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Caetano - Princípios Fundamentais Do Direito Administrativo

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PRINCIPIOS FUm)AMENTAIS

DO

DIREITO ADMINISTRATIVO

4 .

244-1
I.®' edigao — 1977

(c> Marcelo Caetano

(Preparada pelo Centre de Catalogagao-na-fonte do


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIV^ROS, RJ)

Caetano, Marcelo.

C131p Prlncipios fundamentals do direito administra-

tlvo. Rio de Janeiro, Forense, 1977.

583 p. 21 cm.

1. Direito administrativo 2. Direito administra-

tivo — Brasil I. Titulo

76-0768 CDU — 35

35(811

P
BeserTados os direitos de proprledade desta edicao pela
COMPANHIA EDITORA FORENSE
Av. Erasmo Braga, 299 — 1.° e 2.° and. — Bio de Janeiro — BJ
Largo de Sao Francisco, 20 — loja — Sao Paulo — SP

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
r

OBRAS DO AOTOR

• I — ADMINISTRAQAO E DIREITO ADMimSTRATIVO:

Do Poder dlsclplinar no Direito administrativo portugues


(1932).
A Codiflcagao administrativa em Portugal (1935).
Estatuto dos funcion&rios civis. Leglslagao coordenada
(S.'i ed., 1949).
Manual de Direito Administrativo (10.® ed., 1973, 2 vols).
Tratado elementar de Direito Administrativo (1.® vol.,
1944).
O probiema do metodo no Direito Administrativo por
tugues (1948).
Algumas notas para a interpretagao da Lei n.® 2.105
(1961).
Das Fundagoes (1962).
Tendencies do Direito Administrativo europeu (1967).
Estudos de Direito Administrativo (1974).

n — OUTROS ESTUDOS DE ECONOMIA E DIREITO:

A depreciagao da moeda depois da guerra (1931).


Ligoes de Direito Corporative (1935).
O Sistema Corporativo (1937).
Llgoes de Direito penal (1939).
OS natives na economia Africana (,1953).
Manual de Ciencia Politica e Direito Constituclonal (6.®
ed., 1972, 2 vols).
As pessoas colectivas no novo Codigo Civil (1967).

nr— HIST6RIA:

A antiga organizagao dos mesteres da cidade de Lisboa


(1942).
A administragao municipal de Lisboa durante a 1.® di-
nastia (1950).
O conceiho de Lisboa na crise de 1383-85 (1951).
' As Cortes de 1385 (1951).
As Cort6S de Leiria de 1254 (1954).
O Conselho Ultramarino. Esbogo da sua histdria (2.^ ed.
1967, ed. bras. 1969).
As campanhas de Moeamblque em 1895 segundo os con-
temporaneos (organizacao, prefacio e notas, 1947).
Reglmento dos oficiais das cidades, viias e lugares destes
Regnos, de 1504 (Prefacio, 1955).
A histdria da organizacao dos mesteres na cidade de Lis-
boa (1959).
Pref&cio a trad. port, de SERAPIM DE PREITAS — De
Justo Imperio Lusitaiionim Asiatico (1960).
Liedes de Histdria do Direito Portugues (1962).
Subsidios para a Histdria das Cortes Medievais Portu-
guesas (1963).
Portugal e a internacionalizagao dos problemas africanos
(4.a ed., 1971).
Recepcao e execucao dos decretos do Concilio de Trento
em. Portugal (1965).
Os antecedcntes da reforma administrativa de 1832
(Mousinlio da Silveira, 1967).
Histdria breve das constituicoes portuguesas (S.®' ed.,
1971).

IV — DIVERSOS:

Perspectivas da politica, da eeonomia e da vida colonial


(1936).
Por amor da juventude (1945).
Paginas Inoportunas (Discursos e conferencias, 1959).
Cartas de E<;a de Queiroz aos seus editores Gsnelioux e
Lugan (1960).
Apontamentos para a Histdria da Faculdade de Direito
de Lisboa (1960).
Ozanam Universitario (1965).
Ensaios pouco politicos (2.® ed., 1971).
Pela Universidade de Lisboa (1974).
Pelo Future de Portugal (1969).
Mandate Indecllnavel (1970).
Renova?ao da Continuidade (1971).
Progresso em Paz (1972).
As grandes opcoes (1973),
Depoimento (1974).
f

Ao Minisiro Luis da Gama Filho

— em testemiunho de amisade,

admiragdo e reeonhecimento.
SUMARIO

Palavras pTeliminares 8
iHTRODXigAO 1&

PARTE I — TBORIA DA ORGANIZAQAO


ADMINISTRATIVA

Capitulo I — As Pessoas Juridleas 5T


Capitulo II — Os Servigos 77
PARTE n — TEORIA DA ATTVIDADE

ADMINISTRATIVA

Titulo I — As Formas

Capitulo III — Regulamento 95


Capitulo IV — Ato Administratlvo 105
§ 1.° — Conceito do Ato Administratlvo 105
§ 2.0 — Classificagao dos Atos Adminlstrativos 121
I 3.° — Validade e Eficdcla dos Atos Adminlstrativos 130
§ 4.0 — llegalidade do Ato Administratlvo: Vicios e
Sangoss 165
§ 5.0 — Extingao, Alteragao e Suspensao do Ato
Administrative 188
Capitulo V — Contrato Administratlvo 215
I 1.0 — Conceito de Contrato Administratlvo 215
I 2.0 — Regime do Contrato Administratlvo 228

Titulo II — Os Modos

Capitulo VI — Servigos Pdblicos 263


I 1.0 — Nocoes Gerals 263
I 2.0 — Gestao dos Servigos Publlcos. Da Concessao
em Especial 289
Capitulo vn — Policla Adminlstratlva 335
10 DKEITO ADMINISTRATIVO

Titulo in — Os Afeios

<3apitulo Vin — Agentes 359


5 1 o — Agentes da Admlnistragao e Agentes Adml-
nistrativos 359
§ 2.0 — Disciplina da Fungao Piiblica 385
Capitulo IX — Bens 409
§ 1.0 — Dominio Publico 409
§ 2.0 — Pormapao, Uti!iza?ao e Bxtlnsao do Dominio
Publico 424
f 3.0 — A Administragao Publica e a Propriedade
Privada 446

PARTE III — TEORIA DAS GARANTIAS DA


LEGALIDADE E DOS ADMINISTRADOS

Capitulo X — Garantias Politlcas e Adminlstrativas 475


§ 1.0 — Principles Gerais 475
5 2.0 — Meios Admlnistrativos de Garantia 494
§ 3.0 — Processo Administrativo Gracioso 508
Capitulo XI — Garantias Judiciais 531
§ 1.0 — Os Pedidos 531
§ 2.0 — As Agoes e os Autores 550
Jndice AZ/abetico de Assuntos 565
Indice Sistemdtico 573
PALAVRAS PRELIMINARES

