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A ARTE de CRIAR LEITORES - Reflexões e Dicas para Uma Mediação Eficaz - Goimar Dantas
A ARTE de CRIAR LEITORES - Reflexões e Dicas para Uma Mediação Eficaz - Goimar Dantas
A ARTE de CRIAR LEITORES - Reflexões e Dicas para Uma Mediação Eficaz - Goimar Dantas
Goimar Dantas
1. NOTA DO EDITOR
2. DEDICATÓRIA
3. AGRADECIMENTOS
4. CONTADORES DE HISTÓRIAS
1. Nossos contadores: uma influência para a vida
2. A Bíblia e As mil e uma noites
3. De onde vêm as histórias
4. Literatura informativa
5. Dos papiros às HQs: o que importa é o conteúdo[5]
14. DESEJO
15. BIBLIOGRAFIA
NOTA DO EDITOR
Este livro só existe porque meu amor, Maurício Pedro, passou dois anos me
dizendo que eu precisava escrevê-lo. Fiquei gestando a ideia por 24 meses até
que, no começo de 2018, entrei em trabalho de parto, sentei e escrevi de maneira
febril. Um ano depois, finalmente, nasceu! Está aí mais um filho pronto para ganhar
o mundo. Obrigada, meu amor, pelo incentivo – e por segurar minha mão durante
todo o processo.
Impossível não agradecer, também, aos meus filhos: Yuri Dantas Pedro e
Tailane Morena Dantas Pedro, que me ensinam a ler o mundo de uma maneira
muito mais amorosa e abrangente.
Agradeço, também, ao meu querido editor, Adalberto Luís de Oliveira, que, com
experiência, dedicação e cuidado soube me conduzir com a firmeza e a delicadeza
necessárias à conclusão bem-sucedida dessa travessia. Suas sugestões e
orientações precisas foram essenciais ao resultado final deste livro: obrigada!
Quero registrar meu carinho e meu eterno agradecimento à amiga Adriana
Engrácia Oliveira Costa, jornalista que me ofereceu a ajuda definitiva na
verdadeira saga que foi encontrar minha professora Thaís Ribeiro, após mais de
30 anos de buscas.
Este e todos os livros que assinei ao longo da minha trajetória profissional
devem muito ao meu grande amigo, mestre e mentor de todas as horas, professor
Leo Ricino. Ele, que desde 2001, é sempre meu primeiro leitor.
Meu obrigada e minha admiração à querida amiga e educadora Danielle
Salomão, pelos depoimentos lindos e repletos de emoção.
Por fim, agradeço à Editora Senac São Paulo, bem como a todos os seus
profissionais, por mais essa parceria fascinante.
O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que
partilha com alguns outros: o verbo “amar”... o verbo
“sonhar”... Bem, é sempre possível tentar, é claro.
Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia!” “Leia logo,
que diabo, eu estou mandando você ler!”
– Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo.
Ele dormiu em cima do livro.
[...]
(Daniel Pennac, Como um romance)
m uma conversa informal com amigos, muitas vezes descobrimos que vários
de nossos avós e bisavós não tiveram oportunidade de frequentar escolas. Fossem
eles migrantes, imigrantes ou nativos que passaram a vida sem sair de suas cidades
ou regiões, viviam nos campos, da agricultura de subsistência ou como
trabalhadores rurais mal remunerados pelos proprietários de terra; já nas cidades,
ocupavam postos como trabalhadores braçais. O fato é que compunham a maior
parcela da população brasileira. E como nos lembra João Luís Ceccantini em seu
artigo Leitores iniciantes e comportamento perene de leitura, quando olhamos em
retrospecto, verificamos que há menos de um século 80% da população era
analfabeta (SANTOS et al., 2009, p. 207). Imperava a tradição oral, as histórias e
os ensinamentos transmitidos dos pais para os filhos.
Esse caldeirão oral fervilhava com rezas, lendas, costumes, tradições, plantas
medicinais, receitas culinárias, brincadeiras, provérbios, adivinhações, contos de
assombração, histórias de feitos heroicos, batalhas e conflitos, informações sobre
métodos de plantios e colheitas e todo o rol de conhecimentos que
convencionamos chamar de “sabedoria popular”. Nesse cenário, desprovido do
acúmulo de informações transmitidas e fixadas pela escrita, reinava, soberana, a
memória. Assim, quanto mais idosa a pessoa, maior o número de informações de
que dispunha, graças à sucessão de experiências de vida que tivera.
Todo esse acervo mítico da humanidade, agora perpetuado pela escrita e outros
recursos, foi transmitido pelo contador de histórias – que recebeu nomes diferentes
nos diferentes locais por onde passou: rapsodo para os gregos, bardo para os
celtas, griot para os africanos, que narrava de aldeia em aldeia os ensinamentos
ouvidos por seus ancestrais, ou por seus mestres, como fizeram os tantos discípulos
de Cristo e Buda. (BUSATTO, 2008, p. 26)
Nas tribos africanas, por exemplo, costuma-se dizer que quando um ancião
morre é como uma biblioteca que se queima. Nessas culturas, distantes dos
grandes centros, dos interesses econômicos e, por consequência, apartadas dos
avanços tecnológicos e da globalização, ainda vigora o respeito aos que têm mais
idade e ao poder que detêm: o conhecimento sobre suas comunidades, seus
antepassados, os aspectos geográficos de suas regiões, suas culturas, as guerras e
os conflitos que marcaram a história do lugar, seus pontos fracos e fortes, etc.
O impactante livro A mulher de pés descalços (2017), da escritora Scholastique
Mukasonga, de etnia tutsi, resgata a memória de sua mãe, Stefania, morta no
genocídio promovido pela etnia hutu, em 1994. Na obra é possível ter acesso a
incontáveis exemplos da tradição oral em sua cultura, principalmente no que diz
respeito ao cultivo de alimentos, aos chás e medicamentos utilizados pela
população na cura de todos os tipos de males. Impressiona, ainda, a força das
crenças populares – basta ler sobre como algumas pessoas eram isoladas da
comunidade, porque, por algum motivo, suas presenças eram associadas a
espíritos malignos e à má sorte.
No capítulo “O país das histórias”, temos a descrição comovente das narrativas
no seio familiar:
Mamãe coloca um pouco mais de lenha no fogo que está queimando. A chama
reanimada enche de uma luz âmbar o inzu arredondado. Mamãe se senta na esteira
encostada no biombo que esconde a cama maior. Ela estica as pernas e tira da
cabeça o lenço improvisado, feito com um pedaço de tecido que ela aproveitou de
um pano antigo. Ela o dobra com cuidado e o coloca na borda de um cesto cheio de
feijão. Estamos as três sentadas na frente dela. Pouco a pouco vamos sentindo o
calor do fogo tão próximo, uma sensação agradável de torpor nos invade, o fogo é
apenas uma luz leve. Está na hora de contar histórias... [...] O rumor das histórias
penetrava meu corpo adormecido e impregnava a deriva lenta dos meus sonhos...
De vez em quando, meu pensamento sonolento ainda me leva para o país das
histórias. (MUKASONGA, 2017, pp. 117-119)
Hoje são mais raras as tribos primitivas e comunidades onde a escrita, em pleno
século XXI, chega com dificuldade. No entanto, houve um tempo em que a
humanidade só conseguia propagar as histórias pela tradição oral ou por recursos
artísticos como o desenho.
As plaquetas de barro do templo da cidade de Uruk, feitas aproximadamente seis mil
anos atrás, com listas de cereais e cabeças de gado, são as formas de escrita mais
antigas encontradas. Naquela época, existiam outras escritas simultaneamente, em
geral pictográficas, com imagens figurativas simbolizando palavras. (HORCADES,
2004, p. 16)
Assim como para a escritora Ana Maria Machado, os avós também são
campeões no quesito contadores de histórias para boa parte do público das minhas
oficinas de mediação de leitura, realizadas no interior de São Paulo. A maioria
dos educadores revela que as histórias de terror eram as estrelas dessas contações.
Diferentemente das palestras, nas oficinas temos mais tempo para a aplicação de
dinâmicas e exercícios que nos permitem conhecer o público um pouco melhor.
Foi o que aconteceu de 19 a 21 de julho de 2017, quando ministrei quatro oficinas
de Mediação de Leitura no 4º Congresso Internacional de Educação do Noroeste
Paulista, em Votuporanga. As aulas aconteceram no prédio do Centro Universitário
de Votuporanga (Unifev). Nos três dias do evento, minhas oficinas receberam um
público de cerca de 120 educadores da rede pública de ensino, especialmente
educação infantil e ensino fundamental, vindos de diversas cidades da região. Foi
uma semana repleta de aprendizado e troca de experiências.
Muitos desses professores eram de cidades próximas a Votuporanga, como
Jales, Valentim Gentil, Monte Aprazível e Fernandópolis. Em um dos exercícios
da oficina, pedi que a classe se dividisse em grupos para que os integrantes
conversassem uns com os outros, expondo quem foram seus contadores de
histórias durante a infância. Para o caso de não terem tido essa figura quando
pequenos, pedi que relatassem, então, qual o caminho que os levou até o mundo
das histórias: foram livros? Foi algum personagem de programa de televisão? Um
professor do ensino médio ou da faculdade? Ao final do exercício, passei em cada
um dos grupos e questionei se as histórias eram muito diversas ou semelhantes, se
tinham alguma peculiaridade que gostariam de relatar, etc.
Nos três dias de evento, um deles com oficinas de manhã e à tarde, todos os
grupos, sem exceção, tinham dois ou mais professores que relatavam infâncias
repletas de histórias de fantasmas e assombrações narradas pelos avós que haviam
passado toda a vida – ou boa parte dela – vivendo no campo. E as lembranças dos
educadores eram sempre revividas com enorme alegria e carinho. A despeito do
medo que tais contos provocavam, todos demonstraram que aqueles momentos
vividos junto dos avôs e avós entraram para a categoria das memórias mais
queridas e inesquecíveis. A maioria desses educadores era mulheres entre 30 e 40
anos. Não raro, durante os relatos que elas me faziam, os olhos se enchiam de
lágrimas e as vozes embargavam. Mais uma prova de que a contação de histórias
ou a leitura delas para nossas crianças reforça os vínculos de afeto e de cultura e
transforma-se em algumas de suas melhores recordações.
A Bíblia e As mil e uma noites
A Bíblia é o livro mais vendido do mundo. Mas por quê? Será apenas por seu
caráter religioso? Ora, ninguém pode negar a importância desse fato. Livros
religiosos têm público garantido, uma vez que as religiões seguem sendo uma força
motriz na vida de boa parte da população mundial. Mas a verdade é que a Bíblia
se tornou um best-seller de vendas não apenas por isso. Em paralelo, o livro é um
fenômeno editorial porque traz em sua composição uma reunião eficiente de
histórias de gêneros literários os mais variados, agradando, assim, a uma gama
imensa de leitores.
A Bíblia e outros textos sagrados, que uma grande quantidade de adultos da
comunidade conhece muito melhor do que os estudantes universitários, servem como
rica introdução às obras literárias. (HIRSCHMAN, apud ANDRUETTO, 2017, p.
118)
Não à toa, muitos costumam dizer a seguinte frase: “Todas as histórias já estão
na Bíblia”. Realmente, se lermos os textos bíblicos com atenção, veremos que a
frase se aproxima muito da verdade, pois, se o livro não traz “todas” as histórias,
é certo que oferece motes e ideias para incontáveis narrativas que vieram depois
dele. Muitas vezes, há pessoas que, por desconhecer muitas das histórias do livro
sagrado, nem sequer desconfiam que uma quantidade enorme de filmes, séries,
programas de TV ou mesmo livros e quadrinhos que leram são claramente
inspirados nos textos das escrituras. Assim, atribuem total originalidade a autores
que, na realidade, executaram trabalhos que, em sua essência, são releituras de
histórias bíblicas.
Um exemplo pessoal e curioso a respeito disso ocorreu há muitos anos quando
meu filho Yuri, hoje um jovem estudante prestes a finalizar a faculdade de
Jornalismo, cursava, aos seis anos, a primeira série do ensino fundamental. Certo
dia, chegou da escola revoltado, batendo a porta, e veio correndo desabafar
comigo:
– Mamãe, você não vai acreditar no que aconteceu!
– Nossa! O que houve, filho? Por que você está tão nervoso?
– É que hoje teve aula de religião e a irmã Roseli colocou um desenho pra gente
assistir. O nome era Jonas e a baleia.
– É mesmo, filho? Ué... Mas você ficou nervoso por causa do desenho? Não
estou entendendo...
– Mamãe, você já viu esse desenho?! O homem que fez ele foi muito malvado!
Copiou tudo do Pinóquio! A história era igualzinha! Fala de um homem que foi
engolido pela baleia e morava lá dentro.
Não consegui conter a felicidade, apesar do nervosismo do meu filho que, entre
4 e 6 anos, havia assistido ao vídeo de Pinóquio, clássico da Disney adaptado da
obra de Carlo Collodi, umas cinquenta vezes, no mínimo. Era uma de suas
histórias preferidas, ao lado do filme Toy Story. Por isso mesmo, estava tão
familiarizado com a trama, a ponto de achar, em sua ingenuidade, que a obra-prima
de Collodi era virgem de qualquer tipo de influência ou inspiração. Seu
nervosismo derivava de um sentimento de injustiça. Ele achava que a história de
Collodi havia sido roubada pelo “homem” que fez o desenho de Jonas e a baleia.
Sem que suspeitasse disso, meu filho estava se mostrando um árduo defensor dos
direitos autorais.
Naquele tempo, Yuri já era um menino totalmente apaixonado por histórias, mas
ainda nada sabia sobre intertextualidade. Foi então que eu lhe expliquei – de um
jeito possível de ele entender naquela idade – o significado desse termo comprido
(intertextualidade) e o modo como a Bíblia e outros livros têm histórias tão
fascinantes que, o tempo todo, inspiram autores de todo o planeta a recontar essas
tramas, ou parte delas, a seu modo. Muitos, aliás, preferem não recontar e, sim,
inventar histórias novas que têm pontos de partida ou alguns de seus temas,
subtemas ou trechos inspirados nesses textos pelos quais são apaixonados. “– Foi
assim com Pinóquio”, expliquei.
Tentei fazer com que Yuri entendesse que o autor havia criado uma história
nova, que não estava na Bíblia. O tema principal dessa história era um boneco de
madeira que sonhava em ser um menino de verdade. Porém, no meio da trama,
Carlo Collodi fez uma homenagem ao texto bíblico que narra a história de Jonas,
engolido por um grande peixe – provavelmente uma baleia. Ou seja: não foi o
autor de Jonas e a baleia que copiou Pinóquio e, sim, uma parte da história de
Pinóquio é que foi inspirada na história de Jonas. Yuri seguiu com cara de
desconfiado, mas acho que entendeu.
Muitos leitores, entretanto, consideram os textos bíblicos dificílimos e, em uma
primeira tentativa de leitura, não conseguem passar sequer do livro do Gênesis.
Mas quem disse que, a princípio, a Bíblia exige uma leitura linear? Por que não
começar pelo gênero literário pelo qual o leitor já tem alguma simpatia ou
familiaridade?
Vejamos alguns exemplos dos gêneros presentes no texto bíblico e dos caminhos
que podem levar os leitores a eles:
POESIA – Para os que têm nos textos poéticos os seus preferidos, o ideal,
então, é começar a leitura por aqueles tidos como os mais poéticos da Bíblia.
São eles: Salmos, Jó, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos. No
caso dos Salmos, coleção de 150 orações que trazem situações da vida do
povo de Israel – seja do ponto de vista individual, seja coletivo –, o fato de
serem tão poéticos quanto musicais, originou o verbo salmodiar, que
significa: cantar ou recitar salmos sem alterar a inflexão de voz, com pausas
marcadas. No Cântico dos Cânticos, temos um poema-símbolo do amor
humano, do ponto de vista carnal, inclusive – o que resulta em um texto de
beleza ímpar, esbarrando, aqui e ali, em um discurso erótico altamente
refinado. Como todo o texto bíblico, o Cântico dos Cânticos é bastante
metafórico, o que dá margem a diversas interpretações. Há quem diga que
simboliza o amor do homem pela Igreja ou o amor de Deus pelo povo de
Israel. A decisão é do leitor. Só lendo para tirar suas próprias conclusões. Já
Provérbios traz frases concisas que contribuem para que o leitor encontre
respostas ou ensinamentos para as mais variadas situações da vida. Os livros
de Jó e Eclesiastes reúnem reflexões sobre temáticas de natureza mais
complexa, como o sentido da vida, a morte, a dor, a justiça, as perdas.
TEATRO – Para quem tem na linguagem teatral sua preferência, o livro de
Jó continua sendo uma ótima pedida, uma vez que remete, em muitos
momentos, à linguagem teatral, com trama e monólogos extremamente
dramáticos. Grosso modo, podemos encará-lo como uma peça em três atos:
1. O diabo desafia Deus e pede para que Ele teste o amor de Jó.
2. Deus aceita o desafio e submete Jó às mais terríveis provações.
3. Jó prova seu amor a Deus e recebe em dobro tudo o que perdeu.
LITERATURA COMPARADA – Caso a preferência do leitor recaia sobre
literatura comparada, sugerimos a leitura dos evangelhos, que trazem a
história de Jesus Cristo contada sob o ponto de vista de quatro autores
diferentes: Marcos, Mateus, Lucas e João.
TERROR E SUSPENSE – Para os que se interessam pelos gêneros de terror
e suspense, o texto do Apocalipse, repleto de metáforas simbolizadas por
feras, dragão (força do mal), visões proféticas e falsos profetas, é, com
certeza, o mais indicado.
CARTAS – Se a predileção do leitor é pela leitura de cartas, a Bíblia traz
diversas delas. Atribuídas a São Paulo, estão as chamadas cartas paulinas.
Entre as mais conhecidas estão as cartas de São Paulo aos romanos e aos
coríntios. Há também as cartas católicas, que se distinguem das cartas de
Paulo, escritas (normalmente) para uma igreja em particular. São elas: a
Carta de Tiago (Tg), as duas cartas com o nome de Pedro (1-2 Pd), as três
cartas de João (1-3 Jo) e a Carta de Judas (Jd) (BÍBLIA SAGRADA, 2002, p.
1.146).
NOVELA/ADAPTAÇÕES – Caso os leitores sejam fãs incondicionais de
novelas, séries, minisséries e estejam se aventurando na leitura da Bíblia pela
primeira vez, podem recorrer às histórias recentemente adaptadas para
televisão e conferir suas versões originais. Assim, se você gostou das tramas
televisivas, corra para ler sobre Rei Davi (Livros 1-2 Samuel e 1 Reis),
Sansão e Dalila (Juízes), Os dez mandamentos (Êxodo) e O rico e Lázaro
(Evangelho de Lucas).
CONTOS – Muitas histórias e personagens presentes na Bíblia servem de
inspiração a contos, lendas e narrativas com o foco na jornada do herói.
