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Manoel Bomfim - O Brasil Na História Deturpação
Manoel Bomfim - O Brasil Na História Deturpação
Manoel Bomfim - O Brasil Na História Deturpação
O BRASIL NA HISTÓRIA
DETURPAÇÃO DAS TRADIÇÕES
DEGRADAÇÃO POLÍTICA
2ª. edição
Prefácio
Ronaldo Conde Aguiar
Copyright © Topbooks
1a edição: 1930
EDITOR
José Mario Pereira
EDITORA ASSISTENTE
Christine Ajuz
REVISÃO
Clara Diament
Rosy Lamas
CAPA
Adriana Moreno
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ
B683b
2. ed.
Parte 1ª.
DETURPAÇÃO DAS TRADIÇÕES
Capítulo I
A história pelos grandes povos
Capítulo II
Deturpações e insuficiências da história do Brasil
9
10. Causas de deturpação na história do Brasil ...................... 81
11. O fatal influxo do bragantismo......................................... 84
12. O Brasil modelou a América............................................. 86
13. O indefectível defensor do continente.............................. 89
14. …omissões, calúnias, elogios,… sempre deturpação........ 96
15. Difamação dos paulistas.................................................... 102
16. Onde estão os nefários...................................................... 107
Capítulo III
Os que fizeram a história do Brasil
Capítulo IV
Atentados contra a tradição brasileira
Capítulo V
O patriotismo brasileiro
30. O patriotismo — egoísmo socializante.............................. 165
31. Nacionalismo — necessidade para o patriotismo ............. 167
10
32. A tradição antiportuguesa ................................................ 172
33. Oposição de motivos — interesses em luta ...................... 175
34. Ódio por ódio… ............................................................... 177
35. Despeito de interesses ameaçados… ................................ 182
36. O necessário antagonismo ................................................ 184
37. Nacionalismo nas letras .................................................... 186
38. Uma voz de rancor… hereditário ..................................... 188
39. O achincalhe dos nossos grandes líricos ........................... 193
Capítulo VI
O caráter do brasileiro
Parte 2ª.
TRAUMA E INFECÇÃO
Capítulo VII
A degeneração da atividade portuguesa
11
54. Do heroísmo ao comércio d’el-rei .................................... 259
55. O destino do ricaço… ...................................................... 264
Capítulo VIII
Degradação da atividade portuguesa
Capítulo IX
Sob a metrópole degradada
12
Capítulo X
Abatido e dominado…
Capítulo XI
A definitiva contaminação
Capítulo XII
Transmissão de domínio
95. A montureira permanece ................................................. 420
96. Para colher a inevitável independência............................ 424
97. O império luso-brasileiro.................................................. 427
13
098. Da mazorca cartista ao açougue dos Braganças.............. 431
99. O melhor do lugar-tenente e a sua ficada… ................... 436
100. Quem “fica” é Portugal… .............................................. 439
101. O primeiro governo brasileiro ........................................ 444
102. Os beneficiados da Independência… ............................. 450
14
Prefácio à segunda edição
* Sociólogo. Escreveu uma biografia sociológica de Manoel Bomfim (O rebelde esquecido: tempo,
vida e obra de Manoel Bomfim, Topbooks, 2000).
1 Lênin só viria a escrever sobre o imperialismo em 1916, durante o seu exílio em Zurique. O
livro de Rudolf Hilferding — O capital financeiro — apareceu em 1910, enquanto o de Rosa
Luxemburgo, A acumulação de capital, em 1913, e o de Nikolai Bukharin, A economia mundial e o
imperialismo, em 1916.
15
apropriação do valor trabalho, seja nas relações entre classes
sociais, seja nas relações entre nações. O conceito de parasitismo
de Manoel Bomfim, portanto, mais que uma imagem tomada do
biologismo, era um instrumento de interpretação da vida social,
cuja ascendência nas ideias de Marx era mais que evidente.
Bomfim criticou ainda o Estado brasileiro (“tirânico e espo-
liador”, definiu) e denunciou o artificialismo de uma democracia
de fachada, que servia apenas para perpetuar o poder das elites
dominantes e eternizar a submissão do povo. Bomfim foi, na rea-
lidade, o primeiro pensador social a evidenciar que o Estado bra-
sileiro era o produto da transposição do Estado português para a
colônia. “O Estado”, disse ele, “era um corpo alheio à nacionali-
dade, vivendo à custa da colônia, alimentando toda a metrópole.”
A saída, argumentou Bomfim, seria um amplo projeto de
educação básica e pública que, além da instrução formal, ensinas-
se também ao brasileiro o sentido da cidadania (ou seja, “a cons-
ciência de seus direitos e deveres”), transformando os indivíduos
em agentes conscientes das mudanças sociais (“do progresso
necessário”). Em 1905, portanto, Manoel Bomfim desequilibrou
as certezas científicas que dominavam o campo intelectual brasi-
leiro, substituindo o enfoque étnico-climático pela abordagem da
dominação e propondo uma solução (“um remédio”, disse ele,
traindo mais uma vez a sua origem médica) fundada na “valori-
zação” do povo brasileiro. O grande mérito de A América Latina:
males de origem residia justamente na sua oposição sistemática ao
discurso dominante e na elaboração simultânea de um contradis-
curso ousadíssimo para a época.
Como era de se esperar, o livro de Manoel Bomfim não pas-
sou em branco. Bem recebido pela crítica jornalista, foi, no entan-
to, duramente atacado por Sílvio Romero em uma série de 25 arti-
gos publicados na revista Os Anais, de Domingos Olímpio. Romero,
um ícone do pensamento social brasileiro, tinha um só objetivo
em mente: desacreditar Bomfim, reafirmando os postulados de
Gobineau e Gustave Le Bon, “venerandos defensores do arianis-
mo”. Entre tantos outros xingamentos dirigidos a Bomfim,
Romero chamou-o de “trapalhão”, de “preá”, de “membro de um
16
bando de malfeitores do bom senso” e de “mestiço ibero-america-
no”. E isso numa época em que, segundo a ciência dominante, a
mistura de raças era tida como sinônimo de degeneração étnica.
Sílvio Romero era um polemista impiedoso e temido. Nas
inúmeras polêmicas em que se envolveu, atacou sem dó nem pie-
dade autores brasileiros e portugueses, vivos ou mortos, famosos
ou não. Em 1905, já se transformara num homem corroído pela
amargura, totalmente descrente da viabilidade de o Brasil vir a
tornar-se uma nação importante e progressista. No fundo, era-lhe
apavorante a ideia de que o Brasil viesse a ser dominado por raças
inferiores, algo, aliás, que ele julgava inevitável a longo prazo.
“Como a democracia”, afirmou num de seus últimos textos, “a
miscigenação é, talvez, uma coisa fatal e irremediável, mas é em
grande parte um mal.”
A verdade é que Manoel Bomfim sentiu o golpe — e prefe-
riu não responder aos ataque de Romero. Só voltou a publicar
obras históricas e sociológicas na segunda metade dos anos 20,
quando o câncer dilacerava o seu organismo e ele era submetido
a constantes e dolorosas operações cirúrgicas. Manoel Bomfim
morreu no dia 21 de abril de 1932.
Em A América Latina: males de origem, Bomfim defendeu a
reforma do Estado brasileiro, que existia, segundo ele, para coa-
gir a população, cobrar impostos (“sempre crescentes”, acrescen-
tou) e atender aos interesses das classes dirigentes e dos podero-
sos. No Brasil, notou Bomfim, o Estado jamais representou ou
defendeu os interesses gerais da sociedade, mantendo ao mínimo
as ações de “utilidade pública” — ou seja, os “gastos sociais”,
como dizemos hoje — em favor das despesas com a manutenção
da máquina governamental e, principalmente, tal como acontece
ainda hoje, com o pagamento dos empréstimos externos.
Para demonstrar tudo isso, Bomfim realizou uma demolido-
ra análise do orçamento de 1903, evidenciando, conforme desta-
cou o jornalista Luís Nassif, “há quanto tempo a classe política
brasileira perdeu a noção de nação”. Para um orçamento de 330
mil contos, 122 mil contos (37% do total) representavam os gas-
tos com o funcionamento do governo e 133 mil contos (40%)
17
com os serviços da dívida, ou seja, amortizações e juros. “É mons-
truoso”, protestou Bomfim, “que num país novo, onde toda a
educação está por fazer (...), reservem-se apenas 3 mil contos
(menos de 1% do orçamento. RCA) para todo o ensino, bibliote-
cas, museus e escolas especiais.”
* * *
2 Em 1935, Carlos Maul organizou uma coletânea de trechos esparsos da obra de Manoel
Bomfim. Incluída na Coleção Brasiliana, Maul deu-lhe o título de Brasil. A coletânea, porém, era
pessimamente ordenada e sem indicação da fonte, além de não trazer os textos em que Bomfim
criticava a revolução de 1930 e os fascismos. Essa coletânea tornou-se uma referência negativa
na obra de Manoel Bomfim.
18
livros serviram de referência às demais obras que moldaram a
consciência crítica brasileira.
Proclamar a atualidade da obra de Manoel Bomfim é reco-
nhecer, antes de tudo, que os problemas brasileiros, com peque-
nas alterações de forma e fundo, são os mesmos, desde 1905, ou
antes. O próprio Manoel Bomfim acentuou, mais de uma vez, o
caráter autoperpetuante das causas mais profundas da desigual-
dade da nossa formação histórica e a natureza intrinsecamente
retrógrada das nossas elites, que aqui erigiram uma sociedade em
proveito exclusivamente próprio. Movido por intenso sentimen-
to de brasilidade, Bomfim não se limitou apenas a diagnosticar e
a denunciar: sua obra é permeada de ideias e propostas, as quais,
diga-se, foram compactamente ignoradas pelas classes dirigentes.
Em O Brasil na história: deturpação das tradições, degradação
política, Manoel Bomfim empreendeu uma criteriosa e detalhada
revisão historiográfica, mostrando que entre os males brasileiros
estava a maneira pela qual a nossa história estava sendo escrita,
contada e, principalmente, ensinada. No fundo, ao afirmar isso,
Bomfim tinha em mente o velho axioma: a história é sempre, ou
quase sempre, a versão dos vencedores; isto é, “a história que
mais convém ser contada”. E à história dos dominadores, Bomfim
resolveu opor a história dos vencidos e dos dominados: esse era,
em suma, o propósito de O Brasil na história.
Publicado pela Francisco Alves, O Brasil na história chegou às
livrarias em 12 de fevereiro de 1931, e logo a imprensa tratou de
destacar a importância do livro. No dia 28, A Pátria transcreveu
longo trecho da obra, acentuando:
19
Correio da Manhã, o livro, “a golpes de honestidade e talento, pro-
curava arrancar da poeira de velhas convenções sentimentais, os
antecedentes históricos desta nação de 108 anos”.
O Diário Carioca, de 1o de março, seguiu a mesma linha, enal-
tecendo a obra e o autor:
20
Se a qualidade fundamental do historiador é a imparcialidade, não se
poderá conceder esse título ao professor Bomfim. A natureza reformadora
do seu trabalho de análise e de crítica, a flama de civismo que incendeia as
páginas de sua obra, o ímpeto combativo, o rigoroso arremesso dos seus con-
ceitos, fazem-no, antes, marcadamente, um polemista, um panfletário da
história. Nas suas investidas, porém, o psicólogo, o sociólogo, o homem de
pensamento e de cultura, apoia-se numa documentação inquietante, com a
qual prepara demonstrações aflitivas das teses que atira à discussão.
21
No Correio da Manhã (12 de junho), M. Paulo Filho (que uti-
lizava o pseudônimo de João Paraguaçu) observou:
A história dos homens e dos fatos da nossa vida colonial é mal inspirada e
pior contada. No seu recente livro, trabalho de coragem e de inteligência supe-
rior, Manoel Bomfim pergunta quantos são mesmo os nossos compatriotas
atentos e cultos que conhecem o nosso passado e a gente que nele se agitou.
3 A frase de Kautsky citada por Bomfim foi extraída do livro Terrorismo e comunismo (sem referên-
cias): “A importância prática da história está, sobretudo, em multiplicar as forças dos que sabem
utilizar as experiências do passado.”
22
trinas — são outros tantos veios em que deriva a experiência comum,
como são os aspectos concretos em que as tradições se confrontam e se com-
batem. No final, toda a história se reduz a contendas de tradições, sem
perder, por isso, o seu papel superior — de fazer a confiança da nação nos
próprios destinos, delineados pelos fatos já explícitos.
23
mentes motivos de confiança coletiva. (...) A história vale também como
demonstração de mérito e capacidade de realização. (...) Cada povo se defi-
ne vivendo a vida das suas tradições; cultiva-as e defende-as, por conse-
guinte, como cultiva as suas reservas de energias de desenvolvimento,
como zela e defende a própria existência política e soberana. Ora, as tra-
dições existem, concretamente, na história nacional, que, por isso, tem de
ser defendida com a mesma vivacidade e intransigência com que são tra-
tados e defendidos os interesses reconhecidos e o patrimônio comum.
4 Redigida em 1627, a História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, esteve desaparecida até
1881, ano em que foi localizada numa coleção de manuscritos doada à Biblioteca Nacional.
Quem organizou a sua publicação foi Capistrano de Abreu.
24
Bomfim criticou ainda Euclides da Cunha e Oliveira Lima,
que vincularam a formação da nação brasileira ao bragantismo.
Seduzido pela antropogeografia e pelo cientificismo que degra-
dou o saber no início do século, Euclides, segundo Bomfim, abu-
sou do seu enorme e justo prestígio literário no sentido de vincu-
lar a unidade nacional brasileira à monarquia. Oliveira Lima, notou
o sergipano, “além do livro arranjado em louvor de D. João VI”,
(...) “é bem representativo dos contemporâneos historificantes,
que, a título de objetivismo, ostentam-se bons moços, cortejando
toda reação”.
Em O Brasil na história, Bomfim não apenas criticou os histo-
riadores, mas procurou ainda valorizar episódios deliberadamen-
te esquecidos da história brasileira. Escreveu, por exemplo, pági-
nas belíssimas sobre a Insurreição Pernambucana de 1817, “mar-
co iluminado do nacionalismo brasileiro”, a cujos heróis e márti-
res dedicou O Brasil na história. Homenageou personagens como
Pedro Ivo e o vigário Pedro de Souza Tenório, ao mesmo tempo
em que atenuou o peso de certas datas, como o 7 de setembro e
o 15 de novembro, e de figuras históricas, como as de D. Pedro I
e Tiradentes.
Em relação a Tiradentes, figura até hoje decantada nas soleni-
dades oficiais, Bomfim argumentou que a consagração do “pobre
homem de São João del-Rei”5 foi a maneira pela qual a historiogra-
fia oficial fez desaparecerem os verdadeiros mártires e pioneiros da
independência brasileira, valorizando, no entanto, um movimento
(a Inconfidência Mineira. RCA) inconsequente e passivo. “Foi nos
esconderijos de tais histórias que desapareceram os verdadeiros
precursores, aqueles cuja existência, mesmo com a derrota que
lhes tirou a vida, tornou impossível a submissão a Portugal.” E
mais: “que mal Tiradentes podia fazer ao bragantismo? Nenhum”.
Tiradentes transformou-se numa espécie de contestador tolerado
pelas elites, pois, a rigor, não questionou a fundo nem levantou-se
em armas contra o poder opressor dos dominantes.
5 Aqui, Manoel Bomfim cometeu um erro: Tiradentes nasceu em São José del-Rei, cidade que
hoje tem o seu nome, e não em São João del-Rei.
25
Manoel Bomfim escreveu O Brasil na história movido por
intenso sentimento de patriotismo. Era imprescindível “defender
a história nacional” contra todas as formas de “deturpações e der-
rotismos”, que nos apresentam como um povo de segunda.
Bomfim substituiu o desespero de Euclides da Cunha e a amargu-
ra de Sílvio Romero pela esperança de ver o Brasil livre, educado
e desenvolvido.
Talvez por isso o seu nome, como o de tantas outras figuras
que procurou reabilitar em O Brasil na história, tenha sido riscado
da história brasileira oficial.
26
PREFÁCIO
27
fosse o desenvolvimento normal e são do que se pronunciara um
século antes; esse não poderia ser colônia do Portugal de D. João
V, D. José, ou D. Maria, a louca.
E, por que insistir nessa defesa das genuínas tradições brasi-
leiras?… Por que tanto empenho, quando todo esforço de remis-
são parece perdido em abstrato platonismo?… Talvez, não de
todo perdido. Os que dominam e exploram esta pátria tudo
ousam porque a encontram a modo de abandonada. É preciso
não temer, à face desses ousados. Uma voz de protesto, mesmo
num deserto de opinião, pode refletir-se, ainda, pelos tempos, em
ecos que finalmente os detenham. Ainda que nessa voz falem
almas que extinguem: o surdo cavo da morte a aproximar-se é
valor de experiência. Tanta coisa conhecemos, de visão própria,
na vida desta nação!… Ora, tal não poderia deixar de ter o seu
valor. Na existência da criatura humana, os anos não se contam,
somente: condensam-se, e cada quadra tem a sua significação. A
mocidade define os desejos… a velhice, amortecendo os ressaibos,
clareia, decanta, a experiência, sublima, despersonaliza as espe-
ranças, deixando-as ao futuro definitivo. E partimos, certos de
que o bem prevalecerá. Essa crença faz a serenidade da velhice,
antítese natural da risonha despreocupação infantil.
.......................................................................................................
No meu sistema de trabalho, perco, muitas vezes, se é longa a
obra, as anotações havidas da experiência e do pensamento alheio.
Então, vem o texto entre aspas, para não ser colhido em intrujice.
28
ORIENTAÇÃO
29
ção, tão essencialmente animal: exalta-se, no entanto, para ser idí-
lio romântico, a desdobrar-se nos extremos conscientes da ternu-
ra para com a prole. Houve que ser assim, porque nas formas do
espírito humano — em luz de consciência, a intensa necessidade
de amor e os sacrifícios da maternidade exigem correspondente
intensidade de ação, para a qual são necessários motivos bem for-
tes, conscientemente sentidos e nítidos, para serem potentes e
dominadores. Foi pela pronunciada energia desses motivos cons-
cientes que o homem se elevou e fez valer a sua eficiência sobre as
coisas puramente materiais, subtraindo-se, subjetivamente, ao
determinismo brutal das influências exteriores, cósmicas, subordi-
nando-as, aparentemente, ao seu interesse moral. No homem, à
natureza orgânica superpõe-se a vida psicossocial, cuja fórmula
ativa é o próprio EU, trama em que se englobam e se harmonizam
as energias conscientes, como no sistema nervoso se unifica a vida
do organismo, e se distribuem os respectivos estímulos. No prosse-
guir da atividade fisiológica, depura-se e refaz-se o plasma orgâni-
co; nas manifestações do EU, reconhece-se o espírito, afirmando o
seu poder crescente, com o pensamento que se dilata e o senti-
mento que se sublima e as decisões em que se patenteia a própria
unidade de consciência. A experiência, na atividade do espírito,
renova-se como a própria vida, e o EU aparece-nos na função sub-
jetiva bem explícita — de escolher motivos de proceder, à luz da
consciência, orientado pela mesma experiência, tanto a pessoal
como a da espécie, sobretudo a que nos fala proximamente, nos
termos da tradição a que pertencemos.
Em verdade, todos os motivos de ação repercutem na cons-
ciência; mas os interesses gerais da espécie — moral, justiça,
humanidade —, como não são irradiações imediatamente egoís-
tas, tomaram formas de inteligência, em ideias, e, com isso, mul-
tiplicam-se em representações, nítidas, correntes, como as mes-
mas ideias. Então, repetidas em todas as relações sociais, multipli-
cadas e explícitas como valores mentais, elas se contrapõem van-
tajosamente aos puros motivos individuais, ainda que sejam estes
mais intensos e vivazes. E, assim, obtém-se que prevaleçam as
30
necessidades de justiça e solidariedade. Destarte, está assegurado
o progresso essencialmente humano — pelo apuro e reforço
constante dos sentimentos socializadores. Em formas lucidamen-
te conscientes procedem todos esses motivos; mas a necessidade
primeira, neles, vem da profundeza do instinto… Por isso mes-
mo, se a conjuntura é complexa e a ação difícil, instintivamente,
procuramos razões explícitas para a nossa conduta, objetos defi-
nidos a que se aplique a fé íntima com que nos contemplamos,
essa fé que tem virtude para a ação intrépida, eficaz, vitoriosa. E
compreendemos, afinal, a fúria tigrina do selvagem — que arran-
ca, vivo ainda, o coração do prisioneiro valente, quando este, em
sobre-humana coragem, domina a sua admiração de guerreiro
primitivo: no veemente desejo de incorporar no próprio ânimo
aquela sublime valentia, para ter motivo de confiar na própria cora-
gem, o selvagem despedaça o peito que não geme, arranca-lhe o
coração bem vivo, morde-o por entre as contrações, devora-o,
certo de que, no tragar aquelas fibras, absorvendo-as, está a
absorver a coragem intemerata que nelas pulsava, e que será,
agora, tão valente e superior ao sofrimento como aquele que sou-
be afrontá-lo impavidamente.