Quando em maio de 1974 cheguei ao BrasiL, a


Companhia Editora Forense comunicou-me que estava
esgotada a edigdo brasUeira do meu Manual de Direito
Admlnistrativo e convidou-me a preparar nova edigdo.
Sucede, porem, que esse livro, reproduzido no meu pais
de 1937 a 1973 em dez edigoes, todas atualizadas e par
vezes remodeladas, estava, como era natural, muito
-cingido ao Direito portugues. A revolugdo social ocorrida
■em Portugal alteroxi. profundamente os quadros juridicos
e institucionais existentes e a instabilidade prosseguird
durante aXguns anos. Recusei-me, pois, a reeditar o
Manual, e propus escrever outro livro que pudesse dar
■ao leitor um panorama da teoria do Direito Adminis
trative tal como e entendido no Mtindo ocidental, tendo
em conta as leis que vigoram nos vdrios paises dele,
mas sem estar vinculado a nenhum. Talvez Ihe pudesse
ter chamado ContribuiQao para a Teoria Geral do Di
reito Administrativo, mas preferi, por brevidade, inti-
tuld-lo Principios fxmdamentais. A fim de conseguir rea-
lizar 0 projeto, lutei muito para me libertar dos porme-
nores, de modo a poder apresentar, mim volume de pouco
mais de quinhenias pdginas, a sintese do Direito Admi
nistrativo tal como eu o concebo. Peco dssculpa de
sub'.inhar esta concepgdo pessoal: mas ndo creio que um
autor possa deixar de refletir no que escreve a sua visdo
subjetiva dos problemas e nao me i possivel, ao cabo de
12 DlRETTO ADMIKISTRATIVO

quase cinqiienta anos de estudo do Direito Administra-


tivo, dos quais mais de quarenta no magisterio, tratar
da materia abstraindo de alguma reflexdo e experiencia
prdprias. Procurei, pois, que a exposigdo dos princtpios
deconesse dentro de certa perspectiva metodologica e
a partir de premissas cuidadosamente assentes. Revo-
rar-se-d que ndo apresento definigdo que ndo surja como
remate de um raciocinio constmtivo — as minhas defi-
nigdes ndo sdo intuitivas, Tido constituem arranjos im-
provisados, nem uma escolha no mostrudrio das coisas
jd feitas, representando ^empre conclusoes de uma and-
Use. Sob esse aspecto gostaria que o livro pudesse servir
como base de trabalho critico para discussdo de me-
todos.
Tive de veneer dificuldades grandes na redagdo do
livro onde, naturalmente, aproveitei o labor da minha
vida de estudo. A primeira, jd o disse, foi a selegdo das
materias, a discriminagdo entre o que e verdadeiramente
fundamental e o acessdrio, a separagdo entre o que per-
tence d teoria geral e o que deve ficar para a exposigdo
dos Direitos Nacionais. 0 criterio e falivel e ndo faltard
quern note no livro a falta de alguma materia que em-
tenda que nele devia estar ou censure a presenca de
assunto dispensdvel. A segunda esteve na terminologia
a usar, pois na lingua portuguesa nem sempre as mes-
mas palavras correspondem em Portugal e no Brasil a
idSnticos conceitos. Qua-ndo possivel indiq'uei os termos
que em coda pats designam a mesma realidade conce.i-
tual, mas hd casos em que certa palavra corresponde
no Brasil a uma ideia e em Portugal a outra. Ndo vemci
a dificuldade par mais que me esforgasse. Noa esque--
cendo que escrevo no Brasil e que a maior parte dos
leitores deste livro serd de brasUeiros, procurei tomd-lo-
mais acessivel a estes e busquei na legislagdo do Brasil
FiOAVIUS PRBLIMIMAHES 13

cexeir.'plos demonstrativo& e apoio para certas afirmagoes,


no intuito de mostrar que a teoria nao e urdida com
•■desprendimento das realidades. Nesta tarefa fui ajudiado
pelo men querido amigo Ministro Ruben Rosa que, com
a sua bondosa paciencia e larga erudiqdo, leu todo a
■original e me favoreceu com as suas observaqdes.
Raramente dto autores. Privado dos meus livros que
■a revolugdo retem em Portugal, nao pude conferir lei-
turas antigas e citagoes anteriores. A verdade, porem, e
■que em meio seculo de estudo jd d muito dificil deslindar
7io meu pensamento o que me pertence e o que foi co-
■Ihido em seara alheia, assim como dizer o que, apresen-
tado inicialmente por mim com alguma originalidade,
■se tornou depois lugar comum. Na minha formagao pe-
■saram muito os grandes administrativistas europeus que
dominavam a cena nos anos 20 deste seculo, fro^nceses
como Duguit, Hauriou e Jeze, italianos como Santi-Ro-
mano e Zanobini, alemdes como Laband e Otto Mayer. ..
Estes e que fomeceram os quadros mentais em que pro-
curei sistematizar o Direito Administrativo Portugues
d minha moda, reagindo contra o positivismo da escola
jrancesa e procurando na tecnica tradicional recolhida
pelo Direito Privado os subsidios necessaries para criar
Mma discipline juridica em que a homem de leis habi-
tuado a lidar com o Direito Civil, o Direito Comercial
■ou o Direito Penal se nao sentisse estrangeiro. A partir
dai, li muita coisa que pode ter deixado um trago ow
outro na minha memoria ou em alguma pdgina escrita,
mas sobretudo li muita lei e muita jurisprudincia. E ao
ensinar na Faculdade Intemacional de Direito Compa^
rado, onde os ouvintes provinham dos paises mais dife-
rentes, do lado de cd e do lado deld da cortina de ferro
na Europe, e da Asia, das Americas e da Africa, fui
alargando meus horizontes e procurando atraves do
14 DlREITO ADMINISTEATIVO

metodo comparativo abranger as diversas modalidades


e tonalidades que as instituicoes do Direito Administra-
tivo podiam revestir. Infelizmente, tambem ai a minha
atividade sofreu quebra e creio que irrepardvel. Mas:
alguma coisa ficou.
Litre de principios, apenas, com aspiragoes a teoria-
geral, esta obra ndo dispense as brasUeiros da leitura dos
autores nacionais. 0 fata de os ndo citar, dentro de uma
linha que teve de ser adotada, ndo significa que os ndo
conheca, ndo leia e ndo aprecie. Pelo contrdrio. Se toda
a vidq mantive contato com a doutrina brasileira, agora,
par todos os motivos, esse contato estreitou-se. Tern, o
Brasil presentemente uma admirdvel pleiade de admi-
nistrativistas que enn tratados, comentdrios, manuais,
monografias e artigos de revisfa revelam a cada passo
assinalados meritos. Entre eles conto amigos prezadis-
simos, a todos tributo carinhoso preito de apreco e
consideragdo. Ndo mencionando names, pelo temor de
cometer alguma indesculpdvel omissdo, qtiero deixar
aqui bem claro que devo muito d leitura das suas obras,
com as quais este livro ndo pretends concorrer e que
de maneira nenhuma poderia substituir.

Rio de Janeiro, outubro de 1976.

Marcelo Caetano
mTEODUCAO
CONCEITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

1. Ra^ao da importanda e oportunidade do estudo do


conceito de Direito Administrativo.

2. Necessidade de um conceito de Direito Administra


tivo que aspire a ter validade universal.

3. O Direito Administrativo considerado como disci-


plina cientifica, isto e, como sistemo. de normas.

4. Possibilidade de elaboracao de uma teoria geral do


Direito Administrativo, independente de qualquer
direito positivo determinado, mas tendo em conta o
maicr nUmero possivel de sistemas nacionais.

5. Em que modelo juridico-politico eonsideraremos as


instituiedes do Direito Administrativo.

