orçamento Participativo
PIB Produto Interno Bruto
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PT Partido dos Trabalhadores
SEAI Secretaria Especial para Assuntos Internacionais
SEDAI Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais
SEDES Secretaria Especial para Assuntos Internacionais com a Secretaria
de Desenvolvimento Econômico
SMRI Secretaria Municipal de Relações Internacionais
UDN União Democrática Nacional
UE União Européia
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 9
2 OS ENTES SUBNACIONAIS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ....... 12
2.1 A QUESTÃO DA INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA EM RELAÇÃO
À PARADIPLOMACIA ................................................................................ 12
2.2 AS UNIDADES SUBNACIONAIS E AS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS..................................................................................... 16
3 AS EXPERIÊNCIAS PARADIPLOMÁTICAS NO MUNDO ....................... 23
3.1 O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO E A PARADIPLOMACIA ................ 23
3.1.1 A Paradiplomacia Empresarial ............................................................... 26
3.2 OS PRINCIPAIS CASOS DE PARADIPLOMACIA NO MUNDO ............... 28
3.2.1 A Paradiplomacia no Canadá .................................................................. 29
3.2.2 A Paradiplomacia nos Estados Unidos e no México ............................ 31
3.2.3 A Paradiplomacia na Argentina e no Chile ............................................ 33
3.2.4 A Paradiplomacia na Alemanha e na Áustria ........................................ 36
3.2.5 A Paradiplomacia na França e na Suíça ................................................ 37
3.2.6 A Paradiplomacia na Espanha e o Caso de Barcelona......................... 38
3.2.7 A Paradiplomacia na Rússia e na China ................................................ 40
4 A PARADIPLOMACIA NO BRASIL .......................................................... 42
4.1 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS ENTES SUBNACIONAIS
BRASILEIROS ........................................................................................... 42
4.2 CASOS RELEVANTES DE PARADIPLOMACIA NO BRASIL ................... 47
4.2.1 Principais atuações de Estados Federados: os Casos do Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. .................... 47
4.2.2 Principais Atuações de Municípios: A Paradiplomacia da Cidade
de São Paulo. ........................................................................................... 50
4.2.3 A Paradiplomacia Municipal de Santos e Curitiba ................................ 53
4.2.4 A Paradiplomacia de Porto Alegre ......................................................... 55
5 CONCLUSÃO ............................................................................................ 58
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 60
9

1 INTRODUÇÃO

As novas dinâmicas políticas, econômicos e sociais, têm se refletido de


maneiras diferentes nos diversos Estados nacionais, levando-se em consideração
sua história, organização política e regime social. Os fluxos globais intensos
provenientes da globalização, mais explícitos a partir da década de 1980, incidem
fortemente sobre quase todos os países e no próprio sistema internacional. Diante
do fenômeno da globalização, o Estado nacional moderno, proveniente da Paz de
Westphália (1648), tradicionalmente considerado como o único ator relevante nas
relações internacionais pela teoria realista, vem sendo, nas últimas décadas,
relativizado – porém, nunca desprezado -, por outras correntes teóricas.
Novos atores têm assumido posições de protagonistas em diversas
perspectivas teóricas no estudo das relações internacionais e, como acreditamos, na
própria política internacional. A nova agenda imposta pelo processo de globalização
abre espaço para que políticas e temáticas que não atraem a devida atenção do
Estado-Nação possam ser contempladas por outros entes de sua organização
interna, os quais serão denominados no trabalho como governos não centrais
(GNC), embora haja outras denominações que também serão trazidas neste
trabalho, tais como governos ou entes subnacionais, unidades constituintes, entes
federados ou regiões.
Estas nomenclaturas têm igual valor analítico, apenas se adaptam às
situações em que melhores se enquadram. Serão utilizadas mais corriqueiramente
neste trabalho as nomenclatura governos não centrais (GNC), pois possuem um
caráter geral, assim como a denominação governos/entes subnacionais, que é
bastante utilizada em documentos de várias organização internacionais e pela
literatura especializada.
É neste contexto que surgem as relações internacionais promovidas no
âmbito subnacional, ou seja, estruturas estatais não nacionais – no caso brasileiro,
por exemplo, os governos estaduais e municipais, – participam de um processo no
qual a capacidade de compreender, relacionar-se e, eventualmente, cooperar com o
mundo exterior é cada vez mais decisiva. Esta é a paradiplomacia, objeto de nosso
estudo.
Esta dissertação analisará, de maneira descritiva, o desenvolvimento da
paradiplomacia face à questão da interdependência complexa, referencial teórico
10

pautado nos estudos de Robert Keohane e Joseph Nye, que melhor explica o
processo paradiplomático. Em contraponto, a escola realista analisa, no nosso
entender, de forma distorcida, porém não irreal, o fenômeno da paradiplomacia, ao
privilegiar o Estado nacional como unidade analítica e vislumbrar na paradiplomacia
possibilidades de secessão e de independência dos entes subnacionais. A tentativa
autonomista de estados federados e de regiões dos estados nacionais, quando
existe, é conhecido como protodiplomacia, que não será aprofundada no trabalho,
mas que se faz presente no ambiente paradiplomático, em alguns casos específicos.
Igualmente, abordaremos, o fenômeno da globalização como propulsor mais recente
das relações internacionais dos entes subnacionais, demonstrando como interfere
nas suas práticas e possibilidades de atuação.
Em face desta nova linha de atuação internacional, buscar-se-á explicar como
o fenômeno da paradiplomacia se tornou corriqueiro em diversos países do mundo,
como se desenvolveu e qual foi sua repercussão nas respectivas políticas nacionais.
Levar-se-á em consideração o âmbito local e regional, representados pelos
municípios, estados ou regiões não centrais. Serão apresentados, em linhas gerais,
os casos que mereçam atenção diferenciada de diversas experiências
paradiplomáticas ao redor do mundo, além de uma breve análise descritiva da
paradiplomacia empresarial, algo recorrente e diretamente ligado com a globalização
e com os fatores propulsores do fenômeno aqui apresentado.
O trabalho é apresentado em três capítulos. No primeiro capítulo, é realizada
uma revisão teórica acerca da temática da paradiplomacia, além da caracterização
dos governos não centrais como atores das relações internacionais. O capítulo
seguinte encontra-se dedicado à a importância da globalização na propulsão e
desenvolvimento da paradiplomacia e onde é feito um breve apanhado histórico-
descritivo dos mais famosos e importantes casos paradiplomáticos do mundo. Neste
mesmo capítulo também é abordado de maneira sucinta, já que não é o foco do
trabalho em questão, a paradiplomacia empresarial, que goza de determinada
importância no cenário internacional impulsionado pela globalização.
No capítulo terceiro, apresenta-se um panorama histórico da paradiplomacia
no Brasil, com a descrição analítica dos casos mais importantes de paradiplomacia
dos estados federados e dos municípios do país. Finalmente, na Conclusão,
faremos algumas considerações sobre o tema à luz do trabalho desenvolvido.
11

Com este trabalho, esperamos realçar a importância da paradiplomacia como


modalidade específica de exercício das relações internacionais e despertar maior
interesse pelo tema no meio acadêmico, ainda carente de estudos mais numerosos
sobre este fenômeno, principalmente no Brasil.
12

2 OS ENTES SUBNACIONAIS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Os entes subnacionais agem no plano internacional amparados pelos preceitos


teóricos da interdependência, que, do nosso ponto de vista, melhor compreende a
prática da paradiplomacia.

2.1 A QUESTÃO DA INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA EM RELAÇÃO À


PARADIPLOMACIA

As relações internacionais foram majoritariamente analisadas por estudiosos,


até meados da década de 1950, através de uma visão Westphaliana1 da
estruturação do sistema internacional e de suas interações. Isto significa que apenas
os Estados soberanos eram considerados os atores de fato e direito, considerando-
se que apenas eles exerceriam as relações internacionais, principalmente em se
tratando das temáticas de guerra e paz entre os atores do sistema (a alta política)2.
Porém, ao longo do tempo, este tipo de análise, formulada principalmente pela
abordagem realista, foi sendo desafiada por novas questões conjunturais que
transcendem as disputas de força e segurança entre os Estados. Esta situação gera
oportunidades para a atuação de outros atores, que auxiliam as interações entre os
Estados e permitem igualmente a busca de objetivos próprios.
Existe uma convergência quase que unânime entre os analistas de que o
Estado-Nação ainda se constitui como a força mais significativa no sistema
internacional. Porém, não existe o mesmo consenso no tocante à definição dos
demais agentes do sistema. Muitos autores consideram estas entidades como
podendo ser desde indivíduos, organizações não governamentais, governos não
centrais até as empresas multinacionais ou transnacionais.
Este estudo irá considerar a atuação de um destes diversos possíveis
protagonistas não tradicionais do sistema internacional: os governos não centrais
(GNC). Esta denominação refere-se a governos de coletividades territoriais que
fazem parte de Estados unitários, como os Departamentos Uruguaios, as Regiões

1
Refere-se ao conjunto de diplomas legais que acata consensualmente noções e princípios como
o da soberania nacional e o de Estado-Nação que formam o moderno sistema internacional,
desde a Paz de Westphalia em 1648.
2
São as questões atinentes única e exclusivamente ao Estado central, envolvendo diretamente
sua soberania, que impossibilitaria que qualquer outro agente atue nestas áreas.
13

italianas e as Províncias chinesas, ou de Estados federais, como os Estados


brasileiros, as Províncias argentinas e os Cantões suíços. A denominação restringe-
se a governos que são sujeitos de direito público interno, mas não de direito público
internacional.
Estas definições jurídico-legais nortearam e definiram as ações dos entes
subnacionais até meados da década de 1980. A atuação dos governos não centrais
exerce grande interesse em algumas abordagens teóricas das relações
internacionais, principalmente por aquelas que centralizam sua atenção nos
fenômenos de integração regional, porque estimulariam uma maior participação dos
governos subnacionais, na medida em que impulsionam um aumento nas interações
transnacionais entre os países envolvidos.
Os novos estudos, sob a ótica das relações internacionais, passam a discutir
questões como o federalismo e as relações internacionais, a interdependência e a
globalização, o engajamento internacional como meio de fortalecer identidades em
Estados multinacionais, a ascensão de regiões como pólos de vantagens
competitivas, a atuação dos GNC em áreas interligadas por acordos de integração
regional e, mais recentemente, ações de cooperação internacional descentralizada.
Conforme propõe Hocking (1993), é possível analisar a atuação dos GNC sob
a ótica realista3, que considera que a atuação dos governos não centrais no cenário
internacional interfere perigosamente nas prerrogativas do Estado-Nação. Tal prática
pode ser denominada, dentro dos preceitos da atuação internacional dos entes
subnacionais, como protodiplomacia, quando realmente externa a ambição do ente
subnacional em querer sua independência por meio de ações internacionais. Porém,
tal prática não é o objeto central do estudo proposto, mas se faz importante salientar
este possibilidade de um viés separatista por parte do ente subnacional.
Da mesma maneira, a teoria realista admite que a ação internacional dos
entes subnacionais pode ser aceita pelo Estado central, a título de interesses
próprio, usando o ente subnacional como ferramenta. Desta maneira, o ente
subnacional acaba por perder seu papel privativo no cenário internacional por serem
apenas coadjuvantes das aspirações do Estado do qual são parte constituinte. Caso
contrário, considera-se que ações mais ousadas de interesses particulares dos

3
A ótica realista aborda a temática da paradiplomacia com base nos movimentos de
independência dentro de Estados soberanos, geralmente fazendo referência aos casos de
Quebec no Canadá e da Catalunha na Espanha, que objetivam a consolidação de um Estado-
Nação.
14

governos não centrais sejam esforços que visam à transformação de seu território
em Estado-Nação.
Neste trabalho, diversamente da escola realista, vislumbra-se esta temática
sob a ótica da interdependência complexa, que, a nosso ver, elucida de maneira
mais satisfatória a participação dos novos atores no âmbito internacional. Segundo
Keohane e Nye (2001), existem dois níveis no sistema internacional, o da estrutura e
o do processo, que afetam um ao outro. A estrutura refere-se à distribuição de
capacidades ou de recursos de poder entre unidades similares, o que leva os
analistas a tratarem de sistemas bipolares e multipolares, por exemplo. O processo
diz respeito à dinâmica das relações entre os diversos atores – não somente os
Estados-Nação – as redes de interação que desenvolvem e as suas relações de
barganha.
Deve-se salientar que a teoria da interdependência complexa não tem como
objetivo ou conseqüência, tornar obsoleto o poder militar4, tampouco o econômico.
Seus autores apenas entendem que a dinâmica das relações internacionais pode
incluir outros recursos de poder e que as possibilidades de comunicação e de
negociação entre os diversos atores alteram as regras e os resultados do jogo
internacional. Desta maneira, uma abordagem que tenha como foco único a
distribuição de capacidades entre unidades similares não seria suficiente para
explicar as relações internacionais.
Conforme Sarfati (2006), a interdependência complexa dispõe de três
características. Primeiramente, são salientados os canais múltiplos pelos quais a
sociedade se conecta, identificados como interestatais, transgovernamentais e
transnacionais. Basicamente, os canais interestatais resumem-se às tradicionais
relações entre os Estados, representados por diplomatas ou militares no exercício
de suas funções. Os canais transnacionais versam sobre a atuação de atores não
governamentais, que buscam objetivos próprios. À medida que as relações
internacionais se tornam cada vez mais transnacionais, os Estados também cada
vez mais se tornam sensíveis à proliferação destes canais múltiplos de
relacionamento social internacional. Por fim, os atores transgovernamentais são
associados a diferentes estruturas de governos nacionais que estabelecem

4
A força militar é de uso exclusivo do Estado-Nação, e é caracterizada como um exemplo da alta
política.
15

relacionamentos diretos com representantes de estruturas similares de outros


países, com organismos internacionais e com atores não governamentais.
Em segundo lugar, analisa-se a característica da ausência de hierarquia entre
os temas, onde a agenda internacional não envolve apenas os assuntos militares.
Ou seja, atualmente outros assuntos, tais como as temáticas econômicas, tem
importância relevante nas pautas de política externa e diversos temas da chamada
baixa política5 têm sido objeto de negociação em foros multilaterais, provocando
certa indistinção em temas internos e externos.
Já, a terceira característica da interdependência complexa, segundo Sarfati
(2006), refere-se ao papel menor da força militar, pois afirma que os Estados podem
obter poder de outras formas que não a militar.
A teoria dos canais transgovernamentais começou a ser melhor explorada por
Soldatos (1990), que inclui os GNC como atores novos, diferentemente de Keohane
e Nye que não os haviam citado no desenvolvimento da teoria da interdependência
complexa. Dentro desta concepção, existe uma distinção que consiste na
segmentação funcional da política externa, que engloba os vários órgãos do governo
central que possuem atuação internacional, e a segmentação territorial da política
externa, que acrescenta ao rol dos protagonistas internacionais os diferentes níveis
de governo não centrais.
Considerando esta questão teórica, a doutrina realista não se concretiza em
sua totalidade nas ações subnacionais, pois em quase sua totalidade, é difícil
encontrar ações desenvolvidas no cenário internacional por entes subnacionais que
visam à promoção do separatismo, ou que possam ser meras respostas de
estímulos de seu governo central. Partindo deste fato, mais claramente se desenha
a importância do conceito de interdependência complexa em relação aos governos
não centrais. Tal consideração advém da capacidade e habilidade dos GNC de
cumprir funções no plano externo, alcançar objetivos de vinculação internacional e
influenciar outros atores. Os GNC podem manter vínculos variados, promovendo
seus interesses através de intercâmbios recíprocos que geram efeitos, criam laços
entre diferentes sociedades e institucionalizam formas inovadoras de cooperação
internacional (SOLDATOS, 1990).

