Eron Da Silva Rodrigues
Eron Da Silva Rodrigues
Eron Da Silva Rodrigues
RIO GRANDE - RS
2017
ERON DA SILVA RODRIGUES
RIO GRANDE– RS
2017
Ficha catalográfica
CDU 504:37
Catalogação na Fonte: Bibliotecário Me. João Paulo Borges da Silveira CRB 10/2130
ERON DA SILVA RODRIGUES
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Roberto da Silva Machado (Orientador)
__________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Arriada (UFPEL)
________________________________________________
Prof. Dr. Gianpaolo Knoller Adomilli (FURG)
“Nós nos negamos a escutar as
vozes que nos advertem: os sonhos do
mercado mundial são os pesadelos dos
países que se submetem aos seus
caprichos. Continuamos aplaudindo o
seqüestro dos bens naturais com que
Deus, ou o Diabo, nos distinguiu e
assim trabalhamos para a nossa
perdição e contribuímos para o
extermínio da escassa natureza que
nos resta.” Eduardo Galeano
DEDICAÇÃO:
Dedico esta etapa da minha vida, para as quatro mulheres que me deram
forças e suporte para chegar até aqui:
Alzira da Silva Rodrigues, avó guerreira de todas as horas que nos deixou
muito cedo e a quem dedico amor eterno.
Lia Aguirre Rodrigues, filha recém-chegada que amo de forma única e que
me faz querer lutar por um mundo melhor e menos injusto.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Carlos Machado, sem o qual este trabalho não teria sido
possível.
Aos amigos queridos, que estão sempre por perto nos momentos bons e
ruins: Fernanda Santos, Luiz Paulo Soares e Tiago Costa.
Este trabalho apresenta como se dá o mito da cidade do Rio Grande como sendo
fundada e povoada unicamente por europeus açorianos. Nesta pesquisa,
apresentamos os conflitos socioambientais presentes na região, conflitos estes que
entendemos como consequência da construção de um discurso hegemônico que
nega e marginaliza outros grupos como: os pobres, os negros e os indígenas. Para
embasar os levantamentos feitos neste trabalho, apoiamo-nos no método
regressivo-progressivo de Henri Lefebvre, realizamos uma análise histórica em
documentos da prefeitura de Rio Grande, jornal local, livros didáticos, dados e
apontamentos levantados por pesquisadores do observatório dos Conflitos, sendo
através deste método e de seu pesquisador, que apontamos que os que possuem
lugar cativo nos espaços formadores de opinião da cidade, são os “heróis, os
desbravadores, os conquistadores” em detrimento daqueles que são colocados às
margens dos livros, das escolas, dos discursos da mídia. Entendemos que isso se
dá devido a uma ideia de pensamento colonial que continua arraigado nos discursos
de gestores municipais, de pesquisadores, de parte dos professores e dos
jornalistas rio-grandinos. Sendo assim, entendemos que tal realidade tem
corroborado por mais de dois séculos para a desigualdade socioambiental, que tem
sido marca histórica da região desde sua povoação organizada e arquitetada pelos
colonizadores portugueses.
Este trabajo presenta cómo se da el mito de la ciudad de Rio Grande, como si esta
fuera fundada y poblada únicamente por europeos azorianos. En esta investigación,
presentamos los conflictos socioambientales en la región, conflictos que entendemos
como consecuencia de la construcción de un discurso hegemónico que niega y
marginaliza otros grupos como: los pobres, los negros y los indígenas. Con base a
los levantamientos hechos en este trabajo, nos apoyamos en el método regresivo-
progresivo de Henri Lefebvre, realizamos un análisis histórico en documentos de la
alcaldía de Rio Grande, periódico local, libros didácticos, datos y apuntes levantados
por investigadores del observatorio de los Conflictos, siendo a través de este método
y de su investigador que señalamos que aquellos que poseen un lugar privilegiado
en los espacios formadores de opinión de la ciudad, son los "héroes, los
exploradores, los conquistadores" en detrimento de aquellos que son puestos al
márgen de los libros, de las escuelas y de los discursos en los medios de
comunicación. Entendemos que esto se debe al pensamiento colonial que continúa
arraigado en los discursos de gestores municipales, de investigadores, así como por
parte de los profesores y de los periodistas riograndinos. De esta manera,
entendemos que tal realidad ha corroborado por más de dos siglos la desigualdad
socioambiental, que ha sido la marca histórica de la región desde su población
organizada y concebida por colonizadores portugueses.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 11
1.3. Terceiro exemplo: o livro didático como ferramenta auxiliar para a construção de um
discurso que marginaliza ................................................................................................................... 36
INTRODUÇÃO
1
Para saber mais sobre o observatório ir em: < http://observatoriodosconflitosrs.blogspot.com.br/> .
2
“o Programa de Bolsa Permanência – PBP é uma ação do Governo Federal de concessão de auxílio
financeiro a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de
vulnerabilidade socioeconômica e para estudantes indígenas e quilombolas”. Ministério da Educação,
Disponível em <http://permanencia.mec.gov.br/index.html>.
3
Projeto financiado pelo CNPq/MDS (2012-2013).
12
chamavam mais atenção eram aqueles relacionados aos conflitos ligados ao espaço
rio-grandino; principalmente aqueles que evidenciavam as desigualdades acerca da
utilização da terra e os diferentes atores envolvidos que, em sua maioria, estavam
em vulnerabilidade social. E neste processo, e aliado a esses conflitos mapeados
pelo observatório, foi se formando questionamentos acerca dos discursos de uma
história da cidade do Rio Grande como portuguesa/açoriana. Discursos estes que se
difundem na universidade, na história militar4 e política, nos jornais, nas escolas do
município do Rio Grande, ou seja, um discurso uniforme e discriminatório que nega
e marginaliza outros grupos sociais5.
