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Atualidade Da Teologia Da Libertação : F D A J
Atualidade Da Teologia Da Libertação : F D A J
Atualidade Da Teologia Da Libertação : F D A J
Atualidade da teologia
○
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da libertação*
397
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FRANCISCO DE AQUINO JÚNIOR**
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RESUMO
*
Artigo de reflexão, escrito no contexto das ultimas discussões no Brasil sobre o método da
teologia da libertação, provocadas pelas críticas de Clodovis Boff ao método teológico de Jon
Sobrino e das novas gerações de teólogos da libertação. Fecha de recibo: 12 de mayo de 2011.
Fecha de evaluación: 13 de junio de 2011. Fecha de aprobación: 2 de agosto de 2011.
Licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará; Bacharel e Mestre em Teologia
**
THEOLOGICA XAVERIANA - VOL. 61 NO. 172 (397-422). JULIO-DICIEMBRE 2011. BOGOTÁ, COLOMBIA. ISSN 0120-3649
CURRENT STATE OF THE LIBERATION THEOLOGY
Abstract
This article deals with the current state of the Theology of
Liberation. It starts explaining the double sense of the
expression Liberation Theology (theological praxis-
theological theory) and the “central intuitions” which
398 internally characterize and structure it (primacy of praxis and
the perspective of the poor/oppressed). Then, it is
contrasted with the current issues facing this Theology
(presence, visibility, relevance, appropriateness). Finally, the
text presents its most important and fundamental challenges:
God’s partiality regarding the poor, faith as the realization of
God’s will, the problems of mediation, the theological-
prophetical character of popular struggles, and the relation
between theory and praxis.
Key words: Liberation Theology, praxis, the poor-oppressed,
current state.
Resumen
El artículo trata de la actualidad de la teología de la
liberación. Comienza explicitando el doble sentido de la
expresión teología de la liberación (praxis teologal-teoría
teológica), y las “intuiciones centrales” que la caracterizan y
la estructuran internamente (primado de praxis y perspectiva
del pobre/oprimido). Luego, se confronta con la
problemática de la actualidad de esa misma teología
(presencia, visibilidad, relevancia, pertinencia). Al final
aborda sus desafíos más importantes y fundamentales:
parcialidad de Dios por los pobres, fe como realización de la
voluntad de Dios, problemáticas de las mediaciones, carácter
teologal-profético de las luchas populares y la relación
teoría-praxis.
Palabras-clave: Teología de la liberación, praxis, pobre-
oprimido, actualidad.
1
Cfr. Vigil, Embora seja noite: a hora espiritual da América Latina nos anos 90; Idem, “Mudança
de paradigma na teologia da libertação”? 311-328; Palácio, “Trinta anos de teologia na América
Latina”, 51-64; González, “El pasado de la teología y el futuro de la liberación”.
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Para isso, explicitaremos, em primeiro lugar, o que entendemos por
teologia da libertação; em segundo lugar, mostraremos em que sentido se
pode e se deve falar de atualidade dessa teologia; por fim, em terceiro lugar,
chamaremos atenção para alguns dos pontos mais determinantes dessa teologia
e que constituem desafios permanentes para ela.
2
Cfr. Boff et al., “Teologias do terceiro mundo: convergências e diferenças”.
3
Cfr. Libânio e Murad, Introdução à teologia, 254-283.
4
Cfr. Ellacuria, “Relación teoría y praxis en la teología de la liberación”, 235-245.
5
Cfr. Ibid., 235.
6
Cfr. Gutiérrez, Teología de la liberación, 81; Idem, La verdad los hará libres, 12s. A ambigüidade
reside na formulação da questão nos termos de “atos” e, sobretudo, de “ato primeiro” e “ato
segundo”, como se fossem duas coisas separadas e independentes. Na verdade, como reconhece
o próprio Gutiérrez, em toda práxis de fé há um “esboço de teologia” (Gutiérrez, Teología de la
liberación, 67) e a teologia é sempre, de alguma forma, “um momento” dessa práxis (Ibid., 87).