5
Temáticas que com o processo de globalização e o aumento das demandas do Estado-Nação
não conseguem obter o cuidado necessário por parte do ente central, possibilitando a atuação
de entes não centrais em ramos tais como os direitos humanos, mudanças climáticas e
desenvolvimento sustentável
16

2.2 AS UNIDADES SUBNACIONAIS E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Cabe, primeiramente, identificarmos os governos não centrais, que desfrutam


de outras denominações, tais como governos ou entes subnacionais, unidades
constituintes, entes federados ou regiões. Para identificar os governos não centrais,
deve-se primeiro analisar as classificações tradicionais de Estado, que citam o
unitário e o federal. São “unitários os que têm um poder central que é a cúpula e o
núcleo do poder político. E são federais quando conjugam vários centros de poder
político autônomo” (DALLARI, 2003, p. 254).
Segundo Malberg (1948), a diferença entre as duas modalidades consiste na
autonomia da qual goza o Estado federado, pois eles são um tipo de estado que tem
a capacidade de organizar-se conforme suas vontades e em função de seu próprio
poder até o limite das áreas que lhe foram atribuídas pela Constituição que rege o
Estado federal do qual fazem parte. No caso dos membros de Estados unitários, não
existe esta autonomia e suas competências lhe são atribuídas através de leis ou
autorizações do Estado do qual fazem parte.
Porém, nem sempre os Estados federais têm atribuições maiores do que os
membros de Estado unitário, pois entes de Estados federais podem ser bem menos
importantes e ativos em âmbito estatal do que outras diferentes coletividades, além
da possibilidade de mudança e diminuição de atribuições dos entes federados.
Os entes subnacionais podem ser considerados estados, pois desempenham
função de Estado, sendo suas atribuições e ações limitadas constitucionalmente. A
diferença, de maneira acentuada, está na soberania atribuída ao Estado nacional e
suas responsabilidades advindas deste status.
Conforme Branco (2008), tradicionalmente, é atribuição dos Estados
nacionais a atuação nas relações exteriores e a tomada de decisão, sendo somente
ele o detentor da soberania. Quando competências de relacionamento externo são
atribuídas de forma facultativa aos GNC, estas são controladas e restritas,
geralmente por órgãos de caráter federal, uma vez que os entes federados não são
sujeitos do Direito Internacional Público, que estabelece que somente os Estados
soberanos podem manter relações no plano internacional. Porém, a mesma doutrina
não define quem no cerne do Estado tem a competência para tratar de qual assunto.
Assim sendo, “a capacidade dos entes subnacionais de atuarem em demandas de
caráter internacional depende da convenção que os prende aos respectivos Estados
17

protetores ou administradores a que se achem subordinados” (BRANCO, 2008,


p. 31). Porém, diante da ótica do Direito Internacional, estarão a representar o
interesse do Estado soberano, pois somente esse goza de atribuições de caráter
internacional.
No âmbito municipal – objeto que, juntamente com os estados federados ou
constituintes, se fará presente nos próximos capítulos deste estudo – segundo
Branco (2008), o posicionamento é exatamente o mesmo dos Estados federados, ou
seja, não há competências pré-definidas, nem existe o reconhecimento legal para a
atuação internacional. Mesmo assim a atuação internacional também eclodiu nos
entes municipais, ao mesmo passo que nos entes federados, fortalecendo a idéia da
atuação dos entes subnacionais no plano externo.
Observa-se que existe uma linha tênue na separação dos assuntos
domésticos e de cunho internacional, além da importância desses na agenda de
negociações internacionais. Conforme Nunes (2005), são temáticas as quais os
governos não centrais têm interesse direto e até mesmo competência legal interna
como, por exemplo, a temática de investimentos, comércio exterior, educação,
cultura, meio ambiente, luta contra tráfico de drogas entre outros.
Desta maneira observa-se o aumento da atuação destes entes subnacionais
na esfera internacional, onde este novo panorama não implica na extinção do
Estado nacional, mas requer uma reestruturação dos papeis e a aceitação de que a
esfera internacional não está limitada à atuação do Estado-Nação como ator único e
indivisível.
No tocante à ação de fato dos entes subnacionais, identifica-se um status
único e complexo, de difícil classificação como atores. Na configuração clássica de
atores internacionais, não se encontra um exato local de enquadramento para tal,
visto a divisão em Estados soberanos, Organizações intergovernamentais e forças
transnacionais.
Uma das tentativas de adequação dos entes subnacionais, sob esta
perspectiva, está no avanço relativo à tipificação dos atores de Keohane e Nye
(2001), anteriormente já citada, e que foi elaborada com êxito por Soldatos (1990).
Cabe salientar, porém, que os entes subnacionais neste contexto possuem
maior autonomia para estabelecer seu campo de ação e maximizar seus próprios
interesses do que ministérios e outros órgãos governamentais nacionais. Conforme
Hocking (1995), eles constituem-se em arenas políticas, possuem competência
18

constitucional para tomarem certas decisões e, em alguns casos, podem usufruir de


um senso de identidade regional, o que os aproxima conceitualmente do ator
Estado-Nação. Isto pode lhes conferir algum grau de legitimidade como autênticos
representantes das aspirações locais.
Segundo Nunes (2005), pode-se considerar os entes subnacionais, até certa
medida, atores mistos que, por um lado, se beneficiam de seu status no plano
interno, o que pode lhes permitir uma participação no processo de tomada de
decisões na política externa nacional. Por outro, assemelham-se aos atores não
soberanos, o que lhes permite realizar ações direcionadas a fins específicos, sem
precisarem se envolver na variada agenda internacional, como ocorre com os
Estados nacionais.
Para uma análise mais profunda da atuação internacional dos GNC,
necessita-se de critérios mais específicos, que privilegiem sua capacidade de
realizarem ações ligadas ao plano internacional. Conforme Hocking (1993), é
necessário que se evite comparações com a diplomacia nacional, já que a ação
externa dos GNC se diferencia daquela dos Estado-Nação. O autor sugere os
seguintes itens para análise:

a) Motivação: Em termos gerais, nos últimos 20 anos, a promoção


comercial e a atração de investimentos têm sido as razões-chaves para
a ação internacional, já que as regiões sofrem em seu território as
consequências da acelerada globalização econômica;
b) Envolvimento: as ações dos governos subnacionais podem ser avaliadas
pela perspectiva da continuidade, da abrangência temática e das
demandas de governança global. A continuidade relaciona-se com o
desenvolvimento e a manutenção de estruturas e procedimentos através
dos quais as preocupações regionais são manifestadas em nível
nacional e internacional. A abrangência da temática refere-se aos
assuntos nos quais os entes subnacionais se envolvem, desde a
promoção comercial até as tratativas sobre mudanças climáticas, visto
que muitos temas da agenda global fazem parte das competências
constitucionais destes atores ou possuem incidência direta sobre seus
territórios. Por fim, as respostas dos Estados federais às demandas de
governança global podem depender de atitudes e políticas adotadas
19

pelos governos regionais, uma vez que muitos temas estão sob sua
competência constitucional;
c) Estruturas e recursos: a atuação internacional dos governos
subnacionais é determinada por seus recursos financeiros e pela
especialização de seus recursos humanos. Para concretizar seus
objetivos de vinculação internacional, estes atores mistos também
podem recorrer aos recursos diplomáticos do governo federal, à
influência na formulação da política externa e aos canais de
relacionamento externo utilizados por atores não governamentais;
d) Níveis de participação: As iniciativas dos entes subnacionais de ampliar
sua inserção internacional visam, a priori, aumentar a participação de
sua produção no comércio internacional, a atrair investimentos externos
diretos e a absorver novas tecnologias. O mercado global, portanto, é o
espaço onde mais atuam;
e) Estratégias: podem ser de mediação, quando os governos subnacionais
usam os canais nacionais para atingir seus objetivos vinculados à esfera
internacional, e diretas, quando concentram seus recursos para agir
diretamente na esfera externa.

Em termos de evolução da ação dos GNC, conforme Soldatos (1990), sua


participação não é nenhuma novidade, novidade mesmo é a quantidade desses
governos que atuam internacionalmente, além da qualidade e da dimensão de suas
ações. O aumento e desenvolvimento significativo das ações internacionais de entes
não centrais está apoiado também no fenômeno da globalização, objeto de estudo
do próximo capítulo, que, a partir da década de 1980, estimulou mais fortemente sua
vinculação internacional. Muitos possuem canais de serviço externo e investem
grandes parcelas de recursos em ações de caráter internacional. Sua agenda é
variada e os relacionamentos externos multiplicam-se com rapidez.
O seu leque de atividades pode ser amplo. Conforme Soldatos (1993), as
ações mais freqüentes são: (1) estabelecimento de mecanismos e instituições para a
condução das relações internacionais; (2) formulação e implementação de políticas
domesticas vinculadas as relações internacionais, como aquelas voltadas à atração
de investimentos e à promoção de exportações; (3) organização de missões ao
exterior; (4) recebimento de missões estrangeiras; (5) assinatura de atos
20

internacionais; (6) participação em organização, redes ou conferências


internacionais; (7) organização de eventos internacionais; (8) desenvolvimento de
redes de serviços de apoio para internacionalização da economia local, como
melhorias na infra-estrutura de telecomunicações, etc.
Tais definições superam as de demais autores6 e o posicionamento de
Soldatos é o que melhor se enquadra, no nosso entender, à realidade das ações
internacionais dos governos não centrais. Mesmo que o autor considere que apenas
os governos não centrais de países democráticos desenvolvidos estabeleçam ações
de vinculação internacional, deve-se considerar que no início dos anos 1990, estava
em pleno início a aceleração da globalização econômica e diversos temas da baixa
política passaram a fazer parte da agenda de negociações entre os Estados
soberanos. Diante desta evolução na última década do século passado, estes
fatores incidiram de forma mais evidente sobre o Estado-Nação, independentemente
do seu grau de desenvolvimento, estimulando os diversos GNC a incluir os assuntos
internacionais em sua agenda governamental.
Surge então, dentro dos esforços de conceituação das ações destes atores
no plano internacional um termo em especial: paradiplomacia.
Desenvolvido por Soldatos, o conceito original de paradiplomacia:

Refere-se às atividades internacionais realizadas diretamente por


atores subnacionais (unidades federadas, regiões, comunidades
urbanas, cidades) que apóiam, complementam, corrigem, duplicam
ou desafiam a diplomacia do Estado-Nação; o prefixo ‘para’ indica o
uso fora da estrutura tradicional do Estado-Nação (SOLDATOS,
1993, p. 46).