6. Administraqdo, em geral, e Administragdo Publica,


em especial. As duos acepgoes principais desta ulti
ma expressao: como atividade e como organizagdo.

7. Sera Ucita a identificagao da Administracao Pdbli-


ca com a Administragdo do Estado? Diversas acep-
goes da palavra Estado. Estado-Global e Estado-
-Administragdo.

8. O equivoco da chamada "dupla personalidade do


Estado". As duas citadas acepgoes da palavra Estado
correspondem a realidades diferentes.
18 Dntzrro abmhostrativo

9. Entidades territoriais que no seio do Estado-Global


atuam administrativamente a par do Estado-Admi-
nistragdo: os Municipios.
10. Importancia que, fora da Franqa, tiveram as insti-
tuigdes municipals nas origens do Direito Adminis-
trativo.

11. De coma o predominio da administragao municipal


na Gra-Bretanha foi um dos fatores da resistencia
d introdugao do Direito Administrative nesse Pais.
12. Criagao de entidades juridicas para assumirem o
desempenho de atividades a cargo das entidades
territoriais: a administragao indireta.
13. A Administragao Publica considerada como ativida-
de ndo se pode confundir com a fungdo administra-
tiva do Estado. Caracteristicas materiais e formais
das fungoes do Estado. Nao hd relacao riecessdria
entre a natureza dos orgaos e a das suas fungoes.
14. Caraeteres da Administragao Publica.
15. A atividade da Administragao Publica pode decorrer
nos termos em que o Direito regvXa as relagoes entre
pessoas iguais (gestao privada) ou utilizando auto-
ridade nas relagoes que trave (gestdo publica).
16. A autoridade da Administragao Publica exprime-se
pela decisao executoria.
17. Normas que constituem o Direito Administrativo:
relacionais, organicas e processuais. Importancia da
distingao entre as normas fundamentais e normas
cdhstrutivas ou instrumentais para determindr, no
conjunto das normas, quais as que possuem cardter
administrativo.

18.. Conceito de Direito Administrativo.. .

19. Sistematizagdo do Direito Administrativo. ■


{t'

1. Parecera talvez estranho que se discuta ainda o con-


ceito de Direito Administrativo.
Os autores, para justificar essa discussao, alegam
que o Direito Administrativo, como disciplina cientifica,
e recente.
Recente, sem duvida, e, se tomarmos para termo
de comparajao o Direito Civil.
Na verdade, as ideias fundamentais do Direito Pri-
vado que no continente europeu chegaram ao seculo XX
foram elaboradas pelos jurisconsultos romanos. As suas
instituigoes e definlQoes estao consagradas nos grandes
monumentos juridicos da epoca do Imperio, posterior-
mente glosadas e comentadas per ocasiao do renasci-
mento do Direito Romano na Idade Media e desde entao
sao veneradas em todas as sociedades onde se manteve
o essencial das tradigoes latinas quanto a fonte, natu-
reza e efeitos das obrigagdes civis, a capacidade das pes-
soas, k propriedade e posse dos bens e sua transmissao
em vida ou por morte, a garantia dos direitos. A evo-
lugao exigida pelas transformagoes sociais foi-se proces-
sando sempre arrimada a essa veneragao conservadora
que a estabilldade das concepgoes relatives as relagoes
entre os Individuos tornou posslvel. Ao passo que o Di
reito Administrativo surge como sistema de doutrina
aj>enas nos alvores do seculo XIX.
20 DlREITO ADHIN1SXRATI70

E como nao havia um padrao classico ao qual pu-


dessem ser referidos os conceitos e as institxiigoes do
novo ramo de Direito, e como este aparecia ligado a de-
terminadas formas poHticas que fatalmente apresenta-
riam as suas diferengas de Pais para Pais embora for-
massem familias com tragos fisiondmicos comuns, nao
admira que cada autor se deixasse influenciar pelas cir-
cunstancias da Patria onde escrevia, e dai resultassem
tantas sentengas sobre o Direito Administrativo quan-
tas as cabegas que as emitiam.
For isso, quando se le uma obra doutrinaria desta
disclplina e se encontra uma definigao dela, ha que exa-
minar as realldades juridico-politicas que condicionam o
pensamento de quern a escreveu. Um escritor cauteloso
nao deixara mesmo de prevenir o leitcr de que a sua
concepgao do Direito Administrativo 6 v^ida apenas
para dado Pais e para dado sistema politico-social, po-
dendo pecar por excesso ou per defeito relativamente a
outros.

O comparatista tern aqui um papel importante a


desempenhar. Porque a comparagao em Direito nao con-
siste em alinhar, em frente umas das outras, normas ou
nogoes colhidas na legislagao e na doutrina de varios
paises: mas em determinar as caracteristicas funda
mentals dos sistemas juridicos nacionais, para so com
referenda a essas caracteristicas gerais e enquadrados
nelas, interpretar, entender, valorizar os regimes parti-
culares.

2. Mas vamos entao desistir da construgao de um con-


ceito de Direito Administrativo que aspire a ter validade
universal? Que seja tao verdadeiro na Franga como nos
Estados Unidos, no Brasil como em Portugal, no Libano
como em Israel?
iNTRosngi^o 21

Creio que nao.


Para o Direito Administrativo aspirar a ser uma dis-
ciplina cientifica e at6 para nos entendermos intema-
cionalmente usando um vocabulirio t^cnico que n-ao
iluda ninguem,6 indispensavel que o seu conteudo tenha
0 mesmo significado em toda a parte.
Claro que um conceito que aspire, na esfera do Di
reito, a ter validade universal nao pode deixar de ser
formal. Nao pode incluir muitos elementos materials
nem descer a pormenores na caracterizagao da realidade
definlda. Mas, assente a nogao geral, cada um poderd
depois aerescentar que o Direito Administrativo no seu
Pais tem mais este ou aquele trago a considerar.

3. Tenho falado no Direito Administrativo como dis-


ciplina cientifica. Nao se esquega, porem, que se trata
de uma disciplina que estuda uma parte do Direito posi-
tivo dos paises, E sendo assim, a sua materia-prima sao
normas extraidas das fontes de Direito. O que a Cilncia
faz e elaborar essas normas, extrair delas principios,
arruma-las em quadros teoricos, construindo, a partir da
multidao dos preceitos, sistematizagoes que permitam
reduzi-Ios a uma unidade conceitual.
Por isso nao estou de acordo com que se defina um
ramo de Direito como "conjunto de principios e normas".
Cada setor do Direito Positivo 6, realmente, uma
dada parcela da Ordem Juridica de certo Pais, consti-
tuida pelas normas legais, consuetudinirias e jurispru-
denciais que tenham em comum caracteristicas detenni-
nadas para a sua individualizagao.
Para fazer esse seccionamento na unidade da Or
dem Juridica, de modo a decomp6-la em Direito Civil,
Direito Comercial, Direito Criminal, Direito Constitucio-
nal, Direito Administrativo etc., 6 preciso comegar por
fixar as caracteristicas de cada setor e os seus elementos
22 DlRETTO ADMINISraATrTO