Por isso mesmo, seria mais correto e mais preciso falar da teologia, simplesmente, como “um
momento” da práxis de fé.
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se pode falar de teologia da libertação, por mais irredutível e importante que
seja seu momento estritamente teórico. E essa é a razão pela qual sempre
que se fala de teologia da libertação, pensa-se, imediatamente, nas CEBs, nas
pastorais sociais, nos grupos eclesiais que acentuam mais a dimensão práxica
e social da fé e nos cristãos engajados nos movimentos e nas lutas populares
ou, de alguma forma, sensíveis e solidários a essas causas.
402 Para evitar mal-entendidos no que diz respeito ao sentido da expressão “práxis
teologal”, convém fazer algumas precisões, ainda que em forma de teses.
– Em primeiro lugar, a práxis teologal não se opõe à teoria teológica nem
a substitui. Não existe práxis que prescinda completamente de intelecção nem
intelecção que prescinda completamente da práxis. Toda teoria é teoria de
uma práxis e toda práxis tem um momento teórico irredutível que precisa ser
desenvolvido.
– Em segundo lugar, a práxis teologal não se reduz a nenhuma de suas
modalidades ou configurações. Pode-se enfatizar/priorizar um aspecto ou outro
(social, econômico, gênero etc). Mas qualquer reducionismo é arbitrário e, no
fim das contas, empobrecedor e comprometedor do dinamismo do reinado
de Deus que diz respeito a todas as dimensões da vida humana.
– Em terceiro lugar, o caráter teologal da práxis diz respeito à sua respec-
tividade objetiva ao dinamismo do reinado de Deus: contribui/favorece (graça)
X dificulta/impede (pecado), para além de toda boa intenção, da qual, como
diz o dito popular, “o inferno está cheio”. É algo real antes re-flexo e diz
respeito a toda e qualquer práxis, da mais “religiosa” à mais “profana”.
Mas, além de uma “práxis teologal” mais ou menos reflexa e como
aprofundamento e desenvolvimento de seu momento intelectivo, a teologia
da libertação pretende ser uma “teoria teológica” no sentido mais estrito da
palavra: “máximo exercício racional e ‘científico’ possível sobre seu objeto
englobante que é o Reino de Deus”.7
Embora nem sempre desenvolvendo e elaborando suficientemente sua
reflexão, nem sempre conseguindo as melhores formulações e muitas vezes,
pela urgência pastoral ou precariedade dos meios, protelando tal empreen-
dimento, a teologia da libertação sempre pretendeu e sempre se esforçou
7
Ellacuria, “Relación teoría y praxis en la teología de la liberación”, 235.
8
Idem, “Teología de la liberación frente al cambio socio-histórico en América Latina”, 314.
9
Ibid., 315.
10
Gutiérrez, Teología de la liberación, 87.
11
Ellacuria, “La teología como momento ideológico de la praxis eclesial”, 177.
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“Intuições centrais” da teologia da libertação
Por mais distintas que sejam as diversas teologias da libertação, existe algo
em comum entre elas; algo que permite, de alguma forma, falar de teologia
da libertação sem mais. Gustavo Gutiérrez, por exemplo, fala de “duas intuições
centrais que foram as primeiras cronologicamente e continuam constituindo a
sua coluna vertebral”. Trata-se do primado da práxis e da perspectiva do pobre/
404 oprimido.12
Quanto ao primado da práxis, diz ele, “desde o começo, a teologia da
libertação considerou que o compromisso com o processo de libertação é o
ato primeiro e que a teologia vem depois, como um ato segundo”.13 Isso
aponta para o duplo esforço de “fazer valer a importância do comportamento
concreto, do gesto, da ação, da práxis na vida cristã”14 e de “colocar o trabalho
teológico no complexo e fecundo contexto da relação prática-teoria”.15
Por um lado, enquanto “práxis teologal”, a teologia da libertação nasce
dentro de um movimento eclesial mais amplo de redescoberta do caráter
práxico da fé cristã e se configura como sua radicalização.16 A fé cristã não
consiste primária e radicalmente em aceitação e confissão de doutrinas nem
na observância de rituais religiosos, por mais necessários e importantes que
sejam, mas na realização da vontade de Deus. Ela consiste, fundamentalmen-
te, no seguimento de Jesus de Nazaré; é uma fé práxica, ativada pelo amor
(Gl 5,6). Há, portanto, uma centralidade e um primado da ação sobre o dou-
trinário e o ritual na fé cristã: “nem todo aquele que me disser: Senhor, Senhor!