31
mesma tradição, e que as consciências mergulhem nela, até que a
incorporem e lhe deem vida: a vida indispensável para o prosse-
guimento de fados próprios, pela plena expansão dos dons já re-
velados no passado. Não há que temer o termo: incluída no pen-
samento, a ideia não nos leva à reação, nem tende ao chauvinis-
mo. Sim: a fórmula — tradição nacional não será para nós dique
de estagnação, mas, nitidamente, fórmula de prosseguir, orienta-
ção indispensável, pois que o progresso humano — moral, políti-
co e social — só é possível como desenvolvimento e expansão da
tradição em que o grupo nacional se definiu. Lucidamente cons-
cientes, não podemos realizar verdadeiro progresso humano,
sempre caracterizado no apuro da própria tradição, senão conhe-
cendo-a bem, para, conscientemente, desenvolvermos todos os
esforços no sentido em que ela se orienta, pelo estímulo das ener-
gias que nela se revelam. Desta sorte, a tradição vale como a mes-
ma consciência nacional. E, conhecendo-a, nela nos exaltamos,
como na consciência do próprio valor pessoal.
Do estudo das sociedades, na sua marcha evolutiva, indu-
zem-se as duas verdades: a) todo progresso social e político se
faz ao influxo de uma tradição, na definição que nela se contém:
b) nessa altura da civilização, o influxo da tradição tem de ser niti-
damente, intensamente consciente... Nem é preciso mais longa
demonstração. Quando um processo social ou instituição históri-
ca tem valor natural e corresponde à necessidade indeclinável,
encontramos sempre, a dar-lhe base, um iniludível instinto, pois
que o instinto significa exigência direta e formal da própria vida...
Ora, desde os primeiros dias da humanidade, como no que ainda
existe de almas primitivas, quando a ação exprime imediatamen-
te imposição instintiva, verificamos o zelo constante pela tradição,
com os ânimos a exaltarem-se nela, a levarem-se no influxo e na
orientação que dela recebem. E projetam-se para a vida a prosse-
guir e a engrandecer a tradição a que pertencem. O selvagem,
cuja consciência apenas traslada o instinto, busca inteirar-se dos
feitos em que a tribo se afirmou, para praticar valores análogos,
mais patentes ainda. E ele ouve as legendas de heroísmos em
32
haustos de vida, e canta, arrogante, os próprios feitos, que serão
estímulos de futuras gerações.1 Destarte, cada gente primitiva tem
o seu cabedal de proezas legendárias, em que as almas simples se
revigoram. Em estado bem mais elevado, o assírio tem de obede-
cer ao mesmo instintivo motivo, potente, na jactância de um
Tiglafalasar: “Eu enchi de cadáveres os barrancos e os cimos das
montanhas; e os decapitei e coroei com as suas cabeças os muros
das suas cidades…” Sempre infalível, o instinto se mantém em
gritos e gestos, alheios a motivos inteligentes, enquanto a respec-
tiva necessidade não se define na consciência como lucidez de
ideia. Desse momento em diante, a essência instintiva do proces-
so é, apenas, vigor de motivo íntimo — a impor, no regime moral,
a correspondente exigência. Então, se comparamos as jactâncias
brutais do selvagem com o historiar das tradições do civilizado,
encontramos a mesma diferença entre a fúria da besta em cio e os
lirismos do amor humano, completado com o perene carinho à
prole. O fundo, porém, é o da mesma fatal necessidade com que a
vida se propaga. E tudo assim se resume: progredimos humani-
zando-nos, quer dizer, procedendo por motivos de consciência.
Nem está em nosso poder negarmo-nos a esse evoluir —
do instinto para a consciência, onde se dissolvem as mesmas for-
mas instintivas. Então, para dar satisfação para as inflexíveis
necessidades em que a vida se realiza, só nos resta, agora, a ação
organizada em formas inteligentes e conscientes. Ninguém nega-
rá — que há, nos animais, um instinto de higiene: que eles instin-
tivamente escolhem alimentos, buscam o hábitat conveniente e
fazem processos hábeis de realização motora… como instintiva-
mente evitam as intempéries e outras influências maléficas. No
homem, prevalecem essas mesmas necessidades, a que o instinto
animal sabe atender; mas, se fôssemos deixar ao instinto a indis-
pensável higiene, breve se extinguiria a espécie. Então, pedimos,
1 Todos os cronistas referem o ardor cultual dos nossos índios — a cultivarem e enriquecerem as
suas legendas. Todos os valentes cantavam as suas proezas, para edificação dos jovens, e confian-
te orgulho da tribo. A começar por Vaz Caminha: “… recitam as proezas que na guerra acabaram
a que dão consumados elogios…”
33
cada vez mais, a inteligência consciente, no máximo da sua pro-
dução, os bons recursos de higiene…
E, assim, para tudo mais que subiu às formas inteligentes e
apuráveis.
III. A tradição — Brasil — A história seria um luxo perdido,
inútil dispêndio de inteligência a que o homem não se entregaria,
se não houvera a tradição, com a sua indiscutível utilidade — estí-
mulo e orientação. Com essa concepção cinemática da tradição,
tudo nos parece lógico: ela é a fórmula de uma marcha orientada.
A realização social se faz, necessariamente, em esforços indivi-
duais; mas é na tradição que se definem as possibilidades de har-
monia entre o indivíduo e o conjunto social. Podemos considerá-
la, pois, como a própria sociedade em continuação, tanto se
condensam nela, tradição, as afinidades ativas, graças às quais
se mantém e se desenvolve, em cada grupo, a vida social.
Apliquem-se ao nosso caso essas verdades.
Nos meados do século XVII já havia o Brasil. Bateu, para
continuar na tradição em que se fizera, a potência mais poderosa
do mundo de então. E não tarda que, dilatando-se, nas próprias
forças, desbrave e conquiste o interior do continente, modelan-
do-o definitivamente. Plantado na costa oriental desta América,
destinado, assim, a receber os ataques dos que pretendiam despo-
jar os primeiros colonizadores, o Brasil soube defender-se inte-
gralmente, e, com isso, defendeu toda a terra sul-americana, sal-
vo na parte que já ficava fora do seu resguardo, ao Norte. Foi, em
plena história moderna, uma idade heroica, esse anunciar da
pátria brasileira. E tudo se fez, muito explicitamente, como ener-
gia própria, pois que os mesmos fados que fizeram esta colônia
conduziram a metrópole portuguesa à extrema degradação, dei-
xando o Brasil praticamente abandonado.
Não houve, no caso, nenhum milagre. A colônia se gerara na
virtude do Portugal heroico, e que fora o ânimo nacional mais for-
te e mais explícito na aurora da vida moderna. Nascido desse ger-
me, levada a aproveitar as energias jovens da terra, a colônia se
criara na luta incessante — pela intransigente defesa contra fran-
ceses, castelhanos, ingleses, holandeses… Calor de legítimo patrio-
34
tismo, essa luta acelerara a gestação nacional, e, antes que termine
a defesa, quando tal se torna mais difícil; fechando-a definitiva-
mente, manifesta-se o Brasil, em provas de valor terminante e
indiscutível. Um século, apenas, de vida, e da colônia emerge uma
nova pátria. O nome — Brasil — impõe-se no jogo das nações, ao
mesmo tempo que, particularizado em pernambucanos e pau-
listas, o povo brasileiro entra para a história universal. Enquanto
isso, a América do Norte oscilava entre as pretensões dos franceses,
holandeses e ingleses, a aproveitaram-se da insuficiência castelha-
na. Há um México, porque o asteca assim o deixara, apesar de
quanto o espanhol destruiu. No Sul, destaca-se, em nome históri-
co, o que vem dos incas, ou a terra iluminada pelo heroísmo do
aracário, ao lado de minerações revoltas, ou de míseros rurais,
ostensivamente abandonados e fechados, cercados pelas reduções
deixadas aos jesuítas, incompatíveis com o resto da colônia.
Primeira nacionalidade a definir-se e afirmar-se no Novo
Mundo, condensação demonstrada de preciosas energias huma-
nas, qual seria a situação atual do Brasil, se lhe fosse dado prosse-
guir na escala do seu primeiro desenvolvimento?… Por que razão
não lhe foi possível continuar a marcha em que vinha, e manter
a primazia inicial?… Os feitos do primeiro Brasil, isto a que cha-
mamos de idade heroica, tiveram repercussão explícita na confor-
mação do mundo atual; mas vivemos como se não soubéramos
disso; de fato, quase não o sabemos. A miséria em que vergaram
os nossos destinos abafou as nossas legítimas tradições, substi-
tuindo-se, nelas, o halo de glória pelas emanações do que o bra-
gantismo deu ao Estado português, e que nos foi imposto. E, fei-
tos de epopeia, sumiram-se sob o bolor que foi a vida pública do
Brasil — de 1650 em diante.
Será legítimo falar de tradição brasileira, referida a esse pas-
sado de glória? Sim. O que, na terra brasileira, acende a resistên-
cia ao holandês — triunfante de Castela e Portugal, é o influxo de
uma nova tradição, a substituir a que se desmoralizara nas derro-
tas vergonhosas de que fala Nescher.2 É a necessidade de viver
35
nela e de defendê-la — que traz ao forte de São Jorge, abandona-
dos pelas milícias regulares da metrópole, os voluntários em quem
se concretizaram as primeiras legendas pernambucanas: Só a vir-
tude de uma tradição pátria, em almas sãs, poderia revelar os
Rabelo, Barbalho, Negreiros… para uma intransigente defesa, de
quase trinta anos, e que teve de terminar pela vitória sobre o
invasor. A tradição da pátria portuguesa, essa que ostensivamen-
te se fizera contra Castela: quando Portugal está rendido ao cas-
telhano, não teria valor para tanto. Se não, que é que levantaria
Olanda e outros patriotas pernambucanos para atitudes franca-
mente nacionalistas em face do reino Fernandes Vieira, que,
aliás, agia no conjunto pernambucano, com meios brasileiros?…
Mães pernambucanas, irredutíveis sob o domínio do batavo, e
que oferecem à guerra, uns após outros, todos os filhos, como
teriam tal ânimo de sacrifício, se já não houvesse nelas uma alma
nacional própria — uma alma brasileira, afeiçoada na tradição de
Pernambuco? Em nome de que se levantariam, finalmente, os
invencíveis Insurgentes, esses que estiveram prontos a passar do
português a qualquer outro príncipe católico contanto que recon-
quistassem o seu Pernambuco, cuja tradição lhes parecia indis-
pensável ao prosseguir dos seus destinos?
Contemplando esse passado, fora, mesmo, de qualquer or-
gulho, podemos afirmar: as energias vencedoras, ali, já eram vir-
tudes expressivas da pátria brasileira. Não só naqueles heróis,
mas em todos esses que dilataram o Brasil pelos longínquos ser-
tões: pronuncia-se o surto de uma nacionalidade própria, ameri-
cana, inteiramente distinta da que se impôs em Ourique. Sen-
tiam-se brasileiros, e procediam em consequência, tomados pela
necessidade de manter e propagar a tradição a que pertenciam.
Motivos felizes produziram neles valor humano proporcional ao
sentimento da nova pátria. E ela prevaleceu. Hoje, sufocados no
ambiente deste Brasil, qual resultou do bragantismo, quase duvi-
damos dessa idade heroica; e, se reconhecemos a realidade histó-
rica, dobrados ao destino implacável, indagamos: que milagre de
perversão nos trouxe de tanta glória a tanta miséria?! Também
não há milagre aí. O milagre foi todo lá mesmo — na metrópole:
36
Portugal, como subiu, declinou, numa queda mais fulminante e
mais desenvolvida do que a própria curva de ascensão. Gerado
nele, e ainda incluído na sua política, o Brasil teve de descer —
das realizações fulgurantes de Insurgentes e Bandeirantes à vida
pública concretizada na soberania de cá — Império ou República,
e que exprime, sem variantes, quase, o Estado português planta-
do com o monturo de D. João VI. E tudo em que nos diminuímos
— amesquinhamento de destinos, desvirtuamento de tradições,
degradação dos dirigentes, mentiras e infâmias contra a nação;
tudo se explica por essa mesma degradação de Portugal-metrópo-
le, expressão necessária da degeneração em que o seu heroísmo
mercantil se corrompeu. E a nossa história, que vem desses dias
luminosos — de Tabocas e Guararapes —, escurece, nos miasmas
opacos dessa mesma degradação.
37
Nações que morreram, povos que se extinguiram!… Assim
enunciado, para ser tomado ao pé da letra, o fato é absurdo por
impossível. A Assíria deixou de existir, como o Egito de Sesostris,
e o Ponto de Mitridates… não no sangue das respectivas gentes,
mas nos sentimentos e nas ideias que falavam em Assurbanipal,
ou nos faraós. Suplantadas, embora, cada uma dessas tradições
concorre para o caráter social em que se distinguem pertinaz-
mente as respectivas populações. Sanitas, etruscos, gregos da
Calábria… são nações que desapareceram ou extinguiram-se his-
toricamente, sob o triunfo do romano; mas todos sabemos que,
vencidos e dominados, esses povos apenas sumiram, incluindo-se
na grande Roma. E sumiram no corpo da nação latina sem anu-
larem-se, no entanto. Ainda hoje encontramos a alma da Etrúria
no característico do gênio toscano.
Finalmente, a substância da história é feita desses embates
em que, sob a rubrica de povos, ou de classes, as tradições se afron-
tam e lutam, para o avassalamento de umas pelas outras, com o
resultado de substituições, fusões, eliminações, extinções — len-
tas ou súbitas, até que prevalece a tradição que representa um
maior progresso humano, ou, pelo menos, a virtualidade de pro-
gresso, em energias jovens, próprias para a indispensável renova-
ção de formas — políticas, sociais, econômicas… E nada signifi-
cam as oscilações passageiras. Pouco importa — que o maometis-
mo turco houvesse transbordado, por tanto tempo, sobre aquela
desenvolvida orla de povos cristãos: ao refluir da vaga, o prestígio
da tradição muçulmana se reduziu, na medida do respectivo vali-
mento, em confronto com os povos ocidentais. Pouco importa
que o imperialismo comercial do inglês esteja a conter a Índia, que
nele se estortega: se há, na tradição hindu, elementos de pereni-
dade, ela quebrará as roscas de John Bull. Não podemos esquecer
que o Império Romano — o mais realmente império sobre o
mundo — sucumbiu abatido por dois adversários: o cristianismo
e o potencial renovador dos bárbaros. O primeiro se impôs no
valor moral dos seus ideais; o segundo, pela mocidade das ener-
gias patrióticas. Mas tudo não passou de um contender de tradi-
ções: uma política esgotada, e que tanto se estendera como se
38
desnacionalizara, em confronto com a imaculada tradição políti-
ca de povos jovens, inspirados imediatamente nas necessidades
orgânicas de pátrias que ali mesmo nasciam e se manifestavam,
para formas que apenas se desenhavam.
Houve luta, sempre, por toda parte, até a definitiva vitória,
luta de batalhas, luta de martírios, de acordo com as tradições em
litígio. E como as tradições derivam umas das outras, qual os
povos mesmos, temos o exemplo desse cristianismo nascido do
judaismo, trazendo dessas origens a mesma força de expansão e
de eternidade. Sim: a não considerarmos o fenômeno tradição, o
judeu não tem explicação. Sobreviveu, resistindo a todas as des-
graças em que se extinguiram os chamados povos históricos. Mas
que vem a ser o judeu? Uma tradição político-religiosa, mais reli-
giosa do que política e tão vigorosa que superou as mais duras
provas, através de todas as misérias. O cristianismo, semente síria
enxertada na tradição política e social do Ocidente, desenvolveu-
se portentosamente, alastrando-se por todos os veios do panteís-
mo greco-latino. Foi a sua gloriosa grandeza que tal energia de
propagação e de resistência lhe viesse da tradição judaica onde
nasceu.
39
por quê? Porque tal noção teve que ser inferida da própria vida
moral, e só muito recentemente chegou a consciência humana a
esse grau de intensidade e de profundeza necessário para realizar
a completa análise íntima, que permite reconhecer, em cotejo
com os efeitos de outras consciências, as diferenças de grau e de
desenvolvimento moral, refletidos na visão interior. É dessas dife-
renças, quando elas podem ser verificadas e apreciadas, que veio
a ideia de progresso. Não esqueçamos que, antes de poder analisar
evoluções e mutações, devemos ter, bem explícita no espírito, a com-
preensão de estados. Começamos a filosofar como se a natureza e o
universo fossem aspectos estáticos definitivos. Só então é possível
reconhecer uma evolução, que já não é somente o apreciar de um
estado, senão o verificar — a transformação de uns estados em
outros. Assim, a longa sucessão de formas e de estados derivados
toma o valor de um fato próprio: é a evolução. Essa necessidade
de apoiar-se o espírito na ideia de estados definitivos tem expres-
são, ainda, na constante aspiração de repouso mental, teorias
completas, explicações absolutas, sistemas explícitos…
Só uma consciência refletida muito intensa, apurada na
verificação de condições estáticas, senhora dos recursos da análise;
só uma tal capacidade de exame poderia entrever a possibilidade
de mutações incessantes e ordenadas, como é essencial no pro-
gresso. E isso nos explica, também, por que a ideia de progresso
se referiu antes de tudo à vida moral: é a diretamente alcançada
por essa análise intensa de consciência, em exames subjetivos.
Heráclito poderia ter tido uma qualquer intuição do fato; Lucré-
cio, inspirado dos epicuristas, teria dado atenção aos aspectos
sensíveis de uma evolução natural nas sociedades… Nenhum,
porém, teve força para abalar a filosofia política e social, que, em
Platão e Aristóteles, presume, sempre, estabilidade em formas de-
finitivas. Só muito tarde, quando prevalecem as concepções da
segunda metade do século XVIII, com Lessing, Prestley, Turgot,
Goethe…, é que a ideia de progresso se tornou noção definitiva-
mente aceita, a lembrar as vistas de Pascal — que a humanidade
existe e avança, “considerada como um mesmo homem, que sub-
siste sempre e aprende continuamente”. É daí que a ideia se
40
estendeu sobre a filosofia, abrangendo a natureza toda e o pró-
prio Universo, em plena evolução.
De todo modo, esse primeiro progresso reconhecido é reali-
zado no espírito. E, como o caracteriza Condorcet? Em que hie-
rarquias se define ele? Na conquista da igualdade entre os ho-
mens… justiça entre os povos… Ora, se tanto pretende e procla-
ma a filosofia moderna é porque reconhece e proclama a igualda-
de de natureza moral entre os indivíduos. Foi, essa, a grande des-
coberta de que decorre a própria noção de progresso. E só se fez
muito tardiamente. Para reconhecer que, apesar de todas as desi-
gualdades sociais e de aptidões, há analogia essencial nas almas,
foi preciso uma longa e aturada análise íntima, profunda, para o
cotejo das propriedades congêneres e das atividades análogas, de
indivíduo a indivíduo. Dobraram-se as consciências, e refletidas,
verificaram que somos iguais e podemos aceitar o dever de assim
viver, reconhecendo aos outros iguais direitos.
Na evolução da psique, a consciência refletida é estágio último.
Já havia história e a humanidade era, ainda, uma qual nebulosa de
consciência social, até que a síntese inteligência-sentimento foi
bastante coesa e lúcida para examinar-se a si mesma, na perscruta
dos seus processos de realização e dos próprios diferentes modos de
ser. As respectivas verificações tiveram valor de doutrinas na inter-
pretação do mundo político e social. Compenetremo-nos dessa pri-
meira teoria de progresso e reconheceremos que o entendimento
humano não teria ido até ela sem reiterados julgamentos morais,
cada vez mais nítidos e profundos, como o exige a concepção de
justiça, consagração final do que a filosofia do século XVIII recla-
mava. Tais julgamentos morais têm que referir-se a modelos ideais,
impossíveis — enquanto a consciência era aquela opacidade do
bárbaro, onde apenas luzem as formas instintivas de satisfazer as
necessidades essenciais. E as coisas se passaram de forma que o
progresso foi, em primeiro lugar, uma condição interna, humana,
fórmula de moralidade, daí transportada para o mundo objetivo,
iluminado, assim, na luz dessa íntima reflexão da vida subjetiva.
Subindo ao longo dos registros em que se patenteia o valor
das análises, podemos seguir a mesma evolução da consciência:
41
simples representação, ou notação de impressões, sem que a
consciência se reconheça a si mesma; reflexão dispersa do espíri-
to a propósito de cada uma das suas atividades, e em que o ho-
mem examina os seus conhecimentos e discute as próprias deci-
sões; observação da atividade psíquica em outros, para cotejo do
que o indivíduo conhece de si mesmo — constatação das primei-
ras analogias entre as consciências; apreciação da coerência ínti-
ma do espírito — noção do próprio EU como unidade formal;
finalmente, intensidade de consciência, o bastante para que o
espírito se analise como continuidade, com o reconhecimento das
mutações possíveis através dessa mesma continuidade.