diferenciais, aquilo que vai ser a pedra de toque para se


poder dizer: esta norma 6 civil, esta e criimnal, esta e
administrativa...
O teorico comega per anallsar as diferengas existen-
ciais e depols teoriza-as, isto e, ledu-las a principios sin-
teticos que vao semr para formar os quadros logicos
onde incluira as diversas realidades juridicas, elaboradas
sobre os dados que tomar em conta.
Os dados sao os preceitos contidos nas fontes. A par-
tir deles se apuram as regras normativas e se constroi o
sistema, relaelonando essas regras entre si, abstraindo
conceitos de modo a articular as normas num. conjunto
harmonico, logicamente coerente e tendencialmente
unit^o.
Os ^Tincipios, na sua grande maioria, nao sao pos-
tulados, nao sao conceitos intuidos a -priori: sao sinteses
extraidas das noi-mas, por abstragao de aspectos do seu
conteddo ou da sua forma.
De modo que quando se diz sistema de normas fica
entendido que nao se trata de colegoes de legislacao ou
de jurisprudencia — mas sim de uma construgao cienti-
fica em que ja se lida so com conceitos, alguns dos quais
serao, se quiserem, principios cuja generalidade Ihes da
maior importancia na estruturagao e caracterizacao do
sistema e donde sera llcito extrair, por dedugao, as con-
seqiiencias logicamente neles contidas.

4. Tera o Direito Administrativo que se referir neces-


sariamente a certa ordem juridica positive, a um deter-
minado Pals, ou podera tentar-se, como ja tem sucedldo,
elaborar nma. Teoria Geral que contenha principios co-
muns aos institutos desse ramo de Direito seja qual for
0 tempo e o lugar que se considerem?
'• •• Admitamos que o Direito Administrative;emm ramo
de-Direito Pdblico, entendido este como o setor da Or-
iHTRODTJgSO 23

dem Jxiridica que compreende as normas reguladoras das


relagoes de autoridade — entre sujeitos com poderes
desiguais, portanto —, para realizagao de interesses
publicos.
E per esse motive o Direito Administrative esta inti-
mamente ligado a Censtituigao Pelitica de cada Pars; e
velha e sugestiva, embora nae muito exata,, a citagao
daquele auter frances segundo o qual no Direito Consti-
tucional se encontram os titulos dos diversos capitulos
do Direito Administrative.
Quer isto dizer que tentar uma Filosofia do Direito
Administrativo talvez nao conduza muito longe. Mas a
diferenga entre a Teoria Geral e a Filosofia do Direito
esta em que nesta se dlspensa qualquer refergncia ou
ligacao com certo Direito Positive, ao passo que naquela
se tenta apurar os conceitos juridicos a partir da consi-
deragao e comparagao dos varios sistemas nacionais. E
isso em meu entender pode distinguir os dois dominies
do pensamento juridico: a Filosofia como gnoseologia
ontologla, e axiologia do Direito, todas de especulagao
racional, e a Teoria Geral como sublimagao conceitual
das realidades juridicas captadas na analise das normas
vigentes nos varios paises.
Deste modo julgo possivel ensaiar uma Teoria Geral
do Direito Administrativo na medida em que se encon-
trem instituigoes e principios comuns a varios sistemas,
apoiando-se o teorizador na Historia do Direito e no Di
reito Coraparado.

5. Admitindo como hipotese de trabalho que o Direito


Administrativo e um ramo de Direito Publico, isso nos
permite tirar duas consequ§ncias logicas: ele nao tera
lugar numa sociedade onde todas as relagSes entre os
individuos sejam regidas pelo Direito Privado, mas seria
24 DlBETTO ADMOnSTRATTVO

absorvente na sociedade donde desaparecesse ou onde


fosse extremamente reduzido o Direito Privado.
A primeira hipotese parece simplesmente de escola:
mas e a que corresponde a um esquema de socialismo
libertario. Proscrita toda a autoridade, as relaqoes entre
as pessoas na vida social seriam sempre estabelecidas na
base do consentimento dos interessados, e da vontade
das partes dependera sempre tambem a manutengao e
dissoluQao dos compromissos, ninguem podendo conti-
nuar vinculado sem querer a qualquer obrigagao. Em
rigor nao se deveria dizer mesmo que so haveria direitos
privados porque a anarquia nega qualquer forma de Di
reito.
No polo oposto esta o socialismo autoritario que
considera coletivos os instrumentos de produgao e ate
OS bens de consume e onde nao contam praticamente os
interesses privados: tudo na vida social e considerado de
interesse coletivo e referente a coletividade, de tal modo
que as relagoes sao sempre estabelecidas entre o indi-
viduo e o grupo social, este aparecendo sob uma forma
ou outra, mas representando um interesse superior aos
interesses individuais e dispondo de meios de^ o fazer
valer. Todo o Direito, ou pelo menos a zona dominante
da Ordem Juridica, e, entao, Direito Publico. E o Direito
Administrative talvez tambem tivesse de perder a sua
individualidade afogado no Direito Social comum.
£; entre estes dois extremes que nos convem situar
a nossa pesquisa. Admitindo, portanto, um modelo onde
exista autoridade piiblica traduzida em poderes de su-
premacia confiados a entidades especialmente incum-
bidas da realizagao de interesses gerais e em que haja
uma zona reservada aos interesses privados, represen-
tados pelos interessados com liberdade de se concertarem
entre si segundo manifestagoes das suas vontades e em
igualdade de posigoes.
iNTRODUgSO 25

6. A primeira ideia que salta aos olios de xim leigo


quando ouve falar em Direito Administrativo e que se
trata de um setor juridico respeitante a administragao.
Mas ficara mais elucidado per isso?
Lembro-me de um caso que se passou comigo.
Certo dia fui procurado per um medico meu amigo
que desejava ser esclarecido acerca de problemas sur-
gidos na gerencia de uma casa de sadde que pertencia
a uma sociedade de que fazia paxte.
Ful-lhe respondendo ^ perguntas, mas como, em
certa altura, surgissem pontos delicados, preveni-o de
que as opinioes que estava a emitir em questoes contro-
vertidas, na qualidade de amigo, podiam nao ser perfi-
Ihadas pelo advogado que certamente ele teria de cons-
tituir para levar o caso para juizo, pois se tratava de
assuntos que nao eram da minha especialidade.
O meu amigo abriu os olios muito surpreendido.
■—• Mas tudo 0 que temos estado a tratar diz respeito
administragao da sociedade. E vocd nao e autoridade
em Direito Administrativo?
Tive de lie explicar que nem tudo quanto era admi-
nistragao entrava no meu ramo de especialidade. E que
so a administragao publica me dizia respeito. Aquilo que
ele expunha xelativamente a administragao da sua so
ciedade, era do foro do Direito Comercial. O que o deixou
surpreendido e ate um tanto escandalizado. ..
Nao se pense, porem, que e fdcil, sobretudo ioje em
dia, delimitar o conceito de Administragao Publica. Tan-
to mais que a expressao, como sucede com muitas outras
da linguagem comum, tern mais de um sentido. Ora se
fala na administragao publica na acepcao de certa forma
de atividade, ora se emprega a mesma expressao para
significar um sistema organico.
"O estadista fulano deu especial atengao, durante
o seu governo, aos problemas de administragao publica,"
36 Dmsno ASuoiisroATivo