Exemplo clássico é o tema do menino pequeno e franzino que sonha em ser
grande e forte para vencer seus inimigos (os valentões da turma) ou para
conquistar independência, estando de igual para igual com os adultos. Está aí
um tema presente em uma infinidade de filmes, quadrinhos, minisséries, jogos
de videogame voltados ao universo infantil.
[...] a criança se identifica com o pequeno na eterna temática em que a inteligência
e a astúcia triunfam sobre o poder físico. É Davi e Golias, esquema que
encontramos nos grandes contos populares de todos os países. (HELD, 1980, p. 137)
Depois da Bíblia, As mil e uma noites, cujo título original é Alf Lailah oua
Lailah (Mil noites e uma noite) é, provavelmente, a reunião de textos mais famosa
de todos os tempos. O título, aliás, não representa um apanhado literal de mil e um
textos. Na verdade, trata-se de uma espécie de licença poética indicando que a
obra reúne um número enorme de histórias. Tenho a edição do livro em dois
volumes. O primeiro traz 226 noites. O segundo traz da noite 227 a 236 e, na
sequência, vêm outras dezessete histórias, todas mais longas, se comparadas às do
primeiro volume. Dentre essas histórias do segundo volume estão “A história de
Aladim, ou a lâmpada maravilhosa” e “A história de Ali Babá e dos Quarenta
ladrões exterminados por uma escrava” (AS MIL E UMA NOITES, 2004).
Os relatos de As mil e uma noites foram mundialmente divulgados graças à
tradução feita pelo orientalista francês Antoine Galland, que, em uma viagem a
Constantinopla, foi apresentado aos contos. A tradução de Galland entrou para o
rol de obras clássicas da literatura francesa. Mas qual será o motivo de tanto
sucesso? Tudo indica que se deva ao fato de que, assim como na Bíblia, o texto de
As mil e uma noites reúna histórias com contextos e gêneros variados, agradando a
todos os públicos; já o segundo motivo possivelmente tenha a ver com o exímio
trabalho de edição de Galland, que aproveitou apenas uma quarta parte dos contos
originais, escolhendo, claro, os textos cujos enredos eram, em tudo, mais atraentes;
também cortou as cenas e os trechos que pudessem bater de frente com os
princípios morais cristãos; retirou, ainda, termos de baixo calão, expressões
comprometedoras, etc. O resultado da empreitada todos conhecemos: um
estrondoso sucesso editorial.
Mas esse sucesso jamais teria ocorrido não fosse o interesse milenar dos povos
do Oriente pelas narrativas e contações de histórias. Hoje, infelizmente, ao ouvir
falar sobre muitos países do Oriente, as novas gerações comumente os associam a
conflitos de ordens variadas. A mídia encarrega-se de fazer extensas cobertura das
guerras religiosas e políticas e da atuação terrorista de alguns grupos
fundamentalistas. São raros os jovens que se dão conta da beleza dessas regiões e
da extrema riqueza cultural dos seus povos. Em fases anteriores a esses
confrontos, que devastaram populações e cidades, a figura dos contadores de
histórias era presença marcante.
Em um de seus livros sobre o Oriente, o escritor italiano Edmundo De Amicis (1846-
1908) descreve-nos a curiosa figura de um contador de histórias sobre o céu do Islã:
“[...] Falava com a voz alta e vagarosa, ereto no meio de seu círculo de ouvintes,
acompanhado submissamente por um tocador de alaúde e um de tambor. Narrava,
talvez, uma história de amor, as aventuras de um bandido famoso, as vicissitudes da
vida de um sultão. Não lhe percebi nem palavra. Mas o seu gesto era tão
arrebatado, sua voz tão expressiva, seu rosto tão eloquente, que eu às vezes
entrevia, num rápido momento, alguns lampejos de sentido. Pareceu-me que contava
uma longa viagem; imitava o passo de um cavalo fatigado; apontava para horizontes
imensos, procurava em torno de si uma gota d’água, deixava cair os braços e a
cabeça como um homem prostrado.
Árabes, armênios, egípcios, persas e nômades do Hed-jaz, imóveis, sem respirar,
refletiam na expressão dos rostos todas as palavras do orador. Naquele momento,
com a alma toda nos olhos, deixavam ver, claramente, a ingenuidade e a frescura
dos sentimentos que ocultavam sob a aparência de uma dureza selvagem. O
contador de histórias andava para a direita e para a esquerda, parava, retrocedia,
cobria o rosto com as mãos, erguia os braços para o céu, e, à medida que se ia
afervorando, e levantando a voz, os músicos tocavam e batiam com mais fúria.
A narrativa empolgava os beduínos, e quando terminada, os aplausos estrugiram
no ar”. (AS MIL E UMA NOITES, 2004, pp. 16-17)
Mas, voltando ao que dizia antes da reprodução desse texto acerca do livro Os
Malaquias, da mesma forma que os livros podem nos tomar de maneira
arrebatadora, também as histórias narradas nas mais variadas plataformas, como
quadrinhos, televisão, cinema, internet e e-readers (aparelhos que permitem a
leitura de livros digitais), podem nos seduzir a ponto de entranharem-se na nossa
vida, transformando-as de modo significativo.
Não há idade para se render a uma boa história, independentemente do veículo
no qual ela está disponibilizada, até porque os mitos e arquétipos estão onde quer
que as histórias estejam. Mas é sabido que quanto mais jovem é a pessoa, mais ela
está propensa às novidades tecnológicas. Por essa característica, observamos que
os jovens, cada vez mais, ampliam seu repertório de leitura do mundo graças à
diversidade de opções nas quais, hoje, podem conseguir informações.
Porém, a despeito de a maioria deles ter por característica essa abertura ao que
é novo, é preciso ter em mente que estão inseridos em contextos sociais variados,
o que pode facilitar ou dificultar o acesso às histórias. Há jovens que vivem em
cidades, jovens que vivem no campo e jovens que vivem à margem (nas ruas ou
em fronteiras de guerras e outros conflitos).
Os que vivem em ambientes urbanos, pela facilidade de acesso, são, geralmente,
os que consomem mais tecnologia, quadrinhos, filmes e minisséries; podem ter
acesso a canais por assinatura e serviços similares. A verdade é que o modo como
chegam até as histórias não é o mais importante e, sim, o amor e a dedicação que
devotam a elas.
Muito antes da existência de tantas plataformas voltadas à reprodução de
histórias, os públicos infantil e juvenil passaram a ter mais opções literárias
destinadas à sua faixa etária apenas a partir do século XIX, quando ganhou força a
produção literária destinada a essas faixas etárias, com livros concebidos,
produzidos, pensados, enfim, para esses públicos – mercado que se consolidou no
século XX. Antes disso, porém, nos séculos XVII e XVIII, tanto crianças quanto
jovens muitas vezes se apropriavam de alguns livros que, embora voltados, a
princípio, para leitores mais maduros, possuíam temáticas, enredos e personagens
que, de alguma forma, ganharam o coração de crianças e jovens. Cecília Meireles
(2002, p. 38) apontou algumas dessas obras:
Literatura informativa
Há algumas décadas, a busca por oferecer o máximo de opções possíveis aos
leitores vem consolidando a chamada literatura por encomenda, em que, quase
sempre, um editor convida um escritor para produzir um livro informativo
(paradidático) sobre determinado tema que, na sua opinião – em geral baseada nas
leis do mercado e nas compras governamentais, que, até pouco tempo, ditavam boa
parte dos temas dos catálogos das editoras –, precisa estar disponível para o
público jovem. A necessidade dessa obra pode decorrer de uma efeméride
histórica, por exemplo. Foi o caso das muitas publicações surgidas à época da
comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, em 2000; do centenário
da imigração japonesa; dos 100 anos da morte de Machado de Assis; e dos
200 anos da vinda da família real para o Brasil, os três últimos todos
comemorados em 2008.
Muitos especialistas torcem o nariz para os chamados livros sob
encomenda/informativos. No entanto, no mundo todo, essas publicações existem e
se estabelecem com títulos e autores de primeira linha. No Brasil, a própria
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) criou uma categoria para
premiar, a cada ano, os livros informativos. O próprio Monteiro Lobato costumava
mesclar literatura da mais alta qualidade com quantidades generosas de
informações em suas obras sobre a turma do Sítio do Picapau Amarelo, elencando
uma série de ensinamentos em meio às aventuras vividas por Emília, Visconde,
Pedrinho e Narizinho.
Temas como mitologia, folclore, matemática, geografia e história marcavam
presença em boa parte das obras do autor, como Geografia de Dona Benta, Emília
no país da gramática e Aritmética da Emília. Em O poço do Visconde, por
exemplo, publicado por Lobato, em 1937, e cuja primeira edição trazia o subtítulo
Geologia para crianças, temos um texto que se aproxima muito do que
entendemos, atualmente, por livro informativo. Nele, o leigo pode encontrar
explicações detalhadas sobre o petróleo (O que é? Onde pode ser encontrado? Do
que é composto? Para que serve? Por que é importante?). Ainda assim, o fato é
que Lobato jamais abriu mão da fantasia, da aventura, das peripécias e de tudo
quanto seduzia as crianças de seu tempo, fosse qual fosse o tema do livro ao qual
se dedicava. Mesmo naqueles trechos de didática evidente, o autor conseguia
manter acesa a chama do interesse infantil em relação à história contada.
Seja um livro mais informativo, seja mais lúdico, há que se respeitar o desejo
dos leitores mirins e jovens, valorizando os textos escolhidos por eles, apontando
qualidades, fazendo pontes com outros livros semelhantes, mostrando, enfim, que
existe uma infinita quantidade de obras que podem dialogar com aquelas
escolhidas por eles.
Hoje, muitos autores seguem dedicados à mescla de informação e literatura. Um
exemplo editorialmente bem-sucedido é o best-seller Malala: a menina que
queria ir para a escola (2015), da jornalista Adriana Carranca. O livro, ganhador
do Prêmio FNLIJ 2016 Informativo, narra a trajetória heroica da menina
paquistanesa baleada aos quinze anos por membros do grupo extremista Talibã,
que proibia as jovens da região de ter acesso à escola. Mas a menina não se
conformou e não só brigou por continuar recebendo educação como criou um
blogue de sucesso mundial em que relatava a situação do lugar onde vivia. Em
represália, foi baleada na cabeça. Comovida com a história de Malala Yousafzai, a
jornalista Adriana Carranca – acostumada a realizar coberturas em zonas de
conflito –, foi até a cidade da menina e coletou dados para contar essa história
essencial às novas gerações.
No livro, os pequenos leitores têm acesso ao contexto histórico sobre o vale do
Swat, local de nascimento de Malala, aluna exemplar que adorava passar os dias
na escola cujo proprietário era seu pai. A obra traz, ainda, um glossário com a
definição dos termos fundamentais para a compreensão mais abrangente da vida
dessa personagem-símbolo, do seu amor pela educação, pelos livros e pela crença
de que as mulheres têm de seguir lutando para ter os mesmos direitos concedidos
aos homens.
Malala conseguiu recuperar-se do atentado, transformou-se em uma das
personalidades mais influentes do planeta e recebeu o Prêmio Nobel da Paz aos 17
anos. Algumas das frases mais impactantes ditas por Malala, disponíveis em
entrevistas e reportagens, dão bem a ideia do quanto a jovem considera a educação
importante: “Como o Talibã se atreve a tirar meu direito à educação?” e “Minha
honra não está na espada, está na caneta”.[4]
É possível que a mediação seja feita por um profissional. Alguém que estudou,
participou de cursos e capacitações específicas sobre temas como leitura,
mediação, contação de histórias, literatura, uso de linguagem corporal e outros
recursos capazes de aprimorar suas habilidades. Podemos chamar essas pessoas
de mediadores profissionais, mas há também os mediadores não profissionais, que
se exercitam, no entanto, em uma mediação espontânea. Na sequência, falaremos
um pouco mais sobre os tipos de mediadores e mediações.
Mediação profissional
O mediador profissional precisa refletir constantemente sobre leitura, estudar o
tema, buscar formas de se aprimorar nesse trabalho tão importante. Tem de pensar
no que é literatura para ele, por que faz mediação, onde se situa nesse processo,
quais suas metas. Esses são os objetivos que devem nortear seu trabalho – mesmo
que não seja possível alcançá-los completamente. É preciso seguir tentando. Até
pouco tempo, o mediador de leitura era visto como o alfabetizador, o professor;
depois, passou-se a associar o mediador de leitura, também, com a figura do
bibliotecário. O próprio entendimento do que é leitura e informação também foi se
transformando com o passar do tempo.
Acervo, por exemplo, não é tudo. Há quem acredite que uma boa biblioteca,
uma estante recheada de livros, por si só, significa aquisição de conhecimento por
parte de seus frequentadores/proprietários. Mesmo que as pessoas leiam uma
quantidade gigantesca de livros, será que isso indica que adquiriram
conhecimento? Sabemos que não é bem assim que a banda toca. É preciso
relacionar informação com visão de mundo, com o contexto social de cada leitor.
Sem a figura de um bom mediador, isso pode ser impossível ou – sendo bem
otimista – muito mais difícil. Mediação é, principalmente, a relação entre as
pessoas.
O mediador profissional conhece – ou pelo menos deveria se esforçar para
conhecer – muito do que diz respeito às nuances implícitas na leitura e na sua
divulgação. Ele planeja sua atuação, pesquisa acervos antigos e novos, busca estar
informado sobre lançamentos de livros, por exemplo. É alguém que cria espaços
de acolhimento e troca, onde compartilhar livros, histórias, informações,
personagens, tramas e cenários acontece de forma agradável para todos os que
participam desses momentos. Alguém capaz de fazer a intermediação entre o texto,
a memória e a cultura.
Em comunidades de cidades pequenas, por exemplo, nas quais as famílias se
conhecem e, em geral, partilham histórias de vida semelhantes, a leitura de textos
dos poetas e escritores da região – ou mesmo de livros que tragam repertórios que
dialogam com contextos semelhantes aos dessas pessoas – proporciona aos
leitores (ouvintes) a oportunidade de refletir sobre suas origens; entrar em contato
com os personagens do folclore e com suas tradições; conhecer o passado dessas
regiões e adquirir conhecimentos sobre os relatos das histórias, dificuldades,
alegrias e mudanças que essas comunidades vêm atravessando ao longo do tempo.
O acesso a esses conteúdos fortalece e preserva a cultura desses locais, criando
pontes entre o passado e o presente e colaborando, inclusive, para reflexões e
tomada de ações que possibilitam um futuro mais condizente com os anseios dos
leitores.
Em outra ponta, a mediação feita em um círculo de pessoas que não se
conhecem e que vivem em cidades grandes também serve para aproximá-las, na
medida em que, após as leituras, instigadas pelo mediador, podem trocar ideias,
trazer à tona suas diferentes memórias e experiências de vida, as possíveis
relações que têm com as histórias e personagens dos livros escolhidos para a
mediação e, assim, contribuir para ampliar o repertório das que estão à sua volta
com as mais diversas informações.
Como em qualquer outra atividade, faz-se necessário que os profissionais que
exercitam a mediação tenham ampla consciência em relação ao seu trabalho e se
apropriem dele a ponto de, com a experiência, desenvolver formas de aplicação
muito próprias. Métodos singulares. Características que os distingam de seus
pares. Um jeito todo pessoal de conduzir e indicar leituras. Aquilo que os tornará
únicos.
Cabe aos mediadores buscar a compreensão de que a literatura pertence à
vertente da arte e, como tal, deve ser vista/assimilada/apreendida pelos leitores
por meio de uma entrega apreciativa, que envolva desejo, deleite, vontade,
descobertas, expansão de consciência. Palavras que, infelizmente, costumam
passar longe de como a literatura tem sido vivenciada na escola. No ambiente
educacional, a ideia é que todos os aprendizes cheguem a um patamar comum
quando, na arte, isso não é nem de longe o ideal. Na arte, quanto mais divergências
em torno da recepção de uma obra, mais se torna rico o debate e as reflexões
sobre ela.
Em um encontro promovido pelo Itaú Cultural, intitulado A literatura infantil e
seus passos de gigante: a quantas anda o gênero no Brasil, a premiada escritora
e ilustradora brasileira Eva Furnari, uma das autoras de literatura infantil e juvenil
(LIJ) mais criativas e renomadas do Brasil, nos ajuda a arrematar essa reflexão
sobre a arte: “O artista tira as coisas do lugar certo. O fruidor é que precisa buscar
o novo sentido”.
A capacidade de encontrar esses novos sentidos, entretanto, passa pela
educação, pela leitura, pelo acesso à informação e pelo desenvolvimento
intelectual que advém de debates, discussões, experiências e conhecimentos,
enfim, que esses fruidores devem possuir. Quanto mais acesso tiverem a livros,
museus, bibliotecas, filmes, obras de arte, mais aumentam as possibilidades de
estabelecerem conexões entre tudo que lhes é apresentado, incluindo as
manifestações artísticas.
E para que o mediador consiga instigar seus leitores, é preciso que ele, por sua
vez, seja uma antena apta a captar o máximo de informações possíveis sobre
livros, autores, gêneros literários, lançamentos, diferentes recursos para prender a
atenção dos leitores. Nesse contexto, o ideal é que leia cadernos de cultura dos
jornais e revistas, navegue por sites e redes sociais dedicados à literatura, assista
a programas televisivos de entrevistas com escritores, faça cursos de contação de
histórias, frequente feiras de livros e bienais – caso resida em uma cidade que
receba esses eventos. Tudo isso poderá oferecer aos mediadores novas dinâmicas
de leitura e sugestões de autores, livros e exercícios que podem ajudar a aprimorar
seu trabalho.
Já sobre os hábitos de leitura dos professores, tudo fica ainda mais dramático:
A leitura no espaço das bibliotecas é quase nula, e apenas 9,6% leem no trabalho.
(...) apenas 10% dos professores frequentam ambientes mais apropriados de leitura
(um percentual extremamente baixo, diga-se). A grande maioria (92%) afirma ler
em casa e em casa existem, em média, 50 títulos. Some-se a isso que 24,3%, ou
seja, ¼ do total dos respondentes possuem 10 títulos apenas. (Ibidem)
Sabemos, no entanto, que até para isso os professores têm de estar minimamente
preparados, a ponto de ter um repertório de leitura e um modo todo especial de se
dirigir aos alunos. Um momento de troca, desprovido de cobranças e pressões,
desvinculado de avalições ou tarefas.
Quando o contato com a literatura se dá nessas condições, sem que alguém nos
obrigue a ler, sem que tenhamos de produzir um relatório depois, o que fica é a
experiência grandiosa de saborear uma boa história sem a necessidade de associá-
la a trabalhos escolares de qualquer espécie. Temos, nessas situações, o
envolvimento do leitor com a trama, com os personagens e contextos apresentados
pelo livro que, por si só, podem acrescentar muito à sua vida, à medida que lhe
mostram realidades, cenários, sentimentos com os quais o leitor tem pouco ou
nenhum contato prévio. É uma pena que essa vivência literária transformadora, que
deveria ser a regra, seja uma raridade nas instituições de ensino.