entrará no Reino de Deus, mas aquele que cumprir a vontade de meu Pai do
céu” (Mt 7, 21).
Por outro lado, enquanto “teoria teológica”, a teologia da libertação
leva a sério o caráter práxico de toda teoria17: é sempre teoria de uma práxis
(real ou imaginária) e aponta/serve sempre à alguma práxis; em boa medida,
12
Gutiérrez, A força histórica dos pobres, 293.
13
Ibid., 293.
14
Idem, Teología de la liberación, 79.
15
Idem, A força histórica dos pobres, 293.
16
Cfr. Gutiérrez, Teología de la liberación, 72-80; Taborda, Sacramentos, práxis e festa. Por uma
teologia latino-americana dos sacramentos, 19-39.
17
Cfr. Gutiérrez, Teología de la liberación, 80-88; Ellacuria, “Relación teoría y praxis en la teología
de la liberación”.
18
Cfr. Idem, A força histórica dos pobres, 245.
19
Cfr. Ibid., 283s.
20
Idem, A força histórica dos pobres, 293s.
21
O locus da teologia da libertação, diz Gutiérrez, “está nos pobres do subcontinente, nas massas
indígenas, nas classes populares, está em sua presença como sujeito ativo e criador de sua
própria história, nas expressões de sua fé e esperança no Cristo pobre, nas suas lutas pela
libertação” (Ibid., 284).
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teoria dessa práxis), sua meta (está a serviço dessa mesma práxis) e um de
seus critérios fundamentais (lugar de realização e verificação e princípio de
desideologização). É uma teologia feita a partir, na perspectiva, no horizonte,
do ponto de vista dos pobres e oprimidos; uma teologia que leva a sério tanto
a parcialidade pelos pobres e oprimidos que caracteriza a revelação e a fé
cristãs quanto o caráter práxico de toda teoria, assumindo, crítica e cons-
406 cientemente, seu lugar social. Esse é o sentido próprio e específico da expressão
lugar teológico na teologia da libertação22 que, no fim das contas, não significa
outra coisa senão levar a sério a evangélica opção pelos pobres tanto na
“práxis teologal” quanto na “teoria teológica”.
Estas duas intuições fundamentais constituem, pois, a “coluna vertebral”
de todas as teologias da libertação, seja enquanto “práxis teologal” seja
enquanto “teoria teológica”. Todas elas nascem e se desenvolvem como teo-
logias da práxis (primado da práxis) de libertação (perspectiva do pobre/
oprimido). O que varia é o acento dado a determinada práxis (eclesial, social,
política, cultural etc) e a determinado aspecto da libertação (pobreza, gênero,
etnia, ecologia etc) e a forma de explicitar o vínculo teoria-práxis (ato primeiro
– ato segundo, teoria como momento da práxis etc).
22
Desde Tomás de Aquino (ffr. ST I, q.1, a.8, ad 2) e Melchor Cano (cfr. Cano, De locis theologicis,
7-10), a expressão lugar teológico indica os diversos “lugares” onde se pode encontrar
“argumentos teológicos” – “próprios” e “alheios”, “necessários” e “prováveis”. Cano fala de dez
lugares teológicos: Sagrada Escritura, tradições de Cristo e dos Apóstolos, Igreja Católica, concílios,
Igreja Romana, santos padres, teólogos escolásticos, razão natural, filósofos e história humana.