Com isso, os que possuem lugar cativo nos espaços formadores de opinião
e dos historiadores da cidade8, são os “heróis, os desbravadores, os conquistadores”
em detrimento daqueles que são colocados às margens nos livros, nas escolas e
nos discursos da mídia. Nessa construção de discursos dos heróis, dos vencedores,
percebemos a importância de se contrapor e de se ocupar espaços que permitam
novas formas de entender os processos históricos que constituíram a população
brasileira, rio-grandense e rio-grandina. Acreditamos que ao permitir que se continue
falando e contando a história sem seu contraposto (excluídos, explorados,
injustiçados, dos de abajo9 ou dominados, etc.), permitimos que os que perpetraram
ou se beneficiaram com as consequências de tais desigualdades ambientais e
sociais continuem contando, apenas a sua versão, mas principalmente, que a
mesma se mantenha sustentável, e se reproduza de forma permanente 10.
8
Que é o caso do jornalista Willy César, historiador da cidade e contador da história de personagens
das elites da cidade como é o caso do fundador da refinaria Ipiranga; mas também, na atual obra
sobre a cidade onde depois de mais de 500 páginas suas conclusões são o de refutar de: de que a
praia do cassino não é maior do mundo, não foi Silva Paes que chegou primeiro em Rio Grande.
9
Dissertação de mestrado de Bruno Emilio: REFLEXÕES POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
DESDE BAIXO: O COTIDIANO DAS COMUNIDADES UTÓPICAS. 2016
10
No Brasil atual temos o exemplo claro disso, onde uma presidenta eleita democraticamente foi
impedida de exercer o cargo de governante do país por golpistas – elites dos bancos, agronegócio,
empresários e políticos corruptos diversos com apoio internacional, na justiça e das polícias – na
defesa e radicalização de seus próprios interesses (1%), colocando cerca de 200 milhões de
habitantes num clima de insegurança e medo.
14
11
Ver em: São José do Norte (RS/Brasil): Meio Ambiente como mercadoria. Disponível em
<http://www.portaldepublicacoes.ufes.br/geografares/article/view/11991/10385>. Acesso Fev. 2017
15
Aproximação metodológica
12
Diferente, no entanto, da seguinte compreensão: “A História, definida como espelho plano em que
se reflete o passado”, ou “a vida de uma sociedade se desenvolveu e seguiu normalmente seu curso”
(p.18), e de que, “por um processo espontâneo, as ideias de um povo (...) fundem-se numa única
resultante” (p.19), por exemplo. Ver. Francisco de Paula Cidade, Síntese de três Séculos de Literatura
Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1998. (1º edição limitada e revista
pelo autor).
16
13
O “real é relacional” (Bourdieu, 2001), e diríamos conflitivo também.
17
14
Em tal história se busca a identificação com os brancos portugueses e lusos, portanto os
dominadores e conquistadores, saqueadores e exploradores portugueses viram os heróis, pois em
luta contra os inimigos de além “fronteira”, por parte de quem lê, e assim, nos colocando como parte
desta família e mito; já no presente, tal história e mito reforçam os estereótipos de uma história
branca, sem conflitos (exceção daqueles políticos e militares contra os espanhóis, e, portanto
justificador do domínio geopolítico português naquela época), sem classes, grupos e setores sociais
preteridos do/no uso e/ou na desigual apropriação dos “benefícios” desta terra.
20
Também foi possível observar uma forte onda de migração estrangeira, que
passara igualmente a servir como mão de obra para as empresas do setor da
indústria naval instaladas na cidade. Spolle e Fabres nos dizem que
15
Por que histórico: pois para garantir a unidade contra o inimigo, no caso os espanhóis ou os
saqueadores e estupradores dos inimigos (pois, existiam os saqueadores e estupradores amigos, não
seriam alguns de nossos heróis da cidade?). Tal história ainda deverá ser resgatada!
16
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=msOEoqTW-hA>. Acessado em abril de 2016.
17
O número de visualizações do referido vídeo, constava com 77.450 visualizações em abril de 2016;
em inícios de fevereiro de 2017, passava de 79 mil, das quais 617 curtiram e, apenas 75 se
manifestaram em contra.
22
18
O dicionário Aurélio traz três significados para a palavra: 1.Personagem, fato ou particularidade
que, não tendo sido real, simboliza não obstante uma generalidade que devemos admitir; 2. Coisa ou
pessoa que não existe, mas que se supõe real; 3.Coisa só possível por hipótese; quimera.Disponível
em <https://dicionariodoaurelio.com/mito > Acesso em Abr. 2016.
25
19
Folheto produzido pela Prefeitura Municipal do Rio Grande para a promoção do Programa de
Educação Patrimonial, onde é apresentada uma breve história do surgimento da cidade do Rio
Grande, legitimando um discurso de descendência exclusiva açoriana.
26
20
E que estas disputas continuaram pós o período de 1737 (“fundação da cidade do Rio Grande”) e
que terminariam somente a assinatura de diferentes Tratados internacionais, como os Tratado de
Madri (1750) e o Tratado de SantoIldefonso (1777).
21
Negros estes que já faziam parte dos primeiros relatos de expedição de ocupação do território do
Brigadeiro José da Silva Paes.
22
Questões estas (famílias tradicionais, de descendência exclusiva europeia), que se veem tão
fortemente nos diferentes discursos de poder da cidade, que serão exemplificadas no decorrer deste
trabalho.
27
FONTE: Elaborado pelo autor, através do acesso on line no site do Estado do RS.
23
Disponível em < http://www.jornalagora.com.br/site/content/o_jornal/index.php>. Acesso em Jan.
2017
24
Disponível em < http://influence.com.br/releases_detalhe.asp?id=401&clienteid=59>. Acesso em
Jan. 2017
25
Disponível em <http://www.jornalagora.com.br/site/content/anuncie/index.php>. Acesso em Dez.