Ao ser tocado por esse tipo de experiência, o leitor transporta-se para outro
tempo, espaço, dimensão. Passa a viver, mesmo que sutilmente, uma vida que não
é a sua, ampliando sua perspectiva e visão de mundo. Experimenta situações,
valores e dramas diversos dos seus. Em outras palavras: a literatura dialoga de
forma direta com nossa sensibilidade, permitindo que, a cada leitura, possamos
nos mostrar um pouco mais aptos a ver o novo com tolerância e empatia. Um
resultado que deriva das novas concepções, pontos de vista e frequentes
reavaliações de valores propiciadas pela leitura, aumentando de forma
exponencial nossa compressão da realidade.
Era de se esperar que as escolas oferecessem espaços onde fosse possível
vivenciar essas experiências de fruição, aprendizado, deslumbramento. O que
vemos, no entanto, é o descaso total em criar, dentro do ambiente educacional,
esses locais de aconchego, onde o diferente não seja uma ameaça.
Há anos trabalhei na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e descobri
que, durante as últimas décadas do século XX, era prática comum destinar às
bibliotecas ou salas de leitura das escolas as professoras que tinham problemas
em lidar com a sala de aula, que viviam afastadas, apresentando uma licença
médica após a outra. Como eram concursadas e a demissão não era uma opção, o
jeito era retirá-las da classe e do contato com os alunos. Para isso, a “solução”
mais comum era, então, transferi-las para bibliotecas ou salas de leitura, locais
muito pouco frequentados. Infelizmente, o que observo hoje visitando escolas
públicas e conversando com educadores em minhas palestras é que essa prática
ainda é bastante comum.
É possível, ainda, trazer a biblioteca para um local mais próximo do aluno. No
artigo “Literatura infantil? Muito prazer!”, a professora Luciana Gomes Cunha
Centine apresenta algumas alternativas que ajudam a compor uma biblioteca de
classe, muito comum nas salas de aula de Ensino Infantil e Fundamental de escolas
particulares:
Uma forma de ampliar o acervo da biblioteca de classe é propor parcerias com
editoras e órgãos ligados ao incentivo à leitura. Além disso, cada classe pode
contribuir com a compra de um título que, após a leitura, entra em um sistema de
rodízio com os demais grupos. Com isso, além de ampliarmos significativamente o
repertório de leitura dos alunos, possibilitamos a vivência dos cuidados necessários
com o empréstimo de materiais.[1]
Mediação espontânea
Familiares que investem em livros na hora de presentear as crianças, jovens e
adultos da família estão contribuindo para um aspecto importante da mediação de
leitura que é, claro, promover, de alguma forma, o acesso aos livros e às histórias.
Na mesma toada, pais, avós, tios e padrinhos que apresentam às crianças e jovens
o mundo mágico das livrarias e das bibliotecas estão, sim, sendo mediadores de
leitura. Seja para ouvir contações de histórias, seja para escolher um livro ou
apenas para conhecer o local, a ida à livraria e à biblioteca simboliza um passo
gigantesco rumo à formação dos leitores.
Em um país tão repleto de desigualdade social, com um sistema educacional
cravejado de problemas e equívocos, a mediação de leitura espontânea é sempre
bem-vinda e muito válida.
Aliás, como bem salientou a escritora Ruth Rocha em um bate-papo ocorrido em
27 de maio de 2014, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
em evento promovido pela instituição Primeira Página, a formação de leitores é
uma construção social. Quanto antes a criança tiver acesso ao universo dos livros
e das histórias, melhor.
Naquela ocasião, ela nos lembrou, com a graça e a ternura que lhe são
peculiares, sobre o amor que seus pais devotavam aos livros. Muitas vezes, Ruth e
os irmãos se sentiam preteridos, tamanho o tempo que seus pais dedicavam à
leitura. A escritora contou que, de tanto observarem o pai e a mãe com a cara
enfiada nos livros, ela e os irmãos deduziram o inevitável: “Puxa vida, mas esse
negócio de ler deve ser bom mesmo!”.
Ruth, que à época desse evento já tinha vendido mais de 12 milhões de
exemplares e publicado mais de duzentos livros, detalhou como tudo começou:
Tive na infância um avô que era contador de histórias. Sabia todo tipo de história:
Hans Christian Andersen, As mil e uma noites, fábulas, histórias de bichos. Era
ferroviário e adorava contar histórias. Era muito engraçado. Meu pai também
contava histórias, mas só sabia três: Aladim, O homem da perna amarrada e outra
que não me lembro. E minha mãe lia tudo de Monteiro Lobato pra gente. Tive uma
infância cheia de histórias. Virei sócia de uma biblioteca enorme na Avenida São
Luís. Olhei aquilo e disse: "Puxa, como tem livros. Preciso ler todos". Daí escolhia
uma prateleira e ia lendo um em seguida do outro.
Contar histórias é uma prática que lida com uma arte muito fugidia, que é a
literatura. Para a criança pequena, que é muito sensorial, muitas vezes o que fica
como registro é o som, o olhar da mãe, da avó, do pai. Enfim, da pessoa que conta
a história. O calor do colo, o cheiro do ambiente, a voz de uma pessoa querida, um
carinho recebido durante a narrativa... Experiências marcantes que são anteriores
ao processo cognitivo, mas que, sem dúvida, podem contribuir para que ele ocorra
de maneira mais afetuosa. Hoje, no entanto, é muito difícil que os pais ou demais
familiares disponham de tempo para contar histórias e realizar sessões de leitura
com as crianças. Essa é uma prática que, cada vez mais, vem sendo delegada à
escola.
Trata-se de uma realidade muito diferente da maioria das famílias que, ainda
hoje, teme entregar um livro nas mãos de crianças muito pequenas, com receio de
que elas interajam, à sua maneira, com eles. Há que se admitir que, com esse tipo
de postura, dificilmente essas crianças vão entender o livro como algo que faz
parte de sua vida, acessível, disponível, feito e concebido para elas.
A bibliotecária francesa Geneviève Patte, em seu indispensável livro Deixem
que leiam, fundamentado em seus anos de experiência à frente de projetos que
fizeram das bibliotecas onde atuou verdadeiros oásis de incentivo à leitura,
discorre sobre o passo a passo do processo de interação entre as crianças e os
livros:
A criança lê e se exprime com todo o corpo. Pode-se notar como ela recebe
espontaneamente o livro, como o vive. Observa-se também como ela percorre o
livro, como para diante de uma imagem, de um detalhe, uma palavra, depois volta.
Como ela acaricia a página ou, então, cheia de autoridade, fecha o livro porque a
história não lhe agrada. (PATTE, 2012, p. 26)
A figura do arauto
Além do arco-íris que conduz ao pote de ouro, o mediador de leitura pode ser
associado à figura do arauto, aquele cavaleiro medieval que levava a mensagem
dos reis e das rainhas e autoridades em geral até o povo, ou mesmo recados de
uma autoridade para outra. Cabia a ele anunciar nascimentos, casamentos, mortes,
guerras, acordos de paz. É o que chegava primeiro tanto em reinos ou castelos
quanto em ruas, praças ou demais locais onde se reunia um grupo de
pessoas/comunidade. Era aquele que retirava da algibeira os comunicados que
poderiam modificar destinos, trazer júbilo, tristeza, preocupação, festa.
Assim como o arauto, o mediador é aquele que leva a mensagem, propaga
novidades, anuncia conflitos ou suas resoluções. E lembremos que o arauto era um
personagem essencial para a sociedade. Em uma época em que pouquíssimas
pessoas dominavam a escrita e a leitura, ele era uma figura de destaque, alguém
que detinha um conhecimento raro.
Há séculos de distância da Idade Média, vivemos em uma época na qual as
informações estão disponíveis de um modo nunca visto na história. A leitura é,
hoje, acessível à maioria das pessoas. Temos a internet, as redes sociais, as
notícias sendo veiculadas em tempo real e os celulares – com uma capacidade de
armazenamento e disponibilização de dados e funções surpreendente. Para que,
então, a figura do mediador/arauto seria necessária? A resposta é simples: para,
com o seu conhecimento e repertório privilegiados, filtrar do arsenal infinito de
informações que nos chegam todos os dias o que é pertinente e necessário para
determinado fim.
Não à toa, os clubes de assinatura de livros estão voltando com força total. No
Brasil, temos alguns exemplos que já entraram para a categoria casos de sucesso
no mercado editorial. Citaremos dois deles: A Taba, clube de assinaturas
direcionado ao público infantil, e a TAG – experiências literárias, voltado ao
público adulto. E o que faz um clube de assinaturas de livros senão escolher, entre
os inúmeros lançamentos que, dia após dia, chegam às prateleiras, algo realmente
imperdível para o leitor?
Para isso, ambos os clubes têm curadores qualificados, profissionais
experientes no mercado editorial, grandes autores, editores, professores,
pedagogos cujo conhecimento de causa é inquestionável. Então, mês a mês, o
assinante recebe em sua casa um pacote impecável e charmoso, contendo não
apenas o livro do mês, mas, no caso da TAG, uma revista com textos de apoio e
brindes sempre muito caprichados, capazes de dar água na boca aos fãs de
literatura. Já A Taba oferece aos seus pequenos leitores, além do livro do mês,
jogos, passaportes de leitura e outros brindes pertinentes à faixa etária de cada
criança.
Mas para os que preferem seguir escolhendo os livros que vão ler, têm-se à
disposição inúmeras revistas, sites, blogues e booktubers especializados em
determinado tipo/gênero de leitura. Aqui e ali, há programas de televisão,
notadamente em canais por assinatura, cujo foco são entrevistas realizadas com
escritores, tradutores, editores. Há jornais como O Rascunho e revistas como a
Quatro cinco um, dentre outros veículos, dedicados aos livros e a seu universo.
Porém, sabemos que a internet é a ferramenta que mais disponibiliza informações
sobre livros ao enorme contingente de interessados. Todas essas plataformas de
comunicação são conduzidas por ninguém menos do que eles, os mediadores de
leitura, arautos que levam as boas-novas dos livros a quem quiser ouvir.
videoaulas e teleaulas;
leituras complementares;
chats, fóruns e e-mails;
ambientes virtuais de aprendizagem;
tutores e grupos de estudo.
Hebreia
Flos campi et lilium convallium
(Cântico dos Cânticos)
Lindo, não é? Mas precisei chegar à idade adulta para entendê-lo. A primeira
vez que me apresentei em um Congresso de letras, foram os versos de Hebreia que
escolhi analisar. Se conversarmos com pessoas ligadas à poesia (escritores,
editores, professores de Letras), veremos que essa paixão pelo poema, mesmo
quando desconhecemos seu significado, é bastante comum, da mesma forma que
acontece com as músicas cujas letras são de idiomas que desconhecemos em parte
ou totalmente.
Sobre esse tema, gosto muito do relato do poeta e professor Affonso Romano de
Sant’Anna:
O poeta esloveno Kajetan Kovic lê seus poemas em esloveno. Não entendo uma só
palavra de esloveno. Mas ele lê seus poemas com tal intensidade, que sem entender
nada, pela sonoridade emitida, pelo ritmo, entonação, julgo perceber algo e sem
entender nada me emociono com a emoção dele e com o que a sonoridade de suas
palavras magicamente me comunicou.
Outros leem.
Por exemplo, John Ashberry, poeta de renome nos Estados Unidos e do qual
Harold Bloom tanto gosta. Pois bem. Não sou exatamente o que se pode chamar um
analfabeto em inglês. No entanto, não entendo nada do que ele está dizendo. Quer
dizer: entendo palavras que saem de sua má dicção, mas essas palavras distanciam-
se, e muito, da poesia.
Fico intrigado.
Um poeta falando um poema numa língua que ignoro me comunica mais do que
um poeta falando numa língua que conheço. (SANT'ANNA apud SANTOS et al.,
2009, pp. 168-169)
Nos anos seguintes ao meu contato com Hebreia, decorar poemas tornou-se uma
espécie de hobby que consegui manter até pouco depois dos 30 anos, quando
minha memória já não era mais a mesma dos anos de adolescência e juventude.
Sem dúvida, vivi meu auge nesse período e costumo dizer que, aos 15, conquistei
meu marido declamando para ele meus poetas preferidos: Augusto dos Anjos,
Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Depois, comecei a declamar
um ou outro poema de minha autoria. Bem, pelo menos na minha experiência, a
fórmula da sedução poética deu certo, pois seguimos juntos até hoje.
A poesia e a infância
No Brasil, a primeira poeta a publicar poesia ao alcance das crianças foi a
escritora mineira Henriqueta Lisboa (1901-1985) com sua obra O menino poeta,
lançada em 1943. A obra foi decisiva na carreira da autora, que se tornou a
primeira mulher a eleger-se membro da Academia Mineira de Letras, tendo
destaque como uma representante do movimento modernista, assinando, ainda,
trabalhos como ensaísta e tradutora. Amiga do modernista Mário de Andrade,
Henriqueta trocou cartas com o escritor, as quais já foram publicadas no livro
Correspondência: Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa, com organização de
Eneida Maria de Souza (Peirópolis, 2010), vencedor do prêmio Jabuti 2010 na
categoria Biografias.
Para Mário de Andrade, embora os poemas de O menino poeta não tenham sido
feitos para crianças, o ritmo, a melodia e o encantamento coincidem com a imagem
da infância, “cheia de pureza, cristalinidade, alegria, melancolia leve, graça,
leveza e sonho acordado”.[1] Em 2008, o livro teve reedição pela editora paulista
Peirópolis, com ilustrações de Nelson Cruz. Há, ainda, uma edição que se intitula
O reencontro do menino poeta, com ilustrações de Marilda Castanha, da Global
Editora. É dessa edição que transcrevemos os seguintes versos:
Certo peregrino
– passou por aqui –
conta que um menino
das bandas de lá
furtou uma estrela.
Tra-la-li-la-lá.
(LISBOA, 2009, p.
9)
Susana nasceu
Na segunda-feira.
[...]
Do senhor do céu.
É a glória primeira:
Sus, Ana!
(BANDEIRA, 2008, p.
18)
[...]
(BELINKY, 2003, pp. 23-
25)
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
E assim como boa parte das obras literárias apresentadas pela escola aos
alunos, as poesias surgem em contextos vinculados a tarefas, provas, análises,
interpretações. Nesse contexto, é desassociada do prazer, da fruição, da
apreciação estética, do deleite que sentimos, por exemplo, ao ouvir música.
Após a apresentação do material do texto para a leitura, os livros didáticos abrem
espaço para atividades de reconhecimento e compreensão. A experiência que
poderia ser obtida com a leitura e reelaborada por meio de troca de opiniões em
grupo na sala, deve desembocar nas linhas já predeterminadas da página da seção
de atividades, sem que o aluno possa se expressar.
[...]
Essa postura em relação aos exercícios de compreensão de texto, muitas vezes,
é apenas o reflexo de uma expectativa: um patamar que todos os alunos devem
cumprir. Não se preveem as diferenças individuais, o repertório de cada um, nem
tampouco as diferentes realidades em que vive cada leitor. (Ibid., pp. 24-25)
Mas a relação da maioria das pessoas com a poesia nem sempre foi assim,
distante. No século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a poesia era
presença constante em celebrações religiosas, tradições populares que envolvem
dança, música e declamações, festas familiares, saraus e, em lugares como o
Nordeste do Brasil, até nas feiras livres, em disputas acirradas – que ainda
existem – entre os chamados repentistas.
A poesia vibrante do Nordeste brasileiro serviu de base, inclusive, para a
consolidação da tradicional literatura de cordel, na qual os autores dissertam
sobre temáticas as mais variadas em versos impressos em folhetos que podem ou
não ser ilustrados, com capas de cores diversas e títulos chamativos. Uma vez
grampeados, esses trabalhos eram expostos/pendurados em cordas ou barbantes
que se assemelham a varais (daí o nome cordel). Com frequência eram
comercializados nas ruas e nas feiras livres. Hoje estão também em algumas
livrarias, feiras de artesanato e comércios de produtos típicos do Nordeste.
Como nordestina, sempre que possível visito meu lugar de origem e, por força
do trabalho, já conheci algumas capitais e cidades do interior do Nordeste. Por
isso, tenho a impressão de que a relação do povo nordestino com a poesia segue
mais próxima do que a dos habitantes do restante do país. Por que será? Vejamos o
que diz Marco Haurélio, grande estudioso da literatura de cordel e dos contos
populares:
[...] num Nordeste com forte presença do imaginário da Idade Média, dominado pelo
misticismo e por crenças impregnadas do ideário cavaleiresco, em especial a gesta
de Carlos Magno, foi Leandro Gomes de Barros, poeta paraibano radicado no velho
Recife, o herói desbravador da seara do cordel e o modelo a ser seguido por todos
os poetas do gênero. São dele alguns dos maiores clássicos do cordel: Juvenal e o
dragão, O cachorro dos mortos, História da Donzela Teodora, Os sofrimentos
de Alzira, Peleja de Manuel Riachão com o Diabo, O cavalo que defecava
dinheiro etc. A partir da gesta de Carlos Magno, Leandro escreveu A batalha dos
Oliveiros com Ferrabrás e A prisão de Oliveiros, obras que já ultrapassaram com
folga a casa dos milhões de exemplares vendidos e são reeditadas há mais de cem
anos, ininterruptamente, fazendo de seu autor o mais importante criador da poesia
popular brasileira. (HAURÉLIO, 2013, pp. 11-12)
Cada vez mais, esses saraus vêm se multiplicando por toda a cidade de São
Paulo e garantindo seu espaço em um território que, historicamente, só registrava
saraus em ambientes reservados às classes economicamente privilegiadas:
A Cooperifa é considerada pioneira neste movimento que se expandiu pela periferia
de São Paulo e chegou ao centro. Existe o Sarau do Binho, um dos mais antigos, o
do Grajaú, Suburbano Convicto, Brasa, entre muitos outros.
Alguns são realizados em bares, outros são itinerantes. Já se replicaram em
outras cidades e não há unanimidade sobre quantos existem atualmente. Os saraus
chegaram ao Brasil séculos atrás com a Corte portuguesa, mas eram espaços
exclusivos da elite.[3]
Como vimos, a poesia pode, sim, descer do pedestal em que a colocaram (ela
nunca pediu por isso!) e tomar parte da realidade das pessoas em contextos sociais
os mais variados. Pode simbolizar liberdade de expressão, de ação, de conexão
com o mundo, ser a ponte entre a realidade e os sonhos tão necessários para
transformá-la.
A poesia pode ser apresentada às pessoas desde a mais tenra idade. Bebês,
crianças, adolescentes, adultos e idosos merecem esse encontro que propicia
experiências com beleza, linguagem, criatividade, reflexão, crítica, fantasia,
sonho.
Não tem muito segredo: encham o peito de ar. Leiam, declamem, levem poesia
para os seus dias e para a vida dos que estão à sua volta.