Outros teólogos acrescentaram outros lugares teológicos como a liturgia, os sinais dos tempos
etc. Na teologia da libertação, a expressão lugar teológico tem um sentido distinto. Ela não
significa fontes de argumentos da teologia, mas o horizonte, a perspectiva ou o ponto de vista,
a partir do qual se lê e se interpreta, inclusive, as distintas fontes ou sedes ou domicílios de
argumentos da teologia. Ignacio Ellacuría e Jon Sobrino distinguem, neste contexto, entre fontes
e lugar da teologia. O que, classicamente, é nomeado lugar teológico é tomado por eles como
fontes da teologia, reservando a expressão lugar teológico para designar o horizonte, a
perspectiva ou o ponto de vista social da teologia. Ter presente e claro esta distinção é fun-
damental para evitar mal-entendidos e acusações infundadas.
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primeiro modo de atualidade a que nos referimos há pouco (só ganha
visibilidade o que está presente), mas, por outro lado, depende de uma série
de fatores e condições, sem os quais dificilmente ganharia tanta visibilidade:
vai de encontro a alguma necessidade/ansiedade/busca, sem esquecer que
estas também são produzidas e, cada vez mais, dentro da lógica do mercado
(produto-desejo/necessidade-marketing); acesso aos meios de comunicação
408 (televisão, rádio, jornal, revista), sem esquecer que estes têm seus interesses
e são bem seletivos; respaldo e apoio de instâncias institucionais de poder;
caráter novidoso, impactante etc.
Neste sentido, há que se reconhecer que, embora a teologia da li-
bertação não careça completamente de atualidade, não é o movimento eclesial
de maior visibilidade no momento. Os movimentos de cunho mais “religioso”,
clerical e midiático, moral e culturalmente mais conservadores, politicamente
mais de direita e bem relacionados com o “poder” gozam, sem dúvida, de
maior atualidade na Igreja e na sociedade: trabalham muito com o emocional,
existencial, corporal; têm muito apoio e respaldo de bispos e padres, na medida
em que respondem mais aos interesses institucionais imediatos da Igreja (fieis,
dízimo), recuperam o culto à autoridade eclesiástica e mantêm com ela certa
relação de subordinação (desde que o apóiem); não entram em conflito com
os detentores do poder econômico e político, pelo contrário; e, sobretudo, têm
muito acesso à mídia –têm até canal de televisão– e, através dela, exerce enorme
influência no cultivo de práticas devocionais, cantos, forma de rezar etc.
Em comparação com esses movimentos, a teologia da libertação tem
muito menos visibilidade: parece bem menos atrativa para a maioria dos fieis;
tem um acesso muito restrito à mídia e conseqüentemente um alcance bem
reduzido; conta cada vez menos com apoio efetivo de bispos e padres; embora
não deixe de ser impactante (nem que seja pelo caráter conflitivo que todo
compromisso transformador acarreta), não tem mais o caráter novidoso de
outrora, quando praticamente toda Igreja parecia estar do “outro lado”.
Continua presente/atual, mas tem bem menos visibilidade. Não está na moda!
3. Em terceiro lugar, atualidade diz respeito à relevância ou importância
de algo em um determinado momento; ao fato de ir ao encontro de ne-
cessidades reais e concretas. Dizemos que algo tem mais ou menos atualidade
na medida em que responde positiva e efetivamente a uma determinada
situação. A atualidade de algo está, aqui, condicionada pelo contexto no qual
se faz presente e pelos interesses aos quais responde. A pergunta pela
23
Em um dos planejamentos pastorais da arquidiocese de São Paulo, por exemplo, foi feita uma
pesquisa, na qual se perguntava o que o povo “espera da Igreja”. Um morador de rua respondeu:
“que me deixem entrar para usar o banheiro”. O que para muitos pode parecer banal, irrelevante
e até desrespeitoso, é absolutamente relevante para os 10 mil moradores de rua de São Paulo,
dos quais 40% fazem suas necessidades fisiológicas na rua (cfr. Lancelotti, “Visão da Igreja a
partir do povo da rua”, 125s).