O autor analisa a temática sob a ótica comparativa desta prática e classifica a


natureza das interações que ocorrem na paradiplomacia como cooperativa ou
paralela: as cooperativas são desenvolvidas em harmonia com o Estado central,
coordenadas por ele ou realizadas de forma conjunta; já as paralelas podem ser
desenvolvidas em harmonia, com ou sem monitoramento do governo federal, ou de
forma conflituosa, podendo levar a fragmentação do Estado federal.
Conforme Nunes (2005), Soldatos realiza comparações entre atividades
diferentes, principalmente em sua abrangência e representatividade. A
6
A presente obra não desconsidera as demais definições de diferentes autores relativas ao tema,
apenas elegeu a definição do autor Panayotis Soldatos (1993) como a que melhor se enquadra
na abordagem proposta.
21

paradiplomacia é mais específica que a diplomacia convencional, pois tem um leque


restrito de objetivos e dificilmente trata de temas da alta política dos Estados
soberanos. Freqüentemente, as ações paradiplomáticas são oportunistas e
experimentais, pois não são determinadas funcionalmente, e podem prevalecer os
interesses políticos imediatos na tomada de decisões sobre estratégias e iniciativas.
Conforme Keating (2000), os governantes regionais precisam adequar as
suas ações paradiplomáticas ao mundo dominado por governos nacionais e
organizações transnacionais, bem como aos variados interesses de sua região. Isto
pode dar origem a projetos em cooperação com a diplomacia nacional ou de forma
autônoma, desenvolvidos nos interstícios do sistema tradicional de relações
internacionais.
Analisa-se, então, a paradiplomacia a partir da ação dos próprios entes
subnacionais, evitando possíveis controvérsias no sentido de considerar-se a
paradiplomacia como um substituto da diplomacia nacional.
A prática da paradiplomacia pode resultar, segundo Nunes (2005), de razões
de ordem internacional, nacional ou do próprio ente subnacional. As causas externas
advêm de mudanças significativas ocorridas no cenário internacional, a partir da
diminuição das tensões entre Estados Unidos e União Soviética7. O aprofundamento
da globalização, principalmente em termos econômicos, e o aumento do número de
regimes internacionais acentuaram a indistinção entre assuntos externos e
domésticos, alterando a divisão de responsabilidades entre o Estado nacional, os
entes subnacionais e outros atores. As novas tecnologias da informação, os avanços
nas telecomunicações e a significativa redução nos custos de transporte de carga e
pessoas tornaram o plano internacional mais acessível.
Já no plano nacional, um dos principais determinantes da paradiplomacia está
diretamente ligado a essas mudanças no cenário externo. Muitos temas da agenda
internacional contemporânea envolvem campos sob a incumbência dos governos
subnacionais ou têm incidência sobre seus territórios. Isto seria o que Soldatos se
refere como a “domesticação da política externa”.
Outro ponto determinante no plano nacional é a diminuição da capacidade de
gerenciamento territorial do Estado-Nação. Isto ocorre porque as vigências de
regimes internacionais impedem a implementação de políticas tarifárias no âmbito

7
Diminuição das tensões na chamada Guerra Fria, mais especificamente na década de 1980.
22

interno, fazendo com que os interesses no mercado global dos entes subnacionais
não possam apenas ser defendidos pelo Estado central.
Conforme Keating (2000), nos últimos anos tem havido uma diminuição das
políticas de desenvolvimento conduzidas pelos governos nacionais. Assim, as
regiões estariam assumindo um papel-chave na transformação econômica, sendo
elas impulsionadas a participar dos fluxos globais de comércio e investimentos, o
que possibilita sua inserção na economia internacional.
As percepções locais de como a região é afetada por fatores de ordem
externa e interna, principalmente os relacionados à esfera econômica, influência a
atuação internacional dos governos subnacionais. Por sua vez, interesses políticos
imediatistas, ocasionados principalmente por eleições, podem fomentar ações
paradiplomáticas no intuito de causar impacto na população local. Podem ser
citadas como exemplo, as missões governamentais no exterior. Existe ainda a
tendência de emular as iniciativas de outras entidades subnacionais, num fluxo
crescente de ações paradiplomáticas, incentivando outros atores a exercerem a
paradiplomacia.
Estes reflexos oriundos das novas dinâmicas e fluxos políticos, econômicos e
sociais, se refletem de maneiras diferentes nos diversos Estados, levando-se em
consideração sua história, organização política e regime social. Os fluxos globais
intensos provenientes da globalização, mais explícitos na década de 1980 em
diante, impactam sobre diversos países mundo afora, o que será analisado no
próximo capítulo, juntamente com o fenômeno propulsor da paradiplomacia, a
globalização. Dentro deste contexto, analisaremos o caso brasileiro no último
capítulo deste trabalho, já diante da importância atribuída ao país no âmbito
internacional, sua inserção no processo da globalização, cuja prática da
paradiplomacia é uma conseqüência.
23

3 AS EXPERIÊNCIAS PARADIPLOMÁTICAS NO MUNDO

A partir da década de 1980, a globalização adquire grande força causando


grande impacto nas relações internacionais e, mais especificamente, no
desenvolvimento da paradiplomacia.

3.1 O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO E A PARADIPLOMACIA

A globalização – política, cultural, social, e econômica principalmente, dentre


outras abrangências do fenômeno – representa o catalisador da vinculação, em
grande escala, dos entes subnacionais às temáticas de cunho internacional. Com a
derrocada da Guerra Fria, já se encaminhando para seu final na década de 1980,
além da rapidez da evolução dos processos e meios de comunicação, surgem,
simultaneamente, maiores movimentos em direção à prática da paradiplomacia. A
globalização tem o papel de desafiante do Estado-Nação e da estruturação clássica
estadocêntrica, impondo uma nova realidade de abrangência maior do que apenas
as temáticas da alta política. Desta maneira, outros temas são inseridos na agenda
de entidades subnacionais que, por interesses próprios ou necessidade, agem
autonomamente até o limite que lhes cabe.
O fenômeno da globalização, segundo Mingst (2008) é a crescente integração
do mundo em termos de política, economia, comunicações e cultura, um processo
que mina cada vez mais do poder do Estado-Nação e sua tradicional soberania. Na
arena política, o Estado é confrontado por questões globalizadas – degradação
ambiental e doenças, por exemplo – que os governos centrais não podem
administrar sozinhos. Tais questões requerem cooperações políticas sem
precedentes, inserindo aí novos atores, que venham a colaborar nas lides de cunho
globalizado. Tais ações cooperativas comprometem de certa forma a soberania do
Estado.
No campo econômico, Estados e mercados financeiros estão cada vez mais
intrincadamente entrelaçados; corporações multinacionais e a internacionalização da
produção e do consumo dificultam ainda mais a regulamentação das políticas
econômicas pelos Estados - configurando um panorama onde apenas o Estado não
poderá defender economicamente seus governos subnacionais, que agem
autonomamente em busca de soluções.
24

Conforme Branco (2008), o declínio da antiga ordem internacional8, que


tradicionalmente esteve articulada em torno do conceito de divisão do mundo em
Estados-Nação, plenamente soberanos, foi causado, sobretudo, pelas
transformações que originaram a globalização. As alterações no conceito de
fronteiras, causada pela abertura dos mercados, os incessantes fluxos migratórios
mundiais, bem como a desconcentração, descentralização e regionalização do
próprio Poder Público, acabaram por abrir um novo espaço nas relações
internacionais, que se reflete na intensificação da participação política e no
desenvolvimento de adaptações e soluções para as especificidades dos atores não
estatais.
A concepção de que o poder e as soluções não advêm apenas de esforços
militares centralizados, torna-se fator chave para a compreensão das novas
demandas globalizadas. Mais completamente, “assim, o poder no cenário
internacional não adviria unicamente da força militar que os países dispõem, mas
também da habilidade dos atores internacionais de convencer os demais de aceitar
a sua posição” (JAKOBSEN, 2009, p. 23), inserindo neste contexto os atores
subnacionais.
Segundo Mariano e Mariano (2005), a verdadeira concepção de globalização
tem gerado intenso debate, principalmente no seu significado e suas características
centrais. Mesmo em meio a esta discussão, consensos são identificados, e um deles
refere-se ao fato de que os impactos da globalização são cada vez mais locais e
regionais, levando os governos subnacionais a assumirem novas responsabilidades,
entre elas, criar estratégias próprias de vinculação internacional.
Destaca-se também a aparente perda de controle do Estado-Nação sobre
estes movimentos internos, assim como aqueles que se originam além de suas
fronteiras. É fato que o fenômeno da globalização impacta diretamente sobre o
cotidiano das localidades, mas se origina fora desse âmbito. Caracteriza-se ai a
vinculação das ações paradiplomáticas de um governo subnacional com o contexto
internacional.
Conforme Vigevani (2006), neste atual contexto de globalização e
interdependência, os governos subnacionais vêm sendo impelidos a assumirem não
apenas novos papéis e funções – como a coordenação e articulação com

8
Referência à Paz de Westphália.
25

administrações públicas de diferentes instâncias de governo, com a iniciativa privada


e com organizações da sociedade civil -, mas também a ampliar seu campo de
atuação em muitos setores críticos. Suas estratégias de inserção internacional têm
se evidenciado de muitas formas, envolvendo a participação em redes e
organizações regionais e mundiais de cidades e de autoridades locais, a promoção
do comércio exterior dos bens produzidos localmente, ou, ainda, a busca de
adaptação de seus projetos às mudanças que se desenham no plano mundial.
Ainda segundo Vigevani (2006), considerando estas novas atribuições dos
entes subnacionais, uma agenda considerável passou a preocupar os governos não
centrais para além daquela que sempre lhe foi atribuída. De um lado, verificou-se
uma reinvenção nos GNC, no sentido de renovar a vida local e adequá-lo a um
padrão de qualidade internacional, sobretudo por GNCs de países desenvolvidos.
De outro lado, o imperativo de inserção e projeção na economia global exigiu que os
governos locais desenvolvessem novas relações bilaterais e multilaterais,
assumindo a condição de atores no sistema internacional.
Rodrigues (2004) destaca que grandes eventos internacionais, facilitados9
pelo fim da Guerra Fria e pela globalização, tornam-se marcos de possibilidades
para alavancar planos estratégicos de recuperação, revitalização, e transformação
urbana. Alguns autores consideram Barcelona, na Espanha, como paradigma desta
possibilidade, após a cidade servir como sede para os Jogos Olímpicos de 1992.
Como é possível vislumbrar, segundo Vigevani (2004), a globalização pode
ser entendida como um fenômeno não totalmente novo, mas como desdobramento
econômico contemporâneo do desenvolvimento capitalista, cuja origem é remota,
mas que tornou-se mais evidente e muito mais forte no final do século XX,
especialmente com o fim da bipolaridade dominante na Guerra Fria. O fenômeno da
globalização atinge, porém, diretamente e de modo progressivo, a soberania de
cada Estado-Nação – particularmente no que tange à sua capacidade de dirigir com
autonomia a organização interna nos planos econômico, político e social, afetando
os mecanismos tradicionais de política externa. A complexidade das relações
internacionais, em diversos casos, mostra a ineficácia de uma excessiva
centralização do poder no Estado central, muito por reflexo da globalização, abrindo

9
Eventos globais que se disseminaram a partir da década de 1990, como por exemplo a Eco 92
no Rio de Janeiro, a Habitat 96 realizada em Istambul, entre outros, majoritariamente
organizadas pela ONU.
26

espaço para mecanismos de descentralização e criando a oportunidade de novos


relacionamentos entre instâncias subnacionais.
Porém, tal descentralização não se dá necessariamente em desfavor do
poder do Estado-Nação, ao contrário, pode contribuir até mesmo ao favorecimento
de sua maior eficácia, na medida em que entram em cena outros atores sociais,
políticos, administrativos e econômicos, diante das demandas e necessidades mais
globais do que nunca no atual cenário internacional, contribuindo para o
fortalecimento da ação nacional.

3.1.1 A Paradiplomacia Empresarial

Apesar de não ser o foco do trabalho em questão, é de importante valor a


prática da vinculação internacional das empresas, algo que está no cerne da
paradiplomacia em seu aspecto geral. Sendo assim, as ações paradiplomáticas
empresariais têm sido interpretadas como um fenômeno recorrente em distintas
partes do globo, que é advinda da formação de fluxos de exportação
(internacionalização primária) e de investimento no exterior (internacionalização
secundária), por meio de redes de licenciamento e de empresas subsidiárias, de
alianças estratégicas no exterior ou por processos de fusão e aquisição.
Segundo Sarfati (2007), os distintos conceitos de paradiplomacia corporativa
ou empresarial revelam a convergência das ações para alavancar
internacionalmente vantagens competitivas de empresas, o que corrobora para a
compreensão de que existe uma política externa corporativa fundamentada em
negociações políticas e econômicas, que é paralela à atuação diplomática tradicional
dos Estados Nacionais.
As ações paradiplomáticas de empresas nas relações internacionais podem
ser visualizadas na formação histórica do capitalismo, a partir uma crescente
autonomização em relação aos Estados Nacionais, tanto do ponto de visto
econômico, quanto político. Durante décadas, as empresas transnacionais tiveram
relevância paradiplomática, mas suas ações desenvolviam-se de forma associada à
própria diplomacia estatal.
Porém, foi tão somente a partir da década de 1960 que as empresas
transnacionais passaram a negociar com maior autonomia no sistema internacional,
por meio de ações independentes ou paralelas conhecidas como paradiplomacia
27

corporativa.A maior importância do capital e da tecnologia no sistema capitalista


contemporâneo elevou consideravelmente o poder de barganha das empresas
multinacionais em comparação aos Estados, principalmente em países em
desenvolvimento, que passaram por uma recente onda de liberalização e
desregulamentação das economias nacionais.
Segundo Gonçalves (2002), a visualização geral da internacionalização
empresarial (produtiva e financeira), permite mostrar elementos de natureza
sistêmica (dinâmica capitalista) e variáveis específicas à propriedade (empresas) e a
fatores locacionais (países), que modelam as estratégias de paradiplomacia
corporativa.
Baseadas mais especificamente em seus processos de expansão
transnacional, as empresas passam a se posicionar efetivamente como atores nas
relações internacionais, surgem ações estratégicas intituladas de diplomacia
corporativa que se revestem de um conjunto de orientações, princípios, políticas e
práticas, visando sua atuação em um complexo tabuleiro de negociações
internacionais. Por isso, as estratégias de paradiplomacia empresarial apresentam
uma alta variabilidade, advinda de características setoriais e da própria empresa
para o gerenciamento sistemático e profissional do ambiente de negócios.
Em uma corrente que podemos apreciar, a ação paradiplomática de
empresas, por meio de estratégias de extroversão transnacional no âmbito regional
e multilateral, pode ser considerada como o resultado de uma ação estratégica de
grupos empresariais privados para fortalecerem sua capacidade competitiva em um
ambiente marcado pela crescente abertura de mercados.
Já, de outra maneira em uma corrente paralela, mas interligada, a
internacionalização empresarial é o reflexo de uma reorganização industrial
proporcionada pelas ondas de reforma do Estado e pelos programas de privatização
que se difundiram em muitos países, por meio da transferência de propriedade de
empresas estatais para grupos internacionais privados.
A partir deste panorama supracitado, é de grande relevância compreensão de
que os principais instrumentos da paradiplomacia corporativa utilizados na arena
internacional têm sido compostos por coalizões empresariais, lobby e negociações
direta com Estados ou entes subnacionais. Não obstante, o processo de
desterritorialização de empresas multinacionais seja crescente, ele não acontece de
maneira aleatória no globo, uma vez que a substituição de territórios para a alocação
28

das atividades produtivas acontece segundo uma lógica hierarquizada de eleição de


outros lugares, preferencialmente seguindo uma tendência de regionalização
transnacional.