A passagem dos contos de fadas narrados pela tradição oral para as primeiras
publicações dessas histórias ocorreu no início do Renascimento, com a invenção
da imprensa. Os contos circulavam oralmente na Idade Média, época na qual o
mundo vivia crises de diversas naturezas, como guerras, fome, peste, invasões
bárbaras, cruzadas, forte influência do cristianismo. Na Idade Média, um terço da
Europa foi dizimada pela peste negra, por volta de 1350, e a fome entre os
camponeses era tão intensa que muitos contos de fadas traziam essa questão em seu
cerne, como João e Maria e O Pequeno Polegar.
Em ambas as histórias, os pais decidem abandonar as crianças nas florestas por
falta de comida em casa. No curso “Era uma vez... A história dos contos de fadas”,
o escritor Tino Freitas nos lembra o quanto a tragédia da peste e da fome
contribuiu para o repertório dos contos de fadas na Idade Média:
Não fosse assim, essas histórias não estariam atravessando os séculos com tanto
sucesso, sendo contadas e recontadas ao longo de gerações sucessivas,
transformadas/adaptadas, ainda, em filmes, peças de teatro, musicais, séries
televisivas, inspirando novelas, canções e rendendo milhões em todo o tipo de
produto que, de imediato, vira sucesso comercial, como fantasias, pôsteres,
revistas, álbuns, objetos de decoração, itens de vestuário, papelaria, cama, mesa e
banho, etc.
Para que isso acontecesse, muita gente contribuiu ao longo dos séculos, entre as
quais autores e compiladores que, munidos do desejo de expandir o alcance dessas
histórias pelo mundo, acharam por bem extrair/cortar os trechos mais, digamos,
polêmicos desses contos. Corta daqui, ameniza dali, os textos foram sendo
moldados, trabalhados e adaptados para conquistar o grande público até que, com
o tempo, caíram no gosto das crianças.
Tais histórias – ou pelo menos o modo como a maioria de nós as conhece hoje –
foram compiladas e modificadas para agradar em cheio o público-alvo a que se
destinava: a burguesia. Tudo aconteceu no século XVII, pelas mãos habilidosas do
francês Charles Perrault (1628-1703). De acordo com o livro Contos de fadas:
edição comentada e ilustrada (2013), com introdução e notas assinadas pela
alemã Maria Tatar, que dirige o programa de Folclore e Mitologia da
Universidade Harvard, Perrault vinha de família ilustre. Seu pai era membro do
Parlamento de Paris e tanto Perrault quanto seus quatro irmãos tornaram-se figuras
referenciais em áreas de atuações variadas, como literatura, teologia, direito e
arquitetura.
Formado em direito, Perrault trabalhou no escritório do irmão e, tempos depois,
prestou serviços para Jean-Baptiste Colbert, o ministro mais influente da França
naquele período. Sob seu comando, Perrault atuou no Departamento de
Construções, sendo responsável pela escolha dos arquitetos que assinariam as
obras tanto do Palácio de Versalhes quanto do Museu do Louvre. Em outras
palavras: o homem não era pouca coisa. Bem relacionado, frequentando as altas
rodas, festas e recepções badaladas, era uma figura de destaque, conhecida por
todo mundo que, assim como ele, possuía status social inquestionável.
Tudo isso contribuiu para que sua obra posterior tivesse boa aceitação e se
transformasse em sucesso. Até porque sua ideia foi genial: recolher, registrar,
organizar e adaptar contos da tradição oral que já eram sucesso de público há
tempos, cortando/suavizando suas passagens mais violentas, grosseiras, vulgares,
imorais, apelativas e inserindo lições de moral onde considerou necessário. Essas
lições muitas vezes vinham tanto no corpo dos textos quanto ao final de cada um
deles – nesse último caso escritas em versos. O resultado é que as histórias foram
publicadas, arrebatando o público a ponto de, com o passar dos anos, estarem
impregnadas, em definitivo, no imaginário coletivo.
Entre os contos recolhidos e adaptados por Perrault, alguns se tornaram tão
conhecidos que novas versões não cessam de surgir no mercado editorial, como:
Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, O gato de botas, O Pequeno Polegar e O
Barba Azul. Haja vista que, ainda hoje, nossas livrarias estão repletas de livros e
histórias em quadrinhos contemporâneas inspiradas nessas narrativas.
Maria Tatar nos conta que, aos 44 anos, em 1672, Perrault casou-se – já com
uma idade bem avançada para os padrões da época. Sua esposa era Marie
Guichon, cuja morte precoce ocorreu no parto do terceiro filho, Pierre Perrault
Darmancour, que, na juventude, seria alvo de um disse me disse capaz de deixar
qualquer pesquisador com a pulga atrás da orelha: teria sido ele, o filho caçula, o
autor da primeira edição dos contos de fadas reunidos pelo pai. Isso porque o
nome do rapaz aparecia na folha de rosto do livro. Que tipo de trabalho Pierre
teria feito naquela edição? Não se sabe ao certo, mas, hoje, o fato é que grande
parte dos estudiosos não acredita que o jovem, que tinha por volta dos 18 anos
naquela ocasião, tivesse realmente escrito as histórias, publicadas em 1697 com o
título de Histoires ou contes du temps passés, avec des moralités (Histórias ou
contos do tempo passado, com moralidades), livro que se tornou mais conhecido
por seu subtítulo, Contes de ma mère l'Oye ou Contos da mamãe Gansa.
Para Ana Lúcia Merege:
Nelly Novaes Coelho acredita que o autor não quisesse arriscar sua reputação de
escritor ‘culto’ com a publicação de uma literatura popular, que poderia ser
considerada frívola. De qualquer forma, a obra agradou em cheio, sendo que muitos
a consideram a primeira obra de literatura voltada especificamente para o público
infantil. (MEREGE, 2010, p. 50)
A publicação de Perrault marca o verdadeiro início da história dessa
personagem – mamãe Gansa – que faz referência às mulheres do campo, que
contavam histórias ao redor da lareira, na hora de fiar.
A associação dessa mulher que representa todas as contadoras de histórias com
a ave tem sua origem no ruído emitido pelos gansos, que, por sua vez, faz alusão
ao som cacarejante dos contos das velhas (DARNTON, 1988). A imagem de
mamãe gansa, uma senhora próxima à lareira e cercada por crianças para as quais
conta a história, foi imortalizada por Gustave Doré (1832-1883), um dos grandes
ilustradores dos contos de fadas.
Também nos anos finais do século XVII – 1697 ou 1698, de acordo com
diferentes referências encontradas –, Marie-Catherine Le Jumel de Barneville
(1650/1651-1705), que entrou para a história como Madame d’Aulnoy, publicou
um livro que intitulou como Contes de fées (Contos de fadas) – primeira vez em
que surge essa designação em um título. Madame D’Aulnoy teve uma vida muito
atribulada, com direito a casamento malsucedido, acusações, amantes, fugas e
traições. Viveu na França, Holanda, Espanha e Inglaterra e chegou a trabalhar
como espiã. Em 1685 teve permissão para voltar a Paris, onde passou a organizar
um salão de renome, reunindo personalidades que faziam do local um dos pontos
de encontro da corte. Escrevia de forma cômica e com uma visão sádica. Publicou
suas memórias obtendo grande sucesso.[2]
Já Maria Tatar nos lembra, ainda, que outra mulher se tornou conhecida pela
publicação de seus contos de fadas. Trata-se da romancista francesa Jeanne-Marie
Leprince de Beaumont (1711-1780), autora do conto A Bela e a Fera. Em seu livro
Contos de fadas, Tatar revela que Beaumont casou-se em 1741 com um libertino
notório, sendo a união anulada dois anos depois (TATAR, 2013, pp. 403-404). A
escritora foi para a Inglaterra em 1745 para assumir um posto de governanta.
Beaumont casou-se novamente com Thomas Pinchon, com quem teve vários filhos.
Publicou antologias de histórias, contos de fadas, ensaios e anedotas de 1770 a
1775. Tais coletâneas privilegiavam histórias cujo intuito era incutir virtudes
sociais em crianças e jovens. Sua publicação Le magasin des enfants (1757)
trazia seus contos mais conhecidos: A Bela e a Fera, Príncipe encantado e
Príncipe Desejo.
Ela baseou sua versão de A Bela e a Fera numa outra muito mais longa publicada
por Madame de Villeneuve em 1740. Sua versão resumida, que se tornou parte do
cânone do conto de fadas ocidental, exalta a diligência, a abnegação, a bondade, a
modéstia e a compaixão como virtudes fundamentais para moças. (TATAR, 2013, p.
404)
Já no século XIX, também de acordo com o livro de Maria Tatar, coube aos
irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, ambos acadêmicos, linguistas, poetas e
escritores, realizar novas pesquisas, coletas e adaptações de contos da Alemanha,
ampliando sobremaneira a antologia de contos de fadas. A princípio, a ideia dos
irmãos com a compilação dos contos era reunir e, em seguida, publicar a poesia e
o folclore pertencente à tradição oral do povo germânico, perpetuando lendas,
piadas, provérbios, ditos populares e toda sorte de narrativas tradicionais.
Pouco antes do lançamento da primeira edição, críticos e intelectuais se
queixaram do material “patético e de mau gosto”, sugerindo que os pais deixassem
os filhos longe daquela publicação. Outros recomendaram que os Grimm usassem
de estratégias capazes de tornar os contos mais atraentes e menos grosseiros
(Ibid., p. 405). Por conta dessas críticas, os irmãos voltaram aos textos para
reescrever, cortar e editar. A primeira edição saiu repleta de notas e com uma
introdução pesada, mais parecendo um livro de tom erudito do que voltado para o
público em geral.
Maria Tatar segue relatando em seu livro que, com o tempo, a cada nova edição,
Wilhelm foi ampliando os textos, retirando ou substituindo cada palavra que
soasse vulgar ou grosseira, incrementando as histórias a ponto de deixar algumas
com o dobro do tamanho. Assim, a recepção do público foi ganhando corpo e
superando as expectativas a ponto de a obra, que no seu embrião era voltada a
estudiosos, tornar-se, pouco a pouco, um livro que se lia para as crianças antes de
dormirem.
Wilhelm tratou de contribuir muito para esse processo de gradativo acolhimento
desses contos pelos pequenos leitores. Prova disso é que, conforme ia revisando e
alterando os textos, eliminou praticamente todas as referências às gravidezes
anteriores aos casamentos, como no caso de Rapunzel, que, na primeira edição
dos Contos da infância e do lar, surgia grávida após os encontros fortuitos que
teve com o príncipe na torre:
“Diga-me, madrinha, por que minhas roupas estão tão apertadas e não me
servem mais?”. Já na segunda edição, a moça simplesmente pergunta à feiticeira
por que é tão mais difícil puxá-la até a janela que ao príncipe (Ibid., p. 406).
Para o poeta W. H. Auden, citado por Tatar, os contos de fadas dos Grimm
estavam “entre os poucos livros indispensáveis, de propriedade comum, sobre as
quais a cultura ocidental pode ser fundada”, o poeta completa afirmando que os
contos de Grimm estão “perto da Bíblia em importância” (Ibid., p. 404).
Quando nos lembramos das versões que nos chegaram às mãos na infância por
meio de livros ou, na maioria dos casos, por filmes da Disney ou desenhos
animados, fica difícil acreditar na crueldade presente nas versões originais. No
curso Era uma vez... A história dos contos de fadas, o escritor Tino Freitas nos
lembra que alguns desses contos têm numerosas versões pelo mundo: são 35
versões de Chapeuzinho Vermelho, em apenas uma região da França; e em O
grande massacre dos gatos: e outros episódios da história cultural francesa
encontramos que há registros de noventa versões de “Pequenos Polegares” e 105
de “Cinderelas” (DARNTON, 1988).
No caso de Chapeuzinho Vermelho, cuja primeira adaptação literária feita por
Charles Perrault data de 1697, o lobo astuto e malvado devora a menina ao final.
Já na versão dos Grimm, o lobo até come a vovó e a Chapeuzinho, mas um caçador
aparece, abre a barriga do lobo e resgata a avó e a neta de lá, sãs e salvas. O livro
Contos de fadas..., de Maria Tatar, traz a versão dos Grimm e, em um apêndice ao
final do livro, anexa mais duas versões da história: a de Perrault e outra de autor
anônimo intitulada A história da avó, que, diferentemente das demais, traz uma
protagonista sagaz a ponto de não precisar do auxílio de nenhum caçador/lenhador
para conseguir se livrar do lobo. Nessa versão, uma Chapeuzinho engenhosa tira
toda a roupa e vai se deitar na cama com o lobo. Em seguida, alega que está muito
apertada e precisa ir lá fora para se aliviar. O lobo permite, mas amarra a perna da
menina com um cordel feito de lã. Uma vez no quintal, a garota, esperta, tira o
cordel, amarra-o em uma ameixeira e foge, deixando o lobo a ver navios.
São muitas as interpretações da história de Chapeuzinho:
Mas a multiplicidade de interpretações não inspira confiança, alguns críticos vendo
na história uma parábola do estupro, outras uma parábola da misantropia, outros,
ainda, um projeto para o desenvolvimento feminino.
Chapeuzinho Vermelho toca em muitas angústias da infância, mas
especialmente naquela que os psicanalistas chamam “o medo de ser devorado”.
Embora a história de Perrault e o conto dos Grimm possam tomar um rumo violento
demais para algumas crianças, para outras essas mesmas histórias terminarão com
uma exclamação de prazer e um pedido de bis. (TATAR, 2013, p. 34)
A figura da mulher nos contos de fadas, como já citado no início deste capítulo,
retrata – e muito – o machismo explícito e arcaico do sistema patriarcal. Um dos
exemplos mais gritantes está em Barba Azul, um dos contos mais cruéis do
repertório tradicional dos contos de fadas. Nele, temos um marido
psicopata/assassino que puniu suas várias esposas com a morte devido à
curiosidade dessas mulheres.
Em seu castelo, Barba Azul mantinha um quarto sempre fechado, onde escondia
os corpos esquartejados de suas mulheres. A cada nova esposa, ele dizia que a
mulher poderia conhecer todos os cômodos do local, menos o tal quarto (onde
estavam os corpos). Dito isso, saía e deixava o molho de chaves nas mãos das
mulheres para ver até onde ia a curiosidade delas. Ao voltar, descobria que o tal
quarto havia sido aberto e matava a esposa em condenação por sua atitude. Ou
seja, as mulheres eram castigadas pelo simples fato de quererem deter o
conhecimento, de não se sujeitarem às ordens maritais, de desejarem descobrir o
que havia naquele esconderijo, de romperem as amarras da obediência.
Em sua “moral da história”, Perrault traça um paralelo entre a curiosidade
intelectual da mulher de Barba Azul e a curiosidade sexual das mulheres, em geral.
Com isso, religa a figura da personagem da história à Eva bíblica.
Ao apontar o parentesco da heroína em certas figuras literárias, bíblicas e míticas
(notadamente Psiquê, Eva e Pandora) Perrault nos dá um conto que solapa
deliberadamente a tradição em que a heroína é uma agente engenhosa de sua
própria salvação. Em vez de celebrar a coragem e a sabedoria da mulher de Barba
Azul ao descobrir a horrível verdade sobre as ações assassinas do marido, Perrault e
muitos outros que contam a história subestimam seu ato de insubordinação. (Ibid., p.
161)
Nas décadas seguintes, novos autores contribuíram ainda mais para aumentar o
repertório de contos de fadas e novas histórias infantis, entre os quais:
o dinamarquês Hans Christian Andersen, com contos como O soldadinho de
chumbo; O patinho feio, Os trajes do imperador e A Pequena Sereia;
o italiano Carlo Collodi, com Pinóquio;
o inglês Lewis Carroll, com Alice no País das Maravilhas;
o americano Frank Baum, com O mágico de Oz;
o escocês James Barrie, com Peter Pan.
Esse enredo de Pedro Bandeira foi levado às telas pela diretora Tizuka
Yamazaki no filme Xuxa em o mistério de Feiurinha, de 2009.
Em seu livro Literatura infantil brasileira: uma nova outra história, Lajolo e
Zilberman citam, ainda, outros livros nacionais que dialogam com contos de fadas.
São eles: Procura-se Lobo, de Ana Maria Machado; Alice no telhado, de Nelson
Cruz, entre outros que, de forma mais abrangente, sem aterem-se especificamente
aos contos de fadas, flertam com a tradição por meio da intertextualidade.
Há alguns anos, Katia Canton escreveu toda uma coleção de livros com recontos
dos contos de fadas, lançados pela Editora DCL, em 2010:
Como vimos ao final do texto da fábula, que traz animais como protagonistas,
temos uma moral explícita. Já em relação ao desenvolvimento da narrativa, o que
vemos é uma história linear, com começo, meio e fim, apresentando o conflito e
resolvendo a situação em pouquíssimas linhas – conjunto de características que
configura esse gênero literário.
Quanto ao caráter universal das temáticas que encontramos nas fábulas, vejamos
a explicação de Adriane Duarte no texto de apresentação do ótimo livro Esopo:
fábulas completas:
Apesar dessa universalidade que reconhecemos na fábula e que lhe garante o
interesse de seguidas gerações, ela também traz um retrato da sociedade que a
produziu e consumiu avidamente. Nela, além dos animais, encontramos toda uma
galeria de gente humilde, que lida com as adversidades impostas por uma vida árdua.
São lavradores, pastores, artesãos, um ou outro filósofo ou orador, poucas figuras
históricas (entre elas, Esopo, Diógenes, Dêmades), e escravos, já que a exploração
da mão de obra servil era disseminada por toda a antiguidade. Os deuses e as
práticas religiosas gregas também são muito presentes. (ESOPO, 2013, p. 16)
No Brasil, a forte tradição oral e folclórica contribuiu para que autores cujas
obras são vinculadas à cultura popular se debruçassem sobre o gênero fábula.
No Brasil, as melhores realizações inspiram-se no folclore e na literatura oral. Como
exemplos, há as Fábulas de Luís de Vasconcelos, as Fábulas e alegorias de
Catulo da Paixão Cearense e as Fábulas brasileiras, de Antônio Sales. Cabe
mencionar também Monteiro Lobato, José Oiticica e o Marquês de Maricá.
(ESOPO, 2004, p. 15)
[1] Curso “Era uma vez… A história dos contos de fadas”, ministrado por Tino Freitas na Livraria NoveSete,
em São Paulo, entre 21 e 23 de abril de 2018. Conferir, também, o primeiro capítulo do livro O grande
massacre dos gatos: e outros episódios da história cultural francesa, de Robert Darnton.
[2] Curso “Era uma vez… A história dos contos de fadas”, ministrado por Tino Freitas na Livraria NoveSete,
em São Paulo, entre 21 e 23 de abril de 2018.
[3] Texto de apresentação da obra de Angela Carter pela Companhia das Letras. Disponível em
www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12232. Acesso em 10/4/2018.
[4] Gaby Wood, “Neil Gaiman on the meanings of fairy tales”. Disponível em
https://www.telegraph.co.uk/culture/books/11243761/Neil-Gaiman-Disneys-Sleeping-Beauty.html. Acesso em
11/4/2018. (Tradução da autora.)