24
Gutiérrez, Onde dormirão os pobres? 29, 30.
25
Cfr. Susin (org.), Teologia para outro mundo possível; Brighenti, “Gritos da África. A propósito
do II Fórum Mundial de Teologia da Libertação”, 340-359. Em breve deve sair algum escrito
sobre a terceira edição desse fórum, realizada em janeiro de 2009 em Belém.
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Compreendida dessa forma, atualidade diz respeito, por um lado, à respec-
tividade de algo a uma realidade maior e, por outro lado, à maior ou menor
pertinência desse algo respeito a essa realidade maior.
Assim, por exemplo, hidrogênio e oxigênio são elementos constitutivos
da água, de modo que onde quer que haja água, estes elementos estão
sempre presentes; a corporeidade é uma nota constitutiva do animal humano,
410 de modo que sem corporeidade não há animal humano. Noutras palavras,
atualidade indica, aqui, o caráter de (mais ou menos) próprio, constitutivo, ca-
racterístico, intrínseco etc de algo, independentemente de sua maior ou menor
visibilidade (segundo modo de atualidade) e até mesmo de sua maior ou
menor relevância (terceiro modo de atualidade).
Neste sentido não se pode negar a atualidade ou pertinência da teologia
da libertação, enquanto configuração histórica do cristianismo ou atualização
da fé cristã, seja como “práxis teologal” seja como “teoria teológica”. As intuições
ou os princípios fundamentais da teologia da libertação –primado da práxis e
perspectiva do pobre/oprimido– são de tal modo característicos/constitutivos
da revelação e da fé cristãs que não podem ser negados sem que esta negação
comprometa a revelação e fé cristãs em sua própria essência: seu caráter prá-
xico (não é mera teoria/doutrina, mas antes de tudo ação salvífica) e sua par-
cialidade pelos pobres e oprimidos (salvação, em primeiro lugar, dos pobres e
oprimidos e, a partir dele, de todos/as).
Evidentemente, a teologia da libertação (como, inclusive, o cristianismo
nascente, para não falar da cristandade), enquanto movimento histórico, não
esgota as potencialidades práticas e teóricas do cristianismo nem a revelação
e a fé cristãs se reduzem a seu caráter práxis e a sua parcialidade pelos pobres/
oprimidos. Mas, repetindo, estes aspectos ou princípios são de tal modo cons-
titutivos da revelação e da fé cristãs que devem ser conservados “oportuna e
inoportunamente” (2Tm 4,2) e, na medida em que a teologia da libertação os
conserva de modo conseqüente, para além de todas modas pastorais e teo-
lógicas, ela tem uma pertinência teologal e teológica inegável.
Em síntese, embora a teologia da libertação não esteja na moda e não
tenha tanta visibilidade (segundo modo de atualidade), continua presente e
atual (primeiro modo de atualidade), com grande relevância na luta contra a
pobreza e as diversas formas de opressão (terceiro modo de atualidade) e
com grande pertinência teologal e teológica (quarto modo de atualidade).
26
González, Trinidad y liberación. La teología trinitaria considerada desde la perspectiva de la
teología de la liberación, 59.
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No Antigo Testamento, Deus liberta o povo da escravidão e no contexto
dessa libertação dá-se a conhecer: “na ação mesma de salvar a seu povo Deus
diz quem é o que ele é e o diz justamente salvando”.27 De modo que a re-
velação do nome de Deus (Ex 3,14) é inseparável do Êxodo e, por isso mesmo,
deve ser lida a partir e em função do Êxodo.
No Novo Testamento, por sua vez, a revelação de Deus é inseparável da
412 ação salvadora de Jesus. Assim, por exemplo, quando os discípulos do Batista
perguntam a Jesus se é “aquele que deveria vir”, ele responde:
Ide informar a João sobre o que vistes e ouvistes: cegos recuperam a visão, co-
xos caminham, leprosos ficam limpos, surdos ouvem, mortos ressuscitam,
pobres recebem a boa notícia. E feliz aquele que não tropeça por minha causa.