Tal desenvolvimento evolutivo nos explica por que, além da
ideia mesma de progresso, outras ideias (e até métodos) que nos
parecem essenciais só tão tardiamente houvessem surgido.3 Tal
acontece com a noção de justiça, a fórmula de exame crítico e a con-
cepção do livre-arbítrio… Há, mesmo, perfeita analogia entre o
valor dado à noção de progresso e à de livre-arbítrio. Na realidade
objetiva, não há progresso, pois que não poderia haver melhor,
nem pior — há evoluções; mas, conscientes, no orientar e animar
os nossos esforços, agimos como se houvera, de fato, progresso, e
conduzimos a ação para aquilo que, no subjetivo da espécie, con-
sideramos como melhor. Da mesma sorte: não há liberdade abso-
luta ou objetiva, pois que pertencemos ao determinismo univer-
sal dos fenômenos; mas, sentindo-nos subjetivamente livres, pro-
cedemos como se fôramos senhores absolutos dos nossos atos, e
os modelamos explicitamente pelos valores morais, apresentan-
do-nos, dentro da humanidade, como responsáveis por eles. Co-
mo indivíduos, vamos no sentido de uma finalidade social, reali-
zada no grupo a que pertencemos: é o progresso — político,
moral, econômico… incluído no programa nacional, e que é, fi-
nalmente, uma relação de causalidade entre ações pessoais e fins
comuns, progresso que é, concretamente, a realização, cada vez
mais ostensiva e completa, da tradição nacional em si mesma,
como indicação das possibilidades no conjunto humano.
42
Todo esse argumentar de generalidades tem por fim tornar
bem explícitos os motivos que impõem o dever de cultivar e
defender a tradição nacional, na fórmula prática de defender e
depurar a história em que ela se contém e se sistematiza. Toda
nação tem o seu caráter, cuja expressão formal se encontra na
respectiva história, registro de experiências e de motivos de con-
fiança… Só aí, podemos achar o que nos explique o presente, e as
virtualidades discerníveis no futuro. Tudo isso se deduz pela série
das evoluções realizadas, e que não poderiam ser direções corta-
das. E elas nos levam às construções lógicas e profícuas, se as
compreendemos a tempo, se não nos obstinamos, nós mesmos,
em querer fazer destinos de fancaria, contra as fórmulas naturais
e necessárias de expansão e de desenvolvimento da tradição.
43
decompostas as puras formas originais. É nesse mesmo efeito
degenerativo que se têm anulado tantas nações, fechando as his-
tórias dos grandes impérios.
Entende-se como degeneração psíquica a queda das ativida-
des superiores do espírito, determinando a degradação do homem
nas suas qualidades específicas, caracterizadas, ou propriamente
humanas. É a degeneração que se manifesta nos atributos e nos
valores de inteligência, de moralidade e de caráter, e que só pode
ser apreciada em efeitos. Admite-se, no entanto, que seja uma
degeneração essa desvalorização das criaturas, ou dos grupos, por-
que os seus efeitos são equivalentes do que ocorre no órgão, cujos
elementos nobres foram reabsorvidos e se substituíram por tecidos
inferiores — degenerescência adiposa, degenerescência fibrosa… Nesses
casos, nota-se que, com a inferioridade de estrutura, sobrevém
queda sensível das qualidades funcionais do órgão. Ora, nos povos
degenerados, como nos organismos em particular, nota-se uma
tão acentuada degradação das funções de socialização e de pensa-
mento, que faz pensar numa qual inferiorização da própria organi-
zação nervosa. E para, aí, toda a analogia entre a degeneração
somática ou de estrutura e a degeneração da vida psíquica.
Analisando no substrato material, o degenerado, moral ou
mental, não seria reconhecível; quando muito, alguns tipos extre-
mos, com anomalias pessoais muito pronunciadas, caracterizar-
se-ão por certos estigmas… Isso, porém, não lhes tira esse caráter,
nem os redime da inferioridade humana que neles se manifesta.
Tal inferioridade pode ir até à loucura, e inteira desclassificação
moral, ou mental, conservando-se a aparente integridade anatô-
mica. Por isso mesmo, certas enfermidades do sistema nervoso
eram qualificadas de moléstias — sine materia, isto é, sem alteração
sensível dos respectivos órgãos. Pura aparência: tais perturbações
da vida de relação pressupõem lesões materiais; mas, são lesões na
própria estrutura íntima da célula nervosa, ou perturbações nos
seus processos nutritivos, imperceptíveis ao exame anatômico
mais apurado ou a qualquer processo de análise usual. Aliás, o
fato é constante: alterações e turbações na atividade psíquica, sem
modificação sensível no substrato orgânico. A simples fadiga
44
acumulada, assim como diminui a capacidade de produção mus-
cular, provoca enfraquecimento da memória e sensível restrição
no poder de atenção… Vem, então, a explicação, que, no caso,
nada explica: o trabalho provoca a formação de substâncias
químicas estiolantes, e estas, agindo sobre os centros nervosos, os
entorpecem, determinando citados sintomas, que cessam quando
as mesmas substâncias são eliminadas, e que uma secreção interna
vem restabelecer o tônus normal... É possível que seja assim; é
necessário que tudo isso se dê, para que se justifique a modifica-
ção funcional; mas, de fato, continua o aspecto paradoxal: altera-
ções profundas no valor da produção cerebral, sem aparentes
modificações da respectiva estrutura. E a explicação se afigura,
então, equivalente da molieresca virtus dormitiva. Haja, ou não,
produção de substâncias estiolantes; ainda que acudam as endocrí-
nicas para restabelecer-se o tônus normal, a lógica nos impõe a
convicção de que a cada turbação de função psíquica deve corres-
ponder modificação de estrutura. Não o reconhecemos. Por quê?
Dados a complexidade da organização nervosa cerebral, por um
lado, e o aspecto sublimado dos processos conscientes, as respec-
tivas perturbações funcionais nos parecem excessivas, visto como
nem sabemos reconhecer as transformações que se deram nos
minúsculos detalhes de organização anatômica. Que modificação
é precisa, na posição das lentes ou na iluminação de um micros-
cópio ultra, para que haja, ou não, nitidez na imagem que perce-
bemos? Consideremos, agora, que o aparelho cerebral é milhões
de vezes mais complexo e reduzido em proporções de elementos
do que um microscópio e que as exigências dos processos inte-
grais de consciência são infinitamente maiores que a de uma sim-
ples imagem microscópica, e teremos o motivo — porque as dife-
renças nos valores de consciência parecem não ter corresponden-
te nas alterações materiais dos respectivos aparelhos.
Daríamos uma explicação mais lúcida se disséssemos: toda
atividade psíquica é atividade fisiológica, mas, no valor e nos efei-
tos de consciência, os atos cerebrais-psíquicos são como que infi-
nitamente ampliados, e, desse modo, os efeitos de uma mesma
causa, se os contemplamos nas manifestações de caráter psíquico,
45
como fatos de consciência, são nitidamente distinguíveis e carac-
terizáveis, ao passo que, verificados como modificações mera-
mente somatofisiológicas, são quase indiscerníveis. Tal se dá com
a ação do álcool e de muitos outros dos chamados tóxicos do sis-
tema nervoso. Numa dose comum, não mortal, o álcool não dei-
xa vestígios materiais, próprios; abstraiam-se os sintomas estrita-
mente psíquicos, e nenhum profissional pode com segurança
diagnosticar um alcoolizado, a menos que se trate de um caso
crônico, de efeitos acumulados, ou se houver ainda vestígios
exteriores ao sistema nervoso — hálito, restos de bebida no estô-
mago… Enquanto isso, na repercussão de consciência, o menos
experiente reconhece prontamente um bêbedo: tudo se caracte-
riza numa como que decapitação do poder superior — da vonta-
de, domínio sobre si mesmo, força de caráter, espírito crítico, in-
tensidade de atenção, capacidade de observações… É, bem sabe-
mos, a ação química do álcool sobre o elemento nervoso que de-
termina esse enfraquecimento de frenamento ou inibição; mas,
assim como modificação orgânica, o efeito do veneno-álcool é
imperceptível, ao passo que é brutalmente frisante como dimi-
nuição da capacidade de controle. Imagine-se que, assim como há
um tônus muscular peculiar ao estado normal de saúde,
há um tônus normal de inibição, característico de cada pessoa.
Pois bem, o álcool faz cair o tônus de inibição, e o apreciamos
muito bem nos efeitos sobre as atividades conscientes.
Consideremos um outro aspecto, ainda, se queremos com-
preender alguma coisa — na significação e interpretação da dege-
neração psíquica. A atividade cerebral consiste, finalmente, em
transformar as excitações sensoriais em estímulos de ação: a visão
de um fruto… o ato de o colher… No homem, porém, dado o
enorme desenvolvimeuto cerebral, os estímulos de ação psíquica
se organizam de modo muito complexo e remoto; os centros da
respectiva atividade funcionam bem explicitamente — como apa-
relhos condensadores de energia e transformadores de estímulos.
É isso mesmo o que ocorre quando, sistematizando os efeitos de
mil impressões exteriores, organizando-as durante anos, chega-
mos, finalmente, a uma decisão. Esse modo de ser da atividade
46
psíquica superior, nos longos estímulos em que ela se faz, toma
feição muito especial na vida consciente. Em conceitos humanos,
são considerados motivos morais, esforços e desenvolvimentos de
pensamento, determinação de vontade… Então, verifica-se que
uma mesma continuidade de ação abrangerá, muitas vezes, toda
a vida do indivíduo, ao longo de muitos anos, absorvidas as suas
energias numa mesma propensão, como se a pessoa fosse supe-
rior a todas as outras excitações, votada inteiramente a um gran-
de programa ou a uma fórmula superior de realização. Dizemos,
neste caso: que se criam motivos íntimos, de valor moral. As coi-
sas se passam como se qualquer ulterior excitação sobre o cérebro
devesse aproveitar-se exclusivamente para ser transformada em
estímulo no sentido do plano geral de ação, ou no desenvolvi-
mento de pensamento.
Não sabemos como no íntimo se passam as coisas; mas a
verdade é que, nesse modo de ser (considerado como o superior-
mente humano), a vida do espírito se faz numa fórmula de inten-
sa atenção — no plano de ação, ou no objeto de pensamento,
com uma constante capacidade de inibição e de controle, inibição
para afastar da atenção tudo que possa prejudicar a realização
ideada, e que não diz com esse plano, controle, para apreciar e cri-
ticar constantemente o valor do que se vem produzindo.
Daí, resulta uma relativa superatividade, pela condensação
de todas as energias num mesmo estímulo; as funções, em contri-
buição de trabalho, como que se exaltam, e permitem, assim, as
conquistas — mentais, morais — a que consideramos como pro-
gresso. E aí está o sublime da ação humana.
Compreenda-se, porém, que são indispensáveis certas con-
dições exteriores, de ambiência moral e material, para que a cria-
tura humana chegue a essa possibilidade de longos estímulos
conscientes, e que são absolutamente indispensáveis para uma
produção superiormente humana. Simplificando, dizemos: é sob
a pressão de necessidades cósmicas ou morais que se criam e se
distribuem esses longos estímulos, superiores e profícuos. Ora, o
sintoma principal na degeneração psíquica é, justamente, a inca-
pacidade para a coordenação dos longos estímulos, traduzíveis
47
em orientação lúcida e moral. No aspecto humano da vida, há
uma sensível inferioridade de ação, e daí o considerar-se um tal
estado, que é sempre decadência e degradação, como degenera-
ção, isto é, declínio da organização cerebral. Não haverá uma
patente regressão orgânica, ou decadência estrutural, mas, no seu
valor humano, a pessoa é degenerada, na medida em que lhe fale-
cem esses longos estímulos, que caracterizam a elevação constan-
te em humanidade. Perde-se o sentido da solidariedade moral, que
assegura o progresso social, e o grupo decai de valor.
4Na degradação do Portugal bragantino, há os Freire de Andrade, que até parecem imunes à
degeneração.
48
patriotismo já não é de força a fazer arrostar a morte, as continua-
das privações. É o que sucede numa linhagem de fidalguia, ou
numa estirpe de gozadores afortunados, numa casta inteira, na
totalidade de dirigentes que não se renovam… quando o destino
os coloca no gozo imediato, fácil. Foi o que aconteceu às famílias
do patriciado romano, quando elas tiveram, para fartar-se,
senhorio sobre todo o mundo civilizado; foi o que aconteceu aos
dirigentes portugueses, com o séquito que os servia, quando
deram satisfação ao ideal de mercantilismo com que se atiraram
sobre os mares:
Corram ávidas galés!
..…………..................……
Toda a prata que fascina.
Todo o marfim africano,
Todas as sedas da China…
Fartar!…
5 Paradoxo — porque a maioria, não sendo de ótimos critérios, não pode selecionar, isto é, esco-
lher o ótimo. Todavia, com o domínio das burguesias, a necessidade de renovação fez do regime
democrático, por algum tempo, o melhor, na medida em que ele supria, dentre os dirigentes, os
que degeneravam e, com isso, evitava dentro da classe dominante as oligarquias fechadas. Foi
assim até que a concentração do capital financeiro-industrial, determinou a atual forma de
patronato, que é uma verdadeira casta.
49
demonstrativos, se bem que a sua verdadeira significação seja um
tanto diferente do que está universalmente admitido nos concei-
tos históricos de que a degeneração do grande império latino seja
uma singularidade a destacar no mundo antigo. Não, pelo contrá-
rio: a decadência dos povos históricos da Antiguidade é um fenô-
meno tão constante que toma o caráter de uma lei.
O caso de Roma tem valor especial por ser o último, e, so-
bretudo, porque o declínio do povo-rei, dado o seu poder imen-
so, representa uma queda formidável, a maior, nos anais da hu-
manidade. Foi como o ruir da própria civilização. Note-se, porém:
quaisquer que sejam as qualidades políticas e a tenacidade patrió-
tica dos romanos, a sua expansão histórica e a extensão do seu
domínio foram resultantes mais da insuficiência de seus adversá-
rios e rivais do que do valor positivo deles. No mundo antigo, não
se conhecia equilíbrio de poder entre as nações (Mommsen).* Des-
de que um povo se sentia forte, investia contra os que lhe esta-
vam ao alcance e crescia ostensivamente à custa das conquistas.
As sociedades viviam formalmente do trabalho escravo, e, desta
sorte, as classes políticas, nos países mais fortes e dominantes,
estavam condenadas à degradação, uma vez que, elevadas em
poder, se viam na posse das riquezas havidas das conquistas.
Roma veio por último, quando, pelo gozo da supremacia, Egito,
Assíria, Pérsia, Macedônia, Cartago já tinham chegado à deca-
dência. Povos em franca degeneração, esses rivais foram facil-
mente suplantados pelos rústicos romanos, que, assim, se consti-
tuíram em herdeiros forçados de toda a Antiguidade, como largo
ventre que se abrisse para receber o mundo a esfacelar-se. Nem
vale a pena lembrar o etrusco, amolentado na riqueza; mas não é
possível deixar sem menção: aquela Grande Grécia, que não sabe
aproveitar o gênio militar de Pirro e o obriga a abandonar a guer-
ra quando só conhecia vitórias; o Cartago, da Geroma, obstinado
em perder-se e a negar os recursos com que a formidável estraté-
gia de Aníbal teria destruído definitivamente o poder de Roma; a
50
Macedônia, milagrosamente conservada pela habilidade de
Felipe, para sucumbir sem lutar, quase, consumida pela corrup-
ção em que se diluiu todo o valor guerreiro dos gregos. Depois, é
o Oriente todo a vazar-se no seio já podre da Roma dos Lúculos e
Cíceros…6
Só desse modo, pela insuficiência dos outros, se explica que
Roma, sem gênio militar, fosse senhora do mundo, ao mesmo tem-
po que um círculo de oligarca era senhor de Roma. E quando o
Império latino caiu, foi como se todo o mundo civilizado houvesse
ruído. Um caso único, esse; mas a decadência de Portugal não é
menos expressiva e impressionante, como rápida e profunda.
6 Um grande homem dessa Roma é Cícero, oratória a soldo dos publicanos, a quem chamava de
homines et honestissime et ornatissime. Confessou, sem trejeitos, que, num só ano, arrancou, para si,
da província que governava, 2.200.000 sestércios (cerca de 3.000 contos). Acusando Verres,
fazia-o somente por interesse político: Verres era de Scila. Cidade Venal! Teria exclamado Jugurta,
esgotado o ouro em comprar os oligarquias do Senado. Mommsen não pode conter o nojo ao
tratar de Cícero, e, verificando a verdade do conceito do rei africano, comenta, ao citar o nome
de um senador menos corrupto (168 a. C.): “Era um dos raros romanos a quem não se podia
oferecer dinheiro…” Depois, repete Platão, justificando-se nos fatos: “O que rouba o Estado aca-
ba no ouro e na púrpura.” Nessa época, ainda longe da degradação definitiva, o número de
padeiros, cozinheiros e outros não combatentes, ao lado dos soldados em campanha, era de qua-
tro vezes o número dos combatentes.
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PARTE 1 a
Deturpação das tradições
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CAPÍTULO I
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3. Egocentrismo da história
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2Carlyle tem, sobretudo, o mérito da sincera franqueza. Nas mesmas páginas (O. Cromwell) em
que ele dá esse conceito, exalta o assassínio do duque de Buckingham. (Ibañez, La Catedral,
Kautsky, op. cit.)
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*Hansa – Na Idade Média Latina, a hans ou liga hanseática era uma associação que gozava de
privilégios que lhe davam poderes meios de atuação na Europa setentrional, constituindo-se
esses privilégios essencialmente nas franquias comerciais que se irradiavam para a Inglaterra e
para a Rússia. Constituída em 1241 (sic), a hansa contava, no fim do séc. XV, com 64 cidades.
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da Hansa… Nas cidades livres, realmente livres para uma nova for-
ma de vida, os efeitos são apenas de socialização: receberam a
lição de atividade comercial inteligente e constituíram o núcleo
donde deriva toda a atividade social da moderna Alemanha, Ho-
landa, Flandres (região da França e da Bélgica), admirável orien-
tação para esses ingleses, que aprenderam a comerciar em
Anvers.4 Quando Carlos VII, de França, arma os seus primeiros
sete calhambeques, para tentar a navegação de comércio em
grandes mares, a Hansa já conta oitenta grandes cidades comer-
ciais e tem uma organização de negócios que a torna universal,
para o mundo de então. Garantidos pela proteção do Imperador,
hábeis negociantes dali puderam levar aquela parte da Europa a
um estado social sem igual, por todo o Norte e Centro. Foi um
movimento de verdadeira civilização, que se estendeu por toda
Vestefália e o Reno, até o Danúbio.
E assim se formaram as massas burguesas, inteligentes,
úteis, produtoras, em contestação com a aristocracia feudal, inu-
tilizada nos seus privilégios, apta, apenas, para a guerra à antiga,
pois que todo o progresso militar — pólvora, facilidades de trans-
portes — se faz sem ela, em virtude dessa mesma aproximação
dos povos. Pensamos nisso e compreendemos que a imprensa nos
venha de um artesão do Reno, pois ali, como na Itália industrial,
o artesão é valor político e mental. Nas terras de história imedia-
tamente romana, tão próximas dessa mesma tradição, o influxo
de civilização tem efeitos prontos e as cidades italianas são cen-
tros de realização e cultura humana, como a Espanha, como a
Hansa. De certo modo, têm razão esses germanos que se procla-
mam restauradores da civilização romana. Sim: ali se refugiou, e
se adaptou à vida moderna, muita coisa do espírito romano, no
que ele tinha de universalizador e socializante. Nos hanseáticos e
4“Em 1426, eram 108 as cidades da Liga hanseática, com um grande número de cidades estrangei-
ras a elas associadas, conformando-se com os seus estatutos marítimos e comerciais; ela podia
armar, então, cerca de 260 grandes navios contra a Dinamarca, com 12.000 homens de desem-
barque. Ora, a Hansa de Lubeck não era a única… Havia a liga das cidades do Reno e a de
Suábia, reunindo as cidades do Danúbio. Que se julgue, por aí, a grande diferença de avanço
comercial e industrial dos dois países e, por conseguinte, político e social, com referência à
França, e que se veja de que lado se realizaram maiores serviços à civilização, durante a Idade
Média”. (Ad. Coste — L’experience des peuples.)
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6 Ad. Coste (L’experiénce des peuples, p. 128) mostra que os continuadores do petit roi de France,
antigo duque da ilha de França, estavam ainda muito longe de ser o chefe incontestado de uma
nação, quando o Avis já tinha como expressão do seu poder um Estado perfeitamente unificado
e ordenado.
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tico, ou, ainda, por que outros litorâneos, como todos os eslavos
do Mediterrâneo, nunca foram marítimos.
Tais despautérios constituem as últimas falsificações de crité-
rio, no sentido de diminuir ou, mesmo, desclassificar os povos
hoje decaídos, em favor dos dominadores do momento, e que se
atribuem, por isso, superioridades essenciais. O fato seria para in-
dignar, se não compreendêssemos que toda tradição é um aspecto
subjetivo do desenvolvimento social e que, nos julgamentos defi-
nitivos, muitos desses valores subjetivos têm que ser descontados.