[5] Loide Nascimento Souza. A fábula e o efeito-fábula na obra infantil de Monteiro Lobato. Tese de
doutorado, Universidade Estadual Paulista, 2010, p. 128.
u tinha 10 anos quando tudo mudou. Foi nessa época que frequentei a
quarta série primária do antigo curso intitulado primeiro grau, hoje
renomeado como ensino fundamental, na então Escola Estadual de Primeiro
Grau Jayme João Olcese, em Cubatão (há alguns anos a escola tornou-se
municipal). Corria o ano de 1982 e, no primeiro dia de aula, conheci Thaís
Caravieri Pedreira Ribeiro – uma professora doce e interessada em
transformar seus alunos em leitores.
Dizem que para as coisas mais importantes da vida, como a felicidade e o
amor, não existem receitas prontas. Será mesmo? Tenho cá minhas dúvidas,
pois, pelo menos para Thaís, formar leitores e, consequentemente, torná-los
pessoas mais preparadas para enfrentar os desafios da vida, contribuindo,
assim, para que sejam mais felizes, nunca constituiu um bicho de sete
cabeças. Ela parecia, sim, ter uma receitinha infalível: todos os dias, 15
minutos antes de a aula acabar, Thaís nos pedia para guardar o material.
Enquanto finalizávamos essa tarefa, se dirigia para a porta da sala, quase
sempre aberta devido ao calor. Então, encostava-se ali em atitude relaxada,
abria um livro e contava uma história. Simples assim.
Era um momento mágico. Grudávamos os olhos nela para melhor absorver
seus gestos e reações enquanto narrava fábulas e lendas diversas. Segura de
seu método, nossa Sherazade particular nos seduzia com as inflexões de voz
perfeitas para cada personagem e situação descritos nas páginas à sua frente.
Aquelas foram minhas primeiras viagens literárias, uma vez que, por
motivos variados, o hábito de ler livros não existia em minha casa.
Conduzida pelas narrações de Thaís, visitei florestas encantadas, habitats de
fadas, bruxas, gnomos. Fui ao Egito e ao Oriente Médio. Atravessei mares,
estradas, desertos e sertões, usando jangadas, barcos, trens, estradas, balões.
Assim fazia Thaís: não media esforços para nos mostrar o mundo que
transcendia os muros da escola.
Mais de trinta anos se passaram e jamais esqueci seus olhos grandes e
castanhos fitando-nos sempre com tanta atenção. Estão vivas em minha
memória as maçãs salientes de seu rosto, os cabelos negros, cacheados nas
pontas, o sorriso, o modo como se vestia. Adorava quando usava macacão
jeans – indumentária perfeita para seu estilo pouco formal.
Um dia, ela nos pediu para escrever uma redação e a minha foi selecionada
como a melhor da classe. Não bastasse essa alegria, Thaís achou por bem
gastar uns cinco minutos discorrendo sobre minha capacidade de contar
histórias. Eu não cabia em mim de tanta felicidade e nunca vou esquecer a
sensação de ver meu texto sendo reproduzido na lousa, a pedido da
professora, por outra aluna (a que tinha a letra mais bonita da turma). Tão
logo a amiga concluiu a cópia do texto, Thaís foi dissecando parágrafo por
parágrafo, apontando as qualidades da narrativa.
Durante a finalização deste livro, mobilizei amigos de São Paulo, Santos e
Cubatão na tentativa de, mais uma vez, encontrar Thaís. Deu certo! Há anos,
sozinha, eu buscava notícias dela e sempre acabava esbarrando em
burocracias que me impediam de conseguir. Dessa vez, no entanto, com a
ajuda preciosa da jornalista da Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo, Adriana Engrácia de Oliveira Costa – que bem poderia ser detetive
nas horas vagas –, finalmente recebi as informações que me levaram até
Thaís. Muita gente ajudou pensando positivo enquanto mobilizávamos não só
a Secretaria de Estado da Educação, mas a Diretoria Regional de Ensino de
Santos e as escolas Afonso Schmidt e Jayme João Olcese, ambas de Cubatão.
Foram muitos telefonemas, e-mails, mensagens de Facebook, grupos de
WhatsApp.
Em 23 de abril de 2018, consegui o telefone atualizado de Thaís por meio
do Facebook da filha dela, Laura Pedreira. Foi então que liguei para minha
professora e, em meio às lágrimas acumuladas por 36 anos de espera,
convidei-a para me ver no dia seguinte, uma vez que estaria justamente em
Santos, cidade onde ela mora, para ministrar uma palestra, às 15 horas, na
unidade do Senac daquela cidade.
Cheguei suando frio no evento, não só pela emoção de revê-la, mas pela
sucessão de imprevistos que vivi desde que tentei sair da capital paulista, na
manhã daquele dia 24. O metrô estava parado por conta de um problema
técnico, o que me levou a atravessar a cidade de táxi, atrasando meu percurso
em uma hora. O ônibus que peguei no Terminal Rodoviário do Jabaquara
quebrou na descida da serra, obrigando-me a pegar carona em outro veículo
da mesma empresa de transportes. Uma das pistas de acesso a Santos estava
interditada e ainda havia milhares de caminhões atravancando o caminho
entre a serra e as proximidades do porto devido à época de safra. Saí de casa
às 9h e cheguei a Santos às 14h. A ideia inicial era chegar às 11h30 e almoçar
com minha irmã e sobrinha, que também moram na cidade. Todo o estresse
valeu a pena. Rever Thaís foi uma das experiências mais incríveis da minha
vida.
Após mais de três décadas, pude dizer a ela que, graças a seu método de
ensino, me tornei uma leitora voraz, o que acabou definindo meu destino
como escritora. Thaís foi a primeira a me apontar o caminho e, até o fim dos
meus dias, terá lugar cativo na minha memória e no meu coração.
Durante muito tempo, brigar na rua era algo corriqueiro entre crianças. Quem
está na faixa dos 40 anos recorda-se de que nas décadas de 1970 e 1980 não havia
semana em que pelo menos dois meninos não saíssem no tapa na porta da escola.
Eram os tempos do chamado “Te pego lá fora”. Toda sala de aula tinha um
valentão. Até mesmo entre as meninas as brigas, apesar de menos comuns, não
chegavam a ser raras. E dá-lhe puxada de cabelo – geralmente por conta de
fofocas ou disputa por namorados.
Mas não foram só de vendas porta a porta e também em livrarias que a obra
lobatiana chegou às mãos dos leitores. Ciente da importância da distribuição
desses livros nas escolas, o escritor não perdia a oportunidade de fazer todo o
possível para conseguir vender grandes quantidades de seus títulos. Mesmo que,
para isso, tivesse de modificar o texto para agradar seus compradores.
Exemplo disso se deu no caso de A menina do narizinho arrebitado, edição de
1920, que incluía passagens descartadas em versões posteriores, como “a
irreverente cena em que um Fr. Louva a Deus dá a extrema-unção a uma barata
moribunda” (LAJOLO & ZILBERMAN, 2017, p. 20).
Marisa Lajolo e Regina Zilberman informam que a omissão dessa passagem se
deveu à carta recebida por Lobato e redigida por seu amigo Lourenço Filho, então
diretor da Instrução Pública do Ceará e professor da Escola Normal de Fortaleza.
A correspondência alertava para o desagrado das autoridades educacionais com a
irreverência religiosa e os consequentes riscos de um possível encalhe do livro.
Vejamos a carta:
Lobato,
V. não tem razão. A essa hora já terá recebido o jornal com a nota oficial da
aprovação e adoção dos seus livros, bem como do Dr. Doria.
E veja como V. é ingrato: o único embaraço na minha ação, aqui, foi exatamente
o resultado da aprovação de Narizinho arrebitado. O clero me moveu tremenda
guerra, sob o pretexto de que a adoção do livro visava ridicularizar a sagrada religião
católica. Foi preciso, para manter a aprovação, que eu inventasse haver uma
segunda edição, sem os inconvenientes da primeira.
Lembra-se você de que lhe falei sobre aquele tópico do frei com os sacramentos
etc. Este tópico, aí mesmo, ofendeu a muitos professores. V. só terá vantagens em
suprimi-lo, quando reeditar o livro.
[...] Abraços. Saudades aos camaradas.
Lourenço Filho.
(LAJOLO & ZILBERMAN, 2017, p. 20)
A escritora Laura Sandroni nos lembra, entretanto, que o marco inicial da LIJ no
Brasil é 1894, com a publicação de Os contos da Carochinha, de Figueiredo
Pimentel. Antes disso, só havia coletânea de contos estrangeiros. Laura também
ressalta a importância de Alexina de Magalhães Pinto.
Educadora, vanguardista, estudiosa do Folclore. Viajou aos 22 anos para Paris,
sozinha, numa época em que esse procedimento era raríssimo em se tratando de
uma mulher. Uma das mais importantes fundadoras da LIJ Brasileira.[4]
Júlia Lopes de Almeida é mais uma representante desse período, com quatro
textos voltados aos pequenos. São eles:
Contos infantis, de 1886, que assinou com a irmã Adelina A. Lopes Vieira;
Histórias da nossa terra (1907);
Era uma vez (1917);
Jardim florido (1922).[5]
Mas é preciso lembrar que o pioneirismo desses autores andou paralelo com a
publicação de histórias em quadrinhos, que também circulavam pelo país desde o
século XIX, vindo a se consolidar no início do século XX com o almanaque
infantil O Tico Tico:
O brasileiro conhece e consome histórias em quadrinhos, as HQs, há mais de um
século. A vovó delas por aqui se chama As aventuras de Zé Caipora, e data de
1884, um dos muitos frutos da imaginação de Angelo Agostini, italiano radicado no
Brasil e considerado pioneiro do gênero. Em 1905, a divulgação do estilo ganhou
força com o lançamento do almanaque infantil O Tico Tico.[7]
A revista obteve imenso sucesso até 1930, quando a chegada dos quadrinhos
importados se consolidou no Brasil, arregimentando grande público. O Tico Tico
trazia histórias infantis com personagens muito populares, como Reco-Reco, Bolão
e Azeitona, de autoria do desenhista Luiz Sá. Contos literários publicados em
séries, passatempos, temas de história do Brasil e obras estrangeiras bem-
sucedidas de autores como Mark Twain, Júlio Verne e Robert Louis Stevenson. A
revista foi responsável por lançar no mercado profissionais importantes como os
desenhistas J. Carlos, Edmundo Rodrigues, Max Yantok e Alfredo Storni.
Tenho carinho especial por muitos autores e obras desse período, em especial
as que privilegiam temas como a memória, tempo e a linguagem, com suas
vertentes, fronteiras, complexidade. É o caso do premiado Bisa Bia, Bisa Bel, de
Ana Maria Machado.
Nelly Novaes Coelho – crítica literária renomada e fundamental para a LIJ –
tocou em pontos cruciais no que diz respeito à importância de ler e reler essa
obra:
Bisa Bia, Bisa Bel não é uma leitura difícil. Nem poderia ser, uma vez que se destina
ao público mirim. É por excelência uma leitura divertida e sedutora, do princípio ao
fim. Sua ‘fábula’ entrega-se de imediato ao leitor – muito embora a significação
mais profunda do episódio permaneça por vezes meio enigmática. Entretanto, na
medida em que o leitor for atento ou exigente, pode ir encontrando nas releituras
níveis cada vez mais profundos, como toda a obra que resulta de uma verdadeira
invenção literária. (Nelly Novaes Coelho apud MACHADO, 2007. Texto da
primeira orelha do livro)
[1] De acordo com informações do site, o local dispõe de 20 mil exemplares, entre os quais 1.000 são voltados
para crianças de 0 a 3 anos; 2.500 CDs e livros CDs (contendo canções e contos); 500 DVDs; 300 livros
voltados ao público adulto (pais) e 500 voltados aos profissionais da educação. Disponível em
http://equipement.paris.fr/bibliotheque-l-heure-joyeuse-2882. Acesso em 13/3/2018.
[2] Literatura brasileira. Textos literários em meio eletrônico. Poesias infantis, de Olavo Bilac. Disponível em
https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/poesias_infantis_de_olavo_bilac-1.htm#AP%C3%A1tria.
Acesso em 8/3/2017.
[3] Olavo Bilac e Manoel Bomfim. Através do Brasil. Organizado por Marisa Lajolo. Disponível em
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11264. Acesso em 8/3/2018.
[4] Fala de Laura Sandroni no Seminário Carlos Lebéis, promovido pela editora Cosac Naify e pela Biblioteca
Monteiro Lobato, em 29/9/2013, no auditório da Biblioteca Monteiro Lobato, em São Paulo.
[5] Literatura infantil (1880-1910). Disponível em
http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/index.htm. Acesso em 8/3/2018.
[6] André Dela Vale, “O campo e a cidade sob o olhar de Thales de Andrade”. Disponível em
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao52/materia04. Acesso em 27/4/2018.
[7] “Arte quadro a quadro”, em Revista E, n. 107, abril de 2006, Sesc São Paulo. Disponível em
https://www.sescsp.org.br/online/artigo/3494_QUADRINHOS. Acesso em 12/3/2018.
[8] Cassiano Elek Machado, “O misterioso caso do Vaga-Lume”. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/86205-o-misterioso-caso-do-vaga-lume.shtml?loggedpaywall?
utm_source=folha. Publicado em 30/12/2012. Acesso em 6/3/2018.
riatividade é o que nunca faltou aos artistas brasileiros que, em geral, se
especializaram em encontrar soluções engenhosas para atravessar um mar de
adversidades sociais, políticas ou econômicas. Já mencionamos o caso de Lobato,
que criou, já nos anos 1920, as vendas porta a porta e preocupou-se com a
melhoria da estética dos livros – antes desprovidos de capas bem elaboradas e
ilustrações. Para dar conta desses processos, fundou a Editora Monteiro Lobato &
Cia. que, depois de um ritmo frenético de crescimento, enveredou por situação
instável, experimentando dívidas e outras dificuldades que resultaram na falência
da empresa. Inquieto, Lobato logo criaria nova empreitada, dessa vez intitulada
Cia. Editora Nacional (cf. AZEVEDO et al., 2001, pp. 130-149).
Suas obras tiveram ilustradores que se tornaram renomados. O primeiro deles
foi Voltolino (pseudônimo de João Paulo Lemmo Lemmi – 1884-1926) que, de
acordo com os padrões da época, seguia, pelo menos nos livros de Lobato, uma
linha bastante tradicional, dando ênfase à reprodução fiel do que dizia o texto. Era
como se o artista estivesse ali apenas para reforçar uma ideia já exposta pelo
escritor, deixando muito pouco à imaginação do leitor.
Nas últimas décadas, no entanto, os ilustradores brasileiros privilegiam, em
seus trabalhos, a explosão criativa de suas tintas e cores, que, em vez de apenas
reafirmar o que diz o texto, funcionam como seu complemento. Assim, os leitores
têm acesso a construções artísticas bastante autorais, compondo obras cuja
essência é composta por dupla autoria: autor e ilustrador.
Na LIJ, o papel da ilustração é, assim como o texto, provocar o leitor, despertar
sentidos, convidá-lo a apreciar a riqueza de uma experiência estética única e, para
conseguir isso, não há limites (ou pelo menos não deveria haver). Cada vez mais,
ilustradores mesclam experiências as mais diversas em seus trabalhos, ousando
tanto pela multiplicidade de recursos utilizados para atingir o resultado desejado,
como pelas opções aparentemente “simples” de suas escolhas.
Do desenho em bico de pena até os recursos tecnológicos mais modernos, o que
vale é a tentativa de conseguir o melhor casamento entre texto/imagem/projeto
editorial e gráfico. Desenhos usando nanquim, lápis de cor, giz de cera, caneta
esferográfica, guache, entre outros materiais, aliam-se a técnicas de colagem,
aplicação de tecidos, xilogravura. Nada é vetado. Muitas vezes, o próprio editor é
quem surpreende o artista com propostas inusitadas.
Ilustração e genialidade
Quando se trata de ousadia aplicada sobre o viés da “simplicidade”, um
exemplo de que gosto muito pode ser visto na obra Pedro e Lua, que tem texto e
ilustrações assinados por Odilon Moraes, um dos ilustradores mais premiados do
Brasil:
Lançado em 2004 pela editora Cosac Naify, Pedro e Lua foi fruto da ousadia de um
editor que se propôs (inicialmente a meu contragosto) a publicar os rascunhos como
se fossem ilustrações finalizadas. Essa obra recebeu da Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil (FNLIJ) o prêmio de melhor livro do ano para crianças e marcou
profundamente meu estilo gráfico, a partir de então.
Nessa nova e cuidadosa edição da Jujuba, ganhou um formato idêntico aos
rascunhos e teve a cor azul resgatada, para se aproximar ainda mais de seu sopro
original. (MORAES, 2017, p. 48)
A magia do livro-imagem
Quanto aos chamados livros-imagem, desprovidos de textos, como alguns
assinados por Angela-Lago, vêm desbravando fronteiras e conquistando espaços, a
despeito das reticências que muitas vezes enfrentam. A primeira publicação de
livro-imagem no Brasil se deu com Ida e volta, de Juarez Machado (1976). Mas
desde a publicação do clássico Flicts (1969), de Ziraldo, a modernidade no
trabalho com ilustrações na LIJ brasileira já se fez notar em grande estilo e, daí
para a frente, só ganhou em termos qualitativos e quantitativos.
Muitos mediadores de leitura têm dificuldades em trabalhar com essas obras,
preferindo, então, o caminho mais fácil: abrir mão delas. Na última edição do
Seminário Internacional Arte, Palavra, Leitura na Primeira Infância, ocorrido de
13 a 15 de março de 2018, no Sesc Pinheiros, após a mesa “Rompendo
paradigmas e semeando futuros leitores”, ocorrida na tarde do dia 14, abriu-se
espaço para perguntas da plateia e, nessa hora, uma educadora ergueu a mão e fez
uma pergunta que soou, ao mesmo tempo, como pedido de ajuda: “O que eu faço
na hora de contar histórias com o livro-imagem? Simplesmente não sei o que
fazer”.
Essa é uma dúvida frequente. Embora não exista uma resposta definitiva sobre
isso, nossa sugestão é que, muitas vezes, vale pedir ajuda aos próprios leitores na
decifração do enigma. Não raro, sejam crianças, sejam adultos, são eles os mais
indicados à solução desse “dilema”. Façam a experiência: abram um livro-imagem
e, enquanto vão passando as páginas, perguntem aos leitores o que eles estão
vendo. De imediato, observaremos que as interpretações são múltiplas, deixando a
leitura mais instigante.
Houve tempo em que simples ilustrações já eram criticadas, pois acreditava-se
que elas inibiam a capacidade imaginativa da criança. Um livro sem ilustrações
exigia que os leitores criassem suas próprias imagens, com base nas informações
oferecidas pelo texto. A própria Cecília Meireles, que tanto nos ensina nos
diversos temas tratados em seu livro Problemas da literatura infantil, publicado
pela primeira vez em 1951, adota uma postura hoje ultrapassada quando afirma:
O cinema talvez tenha acentuado demasiadamente a lição visual. Nós, que já
tínhamos aprendido o exercício da imaginação, e o raciocínio com ideias, voltaremos
a pensar só com os objetos presentes, sem podermos transformar em palavras?