(Lc 7, 22s).
A “Palavra” que Deus “comunicou” (At 10, 36), diz Pedro, não é outra
senão “o que aconteceu por toda Judéia, começando pela Galiléia” (At 10,37):
“Deus ungiu com Espírito Santo e poder a Jesus de Nazaré, que passou fazendo
o bem e curando todos os possuídos pelo diabo, porque Deus estava com
ele” (At 10,38).
Por outro lado, enquanto salvador, o Deus bíblico se manifestou como
um Deus partidário dos pobres e dos oprimidos (Jd 9,11), a ponto de se
identificar com eles (Mt 25,31-46). Na verdade, como bem tem insistido Jon
Sobrino,
...a relação de Deus com os pobres deste mundo aparece como uma constante
em sua revelação. Esta se mantém formalmente como resposta aos clamores
dos pobres; e por isso, para conhecer a revelação de Deus é necessário conhecer
a realidade dos pobres. Dito de outra forma: a relação Deus-pobres no Êxodo,
nos profetas ou em Jesus não é apenas conjuntural e passageira, mas estrutural.
Existe uma correlação transcendental entre revelação de Deus e clamor dos
pobres e, por isto, embora a revelação de Deus não se reduza a responder ao
clamor dos pobres, cremos que sem introduzir essencialmente essa resposta
não se compreende a revelação.28
27
Ibid., 59.
28
Sobrino, “Teología en un mundo sufriente. La teología de la liberación como ‘intellectus amo-
ris’”, 55.
29
González, “Fé”, 369.
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Também é claro que a fé tem sua expressão simbólico-ritual. Mas esta
não é senão isso: expressão (manifesta a) mais ou menos eficaz (leva à) da
fé.30 Sem a fé, essa expressão deixa de ser manifestação e perde sua eficácia,
convertendo-se em puro ritualismo. De modo que, tampouco aqui, trata-se de
contrapor práxis de fé e expressão simbólico-ritual, mas de evitar o reducionismo
ritualista da fé.
414 Importa, em todo caso, insistir, aqui, no caráter práxico da fé cristã. Ela
consiste num dinamismo de vida, num jeito de viver a vida, numa práxis: viver
como Jesus viveu! Numa palavra, ela consiste no seguimento de Jesus de
Nazaré.31 E aqui não basta ter fé em Jesus (confessá-lo doutrinalmente e celebrá-
lo ritualmente); é preciso ter a fé de Jesus (viver do que e como ele viveu), o
iniciador e consumador da fé (Hb 12,2): “uma fé ativada pelo amor” (Gl 5,6),
que se mostra nas obras (Tg 2, 18), que nos leva a passar “fazendo o bem”
(At 10,38), que nos faz “próximo” dos caídos à beira do caminho (Lc 10, 25-37)
e que tem como medida e critério definitivos as necessidades da humanidade
sofredora (Lc 10, 25.37; Mt 25,31-46).
No seguimento de Jesus, não basta andar com Jesus no peito (“Jesus é
o Senhor”; “Jesus é 10” etc); é preciso ter peito para andar com Jesus: “quem
diz que permanece com ele deve agir como ele agiu” (1Jo 2,6); “nem todo
aquele que me disser: Senhor, Senhor! entrará no Reino de Deus, mas aquele
que cumprir a vontade de meu Pai do céu” (Mt 7,21). E essa vontade do Pai diz
respeito à vida em sua totalidade, em todas as suas dimensões.
30
Cfr. Taborda, Sacramentos, práxis e festa, 163-173.
31
Cfr. Sobrino, “Seguimento de Jesus”, 771-775.
32
González, “Fé”, 375.