E é por isso mesmo que os superiores do momento procuram
reforçar os seus valores de tradição com esses motivos de aparên-
cia científica — dolicocefalia e arianismo: pulhices que se desmen-
tem na própria história.7 O pior, no caso, é que, finalmente, nem
se pode lobrigar a realidade do passado, na distorção a que o sub-
metem, de tradição em tradição, e tudo nos aparece como turba-
ção e falsificações de uma história sem lugar para desenvolvimen-
tos lógicos e necessários. Mentira verificada, mas consentida e
aplicada no valor de exatidão, a história afasta a verdade, a res-
tringe, no julgamento do francês, ou a isola, em presunção, com
os germânicos, para, ao mesmo tempo, deprimir o brio do
holandês, ou do mexicano. Antes, a pura ficção. E o mal se agra-
va, se o historiador, avesso aos legítimos intuitos da história, lou-
va-a no que Carlyle chama de Draydust — indigestão de erudição,
para mostrar, como arrotavam os etruscos, e a que horas se ben-
zia Camarão… Como achar, aí, quando a sandice substitui o crité-
rio, aquilo que deve estimular e orientar um povo?
Max Nordau, num longo livro sobre Le sens de l’histoire, julga
ter explicado a essência das deturpações, quando nos diz: “O que
7 Mommsen, que era ariano, e, certamente, dolicocéfalo…, sendo historiador de verdade, teve de
reconhecer que o verdadeiro surto de civilização, em que o homem se elevou acima da brutali-
dade, para ser valor de inteligência, esse não se fez em arianos, nem em louros: “A crença e a
ciência são patrimônio particular das nações aramianas (semitas), e vieram do Oriente aos indo-
germanos… A mais antiga metrópole da observação científica, e das suas aplicações práticas, foi
o país do Eufrates; foi lá, provavelmente, que o homem pela primeira vez seguiu o curso dos
astros, e falou e escreveu pela primeira vez; foi lá que começou a refletir sobre o tempo e o espa-
ço e as forças ativas da natureza; lá se encontram os primeiros traços da astronomia, da cronolo-
gia, do alfabeto, dos pesos e das medidas.” (Op. cit. livro III, cap. I.)
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CAPÍTULO II
DETURPAÇÕES E INSUFICIÊNCIAS DA
HISTÓRIA DO BRASIL
7. O critério francês
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1 Trata-se de uns oficiais franceses, trazidos por Afonso Arinos, para percorrerem as quebradas
onde se fez a epopeia dos bandeirantes. Apesar da verdade minuciosa que eles encontraram nas
informações diretas de Arinos, tão senhor na atualidade como na história dos nossos sertanistas,
esses visitantes contam, a propósito do 13 de Maio, que, “dado o edito do Imperador libertando
os escravos, estes partiram, droit devant eux, sans bout, sans raison… Combien purent, même regaigner
les centres? Le nombre en est effroyablement restreint… Dos outros, nunca mais se ouviu falar,
Morreram, assim, centenas deles… nos grotões, nos planaltos, tanto como no lamaçal dos pânta-
nos… morreram aos bandos, de inanição e de cansaço.” (Jean de Montlaur, Sur la trace des ban-
deirantes, Paris, 1918, p. 201.)
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8. Carapetões e dislates
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3A ordem de páginas. é: 81, 83, 86, 108, 135. Na altura de 83, é, que ele diz: “Villegagnon com-
prit vite que l’entrepise mal commencée n’avait aucune chance… les portugais firent une des-
cente dans l’ile de Maragnon…”
4 Histoire de l’expansion coloniale des peuples européens, Ch. De Lannoy, prof. na Universidade de Gand, e
H, Van-der Linder, da Universidade de Liège, com dois editores, Lamartin, Bruxelas e Alcan, Paris.
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9. A sociologia francesa
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8 Isso não significa negar o fato de o totemismo, principalmente porque na própria crônica da
colonização do Brasil em relação com o gentio, encontram-se referências que dão testemunho
de que os nossos índios tinham, também, os seus totens. Fr. Vicente assinala, explicitamente que
os tupis não comiam do tamanduá, na crença de que esse animal representava o antepassado da
raça. Também é certo que a carne desse animal é altamente indigesta e nociva. (Du Graf.)
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9 Note-se que o progresso de Comte deixa de ser progresso, pois que não pode ir além daquilo que
ele definiu como estado último da humanidade.
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10 Koster assinala, entre admirado e pesaroso: “Encontrei poucos camponeses que tivessem
conhecimento da guerra de Pernambuco contra os holandeses…”. No seu tempo, 1811, já não se
sabia onde ficava o sítio das Tabocas… (II, cap. I.)
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11 Logo de começo, o Rei Católico deu a Pinzon terras do Brasil porque as reputava do domínio da
sua Coroa. Logo em 1500, o mesmo Pinzon e Diego de Lepe estiveram no Amazonas. Cinquenta
anos depois, nos dias de Hans Staden, Castela se considera senhora dos territórios de Santa
Catarina, tanto que D. Juan Calazar mandou para ali, a 18 léguas de São Vicente, representantes
seus, para que fundassem um estabelecimento e fizessem culturas, em se abastecessem as frotas
espanholas. Hans Staden esteve nesse estabelecimento. (Capistrano, pref. à Hist. da Colônia, de S.
P. de Sá; E. Reclus, L’homme et la terre, volume I, p. 248.)
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14Capistrano de Abreu define assim o valor de Rocha Pita… “informações farfalhantes da sua
acatassolada História… (Notas a Fr. Vicente, 441.)
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16 Foram os que desenterraram o cadáver santo do padre Pessoa, para ter a satisfação chacalesca
de cortar-lhe a cabeça e deixá-la exposta durante meses…
17 O ato de que, sem maiores provas, é acusado o filho de Bernardo V. de Melo, mesmo contado ao
sabor dos portugueses, não era dos que, na moral do tempo, pudesse infamar uma pessoa.
Apresentando o sargento-mor como assassino, os portugueses procuravam infamar a sua memó-
ria, para futuras averiguações. Senão, vejamos: o procedimento de André, o filho de Bernardo,
desenvolve-se em acordo com toda a família — pai, tio, e a própria mãe, e do público em geral, a
quem ele se apresentou, e que o aceitou como um simples vingador da honra conjugal. O Bispo,
conhecedor do fato e chamado a pronunciar-se, reconheceu que, pessoa daquela situação social,
não podia viver de baixo de uma nota de infâmia. Southey, que aceita todo o horrível libelo como se
fora verdade, admite que é tudo resultado de horríveis costumes…
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duta foi tida por ele como suspeita, e, do conjunto, resultou que o
irmão de Fernão, o padre João Leite, levantou veemente protesto,
na câmara municipal, contra o que já lhe aparecia como trama do
parlapatão. Varando pelo sertão, D. Rodrigo foi diretamente ao
encontro da expedição, que voltava sob as ordens de Borba Gato e
Garcia Paes, filho de Fernão Dias. “Garcia Paes se submeteu facil-
mente às ordens da metrópole, entregando ao espanhol as amos-
tras que trazia do sertão; o cunhado, de índole mais rude e agres-
siva, repeliu com energia o estrangeiro intruso” (Paulo Prado).
Seguiu-se fatalmente a morte violenta de D. Rodrigo, imputada
desde logo, como crime, a Borba Gato, que teve de internar-se,
longos anos, a evitar o castigo.21
Dava-se, porém, que, na conjuntura, era o genro de Pais Le-
me um penhor seguro do segredo dos descobertos, e o reinolismo
teve de transigir, na pessoa do governador Arthur de Meneses,
que obtém o perdão de Borba Gato e o proclama pessoa honrada
e da sua confiança. Com as indicações de Borba Gato completan-
do as de Arzão, abrem-se os veios de ouro, a que se atiram as
ondas de emboabas, bem representativos do Portugal cuja decom-
posição se completa nas minas achadas pelos paulistas.
Agora, serão despojados os descobridores. Não só despoja-
dos, mas aviltados, desprestigiados, infamados… pois que são
intrépidos, capazes de defender os seus direitos. É gente que nada
teme; antes ameaça.22 Muito naturalmente o primeiro a ser avil-
tado foi Borba Gato, pois que teve a coragem de reagir: foi acusa-
do, perseguido… perdoado, elevado em honras e em confiança,
para que desse os seus segredos. Colhidos os descobertos, quando
21 Paulo Prado apresenta as três versões da morte de D. Rodrigo: a de P. Taques, que faz Borba
Gato, em violenta discussão com o fidalgo embusteiro, dar-lhe um tranco e precipitá-lo numa cata
profunda, onde ele caiu morto; a de Bento Furtado de Mendonça, segundo a qual, dado que
D. Rodrigo requisitara a munição de guerra a Borba Gato, este se nublara, pelo que, pois, os seus
pajens o vingaram, irados contra o fidalgo; oficial: o conde Val e Reis, em ofício, dá conta de que
Rodrigo fora assassinado por três tiros partidos de uma emboscada. (Paulística, 116).
22 Ameaçando Anchieta a um mameluco paulista com a justiça da Inquisição, respondeu-lhe o
bravo: “Acabarei com as inquisições a frechas…” (P. P. Paulística, 25). O lance vem demonstrar
que, desde cedo, foram temíveis e temidos aqueles mamelucos, como faz compreender que os
jesuítas do Brasil não podiam deixar de concorrer para a difamação dos paulistas. Começou com
Nóbrega e Anchieta, avezados contra João Ramalho e a sua filharada mestiça, e continuou
enquanto prevaleceram os jesuítas. Já nos seus dias clamava o padre Vasconcelos: “Tais os
Ramalhos, de ruim árvore piores frutos”…
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23R.I.H.G. t. VI, p. 269. É evidente que Silva Pontes tem elementos para afirmar que a tal
memória foi escrita ou redigida por um português conterrâneo de Manuel Viana.
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24 Que não nos ofusque a visão da Inglaterra atual; na daqueles tempos, de Jacques I, os conde-
nados políticos, por simples delitos de opinião, eram expostos no Pelourinho, marcados a ferro
em brasa (Sedicious Libellist).
25 Carta de Cromwell, transcrita por Carlyle, na obra dedicada ao mesmo grande homem, sob o
número XXXL.
26 Mais de um século depois das características façanhas dos paulistas, os parisienses podiam teste-
munhar, em plena paz, sobre um dos seus, ferocidades como esta: “Em 1757, um denominado
Damiens cometeu um atentado contra a vida de Luís XIV, fazendo-lhe com um canivete uma feri-
da que em absoluto nenhum perigo apresentava. A vingança foi terrível: Damiens teve a mão
direita cortada e queimada aos seus olhos. Fizeram-lhe — nos braços, nas pernas e no peito, feri-
das, regadas com azeite fervendo e chumbo derretido. Ataram-no em seguida os membros a cava-
los, atirados em direções opostas, de sorte que o corpo foi despedaçado”. (Terrorismo e comunismo,
Kausky, trad. francesa, p. 147).
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32 Paraguai, p. 74.
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latitude das iniciativas. Afora isso, sobre que nada valia o domínio
da metrópole, São Paulo viveu no regime político e administrati-
vo do resto da colônia. Em 1613, que seria a fase da mais despea-
da independência, os paulistas, de tão pouco independentes, até
se queixam ao rei — de excesso de dependência: “…os capitães e
ouvidores que V. M. manda… os governadores gerais em outra
coisa não entendem, nem estudam, senão como nos hão de esfo-
lar, destruir e afrontar. Nisto gastam o seu tempo, eles não nos
vêm governar e reger, nem aumentar a terra que o sr. Martim
Afonso ganhou…” Noutra parte, pela mesma época, os paulistas
acusam: “… as aldeias desta Capitania, sempre sujeitas aos capi-
tães e justiças desta capitania, agora… os padres andam dizendo
publicamente que as ditas aldeias eram suas…”. De fato, São
Vicente, ou São Paulo, no tempo, nunca deixou de ter o seu capi-
tão-mor, o seu governador, tão representante do domínio metro-
politano como os das outras capitanias. Independência havia,
mas era toda íntima — o ânimo forte, que não teme a natureza e
não recua na perspectiva das brenhas; toda a liberdade e ação po-
lítica consistiam em que, sem nenhum auxílio oficial e sem ou-
tros recursos além dos meios pessoais, os intrépidos sertanistas
cumpriram todas as suas façanhas. O governador de São Paulo
não tinha alçada ao lado das bandeiras, antes estava à mercê dos
que as armavam e conduziam como no caso D. Rodrigo. E um
Bartolomeu Bueno, ou Antunes Maciel, ou Paschoal Paes, quan-
do se achava em plena vastidão desconhecida, ainda inominável,
não tinha senhores a quem dar conta. Era independente e livre,
qual o marujo já sem vista de terra, e que tem de contar consigo,
tão somente, quando a tempestade lhe sacode o barco e lhe
ameaça a vida.33
33Oliveira Martins é um dos que repetem, na facilidade dos seus conceitos, toda essa história — de
crueldades dos paulistas… e de paulistas — povo independente… Que valor se pode dar a tais con-
ceitos, na pena de quem, não obstante a obsessão de tornar culpados os jesuítas pela miséria de
Portugal bragantino, não soube reconhecer a origem da difamação contra esses brasileiros?…
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CAPÍTULO III
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1 Severim de Faria era irmão do frade Christovam de Lucena, da mesma ordem que Frei Vicente,
de quem era amigo. Frade Christovam, a quem o nosso historiador chama pelo nome Faria, ser-
viu muitos anos no Brasil, no Norte. Era pertinaz maldizente, contra Bento Maciel, Barreiros, o
jesuíta Luís Figueira… Tudo faz crer que ele tinha razão; mas os excessos da sua língua não são
nada cristãos: “…uns frades que cuidam que tiram de si o que põem nos outros… o capitão des-
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ta conquista que anda solicitando as mulheres casadas com publicidade, e ao padre da Compa-
nhia (Figueira) andar dando liberdade de consciência a todos para deste modo se fazer benquis-
to… tramas e enredos do padre Luís Figueira… o piloto como covarde, queria… não vos vades
fiando facilmente de relações porque são falsas, principalmente as dos padres da Companhia que
tem alguns por granjearia falar bem ou mal segundo o pouco ou muito que correm… a verdade
da linha para cá raríssimamente se encontra…”. Contudo, esse maldizente chama frei Vicente de
honrado. É na mesma página em que recomenda ao irmão que obtenha de Frei Vicente que se
refira aos dois, Severim e o próprio frade Christovam, na sua obra. E o nosso frade assim o fez, se
bem que em termos perfeitamente dignos e justos. Severim, historador — de uma História
Portuguesa —, não cometeria o crime, inútil para ele, de enterrar a obra de Frei Vicente. É verda-
de que Severim tinha alma irmã da do irmão, devia ser jactanciosamente convencido do próprio
valor, talvez incapaz de concorrer para a glória de outrem: “…administrei os ofícios que tive com
a maior inteireza… de nenhuma coisa fui mais liberal que da vida, lidando em contínuos traba-
lhos, no que toca os riscos da vida não tem cá sua magd. soldado que tantas vezes visse a morte
diante dos olhos… nos perigos em que animosamente me pus… fiai-vos só das informações que
de cá eu vos mandar porque sou muito cioso do crédito…”. Muito naturalmente, o frade Faria
estende à família o alto juízo que faz de si. Diz ao irmão, a propósito da história portuguesa, “…o
vosso livro me pareceu coisa divina, assim pela erudição como pela excelência do estilo…” Por
um motivo qualquer, ou um concurso de motivos, o fato é que, da mão de Severim, o livro de
Fr. Vicente passou para a sepultura. (Doc. L. O. pp. 233-255.)
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8 Foi um aumentativo de acaso. Uma comissão do governo brasileiro andara a fazer copiar docu-
mentos na Torre do Tombo, e, sem saber bem o que valia a coisa (cópia de assalariados), trouxera
um exemplar da História de F. Vicente do Salvador. Agora, começa outro desenvolver de sucessos,
onde se patenteia que isto aqui era bem aquele Estado feito na Independência de 22. As cópias
foram levadas ao Ministério do Império (Interior), cujo titular, o Marquês de Olinda, sem mais
cerimônias, mandou tudo para casa, como coisa sua. Naqueles tempos, havia absoluta honestidade
nos homens públicos, mas entendia-se que a honestidade se referia, apenas, a negócios de dinhei-
ro: não se roubava em espécie… E o marquês, que ajudará a fazer o Estado de que era ministro,
não sabia nada do valor da obra de que se apossara; deixou-a tão desprezada que, com o tempo,
nuns restos de inutilidades vendidas a preço ralo, a cópia foi parar num sebo, cujo dono, mais sagaz
que o sr. de Olinda, mais patriota, que o sr. de Porto Seguro, doou o manuscrito à Biblioteca
Nacional, em 1882. E ainda foi tempo para que a obra aparecesse publicada, numa edição miserá-
vel, a pior, das más, de que tem segredo a Imprensa Nacional: papel de jornal, colunas de jornal…
qualquer coisa a indispor o leitor que não fosse verdadeiramente patriota. Há oito anos, apenas,
quase quarenta anos depois de reachado o manuscrito é que a História de Frei Vicente teve uma
edição razoável, feita por um editor de nome estrangeiro, e que certamente acertou num excelen-
te negócio. Neguem, agora: que a alma de Severim de Faria paira, ainda, por sobre os nossos
destinos. Capistrano de Abreu admite que João Francisco Lisboa sabia bem o que mandara, pois
que o prometera ao sr. Varnhagen; então, este soube da chegada do manuscrito e, ainda assim,
deixou que ele ficasse ignorado, enquanto ele, Varnhagen, vinte anos depois disso, continuava a
servir-se do trabalho de Frei Vicente… Que historiadores e que estadistas!…
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9 Varnhagen, filho de um alemão a serviço de Portugal, nasceu e criou-se no Brasil, tendo, quase
adolescente, assistido a todo o movimento da Independência. Mas, feito o Brasil nação soberana,
ele preferiu servir a Portugal, de cujo exército foi oficial até os dias de Pedro II. Então, manda-
ram buscá-lo, para essa função a que ele dedicou a vida, o pouco talento e o mau coração —
fazer a história do Brasil em favor do bragantismo. Recebia do tesouro, na qualidade de diploma-
ta. Foi brasileiro dessa qualidade até o fim da vida. O filho, herdando dele a espessa indiferença
por essas coisas de pátria, preferiu ser chileno. Foi uma excreção de que nos aliviamos.
10 Estilo de Varnhagen: “Foi José Bonifácio nomeado mordomo-mor do Palácio, cargo que já exer-
cera interinamente, em várias solenidades anteriores, contra todos os usos da corte portuguesa,
em que o símbolo da mordomia-mor, que era um bastão tendo no castão a cabeça de uma preti-
nha, se não conferia, ainda interinamente, senão a um dos grandes, de maior categoria…
Mostravam-se por toda parte os brasileiros satisfeitos de terem um imperador, que este se via em
sê-lo…”(p. 242).
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11 Varnhagen nunca está a curto de erros: Mayrink não era de Pernambuco e é o próprio a afir-
má-lo, a fé de juramento, nos autos da devassa de 6 de março, quando o acusam de — haver
aderido à revolução e ser patriota: “Minha pátria não são os penhascos de Vila Rica, que me
viram nascer. A minha pátria, eu digo e entendo, é o meu governo, é a constituição da monar-
quia portuguesa, a que pertenço… A este corpo moral é que eu chamo pátria”. O Barão do Rio
Branco, apesar de todo o seu bragantismo, e, do mais que o levava para o lado do Visconde de
Porto Seguro, é obrigado a reconhecer que, no caso de Pernambuco, o famoso historiador guia-
va-se pelos portugueses, nossos inimigos. (Nota à História da Independência do Brasil, p. 403).
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21. Os sub-Varnhagen
12 História da Independência do Brasil, pp. 79, 80, 187, 190, 234, 242, 260 279, 301, 302, 315, 318,
397, 417. Nos últimos anos da colônia houve um sábio brasileiro, de nomeada europeia, Câmara
Bittencourt, aproveitado para intendente da mineração de diamantes, e que, nesse posto, aceitou
intentar a produção do ferro em alto-forno. Obteve resultado, comprovadamente; mas os suces-
sos da crise política desviaram a atenção do caso. Depois, foi o pai de Varnhagen encarregado da
fábrica de ferro de Ipanema; por isso, a famosa História Geral do Brasil incluiu a afirmação de que,
apesar de grandes gastos, Câmara Bittencourt não obteve nenhuma fundição de ferro. Felício
dos Santos pormenoriza toda essa interesseira inexatidão de Varnhagen. (Memórias do Distrito
Diamantino, pp. 298-300.)
13 O próprio barão do Rio Branco, da escola de Varnhagen, e que, assim, aceita e justifica a dissolu-
ção da Constituinte de 23; mesmo esse indigna-se das afrontas de Varnhagen — quando ataca os
Andradas e nega valor aos serviços de José Bonifácio. (Notas à História da Independência, p. 191.)