— diz-se na primeira acep^ao. Aqui a ideia de adminis-


tra§ao piiblica envolve uma esfera de interesses relacio-
nados com a seguranga e o bem-estar da coletividade,
originando necessidades de satisfagao ou manutengao,
que ao administrador compete suprir fazendo o balango
dos bens que pode utilizar, dos recursos que podera mo-
bilizar, dos agentes que tern de empregar, a fim de pla-
nejar a acao a desenvolver, graduando as prioridades de
aplicagao dos meios disponiveis segundo um criterio da
importancia e da urgencia dos objetivos a atmgir.
Esta descrigao pode dar-nos uma primeira nogao do
que seja a administragao piiblica, mas nao satisfaz o
jurista.
Na verdade, a atividade que ficou descrita tanto
pode ser piiblica como privada. Falta qualquer coisa para
caracterizar a publicidade, pois nao basta a mengao dos
"interesses de seguranga e bem-estar da coletividade"
que podem ser tambem objeto de atividades privadas.
Nos so consideramos piiblica essa atividade quando exer-
cida por certas entidades — instituidas, reguladas ou
investidas em fungoes piibllcas por lei ou nos termos da
lei. Isto e, chega-se a conclusao de que a atividade de
administragao piiblica esta intimamente ligada ao sis-
teraa organico a que tambem se chama "a Adminis
tragao" ou mesmo "a Administragao PiibUca".
E atingimos assim a segunda acepgao da expressao,
que e a que se Ihe da quando se diz que a Administragao
Piiblica esta mal organizada ou funclona mal ou e mal
paga... aqui nos referimos a um sistema que atue, nao
atividade em si.
Quern desenvolve a atividade administrativa com
cardter piiblico e um conjunto de entidades que para
tal recebeu poderes quer diretamente das- leis, quer
indiretamente, atraves de delegagao ou concessao por
elas permitidas.
. • liiTRODxrgAO • - M

: Quais.sao essas entidades? .

7. Correntemente os autores relacionam a.actoinistrar


gao piiblica com o Estado. . .
Outra palavra de sentido ambiguo.
No meu "Manual de Ciencia PoUtica e Direito Cons-
titucional" (6.^ edigao, 1970) arrolei varies sentldos em
que OS homens de leis empregam a palavra Estado.
1.0 no de coletividade que num determinado terri-
torio possua o poder politico, entendendo aqui por "po-
der politico" a faculdade exercida por um povo de insti-
tuir orgaos que exergam o senhorio de um terrltorio e
nele criem e imponham normas juridicas dispondo para
as aplicar dos necessaries meios de coacao;
2.0 no de coletividade que sobre um territorio exer-
ga 0 poder politico soberano, isto e, supremo na- ordem
intema e independente na ordem internacional;
3.0 no de pessoa coletiva que, para efeito das re-
lagoes de direito interne, tern por orgao o Govemo.
Efetivamente repare-se:
No primeiro sentido chama-se Estado, mesmo a enti-
dades nao soberanas, como sao os membros de Unices
ou Federacoes. Deve notar-se que era rigor so caberia
essa designacao aquelas entidades que exercessem o po
der constituinte em name proprio como sucedeu com
OS Estados da Uniao americana ou com os cantSes suigos,
uns e outros originariamente soberanos e que, pela
uniao, renunciaram ao poder supremo em beneficio de
um Estado Federal por eles constituido, Mas tamb^m
se chamam Estados as parcelas de um antigo Estado
rmitario transformadas em membros de uma Uniao ou
Federagao. cuja Constituicao Ihes atribuiu, em termos
limitados,.a faculdade de elaborarem as suas constitui-
28 Dkeito wicnnsxEAHTo

goes. A verdade e que, neste caso, os membros da Fede-


ragao nao sao verdadeiros Estados Unidos, mas sim re-
gioes amplamente descentralizadas de xim Estado fede-
rativo.
No segimdo sentido, porem, designa-se per Estado
apenas a entidade soberana.
Mas em qualquer destas acepcoes, a definipao de
Estado envolve os tres elementos — territorio, populaqao,
poder politico.
Simplesmente, nao se pode dizer que seja, como
alguns querem, Estado-Nagao, porque os estados fede-
rados nao sao constitmdos sobre grupos nacionals, e
mesmo muitos estados soberanos nao correspondem a
nacionalidades. Como se ha de entao designar este Es
tado que representa a populagao fixada num territorio
e nele organizada segundo Direito proprio, abrangendo
pessoas singulares e grande variedade de pessoas mo
rals, coletlvas ou juridicas, como Ihes queiram chamar,
publicas e privadas? Estado-global, para significar que
engloba varias realidades politico-juridicas existentes no
seu territorio e sujeitas as suas leis?
No terceiro sentido o Estado e uma pessoa juridica
de direito pilblico intemo que, dentro do seu territorio
e de acordo com as suas leis, convive juridicamente com
outras pessoas fisicas e p)essoas juridicas de tipo terri
torial (como provincias, distritos, munlclpios, paro-
quias...), ou de tipo institucional ou associativo, que
nesse mesmo territorio exergam direitos e obrlgagoes.
Na verdade, dentro de um pals, a cada passo se
encontram relagoes juridicas travadas entre a entidade
representada pelo Govemo — continuemos a chamar-lhe
Estado — e outras entidades publicas e privadas que dele
sao dlstintas possuindo esferas juridicas proprias.
Diz-se que determinados bens pertencem ao Muni-
cipio, nao ao Estado; assenta-se em que^ o Estado tern
INTK0DU5A0 2»

que respeitar os patrimonios privados; verifica-se qua o


Estado contrata com pessoas suas nacionais, recebe d^as
herangas e prestagoes, como com elas se obriga a dar
ou a fazer alguma coisa; responsabillza-se o Estado por
danos causados a pessoas ou patrimonios em virtude de
fatos que Ihe sejam imputaveis...
O Estado-global representa nas relagoes intemacio-
nais todos os cidadaos e pessoas juridicas existenles no
seu territorio, os seus orgaos legislatives fazem leis para
todos, OS seus tribunais a todos atendem e prestara jm-
tlga.
Mas 0 outro Estado, que podemos chamar Estado-
-administraqao, esta bem distinto dos restantes sujeitos
-de direito intemo.
A sua personalidade juridica e determinada pelo
drgao que a representa: todos os direitos e obrigagoes
piiblicas que nao sejam imputados a outras entidades
personalizadas e resultem de atividades desenvoMdas
sob a gerencia ou dependencia direta do Governo sao
■considerados do Estado.
NestC' sentido, o substrate da pessoa juridica fisfado
e residual, constituido, como se ve, pelo que resta da
organizagao administrativa de carater publico depois de
criadas ou reconhecidas per lei as pessoas juridicas de
direito publico cuja existencia o legislador repute neces-
saria a boa gestao dos interesses gerais.

S. Ha quern, a este propdsito, fale da dupla persona


lidade do Estado.
Trata-se de uma ideia cultivada, sobretudo a partir
do seculo XVII, pelos doutrinadores do chamado Esta-
do-modemo, que visionavam no Estado, entao personi-
ficado no Monarca e simboilzado na Coroa, uma dupla
fronte, tal como os antigos representavam o deus Jano:
de um lado o Soberano, de outro o Fisco.
30 DlREnO AOMnnSXEAlTVO

' -De um lado o senhor cuja a vontade estava'acima


das- leis, era, ela propria, fonte de Direito donde jorrava
a jiistiga; do outre o fisco, que submisso is leis'existen-
tes, aceitava, mesmo exercendo autoridade, discutir com.
OS particulares e concorrer com eles, nas relagoes patri-
moniais sobretudo.
O substrate dessas duas entidades seria o mesmo. E
que nele se manifestassem duas pessoas, era coisa facil
de compreender para os fieis habituados a adorar um
Deus trine e ao mesmo tempo uno, em que tres pessoas
distintas se contem numa so verdadeira.