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tomar corpo em situações e contextos diversos, a partir das reais possibilidades
materiais, biológicas, psíquicas, sociais, políticas, culturais, eclesiais etc dis-
poníveis (tarefa). Deve configurar nossa vida e nosso mundo segundo esse
dinamismo, contra todo fatalismo e determinismo. Mas só pode fazê-lo a partir
das possibilidades reais disponíveis, contra toda forma de idealismo e espi-
ritualismo. E isso vale para todas as dimensões da vida: da sexual à econômica.
416 Todas elas devem ser configuradas segundo o dinamismo suscitado por
Jesus e seu Espírito. Mas essa configuração dependerá, em grande parte, das
possibilidades com que se conta em cada caso. Daí que a fé, inserindo-nos no
dinamismo salvífico-recriador de Jesus (dom), não nos oferece receita sexual,
política, econômica etc., mas, antes, constitui-se como desafio e missão (tarefa).
O grande desafio da fé consiste, portanto, em discernir e escolher, em
cada caso e em cada situação, entre as reais possibilidades disponíveis, as
mais adequadas e mais fecundas para a configuração de nossa vida e de
nosso mundo segundo o dinamismo suscitado por Jesus e seu Espírito.
Nesse processo, é preciso ter sempre em conta que, se nenhuma po-
ssibilidade real é absolutamente adequada, no sentido de esgotar as
potencialidades desse dinamismo, elas não são igualmente (in)adequadas:
umas são mais (in)adequadas que outras. Aqui, conta-se sempre com uma
boa dose de risco, de aposta... Em todo caso, um critério fundamental e per-
manente de discernimento das possibilidades a serem apropriadas, em qual-
quer que seja a dimensão da vida, são as necessidades e os clamores da
humanidade sofredora, das vítimas de toda e qualquer forma de injustiça e
exclusão (Mt, 25, 31-46; Lc 10, 25-37).
33
Cfr. . Taborda, Sacramentos, práxis e festa, 25.
34
Ibid., 24. “Se se privilegia agora a feição epocal da fé que se traduz em ação transformadora
da realidade, é porque é a feição mais urgente da fé nesse momento histórico, feição para-
digmática. Não se desvalorizam nem depreciam as feições menos chamativas e espetaculares,
mas sempre necessárias e insubstituíveis. A entrega a Deus não se mede pela eficácia. O óbulo
da viúva valeu mais que a esmola do rico (cfr. Mc 12, 41-44), embora essa pudesse solucionar
mais problemas. O pobre a que todo cristão no seguimento de Jesus deve um amor preferencial
não é só ou principalmente o pobre ‘útil’, potencial transformador da sociedade, agente da
revolução, mas também o pobre ‘inútil’, o lúpen, o doente inválido, o excepcional que em
pouco ou nada contribuirá à nova sociedade em gestação.” (Ibid., 24).
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As estruturas da sociedade não são simplesmente estruturas econômicas,
políticas, culturais, de gênero etc. São, também e sempre, estruturas teologais,
enquanto objetivações (institucionalizações) e mediações (poder dinamizador)
da graça ou do pecado. Daí sua importância central para a fé cristã, com-
preendida como seguimento de Jesus: um modo de viver, como um jeito de
configurar a vida individual e coletiva.
418 Ora, na medida em que a sociedade está organizada ou estruturada de
tal forma que priva uma grande parte da humanidade inclusive das condições
materiais básicas de sobrevivência, que mantém a dominação e a exploração
dos homens sobre as mulheres, dos brancos sobre os negros, que discrimina
e marginaliza deficientes, idosos, homossexuais, que destrói o meio ambiente
e compromete o futuro da própria espécie humana no planeta, entre outros,
ela des-figura a presença de Deus no mundo e constitui-se como um obstáculo
ao dinamismo de vida suscitado por Jesus e seu Espírito. Suas estruturas têm,
portanto, um caráter intrinsecamente pecaminoso: constituem-se como obje-
tivação e mediação de um dinamismo pecaminoso. Enquanto tais, apresentam-
se e impõem-se como um dos maiores desafios atuais para a vivência da fé e,
conseqüentemente, para a ação pastoral da Igreja.