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14 O autor do Primeiro reinado, sr. L. F. da Veiga, que, aliás, aceita todas as histórias do Sr. Pereira
da Silva, teve necessidade de, três vezes, apontar citações em falso — pp. 49, 266 e 290. O
Cons. Drumond é mais categórico: “…o que escreveu o Sr. Pereira da Silva é um tecido de fal-
sas apreciações, calúnias (Nos homens ilustres)… que só merecem o mais profundo desprezo”.
(Anotações, p. 110.)
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15 Carlos Maul faz notar — História da Independência —, em justa apreciação, que Domingos
Martins tinha que ser vituperiado pelos historiadores da Casa de Bragança. O escritor podia
acrescentar — … e infamaram Pedro Ivo como haviam infamado Vieira de Melo… É de justiça desta-
car, em louvor, o discurso de Barbosa Lima, no Instituto Histórico, por ocasião do centenário da
Revolução de 6 de março. Correndo as páginas da nossa verdadeira história, ele deu ao culto dos
republicanos, e dos brasileiros em geral, os seus legítimos heróis.
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16 História da fundação do Império Brasileiro, T. I., pp. III, 160, 164, 236, 240 e 242. T. II, pp. 135,
140 e 286, T. III, p. 160, 164, 225 e 267.
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18 Dentre os historiadores consagrados, são exceções Capistrano de Abreu e João Ribeiro. Não se
confundem na mentalidade dos clássicos deturpadores. O primeiro, grande pensamento voltado
à história do Brasil, superior a doutrinas e a consagrações, timbra em ser, apenas, um lúcido e
incansável pesquisador, a organizar bom material para a verdadeira história do Brasil. Podia ter
aceitado ser o autor dela; mas incoercível modéstia tem-no afastado sempre da grande tarefa,
para a qual todos o apontam. Não é que lhe falte horizonte de ideias, nem capacidade de genera-
lização e segurança de conceitos, ou senso crítico, para estender o pensamento por toda a reali-
dade do Brasil — tempo e espaço, em síntese vivida e fecunda. Para demonstrá-lo, bastariam as
páginas em que resumiu a evolução do Brasil-Império (O Jornal, de dezembro de 1925), ou o
Prefácio à história da Colônia do Sacramento, de Pereira de Sá, onde se sucedem os julgamentos lapi-
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dares, na moldura de boa erudição: “Foi o inglês que nos obrigou a abrir mão da Cisplatina”. No
entanto, quem tenha tratado com esse puro espécime de homem de ciência — a sua ciência —
guarda a convicção de que ele jamais se atirará a uma obra de conjunto, que tanta vez exige
afirmar por simples dedução, ou compor em imaginação, a projetar conceitos sem outro susten-
táculo além da pura lógica. Pesquisador intransigente, prendeu-se ao regime mental do rigoroso
objetivismo. Eis a significação da sua obra.
João Ribeiro, historiador por direito de magistério, historiador por direito, principalmente, de
muito saber, na lucidez de um descortino seguro, preferiu limitar-se ao didaticismo — uma série
de manuais. No entanto, mesmo aí, a sua obra tem sido de boa orientação, lineada com coragem e
precisão. O volume destinado ao curso superior abre-se com esta apreciação que vale por uma pro-
fissão de fé: a história nacional tem sido “escrita com a pompa e o grande estilo da história euro-
peia; perdeu-se de vista o Brasil interno”. Inteligência ávida, perenemente incorporada à atividade
do pensamento moderno, João Ribeiro, sob a máscara de displicência ou de impassibilidade, tem
como característica mental o gosto pelas generalizações e o pendor pelas doutrinas. Destarte, rara
será a conjuntura histórica em que ele não engaste uma teoria, muitas vezes original, ou, pelo
menos, um julgamento pessoal, penetrante, apesar de quanta convencionice possa haver em con-
trário. “Não se pode sustentar (o que aliás tem sido feito) que o regime das capitanias fosse um
desastre”, proposição de grande verdade, e que bate o preconceito corrente. Foi um dos primeiros
a destacar o papel histórico e a obra, de valor capital, realizados no movimento dos rebanhos com
que os criadores se apossaram dos sertões. E, não só acentuou o fato, como deu a justa explicação
do silêncio em que o mantinham as histórias correntes: “A criação não produzia o imposto, por
isso deixa de interessar a coroa; nem sequer é mencionada nas histórias das administrações…” Não
haverá nele amor especial pelos brasileiros que brotam com o Brasil novo — as gentes misturadas,
como não há preocupação de justificar intuitos revolucionários; mas, chegado o momento, ele
consigna a verdade: “Os mamelucos, desde o século XVII, almejavam a república, o federalismo, a
abolição…”. Mais de uma vez, com toda a justiça, condena as intervenções do império no Prata, e
tem conceitos generosos a respeito da guerra acom o Paraguai, e contrários à estreiteza patriótica,
que entende justificar, em tudo, aquela desumana guerra de extermínio. E, com tudo isso, na rapi-
dez de páginas exíguas, as generalizações e as doutrinas lhe dão um caráter esquemático, que,
algumas vezes, aproveita a preconceitos em que se amparam os que deturparam a história nacio-
nal: “…mesmo hoje, se não fora a monarquia, a independência seria um problema insolúvel”. A
tese será justificável; mas, concisa, isolada de maior demonstração, ela provoca repulsa. Ou esta
outra: “…sem os exaltados, é impossível fazer revoluções, e, com eles, é impossível governar”. E a
Inglaterra de 1645? E a França de 1789? E a Rússia atual?…
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CAPÍTULO IV
ATENTADOS CONTRA A
TRADIÇÃO BRASILEIRA
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públicas inimigas, aonde só dominasse a anarquia e o espírito militar, devemo-lo muito à resolu-
ção que o príncipe tomou de ficar entre nós, de soltar o primeiro grito de independência”. (A.
Flum. nov. de 1834.)
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vos. Ora, o governo geral foi criado quatorze anos, apenas, depois
de iniciadas as capitanias. Não era período bastante para fazer a
experiência completa do regime. Além disso, convém não esque-
cer que as primeiras medidas tomadas, com a missão de Tomé de
Sousa, não foram as de acudir aos territórios batidos pelo gentio
rebelado e hostil, mas restringir as prerrogativas, o poder, em
geral, dos próprios donatários em prosperidade, que os outros
não tinham meios de poder. Destarte, foi a unificação em torno
de um centro o remédio aplicado ao Brasil das capitanias, e assim
foi porque tal era a escola política, já agora tradição, em que se
fizera o Portugal que, em 1500, se expandia para leste e oeste, de
Macau a Porto Seguro.2 O gênio político que inspirava os criado-
res do império ultramarino impusera-se no Brasil, desde que este
foi uma possibilidade de poder nacional. E esse gênio se infundiu
na sociedade política aqui formada, de tal sorte que quando o
domínio lusitano caía aos pedaços pelo Oriente a fora, e que o
próprio glorioso Portugal desaparecera no estômago indigesto dos
Felipes, reis germânicos da latiníssima Castela, o Brasil tem uma
alma nacional para reagir contra o invasor holandês. Sobrevém a
degradação bragantina; a soberania portuguesa, joquete dos inte-
resses holandeses, franceses e ingleses, só se pronuncia para ven-
der a terra pernambucana e embolsar o respectivo preço; e é
quando aquele Brasil concentra energias, bate e alija o holandês
invicto por toda parte, e ainda tem forças para arrancar-lhe os
pedaços do antigo império português, no que lhe ficava mais pró-
ximo — Angola e São Tomé —, tomados pelos fluminenses e
mamelucos de Salvador Correia.
Toda essa história, através da qual se solidarizam os destinos
e se unificam os sentimentos, para a realidade de um Brasil bem
nacionalizado; essa história não existe para um Euclides da
Cunha, que cria motivos, em fórmulas pomposas e ocas, a fim de
apresentar, em 21-22, uma nação brasileira anista, informe e des-
2 A simples criação do Governo Geral já era uma restrição essencial ao regime das capitanias e uma
fórmula explícita de unificação. Além disso, Tomé de Sousa trouxe regimento com restrições
especiais, categoricamente centralizadoras: “… grande alçada de poderes e regimento em que
quebrou os que tinha concedido a todos os outros capitães proprietários…” (Frei Vicente, p. 148.)
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7 Personalidades como a de Maciel Parente foram excepcionalmente ativas para a união e solida-
riedade do Brasil: desenvolveu ação em cinco das grandes capitanias, de São Paulo ao extremo
Norte.
8 Não há grandes rios navegáveis no Brasil, se não aqueles que já não são interiores, quase, como
os rios limitantes — Paraguai e Amazonas.
9 Houve momento em que a política do decrépito Portugal bragantino atentou formalmente con-
tra a unidade nacional do Brasil, Para melhor garantir a sucção, isolaram-se as capitanias umas das
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outras, e do centro: Felício dos Santos nos mostra a Capitania das Minas, por isso mesmo sujeita
diretamente a Lisboa. Chegaram a proibir o tráfego de umas capitanias com as outras, ao mesmo
tempo que anulavam inteiramente a ascendência do governo do Rio de Janeiro, em detrimento
do de Lisboa.
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13“Separada a província cisplatina, que ficava significando o Rio Grande do Sul?… doutrinário,
ou sanguinário, ou pecuário, ou caudatário, ou federativo… grassa o artiguismo além do cabo de
Santa Marta… a alma de Artigas — chacal conjurado a Moloch, ulula, duende impropiciável,
pela campanha e sobre as coxilhas.” (Prefácio à Nova Col. do Sacr., de Pereira de Sá, p. XXXIV.)
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15 Os cortesãos, p. 47.
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17 A carta de Alvear, confirmada em palavras do consul inglês, mostra que o movimento era geral.
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CAPÍTULO V
O PATRIOTISMO BRASILEIRO
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isso, que hesitemos nesse direito a ter fisionomia e que nos iluda-
mos quanto à necessidade de afirmação nacional? Alberti — ar-
gentino — transuda anglicismo por todas as juntas do pensamen-
to, mas, quando chega o momento, é peremptório e reclama até
“uma filosofia argentina, das necessidades sociais e morais do nos-
so país, clara, democrática, progressiva, popular…”, tudo com vis-
tas ao povo a que pertence. Um Reclus, já o notamos. E distorce a
história, reforma o mérito dos fatos e dá aos navegadores franceses
ou normandos um desenvolvimento de ação além do que é legíti-
mo. Um Blasco Ibañez, também com a preocupação de desprezar
preconceitos de pátria: quando julga o passado da sua Castela,
mostra-a gloriosa, próspera e elevada em espírito, enquanto era
conduzida pelas dinastias nacionais; passa a príncipes estrangeiros
(a Casa da Áustria), e é como que ferida nas suas forças vivas, ati-
rada à decadência, desnacionalizada: “… Carlos V e o filho rouba-
ram-nos a nacionalidade”.3 Na pena de um quase libertário, a fór-
mula é preciosa. Iremos pelos mais desimpedidos revolucionários
afora, até o comunismo integral, e encontraremos sempre, quan-
do humanos, a defesa da nacionalidade, quer dizer a afirmação da
pátria. Um Rappaport, teorista do comunismo, em pleno marxis-
mo: “La nacionalité est um fait qui crève les yeux… é um fato que salta
aos olhos. Não basta soprar sobre ela para fazê-la desaparecer.
Melhor ainda. Quanto mais procuram eliminá-la pela violência,
mais se afirma a nacionalidade, mais procura impor-se…
Defendendo as suas particularidades nacionais mais insignifican-
tes contra a brutalidade dos povos conquistadores, as nações opri-
midas defendem a sua liberdade, a sua dignidade”.4 O próprio
Lenin, no momento crítico — às vésperas da revolução de
Outubro —, no mesmo brado em que procura arrancar as massas
à guerra imperialista, exorta-as a que defendam, intransigente-
mente, em guerra justa, a nova pátria, proletária, que se institui.5
Parte de uma tradição, cada um desses revolucionários gene-
rosos teve que se render à necessidade de ser representativo da
3 La catedral, p. 187.
4 La doctrine et l’histoire, colaboração semanal na Humanité, 1927.
5 No caminho da revolução, 1924.
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não eram menos vivazes ; viemos dali, mas formamos nova tradi-
ção, distinta, diversa, cada vez mais diversa — ramo que se desta-
ca, e mais se afasta quanto mais braceja e se estende para a vida.
Independentemente dos motivos políticos: tiranizados, espolia-
dos, diminuídos pela metrópole apodrecida, os brasileiros tinham
que acentuar e caracterizar o seu nacionalismo em oposição ao
português, porque esta é a lei das diferenciações históricas: no
mesmo surto em que uma nação afirma a sua existência, apode-
ra-se das suas qualidades características, isto é, as que já lhe são
próprias; cultiva-as atentamente, dando a essa cultura o vigor de
uma luta de tendências, relativamente aqueles, justamente, que
lhe são mais próximos, e com quem poderia haver confusão. Nes-
se conflito, reforçam-se as qualidades divergentes. Ao longo da
história, encontram-se frequentes exemplos de tais lutas, sendo
que nenhum é mais eloquente do que aquela que deu lugar a for-
mar-se um Portugal, tão diverso de Leão-Castela, onde nascera.
Uma tradição não se engana, porque já é definição e caracte-
rização de vida, em expansão instintiva. A nossa tradição se fez
como expressão constante de nacionalismo, como a de todos os
povos vindos de uma ramificação histórica, sobretudo quando es-
tiveram submetidos a uma metrópole. Assim, explicitamente na-
cionalistas, haveremos de conduzir-nos, até que, firmes e garanti-
dos por vitórias decisivas, tenhamos, com isso, neutralizado os
efeitos das persistentes ascendências.8 Uma tradição vizinha, so-
bretudo se teve ascendência e se mantém influência com inter-
venção ativa, será sempre turbadora da nova tradição, turbadora
por irritante e retardadora. Vale, então, como atração embrioná-
ria, a embaraçar as novas formas de vida que se desenham. Nela
revivem germes, que serão, como na biologia, tumores cancero-
sos, a crescerem com o sacrifício do organismo inteiro. A saúde de
um povo é, de certo modo, a pureza das respectivas tradições,
tanto que, mesmo sentindo-se forte, cada nação continua a zelar
e a defender a sua história, linhagem de desenvolvimento que
8 Um Melo Morais (pai), depois de bem estudar e meditar o nosso passado, não hesita em afir-
mar: “Sendo o povo brasileiro diferente em índole, usos e costumes, do povo português…”
(O Brasil social e político, p. 101.)
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9 Aires de Casal é um que profliga os portugueses — que tudo levam para a sua terra… (referên-
cias de Southey, VI, p. 492).
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10 Maximiniano L. Machado, Hist. da província da Paraíba, pp. 387, 359, 363 e 367.
11 Citação de M. L. Machado, p. 383.
12 M. L. Machado, op. cit. 412, 402. É de notar que esse historiador era filho de português, que foi
contemporâneo das lutas de 1817, pode ser considerado insuspeito. Era, no entanto, um espírito
de justiça, perfeitamente feito na tradição brasileira: foi o criterioso e franco prefaciador da edição
da História da Revolução de Dezessete de Monsenhor Tavares, mandada fazer pelo Instituto de
Pernambuco, voz legítima das legítimas tradições brasileiras.
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parsaria ... Em tais condições, como haver lugar para uma expres-
são de verdadeiro patriotismo? O mais puro e legítimo dele foi
morrer matando o paraguaio heroico, ou teve de revolucionar o
país para impor a abolição.
Todavia, a surda necessidade nacional continuava a premir
as almas brasileiras, e, desde que o momento parece propício, des-
preza-se o antinacionalismo bragantino: as gerações de 1890, no
empenho de refazer a alma brasileira, sentem que é dever relem-
brar passadas lutas, para manter bem vivo o nacionalismo indis-
pensável, num Brasil mal conquistado ainda para a pátria. Fez-se
a Abolição, mal feita e tardia de 1888, fez-se a República canhes-
tra e já infectada de 1889, com a respectiva e monstruosa federa-
ção… Foi o bastante para os brasileiros de voz deixassem falar o
coração e houve um novo surto de nacionalismo. Em tais casos, a
verdadeira expressão nacional se faz num estrugir anônimo, anô-
nimo porque é geral, como foi o movimento jacobino de 92-97...
Com esse renovar de nacionalismo, um livro de educação cívica,
para os jovens brasileiros, volta-se para os dias da Independência,
no intuito bem explícito de mostrar que todo o mal, então, vem
da ação dos portugueses: “A monarquia foi obra de José Boni-
fácio, mas a implantação do absolutismo que nos governa e do
predomínio do partido português que ainda nos perturba e que na
sua evolução histórica atravessou o império em todas as suas
vicissitudes e contingências, sempre reacionário, em luta aberta
contra as aspirações nativistas, os desejos de progresso e de liber-
dade do povo, foi obra de José Clemente Pereira.”36 Pela mesma
época, então, e que já é dos nossos dias, com o prestígio e as res-
ponsabilidades do seu grande nome (apesar das suas tendências
monárquicas), Joaquim Nabuco marca o destino da Academia
Brasileira, por ele inaugurada; e, no intuito de fazê-la realmente
brasileira, traça um programa do mais acentuado nacionalismo,
mesmo nas letras: “A Academia, conservando a federação política
do Brasil, proclama a unidade literária; não terá nenhuma ligação
com Portugal, do qual os destinos brasileiros estão completamen-
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37 Vergeiro afirmou, nas cortes, que os portugueses sempre foram malvistos dos brasileiros…
“porque só tinham em vista a mais despótica exploração…”.
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39 É clássica a virtude do sangue português para distinguir o negro em mulato. A larga mistura no
Brasil vem daí. Desde as primeiras viagens de Gil Eanes, até os meados do século XVIII, Portugal
recebeu, lá mesmo, centenas de milhares de negros africanos, cujo pigmento e cuja carapinha se
fundiram nos poucos milhões de morenos de lá. O padre Antônio Vieira (Lúcio de Azevedo) era
um 1/8 de sangue africano, através de uma tetravó pura Angola, importada diretamente. Daqui,
recebem eles, constantemente, as levas de parentes ricaços, com as veias túrgidas do bom sangue
bantu congo, ou benguela, e que por lá se ficam, a concorrer na proliferação de novos portugue-
ses. …Em 1536, já lamentava Garcia Resende: “Portugal se despovoa, espalhando-se pelas ilhas,
pela Índia e pelo Brasil, ao passo que o reino se enche de africanos.” Costa Lobo registra a nota,
tomada a um viajante que encontra, na escassa população de Évora, três mil escravos africanos —
que ainda os havia em Portugal. Que significam, pois, tais e tão estultas soberbias de sangue,
senão o intuito de, assim, menosprezar a generalidade da gente brasileira?…
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43 Nenhum foi mais perversamente atacado pelo portuguesismo do que o cantor das nossas tra-
dições — José de Alencar; em compensação, não houve literato brasileiro que mais ostensiva-
mente mostrasse a sua antipatia para com o portuguesismo: “Desde muito tempo (da publicação
do Til ) que José de Alencar, por temperamento… votava entranhada antipatia à colônia portu-
guesa.” (Araripe Júnior, José de Alencar, p. 164.)
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……………………………………………………Vos pères
Hardis parmi les forts, grands parmi les meileurs,
Etaient des conquerants, vous êtes des voleurs!…”
………………………………………………………………
44 Em Álvares de Azevedo encontrou Eça de Queiroz a joia em que fulgura um dos mais belos
florões da sua obra. Disse o nosso lírico: “A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a bele-
za sensível e nua.” Eça ajeitou — “Sobra a nudez… o véu… da poesia…”
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46 Os timbiras, canto III. É bom de ver que essas citações não representam nenhum especial esfor-
ço de rebusca. Numa sugestão de momento, foram aproveitadas algumas dessas passagens que
ficam, como lembranças definitivas, por toda a vida do leitor brasileiro.
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CAPÍTULO VI
O CARÁTER DO BRASILEIRO
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1 As nossas histórias dão lugar a que um Garcia Calderon venha afirmar que Feijó afogou as revolu-
ções em sangue… Ora, afora o caso do Sul, o grande regente não teve contra si nenhuma verda-
deira revolução e nunca fez executar ninguém. No Norte, onde chegou a haver motins armados,
não se deu nenhum encontro que mereça o nome de combate, para morticínios a afogamentos
em sangue. A única revolução, que então se afogou — em miséria, foi a dos politiqueiros de 30
de junho, convencidos da necessidade de dar democracia ao Brasil, mas que não tiveram cora-
gem de levar avante o plano: foram afogados pela sensatez dos Carneiro Leão, Araújo Lima e
subsequentes, peritos em adormecer o Brasil e trair as suas tradições. A pobre pena de Moreira
Azevedo esgarranchou-se em chamar os democratas e republicanos de 31 anarquistas, demagogos,
facciosos… mas na sua lenga lenga, ele não aponta outra coisa senão arrepios na agitação natural
de um povo repetidamente ludibriado. É Feijó mesmo, tão incompatível com desordeiros e amo-
tinados, quem vai dizer o que valem os brasileiros a esse respeito. Foi em ofício lavrado depois
do mais forte dos protestos dos exaltados, saídos para a luta: “Os acontecimentos… não tiveram as
consequências… apareceu, ainda assim, o caráter doce e pacífico dos brasileiros… o brasileiro
não foi feito para a desordem; o seu estado natural é o da tranquilidade.”