2016
26
O caderno mencionado tem como ponto principal trazer matérias e reportagens que aproximem os
leitores para as coisas relacionadas à comunidade rio-grandina.
30
27
“Na cidade do Rio Grande o Monumento ao Brigadeiro José da Silva Paes, obra inaugurada em
1939. Localizado na Praça Xavier Ferreira foi inaugurado em 1939, em homenagem ao fundador da
cidade do Rio Grande. Com uma coluna de pedra com 8 metros da altura o monumento
reproduz a imagem do fundador em uniforme de gala e ao lado a epopeia que se constituiu a
fundação do Rio Grande de São Pedro representada por soldados, escravos, índios e obreiros
brancos”. Disponível em http://companhiaarte.blogspot.com.br/2010/08/monumento-silva-paes-
monumento.htmldata>. Acesso em Dez. 2016.
32
nada nos ajudará a entender nosso passado e nos alavancar a uma sociedade
menos injusta e caricata.
Dando seguimento às reportagens do periódico Jornal Agora, trazemos a
figura abaixo que se trata de uma matéria produzida no dia 15 de maio de 201628,
portanto, reportagem que possui menos de um ano. E como poderá ser evidenciado,
continua com as formações de heróis e com ideias simplistas acerca do movimento
de constituição do território.
28
Disponível em <http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?e=3&n=85704
>.Acesso em Dez. 2016.
29
Lembrando que os últimos anos os discursos de ódio e xenofobia do rio-grandino tenha aumentado
consideravelmente, por consequência das migrações e imigrações devido ao polo naval e a geração
de emprego, já comentado em páginas anteriores.
33
30
Disponível em <http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/print.php?id=1969>. Acesso em
Dez. 2016.
34
31
“Se não contarmos essa história, ela vai morrer. É importante saberem, por exemplo, quem
foi Silva Paes. Esse homem foi um herói”, trecho retirado do jornal acima, onde o responsável pela
exposição demonstra sua visão acerca da cidade do Rio Grande.
35
Seguindo com a análise feita pelo Guia em relação ao livro didático aqui
mencionado, fica muito evidente como determinados grupos tornam-se quase que
fantasmas nos processos históricos e nos espaços que lhes são cedidos neste
material didático. O trecho a seguir que destacamos serve como exemplificação.
Para os construtores do Guia de Livros Didáticos 2013:
Caro aluno: Neste livro você vai estudar um pouco da história do Rio
Grande do Sul. Vai conhecer os diferentes povos que
construíram esse estado e os acontecimentos importantes que
marcaram a história gaúcha. A História, no entanto, não é feita
apenas de acontecimentos marcantes. Ela é também construída no
dia a dia. E cada uma de nossas ações contribui para essa
construção. Por isso, através deste livro você também vai poder
pensar sobre a relação entre o nosso passado e o nosso
presente. Assim, vai se sentir mais integrado ao mundo em que
vivemos e vai poder contribuir para torná-lo melhor e mais bonito.
Aprochegue-se, então, e juntos vamos conhecer alguns dos
causos que fizeram a história do nosso estado e as pessoas e
39
32
Sobre isso, Guilhermino Cesar diz que “nem o contrabando de víveres ou de tecidos, nem o de
gado, nem o da prata e ouro foram por aqui mais rendosos do que o de carne humana. (...) A
Companhia de Jesus, por exemplo, pugnava pela total liberdade do índio, mas aceitava a escravidão
dos negros, ao ponto de importá-los para suas fazendas.” (1978, p.19)
40
formação do espaço do extremo sul e sim como povos que não seriam pertencentes
a estes espaços por serem ou terem uma cultura nômade e, portanto não serem
assim representantes desta terra33. No caso das populações negras o discurso se
parece em muito com os dos indígenas na escrita do livro, os negros que ali são
apresentados estão, em sua maioria, como populações de escravos ou povos eu
escravizados (PILETTI, 2012) o que lhes nega um lugar de destaque que deve ser
dado. Embora Felipe Piletti diga oportunizar um ensino dos diferentes grupos na
participação na formação da cidade do Rio Grande e do Rio Grande do Sul, o
espaço que lhes é dado em “História Rio Grande do Sul: história regional” é o de
subalternos aos portugueses e de marginais desta região.
Como foi visto, nos subcapítulos acima, a história do extremo sul do Brasil
perpassa por inúmeros discursos que corroboram para uma criação/formação do
território, subalterna aos colonizadores europeus. Para entender estes como se dão
estes discursos coloniais é que trabalhamos o subcapítulo a seguir.
33
“Os Guarani costumavam realizar constantes migrações, o que dificulta a comprovação de
ligação histórica com às áreas que eles habitavam hoje em dia e a demarcação de suas
terras”. (PILETTI, 2012, p.24)
34
Autores estes que em conjunto com outros pesquisadores latino-americanos procuram estabelecer
novas possibilidades de interpretar e de tornar protagonistas as diversas populações tão
marginalizadas e discriminadas da América Latina. Nesta perspectiva eles elaboraram:LANDER,
Edgardo. (Org). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000. No qual nos debruçamos para debates e
pesquisas do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais.
41
Lander (2000) também nos faz refletir sobre como ainda a produção
cientifica esta enraizada nos ensinamentos iluministas do século XVIII, onde se
procurava obter uma resposta simplista e concreta sobre determinado assunto,
fosse ele religioso, científico ou a nível da natureza. Trazendo para nossa reflexão
de pesquisa, observamos o quanto este pensamento é intrínseco nas afirmações
acerca dos processos de povoamento e de utilização de espaços na cidade do Rio
Grande.
42
35
Capítulo 2: A cidade do Rio Grande hoje: desigualdade ambiental e miséria social.