3.2 OS PRINCIPAIS CASOS DE PARADIPLOMACIA NO MUNDO

Mesmo que os entes subnacionais sejam desconsiderados como atores


internacionais diante da tutela do Direito Internacional, tal fato nunca foi uma
limitação para a prática da paradiplomacia. É importante se ter a noção de que o
ordenamento e limitação da atuação internacional de entes subnacionais está
intimamente atrelada à esfera política, em detrimento da esfera jurídica.
Embora seja uma atividade diplomática paralela à tradicional do sistema
westphaliano, dos Estados nacionais em relação a seus pares, a prática da
paradiplomacia ainda não encontra respaldo, em maior ou menor grau, no
ordenamento jurídico da maioria dos países contemporâneos. Este panorama
apresenta-se a partir de uma análise dos fatores históricos que resultaram na
realidade de diferentes países. Não se pode estabelecer normativas comuns, tendo
em vista as diferenciações de cada estrutura nacional e seus arranjos. Os fatores
territoriais e organizacionais são determinantes para a falta de normativa comum na
temática e a análise de cada conjuntura permite que se compreenda melhor a tênue
linha que pode ser transpassada entre a fragmentação e a vinculação internacional
de entes subnacionais.
Como explica Álvaro Chagas Castelo Branco,

em alguns países, a unidade nacional e a integração regional podem


ser compreendidos de uma maneira tal que não haveria como se
perceber o mínimo risco de um processo de desintegração, conforme
a temática proposta e suas vertentes teóricas. Em outros, a
dificuldade para se conseguir a integração dentro de sua diversidade
político-territorial talvez seja um elemento que dificulte uma “reforma”
que possa abrir uma possibilidade para que os entes subnacionais
adquiram personalidade jurídica internacional (BRANCO, 2008, p. 63,
grifo do autor).

Mesmo sem a personalidade jurídica internacional, os governos subnacionais


agem conforme arranjos políticos que lhes permitam sua vinculação internacional.
Porém, não é possível desconsiderar que o Estado central e seu ordenamento
29

jurídico, principalmente em uma estrutura federativa, poderia ser um obstáculo de


respeito à prática da paradiplomacia.
Conforme Branco (2008), sem uma estrutura interna onde os entes
subnacionais gozem de autonomia, personalidade jurídica interna e recursos, não
haveria condições propicias para o desenvolvimento da paradiplomacia. Assim, a
partir dos primórdios do debate sobre a paradiplomacia e desta vinculação
internacional dos entes subnacionais, vários países adaptaram suas legislações e
arranjos internos para a viabilização do fenômeno.
A seguir, serão analisadas diferentes situações e países – alguns com base e
previsões normativas que permitiriam a paradiplomacia, e outros desprovidos de tais
ferramentas jurídicas e constitucionais – observando, como e quando, cada país
desenvolveu internamente o fenômeno discutido.

3.2.1 A Paradiplomacia no Canadá

O Canadá é um dos exemplos mais tradicionais da temática da


paradiplomacia. Para uma compreensão da situação canadense, é necessária uma
breve e genérica retomada de sua história. Segundo analisa Branco (2008), o
Canadá reflete na paradiplomacia efeitos de uma história de dupla colonização, que
fortemente caracteriza o país, onde franceses e ingleses partilharam deste território
de forma não pacífica. Com a vitória inglesa em meados do século XVIII, a Inglaterra
obtém o controle total do território canadense, composto pelo Canadá “Superior”
(Ontario), e o Canadá “Inferior” (Quebec). Apenas no ano de 1982 é aprovado o
Canada Act e só então o Canadá passa a ter controle e unidade em sua
constituição, onde se eliminaria de vez os laços coloniais ainda remanescentes. “No
entanto, a província “francesa” de Quebec não deixou de lado a idéia de separação,
com manifestações crescentes a partir da segunda metade do século XX”
(BRANCO, 2008, p. 80).
Conforme Branco (2008), desde a época da Confederação Canadense, as
províncias têm se engajado e de certa forma exercido relacionamentos com outros
países. Quebec, a evidência canadense na temática, nos traz um exemplo de
iniciativa internacional. Em 1982, instituiu um representante em Paris, isto antes
mesmo que a Confederação Canadense tomasse tal atitude.
30

É possível afirmar que a maioria das ações e vinculações dos entes


subnacionais tem sido motivadas, sobretudo, por questões de natureza econômica.
Conforme a Constituição canadense, as províncias devem dividir com o ente central
a responsabilidade pelo desenvolvimento e crescimento econômico. Assim, nota-se
que as atividades paradiplomáticas têm complementado – e não dificultado – os
interesses e objetivos do governo central canadense.
Nesta perspectiva, a maioria dos governos das províncias assume também as
implicações internacionais deste papel, já que o aumento das exportações e a
atração de investimentos são vistos como canais para a criação de empregos e
fomento do crescimento da economia.
Diante do exposto, o Canadá é tido como um dos sistemas federativos mais
estudados do mundo, além de ser o país com o maior número de pesquisadores
sobre paradiplomacia no mundo. Conforme Kugelmas e Branco (2005), o Canadá,
baseado em um sistema parlamentar, é uma federação onde os poderes do nível
provincial são muito extensos e abrangentes, e assim, a implementação de tratados
internacionais – mesmo que somente celebrados pelos Estados nacionais,
detentores de personalidade jurídica internacional – exige um esforço cooperativo
dos governos subnacionais. Na prática, os governos provinciais participam direta e
ativamente de negociações internacionais, como por exemplo, no caso do Nafta, e
algumas províncias possuem escritórios de representação no exterior (Quebec e
Alberta, por exemplo).
Uma exemplificação desta ascendência política internacional das províncias
canadenses, principalmente na questão dos tratados, está no Protocolo de Kioto 10.

Para o Protocolo de Kioto poder ser ratificado, se faz necessário uma


conferência interna para serem acordadas cotas entre as províncias,
isto porque a produção de gás e petróleo é assimétrica e o Protocolo
de Kioto impacta muitos estados mais a oeste do Canadá
(RODRIGUES, 2004, p. 15).

A região de Quebec realmente possui uma posição diferenciada dentro do


contexto canadense, e não só mantém escritórios de representação no exterior,
como citado anteriormente, como possui também um Ministério de Relações

10
Tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que
agravam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas,
como causa antropogênicas do aquecimento global.
31

Internacionais. Assim, “em tese, os governos de Quebec visam uma futura


independência a ser negociada e já buscam isto no exercício de sua política externa
voltada para tal” (KUGELMAS; BRANCO, 2005, p. 170).
Existe certa indefinição no ordenamento institucional do país e permanentes
controvérsias sobre o grau de autonomia das províncias, mesmo no que tange às
relações internacionais e a possibilidade de firmar tratados, algo que é reivindicado
pelo governo de Quebec. Isto se dá pelo fato do explícito movimento de
independência, mesmo que pacífico, exercido pela província que, na visão realista, é
a crítica fundamental à paradiplomacia. Esta tendência, se confirmada, pode
estimular outras províncias do país futuramente, e em uma visão pessimista,
fragmentar o Canadá.

3.2.2 A Paradiplomacia nos Estados Unidos e no México

Ainda no norte das Américas, tem-se o modelo dos Estados Unidos, que
mesmo não institucionalizado, assim como o canadense, tem uma interpretação
constitucional que veda qualquer tipo de acordo internacional que venha a interferir
na política externa norte-americana, visando evitar um congestionamento do
Congresso com a deliberação de matérias envolvendo todos os tipos de acordos
internacionais. Isto porque se considera que a maioria deles não interfere nas
diretrizes fundamentais da política externa nacional. Embora não haja maiores
controvérsias sobre o monopólio constitucional do governo federal nas relações
internacionais, os governos estaduais e locais têm se dedicado à defesa ativa dos
setores econômicos sob sua jurisdição.

Nos anos 1970, o comércio exterior quase dobra sua participação no


PIB norte-americano e, já na década de 1980, os Estados Unidos se
convertem nos maiores receptores de investimentos estrangeiros.
Em conseqüência desse surto econômico-comercial, os
governadores dos estados federados norte-americanos
desenvolveram um interesse direto nas relações econômicas
comerciais (LESSA, 2002, p. 44).

Segundo Kugelmas e Branco (2005), diante desta defesa de seus interesses,


quase todos os estados norte-americanos mantêm escritórios de representação no
exterior, promovendo seu comercio e fomentando a atração de investimentos
32

externos. Tornou-se corriqueiro que os governadores liderem missões empresariais


no exterior. É cada vez mais crescente o número de escritórios de representação
abertos pelos estados federados norte-americanos no exterior.
Há de se ressaltar, também, os reflexos dessa atuação no campo da
paradiplomacia transfronteiriça. Levando-se em consideração Branco (2008), nos
Estados Unidos, como maior potência econômica global, houve a necessidade de
maior participação dos entes subnacionais nas políticas externas, e neste sistema, o
país símbolo do capitalismo não poderia estar alheio a todas estas transformações e
rupturas. Neste contexto, é importante salientar os desdobramentos destas práticas
na paradiplomacia transfronteiriça exercida pelos estados federados norte-
americanos para com as províncias canadenses e mexicanas.
Toda esta atuação dos Estados Unidos no campo da paradiplomacia estava
prevista residualmente na fundação do federalismo ocidental, principalmente no que
diz respeito ao comércio norte-americano. A idéia de que a política externa deveria
ser exercida exclusivamente pelo Estado central se dissolve nos Estados Unidos,
também a partir do advento da globalização, onde nota-se que é mais vantajoso que
os governos subnacionais somem seus esforços no incremento da política externa
do país.
Já, em se tratando de América Latina, é possível notar vários exemplos de
atividades paradiplomáticas no México, sobretudo nas relações com os Estados
Unidos. Dentro do que expõe Álvaro Chagas Castelo Branco a respeito das relações
paradiplomáticas mexicanas,

pode-se tomar como exemplo o “Acuerdo Arizona – Sonora sobre


Seguridad en Autopistas (Arizona – Sonora Highway Safety Accord,
de 24/05/2002, assinado pelos governos de ambos estados, com o
objetivo de trocar conhecimentos técnicos e informações para
melhorar a segurança do trânsito de veículos em estradas que ligam
as duas entidades. Da mesma forma, pode-se citar o “acordo
cooperativo” entre o Governo do Arizona, através do seu
Departamento de Comércio, e o Governo de Sonora, através do seu
Conselho de Desenvolvimento Econômico (de 20/11/2002), para
estabelecer a chamada Small Business Assistance Alliance, que
busca apoiar as pequenas empresas de ambos os lados, com
programas educativos, de capacitação e intercâmbio de informações
(BRANCO, 2008, p. 84).

Mesmo sendo prescrito em documento legal que a atribuição de exercer a


política externa no México deve ser unicamente do governo central, a conjuntura e
33

localização geográfica ao norte do país contribui para que se formulem políticas


paradiplomáticas com as que foram citadas. Esta prática é amparada na
argumentação de que a Ley sobre la Celebración de Tratados11 daquele país
contempla a possibilidade de que “dependências ou organismos descentralizados da
organização pública federal, estatal ou municipal celebrem acordos
interinstitucionais com um ou diversos órgãos governamentais estrangeiros”.
Porém, deve-se levar em conta as distorções e desigualdades regionais que
provocam sérias instabilidades políticas dentro da federação mexicana. Segundo
Kugelmas e Branco (2005), os governos subnacionais mexicanos do norte do país
experimentam um significativo incremento econômico em virtude desta integração
com os governos fronteiriços dos EUA. Apesar disso, problemas estruturais como
imigração, tráfico de drogas e corrupção, têm diminuído as possibilidades de
maiores desenvolvimentos da região, mas, mesmo assim, a região está bem mais
inserida no contexto de desenvolvimento em âmbito global.

3.2.3 A Paradiplomacia na Argentina e no Chile

Ainda na America Latina, um dos grandes modelos de paradiplomacia é o


modelo da Argentina, que muito se assemelha ao brasileiro (a paradiplomacia no
Brasil será objeto de estudo no próximo capítulo). É um modelo institucionalizado de
paradiplomacia, pois desde 1994 vigoram alterações constitucionais 12 que delegam
direitos às províncias argentinas tais como: criar regiões para o desenvolvimento
econômico e social, além do estabelecimento de órgãos para o cumprimento destas
finalidades; celebrar convênios internacionais que sejam convergentes com a
política externa do Estado Central; as províncias podem também celebrar tratados
parciais a fim de promover desenvolvimento econômico e industrial. Em todos os
casos, porém, as províncias deste país devem preservar as atribuições particulares
do governo central, referentes na sua grande maioria aos assuntos de alta política.
Este contexto de normatização e legitimação das ações das províncias
argentinas possui um caráter singular no mundo atual, que lhes permitiu desenvolver

11
Lei publicada no Diário Oficial da Federação dos Estados Unidos do México no dia 2 de janeiro
de1992.
12
Alterações referentes à Emenda Constitucional da República Argentina, que provocou alterações
nos arts. 124, 125 e 126 da Constituição do país.
34

um ativismo internacional muito grande, estabelecendo escritórios de representação


no exterior, além de acordos estabelecidos com regiões da Europa e Rússia.
A reforma constitucional promovida na Argentina buscou atender aos anseios
da corrente política que lutava pela implementação do “verdadeiro federalismo”,
através de disposições que garantissem maior autonomia para as províncias em
suas áreas de atuação. Com base na doutrina do federalismo cooperativo, que é
alicerçado completamente nos critérios de interdependência e colaboração entre as
diversas esferas do governo, as mudanças normativas visaram, sobretudo, ao
desenvolvimento econômico e social, a partir do atendimento dos interesses
regionais e locais. É importante ressaltar que trata-se de uma maneira de transferir
os princípios da interdependência complexa, teoria que pauta a temática proposta
neste trabalho, para o âmbito interno do Estado nacional.
Porém, conforme Kugelmas e Branco (2005), três elementos têm perturbado
o equilíbrio entre os entes subnacionais e o poder central na Argentina:

a) forte concentração de fatores produtivos em uma região limitada do


território do país;
b) concentração populacional acentuada em poucas regiões, o que distorce
distorce o equilíbrio federativo;
c) uma estrutura tributária de arrecadação impositiva.