Este é um dos perigos a assinalar nas discutidas histórias em quadrinhos.
Quanto à qualidade dos desenhos, talvez seja interessante averiguar o gosto das
crianças pelos desenhos simplificados dos ilustradores modernos, ainda que seja
indiscutível o seu valor artístico no mundo dos adultos. (MEIRELES, 1984, p. 147)
Ou ainda:
Alegria é um bloco de carnaval que não liga se não é fevereiro. (Ibidem)
Os tons multicoloridos utilizados nas ilustrações deixam tudo ainda mais bonito
e vibrante. A obra teve duas indicações para o Prêmio Jabuti e recebeu o Prêmio
Ofélia Fontes – O melhor para crianças, da Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil.
De estilo bem diferente, mas não menos poético, a autora lançou, em 2002, o
incrível Luna Clara e Apolo Onze, repleto de personagens e cenários originais.
Com uma narrativa capaz de prender o leitor durante suas 328 páginas, Adriana
demonstra total domínio do texto na condução das peripécias vividas neste enredo
que não poderia ser mais mirabolante e delicioso:
Os pais de Luna Clara, Doravante e Aventura, vivem se achando e se perdendo. O
avô da menina, Erudito, perde as histórias que havia colecionado e também o
papagaio. As tias perdem os namorados. Em um constante ir-e-vir, na região de
Desatino do Norte, as vidas de Luna Clara e Apolo Onze acabam se cruzando.[4]
O escritor Ziraldo é quem assina a orelha do livro, não poupando elogios à
escritora:
Adriana aqui reinventa não só a narrativa como a linguagem. Ela reinventa a
maneira de contar uma história. E faz isso com mão de mestre, com um nível de
invenção que não conheço em outros autores brasileiros. Ela chegou arrasando. (Cf.
FALCÃO, 2002. Orelha assinada)
Tudo muda no dia em que a menina depara com a tia vestida de preto. Do
guarda-roupa, somem as roupas coloridas. Caberá à menina descobrir uma fórmula
de devolver as cores e a alegria à vida da tia. Palavras como morte, perda e
viuvez não são sequer mencionadas no livro. Texto e ilustrações são de uma beleza
e sutilezas irretocáveis.
Mas quando o assunto é uma escrita ao mesmo tempo pungente e nostálgica,
podemos elencar o premiado A menina, o coração e a casa (Global, 2012), da
argentina María Teresa Andruetto. Traduzido pela renomada escritora Marina
Colasanti, o livro apresenta os conflitos familiares vividos pela menina Tina, de 5
anos. Seus pais são separados e vivem em cidades diferentes, a cerca de uma hora
de distância uma da outra.
Tina mora com o pai, Carlos, e sua avó paterna, Hermínia. Já a mãe de Tina,
Sílvia, vive com o irmão da menina, Pedro, portador da síndrome de Down. O
melhor dia da semana é domingo, quando o pai leva Tina até a casa de Sílvia e de
Pedro e, lá, a família passa o dia em harmonia. As crianças brincando, os pais
conversando, sempre com comidas gostosas e um clima amigável. Mas a menina
não compreende uma infinidade de coisas nessa relação: o porquê de os pais
viverem separados; o que, efetivamente, seu irmão tem de diferente a ponto de
precisar de tantos cuidados da mãe; por que todos não podem morar juntos, em
uma mesma casa?
O texto, narrado em terceira pessoa, é direto, sem rodeios, sem julgamentos. É
como se o narrador descrevesse os acontecimentos sob a ótica da criança, que,
com apenas 5 anos, é desprovida de meias palavras. Tudo o que, como adultos, os
pais problematizam, Tina e Pedro tratam de simplificar:
Temos que ir, Tina, diz o pai.
Tina demora a prestar-lhe atenção, meio aborrecida, mas afinal toma Pedro pela
mão, se afasta com ele e lhe diz alguma coisa ao ouvido. Depois, batendo palmas
compassadas, os dois dizem juntos:
Temos uma ideia.
Temos uma ideia.
Temos uma ideia.
O pai diz: Pode-se saber o que deu em vocês agora?
A ideia de Tina, que ela compartilha com Pedro, é que o pai e ela fiquem
morando na casa para sempre. A mãe sorri, sorri de verdade pela primeira vez em
muitos anos, essa mulher que às vezes fica parada durante horas diante da janela.
(ANDRUETTO, 2012, pp. 87-88)
Alguns números
Apesar da visão futurista e inovadora no que se refere ao mercado e ao
conteúdo de suas publicações, podemos considerar Monteiro Lobato – em muitos
aspectos, visionário – um editor, paradoxalmente, à moda antiga, no sentido de que
dominava as informações sobre todas as pontas do processo. Hoje, a segmentação
das profissões e as exigências financeiras em torno do mercado editorial
promoveram a extinção desse tipo de editor estilo velha guarda, dando origem a
um profissional pragmático, preocupado com vendas, marketing e planilhas
financeiras. O romantismo em torno da figura do editor está, de acordo com o que
o mercado nos mostra, extinto.
Durante décadas, o editor possuía um papel misto que incluía tanto os afazeres
típicos da edição de livros quanto uma interação total com o autor. O editor era,
em geral, amigo pessoal do escritor, atuando também como conselheiro, psicólogo,
relações públicas, confidente, incentivador.
Nos primeiros anos do século XXI, acompanhando o crescimento do mercado
editorial com fusões e aquisições de empresas nacionais por grupos estrangeiros,
vendas de milhões de livros para o Governo Federal brasileiro, o que se viu foi o
término dessa visão mais intimista e romanceada da profissão do editor. Com
números impressionantes (só em 2013, o Governo Federal destinou R$ 86 milhões
para a compra de mais de 7 milhões de exemplares de livros infantis e juvenis
para bibliotecas escolares),[5] prazos rígidos a cumprir, participação em editais,
tiragens monumentais para atender às compras governamentais, popularização das
bienais e feiras de livro, o que se viu foi a profissionalização das casas editoriais
tradicionais, bem como o surgimento de médias e pequenas editoras.
Outras mudanças foram o aumento da participação das editoras em feiras
internacionais importantes da área, como a tradicional Feira do Livro Infantil e
Juvenil de Bolonha, na Itália. Realizada anualmente, é voltada apenas para os
profissionais do setor, reunindo editores, agentes literários, ilustradores e autores
de todo o mundo. O Brasil foi o país homenageado na Feira em 2014. Eventos
como esse vêm ocasionando, de forma gradativa, o aumento do diálogo e das
parcerias das editoras brasileiras com as estrangeiras, ampliando o número de
traduções de autores nacionais mundo afora.
Aos poucos, as universidades de todo o país também vêm dando sua
contribuição para o avanço da LIJ no Brasil. Prova disso é o crescimento do
número de dissertações e teses sobre o tema, a criação de departamentos
específicos de literatura infantojuvenil em instituições públicas e particulares.
Observamos, ainda, a criação de cursos livres, de extensão e de pós-graduação
oferecidos por instituições como A Casa Tombada, em São Paulo, que
disponibiliza uma gama variada de cursos sobre LIJ; e a tríade A Cor da Letra,
Revista Emília e Sesc São Paulo, que, juntos, têm promovido, desde 2011, o ciclo
de seminários “Conversas ao pé da página”, cujo objetivo é promover “o
intercâmbio de experiências e de conhecimentos em torno dos leitores, da leitura,
dos livros para crianças e jovens, da literatura e da formação de leitores [...]”.[6]
Quanto aos estudos da LIJ na academia, devemos muito ao trabalho da
professora Nelly Novaes Coelho, criadora, em 1980, da primeira cadeira sobre o
tema no curso de letras da Universidade de São Paulo (USP). Sua vasta
contribuição para essa área ganhou impulso com a publicação do livro que viria a
se tornar um clássico para os pesquisadores de LIJ. Trata-se do Dicionário crítico
de literatura infantil/juvenil brasileira – 1882-1982, originalmente publicado em
1983 e reeditado em 2007. Na obra, a professora cataloga centenas de autores,
discorrendo sobre o trabalho de cada um.
Nelly lançou outros livros que se tornaram referência na área, como: Literatura
infantil: teoria, análise, didática (1981), Panorama histórico da literatura
infantil/juvenil (1984) e O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos (1987).
Se a professora foi precursora nos estudos acadêmicos em relação ao tema da
LIJ, hoje temos nomes como Marisa Lajolo e Regina Zilberman cujas pesquisas
têm contribuído muito para as reflexões sobre a área. Não podemos esquecer,
também, dos estudos fundamentais da professora Ligia Cademartori, que nos
deixou em 2015.
Professora-doutora em Teoria Literária, também tradutora de autores clássicos, ela
foi uma das responsáveis pela implantação e coordenação do Programa Nacional
Salas de Leitura, gérmen do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
[...]
Autora de livros essenciais na área, como O que é literatura infantil
(Brasiliense, 1986), Ligia, juntamente com Regina Zilberman e Marisa Lajolo,
formava o trio acadêmico que, a partir dos anos 1980, definiu muitos dos rumos
teóricos que sustentam a literatura infantojuvenil brasileira, dando-lhe alicerce para
que se tornasse potente e importante.[7]
Com todas essas mudanças, desde os anos 1980, a literatura infantil brasileira
atingiu um patamar de qualidade altíssimo, a ponto de três de seus autores
receberem o Prêmio Hans Christian Andersen. São eles: Roger Mello (2014), Ana
Maria Machado (2000) e Lygia Bojunga (1982). Já Bartolomeu Campos de
Queirós foi escolhido finalista na categoria escritor em 2010.
Essa explosão de crescimento se deve tanto ao aprimoramento e
profissionalização do mercado no Brasil quanto no mundo. A criação de prêmios
internacionais, feiras e parcerias em todos os continentes possibilitou, de maneira
gradativa, as mudanças que vemos hoje. Para Marisa Lajolo, especialista em
literatura infantojuvenil, o reconhecimento da LIJ no mundo se deu, do ponto de
vista institucional, a partir dos anos 1950:
2004 PROGRAMA FOME DE LIVRO, QUE VISA DOTAR TODAS AS CIDADES BRASILEIRAS COM
UMA BIBLIOTECA PÚBLICA; CRIAÇÃO DA CÂMARA SETORIAL DO LIVRO, DA
LITERATURA E DA LEITURA (CSLL); DECRETADA A DESONERAÇÃO FISCAL DO
LIVRO, LITERATURA E LEITURA; DECRETADA A REDUÇÃO A 0 (ZERO) DAS
ALÍQUOTAS DA CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP E DA COFINS INCIDENTES SOBRE
A RECEITA BRUTA DECORRENTE DA VENDA DE LIVROS; INSTITUIÇÃO PELO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO/CONSELHO PLENO (CNE/CP) DAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA.
2005 ANO IBERO-AMERICANO DE LEITURA E POSTERIOR CRIAÇÃO DO PRÊMIO
VIVALEITURA, COM O OBJETIVO DE ESTIMULAR, FOMENTAR E RECONHECER AS
MELHORES EXPERIÊNCIAS QUE PROMOVAM A LEITURA. TAMBÉM EM 2005, DADOS
DO MINISTÉRIO DA CULTURA (MINC) INFORMAM QUE 90% DOS MUNICÍPIOS
BRASILEIROS TÊM BIBLIOTECAS.
Algumas dessas iniciativas sem dúvida colaboraram para o fato de que, entre
2011 e 2015, a população de leitores no Brasil aumentou 6%, passando de 50% a
56%.
Não parece muito, mas na escala do Brasil significa que 16 milhões de pessoas
iniciaram-se em prática de leitura. Os instrumentos desse crescimento foram a
renovação das bibliotecas públicas, as feiras do livro, as manifestações literárias, os
apoios na edição. O desafio do presente é manter ou acrescentar estas intervenções
que associam a leitura e a cidadania. (CHARTIER apud LAJOLO &
ZILBERMAN, 2017. Prefácio assinado, s/p.)
[1] Cecília Garcia, “A criança deveria estar lendo, não trabalhando”, diz Roger Mello, autor premiado que
retrata as difíceis infâncias do Brasil. Disponível em
http://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/noticias/materias/as-historias-e-as-ilustracoes-de-roger-mello-contra-
o-trabalho-infantil/, publicada em 11/9/2017. Acesso em 16/3/2018.
[2] Disponível em http://www.evafurnari.com.br/pt/a-escritora. Acesso em 17/3/2018.
[3] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=PK7PuKnKgfo, publicado em 13/7/2011. Acesso em
6/8/2018.
[4] Disponível em http://www.agenciariff.com.br/site/AutorCliente/Autor/12. Acesso em 3/4/2018.
[5] Maria Fernanda Rodrigues, “O traço e as histórias brasileiras terão destaque na Feira do Livro de Bolonha”.
Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,o-traco-e-as-historias-brasileiras-terao-destaque-na-
feira-do-livro-de-bolonha,1140966. Publicada em 14/3/2014. Acesso em 7/3/2018.
[6] Disponível em http://www.conversapepagina.com.br/. Acesso em 25/3/2018.
[7] Graça Lopes, “Réquiem à professora”. Disponível em https://blogs.oglobo.globo.com/graca-
ramos/post/requiem-professora-569799.html. Publicado em 4/8/2015. Acesso em 24/3/2018.
[8] Dados apresentados por Marisa Lajolo no curso “Um panorama da literatura para crianças e jovens”,
ministrado por Dolores Prades, na Universidade do Livro/Fundação Editora Unesp, entre setembro e novembro
de 2011, em São Paulo. A participação da professora Marisa Lajolo como convidada ocorreu em 26/10/2011.
uitas vezes, o cinema é um poderoso aliado da literatura. Por meio de alguns
filmes, os espectadores sentem-se impulsionados a sair da sala escura e mergulhar
na leitura dos livros. Conhecido como a sétima arte, o cinema tem, claro, uma
relação estreita com livros, textos, escritores. Filmes, afinal, nascem graças às
ideias criativas de alguém que, a princípio, escreve as histórias sob a forma de
roteiro, uma técnica de escrita que exige dos autores não apenas a redação das
tramas mas também a indicação do modo como devem ser transpostas para a tela.
Desde sua criação pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, que exibiram as
primeiras imagens na telona para um público incrédulo em 28 de dezembro de
1895, em Paris, o cinema tem bebido na fonte da literatura utilizando-se dela para
a execução de filmes baseados em contos de fada, romances, lendas, poemas
épicos. Por vezes, roteiristas e diretores resolvem levar às telas filmes que não
necessariamente derivam de livros, mas que, por sua vez, incentivam o amor por
eles e pela literatura.
Uma das produções de que gosto muito e considero bem-sucedida nesse aspecto
é o clássico Sociedade dos poetas mortos, de 1989, com roteiro de Tom Schulman
e direção de Peter Weir. No filme, o personagem John Keating – em interpretação
magistral de Robin Willians – é um professor de literatura na tradicional escola
Welton Academy, onde havia sido aluno décadas antes. Trata-se de uma escola de
elite que, tal qual a maioria das escolas voltadas para esse público, é constituída
sob o signo da tradição e tem extrema dificuldade de encarar inovações com bons
olhos. Ocorre que Keating não segue a cartilha da instituição, uma vez que seu
modo de lecionar passa longe do viés tradicional. Já no primeiro dia de aula,
chega com uma postura leve, despreocupada, propondo aos alunos uma reflexão
sobre a vida e a necessidade de fazermos com que ela realmente valha a pena.
Com métodos pouco ortodoxos, pede que os alunos rasguem livros teóricos e
sobe nas carteiras para declamar poesia. Com o avanço da trama, os estudantes
descobrem que, quando fora aluno daquela instituição, o professor havia
participado de uma espécie de clube secreto: a Sociedade dos Poetas Mortos, que
privilegiava a leitura de poesia. Os alunos, então, tomados pela influência do
mestre, decidem reviver o grupo, passam a questionar a própria vida, modificam-
se, crescem, amadurecem – mudanças que alteram o rumo de suas histórias.
Ao final, o espectador sai envolto por uma atmosfera tomada pela poesia e pela
prosa, comovido com o modo pelo qual os livros podem transformar vidas,
provocar, questionar e, de certa forma, ampliar a extensão e o alcance de corações
e mentes.
E se há filmes que nos inspiram a ponto de nos impulsionar em direção à leitura
e valorizar cada vez mais nossas experiências com livros, há também fenômenos
editoriais que contaram, e muito, com a ajuda de suas adaptações para o cinema.
Gosto muito dessa obra de Green e o único senão do texto, a meu ver, é a
quantidade considerável de vezes em que o discurso dos protagonistas me pareceu
maduro demais. À época, refleti sobre isso e considerei que, com essas falas, o
autor quis ressaltar o fato de que adolescentes que já passaram – ou estão
passando – pelo drama do câncer amadurecem de forma precoce. Porém, quando,
na sequência, li mais três livros do autor (Quem é você, Alasca?, Cidades de
papel e O teorema Katherine) percebi que essa maturidade discursiva dos jovens
é uma constante nos romances do autor, conhecido por criar personagens
considerados “nerds”, a maioria leitores dedicados, bons alunos, com interesse
específico em determinados assuntos e temas.
Para além das citações explícitas a Shakespeare, a trama central do livro lembra
– muito – o que talvez seja a obra mais conhecida do autor: Romeu e Julieta. Na
peça, um casal de adolescentes vive um amor impossível, não devido a uma
doença, mas em decorrência da rivalidade histórica entre suas famílias. De final
trágico, com a morte dos protagonistas, o drama tornou-se um clássico.
Da mesma forma, a obra de Green traz questões como o amor, a perda e a morte
para o centro da discussão. A adaptação cinematográfica do romance foi um
sucesso, impulsionando sobremaneira a carreira do livro. Até porque muitos
espectadores fizeram o processo inverso: primeiro conferiram o filme para, só
então, se interessarem pela obra impressa que lhe deu origem.
Os fãs brasileiros de A culpa é das estrelas têm muito para comemorar. O filme,
inspirado no livro homônimo de John Green, teve a segunda maior bilheteria em
nosso país. Nos Estados Unidos, que detêm a primeira posição, o longa-metragem
fez, até agora, mais de US$ 123 milhões. O Brasil aparece em segundo lugar, com
US$ 30 milhões.
No ranking do FilmeB, A culpa é das estrelas é o mais visto do ano, com 6,1
milhões de espectadores (Malévola está atrás, com 5,7 milhões). A renda total no
exterior chegou a quase 140 milhões de dólares – vale notar que o filme teve
orçamento de 12 milhões de dólares.[5]
Um dos autores de livros voltados para o público jovem adulto mais festejados
da atualidade, Green tem público cativo no Brasil, com vendas expressivas e
excelente divulgação na mídia. Não chega a ser uma J. K. Rowling, mas, afinal,
quem pode se equiparar a ela?