É neste contexto que as lutas populares por libertação aparecem como
lugar privilegiado (não exclusivo) de vivência da fé. Elas se confrontam, pre-
cisamente, com esse momento estrutural ou institucional da vida social, des-
mascarando/denunciando seu caráter injusto e buscando/anunciando formas
mais justas de estruturação da sociedade. E, na medida em que o fazem,
constituem-se, objetivamente (para além de toda confissão e intencionalidade),
como mediações da ação redentora e re-criadora de Jesus e seu Espírito: en-
frentam-se com o pecado do mundo e inserem-se no dinamismo salvífico-
recriador de Jesus e seu Espírito.35
Isso não nega a existência, necessidade e eficácia de outras ações/
mediações salvíficas (oração, ação individual, ações coletivas assistenciais etc)
nem o que haja de pecado nas lutas e organizações populares (centralismo,
autoritarismo, autopromoção, vingança, absolutização etc). Simplesmente,
reconhece e leva a sério sua densidade teologal (mediação salvífica) e sua
relevância histórica (necessidade e urgência atuais).
35
Cfr. Boff, Teologia do cativeiro e da libertação, 73-82; Idem, “A salvação nas libertações: o
sentido teológico das libertações sócio-históricas”, 23-26.
36
Gutiérrez, Teología de la liberación, 87s.
37
Ibid.
38
Ibid., 245.
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de Deus e está a serviço dessa mesma práxis (caráter práxico), intelige sentindo
e não em contraposição aos sentidos (caráter sentiente), é momento da práxis,
mas um momento (caráter de momento). De modo que, do ponto de vista es-
tritamente teórico, a problemática da teologia da libertação é, última instância,
o problema da relação “práxis teologal” – “teoria teológica”.39 Um dos proble-
mas teóricos mais complexos/difíceis e mais decisivos/determinantes da
420 teologia da libertação que aqui mal podemos indicar.
A MODO DE CONCLUSÃO-CONVOCAÇÃO
Dizíamos na introdução desse artigo que nossa reflexão sobre a atualidade da
teologia da libertação seria uma reflexão a partir e em vista do fortalecimento
do movimento teológico-pastoral conhecido como teologia da libertação. Por
essa razão nossa “conclusão” tem um caráter de convocação: pé na estrada!
Mãos à obra!
É preciso seguir configurando nossa vida eclesial como seguimento de
Jesus de Nazaré: fidelidade ao Deus dos pobres e oprimidos na oração/liturgia
(imagem de Deus, linguagem/discurso sobre Deus, cantos, formulação das
orações, ritos etc), na prática cotidiana de cada um (modo de se relacionar
com os outros, ação/reação etc), na organização eclesial (comunidade – caris-
mas – ministérios) e no trabalho pastoral (prioridade absoluta das necessidades
da humanidade sofredora).
É preciso fortalecer as diversas lutas populares presentes hoje em nossa
sociedade: sem terra, sem teto, povo da rua, pescadores, marisqueiras, me-
nores, mulheres, negros, índios, atingidos por barragem, seringueiros, ribeirin-
hos, lutas de bairro etc etc. Elas são mediações objetivas do dinamismo de
vida suscitado por Jesus e seu Espírito na estruturação e institucionalização da
vida social.
É preciso tomar em sério e desenvolver, de modo conseqüente, o mo-
mento mais estritamente teórico-teológico da práxis de fé: um momento
específico irredutível (com seu dinamismo, com suas exigências, tarefas, méto-
dos, instrumentos etc), mas um momento da práxis de fé, da qual recebe sua
última determinação (realidade a ser inteligida, meta da intelecção, modo de
intelecção, lugar de verificação etc).
39
Cfr. Ellacuría, “Relación teoría y praxis en la teología de la liberación”; Idem, “Hacia una fun-
damentación del método teológico latinoamericano”.
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