Mesmo assim, é possível exemplificar o sucesso Argentino na prática


paradiplomática, onde:

Um dos maiores expoentes da atuação paradiplomática das


províncias argentinas, após a reforma constitucional de 1994, pode
ser percebido na criação, em 28/01/2004, de uma “região binacional”
na Patagônia Austral, firmada pelos governos de territórios chilenos e
argentinos envolvidos. Tal região associativa tem como propósito
identificar problemas e oportunidades comuns e coordenar políticas
públicas direcionadas para o desenvolvimento econômico,
sustentabilidade ambiental, bem como a promoção turística da
“marca” Patagônia (BRANCO, 2008, p. 68).

Toda esta estrutura Argentina no campo paradiplomático acarretou uma


espécie de regionalismo transnacional e fomentou ações e estratégias internacionais
dos seus entes não centrais, justificando uma forte concentração de atividades
35

internacionais na área do Cone Sul, demonstrado na citação anterior de sucesso no


relacionamento com o Chile.
Ainda tomando como norte o regionalismo transnacional argentino, conforme
Vigevani (2004), uma das maiores preocupações dos governos brasileiro e
argentino, desde o final do século XX, é o incentivo e incremento do comércio
exterior. A relação intensa entre o Conselho de Desenvolvimento e Integração do
Sul (CODESUL), do qual participam os estados brasileiros do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, e a Comissión Regional Del Nordeste
de Argentina Para El Comercio Exterior (CRECENEA Litoral), composto pelas
províncias de Chaco, Corriente, Entre Rios, Corrientes, Formosa, Missiones e Santa
Fé, é um exemplo claro desta situação.
É inegável que o ponto principal da paradiplomacia argentina está
diretamente associado ao âmbito do Mercosul e pode ser percebido através destes
vínculos internacionais estabelecidos pelas províncias do litoral e noroeste argentino
com os estados federados da região sul do Brasil, denominados Crecenea-Codesul.
Conforme Branco (2008), a experiência argentina no campo da
paradiplomacia é um dos únicos modelos de paradiplomacia institucionalizada no
ordenamento jurídico mundial, tratando-se de um modelo arrojado, moderno e que,
em momento algum, ofereceu perigo ao modelo federativo argentino. A
paradiplomacia se incrementou e se ampliou, sempre visando o desenvolvimento
local e regional, mas sem se descuidar dos interesses do Estado central.
Isto se deve a impossibilidade das províncias de invadir as disposições do
governo central, pois elas não podem celebrar atos internacionais que sejam
divergentes da política internacional e dos interesses do ente central, garantindo
assim o uso moderado do instituto paradiplomático.
Outro fato que cabe ser salientado no caso argentino, vistas as atribuições
dadas às províncias do país, é a posição de destaque que assume a municipalidade
de Buenos Aires. Esta cidade foi elevada a condição de Cidade Autônoma de
Buenos Aires, que lhe outorga, na Argentina, características únicas, já que lhe
fornecem competências de município e de província, segundo a mesma alteração da
constituinte argentina do ano de 1994, citada anteriormente. Esta condição eleva a
cidade de Buenos Aires a um patamar diferenciado na paradiplomacia, com
atribuições as quais nenhum outro município do país dispõe. Neste contexto, é
36

importante salientar que a região de Buenos Aires concentra a maioria dos fatores
produtivos do país.
O modelo Argentino é, sem dúvida, um modelo de paradiplomacia que
poderia influenciar uma futura institucionalização das atividades paradiplomáticas no
ordenamento jurídico brasileiro.
Como tratado anteriormente, no caso chileno, pode-se perceber que, mesmo
que o ordenamento político do Chile atribua exclusivamente ao ente central a
capacidade de celebrar tratados e conduzir as relações exteriores, este país não se
encontra alheio às atividades paradiplomáticas realizadas na América Latina. Este
fenômeno está amparado pelo processo de crescimento econômico, social e cultural
que o Chile vem sofrendo nos últimos anos.
Conforme Branco (2008), outros fatores, além do econômico, dão suporte e
justificam a atuação paradiplomática no Chile. Mais de uma década estes fluxos têm
se evidenciado no país, tanto no âmbito regional, como no municipal. Além de estar
integrado a vários acordos bilaterais de comércio internacional, o Chile possui um
total de 6.328 quilômetros de fronteiras. Apenas com a Argentina, ele constitui a
terceira fronteira mais larga do mundo, com 5.318 quilômetros. Mesmo que existam
desavenças políticas, pode-se citar também o intenso relacionamento internacional
do Chile com comunidades peruanas e bolivianas.

3.2.4 A Paradiplomacia na Alemanha e na Áustria

Na Europa, o processo de integração continental facilita diversas interações


internacionais, incluindo a paradiplomacia, que contribui de forma direta para
arranjos heterodoxos de relacionamento. Podemos citar o Comitê das Regiões da
União Europeia, que visa dar voz e espaço para as regiões dos países constituintes
do órgão.
A Alemanha, conforme Branco (2008), é um destaque na temática, pois
possui um órgão chamado Bundesrat – espécie de câmara dos estados
subnacionais (Länder), onde ocorre toda a discussão federativa. Esta instituição
demonstra um caráter singular de garantir na esfera constitucional a participação
dos Länder na formulação da política externa do país. Nas questões que concernem
às jurisdições dos Länder, o governo federal é aconselhado a consultá-los antes de
assumir compromissos internacionais. Isto também se dá porque, historicamente, os
37

entes subnacionais alemães detinham, desde o estabelecimento da Federação


Alemã em 1871, prerrogativas de representação externa. A situação atual da
paradiplomacia na Alemanha provém desta forte tradição independente dos seus
estados subnacionais.
De acordo com Prazeres (2004), o modelo paradiplomático alemão tem um
alto grau de sofisticação dentro das relações subnacionais, em se tratando da
formulação da política externa do país, contribuindo sensivelmente para a
democratização de sua vida política, sem comprometimento da unidade federal em
sua atuação internacional. O caso alemão é considerado como exemplo de
paradiplomacia em Estados Federais. A região mais atuante e importante da
Alemanha é a Baviera, cuja economia dantes basicamente agrícola, foi transformada
em pólo de desenvolvimento tecnológico, graças a acordos de cooperação
internacional firmados pela região.
Outro caso relevante de paradiplomacia na Europa é observado na Áustria. O
país traz uma interessante forma de paradiplomacia institucionalizada, pois, em seu
texto constitucional, confere aos seus entes federados a prerrogativa de celebrarem
tratados com Estados limítrofes, ou até mesmo com partes dos referidos Estados, ou
seja, com outros entes não centrais.
Apesar destas atribuições dos entes não centrais austríacos, as disposições
legais da constituição daquele país não dispensa a necessidade de autorização por
parte do governo central para que se concretizem os atos internacionais por eles
firmados. O governo central tem de aceitar e permitir o trâmite desde o início das
negociações até sua conclusão. Com efeito, existe um eficaz instrumento no texto
normativo austríaco voltado para o equilíbrio federativo, havendo a possibilidade de
denúncia de qualquer tratado em nível subnacional que não obedeça às premissas
constitucionais impostas pelo governo central. Em contrapartida, há um mecanismo
de solidariedade do Estado para com seu ente subnacional, no caso de necessidade
da intervenção da força maior do Estado para a consolidação de qualquer acordo ou
tratado.

3.2.5 A Paradiplomacia na França e na Suíça

Em contraponto, na Europa, encontra-se o caso francês, cuja estrutura


política é um modelo de centralização política e administrativa.O país, desde a
38

época napoleônica, foi dividido em noventa départements, cada um deles governado


por um préfet nomeado por Paris. Como salienta Branco (2008), em meados da
década de 1960, estes entes foram agrupados em 22 regiões, que tiraram proveito
de suas fronteiras com Bélgica, Itália, Alemanha e Espanha e proporcionaram às
mais importantes cidades francesas (salvo raras exceções), orçamentos maiores e
poder como nunca antes tiveram. Dentro desta análise, usamos como exemplo a
cidade de Lyon, segunda maior cidade do país e que constitui o motor da região em
expansão de Ródano-Alpes, uma das mais vigorosas regiões econômicas
europeias.
Já, a Suíça é um exemplo fora dos moldes tradicionais de confederação, já
que muito se assemelha a uma federação, embora seus membros não disponham
de soberania formal e estejam submetidos a uma constituição, que determina que as
relações exteriores sejam regidas pelo ente federal.

Mas, seus cantões devem ser considerados evoluídos na preparação


das decisões de política externa que envolvam seus interesses e
envolvam seus poderes. Os cantões suíços também podem, dentro
de sua competência, concluir tratados que não contrariem os
interesses de outros cantões ou da federação em si (BRANCO, 2008,
p. 73).

Eles possuem os traços mais marcantes da paradiplomacia transfronteiriça


(tal qual o caso Argentino supracitado), pois celebram contratos e atos internacionais
com unidades não centrais fronteiriças localizadas em diferentes Estados.

3.2.6 A Paradiplomacia na Espanha e o Caso de Barcelona

Já o caso da Espanha, segundo Kugelmas e Branco (2005), é um caso


ambíguo, pois, embora não formalmente federal, permite grande autonomia a pelo
menos três de suas unidades subnacionais: a Catalunha, o País Basco e a Galícia.
Esse modelo espanhol para as comunidades autônomas foi adotado para acomodar
os sentimentos nacionalistas de algumas regiões com claras intenções separatistas,
como no caso basco e, em menor medida, no catalão.
Apesar de o modelo funcionar com efetividade, sob a ótica política, as regras
para o âmbito econômico não são claras. É a ação internacional voluntária destas
Comunidades Autônomas que tem fomentado as discussões entre o Estado central
39

e os entes subnacionais, abrindo espaço para a ação paradiplomática destas


unidades. As mesmas regiões muito se beneficiam da presença da Espanha na
União Europeia, fazendo uso das ferramentas que a entidade dispõe dentro de sua
estrutura institucional para a ampliação de sua autonomia política e econômica.
Estas ações são muitas vezes coordenadas com unidades subnacionais de outros
países membros da UE.
Diante dos três exemplos regionais espanhóis, no caso da Catalunha, duas
correntes se complementam: uma com o objetivo de obter a independência a longo
prazo e a outra no sentido de desenvolver economicamente a região, estabelecendo
vínculos cada vez maiores com outras instituições européias. Já, no caso da Galícia,
visa-se a inserção internacional a partir do comércio, turismo e vínculo com sua
grande comunidade que vive na América Latina, concomitantemente a uma projeção
de sua identidade. No caso mais delicado, diante de seu caráter separatista, os
Bascos buscam a divulgação e maior publicidade ao seu objetivo de autogoverno e
independência política, aliando a esta causa principal um incremento nas estratégias
de acordos e integração regional de cunho comercial e financeiro com o exterior.
É ainda na Espanha que se encontra o caso mais relevante de
paradiplomacia no plano municipal: a cidade de Barcelona, capital da Catalunha.
Para Marx (2006), com os Jogos Olímpicos de 1992, a cidade conseguiu promover-
se de maneira importante no cenário internacional. Desde sua nomeação, em 1986,
como sede dos Jogos, foi traçada uma estratégia internacional de transformação,
gestão, marketing e projetos que iriam inserir Barcelona incisivamente no cenário
internacional. Além do trabalho do setor público na revitalização e adaptação da
cidade e dos investimentos do setor privado, houve um chamado à população para
que exercesse seu papel de sujeitos ativos, colaborando de forma voluntária para o
êxito do evento, o que despertou um sentimento vibrante nos seus cidadãos e
entidades.
O resultado foi um forte incremento do conhecimento de Barcelona em todos
os cantos do mundo, que resultou na atração de investidores e turistas, bem como a
vinculação de sua política interna com os acontecimentos mundiais. Depois desta
etapa inicial de inserção internacional da cidade, a administração municipal
conquistou legitimidade suficiente para liderar processos alternativos que criaram
redes e organismos para priorizar a cidade no contexto internacional. É assim que
40

Barcelona se torna protagonista de relevo na paradiplomacia municipal, ocupando


os espaços que conquistou e defendendo seus interesses municipais.