43
Para o autor, precisamos assim, não mais sermos arrolados por uma visão
simplista, elitista, racista e ultrapassada do ocidental europeu sobre as populações
americanas (a história desde a perspectiva colonial, portanto, única e não relacional)
e sua riquíssima miscigenação que é intrínseca a ela, pelo menos durante estes
últimos cinco séculos que vivemos pós invasão europeia. Esta (des)colonialidade,
também possibilitando a aproximação com uma história, de fato, latino-americana,
feita, contada e vivida por estes povos – desde abajo - sem as condicionantes e as
visões distorcidas europeias da colonização, mas sim em confronto, em contraponto
e como o outro lado daquela história de lacolonialidad.
37
Sobre isto ver: No meio do caminho tinha uma escola: a injustiça ambiental decorrente da
duplicação da BR-392 (Pelotas/Rio Grande, RS) In: MACHADO, Carlos R. S. et al. A Educação no
Extremo Sul do Brasil: contribuições ao estudo e à pesquisa da (in)sustentabilidade da
qualidade e da democracia nas políticas educacionais. 2. ed. Rio Grande: Editora da FURG,
2013. v. 13. 139p.
46
Conforme aponta a autora, é possível perceber que tal discurso, ainda muito
usado como subterfúgio para afirmar a legitimidade da apropriação desigual das
terras no sul do Brasil por parte de militares portugueses e luso-brasileiros, pois
desbravadores ou por terem realizado feitos heroicos, seriam uma falácia à qual se
articula ao mito da formação da identidade e da memória que depois de 280 anos da
cidade ainda persiste através dos tempos. Tal mito se articula a uma concepção
vinculada à formação, ocupação e apropriação desigual da terra que se traduz numa
perspectiva de relação entre a população e a natureza, a cidade e as raízes daquilo
47
38
MACHADO, Carlos R S; SANTOS, Caio F. A hora de acabar com as injustiças sociais e
ambientais é agora. PO DE GIZ, APROFURG, Seção Sindical dos Docentes da Universidade
Federal do Rio Grande nº 435 abril /maio de 2013 ISSN 2178-3403.
48
Fazendo a relação deste filme com a dos conflitos na cidade do Rio Grande
– no referente à apropriação desigual da terra na cidade e região –afirmaríamos a
semelhança do que ocorreu desde o processo de ocupação desta região por parte
da colônia portuguesa no século XVIII e XIX; e ainda hoje, com diversas
comunidades e grupos do município nos dias de hoje40.No caso de Rio Grande, um
39
“O filme tem direção de Eliane Caffé, roteiro de Eliane Caffé e Luiz Alberto de Abreu, produção de
Vânia Catani e no elenco conta com José Dumont (como Antônio Biá), Gero Camilo (como Firmino),
Nelson Dantas (como Vicentino), Silvia Leblon (como Maria Dina) e outros. Foi rodado entre junho e
setembro de 2001, em Gameleira da Lapa, cidade do interior da Bahia. Recebeu vários prêmios,
entre eles: nove prêmios no Festival de Recife 2003, incluindo melhor filme; melhor filme também no
Festival de Cinema das 3 Américas, de Quebéc/ Canadá, e no Festival de Buxelas –
IndependentFilm.” (CARDOSO, 2008, p.02). Disponível em
<http://www.revistafenix.pro.br/PDF15/Artigo_04_ABRILMAIOJUNHO_2008_Heloisa_Helena_Pachec
o_Cardoso.pdf> Acesso em Fev. 2017.
40
Alguns desses casos atuais veremos mais adiante, quando apresentamos algumas das pesquisas
realizadas pelo Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil, no
subcapítulo 2.4. O panorama dos conflitos socioambientais na/da região.
49
A cidade do Rio Grande tem apresentado cada vez mais casos de conflitos
que estão ligados a terra, a moradia, a saneamento básico, a educação e que expõe
as diferentes injustiças que colocam em confronto grupos que estão interessados na
especulação imobiliária, escoamento das produções ligadas ao agronegócio,
41
Dentre eles estão: Rio Grande portuguesa com certeza; Histórias de Vidas Luso Rio-
Grandinas de Maria de Lourdes da Rocha Piragine; Vultos do Rio Grande: da cidade e do
município de Diego Vignoli das Neves.
50
42
Conforme apresentamos nas figuras 11 e 12 das páginas 63-64 deste trabalho.
51
43
Henri Acselrad possui mestrado em Economia pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e
doutorado em Planejamento, Econ. Pública e Org. do Território pela Université Paris 1 (Panthéon-
Sorbonne) (1980). Atualmente é Professor Titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Planejamento
Urbano e Regional, atuando principalmente nos seguintes temas: Modelos de desenvolvimento e
conflitos ambientais; Ecologia política da sustentabilidade; Política e regulação ambiental;
Apropriações sociais da sustentabilidade urbana; Movimentos sociais, desigualdade e justiça
ambiental; Cartografia social. Informado pelo autor na plataforma Lattes.
52
44
U. Beck, From Industrial Society to Risk Society: questions of survival, social structure and
ecological enlightenment. Theory, Culture e Society, v, 9, p.97-123, 1992.
53
Portanto, mais do que uma receita pronta para o sucesso, como se tem nos
intermináveis livros de autoajuda que brotam diariamente nas prateleiras das
54
Esta região, fora durante muito tempo somente de interesse fronteiriço para
a coroa portuguesa, por de tratar de uma região de difícil acesso e de poucas
riquezas com potencial de exploração para as pretensões dos portugueses. Já
acostumados com uma ideia de exploração imediata do território americano, a
região não apresentava, na visão dos exploradores, riquezas naturais que lhes
pudessem trazer algum lucro significativo. Durante muito tempo tratou-se, este local
com desdém e repulsa por parte dos portugueses e também por europeus que por
aqui passavam. Este é o caso, por exemplo, do conhecido viajante naturalista
francês Auguste de Saint-Hillaire que em sua passagem por aqui e que num de seus
relatos de viagem escreveu:
45
Por Buenos Aires, sede do vice-reino do Prata, era escoado parte significativa da prata explorada e
extraída da região andina.