Esses foram apenas alguns exemplos de filmes capazes de incentivar a leitura ou
a reflexão sobre ela. Há outros tantos cujas temáticas contribuem muito para que o
público, após vê-los, queira ampliar seu repertório de leitura ou mesmo – para os
que dizem não gostar de ler – começar a enveredar pelo mundo dos livros. A
seguir, listamos alguns:
O cinema ainda nos brinda com grande quantidade de filmes adaptados de obras
literárias. Entre os que acabamos de citar, dois foram inspirados em livros:
Minhas tardes com Margueritte e As vantagens de ser invisível. Vejamos mais
alguns para refrescar a memória:
Cinderela (1950)
logo no começo do filme, Bela aparece lendo enquanto caminha e passa por
um cidadão que faz pouco dela, criticando o fato de que a mulher que lê passa
a pensar e ter ideias;
já no começo do conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, Bela é
descrita como a filha caçula exemplar que “ocupava a maior parte de seu
tempo lendo bons livros”. E uma vez que seu pai a deixa no castelo da Fera,
ela decide conhecer as instalações e se depara com uma porta sobre a qual
estava escrito “Aposentos de Bela”. “O que mais chamou sua atenção, porém,
foi um grande armário de livros, um cravo e vários livros de música”. Ou
seja, tanto o filme quanto o conto descrevem uma moça fascinada por livros,
mas que, no entanto, não faz disso uma ferramenta para a sua independência.
Aliás, esse é o único entre os contos de fadas mais conhecidos que faz
questão de mostrar sua heroína como uma leitora;
mesmo na companhia dos livros, levar a história de Bela às telas nos soou
como um pequeno retrocesso em relação ao filme A Pequena Sereia. Isso
porque Bela ainda é uma heroína que privilegia a obediência e a abnegação;
tanto o conto quanto o filme têm relação com temas como casamentos
arranjados, aceitação do cônjuge do jeito que é, comprometimento maior da
protagonista com a família e não com o que ela própria deseja/precisa;
lembremos que a personagem abre mão de seus desejos e sonhos em
detrimento do bem-estar de seu pai e da família. “Após descobrir que a Fera
se dispõe a aceitar a filha no lugar do pai, ela se declara afortunada, pois terá
‘o prazer de salvar’ o pai e provar seus ‘sentimentos ternos por ele’. Sem
dúvida, nem toda Bela é uma vítima tão disposta” (TATAR, 2013, p. 75);
Bela simboliza o tipo de mulher que acha que ainda poderá mudar o homem
após o casamento.
Mulan (1998)
Por fim, como nos mostrou Bruno Bettelheim em A psicanálise dos contos de
fadas, essas narrativas valem pelo terror e pelo conflito que apresentam à criança,
permitindo, terapeuticamente, a solução de suas próprias turbulências emocionais.
Os contos de fadas merecem nossa atenção pelo fato de comporem um dos
repertórios literários mais ricos de todos os tempos, oferecendo aos leitores a
possibilidade de refletir sobre temas muito complexos que reúnem um misto
potente de primitivismo e sofisticação, na medida em que abordam questões como
fome, sono, violência, abandono, instinto de proteção, desejo, raiva, medo,
coragem, ciúmes, rivalidade, ambição, sexualidade, amor e morte. Munidos desse
repertório ainda na infância, parece-nos evidente que os leitores estarão muito
mais preparados para enfrentar a vida como ela é.
[1] Tim Masters, “Harry Potter, 20 anos – como livro rejeitado por editoras se tornou fenômeno infanto-juvenil”.
Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/geral-40403271. Acesso em 1/3/2018.
[2] Anderson Antunes, “Nos 19 anos do primeiro Harry Potter, os números mágicos da saga”. Disponível em
https://glamurama.uol.com.br/nos-19-anos-do-primeiro-harry-potter-os-numeros-magicos-da-saga/. Acesso em
1/3/2018.
[3] Disponível em http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_-
_2015.pdf, p. 97. Acesso em 9/8/2018.
[4] Eduardo Maschio e Rodolfo Almeida, “O ranking dos livros mais vendidos no Brasil desde 2010”. Disponível
em https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/07/03/O-ranking-dos-livros-mais-vendidos-no-Brasil-desde-
2010. Acesso em 2/3/2018.
[5] Miguel Barbieri Jr., “Brasil tem a segunda maior bilheteria do mundo de A culpa é das estrelas”. Disponível
em https://vejasp.abril.com.br/blog/miguel-barbieri/brasil-tem-a-segunda-maior-bilheteria-no-mundo-de-a-culpa-
e-das-estrelas/. Publicado em 5/8/2014. Acesso em 4/3/2018.
lém dos prêmios, feiras, bienais, compras governamentais e outras medidas
de caráter institucional que contribuem para o aumento do número de leitores no
Brasil e para a expansão do mercado editorial, os últimos anos têm sido marcados
por um fenômeno interessante no quesito divulgação de livros, escritores e
editoras. São os booktubers: pessoas apaixonadas por leitura que, munidas de um
celular ou de uma câmera, gravam vídeos e os postam no YouTube compartilhando
suas opiniões sobre livros.
Articulados e inteligentes, esmiúçam desde obras de autores contemporâneos a
clássicos, na maioria das vezes de maneira leve e divertida. Muitos têm entre 20 e
30 anos e, tendo nascido na era digital, não encontram dificuldades em lidar com
questões tecnológicas. Grande parte desses canais tem nomes que fazem menção
ao universo dos livros, como Ler Antes de Morrer, Literature-se, Vamos Falar
Sobre Livros?, Relivrando, Book Addict, Livrada, Primeira Prateleira, etc. Mas há
outros mais inusitados, entre eles Tiny Little Things, também conhecido como TLT,
JotaPluftz ou Pausa para um Café.
Esses influenciadores digitais são ativos, também, nas redes sociais, tanto as
que estão ligadas à temática da literatura, como Skoob e Goodreads, quanto as
mais conhecidas pelo público em geral, como Facebook, Instagram e Twitter.
Nelas, os booktubers dão continuidade ao diálogo sobre livros com seus milhares
de seguidores.
Em seus canais, a liberdade dá o tom e as agendas de publicações dos vídeos
depende unicamente do tempo e da disposição do booktuber. Alguns têm levado
esse trabalho tão a sério e o fazem com tamanha competência e paixão que têm
conseguido a façanha de transformar o que antes era apenas prazer em uma
atividade que se tornou sua principal fonte de renda. É o caso de Tatiana Feltrin,
que mantém o canal Tiny Little Things (TLT) desde 2007. Durante anos, Tatiana
manteve o canal de maneira concomitante à sua atividade como professora de
inglês, até que passou a se dedicar apenas ao TLT. E põe dedicação nisso!
Tatiana é uma leitora voraz e, com o passar dos anos, a qualidade de suas
análises e a segurança com que as transmite têm crescido de maneira
surpreendente. Sua voz, seu olhar, sua postura, a profundidade e o detalhamento
com que compartilha suas impressões de leitura: tudo contribui para que o número
de inscritos no seu canal siga crescendo. Eram 324.618 em 18 de dezembro de
2018. Parece pouco perto dos milhões de inscritos em canais de celebridades
televisivas ou cinematográficas, mas precisamos nos ater ao fato de que Tatiana
tem um canal sobre livros, o patinho feio (do ponto de vista financeiro, claro) da
indústria cultural no Brasil.
Assim como vários de seus colegas, a booktuber tornou-se garota propaganda
da Amazon, gigante de vendas de livros on-line. Assim, todas as semanas publica
vídeos comunicando as promoções da rede varejista. A booktuber também fatura
em cima dos chamados “publi” editoriais, vídeos feitos sob encomenda por
autores independentes ou editoras que estabelecem parcerias com ela. Volta e
meia, Tatiana é convidada para participar de eventos literários, como feiras de
livros e bienais, bem como discussões sobre leitura em bibliotecas, universidades
e outras instituições.
A booktuber impressiona, também, pelo modo com que se dedica à leitura de
textos de apoio capazes de colaborar para uma melhor compreensão da obra que
está analisando, especialmente quando se trata de textos clássicos, como é o caso
de Moby Dick, de Herman Melville, que ganhou um “projeto de leitura” no TLT.
Isso quer dizer que, aos poucos, a booktuber lia a obra e convidava os seguidores
do canal a fazer o mesmo, com prazos previamente definidos para a leitura dos
capítulos, analisados por Tatiana nas datas estipuladas.
Foi assim, também, com o impressionante projeto que abarcou os sete volumes
da obra Em busca do tempo perdido, do escritor francês Marcel Proust, e para a
qual Tatiana publicou nada menos do que 37 vídeos. Outro projeto de fôlego se
deu com a leitura das obras de Tolstoi, para as quais Tatiana dedicou 11 vídeos. Já
para a obra da inglesa Jane Austen, o projeto de leitura contou com 7 vídeos.
Com frequência, Tatiana também traz vídeos sobre suas leituras de histórias em
quadrinhos e mangás, além de dedicar todo o mês de outubro às leituras dos
clássicos de terror, incluindo Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft e Stephen King –
para citar apenas alguns.
Assim como Tatiana, muitos booktubers vêm-se aprimorando, criando uma
identidade como comunicadores, expressando-se com incrível desenvoltura,
tornando-se editores competentes. A jornalista Isabella Lubrano, do canal Ler
Antes de Morrer, se aproveita de sua formação como jornalista e capricha na
edição dos vídeos e na contextualização histórica das obras. Inteligente e
articulada, conquista um número cada vez maior de inscritos, além de manter uma
rede de padrinhos que, mensalmente, contribuem para a manutenção do canal por
meio de doações.
Precisamos considerar, ainda, que os booktubers gravam os vídeos nas salas e
nos quartos de suas casas, com equipamentos e recursos próprios. Não há grandes
produções nessa seara nem tampouco diretores, iluminadores, maquiadores,
produtores. Estamos falando de canais que dispõem de, no máximo, duas pessoas
na equipe: o booktuber e, muito raramente, alguém que ajuda na gravação. É o caso
do irreverente canal Livrada, comandado pelo jornalista Yuri Al’Hanati, de
Curitiba. Durante as gravações, Yuri conta com a contribuição de Murilo Ribas,
responsável por operar a câmera. O Livrada, diga-se, é um canal indispensável
para os fãs de literatura russa. Embora Yuri discorra sobre livros de gêneros e
autores variados, não esconde sua preferência pelos russos, analisando uma
quantidade enorme de obras desses autores.
Muitos booktubers contam com parcerias com livrarias. Para isso, ao final de
cada vídeo, solicitam que, caso os internautas tenham se interessado pelos livros
sobre os quais acabaram de falar, comprem seus exemplares clicando nos links
que aparecem abaixo do vídeo. Isso automaticamente direciona o público para
lojas virtuais que, por sua vez, oferecem aos booktubers porcentagens sobre as
vendas.
Impressiona ver a quantidade de booktubers jovens que se interessam, divulgam
e propagam obras clássicas e consideradas difíceis como A Divina Comédia, de
Dante Alighieri. Sobre a obra do autor italiano, vale mencionar o projeto de
leitura levado a cabo por aquela que, sem dúvida, é uma das booktubers mais
apaixonadas por Dante em toda a internet. É a jovem Anna Schermak, do canal
Pausa para um Café.
Anna estuda italiano, ama o idioma e além de analisar a obra de Dante, costuma
ler tudo o que é publicado sobre ele. Criativa, dá títulos ótimos para as chamadas
dos vídeos, incluindo as gírias do momento, que, obviamente, chamam a atenção
do público jovem. Exemplo disso é o vídeo intitulado: Virgílio, parça nos rolê,
que faz menção ao poeta preferido de Dante e que o acompanha pelos círculos do
inferno.
Outra jovem booktuber que desenvolveu projeto de leitura sobre um autor
considerado hermético é Mell Ferraz, do Literature-se. Em dezesseis vídeos, Mell
disponibilizou o projeto de leitura do tão afamado quanto temido Ulysses, de
James Joyce. Recém-formada em estudos literários, na Unicamp, ela dedica-se,
com o mesmo empenho, à análise de livros de autores iniciantes. Não raro, ainda
postava vídeos sobre sua maratona de estudos na universidade, idas à biblioteca
da faculdade e sebos de Jundiaí, cidade onde vive. Amante dos estudos, Mell
acaba de ingressar no curso de letras, na mesma universidade.
Por conta do trabalho desenvolvido em seu canal, no final de 2017, Mell
conseguiu despertar a atenção de sua mãe, dona Roseli – que nunca havia lido um
livro na vida. Hoje, dona Roseli vez ou outra participa dos vídeos da filha e é
muito querida pelos seguidores dela – além de ter chamado a atenção de outros
booktubers. É o caso do canal Primeira Prateleira, de Humberto Conzo, que em 27
de março de 2018 fez um vídeo especial indicando livros para dona Roseli.[1]
Criado, a princípio, com o propósito de falar de livros infantis, o Primeira
Prateleira foi, com o tempo, agregando livros de todos os gêneros em suas
resenhas e, hoje, tornou-se um grande incentivador da leitura de obras nacionais
contemporâneas.
Outro canal que vale muitas visitas é o JotaPluftz, criado pela historiadora e ex-
livreira Juliana Poggi, que discorre sobre livros de gêneros variados, assim como
os demais booktubers aqui citados, mas que se diferencia pela paixão que mantém
por livros que falam sobre livros. É isso mesmo. Juliana tem apreço especial por
livros sobre a história dos livros, livros sobre as livrarias mais famosas do
mundo, livros sobre bibliotecas.
Aconselho, para gregos e troianos, assistir à A relevância das obras
irrelevantes,[2] que ela publicou quando da celebração dos 400 anos do
nascimento de Shakespeare. No vídeo, Juliana comenta sobre várias obras do
autor e, de quebra, nos conta como e quando começou a se interessar por ele, ainda
na pré-adolescência. Também indico o ótimo vídeo Rei Arthur e suas mil versões
literárias,[3] no qual ela analisa livros dedicados à saga arturiana.
Já o canal Vamos Falar sobre Livros, de Gisele Eberspächer, é imperdível para
quem aprecia análises ecléticas que vão dos clássicos gregos aos mais novos
autores de literatura contemporânea nacional e internacional. Jornalista de
formação, Gisele é antenadíssima e lê muitos lançamentos no original, em inglês,
apresentando um panorama tão diversificado do que vem sendo produzido em
literatura que a gente chega a ficar angustiado com o fato de ter apenas uma
encarnação para ler tanta coisa: “Não vai dar tempo”, é o que sempre penso
quando termino de ver um vídeo desse canal.
O mesmo acontece com os vídeos da bibliotecária Claire Scorzi, cujo canal A
Estante de uma Bibliófila[4] é mais conhecido pelo nome de sua criadora. O
repertório de leitura de Claire é extremamente abrangente. Suas análises são muito
detalhadas. Só não espere uma iluminação, som ou edição esmerados. Claire não
se atém muito ao aspecto técnico das gravações. Sua preocupação principal é
compartilhar com os leitores tudo o que lê. E não é pouco. Clássicos, suspense,
terror, contemporâneos. Nada lhe escapa.
Já o canal Relivrando, criado por Cristina Melchior, brasileira morando em San
José, na Califórnia, é relativamente recente, com pouco mais de um ano.
Economista com mestrado em ciências da religião, Cristina não esconde seu amor
pelos livros, oferecendo aos seus seguidores o máximo de informações possíveis
sobre as obras. Faz vídeos ótimos nas lindas bibliotecas e livrarias da cidade
onde vive. Um projeto muito interessante do seu canal é o Viajando entre livros,
que prevê a leitura de um livro de cada país, perfazendo 199 obras. No vídeo em
que explica o projeto, Cristina relata que, embora a ONU reconheça um total de
193 países, ela acrescentou alguns territórios e regiões por sua conta, totalizando
os 199 que constam do projeto.
Já o Book Addict, de Duda Menezes, do Recife, é uma ótima opção não só para
fãs de policiais clássicos, estilo Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, mas
também os thrillers de suspense de autores contemporâneos. Duda ainda é fã de
romances históricos e quadrinhos, sempre trazendo ótimas sugestões sobre esses
gêneros.
Quanto mais inscritos tem o canal – e quanto maior o número de visualizações
dos vídeos –, mais as editoras se interessam em ter um lançamento comentado por
esses booktubers, nem que seja uma rápida referência. Isso acontece, geralmente,
uma vez por mês, quando publicam um vídeo específico para mostrar ao público
tudo o que receberam pelos Correios, tanto de editoras quanto de autores
independentes e até fãs que lhes enviam livros e outros objetos relativos a esse
universo, como marcadores de página, canetas marca-texto, cadernos e uma
infinidade de outros itens de papelaria.
O booktuber, entretanto, não tem obrigação de ler e resenhar tudo o que recebe,
a não ser que exista um acordo prévio de divulgação com as editoras. Em
fevereiro de 2018, alguns dos canais aqui citados resenharam – sob encomenda – o
livro Me chame pelo seu nome (2018), de André Aciman, que deu origem ao filme
homônimo que concorreu ao Oscar de 2018. Foi uma ação de marketing bem-
sucedida, com os principais booktubers resenhando o livro na mesma semana.
Ação semelhante acontece com os livros do clube de assinaturas TAG –
Experiências literárias que, a cada mês, envia suas publicações para serem
resenhadas pelos principais booktubers.
Entre os poucos canais dedicados aos livros infantis, gosto muito de A cigarra e
a formiga, criado pela jornalista Daisy Carias, de Curitiba. O canal nasceu do
blogue homônimo e traz resenhas fundamentadas, bastante abrangentes. Daisy
começou dando dicas sobre os livros que lia para o seu filho, Francisco. Com o
passar do tempo, o blogue foi crescendo, as leituras se ampliando e, hoje, já com o
segundo filho, Vinícius, a jornalista nos brinda com um repertório riquíssimo de
livros, tanto nacionais quanto estrangeiros.
Preocupada em analisar o livro como um todo – conteúdo, ilustrações, projeto
gráfico –, Daisy oferece aos pais, professores, mediadores de leitura e
interessados em geral dicas incríveis sobre livros dos mais variados temas. A
cada novo vídeo, escolhe um assunto diferente e separa os livros que considera
mais interessantes na abordagem do tema escolhido. Livros sobre monstros, para
bebês, para conversar sobre a morte, sobre a chegada de um novo irmão, sobre o
corpo humano, sobre temas polêmicos, sobre abecedários poéticos, sobre famílias
diferentes, contos de fadas, etc.
Não bastasse a qualidade do conteúdo dos vídeos, muitos deles trazem a
participação de Francisco, primogênito da apresentadora, que nos mata de tanta
fofura com suas opiniões sobre as obras.
Poesia na biblioteca
Para os que atuam nas bibliotecas, que tal aproveitar melhor o acervo dos livros
de poesia? Vejamos algumas sugestões para que isso ocorra:
Que tal realizar uma ação selecionando alguns livros de poesia e deixando-os
à mostra em um local de destaque em sua biblioteca? Ao lado ou acima
desses livros, viria um cartaz com uma frase do tipo: “Leve mais poesia para
a sua vida” ou “Que tal encher seus dias de poesia?”.