3.2.7 A Paradiplomacia na Rússia e na China

Na Rússia, o processo de crescimento de suas regiões como novos atores no


cenário internacional pode ser entendido também como um reflexo da globalização e
do regionalismo da Federação Russa. Porém, este é um caso mais delicado, sob
uma ótica geográfica, pois o tamanho da federação é enorme. Ao contrário de outros
modelos paradiplomáticos institucionalizados, na Federação Russa, a autorização,
ou mesmo tolerância, para a condução das relações internacionais por entidades
subnacionais não encontra previsão no texto constitucional, mas sim, em
instrumentos normativos de hierarquia inferior, com muito pouco relevância legal.
Conforme Lessa (2002), mesmo assim, a despeito de uma legislação que
centraliza no Estado federal as temáticas de alta política, existem previsões que
permitem aos governos subnacionais da Rússia, o exercício da paradiplomacia.
Deve-se levar em consideração a história russa e todas as áreas de conflito que
fazem parte desta região, caracterizada por diferenças e conflitos étnicos, religiosos
e nacionalistas. A abertura e incentivo, da parte de Moscou, para o exercício de
intercâmbios e contatos internacionais, visando objetivos regionais, além do
desenvolvimento econômico, tem também amenizado as tensões históricas entre
regiões e o governo central.
Outra visão que vem a contribuir para o entendimento da paradiplomacia na
Rússia, conforme nos traz Lessa (2002), é de que os avanços das atividades
paradiplomáticas da Federação possuem íntima ligação com o esforço do governo
central para evitar a “ameaça” da desintegração. A Lei sobre Coordenação de
Relações Internacionais e Comércio Exterior das Unidades da Federação Russa
estabelece o requisito da autorização para que as unidades entrem em negociação
com entidades estrangeiras, a publicação de todos os acordos firmados pelos
governos não centrais com entidades estrangeiras e a aprovação para a abertura de
escritórios de representação no exterior. Os estados ou regiões não podem concluir
acordos “que tenham status de acordo ou tratado com governos estrangeiros”; suas
atividades externas estão restritas ao comércio e às relações econômicas, ao
41

intercâmbio científico e tecnológico, aos projetos culturais, humanitários e


ambientais.
A China por sua vez, embora não seja uma democracia, nem propriamente
uma federação, tem estimulado os contatos regionais de suas unidades internas.
Conforme Noé Cornago Prieto (2004), Pequim objetiva uma maior presença
internacional da China, além de buscar crescimento econômico mais acelerado às
suas várias regiões fronteiriças e litorâneas. Um grande exemplo é o caso da
província de Guangdong, que, ao longo dos anos 1990, aproximou-se muito de
Hong-Kong, tanto econômica quanto politicamente, numa espécie de aproximação
privilegiada, que contribui para o retorno da baía ao domínio chinês. Este tipo de
política é principalmente estimulada nas regiões fronteiriças chinesas, como na
fronteira com a Rússia, que além de desenvolver a economia regional, ameniza as
lides políticas entre os países.
Finalmente, é possível citar um caso de Estado federal refratário às iniciativas
estrangeiras de seus entes subnacionais. Este país é a Índia,

detentora de uma forte centralização política, receosa em liberar as


ações de vinculação internacional de seus entes subnacionais por
conta dos conflitos étnicos, religiosos e nacionalistas de suas regiões
fronteiriças. Mesmo assim, recentemente, o governo central tem
flexibilizado a questão – tomando como parâmetro os casos da
Rússia e da China -, no intuito de estimular a economia da região e
reduzir as tensões de ordem nacionalista (PRIETO, 2004, p. 263).
42

4 A PARADIPLOMACIA NO BRASIL

Diante das mudanças e das novas demandas internacionais, impulsionadas


principalmente pela globalização, o Brasil também se caracteriza como um dos
países que apresenta práticas paradiplomáticas cada vez mais desenvolvidas.

4.1 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DOS ENTES SUBNACIONAIS BRASILEIROS

O interesse de governadores e prefeitos pelo exercício de uma vinculação e


atuação internacional pode ser identificado em situações pontuais da história
brasileira. Conforme Brigagão (2005), podemos identificar este interesse já durante o
Império, nas questões migratórias, e na República Velha, com a obtenção de
financiamento e investimentos diretos pelos estados.
Uma passagem marcante remete ao ano de 1960, quando o então
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (que reaparecerá na temática
paradiplomática alguns anos depois, como veremos), protestou contra o governo
federal por não ter participado das negociações do Brasil para a criação da
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em Montevidéu.
Outro momento histórico importante na paradiplomacia brasileira, conforme
Brigagão (2005), é a tentativa de criação da primeira da secretaria de relações
internacionais de um estado da federação (tentativa, pois a idéia não passou de um
decreto, sem efetividade). Nos preparativos do golpe militar de 1964, foi instituída a
Secretaria de Relações Internacionais no governo de Magalhães Pinto (UDN), em
Minas Gerais, e seu encarregado designado foi o então Embaixador Afonso Arinos
de Mello Franco.

O fato inédito deveu-se à articulação entre os militares e os


governadores (Guanabara: Carlos Lacerda; São Paulo: Adhemar de
Barros e Minas Gerais: Magalhães Pinto) com autoridades Norte-
Americanas que reconheceriam o Governo de Minas Gerais (e o
Estado de Minas Gerais que iria proclamar sua independência) como
representante de um novo governo do Brasil caso o golpe
fracassasse e surgisse a hipótese de uma guerra civil no país. O
golpe militar foi vitorioso e o projeto mineiro da secretaria
internacional não saiu do texto do decreto (BRIGAGÃO, 2005, p. 20).
43

Mas, a cultura e a história política brasileira demonstram uma tradição


federalista centralizadora. Conforme Vigevani (2006), isto é historicamente
explicável, diante do caráter unitário do período imperial, de 1822 a 1889, passando
pela ruptura do regime democrático em 1964, fato que reforçou o centralismo.
Porém, com o processo de redemocratização, a partir de 1985, e a constituinte de
1988, viabilizaram-se novos mecanismos para uma maior efetividade
descentralizadora e autônoma das unidades federadas, que, simultaneamente,
manteve a ação internacional nas mãos do governo central.
Diante destas mudanças no cenário político brasileiro, tornaram-se possíveis
iniciativas e estratégias de vinculação internacional por parte de governos
subnacionais do país. Neste período, Leonel Brizola, então Governador do Estado
do Rio de Janeiro, institui o primeiro órgão de articulação internacional de um ente
federado brasileiro, que veio a atuar, de fato. Outro importante exemplo de
estratégia internacional executada por um Estado federal foi o do governo de Pedro
Simon, do Rio Grande do Sul, que, em 1987, criou a Secretaria Especial para
Assuntos Internacionais.
O processo de democratização foi um dos fatores cruciais para o
desenvolvimento efetivo das ações externas dos entes não centrais brasileiros, onde
os estados federados e os municípios beneficiaram-se de medidas constitucionais
possibilitadas pela Constituição de 1988. Segundo Branco,

a Constituição da República de 1988, não institucionalizou,


definitivamente, a paradiplomacia no ordenamento jurídico pátrio.
Toda a competência internacional é atribuída à União. No entanto, o
pacto federativo previsto na Carta Política criou algumas condições
institucionais propícias para que os municípios e os estados
federados pudessem se engajar em atividades paradiplomáticas
(BRANCO, 2008, p. 86).

Como já citado em diversas passagens deste trabalho, mesmo que os entes


subnacionais brasileiros tenham sido agraciados por mecanismos que permitam sua
vinculação internacional, sua impossibilidade de celebração de tratados, ainda limita
de certa maneira esta ação internacional.
Diante do exposto, conforme Branco (2008), o Governo central brasileiro age
como formulador dos interesses nacionais globais no cenário internacional,
formulando e implementando a política externa do país, porém cede o respaldo
44

necessário para as atividades paradiplomáticas dos entes subnacionais, buscando,


na realidade, novas alternativas de promoção do desenvolvimento harmonioso,
equilibrado e sustentável, tanto em nível nacional, quanto regional ou local. Neste
contexto, os estados e municípios podem desenvolver iniciativas externas pontuais,
de caráter comercial, cultural e econômico, convergindo sempre com as diretrizes
impostas pelo governo central, sem invadir o âmbito das questões da alta política,
atribuição única do Governo Central. É nesse contexto que vem se desenvolvendo a
paradiplomacia brasileira13.
Diante de uma visão mais heterodoxa, o Estado Nacional pode, e deve,
fomentar a atuação internacional dos entes não centrais, pois a paradiplomacia pode
apoiar ou reforçar posicionamentos do país no exterior.
Mesmo que com certo desconforto da parte do Governo central e do
Itamaraty, diante das primeiras manifestações de vinculação internacional dos entes
subnacionais brasileiros, é importante ressaltar que, na mesma década de 1980,
houve a aceitação da paradiplomacia pelo governo central. Mas, conforme Carmen
Jussara Nunes,

apesar da aceitação da paradiplomacia, os entes federados


brasileiros têm pouca participação nos processos de formulação da
política externa brasileira. Mesmo no âmbito da política comercial,
uma das mais ativas frentes de política externa brasileira e de grande
importância para os estados exportadores, não há participação
desses atores nos principais foros de discussão e de decisão. As
negociações comerciais internacionais são conduzidas pelo
Itamaraty, e os Ministérios competentes (NUNES, 2005, p. 45).

Já na década de 1990, o Governo federal brasileiro buscava fomentar,


através da diplomacia federativa, a coesão das agendas internacionais de estados e
municípios com a da União, visando ter uma voz única no cenário externo. Uma das
primeiras iniciativas contundentes do Ministério das Relações Exteriores, em 1995,
foi o estabelecimento de um Escritório de Representação do Itamaraty no Rio
Grande do Sul. A concretização desta iniciativa resultou em movimentos paralelos
do Itamaraty e do governo gaúcho, onde o primeiro buscava uma maior interação

13
No Brasil principalmente na esfera do Itamaraty, usa-se o termo diplomacia federativa para tratar
da atuação internacional dos entes federados e da articulação da União para com os entes
subnacionais nas questões de política externa.
45

com os governos subnacionais e com a sociedade civil, e o segundo, maior apoio


para sua atuação internacional.
Ainda segundo Nunes (2005), no governo de Fernando Henrique Cardoso,
onde a paradiplomacia começa a ter seu reconhecimento mais explícito, ocorreu um
novo passo nesta direção. Em 1997, foi criada a Assessoria de Relações
Federativas (ARF), diretamente vinculada ao Gabinete do Ministro de Estado das
Relações Exteriores. Este órgão tinha como principal missão intermediar as
Relações entre o Itamaraty e os Governos dos Estados e Municípios brasileiros, com
o objetivo de assessorá-los em suas iniciativas externas, tratativas com governos
estrangeiros, organismos internacionais e organizações não-governamentais, além
do estabelecimento de novos Escritórios de Representação do ministério14.
No primeiro ano do governo de Luís Inácio Lula da Silva,

a ARF foi substituída pela Assessoria Especial de Assuntos


Federativos e Parlamentares (AFEPA). Seu objetivo principal
permaneceu inalterado: promover a melhor articulação entre o MRE
e outros atores governamentais, incluindo, além dos estados e
municípios, o Congresso Nacional e as Assembléias estaduais e
municipais, bem como assessorar esses atores em suas iniciativas
na esfera internacional. Os Escritórios de Representação do
Ministério trabalham em coordenação com a AFEPA, órgão ao qual
estão subordinados (NUNES, 2005, p. 45).

A partir do inicio do governo Lula ocorreram algumas iniciativas que revelaram


uma maior valorização das ações externas dos entes subnacionais brasileiros como,
por exemplo, a criação da Assessoria de Cooperação Internacional Federativa
(ACIF), junto a Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais,
vinculada à Presidência da República.
Diante de tais fatos, percebe-se que as desconfianças alimentadas no
governo central pelas primeiras práticas de paradiplomacia no Brasil, principalmente
no tocante ao posicionamento do Itamaraty, foi transformada aos poucos em
incentivo, desde que praticada em convergência com a política externa do país.
Atualmente é possível notar dois posicionamentos nas iniciativas do governo
central brasileiro em relação à paradiplomacia. Por um lado, os estados e municípios
podem apoiar a inserção da economia regional nos fluxos globais de comércio e de

14
Em novembro de 2009, havia 8 Escritórios estaduais e dois regionais, localizados em Minas
Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, além dos
Escritórios na região norte (Amazonas) e na região nordeste (Pernambuco). (BRASIL, 2009).
46

investimentos, com o apoio do governo central. Por outro, o governo central teme
que as ações externas dos entes subnacionais brasileiros possam contradizer as
diretrizes da política externa brasileira, motivando, assim, um controle das ações
paradiplomáticas, preocupação que já se mostrava existente no governo FHC
(Nunes (2005).
A história recente do desenvolvimento paradiplomático no Brasil, a partir da
década de 1980, é assim descrita por Nunes:

Desde 1983, quando Brizola criou a primeira Assessoria de Assuntos


internacionais do Rio de Janeiro, até 2004, quando ocorreram
reuniões para discutir a promoção das exportações e a cooperação
internacional federativa, a reação do governo federal face à
paradiplomacia passou do desconforto e da indiferença à aceitação
e, atualmente, à sua valorização. O governo federal vem tentando
estabelecer maneiras de incentivar a paradiplomacia e, ao mesmo
tempo, estimular que os entes subnacionais atuem em coordenação
com o MRE, procurando evitar possíveis conflitos com a política
externa do país e aproveitar as ações paradiplomáticas para inserir a
sociedade brasileira no mundo globalizado (NUNES, 2005, p. 48).

É nesse contexto que se desenvolveram diversas iniciativas paradiplomáticas


no Brasil, onde os estados federados e municípios – os quais adquiriram status de
ente federados com a Constitucional de 1988 – encontraram uma ferramenta para
seu desenvolvimento.
Como se pode perceber, trata-se de um processo extremamente rico e
complexo, que reúne tanto elementos potenciais de fragmentação quanto de
integração, de conflitos e de cooperação. No caso brasileiro, em particular, a
paradiplomacia ganha contornos e cores muito próprias, diante do próprio
federalismo, este sistema que garante autonomia política relativa e administrativa
para os entes federados, que não estão expressamente proibidos de almejar e
desenvolver sua inserção internacional, especialmente nas áreas de sua
competência exclusiva ou comum.
Cabe, entretanto, reforçar que, ao contrário de federações como Argentina,
Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Rússia e Suíça, que criaram bases
institucionais em suas respectivas constituições para que seus entes federados
atuem no campo internacional, no Estado brasileiro, boa parte dos acordos e
convênios internacionais entre unidades federadas brasileiras e homólogos
estrangeiros ainda carece, em geral, de respaldo jurídico. De fato, ainda não existem
47

competências definidas e, nem mesmo, total reconhecimento legal para as


vinculações externas dos estados federados e dos municípios.
Assim, o trabalho analisará, a seguir, exemplos de estados federados e
municípios brasileiros que evidenciam a prática paradiplomática, demonstrando de
uma maneira geral a sua atuação externa, as benesses e eventuais problemas
enfrentados pelos entes subnacionais brasileiros na sua atuação internacional.