Mas deixando esta vlsao teologica ou metafisica,


bem escusada, se a substituirmos pelos dois aspectos
pilblico e privado que podem distinguir-se na capacidade
de qualquer pessoa —, basta-nos agora verificar que o
que chainei Estado-global e o que poderemos designar
■por Estado-administraqdo nao sac dois aspectos juridicos
da mesma realldade fatica, nem traduzem duas moda-
iidades de imputabilidade de direitos e obrigacoes ao
mesmo substrato: ja vimos que assim nao era, voltemos
a subllnha-lo.
O Estado-global, se quisermos personifica-lo juridi-
camente, tem por substrato uma comunidade de pessoas
Individualizada pela fixagao em certo territdrip e orga-
nizada politicamente. 0 substrato do Estado-administra-
Qao e um conjunto de servigos estruturado em obedlencla
a, leis promanadas dos orgaos legislatives e que e repre-
sentado pelo Govemo ou poder executive.
O Estado-global traduz, como pessoa juridica, a
imputagao de direitos e de obrigapoes a comunidade nele
organizada com os seus orgaos legislatives, executives e
judiciaries. O Estado-administraQao recorta-se no setor
govemamental ou executive, sem o abranger totalmente,
pois dele se distinguem, com personalidade juridica pro-
iNiaODDgAO 31"

pria, numerosas entidades atraves das quais se processa


o que a doutrina chama administragao indireta.
ii gramas a esta distinsao entre as duas realidades
juridicas, ambas denominadas "Estado", que se compre-
ende que o Estado-administracao comparega como parte
perante os tribunals do Poder Judiciario, orgao do Es-
tado-global, sem que os tribunals delxem de constltulr
0 tercelro elemento do trlangulo processual, -indepen-
dente.e Imparclal quanto aos Interesses em jogo. • •

9. Passando agora a conslderar as entidades que, com


personalidade jurldlca, nos surgem no seio do Estado-
-global exercendo parcelas de autoridade a par do Es-
tado-adminlstragao, logo nos saltam aos olhos as enti
dades territorials que poderemos genericamente deno-
minar "mimicipios".
Nos autores do inlcio do seculo XIX, quase.todos
impregnados de jusnaturalismo, era corrente a aflrmar
gao de que o municlpio e xuna instltulgao de Direito
natural.
Por municlpio deve entender-se a localidade situada
no territorio de um Estado, onde a gestao dos Intei'esses
coletlvos dos habitantes e exerclda pelos proprios vizi-
nhos, diretamente ou por intermedlo de orgaos que os
representem.
E compreende-se a Idela de se estar perante uma
InstitulQao de Direito Natural. Durante milenios o po-
voamento do territorio fazia-se, por via de regra, ao
acaso das migragoes, As condigoes de certo lugar justi-
ficavam a fixagao nele de uma ou varias familias que
com 0 correr dos tempos viam aumentar os seus mem-
bros e juntarem-se-lhes outras familias ou outros indf-
vlduos.
Desde que a povoagao, com o territorio circundante
que servia de base de sustentacao aos habitantes; come-
32 DmEITO ACUTNlSTRATiro

§ava a ter problemas que exigissem o congragamento


dos interesses de todos, era natural que estes se reunis-
sem para aprecid-los, que procurassem entre si acertar
as solugoes mais convenientes, definissem regras de con-
duta nas relagoes comuns e escolhessem alguns do seu
meio para zelar pela observancia dessas regras, e aplicar,
ou proper a aplicagao, de sangdes aos infratores.
Assim nascia uma comunidade, no sentido proprio
que da a palavra certa Sociologia, como produto espon-
taneo da vlda social resultante dos impulses que ligam
OS homens ao redor de sentimentos, crengas, tradigoes,
interesses comuns — comunidade que se organizava per
necessidade intema do grupo para este poder garantir
a paz e a seguranga de seus componentes, e coletiva-
mente^ subsistir e progredir.
As instituigoes oriundas da comunidade de vizinhan-
ga nao seriam, pois, impostas per um Poder exterior e
superior, mas brotariam naturalmente das proprias ne-
cessidades socials, fimdando-se a sua autoridade na von-
tade dos membros da comunidade.
Em todos OS povos primitivos se encontraria esta
tendencia para se formarem instituigoes democriticas
na aldela, embora no cla aparecesse a autoridade patri-
arcal ou matriarcal a impor-se, e na tribo as exigencias
da guerra defensiva e ofensiva levassera com freqii&ncia
ao aparecimento do cbefe militar com plenos poderes.
Mas a estabilizagao da vida em aglomerados mais
numerosos e complexos, que os romanos denominarara
Civitates, volta a facilitar o autogoverno com a parti-
cipagao em assembl6ias deliberativas, se nao de todos os
•vizinhos, pelo menos dos mais qualificados de entre eles.
curloso que o aparecimento na lingua latina do
termo municipium. longe de ser uma afirmacao de liber-
dade corresponde antes a um fato de dominagao.
INTBODTJSAO 33

Na verdade, com a expansao romana na Europa,iam


sendo subjugadas, per conquista ou per acordo de capi-
tulagao, as povoacoes indlgenas dos territories ocupa-
dos. E essas povoagoes eram integradas no Imperio como
cidades livres, aliadas ou estipendidrias, ou como muni-
cipios S€ a integracao era maior e la ate a propria adogao
das leis de Roma, no mode latino ou na plenitude da
cidadania romana.
Ha assim no municipio o cunho romano imposto a
uma realidade social ja existente, a uma comunidade
anteriormente formada, em contrasts com a col6nia que
OS proprios romanos criavam com gente sua.
Tudo isto vem a proposito da teoria que considera
as instituigoes municipals como sendo de Direito Natu
ral, anteriores a formagao do Estado moderno e que as
leis deste reconheceram, mas nao criaram e por isso nao
poderiam abolir.