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4 Euclides destaca a circunstância de que todo aquele sertão em torno de Canudos guarda, nas
designações topográficas (como as gentes guardam no proceder), o índice de origem, na tapuia-
gem, sobretudo do ramo cariri. De fato ali, em Geremoabo, há menos de dois séculos ainda havia
aldeias exclusivamente de índios — muncurus e cariacas, sob o comando dos seus morubixabas,
com quem se entendiam oficialmente as autoridades da capitania. E o caso não é de admirar,
quando, ainda hoje existem, em Águas Belas, Pernambuco, os remanescentes de tapuias, sob a
denominação de carnijós, mantendo, das origens, não só as tradições como a língua, (Mário
Melo, Revista do Museu Paulista, T. XVI, 795.) As referências a Os Sertões são explicitamente às
páginas 120, 322, 400, 443, 491, 500, 527, 540, 542, 543, 563, 568, 570.
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12 O conservador José de Alencar, depois de haver sido ministro, deixou a sua opinião, em pleno
parlamento, neste grito: “este povo, tão dócil, tão cordato, tão sofredor!…” (Anais de 1871).
13 Das muitas estúpidas mentiras dos nossos políticos, não há nenhuma tão frisantemente desbra-
gada como esta — da não miséria do povo ajecado. Quem quiser fazer o juízo exato do caso acer-
que-se de um desses casebres onde, por toda a parte, jazem os casais, acumulados com as ninhadas
de crianças, fora de toda a higiene, sem outros meios de alimentação e de tudo o mais, além dos
magros 4, ou 5.000 que ganha o pai, quando os ganha; sem a possibilidade de ter uma roça — que
a formiga devora, sem a indispensável estabilidade rural, que o dono do terreno o tem à sua mer-
cê, e o enxotará quando bem lhe aprouver… Uma mãe louca, a uivar o seu delírio; um filhinho de
dois anos nas vascas de uma bronquite capilar, um de seis meses colado a um peito murcho, de
desnutrida, e três mais velhos, macilentos, esquálidos, a deixarem escorrer pelo beiçame flácido o
catarro da miséria… Ela esperava o marido que trabalhava na roça, duas léguas distante… Tal a
última visão, do viver humilde para um casal brasileiro. Foi nas cercanias de Cambuquira.
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te aos que sabem tirar da inteligência tudo que ela pode dar, e o
Brasil continua o que era, isto é, país onde a ignorância é religio-
samente mantida. O espetáculo comove, como irrita e revolta:
uma população que, em duas ou três dezenas de anos, poderia ter
uma vida tão culta e próspera como a dos mais adiantados entre
os ocidentais, pois que não lhe faltam as virtudes em que se ele-
vam as sociedades humanas, e que há de continuar na existência
mesquinha e penosa em que tem vivido, porque a nação está
condenada a ser o pasto de fartura, para o cocho; que é o Estado
dos estadistas brasileiros.
Toda essa miséria, em que se anula o país, terá apreciação
mais demorada, pois que é indispensável completar a qualificação
do Brasil, com o estudo das suas condições atuais. Por agora, bas-
ta-nos limpar o nome brasileiro da mancha de desordeiro e indisci-
plinado, como o apresentavam os historiadores a serviço do impé-
rio, e o repetem os políticos que apenas sabem ser feitores, pre-
tendendo, assim, justificar o uso do relho em que se elevam. O
Brasil prossegue acanhadamente, na medida do que valem os
seus dirigentes, mas sempre livre de outras agitações além do fer-
mentar pobre da política deles mesmos. Passados os protestos e a
irritação da nação, ludibriada na independência que lhe deram,
voltou o povo brasileiro à paz costumeira, antes resignado que
revel. Abolição e República, profundas transformações que fossem,
fizeram-se em paz. As próprias turbações da iniciação republicana
não tiveram efeito de armar hostilidades e lutas sistemáticas
senão no Sul.
A distorção estúpida em que é feita a nossa história daria pa-
ra julgar que os militares brasileiros são dados a pronunciamentos
e que há, neles, espírito de desordem e insubordinação. Sim: o
exército, sobretudo, teve que se pronunciar em alguns momentos
de crise nacional. Mas assim o fez, numa fórmula de quase abs-
tenção — crise de 1831. Foi como a respeito da escravidão: as tor-
pes transigências dos governantes vinham perpetuando no país o
trabalho escravo, que, à parte o horror da injustiça, era o grande
entrave ao desenvolvimento econômico na nação, e o exército,
consciente do mal, consciente da incapacidade do império para
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22 Op. cit. Livro VI, cap. VII; livro VII, cap. XI.
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29 Independência e República.
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31 Há, também, o testemunho peremptório de Monsenhor Tavares, que fez sempre de Antônio
Carlos um alto conceito, para uma amizade que durou muitos anos, após 6 de março. Tal não se
daria se o Andrada não houvesse entrado sinceramente para o movimento, ou se, depois, ele
tivesse autorizado os dizeres dos que o deram como forçado.
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40 Op. cit., p. 6.
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41 É preciso não confundir os Juízes do Povo, como no-los apresenta Southey (T. IV, 265), com os
Bons do Povo: “Nos distritos menos populosos, Juízes Ordinários tendo as mesmas atribuições dos
Juízes de Fora, eram eleitos por indivíduos que se denominavam BONS DO POVO, assim qualifi-
cados por haverem exercidos cargos da municipalidade”. (Armitage, p. 2).
42 Houve municipalidades que depuseram capitães-generais, sendo aprovadas, tal o seu prestígio
ante o governo de Lisboa. Assim aconteceu com o covarde e inepto Castro Morais, em 710. Foi
Pombal (era fatal) quem limitou, primeiro, as atribuições as municipalidades brasileiras.
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PARTE 2 a
Trauma e infecção
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CAPÍTULO VII
A DEGENERAÇÃO DA
ATIVIDADE PORTUGUESA
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2 O padre Andreoni (Antonil), tratando do Brasil do fim do século XVII, diz textualmente: “O
título de senhor de engenho, muito ambicionado, vale como os títulos de nobreza, entre os fidal-
gos do reino.”
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7 O sr. O. Martins, depois de extasiar-se em face do Brasil, exclama: “Por que não criamos na
África uma nova Europa, como na América?” E dá uma resposta vazia. Por quê?… Porque o
português que ia à África era ainda, o heroico, em processos de negreiros, e porque, certamente,
o português só não bastava para fazer uma nação; só aqui ele frutificou, porque só aqui havia o
necessário para completá-lo e formar um povo capaz de resistir a tudo, inclusive à infecção.
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neração portuguesa, tendo causas que lhe são bem próprias, obe-
deceu, no entanto, a essa fórmula, e de um modo tão absoluto que,
por isso mesmo, se tornou característica: o motivo foi um desejo
vivíssimo, profundo e longo; o objeto da conquista — riquezas ime-
diatas, sob a forma vil de um comércio privilegiado. Resultou,
então, que a degeneração sobreveio brutalmente: foi a mais inten-
sa, profunda e rápida, de quantas há notícia na história. Os tempos
de grandeza já são de decadência. O objeto, mal disfarçado, da con-
quista desejada, a sua materialidade palpável, produziram, desde
logo, a desmoralizante regressão de ideais; o desejo se tornou
ostensivamente em cobiça — Fartar!… E foi como se a degeneração
começasse com a própria conquista. Havia, nos primeiros decênios,
plenitude de energias; mas as almas desenfrearam, abjeções abaixo,
sem medida para a ferocidade vil das exações: “Todos são ladrões,
todos, sem exceção, chatins…, relatava D. João de Castro ao seu
rei. Cá está em estado que não há mouro que cuide haveis de ser
de ferro para o seu ouro… As cobiças e os vícios têm cobrado
tamanha posse que nenhuma coisa já se pode fazer que dos
homens seja estranha.” Isto era bem em começo, quando ainda
havia a valentia dos setenta, que, com Duarte Pacheco, resistiram
ao cerco de um exército de dezenas de milhares; quando
Albuquerque, com quinhentos soldados e seis navios, conquistava
um império de milhares de léguas e muitos milhões de almas.
Tais efeitos, precoces, refletem-se, principalmente, no crité-
rio moral e não são, ainda, a degradação completa. Esta, porém,
teve que vir.
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8 Na pena de César, os germanos eram tão intransigentes, no seu comunismo simplista e livre,
como os nossos potiguaras e bororos. O grande romano sintetiza o estado deles como pobreza,
indigência, frugalidade. Mas quando vem dar a razão do caso, fala na mesma forma das que,
quinze séculos depois, descreveram a felicidade do gentio americano: “Inopia, egestate, patientia.”
Não há grandes magistrados… nem campos limitados, nem terra possuída individualmente… as
famílias vivem numa sociedade comum. Eles justificam esses usos; temem que os longos traba-
lhos do campo façam perder o gosto da guerra; cada um trataria de estender o seu domínio con-
tra os outros; os mais fortes despojariam os fracos… com o amor das riquezas, viriam as facções e
as discórdias; o sentimento de igualdade mantém a paz no povo, que se considera tão feliz e rico
como os mais poderosos. Aí mesmo, César nos apresenta os gauleses, anteriormente mais poten-
tes que os germanos, mas já degenerados pelo uso das riquezas, tanto que nem mais se compa-
ram com os germanos em valor guerreiro; “ne se quidem ipse cum illis virtute comparant”. (Guerra
das Gálias, L. VI, XXXII, XXXIII, XXXIV.)
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9 As páginas do cap. III, da 3ª. parte da América Latina, são transcrições de autores portugueses,
contando o que foi o domínio português nas Índias. Não, não há necessidade de repeti-las aqui.
As linhas que se seguem, de Gaspar Correia, cronista da época, dão a medida de proceder de Vasco
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da Gama, em especial “…mandou aos batéis que fossem roubar os pageres (barcos) que eram
dezesseis e as duas naus. Então, o capitão-mor (Gama) mandou a toda a gente cortar as mãos,
orelhas e narizes e meter tudo isto em um pager… e a todos assim justiçados mandou atar os pés
porque não tinham mãos para se desatarem, e porque se não desatassem com os dentes, com
paus lhes mandou dar neles que nas bocas lhos metessem por dentro, e foram assim carregados
um sobre os outros embrulhados no sangue que deles corria e mandou sobre eles deitar esteiras e
folhas secas e lhe mandou dar as velas para terra com o fogo posto, que eram mais de oitocentos
mouros…” (Lendas, p. 393).
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10 Verificado o nenhum valor do Brasil para os seus apetites, Martim Afonso desprezava comple-
tamente a sua capitania. “Sabendo que o conde de Castanheira desejava um pedaço de terra em
sua capitania, escreveu-lhe Martim Afonso de Diu: mande-a tomar toda ou a que quiser que
essa será para mim a maior mercê…” (Notas de C. de Abreu a Fr. Vicente, p. 79).
11 Op. cit.
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12 Hist. de Portugal.
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13 O Brasil e as Colônias Portuguesas, p. 33. Valha a verdade: o sr. O. M. fala do caso sem hesitações:
“Os holandeses tomaram sem resistência a Bahia, tal era a fraqueza da sua defesa. Os holandeses
tomam S. Jorge de Minas sem dispararem um tiro. Do que foi tomado aos portugueses, na Áfri-
ca, só lhes voltou o que foi reconquistado pelos brasileiros.”
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CAPÍTULO VIII
DEGRADAÇÃO DA
ATIVIDADE PORTUGUESA
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2 Em 1851, ainda vinham às costas do Brasil os negreiros portugueses fazer o seu comércio.
3 A palavra lucro, vernáculo português da técnica comercial, é, apenas, o duplo de logro; mas tanto
os lucros do comércio português tomaram o caráter de engano e trapassa que o duplo-logro adqui-
riu, finalmente, esta significação pejorativa. É fato único das línguas romanas. Tanto que lograr
tem duas significações — enganar e fruir, mas, logro, tem, apenas, a significação infamante.
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4 As colônias fenícias eram centros industriais onde se produzia o melhor dos artigos para o res-
pectivo comércio. A agricultura cartaginesa era tão desenvolvida e adiantada que os romanos,
essencialmente rurais, adotaram os tratados agrícolas de autoria cartaginesa. Além disto: o fato
não desmerece os portugueses, mas está verificado que os cartagineses conheciam no seu tempo
quase todo esse Atlântico, percorrido depois pelos portugueses, e pensaram mesmo, após a pri-
meira grande derrota, em passarem-se para as ilhas Baleares, Açores… Foi isto ainda em vida do
grande Hannon.
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5 Lúcio de Azevedo: Vida do P. Antonio Vieira, T. I. 303. Até Pedro I (e IV) veio a dizer: “… é
impossível dar energia e força a povos defecados… os belos dias de Portugal estão passados…”
(Manifesto de 6 de agosto de 22.)
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6 “Os ingleses armavam corsários (fins do século XVIII) no porto de Lisboa, até mesmo com
marinheiros portugueses: …a nação portuguesa daí em diante passou a ser considerada na
Europa como verdadeira colônia inglesa.” (M. L. Machado; op. cit., p. 506.)
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7 Lúcio de Azevedo, op. cit., pp. 87, 88, 327, 328, 331, 336.
8 Lúcio de Azevedo, op. cit., I, p. 75.
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9 O sr. O. Martins mostraria mais senso crítico se aumentasse esta pobre lista de gênios com o
nome de Alexandre de Gusmão. Camilo Castelo Branco, que tanto quis amesquinhar a inteli-
gência brasileira, reconhece, no entanto, no grande santista, valor genial. É quando mostra que
os grandes planos, financeiros e políticos, de Pombal são, apenas, plágios de trabalhos de
Gusmão. Nada menos que oito: “Esses trabalhos, elaborados entre 1747 e 1751, falecido
Gusmão, em 1754, apareceram nas leis de Sebastião José de Carvalho… plagiado; não só na
essência das providências, mas até na forma… coteja os escritos geniais de Alexandre de Gusmão
com as jactanciosas rapsódias de Sebastião de Carvalho. Distingue os dois uma notável diferença:
Pombal deixou ao seu filho uma casa que há cem anos rendia cento e vinte mil cruzados;
Gusmão, depois de servir D. João V como seu secretário particular nove anos, morreu tão pobre
em 1753, que o seu espólio não chegou para pagar-lhe as dívidas…” (Perfil do Marquês, pp. 96-
98.) “Não atingira a Gusmão a degeneração de caráter, que fazia dos Braganças despudorados
concussionários.”
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58. Os resíduos
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14 Eram duas a madre Paula e a irmã Maria da Luz, irmãs. Dormiam no mesmo quarto, com uma
pia de água benta entre as duas camas. E o rei, assultanado, amava-as como se foram uma. Não
fazia distinções. Doenças… Em vista de tudo isto, Felício dos Santos marca-o: “… despótico,
pusilânime, beato, dissoluto, licencioso, passava a vida engolfado nos prazeres da sensualidade”
(op. cit., p. 26).
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15 O fato não tem importância, porque na intimidacle esse Andrada chamava D. João VI João
Burro (Cartas Andradinas, p. II).
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16 Libelo do Povo.
17 Fundação, T. II, p. 274. Para o caso, o sr. P. da Silva vale como português, e dos melhores…
18 Op. cit., p. 530.
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19 Reconhecimento, p. 65.
20 Op. cit., p. 8.
21 Armitage, op. cit., p. 17.
22 Op. cit., p…
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27 Em 1756, o marquês de Pombal decreta uma gratificação de 400.000 cruzados a toda pessoa
que delatar aqueles que disserem mal do seu governo… Em 1777, em consequência de uma
assuada popular… manda ao Porto a famosa alçada — que enforca 21 homens e 5 mulheres…
Farpas, T. VI, nº. 4… Depois de tudo isto, compreende-se a revolução de agosto de 1924, em
Lisboa, para o fim de assassinar covardemente quantos políticos republicanos desagradaram aos
famosos revolucionários…
28 Foi Sila quem instituiu, parece, o costume penal de deixar expostas, no patíbulo, as cabeças das
vítimas. Depois disto intervém, no mundo, a piedade cristã; passam-se mais de 18 séculos de pro-
gresso moral, e o maior estadista do Portugal restaurado, Pombal, adota, agravando-as, as práticas
de Sila.
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29 Apesar de Pombal, a miséria dos intelectos não mudava, lamenta o sr. O. Martins: “…a igno-
rância continuava na mesma. Um desembargador, conselheiro da fazenda, administrador da
Alfândega, negou entrada a uma caixa, vinda de Gênova, por haver peste em Marselha; estu-
dando no mapa e achando apenas meio palmo entre os dois portos, julgou perto demais para
não haver perigo. Outro desembargador não mandava para o Rio de Janeiro as notícias do cerco
de Gibraltar (1781) porque, estando mais perto do Rio, não lhe parecia necessário…”.
30 Op. cit., pp. 358, 412, 449, 486 e 586.
31 Op. cit., p. 41.
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33 O conde de Linhares é um grande nome na política portuguesa bragantina e foi o próprio que,
tudo ignorando a respeito da pessoa e da obra de Humboldt, o fez prender e expulsar do Brasil...
34 O Distrito Diamantino, p. 228.
35 A Anarquia em Portugal, p. 622.
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CAPÍTULO IX
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3 Acrescente-se: deixou, bem à disposição do pirata, todos os metais e gemas que se achavam
guardados nos cofres da Casa da Moeda e que teriam sido arrebanhados se não fora o zelo de
Garcia Paes, filho de Fernão Dias, que dali retirou o tesouro. (O Brasil na América, p. 374).
4 Op. cit., III, p. 139.
5 Op. cit., V, pp. 148 e 152.
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8 “… ele (Bacalhau), com dois meses de chegada, pôde embarcar para Lisboa 50 caixas de açúcar
e cinco mil cruzados em dinheiro, e decidia mais de acordo com os seus interesses…”. M. L.
Machado, op. cit., p. 399. Machado cita a p. 173, das Memórias Históricas de Pernambuco, donde
tirou as cifras.
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9 No tempo de Teles Barreto, 1585, já os produtores brasileiros sofriam da ganância rapace dos
mercantis portugueses, Frei Vicente o consigna em termos decisivos: “Foi este governador mui
amigo e favorável aos moradores e o que mais esperas lhes concedeu para que os mercadores os
não executassem nas fábricas de suas fazendas e, quando se lhe iam queixar disso, os despedia
asperamente, dizendo que eles vinham a destruir a terra, levando dela em três ou quatro anos
que cá estavam quanto podiam e os moradores eram os que a conservavam e acrescentavam
com o seu trabalho e haviam conquistado à custa do seu sangue.” (p. 329.) Não há dúvida: pági-
nas tais tinham que ser sumidas… Se, mesmo sem elas, os de Pernambuco se rebelaram contra a
mercância do Recife!…
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10 No Brasil, onde existe um forte comércio português, não há um só, nos novos ramos de negó-
cio, que tenha sido iniciado pelos portugueses; quando a prova está feita, eles compram as casas
montadas, em negócio garantido.
11 Southey considera o São Paulo de então como que isolado de Portugal, e, por isso mesmo livre
da contaminação.
12 O Brasil na América, p. 128.
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15 Max. Machado, op. cit., pp. de 397-405. Machado refere-se a documentos, e, quanto aos subor-
nos, às Memórias História de Pernambuco Vol. 4, p. 178.
16 Os continuadores dos mascates não saem mais da tradição — pagar, em bom ouro, os serviços
recebidos: em 1817, eles retribuíram Congominho com 30.000 cruzados. Para o tempo, era uma
bolada, que devia ter feito bem à alma do guerreiro português.
17 Op. cit., I, 347 e 70.
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cada vez mais, até que já não havia uma casa de comércio com
fundos bastantes para fazer um carregamento.”18
Era a estupidez agravando a rapinagem. Por diversas vezes,
justamente quando o Brasil jorrava ouro para Portugal, o gover-
no de Lisboa falsificou a moeda para o Brasil, ao mesmo tempo
que proibia, aqui, o uso da boa moeda. Consistia a falsificação em
quebrar o padrão da cunhagem, diminuindo 10, 15, 20%… na
quantidade de ouro, ou de prata. Era um mil réis que só valia oito-
centos, ou setecentos réis, e os agricultores brasileiros tinham que
vender por 80$ o que valia 100$000 e comprar por 100$ o que
valia 80$000, uma vez que importavarn na moeda de lá e expor-
tavam no preço das de cá. Representava um verdadeiro roubo,
por isso mesmo os Braganças o multiplicaram: no reinado de
Afonso VI, as moedas de ouro de três oitavas e trinta grãos, do va-
lor de 3$500, foram elevadas a 4$000. Logo no ano seguinte, fal-
sificaram, ainda, as de prata: continuaram com o mesmo peso,
mas elevaram o valor a 5$000. D. Pedro, que sucedeu ao irmão,
em 1668, elevou as de ouro para 4$500, conservando-lhes o mes-
mo peso; no mesmo ano, por outro decreto, diminuiu o peso des-
sas moedas para três oitavas e vinte grãos, conservando-lhes o
mesmo valor… Seria longo enumerar todos os momentos em
que, de uma forma, ou de outra, era o povo do Brasil roubado no
valor da sua moeda. Bastará notar que, só de 1662 a 1688, as
moedas de ouro aumentaram, em cunhagem, 55,5% do seu valor
real, e as de prata em 57,5%. E foi assim, roubando na moeda,
que o governo de Portugal tornou o seu dinheiro — o real tão in-
significante que finalmente não tem realidade: é invisível. Quando
foi o momento de justificar a revolução de XVII, os pernambuca-
nos lançaram o célebre manifesto — Preciso, extenso, eloquente,
categórico, e que é, no entanto, apenas, a enumeração de algu-
mas das mais salientes entre as misérias da decomposição portu-
guesa sobre o Brasil.