4.2 CASOS RELEVANTES DE PARADIPLOMACIA NO BRASIL

O Brasil, assim como importantes países do sistema internacional, conta com


casos específicos - tanto no plano regional quanto no plano local - de grande
relevância no campo da paradiplomacia.

4.2.1 Principais atuações de Estados Federados: os Casos do Rio de Janeiro,


Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina.

O primeiro caso institucionalizado de um órgão de Relações Internacionais


em âmbito regional no Brasil foi concebido no estado do Rio de Janeiro pelo então
governador Leonel Brizola, que com o auxílio do politólogo Clóvis Brigagão, no ano
de 1983, fundaram a Assessoria de Relações Internacionais, junto à Secretaria de
Governo. Esta primeira instituição paradiplomática brasileira gerou certo desconforto
junto ao Itamaraty, mas com o passar do tempo o cenário mudou, como já discorrido
no presente trabalho.
Ainda no âmbito regional, a paradiplomacia do Rio Grande do Sul merece
destaque. Por diversos fatores, a prática da paradiplomacia em alguns estados
federados se desenvolveu mais, e o Rio Grande do Sul é um destes exemplos. Um
dos fatores que contribuíram para tal desenvolvimento no Rio Grande do Sul é uma
integração regional muito acentuada, particularmente com a Argentina. O Estado
gaúcho demonstra uma continuidade ao longo do tempo na sua inserção global e
regional. Foram assinados uma série de acordos com províncias e estados
estrangeiros, além da criação de protocolos de cooperação e missões comerciais. O
marco inaugural da institucionalização da paradiplomacia no Rio Grande do Sul se
dá no ano de 1987, no governo de Pedro Simon, com a criação da Secretaria
Especial para Assuntos Internacionais (SEAI).
48

Analisando-se as importantes ações desempenhadas pela Secretaria


Especial para Assuntos Internacionais,

logo em seus primeiros anos de existência, é importante mencionar a


articulação para a criação e implementação do Protocolo Regional
Fronteiriço, fruto de reuniões realizadas com representantes dos
municípios localizados ao longo da fronteira do Rio Grande do Sul
com a Argentina e com representantes das seis províncias que
integram o Crecenea Litoral. Vale registrar também o esforço da
SEAI no âmbito das relações bilaterais e na discussão da proposta
de construção do gasoduto que envolveria as regiões norte e
nordeste da Argentina e o Rio Grande do Sul. Tais experiências
podem ser consideradas atividades pioneiras da paradiplomacia no
Brasil e refletiram a posição privilegiada do Rio Grande do Sul na
condução de sua integração regional e política exterior (BRANCO,
2008, p. 94).

Conforme Nunes (2005), com o passar dos anos e influenciada por opção
políticas diferentes, no governo Antônio Brito (1995-1998) aconteceu a fusão da
Secretaria Especial para Assuntos Internacionais com a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico (Sedes), originando a Secretaria de Desenvolvimento e
Assuntos Internacionais (Sedai)15. Em certa medida, é possível afirmar que as
atividades referentes às relações internacionais e os processos de integração
regional reduziram-se sensivelmente no período em questão.
Apesar da grande desenvoltura das ações paradiplomáticas do Rio Grande do
Sul, houve uma certa estagnação das atividades da Secretaria de Desenvolvimento
e Assuntos Internacionais . Associa-se tal estagnação com a acentuação da crise do
Mercosul a partir de 1999, retirando a prioridade de integração da agenda da Sedai
e do governo estadual. A prioridade das relações internacionais passou a ser a
procura de novos mercados para a produção industrial e agrícola, levando a
Secretaria a desenvolver ações específicas nesse sentido.
Prosseguindo no âmbito estadual, a análise da participação do estado de São
Paulo na política internacional é de suma importância, dada sua condição de ente
federado que apresenta o maior grau de desenvolvimento e a maior contribuição ao
Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Como salienta Branco (2008), apesar da importância econômica do Estado de
São Paulo para o país, a participação internacional do ente subnacional é um tanto

15
Secretaria a qual o autor desta dissertação desenvolveu estágio acadêmico não curricular, no
período de dezembro de 2007 a agosto de 2008.
49

tímida, se comparada com outros entes da federação. É possível elaborar algumas


explicações que justificam esta pouca participação do governo paulista nos
processos de integração regional, sobretudo em relação ao Mercosul, e na política
internacional como um todo.
A hipótese que mais sustentação fornece para a atuação low profile do estado
de São Paulo na participação internacional estaria relacionada à falta de motivação
direta. Isto se justifica pela própria atuação do governo central, da sua área
diplomática, bem como da maior parte dos ministérios, que contemplam a maior
parte dos interesses da economia. A falta do ordenamento jurídico de fato, regido
por um entendimento doutrinário que desconsidera a atuação internacional por entes
subnacionais, é um fator contribuinte para a pouca participação do estado de São
Paulo em políticas exteriores próprias.
Ainda assim, conforme Brigagão (2005), no governo de Orestes Quércia
(1987-1991), houve demonstrações de preocupação com assuntos internacionais.
Efetivamente, o governo Quércia incorporou parcialmente a questão internacional
em sua gestão. Apesar da inexistência de uma orientação estratégica, houve
importantes avanços, notadamente em razão de uma nova postura frente ao novo
modelo de economia global. Foi dada nova ênfase ao desenvolvimento de
equipamentos de infra-estrutura (transporte rodoviário e ferroviário), para favorecer a
atração de empresas, principalmente as multinacionais, como forma de dinamizar o
programa governamental de interiorização de desenvolvimento.
Durante o governo de Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1995), os assuntos
externos regionais ganharam mais força, com a criação da Assessoria Especial de
Assuntos Internacionais. A partir daí, a preocupação com as questões internacionais
aumentaram sua presença no governo paulista, estendendo-se a outras secretarias.
O governo de Mário Covas (1995-2000) representou um avanço no
tratamento das relações internacionais, principalmente em ações voltadas ao setor
de turismo, haja vista a criação de representações oficiais do estado de São Paulo
em Nova Iorque e Buenos Aires. O tema adquiriu mais importância ainda na gestão
seguinte, no governo de Geraldo Alckmin (2001-2006), com variadas iniciativas
voltadas à inserção competitiva do estado na economia global.
O estado de Santa Catarina merece igualmente uma atenção especial na
questão da paradiplomacia. Fatores como uma formação histórico-cultural marcada
pela contribuição de importantes contingentes de descendentes de imigrantes
50

alemães, italianos, portugueses e de outras etnias em sua população, o fato de ser


um grande estado exportador brasileiro, fez com que o estado de Santa Catarina
viesse a ter uma destacada inserção internacional.
Todos os resultados positivos até agora alcançados, contam com uma grande
contribuição do empresariado catarinense, das agências de fomento estaduais, além
do eficiente trabalho das universidades e dos diferentes segmentos da sociedade
civil.
Efetivamente, o estado de Santa Catarina conta com a Secretaria da
Articulação Internacional, criada em 2003, com o Conselho Estadual de Articulação
do Comércio Exterior, órgão de deliberação coletiva e de ampla representatividade,
vinculado à referida Secretaria, que orienta a política estadual de comércio exterior,
visando à inserção competitiva dos produtos e serviços catarinenses no mercado
internacional.

4.2.2 Principais Atuações de Municípios: A Paradiplomacia da Cidade de São


Paulo.

Passando ao plano municipal, o Brasil dispõe de exemplos valorosos de


práticas paradiplomáticas em diversos municípios. Assim como o exemplo do estado
de São Paulo, a sua capital, a cidade de São Paulo tem um papel de grande
importância no tema. Conforme citam Abreu e Querubin (2009), a cidade é
considerada o mais importante pólo de conexão da economia brasileira com fluxos
globalizados de capital, desempenhando funções de centro financeiro, sede de
grandes corporações transnacionais e base de complexas redes de serviços
modernos de alta especialização, nas quais se apóiam as principais transações
globais do país. Isto decorre, conforme Rodrigues (2009), pelos números
expressivos apresentados pela cidade, que conta com mais de 11 milhões de
habitantes e com participação de mais de 10% no PIB brasileiro.
É em São Paulo que estão localizadas 63% das multinacionais estabelecidas
no país, a sexta maior bolsa de valores e a segunda maior frota de helicópteros do
mundo, entre tantos outros exemplos. De acordo com Veras (1999), nota-se,
conforme os dados supracitados, que a cidade de São Paulo constitui o mais
importante pólo de conexão da economia brasileira com fluxos globalizados de
capital.
51

Em contrapartida, apesar de São Paulo apresentar características que a


definem como cidade global, vale ressaltar que, por fazer parte de um país em
desenvolvimento, e devido à concentração de pessoas e renda, a maior metrópole
brasileira apresenta diversos problemas que se fazem presente atualmente em
outras grandes metrópoles. Diante deste panorama, a cidade reflete hoje a situação
social de um país que combina atraso com modernidade, o que pode, a sua
maneira, ser um dos propulsores da necessidade de usar a paradiplomacia como
alternativa a demandas diversas.
É neste contexto que é criada a Secretaria de Relações Internacionais do
Município de São Paulo (SMRI), como sendo um dos órgãos da Prefeitura que, por
meio dos aparatos paradiplomáticos, busca a inserção, atração de investimentos e
captação de recursos no cenário internacional globalizado.
Para Abreu e Querubin (2009), pelo menos desde o governo de Luísa
Erundina (1989-1992), a cidade desenvolve ações externas. No governo em
questão, a Assessoria de Relações Internacionais estava localizada na Secretaria de
Negócios Extraordinários e era coordenada pelo economista Ladislau Dowbor.
Porém, é na gestão de Marta Suplicy, que, no ano de 2001, foi criada a Secretaria
Municipal de Relações Internacionais, objetivando projetar a cidade de São Paulo no
cenário internacional, atrair negócios e investimentos para o município, captar
recursos para a cidade e conduzir a diplomacia institucional da cidade.
Todavia, Abreu e Querubin ressaltam que:

No final da gestão de Marta Suplicy, quando José Serra se elege


prefeito, houve a pretensão de diminuir o número de secretarias da
Prefeitura, eliminando algumas seções e, até mesmo, agrupando
outras. Uma que deixaria de existir será a SMRI. Porém, um dos
fatores que contribuíram para sua manutenção foi a publicação de
um artigo na Folha de S. Paulo, de autoria de Jakobsen, que não
apenas defendia a necessidade de sua existência, mas também
demonstrava sua importância e enumerava todos os projetos já
encaminhados e realizações concretas. Por exemplo, a captação de
uma verba de 7,5 milhões de euros da União Européia para serem
investidos num projeto de revitalização do centro da cidade. Com
isso, a permanência da SMRI tornou-se necessária, e o novo prefeito
decidiu mantê-la na estrutura de seu governo (ABREU; QUERUBIN,
2009, p. 161).

Após alguns anos de existência, a Secretaria encontra-se bem estruturada e


exporta seu modelo para outras cidades brasileiras e também do exterior,
52

auxiliando-as no processo de estruturação de órgãos específicos de paradiplomacia.


Não apenas a cidade de São Paulo, mas também a SMRI ganha cada vez mais
credibilidade no cenário internacional. Tal projeção se deve à freqüência com que
grandes eventos internacionais têm sido organizados e sediados pelo município.
Um exemplo da atividade internacional da cidade é a captação de recursos
junto à União Europeia (UE), no valor de 7,5 milhões de euros no ano de 2003, para
serem investidos num projeto de revitalização do centro da cidade. Outro exemplo,
foi a criação de laços com municípios considerados cidades-irmãs e a consolidação
de acordos importantes de financiamento a fundo perdido e de investimentos com
instituições como o Banco Mundial, a Habitat/ONU, o BID e a UE.
A cidade de São Paulo também foi escolhida pela União Européia, por
intermédio de seu programa de cooperação descentralizada, a rede URB-AL, para
executar a Rede 10, que visa lutar contra a pobreza. Por meio do programa URB-AL
são repassados recursos para as cidades escolhidas para coordenar os projetos.
Além de estabelecer uma parceria inédita com a UE, a cidade acumulou
considerável experiência na urbanização de favelas, inclusão digital e assistência
social, se destacando ao redor do mundo também como referência em práticas de
combate à pobreza urbana e inclusão social.
Por ser a maior cidade da América do Sul, e caracterizada como capital dos
negócios da região, São Paulo ocupa posição privilegiada nas suas relações
paradiplomáticas, usando esta estrutura a serviço da captação de investimentos e
geração de empregos, criando canais bilaterais de cooperação que já propiciaram
muitos projetos conjuntos com Nova Iorque e Paris na área ambiental, por exemplo.
Além do intercâmbio freqüente de experiências, como a participação na Expo
Shaghai no ano de 2010 e no C40 (Climate Leadership Group), no ano de 2011, a
cidade lançou recentemente sua candidatura, com projeto Expo São Paulo, ao posto
de cidade-sede da grande feira mundial para o ano de 2020.
A SMRI assume igualmente a função de assessoria para empresários e, em
alguns casos, para missões diplomáticas, que, além de lhes encaminhar aos setores
que coincidam com seus interesses comerciais, ainda lhes garante comodidades em
regiões da cidade já estruturadas por meio do programa São Paulo, Stay Another
Day. Assim, em uma cidade tão socialmente desigual como São Paulo, em que
alguns setores sociais encontram-se desfavorecidos, uma potencial fonte de
53

captação de recursos como a SMRI, volta-se, principalmente, para os que precisam


menos de assistência.
Diante dos fatores que fundamentam a política de vinculação externa da
cidade de São Paulo, fica demonstrado claramente que a atuação da SMRI contribui
para a inserção da cidade de São Paulo no âmbito internacional atual. Também
cabe salientar que, devido à complexidade do município, a Secretaria encontra-se
envolvida em diversos projetos que, em sua maioria, ajudam no desenvolvimento da
cidade como um todo, ressaltando a importância das relações internacionais para o
município.