55
46
Ver em: A Fronteira dos Impérios: conexões políticas, conflitos e interesses portugueses na
região platina, de Maria Fernanda Baptista Bicalho. Disponível em < http://cvc.instituto-
camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/maria_fernanda_bicalho.pdf> . Acesso em Fev. 2017
47
Sobre isto ver em: O Poente e o Nascente do projeto luso-brasileiro (1763- 1776) de Luiz Henrique
Torres.
56
Como podemos observar nos dados acima elaborado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada no ano de 2016 gira em
torno de duzentos e oito mil habitantes48. Embora seja uma região demarcada por
um grande território, a realidade urbana da cidade é demarcada por uma faixa
estreita da região e que tem sido ampliado sobre terrenos alagadiços e de areia ao
entorno do canal do Rio Grande, devido a falta de moradia apropriada para a
população crescente da cidade do Rio Grande(CIPRIANO 2015). Notoriamente a
formação de moradias nestas regiões de alagadiços ou areais se dá, em grande
parte, pela população pobre da cidade, seja, pela má estruturação do município
frente ao crescimento populacional ou mesmo por força da forte especulação
imobiliária que empurra e marginaliza os de classe baixa para as zonas periféricas49.
48
Destacamos que os dados do IBGE aqui trazidos são referentes, em sua maioria, ao censo de
2010 e neste momento a população estimada estava em torno de 197,228 habitantes. Disponível em
<http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=431560&search=||infogr%E1ficos:-
dados-gerais-do-munic%EDpio> .
49
Ver mais em: O bairro Getúlio Vargas e a faxina dos anos 1970 (Rio Grande-RS): remoção de
moradias, destruição de histórias das pessoas e a produção da desigualdade ambiental. In:
MACHADO, Carlos RS; SANTOS, Caio Floriano Dos; MASCARELLO, Marcela de Avellar. Conflitos
Ambientais e Urbanos: casos do extremo sul do Brasil.Porto Alegre: Evangraf, 2015.
57
50
O Censo 2010 é um retrato de corpo inteiro do país com o perfil da população e as características
de seus domicílios, ou seja, ele nos diz como somos, onde estamos e como vivemos. No Censo
2010, mais de 190 mil recenseadores visitaram 67,6 milhões de domicílios nos 5.565 municípios
brasileiros. Neste site você encontra as informações sobre todas as etapas de realização do Censo
2010, com destaque para os resultados da pesquisa. Disponível em <
http://censo2010.ibge.gov.br/sobre-censo.html>.
58
vivem com renda um salário mínimo per capita, provavelmente, deve ter aumentado
consideravelmente e agravado ainda mais a pobreza na região.
A cidade do Rio Grande, assim como a maioria das cidades do mundo, está
intrinsecamente envolvida pelo consumismo exacerbado, onde a sociedade
capitalista nos impõe a cada dia o peso de estarmos adquirindo incessantemente os
produtos produzidos pela exploração humana e da natureza. Esta ideia de que só
estamos realizados, quando estamos adquirindo novos produtos tem nos tornado a
sociedade que em menos tempo é a que mais degradou o meio ambiente.
Dentre os produtos que estão com o alto poder nocivo ao meio ambiente no
século XXI e que estão com um exponencial aumento de produção está o veiculo
particular51, que vem tornando os meios urbanos em verdadeiros caos, tanto no
aspecto da locomoção, quanto na qualidade de vida devido aos altos índices de
poluição. O aumento de automóveis era um indicador de progresso e
desenvolvimento por parte das empresas e governo municipal em apologia ao que
viria com o pólo naval nos anos 2005 e 2006.
51
Sobre isto ver: Automóveis: excesso e suas consequências. Disponível em
<http://www.extecamp.unicamp.br/gestaodainovacao/biblioteca/Revista_ComCiencia_10_06_08.pdf>
59
52
Lembrando que este era o número estimado de população na cidade do Rio Grande no ano de
2010.
60
FONTE: MACHADO, Carlos RS; SANTOS, Caio Floriano dos. EXTREMO SUL DO BRASIL:
UMA GRANDE “ZONA DE SACRIFÍCIO” OU “PARAISO DE POLUIÇÃO ”. In: MACHADO,
Carlos RS. et al. Conflitos Ambientais e Urbanos: debates, lutas e desafios. Porto Alegre:
Evangraf, 2013. p.181-204
existência. Ou seja, os conflitos indicam que alguém está sendo prejudicado e está
se manifestando contra as causas geradoras de tal situação.
FONTE: MACHADO, Carlos RS; SANTOS, Caio Floriano dos. EXTREMO SUL DO BRASIL:
UMA GRANDE “ZONA DE SACRIFÍCIO” OU “PARAISO DE POLUIÇÃO ”. In: MACHADO,
Carlos RS. et al. Conflitos Ambientais e Urbanos: debates, lutas e desafios. Porto Alegre:
Evangraf, 2013. p.181-204
Fonte: MACHADO, Carlos RS; SANTOS, Caio Floriano dos. EXTREMO SUL DO BRASIL:
UMA GRANDE “ZONA DE SACRIFÍCIO” OU “PARAISO DE POLUIÇÃO”. In: MACHADO,
Carlos RS. et al. Conflitos Ambientais e Urbanos: debates, lutas e desafios. Porto Alegre:
Evangraf, 2013. p.181-204
64
Trouxemos estes dois quadros onde temos um breve panorama dos conflitos
mapeados pelo Observatório dos Conflitos Socioambientais e Urbanos do Extremo
Sul do Brasil, a partir do ano de 2011, e que nos permitem evidenciar indícios de que
há algo errado, seja na apropriação da riqueza e das terras, e de que os espaços de
poder não têm garantido ou agido na superação da desigualdade ambiental no
Extremo Sul do Brasil.