Outro fato frisantemente expressivo da degeneração, em ex-
tensos efeitos na colônia, era a avidez inexorável na cobrança dos
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* Último rei da Índia [560-546 a.C.]. Dizia-se que sua riqueza era devida à exploração das areias
auríferas do Pactolo.
19 O Visconde de Santarém, no seu Quadro elementar, traz páginas com a enumeração das ondas
de ouro que, ano por ano, entraram em Portugal, de 714 a 746, e que orça tudo em
125.174.000 cruzados; 97.470 moedas de ouro; 315 marcos de prata; 24.838 marcos em ouro;
112 milhões de diamantes; 392 oitavas de diamantes, 22 caixas de ouro dobrado e muito ouro
em barra e em pó.
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23 Pereira da Silva, o mesmo da Fundação, dá este resumo: “Nada se fazia no sentido de reorgani-
zar, desenvolver e aumentar a instrução primária, visto que existiam poucas escolas públicas, e
essas mesmas em uma ou outra vila e nas quais, de péssimos mestres, aprendiam os alunos os
rudimentos, apenas, de leitura e escrita e as quatro operações principais de aritmética…”
(Fundação, I, 160). Como documentação do nimbo de ignorância em que se afogava o Brasil colo-
nial: Em 1795, o governador do Maranhão, D. Fernando Antônio de Noronha opunha-se ao ensi-
no da filosofia, com esta eloquente argumentação: “… não é conveniente que nesta conquista haja
mais que as cadeiras de gramática latina de ler e escrever… Estudos superiores só servem para
nutrir o orgulho e destruir os laços de subordinação civil e política, que devem ligar os habitantes à
metrópole”. (Cit. de Ulisses Brandão); três anos depois, na antiga Piratininga, Martim Francisco
requer — seja criada, ali, uma cadeira de aritmética, geometria e elementos de álgebra, “ciências
desconhecidas em São Paulo, onde até se ignora a sua existência…” (cit. de Paulo Prado).
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25 Contando usufruir largamente o reino português, logo em 1745, o inglês formulou o plano de
apoderar-se do território de Santa Catarina, no Brasil, assim o denunciou o futuro Pombal, então
ocupado em diplomacia. E ficaram os britânicos a esperar o momento. Em 1816, compraram
Rodrigo Coutinho, que contava obter da augusta estupidez do seu amo, D. João VI, a assinatura do
auto em que se cedia Santa Catarina para o comércio inglês. Mas o das Galveas, entregue aos inte-
resses franceses, denunciou o plano, e D. João VI, depois de rasgar o mesmo auto, meteu a bengala
em Coutinho, que, de vergonha (?), se suicidou com veneno… (Melo Morais, op. cit., de 59 a 62.)
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26 Max. Machado, que em modo nenhum é favorável aos jesuítas, sustenta, no entanto, que, na
ausência dos padres, muitas populações de aldeias índias voltaram às selvas, (op. cit., p. 483).
27 Brasil na América.
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28 Os senados das câmaras eram os protetores legítimos e naturais dos povos, os verdadeiros
representantes de seus interesses, de suas ideias, de seus sentimentos e até de suas paixões; os
gerentes de seus negócios, que economizavam suas fortunas, regulavam suas contribuições para
os encargos gerais, atendiam às suas reclamações, que acompanhavam até perante o soberano,
proviam ao bom público e a todas as necessidades do município”. (Felício dos Santos, op. cit.,
M. p. 118).
29 M. L. Machado, op. cit., 448 — Com o contrator a política de Pombal foi um verdadeiro.
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73. No Sul…
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30O rei de Portugal havia doado as terras do sul, até a margem do Prata, ao Visconde de Asseca,
neto de Salvador Correia de Sá, em 1676.
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33 Op. cit., pp. 144-150. Um escritor da época faz, nestes termos, o justo comentário do caso: “A
nova colônia do Sacramento por mercê de Deus se conserva; por meterem nela um presídio fecha-
do sem mulherio, que é o que conserva os homens, porque se não tem visto, em parte alguma do
mundo, fazerem-se novas povoações sem casais. Para se conservar a povoação do Sacramento hou-
vera Sua Majestade ter mandado fazer outra no Montevidéu e outra no cabo Negro, assim para
estabilidade e comunicação de umas para as outras povoações, como para nos irmos senhoreando
das terras que ficam de nossa parte, com os gados, lenhas e madeiras. E para isto se podia S. M.
valer dos homens de São Paulo, fazendo-lhes honras e mercês, que as honras e os interesses facili-
tam os homens a todo o perigo; porque são homens capazes para penetrar todos os sertões, por
onde andam continuamente sem mais sustento que caças do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas
bravas e raízes de vários paus e não lhes é molesto andarem pelos sertões anos e anos, pelo hábito
que tem feito daquela vida. (Citação do pref. de Capistrano de Abreu à obra de Pereira de Sá.)
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35 Eis como o marquês do Lavradio descreve o estado do sul, ao tempo de Ceballos: “As fortale-
zas da colônia se achavam em pior estado ainda que as do Rio de Janeiro (apresentadas como
péssimas). O regimento que as guarnecia não somente diminuía, e com esta pouca gente muita
dessa impossibilitada, mas até sem nenhuma disciplina. A todas se devia muito tempo de soldos;
e das pequenas embarcações que ali costumavam estar armadas em guerra, defendendo as
embarcações que ali iam… destas quase nenhuma existia, por se ter mandado vender com o pre-
texto de… muita despesa para a Fazenda Real, considerando-se este objeto de maior importância
que a segurança daquele porto… A ilha de Santa Catarina um sargento-mor… há doze anos sem
sair da fortaleza, servindo de guarda ao desembargador José Mascarenhas, preso de estado.
Governava aquele porto um capitão, que nem sabia ser soldado… pelo que toca ao civil e políti-
co, o governador e ouvidor… cada um deles não cuidava mais do que dos seus interesses parti-
culares e proteger os seus favoritos… tinham muitas disputas, dando-se-lhe pouco do muito que
padeciam os povos, miseráveis espectadores de um tão desordenado governo… O Rio Grande do
Sul se achava ainda em poder dos castelhanos, na parte sul... Ao norte tinham-se construído
alguns novos redutos, a que puseram o nome de fortalezas os quais foram tão malfeitos, que uns
já estavam arruinados… As tropas consistiam em um regimento de dragões incompleto e sem
nenhuma disciplina, porém gente excelente pela robustez, valor e desembaraço. “(Vê-se que são,
já, cavalerianos da terra). Tinham duas companhias chamadas de aventureiros paulistas, que são
uma espécie de miqueletes das tropas, de que o governo a Luís de Vasconcellos e Sousa).
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37 Santa Catarina foi entregue a Ceballos por Furtado, nome que, através de diferentes criaturas,
foi jungido pelo destino a proezas miseráveis. Felizmente, para a tradição brasileira, havia ali,
como alferes na guarnição, o pernambucano José Correia assim que se verificou a infame capitu-
lação dos civis e militares portugueses, José Correia voou ao quartel, tomou a bandeira do seu
regimento, correu para o continente, internou-se pelos sertões, atravessou a pé toda a vastidão
entre aquele sul distante e o seu Pernambuco, aonde finalmente chegou, trazendo o depósito
santo de que se encarregara. Os próprios portugueses tiveram de reconhecer e consagrar o seu
valor, morrendo em 1810, no posto de tenente-coronel.
38 Antes, o paulista Manuel da Silva que vai de Goiás a Cuiabá nem pelo sertão à colônia, e em
nome de D. João V, invade os Campos de Vacaria.
39 Op. cit., p. 502.
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CAPÍTULO X
ABATIDO E DOMINADO…
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1 Havia uma provisão, de 8 de março de 1705, que proibia o exercício do voto municipal aos ven-
dilhões, medida justa, uma vez que os municípios faziam o preço de venda. Criando um municí-
pio para eles, os mascates tiravam para si a melhor porção do antigo município e contrariavam
não só a tradição como a legislação, providencial a esse respeito.
2 O ouvidor era Arouche, que, no momento, ia com o bispo, a uma viagem de correição. Arouche
se evadiu, auxiliado por dois padres. Desde esse momento, encontramos, sempre, nos movimen-
tos liberais e nacionalistas, do Brasil, um bom e forte contingente de padres.
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3 Imagine-se que, entre outras decisões, os pernambucanos estabeleceram que portugueses não
podiam ocupar cargos locais… Os pernambucanos, após a reunião de Olinda, elegeram um juiz
do povo, com atribuições orientadas em espírito muito liberal.
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6 Nossa Senhora da Conceição de Sabarabuçu, nome anterior da cidade de Sabará (1838) Silva
Pontes, op. cit., R. I. H. G. 6, p. 269.
7 A morte violenta de D. Rodrigo se deu no mesmo sítio em que foi executado o filho natural de
Fernão Paes Leme.
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9 Southey mesmo, que adota o critério dos autores portugueses nos elogios a Viana, reconhece o
movimento deste como um motim — recusa de pagamento dos quintos (V. 106).
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10 Rocha Pita repete a acusação de que os forasteiros queriam entregar as minas aos espanhóis.
Cláudio Manuel da Costa coligiu os escritos de Bento Fernandes Furtado, as cartas régias, instru-
ções do governador, atestados de prelados e tudo mais que era possível haver no seu tempo, de
sorte a inteirar-se da história das minas, de 1663 em diante, e dá os paulistas como defensores da
ordem legal contra os forasteiros.
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11 Vieira de Melo era homem de grande valor: foi um dos principais fatores na vitória sobre os
Palmarinos. Os mascates temiam-no mais do que a nenhum outro, e, por isso, o eliminaram.
12 Segundo o regime colonial instituído para o Brasil, era proibido aos colonos estenderem-se para
o interior das terras: deviam estabelecer-se à margem das águas acessíveis, e navegáveis, nunca
para lá de seis léguas uns dos outros. Na capitania de Martim Afonso, foi assim, nos primeiros tem-
pos, e a exploração consistia, sobretudo, no comércio com Lisboa e Angola. Mas a circunstância da
existência de João Ramalho, já estabelecido no interior das terras, com um forte prestígio sobre os
goianenses, levou a donatária, na ausência do marido, a abolir as proibições de explorar os sertões,
donde resultou a fundação de Santo André. A vida colonial tomou, desde logo, o caráter de ativi-
dade sertanista; estiolaram-se, quase, os centros de comércio: “… desde esse tempo (1544) princi-
piaram a decair os estabelecimentos sobre a costa, e o florescente comércio com Angola e a mãe-
pátria definhou, extinguindo-se, finalmente… Pouca, ou quase nenhuma comunicação tinha São
Paulo com Portugal, e o comércio não o havia por falta de saídas… Do único caminho que levava à
costa, ainda em 1797 se dizia que era talvez o pior do mundo…”. Essas observações, de Southey
explicam-nos por que foram menos sensíveis, nos paulistas, os efeitos da infecção.
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13 Caetano Pinto Montenegro foi ministro do primeiro ministério brasileiro do príncipe D. Pedro,
isto é, ministro com José Bonifácio. A diferença, pois, que há entre o Brasil da Independência e o
de 17 é a que vai dos Arcos ao mesmo Montenegro.
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16 Abriram-se os portos às nações amigas… No caso, quem tinha o livre trânsito dos mares era a
Inglaterra, e, pois que fora impossível impedir que aqui entrassem os navios que vinham com-
boiando os fugidos… Ainda assim, foi preciso que o inglês o determinasse: “Foi a Inglaterra que
obteve a Abertura dos Portos do Brasil (quatro, somente)…”. Foi a Inglaterra que fez o rei decla-
rar que, ainda volvendo a corte à Europa, continuaria o Brasil governado como um reino uni-
do… “(Tavares Bastos, Cartas, p. 127)”. Isto fez o inglês, para que continuassem abertos os portos
— ao seu comércio.
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17Quem não achar bastante o retrato, tem os versos de Martins, saídos do coração, quando já
pressentia os passos do algoz:
Meus ternos pensamentos que sagrados
Me fostes, quase a par da liberdade,
Em vós não tem poder a iniquidade…
Quanto aos conceitos do historiador de D. João VI, lembremo-nos de que ele faz questão de
revolucionários —- incapazes de ilegalidades e violências… Revolucionários inofensivos… O
Bragança também os aceitaria, assim. No mais, é o homem que proclamou o pirata Cockrane o
unificador do Brasil (Conferências na Sorbonne).
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18 Depois dessas palavras, compreende-se bem que o império tenha tanto feito para desunir a
América e, até, assassinasse povos americanos.
19 Arruda escreveu e publicou duas brochuras, que ainda não contêm todos os seus estudos:
Dissertação sobre as plantas do Brasil, de que se pode obter substâncias fibrosas e Ensaio sobre a utilidade de
estabelecerem-se jardins nas principais províncias do Brasil para a cultura das plantas novamente descober-
tas. Koster, que apenas, de passagem, conheceu Arruda, tem a honra de fechar a sua obra inserin-
do os títulos dos trabalhos deste sábio brasileiro, e transcrevendo, deles, para mais de 50 páginas,
com a menção e descrição de trinta e tantas plantas novas, estudadas e classificadas por Arruda,
entre outras a mangaba, o bacuri, a macaúba, embiras e carnaúba, o imbuzeiro, as ipecacuanhas — bran-
ca e preta, caraás, croatás, oitis… O interessante do caso é que algumas dessas, por ignorância de
sábios europeus, foram de novo classificadas, em novas designações, que, aliás, são as adotadas
pelos sábios brasileiros. Tal acontece com a mangaba — Riberia Sorbilis. Barbosa Lima (op, cit.) pro-
testa muito justamente contra os que assim renegam glórias legítimas do Brasil.
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20 Quando o pai o concitava a voltar para os portugueses e aceitar o perdão que lhe ofereciam,
replicava Peregrino: “Como podeis acreditar nessa gente?” O pobre velho acreditou, para verifi-
car, depois, quanta razão tinha o filho.
21 Monsenhor Tavares, tão discreto, aliás, nas afirmações, dá a entender o fato, e diz, de modo
peremptório, que houve na Bahia quem traísse os republicanos.
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24 Alvear atesta que, apesar de toda a subserviência nas adesões, os pernambucanos não confia-
vam muito nos portugueses, que se diziam conjurados republicanos (carta de D. Carlos Alvear a
D. Matias Zingoryen, violada pela diplomacia inglesa, cit. por O. Lima).
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No campo de honra,
Patrícios formemos,
Que o vil despotismo,
Sem sangue vencemos.
25 Os franceses insistem muito, no tom absolutamente benigno, generoso e pacífico, da sua revolu-
ção de 1848: “Jamais révolution ne fut moins sanguinaire… les chants de l’église alternant avec les
refrains révolutionaires…”. E como, naturalmente, nada conhecem da generosidade dos republica-
nos de Pernambuco, afirmam que 48 é o primeiro exemplo de tal magnanimidade em revolucio-
nários. (L. Blanc. Hist. de la Révolution de 48, p. 112.)
26 Barbosa Lima, op. cit., 68.
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27Leia-se a ata da capitulação de José Roberto, assinada por ele, marechal, dois generais, um
capitão-general…
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30 A Antônio Carlos, preso e bem seguro, surraram, no rosto, com um gato morto. Não poderia
haver valentia mais característica dos dominadores do Brasil.
31 Está publicada na História das Constituições, por Melo Morais; é de um Cardoso Machado, a um
compadre do Rio de Janeiro, em 15 de junho de 1817.
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32 Segundo a Revista do Instituto de Pernambuco, a cabeça do mártir fora retirada do poste pelo
francês Félix Naudin. Residente no Recife desde 1815, amigo do mesmo padre, recolhendo a
relíquia em 1819, guardou-a, até entregá-la ao juiz Francisco Cavalcanti de Melo, parente de
Pessoa, e que, depois, segundo o testemunho de diversas pessoas, entregou o crânio ao major
Porto Carrero, que, em sessão de 7 de dezembro de 1827, o doou ao mesmo Instituto. (Nota de
B. Lima, op. cit., p. 76.)
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Valorosos lusitanos
............................................
Vamos todos inspirados
Pelo Marte tutelar,
Resgatar um povo aflito
O melhor dos reis vingar…
33Cinco anos depois, eles o confessaram explicitamente: “Malvados! Que seria de nós se perdês-
semos o nosso rico Brasil?” (proclamação do presidente da Câmara do Porto, em 5 de junho de
22). “O Brasil colônia era a mais viva das questões pendentes…” em 1822 — (O. Martins, Port.
Contemp. II, 254.)
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CAPÍTULO XI
A DEFINITIVA CONTAMINAÇÃO
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1 Em 1665 — bem ao acentuar-se o regime bragantino — foi proibido fabricar-se sal no Brasil;
em 1690, um dos chegados aos potentados, Jacques Granade, contratou a venda do sal no Brasil,
ou o estanco desse gênero, e, para proteger os interesses do mesmo contratador, foi proibido,
até, o apanhar-se o sal que naturalmente se cristaliza nos apicuns, em Cabo Frio, Mossoró,
Itamaracá, Tapuitapera, Rio do Sal...; nem mesmo podiam os miseráveis brasileiros aproveitar a
água do mar para salgar, se o quisessem. Passam os tempos, e em 1737, Lisboa deu a um outro
felizardo o privilégio de fabricar sabão para todo o Brasil, declarando estanco o mesmo produto.
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3 Frei Vicente o disse muito explicitamente: “Só cuidam do que hão de levar…”. O padre
Antonio Vieira; escrevendo daqui, quando bem conhecia o Brasil, fala sem rebuços ao seu
Bragança: “Aqui há homens de boa qualidade, que podem com mais notícias… e ainda que tra-
tem do seu interesse, sempre será muito maior moderação… e se desfrutarem a terra será como
donos, e não como rendeiros, que é o que fazem os que vêm de Portugal…” (Carta X). O mar-
quês de Lavradio, depois de tratar com a classe dos comerciantes seus patrícios, e bem os conhe-
cer como senhores do dinheiro, considera, em papel oficial, que é lamentável como tais criatu-
ras, geralmente avessas ao progresso, hostis aos naturais, gananciosos e sórdidos, se têm apode-
rado de um ramo de atividade tão importante. (R. I. H. G. IV, 451, 259.)
4 Op. cit., p. 65.
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tanta riqueza, de um país para outro. Ora, toda essa riqueza era
do Brasil, que, deste modo exaurido, era roubado; e tudo se ia de
Portugal, porque se tornava preciso comprar o que o país não
produzia... Falta, somente, substituir o nome do roubado e o do
ladrão…10 Que outra designação se lhe pode aplicar? Em face da
miséria de São Paulo de 1800, destaca Paulo Prado: “Além das
exações do fisco português, como quinto real, bateias, fintas,
talhas, imposto dos dez anos (para reconstrução de Lisboa e que
perdurou por quarenta anos) e outros remetidos para o reino sem
lucro nenhum para a colônia, dois males assolaram a capitania: a
carestia do sal e o militarismo.” Todo o sal consumido tinha que
vir de Portugal, mediante monopólio; para uma população de
pouco mais 100.000 habitantes, 7.000 homens em armas, com
serviço ativo!…
Com toda a essencial estupidez, levado pelo próprio instinto
espoliante, o regime bragantino chegou à realização do despotis-
mo mais eficaz — para deixar a pátria brasileira à sua inteira mer-
cê, por muito tempo ainda. Triturado pelo mesmo esforço da suc-
ção, o Brasil se tornou o inane opulento do começo do século XIX,
esgotado, ao mesmo tempo poluído e infectado pelas ventosas que
o exauriam. Todo chão tem o seu natural poder de depuração:
pela vegetação, pelo quimismo constante do solo ao contato do
oxigênio atmosférico, destroem-se e neutralizam-se os detritos
que a vida vai alijando; transformam-se em terra vegetal as maté-
rias orgânicas, e o salo conserva o seu tom normal de pureza. Será
assim, desde que o afluxo de imundícies não se exagere; senão,
vencido o poder purificante da terra, toda ela se torna uma massa
deletéria, onde os germes se fazem mais abundantes e virulentos.