4.2.3 A Paradiplomacia Municipal de Santos e Curitiba

Ainda no estado de São Paulo, outro exemplo importante de paradiplomacia


está no município de Santos, que em razão de sua posição geográfica, adquiriu um
relevante papel internacional como maior porto brasileiro e da América Latina.
Analisando sua trajetória, conforme Oliveira (2009), percebe-se que o vilarejo de
Santos nasceu em virtude da instalação de um porto na região, feito por Brás Cubas
em meados de 1540, que, em pouco tempo se tornou o principal elo comercial entre
as vilas de São Vicente e Santos e os reinos de Portugal e Espanha.
Por esse motivo, a atuação internacional de Santos sempre foi voltada para
os negócios portuários, o que acabou por determinar a presença de estruturas
auxiliares a essa atividade, como a dos estabelecimentos ligados ao comércio
internacional, das agências de importação e exportação, das corretoras e dos
representantes de companhias de navegação, além de inúmeros consulados16. Essa
estrutura também impulsionou a vinda de pessoas e autoridades estrangeiras à
cidade, bem como a vinculou, de certa forma, aos acontecimentos internacionais.
Os negócios do café, que movimentam a cidade em virtude do porto, foram
exemplos fiéis da dependência de Santos em relação ao cenário internacional, cujo
ápice e declínio foram fortemente determinados por decisões externas. A atividade
portuária contribuiu de modo direto para a dependência internacional da cidade e, de

16
Conforme a assessoria de relações internacionais do município, a cidade abriga os consulados
de Portugal, Paraguai, Panamá e os consulados honorários da Alemanha, Espanha, Estônia,
França, Grã-Bretanha, Grécia, Países Baixos, Itália, Noruéga e Uruguai. Disponível em:
<http://www.santos.sp.gov.br/relacoesinternacionais/>. Acesso em: 23 abr. 2013.
54

forma indireta, serviu como pano de fundo para que outros contatos surgissem, uma
vez que Santos foi a cidade brasileira que primeiro recebeu imigrantes no país.
Conforme Oliveira (2009), embora o contato com outras localidades fosse
comum desde suas origens, apenas a partir da década de 1970, foi que Santos
passou a oficializar suas relações internacionais, ocasião em que firmou o primeiro
convênio de cidades-irmãs, motivado pela afinidade da colônia japonesa, visando
oficializar e proporcionar um ambiente harmonioso, duradouro e de bom
relacionamento entre as partes.
Apesar de os convênios constituírem o meio mais visível às atividades
internacionais, Santos também utiliza outros mecanismos para efetivar ações no
contexto da paradiplomacia. Uma ferramenta eficaz para se manter contatos com os
pares estrangeiros utilizada pelo município é a sua inserção nas redes de cidades e
sua paradiplomacia multilateral. Nesse sentido, a cidade participa de redes como a
Mercocidades, Associação de Cidades Portuárias e da URB-AL/UE, além da
participação em eventos internacionais.
A importância do cenário internacional na história da cidade de Santos fez
com que, no ano de 2005, fosse criada uma Assessoria de Relações Internacionais,
durante o governo de João Paulo Tavares Papa (PMDB, 2005-2013), onde o órgão
se capacitava para atividades ligadas ao intercâmbio de políticas públicas e acordos
de cooperação técnica com entidades, órgãos e cidades do exterior e à ampliação
de parcerias com outras cidades estrangeiras.
Outro exemplo expressivo da paradiplomacia local no Brasil é o da cidade de
Curitiba, tido como a vitrine brasileira no quesito ambiental. A conquista desse
patamar de qualidade de vida superior concomitante ao desenvolvimento
sustentável que delega grande prestígio à cidade, como analisado por Rodrigues, é
resultado de alguns fatores como:

O planejamento urbano, que foi sem dúvida, a marca impressa na


cidade, trabalho institucional iniciado com a criação do Instituto de
Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), em 1965, e
que conquistou reconhecimento internacional no início dos anos
1990, com a terceira administração de Jaime Lerner (RODRIGUES,
2004, p. 455).

Tal reconhecimento foi relatado no jornal Folha de São Paulo, no ano de


1995, afirmando que
55

Curitiba é, possivelmente, um dos casos mais bem sucedidos de


referencias em publicações acadêmicas internacionais e no circuito
das organizações internacionais do sistema da ONU. Tornou-se o
exemplo mais bem acabado das best practices no campo ambiental
(FOLHA DE SÃO PAULO apud RODRIGUES, 2004, p. 455).

Em uma obra publicada pela ONU sobre cidades, Jonas Rabinovitch 17


apresenta Curitiba como uma história de planejamento urbano de sucesso e afirma
que os números expressivos apresentados pela cidade podem servir de lição para
urbanistas tanto no mundo industrializado, como no mundo em desenvolvimento.
Como conseqüências positivas de sua excelente reputação internacional no
campo do planejamento urbano, Bogea (2001) ressalta que esta cidade assessora e
presta consultoria internacional, como no caso da reconstrução da cidade de Dili,
capital do Timor Leste, quando arquitetos do IPPC/Curitiba foram convidados pelo
Banco Mundial para integrar a missão da ONU.
É com essa afirmação estruturada na década de 1990 que, no início dos anos
2000, Curitiba tornou-se a primeira cidade brasileira a entrar no ranking de
classificação de risco de crédito da Moody’s18, tendo recebido avaliação positiva em
sua estréia.

4.2.4 A Paradiplomacia de Porto Alegre

O município de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, estado com forte
envolvimento na paradiplomacia, merece igualmente destaque.

O modelo paradiplomático de Porto Alegre pode ser descrito em três


fases: o progresso interno, tanto no aspecto político, como no
econômico; o Mercosul como uma prioridade política; e a realização
do Fórum Social Mundial em 2001 (MARX, 2006, p. 59).

As relações internacionais da cidade são baseadas em dois pressupostos:


legitimar a participação popular na governança e captar recursos internacionais para
a cidade. A participação popular (Orçamento Participativo) e as relações
17
O urbanista brasileiro Jonas Rabinovitch é mais conhecido em Glasgow, Nice, Palermo ou
Atlanta do que no Brasil. Ele é uma autoridade mundial em cidades. Sua atuação como
coordenador do Fórum Internacional de Prefeitos da Organização das Nações Unidas (ONU) e
uma reportagem de capa que escreveu sobre Curitiba para a revista Scientific American fizeram
dele um foco de referência mundial sobre urbanismo e administração municipal.
18
É uma agência internacional de notas de crédito que goza de destaque no ramo. Ver mais em
<http://www.moodyskmv.com/>.
56

internacionais do município coincidem em seu início, no ano de 1989, quando eleito


o Partido dos Trabalhadores (PT) para a Prefeitura de Porto Alegre. Mas, foi no
segundo mandato do PT (1993-1996) que a cidade de Porto Alegre desenvolveu
suas funções paradiplomáticas. No decorrer deste período, o Orçamento
Participativo (OP) foi reconhecido como uma das melhores práticas de gestão do
mundo e ganhou respeito e legitimidade.
Em razão desta situação, organismos internacionais, como o BID e o Banco
Mundial, têm investido nos grandes projetos da cidade. Esta é um exemplo de como
a política internacional de uma cidade pode influenciar sua situação política interna,
o que demonstra, de fato, a eficácia da paradiplomacia como ferramenta de
desenvolvimento externo e também interno. Mas, conforme Marx (2006), a cidade de
Porto Alegre celebrou seu ápice nas relações internacionais quando foi escolhida
por movimentos sociais de todo o mundo para sediar, no ano de 2001, o Fórum
Social Mundial. Depois de mais de cinco anos de trabalho na área internacional para
gerar o reconhecimento da prática do Orçamento Participativo e mais de onze anos
de consolidação dessa experiência, o Fórum Social Mundial foi celebrado no ano de
2001 em Porto Alegre.
Como afirma Vanessa Marx, o evento demonstrou que:

A utopia do projeto político de Porto Alegre, que buscava uma maior


igualdade social dentro do contexto desigual brasileiro, tem sido
reconhecida no mundo como a cidade que tem conseguido resistir à
globalização neoliberal e que tem buscado um projeto distinto com a
participação dos cidadãos na gestão da cidade. A utopia interna se
transforma em utopia externa19 (MARX, 2006, p. 62).

Com a eleição do prefeito José Fogaça, em 2004, a ênfase dada às relações


internacionais sofreu certo decréscimo, mas foi mantido o Orçamento Participativo e
o Gabinete Extraordinário de Captação de Recursos e Investimento (CAPTARE)20,
todos os programas oriundos do governo PT. Já no seu segundo mandato, o prefeito
José Fogaça atribuiu maior importância às relações internacionais do município e,

19
No original: “la utopía del proyecto político de Porto Alegre, que buscaba una mayor igualdad
social dentro del desigual contexto brasileño, ha sido reconocida en el mundo como la ciudad
que ha conseguido resistir a la globalizacion neoliberral y que há buscado um proyecto distinto
com la participación de los ciudadanos em la gestión de la ciudad. La utopia interna se
transforma en utopia externa”. Tradução do presente autor.
20
Órgão municipal onde o autor desenvolveu estágio acadêmico não curricular no período
compreendido entre setembro de 2008 e janeiro de 2009.
57

no ano de 2008, com a extinção do CAPTARE, criou no início do ano de 2009, a


Coordenação de Relações Internacionais do Município de Porto Alegre, órgão
atrelado à Secretaria de Coordenação Política e Governança Local, secretaria
responsável pelas temáticas do OP e de governança municipal, agora tendo as suas
ações externas, assim como todas as relações internacionais da Prefeitura de Porto
Alegre, centralizadas na Coordenação de Relações Internacionais do Município.
58

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou, de forma descritiva e monográfica, os


fenômenos mais importantes da paradiplomacia, sobretudo as relações
internacionais desenvolvidas pelos denominados governos não centrais ou entes
subnacionais. O autor buscou expandir o interesse pela temática da paradiplomacia
no meio acadêmico, sobretudo no Brasil.
O principal objetivo do trabalho, como se salientou na Introdução, foi o de
estudar o desenvolvimento da paradiplomacia pela abordagem da interdependência
complexa, referindo-se à globalização como o principal fator propulsor das relações
internacionais dos entes subnacionais. Também foi apresentado de maneira sucinta,
devido à importância da temática, mesmo não sendo o objeto principal do estudo, a
paradiplomacia empresarial, prática comum das empresas transnacionais,
fortalecida nesta época de mercados cada vez mais globalizados e interligados, pela
necessidade de expansão e difusão das grandes empresas. O fenômeno da
globalização exerceu nestes casos forte influência.
Procurou-se, no decorrer da dissertação, ilustrar e explicar, na medida do
possível, como o fenômeno da paradiplomacia se tornou comum em diversos países
do mundo, como se desenvolveu e como repercutiu na política destes países. Para
isto, foram apresentadas, em linhas gerais, diversas experiências paradiplomáticas
no mundo, com ênfase nos casos de maior relevância.
Devido à importância do Brasil no âmbito internacional, um capítulo em
particular foi dedicado para tratar da atuação internacional dos entes subnacionais
brasileiros, onde a partir de uma breve retomada histórica, buscou-se analisar o
desenvolvimento do fenômeno paradiplomático no país, com exemplos específicos
de estados e municípios brasileiros que merecem destaque no campo da
paradiplomacia.
À luz dos casos de paradiplomacia apresentados no trabalho, é possível
afirmar a existência de uma relação positiva entre o desenvolvimento desta prática
dos entes subnacionais em países com democracia consolidada ou recentemente
democratizados. Este fenômeno se verifica devido à diminuição da centralização do
poder, típica dos regimes autoritários. Este ocorreu no Brasil a partir dos década de
1980, período de sua redemocratização, onde floresceram as experiências
paradiplomáticas de estados federados e municípios.
59

Outro fator que possibilita um ambiente vantajoso para as práticas


internacionais dos entes subnacionais - quer sejam regiões, estados federados ou
municipalidades – são os processos de integração regional, como é o caso do
Mercosul e, principalmente, da União Europeia. A cultura descentralizadora que
passa a se estabelecer nos Estados que vivenciam um processo de integração
regional, bem como a existência crescente de instituições supranacionais nestes
blocos, contribui decisivamente para que os processos de ação paradiplomáticas
ganhem espaço e credibilidade junto aos Estados centrais, mesmo naqueles com
forte histórico centralizador, como a França.
Um terceiro fator que facilita sobremaneira a ação paradiplomática é o
federalismo, por motivo óbvio, a própria existência formal de governos subnacionais.
Todavia, esta constatação há que ser nuançada nos casos das existência de
ditaduras e/ou de forte tendências separatistas nos países federativos. Aliás,
tendências separatistas ou autonomistas também são catalisadores da
paradiplomacia, mesmo que encontrem oposição acirrada dos governos centrais.
Finalmente, os interesses econômicos e a busca de prestígio internacional
constituem fortes incentivos à paradiplomacia, sobretudo de municipalidades que
sediam grandes eventos internacionais, como Barcelona e Porto Alegre.
A paradiplomacia, ao redor do mundo, vem sendo uma ferramenta de
desenvolvimento econômico, social e político de diversos entes subnacionais, que,
independentemente do Estado central ao qual pertencem, buscam vantagens no
âmbito externo para problemas localizados e geralmente particulares. Porém, esta
prática tem sido pouco estudada e difundida. Assim, embora de maneira descritiva, o
presente trabalho buscou contribuir para que se compreenda melhor a
paradiplomacia e sua real importância para estados não centrais.
O interesse maior do autor se baseia na ainda minoritária produção científica
no campo das relações internacionais sobre esta temática de grande relevância para
nossa área acadêmica. Do ponto de vista concreto, é possível notar em diversos
países, e em suas unidades subnacionais, o crescimento, a importância e a
efetividade da prática da paradiplomacia, bem como da ação empresarial neste
campo. Embora seja difícil chegar a conclusões indiscutíveis a respeito do tema, por
sua complexidade variedade, a importância e a valorização da paradiplomacia
podem ser reconhecidas neste trabalho.
60

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