53
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: Reflexões desde a
experiência do Observatório do Extremo sul do Brasil e este do Uruguai, Prof. Dr. Carlos RS
Machado, artigo foi apresentado em Cuba (EGAL, 2015) e será publicado – revisto – no livro do
Observatório de 2017.
54
Quadro retirado da tese de Priscilla Borgonhoni Chagas, DESENVOLVIMENTO E DEPENDÊNCIA
NO BRASIL: reflexos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no município do Rio
Grande (RS) Priscilla Borgonhoni Chagas, defendida na UFRGS (2014). A autora utilizou-se de
informações e dados do Observatório dos Conflitos do extremo sul além de entrevistar diferentes
atores sociais e gestores na região.
65
houve uma apropriação desigual mais radical nos anos 1990-2000, que no auge do
neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso, no qual os mais ricos ampliaram sua
participação na apropriação da renda (de 51, 14 para 51, 94%); e de que, depois de
2000, nos governos Lula, tal apropriação diminuiu.
No entanto, também podemos afirmar que tal melhoria foi insignificante, se
comparar com a desigualdade absurda existente no Brasil, e isso sem alterar a
estrutura socioeconômica desigual, e muito menos realizar-se qualquer
questionamento mais de fundo sobre a questão ou de políticas e ações de
empoderamento das classes e grupos populares na superação mais radical de tal
condições de desigualdade e injustiça. E se considerarmos ainda, na atualidade os
processos de impedimento de Dilma, e a ameaça da retirada destas pequenas
melhorias através da articulação das elites no parlamento, empresariais e
financeiras, com apoio de juízes, entidades diversas, setores amplos da classe
média, diríamos justificar ainda mais a nossa pesquisa: de como mitos anteriores e
arraigados justificadores da superioridade de uns sobre os outros, da riqueza de uns
sobre e em detrimento das minorias, se articulam nesta cidade chamada Rio
Grande, e parte da história de nosso país.
55
Os três pesquisadores defenderam suas pesquisas, duas dissertações de mestrado e uma tese de
doutorado, no mês de março de 2016. Sendo os três trabalhos aprovados e elogiados pelas bancas
avaliadoras por se tratarem de trabalhos de suma importância e pelos protagonismo com relação aos
conflitos ali apresentados, estando as mesmas nos ajustes finais para serem disponibilizadas para
consultas e leituras da população brasileira, que é quem financiou e possibilitou tais trabalhos.
56
Já tivemos outros pesquisadores que fazem parte do Observatório dos Conflitos Socioambientais e
Urbanos do Extremo Sul do Brasil e que já defenderam e publicizaram suas pesquisas, porém com
temas outros, que não conflitos ligados à cidade do Rio Grande.
57
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
66
58
Esta pesquisa e seus desdobramentos em muito me causam angústias e revolta, se tratando de
uma escola na qual lecionei durante o ano de 2013, como aluno bolsista do PIBID (Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência).
67
59
Estação Ecológica do TAIM.
68
Por fim, a terceira pesquisa foi realizada pelo pesquisador Caio Floriano dos
Santos numa tese de doutorado: “O porto e a desigualdade ambiental em Rio
Grande (RS/Brasil): a educação ambiental na gestão "empresarial dos riscos sociais"
69
e "social do território”. Nesta pesquisa o autor mostrará como o Porto do Rio Grande
é desde sua formação um grande fomentador de conflitos e desigualdades:
Ao longo da sua história, e mesmo nos dias atuais, fica claro que o
Porto do Rio Grande tem uma vida própria e uma dinâmica própria,
mesmo que em algum momento possam ser convergentes. Assim, o
planejamento sobre obras de infraestrutura e a alocação de novos
empreendimentos é na maioria das vezes pensada de cima para
baixo, como fica claro na instalação do Porto Novo, Super porto,
Distrito Industrial e Polo Naval. Esse modelo de planejamento e
alocação de empreendimentos não leva em consideração que "Em
todas as áreas passiveis de expansão, atividades ligadas ao porto
e/ou a pesca conformam meio de sobrevivência de muitos moradores
(ALMEIDA; TEIXEIRA; SILVA, 2012 apud SANTOS, 2016, p.101-
102)
60
Onda de racismo com a vinda de trabalhadores negros, que formavam a mão de obra do polo
naval.
61
Exemplo disso é o tratamento aos indígenas que veem para a venda de seus artesanatos na
Avenida Rio Grande, no balneário cassino. Geralmente tratados como algo exótico e com extrema
diferença.
62
Um exemplo disso é a reprodução em inúmeros historiadores e reprodutores do mito rio grandino
são de que os espanhóis quando invadiram Rio Grande (1763) teriam violado e profanado a igreja
matriz; roubaram peças e teriam até entrado a cavalo dentro da mesma. Os espanhóis eram tão
religiosos, inclusive católicos, como os portugueses.
73
aqui viviam sendo estas diversas e heterogenias, além de estarem em conflitos entre
elas. Por exemplo, no momento em que as tropas hispano-americanas tomaram a
cidade do Rio Grande do domínio português (1763), onde os moradores que ali
ficaram, pois as elites portuguesas e seus asseclas fugiram para São José do Norte,
e daí para Viamão, da noite ao dia, passaram de portugueses a espanhóis.
63
Sobre a importância deste grupo na formação do território, Fábio Kühn afirma que “O impacto
demográfico dessa migração foi muito grande. Analisando o caso da vila do Rio Grande, verificamos
que a importância da imigração açoriana para essa vila foi excepcional. Ela representou um
acréscimo, em menos de cinco anos, de pelo menos 1.273 pessoas adultas brancas, a uma
população que, incluído todos os grupos raciais, na metade da década anterior, teria 1.400 pessoas.