Convide poetas de sua região para ler poesias, declamar, falar sobre o ofício
da escrita ou sobre os poetas/escritores que os influenciaram.
A cada semana ou quinzena, imprima alguns poemas e coloque-os no
mural/painel da biblioteca, com o nome do autor e do livro de onde o poema
foi retirado.
Providencie uma caixa ou pote transparente (de vidro ou acrílico), imprima
diversos poemas (pequenos), dobre as folhas onde estão cada um deles e
coloque-os dentro da caixa. Do lado de fora desse recipiente, mantenha um
pequeno cartaz com uma frase do tipo: “Pegue um poema e deixe seu dia mais
bonito”.
Mediação na escola
Como já vimos em muitas passagens deste livro, o papel da escola na formação
de leitores é gigantesco. Mas o que é possível fazer, de forma prática, para levar a
leitura ao dia a dia dos alunos? Será que é preciso um alto investimento financeiro
para isso? Como a direção da escola e os professores podem atuar para propiciar
discussões e reflexões frequentes sobre o universo dos livros e da leitura?
Vejamos algumas possibilidades:
Trazer o escritor para a escola, desmistificar seu papel, tornando-o uma
figura palpável, um ser de carne e osso que, dia após dia, trabalha, cria,
produz, aprende. Que tal tentar uma parceria com instituições de sua
cidade/região para conseguir acesso a esses profissionais? Exemplo:
academias de letras, secretarias de educação (órgão que, por sua vez,
costuma ter contato com personalidades da área de letras), clubes de leitura,
livrarias e bibliotecas (locais que, devido aos eventos que realizam,
costumam ter os contatos de alguns escritores), etc.
Organizar feiras de livros/eventos literários.
Criar o “Dia da troca” ou “Feira de troca de livros”, nas quais os alunos
poderão trocar livros entre si (quem sabe propondo um evento com comes e
bebes para associar “alimentos para o corpo” com “alimentos para o
espírito”).
Propor rodas de conversas nas quais os estudantes possam partilhar
informações sobre livros.
Dia da dica: escolha alguns dias do mês em que determinado aluno deve
trazer um livro de sua preferência e indicá-lo aos amigos.
Dia do escritor/aluno: cada estudante deve trazer uma sinopse do livro que
um dia poderá escrever. Que história seria essa? Seria em primeira ou
terceira pessoa? Qual estilo? Romance, ficção científica, conto, policial?
Mediação na biblioteca
O espaço da biblioteca é privilegiado não apenas pela qualidade de livros que
possuiu mas também pelo fato de poder oferecê-los de maneira gratuita. É, para
muitos, o único caminho possível rumo à leitura diversificada, à construção,
portanto, de uma relação acessível entre possíveis leitores e livros. Muitos
profissionais desses espaços não conseguem ter a dimensão do quanto podem
contribuir com a formação de seus frequentadores.
Há poucos meses, ouvi o relato revoltado de uma mãe que, ao levar seu filho
pela primeira vez a uma biblioteca pública – localizada em um rico município do
interior de São Paulo – para que o pré-adolescente realizasse uma pesquisa sobre
pássaros, ouviu a atendente se dirigir ao menino com a seguinte frase: “–
Pássaros? Ué, muito mais fácil você procurar no Google”. A mãe, estupefata,
interveio dando uma “bronca” na atendente e explicando que a ideia de levar o
menino até a biblioteca era justamente fazer com que ele tivesse contato com uma
forma diferente de pesquisa, livros variados, autores especialistas no tema, etc.
Esse exemplo nos mostra que, a despeito de termos, aqui e ali, ótimos
profissionais, ainda precisamos caminhar muito para que as bibliotecas existentes
em todo o país não sejam subutilizadas e passem a ocupar a posição
imprescindível que sempre deveriam ter no quesito incentivo à leitura.
De acordo com os resultados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil,
publicada em 2016:
Bibliotecas públicas locais são conhecidas por 55% dos entrevistados, e essa
proporção aumenta à medida que cresce o nível de escolaridade. Por outro
lado, 66% da população não frequenta bibliotecas.
Essa proporção diminui entre o público leitor, mas principalmente entre o
público de estudantes (34%). Nesse sentido, não por acaso o tipo de
biblioteca mais frequentado é a escolar ou universitária.
A pesquisa indica ainda que a instituição biblioteca é, em geral, bem avaliada
pelo público frequentador, e que o item com menor índice de aprovação foi
“encontrar todos os livros que procura”. Ao mesmo tempo, uma maior
proporção do público que frequenta, às vezes ou raramente, apontou “ter mais
livros ou títulos novos” e “ter títulos interessantes ou que me agradem” como
motivos que os levariam a frequentar mais vezes a biblioteca. Esses dados,
em conjunto, indicam uma percepção de que os acervos dessas instituições
são vistos como pouco diversificados ou atualizados.[1]
Que tal, vez ou outra, arriscar alto como seu Elsio, da Biblioteca Municipal
de Cubatão, que “ousou” me indicar o romance Dom Casmurro? Para isso, os
profissionais das bibliotecas precisam tentar conhecer o perfil dos
frequentadores desses espaços, conversando com eles, questionando,
sugerindo títulos e novos autores.
É preciso, também, que esses profissionais estejam disponíveis para as
pessoas. Como bem explica a bibliotecária francesa Geneviève Patte:
Ficamos em pé para acolher com a discrição necessária. Não se recebe
ninguém sentado, atrás do balcão de empréstimo. A biblioteca correria o risco
de se parecer, assim, com uma repartição administrativa. (PATTE, 2012, p.
224)
Mediações especiais
Como já dissemos, a mediação pode ser feita para pessoas de qualquer idade ou
classe social, independentemente de suas condições físicas ou psicológicas. Como
escritora, por exemplo, já participei de eventos em escolas públicas e privadas
nas quais fiz contações de histórias para classes do ensino fundamental que tinham
alguns alunos especiais – havia tanto crianças portadoras de paralisia cerebral
quanto autistas. Em uma das ocasiões, observei que essas crianças gesticulavam,
sorriam, mantinham o olhar em minha direção. Em outra oportunidade, no entanto,
deparei com crianças que se mantinham alheias, como se estivessem em um
universo paralelo. No entanto, de alguma forma, estavam ali, integradas, acolhidas,
em meio aos demais colegas de turma, participando, portanto, da contação. Não
sei exatamente até que ponto compreendiam a narrativa que estava sendo
compartilhada, mas acredito que ouvir uma boa história sempre traz algum
benefício, alegria, aprendizado. As crianças acessam os sentimentos, o olhar e a
voz do contador. Esses já são motivos suficientes para seguir levando histórias a
um número cada vez maior de pessoas.
Mesmo para um público que tenha problemas de audição, é possível realizar a
contação de histórias por meio da língua brasileira de sinais (Libras). Em São
Paulo, mais precisamente em 21 de fevereiro de 2015, na Livraria Cortez, em
Perdizes, tive a alegria de presenciar uma contação do meu livro Quem tem medo
de papangu? (2011), feita pela dupla de contadoras Mirela Estelles e Amarilis
Reto Ferreira. Enquanto Mirela narrava a história de maneira tradicional, em
português, Amarilis o fazia por meio dos gestos que caracterizam a linguagem de
sinais. Também já realizei dois saraus de poesia nas unidades do Senac
Votuporanga e Senac São José do Rio Preto[3] que contaram com tradução
simultânea em Libras.
Já contações para deficientes visuais utilizam, muitas vezes, descrições
pormenorizadas de seus enredos, além de materiais específicos que possibilitem
maior compreensão da história por meio do toque, de cheiros, sons e texturas. Nas
contações realizadas para portadores de necessidades especiais ou mesmo para
bebês ou idosos, o objetivo é presentear esses públicos com momentos recheados
de afetividade, além de contribuir para ativar sua memória e imaginação. Vejamos
o que disse a escritora e coordenadora do projeto Uni Duni Ler Todas as Letras,
de Brasília, Alessandra Roscoe, após uma contação de histórias para crianças
cegas:
Uma leitura, um momento afetivo, pode fazer toda a diferença. Me surpreendeu
imensamente a capacidade de interação das crianças, a capacidade de construção
do imaginário. Também são crianças carentes de leitura, mas as crianças, elas têm
uma capacidade maior de colocar os sentidos todos em alerta [...].[4]
Danielle explica que nessa mesma classe havia outro aluno especial, portador
de uma séria paralisia cerebral.
Ao nascer, os médicos achavam que ele não andaria e sequer falaria, uma vez que
tinha paralisia facial também o que, por sua vez, lhe impossibilitava de abrir e fechar
a boca normalmente. Com o tempo, a criança desenvolveu um mecanismo de
mastigação utilizando a parte de trás da língua. Também conseguia se expressar por
meio de sons que vinham da garganta. Apesar de ele não conseguir abrir e fechar a
boca como os demais, ele dava um jeito de se comunicar. Um dia descobrimos que
ele tinha talento musical ao aproximarmos um microfone de sua garganta. Nessas
ocasiões, a voz dele saía com mais projeção e ele cantava. Assim, utilizamos o
mesmo recurso para que ele lesse o livro de poemas que estávamos trabalhando na
época. Ele se sentia seguro para ler na frente da classe quando colocávamos o
microfone próximo à sua garganta. Por isso eu digo que aprendo muito mais com
eles. Não tem como dizer simplesmente “faça isso ou faça aquilo” porque cada um é
um. O afeto e o olhar atento devem ser o centro de toda a aprendizagem.
[1] Instituto Pró-Livro. Retratos da leitura no Brasil, 4ª ed., março de 2016. Disponível em
http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_-_2015.pdf, pp. 136-137.
Acesso em 9/8/2018.
[2] Biblioteca Pública do Paraná. Hora do conto. Disponível em
http://www.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=24. Acesso em 9/2/2018.
[3] Respectivamente em 16/5/2017 e 18/8/2018.
[4] Projeto educativo leva contação de histórias para crianças cegas. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=phsTAl3vILI. Acesso em 9/8/2018.
[5] Todos os depoimentos de Danielle Salomão para este capítulo foram concedidos à autora em 9/8/2018.
Esperamos que, por meio das reflexões e dicas deste livro, todos os interessados
em mediação de leitura se sintam capazes de exercer o direito de compartilhar
boas histórias, estejam elas na memória de quem conta, estejam em livros,
quadrinhos ou até mesmo nos filmes, séries televisivas, novelas, desenhos
animados e todos os suportes que, no fundo e na superfície, podem conduzir à
leitura propriamente dita.
O que vale é usar os recursos existentes para propiciar o acesso ao universo
apaixonante dos textos. Narrativas cujas histórias vêm sendo tecidas há milhares
de anos por gerações sucessivas de escritores e compiladores que não se
contentam em deixar suas criações e descobertas ao sabor da oralidade, com risco
de se perderem no tempo e no espaço. Por isso mesmo, guardam-nas entre a capa e
a contracapa desse objeto encantado que chamamos livro e cuja vida só ganha
sentido quando encontra as mãos, os olhos e o coração dos leitores.
É meu desejo que pais, tios, avós, padrinhos, amigos, educadores,
bibliotecários, contadores de histórias, mediadores e demais interessados na
propagação da leitura possam, a cada dia, falar de livros para as crianças, os
jovens e os adultos com uma certeza renovada: a de que com dedicação e paixão
qualquer pessoa pode pertencer à linhagem de Sherazade e, assim, com a beleza e
a força das histórias, mudar o rumo das coisas para melhor.
Essa é a nossa crença. E é por ela que seguimos compartilhando o amor pelos
livros e nossas experiências de incentivo à leitura.
E para terminar de maneira lúdica, conectando tudo o que aprendemos com as
memórias mais doces da infância, recorremos a uma parlenda que é um convite às
novas histórias:
ACIMAN, André. Me chame pelo seu nome. Tradução de Alessandra Esteche. Rio
de Janeiro: Intrínseca, 2018.
BARRIE, James. Peter Pan. Tradução de Ana Maria Machado. São Paulo:
Quinteto Editorial/Gráfica Editora Hamburg, 1992.
CANTON, Katia. 1001 noites à luz do dia: Sherazade conta histórias árabes.
Coleção Arte conta histórias. Ilustrações de Beatriz Milhazes. São Paulo: DCL,
2010.
_______. Balé dos Skazkás: viajando pelos contos da Rússia. Coleção Arte conta
histórias. Ilustrações de Guto Lacaz. 2ª ed. São Paulo: DCL, 2010.
_______. Contos que valem uma fábula: história de animais animados. Coleção
Arte conta histórias. Ilustrações de Siron Franco. 2ª ed. São Paulo: DCL, 2010.
_______. Rotas literárias de São Paulo. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2014.
DAHL, Roald. Matilda. Ilustrações de Quentin Blake. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
FALCÃO, Adriana. Luna Clara e Apolo Onze. Ilustrações de José Carlos Lollo.
São Paulo: Moderna, 2002.
GARLAND, Sarah. Um outro país para Azzi. Tradução de Érico Assis. São Paulo:
Pulo do Gato, 2012.
HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução de Cid Knipel. Ed.
rev. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
LIMA, Edy. A vaca voadora. Ilustrações de Jayme Cortez. São Paulo: Círculo do
Livro, 1976.
LINDGREN, Astrid. Pipi Meialonga. Ilustrações de Michael Chesworth.
Traduzido do sueco por Maria de Macedo. São Paulo: Companhia das Letrinhas,
2001.
_______. A chave do tamanho. Obra infantil completa. Vol. 10. São Paulo:
Brasiliense, s/d.
MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia, bisa Bel. Ilustrações de Mariana Newlands. 3ª
ed. São Paulo: Moderna, 2007.
_______. Raul da ferrugem azul. Ilustrações de Rosana Faría. 2ª ed. São Paulo:
Moderna, 2003.
_______. Sangue fresco. Ilustrações de Alê Abreu. 11ª ed. São Paulo: Global,
1982.
MEBS, Gudrun. Íris: uma despedida. Ilustrações de Beatriz Martín Vidal. São
Paulo: Pulo do Gato, 2012.
MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Ilustrações de Thais Linhares. 6ª ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
MIL E UMA NOITES, As. Versão de Antoine Galland. Tradução de Alberto Diniz.
Apresentação de Malba Tahan. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Onde tem bruxa tem fada... Ilustrações de Mario
Cafiero. 49ª ed. São Paulo: Moderna, 1983.
ROWLING, J.K. Harry Potter e a câmara secreta. Tradução de Lia Wyler. Rio de
Janeiro: Rocco, 2000.
SANTOS, Fabiano dos; NETO, José Castilho Marques; ROSING, Tania (orgs.).
Mediação de leitura: discussões e alternativas para a formação de leitores. São
Paulo: Global, 2009.
SUPPA. ...E o lobo mau se deu bem. Ilustrações do autor. São Paulo: Folia de
Letras, 2012.
_______. ...E o príncipe foi pro brejo. Ilustrações do autor. São Paulo: Folia de
Letras, 2014.
VILELA, Fernando. Lampião & Lancelote. São Paulo: Cosac Naif, 2006.
Dantas, Goimar
A arte de criar leitores: reflexões e dicas para uma mediação eficaz / Goimar Dantas. – São Paulo :
Editora Senac São Paulo, 2019.
Bibliografia.
ISBN 978-85-396-2656-4 (impresso/2019)
e-ISBN 978-85-396-2657-1 (ePub/2019)
1. Livros e leitura 2. Formação de leitores 3. Mediadores de leitura 4. Incentivo à leitura : Oralidade na
literatura I. Título.
18-894s CDD – 808.54
BISAC LAN000000
São Paulo é uma cidade lírica, polo efervescente de cultura e artes e vivenda da
literatura. Não é à toa que muitos literatos e profissionais ligados à área fizeram
de São Paulo sua morada, a qual serviu de inspiração para poemas, teatros,
bibliotecas e lugar de prosa por entre suas livrarias, seus bares e centros culturais.
A paixão pelas letras unida ao espírito investigativo da autora Goimar Dantas faz
deste livro um dossiê completo sobre as rotas literárias de São Paulo,
minuciosamente selecionadas para compor esta publicação. Aqui estão reunidas
informações sobre a história dos locais, casos curiosos que neles aconteceram,
fotografias e entrevistas com escritores, livreiros, editores, críticos literários e
gestores culturais que participam do cenário literário da capital paulista. São 21
rotas que o leitor poderá conhecer ou rememorar sob um olhar lírico e poético.
Por quantos lugares não passamos e por desaviso não sabemos de sua importância
histórico-literária para a cidade? Por meio deste livro-guia, você descobrirá onde
a literatura pulsa em São Paulo, como se estivesse tomando um café com os
principais expoentes dessa área.
"No tempo em que não havia tempo, num lugar que era lugar nenhum"... As
histórias contadas são um convite à imaginação: cada ouvinte se transporta a um
cenário só seu, vivenciando com o narrador e com os outros espectadores uma
experiência única. Em a arte de narrar histórias, a autora nos conta como essa
atividade surgiu e se desenvolveu ao longo do tempo, destacando o papel do
narrador como aquele que faz a releitura de uma obra para depois apresentá-la ao
público. Nessa tarefa, muitos recursos podem ser utilizados: a voz, o gesto, a
música, a experiência de vida, as rupturas, os silêncios... mas como expressá-los?
Essa e outras questões são discutidas nesta publicação, que também traz exemplos
de cantigas e contos tradicionais, além de sugestões sobre como gerar uma
dinâmica mais participativa. Com este lançamento, o Senac São Paulo visa
contribuir para que narradores de histórias, comunicadores, educadores e
interessados em geral possam estabelecer maior conexão com o seu público,
adotando diferentes recursos para contar uma história.
Como é esperto esse seu bebê: nem fez um ano e já vai melhorar a alimentação da
casa toda. Não acredita? Está tudo aqui, nas páginas de Comida de Bebê: uma
introdução à comida de verdade. Com apoio de médicos e nutricionistas, Rita
Lobo traz as respostas para as dúvidas mais comuns da fase de introdução
alimentar e, de quebra, ainda ensina a família a comer com mais saúde, mais sabor
e muito mais prazer. Venha descobrir como o pê-efe, o prato feito, essa grande
instituição brasileira, vai virar o pê-efinho do bebê.
Imagine assar em casa um pão melhor que o da padaria. É isso que você vai
aprender em Pão nosso. Além de ensinar os segredos do levain, o fermento natural,
Luiz Américo Camargo ainda propõe receitas caseiras que passaram pelo seu rigor
de crítico de gastronomia. São dezenas de pães: integral, de nozes, de azeitona, de
mandioca, baguete, até panetone tem. E você também vai encontrar refeições
inteiras em torno das fornadas. Da irresistível salada panzanella, passando pela
surpreendente rabanada salgada até um ragu de linguiça que é de limpar o prato,
com pão, naturalmente.