10. Ja noutros lugares chamei a atengao para a impor-


tancia que, fora da Franga, as instituigoes locais tradi-
cionais tiveram na administragao publica e nos primdr-
dios do Direito Administrativo.
Em Franga a revolugao de 1789 quebrara autono
mies, reputadas privilegios numa sociedade que se que-
ria igualitaria. E o Impdrio napolednico prop6s-se, por
um lado, consolidar a obra da revolugao e, por outro,
expandir o espirito desta mediante uma agao militar que
p6s a Nagao em pe de guerra, exigindo que toda ela
fosse sensibilizada atraves de uma rede nervosa que, a
partir do centro do comando, transmitisse tambem a
todos OS pontos as ordens a cumprir. Essa rede, consti-
tuem-na as autoridades designadas pelo govemo e a ele
subordinadas. E desse modo nasce um Estado centrali-
zado, gragas a estrutura de um Poder Executivo que nao
se deixa depender de outros poderes no exercicio da sua

214-3
34 DlHEITO ADMIOTSTHATTVO

agao benefica de unificagao, de defesa e de promogao


nacional. O Direito proprio do Poder Executive do Es-
tado e, nessa altura, o Direito Administrativo.
Mas ja em Portugal a introdugao do Direito Admi
nistrativo segue linhas diferentes. Af, a revolugao liberal,
apds um curto periodo de tentativa mal sucedida de
transplantagao do centralismo frances, busca para se
legitimar perante o Pais as raizes das velhas liberdades
municipals. O dominie que se definia como reservado a
Administragao, em pouca coisa pertencia ao Rei e ao seu
governo: apenas a Fazenda e a Policia geral. Porque o
resto era tradicionalmente das atribuigoes municipals. E
per muito tempo continuou a se-lo, ja que a doutrina
liberal preconizava o abstencionismo do Poder central
em relagao a tudo quanto tocava na vida econdmica,
fosse a produgao, fosse a reparticao, fossem as condigoes
de trabalho. Apenas, per pressao das circunstincias, o
Estado se ocupaiia, ja no meado do seculo XIX, dos
transportes e das comunicacoes para acabar com o iso-
lamento em que estavam as povoagoes e, aproveitando
0 progresso da m^quina a vapor, facilitar a circulagao
de pessoas e mercadorias.
De maneira que, como noutros iugares escrevi, "para
OS autores Portugueses, o Direito Administrativo no se
culo XIX e uma especie de Direito Municipal, um sisteraa
de normas reguladoras da participagao dos cidadaos na
gestao dos interesses coletivos das comunidades locals
em que a residencia os Integra, concelho,' freguesia ou
distrito".
E entendendo-se, por influencia do sistema parla-
mentar, ate 1908, que bastava para garantia dos cida
daos, relativamente aos atos da administragao govexma-

1 Em Portugal distlngue-se entre eonceZfto (do lat, conci


lium, assemblela), que designa o municipio, de conselho (do lat.
consilium, opinlao).
iHTRODUgSO 35

mental, a responsafailidade politica dos ministros perante


as Cortes (que eram o Parlamento de entao) —, resul-
tava dai que so a administragao local estava sujeita a
fiscalizagao contenciosa, so os atos dos seus agentes
eram suscetiveis de recursos perante os tribunals admi-
nistratlvos, o que tudo acentuava esse carater do Direlto
Administrative como Direito regulador da participagao
dos cidadaos na administragao local, e na gestao dos
drgaos proprios desta.

11. £ curioso que talvez encontremos numa situagao


analoga existente na Gra-Bretanha a explicagao das di-
ficuldades que por la houve na assimilagao do Direito
Administrativo.
Na Gra-Bretanha o Gablnete ocupava-se sobretudo
da politica, e a politica britanica ate ao seeulo XX gi-
rava a volta do papel da Inglaterra no mundo, como
arbitro do equillbrio europeu e como senhora dos mares
que Ihe davam o controle dos continentes. A aristocracia
que compunha o Parlamento, onde a Coroa exercia a
sua soberania e de que o gablnete era orgao delegado,
preocupava-se' com a politica externa, com a expansao
imperial e, internamente, com as grandes reformas po-
liticas.
De resto, reinava o liberalismo com a iniciativa prl-
vada deixada a solta. Era o tempo em que a doutrina de
Darwin conquistara os espiritos convencendo os dirigen-
tes de que na vida economica e social o progress© residia
numa evolueao processada atraves da selecao natural
operada pela concorrencia.
A administracao pdblica estava pois reduzida a mui-
to pouco — a policia vigilante das liberdades individuais
e delas garante, e a pouca coisa mais — e isso pertencia
S,s comunidades locals. Foram estas comunidades —
que genericamente denominaremos municipios — que
36 DlREITO ADMINISXRATIVO

atrevidamente chamaram a si, ainda no sScuIo XIX, a


InstitiiiQao dos primeiros servigos publicos urbanos —
transportes, fomeclraento de dgua, lluminagao pdblica,
saneamento... — praticando o que os autores logo
cognomlnaram de "socialismo municipal".
Ora as entidades locals estavam submetidas, como
qualquer pessoa, a Common Law. E levou tempo a com-
preender a necessidade de um regime juridico a parte
para as atividades piiblicas. S6 a p>artir da lei de saude
publica de 1875 a elaboragao desse regime abriu cami-
nho, mas sempre sob a preocupagao de nao romper com
as ideias e as formas tradicionais do Direito britanico.
Os primeiros passes dessa evolucao eram dados per isso
sob a forma de excegoes ao Direito Comum.

12. Ai temos no seio do Estado-giobal, a exercer ativi


dades de administragao pdblica, a par do Estado-admi-
nistragao, as entidades municipais — chamem-se estas
municipios, chamem-se concelhos, chamem-se comunas,
burgos, ou por outra designagao. E ao tipo municipal
pertencem outras pessoas territorials, mais amplas que
0 municipio — como provincias, departamentos, conda-
dos, distritos e quejandos — ou que sao subdivlsoes de
les — como freguesias, paroquias, etc. —■ sempre que se
verifiquem as carateristicas atr^ apontadas: de serem
territdrios onde estao fixadas populacoes com interesses
indivldualizados em razao da vizinhanca de habitagao
e que per intermedio de orgaos representativos possam
gerir alguns interesses comuns.
Estas pessoas juridicas territoriais visam, como o
Estado, fins multiplos, isto e, nunca se propoem prosse-
guir um so interesse ou um feixe de interesses da mesma
natureza, mas sim uma pluralidade de interesses diversos
entre si e so unidos em fungao da comunidade territorial.
INTRODU^SO 37

Mas ao lado destas pessoas juridicas, bem distiixtas


do Estado, aparece grande quantidade de outras que
podem ser consideradas mere desdobramento do Estado-
-adrotoistraQao e que, por isso, at6 se poderia admitir que
fossem englobadas no seu conceito politico — embora
nao 0 possam ser na sua personalidade juridica. , •'
que, como notei no "Mamuil de Direito Adminis-
trativo" (1.^ ed., 1937, 10> ed., 1973) na vida modema
pode dizer-se que, ao contrario do que sucedia outrora
— quando as necessidades coletivas come§avam por ser
sentidas no piano local —,os interesses pubUcos sao for-
mulados a escala nacional e muitos deles ate tern ten-
dencia para a internacional^qao. Dai resulta ser atrl-
buida ao Estado a satisfacao da maior parte das novas
necessidades coletivas e ate de muitas das tradicionais
e tambem uma enorme sobrecarga de^ servigos integra-
dos no Estado-administragao que se repercute no esforgo
dirigente solicitado aos orgaos dele, tendo, como conse-
qiiencia, o grande peso das estruturas estaduais e a len-
tidao desesperante do funcionamento dos servigos com
prejuizo da respectiva eficacia.
Como remediar esses inconvenientes? Sempre que
possivel, aliviando a carga que recai sobre o Estado-admi-
nistragao, e confiando o desempenho de novas tarefas,
e ate de algumas das antigas, a entidades juridicas es-
pecialmente criadas para esse fim.
Isto e: a par das atribuigoes que o Estado guarda
para a administragdo direta sob a gestao imediata dos
seus orgaos e atraves dos servigos destes dependentes,
ha outras cujo desempenho, por um expediente tecnico-
-juridico, a lei incumbe a entidades distintas do Estado
mas que Ihe ficam ligadas por tal forma que se pode
falar numa administragdo indireta do mesmo Estado.
Estamos peiante um fenomeno-universal.
38 DmEiTO ADMnnsTRAnvo
^.