Ou seja, a população de Rio Grande praticamente dobrou devido à chegada dos açorianos.” (KÜHN,
2011, p.54).
74
discurso por parte, significativa, das elites rio-grandinas, que possuem os meios de
comunicação mais significativos da cidade do Rio Grande, como vimos na parte
inicial deste trabalho. Apoiamo-nos numa perspectiva de “hoje, a nova historiografia
brasileira tem como objetivo de estudo os multifacetados fenômenos ligados às
relações econômicas, sociopolíticas e culturais” (FORTES; FRENCH, 2013, p.22-23)
64
Sobre isso ver em: A Colonização Ecológica do caminho do Ouro: mineração e devastação no
século XVIII de Alexia Helena de Araujo Shellard. Disponível em
<https://periodicos.ufsm.br/geografia/article/viewFile/19334/pdf>.
75
cabe salientar que no período esta região sul, ainda era uma região que não se tinha
claramente qual coroa pleitearia para si, se Portugal ou Espanha. Sendo assim, a
região passa a despertar interesse por parte da coroa portuguesa ao final do século
XVII (MARTINS, 2001), quando o fluxo na região do Prata pelos espanhóis e
castelhanos tem aumentado consideravelmente, principalmente como área de
desafogo e despache de metais preciosos para a Europa. A partir disso, Portugal
passa a ver a região como uma interessante possibilidade de exploração e funda em
1680 a Colônia de Sacramento, localizada as margens do Rio Prata, com o intuito de
barrar a expansão espanhola e também passar a obter lucro com o comercio da
região.
FONTE: GARCIA, João; ALMEIDA, André Ferrand de. ATerra de Vera Cruz: viagens,
descrições e mapas do século XVIII. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto, 2000.
65
“Mapa de lós confines Del Brazil com lãs tierras de la corona de Esp.ª em laAmerica Meridional. –
Escala [Ca. 1:8 500 000], 1 grau de latitude = [1,3 cm] – 1749.” (FORTES; FRENCH, 2013, p.69)
76
A partir disso, Portugal passa de uma vez por todas a disputar o território
com a coroa espanhola. Tentando assim fazer parte dos lucros que a região estava
possibilitando, fosse à exploração de metais preciosos ou mesmo na exploração e
comércio de couro e derivados da caça de gado vacum da região fronteiriça.
pertencentes a este local. O convívio com o espanhol, por parte dos indígenas
locais, fora de melhor aceitação se comparar com o processo de extermínio
português com as populações indígenas desde os anos de 1500.
Embora Rio Grande tenha ficado sob o domínio espanhol por cerca de treze
anos (1763-1776), no ano de 1776 os portugueses, com o suporte de uma grande
junta militar, retomam o controle da região, o que acarreta na expulsão das tropas
espanholas que por consequência acabam tomando a Ilha de Santa Catarina e a
Colônia de Sacramento (KÜHN, 2011).
66
Refrente a isto, destacamos o caso da revolta dos Dragões que trataremos mais adiante.
80
Esse foi um fator a mais para o processo de vinda de famílias açorianas para
esta região, pensando assim, em tornar a região numa localidade onde se tivesse
um fluxo de crescimento populacional contínuo, sem serem necessários grandes
levas de deslocamentos de populações de outras regiões do Brasil ou até mesmo de
Portugal e assim firmar de vez a consolidação do território como sendo
legitimamente português. KÜHN (2011) também nos afirma que,
Tal afirmação nos permite questionar algumas afirmações feitas nos dias de
hoje, na cidade do Rio Grande, que as primeiras populações açorianas vindas para
o povoamento do território não se utilizaram de mão de obra escravizada, como é
defendida por Torres (2004):
67
Inclusive contraditória a representação de ferramentas, pois os soldados eram proibidos de plantar,
pescar ou matar o gado para se alimentarem o que foi um dos motivos da revolta dos dragões em
1742.
83
Edward Said (2011) vai mostrar que a produção literária na Europa aponta
sempre no sentido colonizador com a afirmação de que o outro é o exótico, inculto,
bárbaro e selvagem, justificando a exploração e a exclamação de superioridade do
branco e das elites daquele continente sobre os povos escravizados da América e
da África, utilizados para povoação e trabalho forçado para riqueza dos europeus.
Esta perspectiva é ainda hoje reproduzida nos espaços educativos, na mídia e na
imprensa servindo como apoio na produção das relações de poder contra aqueles
grupos sociais considerados “de baixo”. Lander vai apontar que,
68
Dentre estas produções que corroboram com a ideia de uma pensamento colonial na cidade do Rio
Grande poderíamos citar: a colonização açoriana no rio grande do sul (1752 – 1763; Alfândega do
Rio Grande: fundamentos históricos e edificações; O perfil do comercio de exportação e importação
na cidade do Rio Grande em 1911; Os muros da cidade antiga: as trincheiras; de Luiz Henrique
Torres, O acesso portuário rio-grandino no “tétrico” ano de 1881 a partir da perspectiva da imprensa
citadina;Alfredo Ferreira Rodrigues e uma notícia histórica e descritiva do Rio Grande do Sul;de
Francisco das Neves Alves.
69
Helen Osório mostra em seu livro uma série de gráficos e quadros que mostram o quão forte foi a
participação negra no extremo sul do Brasil nos séculos XVIII e XIX, momento em que se consolidada
a fundação da cidade do Rio Grande e o Rio Grande do Sul.
85
FONTE: MAESTRI FILHO, Mário J. O escravo africano no rio grande do Sul. In:
DACANAL, José Hidelbrando & GONZAGA, Sergius. RS: economia e política. Porto Alegre.