Por muito tempo, quase dois séculos, foi o Brasil como o chão afo-
gado em imundície, poluído em todos os seus poros, vencido nas
10 Cit. de Antonio Torres, As Razões da Inconfidência, pp. 85-86. O mesmo A. transcreve a palavra
oficial, do Brasil, apontando as remessas de ouro, por parte dos portugueses, ainda hoje, como
um dos fatores do desequilíbrio da nossa balança comercial de 18 mil contos a 30 mil, moeda
ouro, ou seja, cerca de 150 mil contos papel, anualmente. Ao mesmo tempo, mostra o governo
brasileiro preocupado com o caso, a ver nessas remessas um dos motivos da queda do câmbio.
Tudo resumindo: faz-se aqui a riqueza, não por eles, simples intermediários, e o melhor dela
para lá se escoa… (op. cit., pp. 93 e LXVI).
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pátria, como quem não pode existir senão a preço de torná-la cada
vez mais infeliz e miserável. Desde que houve uma afirmação de
Brasil, quem lhe tem sido o vetor de corrupção, o instrumento de
opressão e rapina, o obstáculo vivo a qualquer realização do seu
verdadeiro progresso, ou, simplesmente, a toda fórmula de digni-
dade na vida da nação?… Negreiro, escravocrata, absolutista, bra-
gantista, liberal, cortista, monarquista… o português encarnou,
em todas as crises, o renitente inimigo do Brasil, empenhado em
mantê-lo na mesquinha situação que o obrigue a servir de pasto ao
mercantilismo de parasitas obsoletos. Colônia que em 1650 era o
germe possuído de todas as energias para ser um grande povo
livre, o Brasil teve que se fazer, no período decisivo, de 1650 a
1820, fora de todo influxo de progresso inteligente e de cultura
política. Abafada pela insânia de tais degenerados, esta pátria via o
céu das ideias pelas frestas dos contrabandos de livros, ou no lon-
gínquo escasso dos raros brasileiros que podiam conhecer o mun-
do onde havia ideias e ciência. Sitiado pela estupidez tirânica dos
Braganças, este Brasil só podia alcançar a liberdade e a justiça a
custo da luta em que se eliminassem todos esses instrumentos ati-
vos da corrupção e da estupidez.12
12 Mesmo depois de D. João VI e a decantada abertura dos portos, o Brasil continuou fechado aos
influxos de pensamento: não havia bibliotecas públicas, nem se permitia a entrada de livros. Em
1827, ainda Bernardo de Vasconcelos aponta a triste condição de um centro qual São Paulo,
onde só havia à venda tabuadas, cartas de A. B. C. e cartilhas da doutrina cristã… (Carta aos
Mineiros.)
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13 Capistrano diz da Bahia, do começo do século XVII: “… casas sem moradores…”, para indicar
que pertenciam a senhores de engenho, habitualmente afastados, nas suas plantações. (Notas a
Frei Vicente, IX.)
14 E com a ganância, para satisfação dela, os mercantis reinóis tinham um nacionalismo a propósi-
to: em 1808, enviaram ao rei uma representação para que jamais consentisse que estrangeiros
retalhassem no país…” (Morais, op. cit., 59.)
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17 Consultas, de 1732, R. I. H. G.
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90. A purulência
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23 Pereira da Silva, op. cit., T. I., 301. São coisas repetidas do historiador português, Souza
Monteiro. Pereira da Silva é muito citado pelos historiadores de Portugal, prova de que não
encontraram inverdades sensíveis, no que se refere aos casos dali.
24 Não compareceu ao chamado de Junot, o brasileiro, D. Francisco de Lemos, bispo de Coimbra,
reitor da universidade. Velho, que já contava mais de oitenta anos, não ousou, porém, opor-se
formalmente às manobras do sargentão, e lá foi ter com Bonaparte, que, dizem, o distinguiu
muito.
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25 Essa história é contada pelo célebre jornalista brasileiro Hipólito do Amaral, no seu Correio
Braziliense, publicado em Londres (1809). Ao mesmo tempo, refere o Correio que o conde da Ega,
o principal Miranda e o desembargador Negrão destacaram-se pela sabujice dos discursos que
dirigiram ao francês.
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26 Está verificado que Gomes Freire, com a maçonaria, intentava proclamar em Portugal o regi-
me constitucional, sob a mesma dinastia. Mas os dirigentes da época, mesmo sem compreender a
coisa, não podiam ouvir falar em cartas e constitucionalismo, sobretudo se vinham de pedreiros
livres…
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CAPÍTULO XII
TRANSMISSÃO DE DOMÍNIO
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1 Armitage, (p. 12) apresenta explicitamente a revolução de 21, no Brasil, como coisa dos por-
tugueses. Monsenhor Tavares também a considera assim, neste comentário precioso, para nós
outros brasileiros: “O Brasil viu, em 1821, os portugueses de todas as classes, desde o herdeiro do
trono, até o ínfimo taverneiro, pronunciarem ufanos o nome de constituição liberal, e dizerem-
se seus defensores… (História da Revolução de Pernambuco, p. 239). Felício dos Santos, nas rápidas
referências que faz ao caso em Minas, mostra-nos os brasileiros atônitos, na mistura com o cons-
titucionalismo lusitano (393). Vasconcelos de Drummond, partidário dos Braganças, irmão do
ajudante-de-ordens de Luís do Rego, apesar disto, reconhecia a revolução de 1821 (no Brasil)
como coisa exclusivamente portuguesa, e aconselhava aos patrícios (brasileiros) que se deixas-
sem de irmações e esperassem a sua vez. (Anot., p. 12.)
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5 Segundo Varnhagen, Palmela era tomado “de tendências anglomanas… queria uma carta constitu-
cional, onde ele e os parentes viessem figurar como lords, ou pares hereditários…” Tomás
Antônio impugnou desde logo o constitucionalismo palmelino: “Li com toda seriedade o parecer
do conde de Palmela; mas, nem posso mudar de princípios, nem me convencer dos fundamentos
dele…” (Varnhagen, op. cit., p. 46.)
6 Varnhagen, op. cit., da pp. 37-50.
7 Tratados, T. II, p. 10.
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11 Vida do duque de Palmela, T. I., p. 376. Felício dos Santos, (op. cit.), é peremptório: “O fim da
revolução (de 26 de fevereiro) era obrigar o rei a voltar para Portugal.” Noutro lugar ele assegura
— “que o decreto de 24 de fevereiro foi antedatado…” (pp. 348 e 353).
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13 A este propósito, refere o sr. Pereira da Silva: “O príncipe procurou convencer o pai pelo susto,
que era o argumento mais poderoso sobre o ânimo do soberano.” (Hist. da Fund., livro IX,
seção II.)
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14 e 15 Varnhagen, op. cit., cap. cit. É Varnhagen ainda quem refere que Duprat, figura saliente em
toda a manobra da Praça do Comércio, era criatura de Silvestre Pinheiro, que o nomeou adido de
legação.
16 Op. cit., pp. 15-16. Armitage estava bem informado de todos esses fatos, tanto que deu nota espe-
cial, a 17, para retificar erros de outros autores. Varnhagen dobra-se à verdade e confessa — “não
poder duvidar que a façanha da Praça do Comércio se fez por ordem do príncipe” (p. 80).
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17 Não há dúvida de que o dito imputado a D. João VI — toma a coroa antes… é absolutamente
verídico. Na sua essencial covardia, ele negou, perante as cortes, as palavras proferidas na hora
de embarcar; mas o príncipe, sem reservas, e no tom de quem não teme o desmentido, restabele-
ceu a verdade: “Eu me lembro e lembrarei sempre do que V. M. me disse, antes de partir dois
dias, no seu quarto: ‘Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para
algum desses aventureiros.’ Foi chegado o momento da quase separação, e estribado nas eloquen-
tes e singelas palavras de V. M. tenho marcado adiante do Brasil…” (Carta de 19 de junho, de
22.) Armitage, e todos os historiadores que diretamente colheram informes, dão o fato como
incontestável.
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cidade ia facilmente com os dois lados: o conde dos Arcos era cau-
ção para os portugueses que já tinham trocado Portugal pela far-
tura do Brasil, e para os próprios brasileiros, que começavam a
compreender a manobra da independência a pingar; o conde de
Louzã e o general Caula eram os representantes diretos dos por-
tugueses ainda adesos às cortes. Mas, desde que subiram de tom
os rumores de independência, a soldadesca constitucionalista se
arrepelou, veio para a rua, e exigiu a demissão do conde dos Ar-
cos, o qual, a arranjar o Brasil para o príncipe, era como se fo-
mentasse a independência: prenderam-no e recambiaram-no…
A coisa estava tão bem encaminhada, que o dos Arcos já não fazia
falta sensível, e D. Pedro sacrificou-o sem maior hesitação aos
zelos anti-independentistas da tropa cartista. Ele bem sabia que,
continuando no poder, acabaria arrebanhando um partido sepa-
ratista, graças ao qual, no momento oportuno, poderia resistir efi-
cazmente à fanfarronice da soldadesca. Contudo, ainda lhe foi
preciso contemporizar alguns meses, alimentando a situação
ambígua, em que deu o melhor de si mesmo: cartas de fidelidade
que escrevia ao pai, a abjeta camaradagem com os bêbedos da
divisão auxiliadora, e uma sorrateira aproximação — dos José
Clemente-Ledo… A demissão do conde dos Arcos é de junho; em
outubro, já o conluio para o fico está em ação. Nesse período, em
que se decidiu a independência como a tivemos, o gênio da intri-
ga foi o próprio D. Pedro: transigências com o liberalismo lusitano
para a eleição da junta, mais juramento de constituição,
Macamboa e Duprat, presos, recambiados definitivamente… tudo
isto ele arranjou com os seus próprios meios, tergiversando, pro-
metendo, insuflando, falhando à promessa; manejando… A uni-
versal desorientação, o momento, a escola política já militante,
eram para esses processos, e o príncipe tanto obteve que, se a ofi-
cialidade embrutecida em constitucionalismo tenta, com os novos
aliados, repetir o golpe com que despejou o dos Arcos, já o
embusteiro pôde eficazmente resistir: ampara-o o ânimo do
Brasil. De fato: a soldadesca apresentou-lhe uma lista de nomes,
de brasileiros e lusitanos (suspeitos por trabalharem pela inde-
pendência), para que fossem presos e enviados a Lisboa. Eram os
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20Para prova de que a ficada aproveitava essencialmente aos portugueses, temos, como o afirma
Varnhagen, que “a resolução de partir o príncipe havia desagradado aos portugueses”. Por sua
vez, Tomás Antônio, ao escrever ao amigo Soares de Paiva, quando não lhe descobria outra
solução, reconhece: “Se o príncipe real quiser salvar o seu augusto pai, e os reinos de Portugal
e do Brasil, e também a si, não deve, por forma alguma, deixar o Brasil.” (Varnhagen, op. cit.,
pp. 74 e 128.)
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das, ou pelo menos que a fizeram sentir, foram o sr. José Maria-
no, e o José Joaquim da Rocha… Tendo eu tratado de saber qual
a definitiva opinião do príncipe a esse respeito, dirigi-me logo a S.
Cristóvão e S. A. ainda reservou de mim a sua opinião… Procurei
novamente o príncipe, no dia 24 de dezembro… S. A. R. teve a
bondade de responder que ficaria… No dia 26 fui à casa de José
Mariano, onde se achavam o sr. Rocha e frei Sampaio, que foi
quem redigiu a representação…”. Como se vê, José Clemente
engrola, para não dizer, em definitivo, de quem foi a primeira
ideia da ficada: dá uma primeira data, 18 de dezembro, para a ida
a São Paulo. Até então, parece, tudo estava no ar… Só a 24 é que
o príncipe responde, e ele, sem maior pressa, só a 26 leva a res-
posta aos que o mandaram. Enquanto isto, o príncipe é preciso: “
— 14 de dezembro, (carta ao pai). Dou parte a V. M. que os brasi-
leiros e muitos europeus dizem pelas ruas — … havemos de fazer
um termo para o príncipe não sair, sob pena de ficar responsável
pela perda do Brasil…”. No dia seguinte, completa a história da
maquinação: “… Hoje soube que, por ora, não fazem a represen-
tação, sem que venham as procurações de Minas e São Paulo, e
que a representação é por esse modo: — Ou vai, e nos declaramos
independentes, ou fica, e então continuamos a estar unidos e seremos res-
ponsáveis pela falta de execução das ordens do congresso (as cortes)”.
Aproximados assim, os dois textos — de José Clemente e do prín-
cipe —, tem-se, então, a história exata: a 14 de dezembro, já esta-
va tudo decidido e pronto, a fim de salvar o Brasil para os portu-
gueses, inclusive a resolução de tomar a responsabilidade pela
desobediência às cortes; já se decide o mandar emissários a Minas
e São Paulo a buscar… A solidariedade? Não, somente; mas, prin-
cipalmente, solicitar auxílios, no caso de reação das tropas de Avi-
lez. É José Clemente, mesmo, quem o diz, nos subterfúgios da sua
língua: “… que não julgava prudente que o Rio de Janeiro só fi-
zesse a representação, porque não há força necessária, existindo
no Rio de Janeiro uma força portuguesa assaz forte” (o mesmo
discurso). E, foi por isso, visto tratar-se, apenas, de obter a soli-
dariedade, que nem se esperou a representação de São Paulo
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21 Apesar de todas as fumaças, a tropa lusitana engoliu o fico: “Conformou-se com a resolução da
divisão portuguesa, não só porque os oficiais… já não desejavam incomodar-se com o Brasil,
como porque a via aplaudida por todos os seus patrícios, começando pelo comércio”. Foi difícil,
até que lhes chegasse a justa compreensão da independência arranjada para Portugal; mas che-
gou!... (Varnhagen, op. cit., 134.)
22 Brasil Histórico, 1ª. série.
23 Exposição Histórica da Maçonaria.
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24 Para ter-se ideia do que valiam essas tropas portuguesas, considere-se o que se passou no céle-
bre baile de 24 de agosto (de 1821), arranjado pela oficialidade da Auxiliadora, para festejar o
aniversário da revolução do Porto. A festança fez época, e a sua crônica dá conta de muita coisa,
na vida de então. A sociedade carioca já repelia ostensivamente a soldadesca grosseira, bêbeda e
constitucionalista: “Apesar do concurso dos oficiais lusitanos que davam a festa, devido a sua má
educação… notou-se ausência da gente grada brasileira que, sendo convidada, só um ou outro
apareceu, por condescendência com o príncipe… Este baile pôs a limpo a divergência que havia
entre brasileiros e portugueses…” (Mello Morais, Brasil Histórico), Drummond, presente no Rio
de Janeiro, e que foi dos sucessos, descreve a capital do país possuída e inteiramente dominada
pela brutalidade da soldadesca portuguesa. No teatro, “até as senhoras ficavam sujeitas aos mais
grosseiros insultos de uma plateia composta de militares ébrios e caixeiros malcriados, entusias-
mados pelas glórias da pátria… O Rio era como uma cidade conquistada. O príncipe estava com-
pletamente unido aos conquistadores: eram eles os corpos da divisão auxiliadora, e os chatins
das ruas do Rosário e Quitanda. O príncipe real afeiçoou-se à mulher de Avilez… as orgias do
príncipe com os oficiais eram quase diárias… O baile foi suntuoso, mas segundo se disse, cenas
escandalosas se passaram… As famílias brasileiras mais respeitáveis, não obstante o empenho do
príncipe, e o receio de vinganças, não tinham comparecido. Tudo que se passou nele foi comple-
tamente português. O príncipe ficou até 6 horas da manhã.” (Anotações, p. 15.)
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26Seria dessa manifestação de José Bonifácio, em junho de 21, que a Maçonaria tirou a conclu-
são de ser inútil o esforço para fazer uma independência republicana? Parece que não, pois que
em outubro ainda se trama um movimento republicano, pela Maçonaria.
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27 V. Nota apêndice.
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aceitar de vir fazer essa independência, uma vez que não a podia
realizar no lineamento das nossas tradições e de acordo com as
nossas necessidades mais sensíveis. Não a podemos aceitar por
boa; mas, por oposição aos motivos monarquistas de José Bonifá-
cio, não vamos transformar os pulhas e canalhas dos seus adver-
sários, valor José Clemente, em homens a admirar, e, menos ain-
da, em devotados democratas, sacrificados ao bragantismo dos
Andradas. Certamente, o velho santista era intolerante contra
Ledo… Mas tudo não passava, a princípio, da repugnância do
aristocrata são, autoritário, honesto e culto, em face de um cará-
ter poluído e uma mentalidade acafajestada. Quanto a José Cle-
mente, tudo indica que o velho Andrada desprezava-o. E, em
verdade, toda essa disputa não passaria de caciquismo obscuro e
fútil, se, com ela, não se inclinassem os destinos desta pátria. José
Bonifácio nunca faria o regime democrata e livre de que o Brasil
oprimido tanto carecia. Todavia, não foi ele o único a fechar o
caminho, senão todos que, de fato, tiveram poder sobre aqueles
acontecimentos; todos contra a república. E, com isto, ao mesmo
tempo abriam as portas, largas, francas, que ao portuguesismo
que nos assolava.
Foi maior, então, a desgraça, porque aquele era o momento
próprio, inadiável, de levar a antiga colônia à legítima liberdade,
fecundante e organizadora, como o tem sido para os povos ameri-
canos. Em vez disto, para apavorante agravação de misérias,
entregou-se a nação brasileira, nascente, ao lusitanismo braganti-
no, à propria infecção em que esta pátria se consumia; e a inde-
pendência resultou em puro benefício do português. Sim: arranja-
da em torno do príncipe, que aqui ficou, ela veio corresponder, em
absoluto, aos motivos com que José Clemente justificou o seu pe-
dido, e que era o de todos eles: “Se partirdes, os brasileiros, repu-
blicanos, farão a independência radical de seu país… Ficai, senhor,
para garantir a união do Brasil a Portugal!…”. Prevaleceu José
Clemente, e, tanto que, se as cortes tivessem logrado impor ao
Brasil o regime que lhe preparavam, não nos teriam afastado mais
da verdadeira independência, na prática da liberdade, do que se
fez na obra de 1822, que deverá ser o radical e profundo expurgo.
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28 Segundo Varnhagen, havia, em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, 2.000 funcionários por-
tugueses… Tudo isto ficou. (Op. cit., p. 94.)
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29 Op. cit., p. 20. Páginas adiante, o inglês é mais explícito: “A notícia dos decretos de 29 de
setembro produziu um fenômeno com que as cortes não haviam contado. Todos os indivíduos
espoliados dos seus empregos (portugueses) pela extinção dos tribunais converteram-se em
patriotas exaltados; e, como se tivessem sido transformados por um agente sobrenatural, aqueles
mesmos que haviam, pela maior parte da sua vida, serpejado entre os mais baixos escravos do
poder, ergueram-se como ativos e extremos defensores da independência.” (p. 28.) Felício dos
Santos assinala que, na sua Minas, apenas D. Manuel de Portugal e Castro se negou a ficar no
cargo para o qual o elegera a independência: “… que se chamava Portugal: não podia pertencer
ao Brasil…” (p. 394).
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31 O concreto dos fatos patenteia tudo isto; para comprová-lo, fecha-se este volume com uma
nota — apêndice — onde se condensam esses mesmos fatos.
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PERSPECTIVAS
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APÊNDICE
A HISTÓRIA DA INDEPENDÊNCIA
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4 Carta ao Malagueta.
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6 A carta prossegue: “… protesto a V. M. que nunca serei perjuro, que nunca serei falso, e que
eles farão essa loucura, mas será depois de eu e de todos os portugueses estarem feitos em pos-
tas; e é o que juro a V. M. escrevendo nesta com o meu sangue estas seguintes palavras: ‘Juro
ser sempre fiel a V. M. à nação e à constituição portuguesa’”. Crescem os ânimos brasileiros, e
um mês depois (9 de dezembro), ele tem de noticiar, em carta: “… em Pernambuco, já não que-
rem portugueses europeus… É este em geral o estado da província de Pernambuco, uma das
mais interessantes da América, e que, por conseguinte há de dar o exemplo às mais, que, por
vontade ou por necessidade e vergonha, o há de tomar…” E, com essa verificação, ele, o príncipe
real, resolveu recolher aquela honra maior que o Brasil; desistiu de ficar em postas, mais os
outros portugueses, renegou o tal juramento fixado em sangue das suas veias bragantinas, e
decidiu adotar o Brasil, ainda que fosse contra o pai e a nação portuguesa com a respectiva cons-
tituição, desligando-se da proclamada fidelidade.
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7 Nas vésperas, mesmo, da reação que abateu Pedro I, quando uma assembleia brasileira tomava
conta ao governo antinacional dos seus atos contra a nação, Ledo, que não tivera coragem de ser
governista, levanta-se para defender o ministro acusado e o imperador que, da janela do Paço,
acompanhava a discussão, não se conteve que não comentasse o caso.
8 Fundação do Império, III, pp. 8, 134 e 373. Armitage, p. 46.
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