Mercado Aberto,1979. (grifo nosso)
Tais colaborações, como a de Mário Filho, não nos permitem corroborar com
uma história unicamente portuguesa no extremo sul do Brasil, mas nos fazem
repensar e questionar algumas produções, acadêmicas ou não, que há muito estão
colocadas na história do município de Rio Grande como verdade absoluta, sem
ressaltar a importância que diversos grupos étnico-raciais tiveram e ainda tem para
que possamos compreender nossas raízes e nossa cultura rio-grandina.
Sobre o tratamento aplicado aos grupos indígenas da região, por parte das
coroas portuguesa e espanhola, o professor historiador Fábio Kühn apresenta as
seguintes ponderações:
89
Para tentar entender o massacre que foi feito com as populações indígenas
por parte dos colonizadores do sul do Brasil, trazemos aqui as informações
levantadas pelo IBGE no ano de 2010, acerca dos indígenas que habitam a cidade
do Rio Grande e as cidades vizinhas que formam o cinturão do extremo sul.
90
Por fim, pode-se notar que embora ainda que predomine um discurso elitista e
de mito açoriano, que está intrínseco nas argumentações dos livros didáticos e de
artigos acadêmicos que circulam na cidade do Rio Grande, também há historiadores
com perspectivas e relatos que contrapõem tais discursos, como é o caso de Fábio
Kuhn, Helen Osório, Maestri Filho, Maria Queiroz, dentre outros que procuram
resgatar nestes espaços a participação, contribuição e lugar destas populações. Em
nosso caso, apoiando-nos neles podemos justificar e fundamentar este capítulo da
dissertação de seu objetivo.
71
como o professor Luis Henrique Torres, que ministra a disciplina de História do Município na
Universidade Federal do Rio Grande e também é colunista do Jornal Agora, escrevendo sobre os
temas históricos da cidade.
92
negra. Houve conflitos entre os próprios grupos que foram destinados para
controlarem a região a mando da coroa portuguesa, sendo que o mais significante
da época e também o que uma maior construção documental produziu acerca do
conflito, este fato ficou referenciado, pela historiografia local, como a Revolta dos
Dragões.
de milho por dia e uma abobora para durar quinze dias (QUEIROZ, 1985), não o
bastante ainda tinham ordens claras de proibição de exercerem a caça ou qualquer
outro tipo de procedimento que lhes permitissem prover outras formas de
alimentação.
72
“Trata-se do diário dos náufragos ingleses do navio Wagner; eles se encontravam no porto do Rio
Grande aguardando oportunidade de seguir para o Rio de Janeiro ou Inglaterra, e presenciariam os
acontecimentos que aí se desenrolaram de janeiro a março de 1742.” (QUEIROZ, 1985, p.104)
95
[...] 6 de março de 1742 – Faz vários dias que o povo está agitado,
porque o navio não chega, apesar do vento ter estado favorável
há mais de três semanas; a escassez de mantimentos torna-o
receoso do futuro (QUEIROZ, 1985, p. 103. Apud BUCKLEY;
CUMMINS, 1936, p.151)
Porém, o Brigadeiro Silva Paes não rumou para Santa Catarina como havia
afirmado aos soldados que negociaram sua partida. Silva Paes alojou-se na
Estância Real de Bojuru, que ficara na outra margem do presídio Jesus Maria José,
96
estância esta que era administrada pela coroa portuguesa e que alimentos,
munições, roupas não faltavam. O comandante permaneceu na Estância Real até o
dia 29 de março, quando a embarcação vinda do Rio de Janeiro e trazendo o que os
revoltosos pleiteavam chegou à região, neste momento Silva Paes “retornou ao
presídio quando enfrentou ainda a revolta da tropa, diante do pagamento de apenas
a terça parte dos atrasados” (QUEIROZ, 1985).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos que a história desse período, portanto, nos é contada quase que de
forma única. Contada por militares portugueses ou seus aliados, funcionários
portugueses ou brasileiros brancos, muitos de origem portuguesa, e assim
ressaltando o papel destes na história da cidade do Rio Grande e região. Nesta, os
negros, os indígenas e os espanhóis são vistos somente como escravos, serviçais,
inimigos e/ou selvagens. É enaltecido o trabalho desses “desbravadores”
portugueses, que contribuíram em muito para transformar uma terra até então
“selvagem” num lugar apropriado para se viver e explorar suas riquezas naturais.
Assim, como hoje, a história não é feita ou resultado apenas pelas ações
dos brancos ou das classes dominantes, acreditamos que este território que
atualmente é compreendido como o estado do Rio Grande do Sul e mais
especificamente a localidade onde se encontra a cidade do Rio grande, fora
construído e constituído por diferentes grupos étnico-raciais e por inúmeros conflitos
socioambientais que pouco aparecem nos documentos oficiais, nos periódicos
acadêmicos da Universidade do Rio Grande, nos jornais locais e também nos livros
didáticos que são utilizados para o ensino fundamental do município.
Acreditamos que isso ocorra devido a uma ideia de pensamento colonial que
continua arraigado nos discursos de gestores municipais, de pesquisadores, de
parte dos professores e dos jornalistas rio-grandinos. Tal realidade tem corroborado
por mais de dois séculos, com uma desigualdade socioambiental, que tem sido
marca histórica da região desde sua povoação organizada e arquitetada pelos
colonizadores portugueses.
A partir destas percepções como discurso único, com negação de diferentes
povos e grupos nos livros didáticos que retratam a história da cidade para as
crianças, com um discurso conservador por parte de alguns professores e
pesquisadores, pela mídia que fala em nome do capital e da exploração, é que
passamos a entender o porquê de estarmos, tão fortemente, inseridos num cenário
desolador de exploração e degradação e injustiça ambiental na cidade do Rio
Grande.
Percebemos que estas ações que negam o outro têm servido para a
manutenção de uma realidade exploratória onde um pequeno grupo que mantém
98
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