Temos, em primeiro lugar, servigos administrativos


Que poderiam estar integrados niima pessoa juridica de
fins multiples, como o Estado ou o municipio, mas que
a lei, para maior facilidade de gestao, erige em pessoas
juridicas ou coletivas cada qual com fins especiais.
A ideia de que a lei entrega a pessoas juridicas do-
tadas de autonomia administrativa e financeira, como
fins especificos, atividades que em principio deveriam ser
consideradas da esfera de outras entidades publicas, faz
com que ja tenha, sido proposta, e fosse mesmo aceite
pelo Institute Intemacional de Ciencias Administrati-
vas, para designar esta modalidade de descentralizagao
administrativa, a expressao devolugdo de poderes.
Tais entidades, instituldas para nao sobrecarregar
mais o Estado-administragao e permitir uma gestao agil
e eficaz de certos interesses coletivos, sao cbamadas no
Direito francos estabelecimentos publicos, no Direito
italiano autarquias institucionais, no Direito portuguSs
institutos pdblicos e no Direito brasileiro autarquias
administrativos.
Mas a par destas entidades surgem outras com fun-
goes an^ogas.
Per vezes o substrato da pessoa juridica e um patri-
monio especial constituido por bens imdveis, por uma
universalidade, por recursos patrimoniais provenientes
de capiteds reprodutivos ou de contribuicoes, taxas ou
outras receitas que Ihe estejam afetadas e regularmente
o alimentem. Podera entao falar-se com mais rigor de
uma fundagdo publica.
Aparecem tambem organizacoes empresariais onde
OS capitals publicos sustentam a estrutura em que a
tecnica e o traballio, sob a orientagao e a fiscalizagao
de entidades publicas, produzem bens ou servigos desti-
nados a ser oferecidos no mercado mediante um prego,
e temos entao as empresas pilblicas.
iNTRODUgXo 39

• E M na Administragao moderna uma forma de de-


volugao com muito interesse: 6 aquela que consiste em,
por lei, se entregar a gestao de interesses coletivos a
associacoes dos proprlos interessados.
Esta forma de devoiucao surge com freqiifincia em
relagao a dlsciplina das profissoes, que a lei confia as
associagoes -profissionais, sindicatos ou "ordens", para
regularem as respectivas condigoes de exercicio e a obser-
vancia dos deveres proprios delas.
E e tambem corrente — sobretudo nos paises so-
cialistas — quanto a sociedades cooperativas, de produ-
tores que gerem uma empresa publica agricola ou indus
trial, ou daqueles que aproveitem uma parcela do
patrimonio coletivo.
Alem destas entidades a quern a lei comete deter-
minadas atividades de administragao publica, ha ainda
05 casos, nos paises nao-socialistas, em que se per-
mite as autoridades territoriais — Estados e municipio
— que transfiram temporariamente, por ato ou contra-
to, o exercicio dos seus direitos exclusivos a explorarem
bens ou servigos de carater economico, para uma em
presa, e temos entao a coTicessdo.
A concessao e geralmente feita a uma empresa
privada. Mas tornoii-se cada vez mais frequente a parti-
cipagao do concedente, por forga dos estatutos da em
presa, no capital e na gestao das concessionarias, origi-
nando o tipo das sociedades de economia mista. Nao me
deterei aqm sobre estas empresas que, para alguns auto-
res e em legislagoes como a brasileira, sao sempre instru-
mentos de adrainistragao indireta, mesmo quando nao
exergam concessao. Sucede que de Pais para Pais difere,
na legislagao e na doutrina, o conceito de sociedade de
economia mista, pelo que as divergencias acerca do seu
carater e fungao sao ej^licaveis.
40 DiREITO ADMIHISTRATIVO

Creio que pocJemos dar por assente que a atividade


administrativa nao e peculiar ao Estado-administragao,
sendo comum a outras pessoas juridicas formadas no
seio do Estado-global, umas a partir de substratos natu-
ralmente crlados, como e o caso dos municipios, outras
tendo por base substratos faticios, como as autarquias
institucionais, as fimdagoes, as empresas publicas, de-
vendo ainda considerar-se o caso da delegacao de poderes
em associagoes profissionais e cooperativas e as ativi-
dades desenvolvidas por sociedades de economia mista
e por empresas privadas que sejam concessionarias do
exercicio de direitos exclusivos de entidades publicas ter-
ritordais.

13. Acontece, porem, que o Estado-administragao e os


municipios desenvolvem, nao uma atividade juridica-
mente uniforme, mas atividades diversas.
Por exemplo: quer um quer os outros, a par das
decisoes pelas quais resolvem casos concretos, editam
normas com cardter generico: regulamentos e leis mu
nicipals. E nao faltam exemplos na Historia e per esse
mundo alem, de atribuigao a orgaos dessas entidades de
poderes jurisdicionais para julgamento da impugnagao
da legalldade de atos administrativos ou de infragoes
discipUnares e contravengoes de policia.
E para al6m da atividade traduzida em atos jm-i-
dicos desenvolve-se uma outra agao que consiste na pro-
dugao de bens ou na prestagao de servicos segundo os
preceitos tecnicos adequados.
Na Ciencia Politica e classica a andlise da atividade
juridica do Estado-global em fungoes, discriminadas se
gundo um criterio material ou formal. Correntemente
se distinguem, de acordo com estes criterios, as fungoes
de legislar, de julgar e de adminlstrar.
iNTROmj^AO 41

Analise necessaria e util, mas cujo carater teorico


nao deve perder-se de vista. Quer isto dizer que na vida
corrente das entidades publicas nao se encontram tals
fungoes em estado pure, dlgamos assim, de tal mode que
possamos afirmar que a tal orgao corresponde apenas, e
so, uma fungao.
For exemplo: uma assembleia legislativa pareee que,
per definigao, deveria ser orgao da fungao de legislar.
E e. Mas se fizer leis que contemplem cases concretos —
a concessao de uma pensao, a promogao de um funcio-
nario, a aplicagao de uma sancao, a atribuigao de um
subsidio, a outorga de uma concessao... — nao provi-
dencia em termos gerais e abstratos, como convem ao
conteiido teorico da ftmgao legislativa, embora atue sob
a forma de lei. E ao pronunciar-se sobre o impeachment
de um govemante ou acerca do comportamento de um
dos seus membros, a sua deliberagao tampouco sera le
gislativa, mesmo formalmente.
Quer dizer que a vocagao dos orgaos das pessoas ju-
ridicas pode ser legislativa, administrativa ou jurisdlcio-
nal, mas isso nao Impede que os orgaos possam praticar,
e efetivamente pratiquem, atos estranhos a sua vocagao
constitucional ou legal.
fi por isso que eu tenho insistido neste ponto; a
adminlstragao publica considerada como atividade nao
se pode confundir com a fungao administrativa do Es
tado. Primeiro porque, como vimos, nao e privativa do
Estado. Segundo porque nao coincide com o conceito
material ou mesmo formal da fungao, como tipo de ati
vidade juridica. Para mim, no Estado-global a fimgao
administrativa e uma das vias da execugao das leis.
O Direito legislado pode ser executado pela via ju-
risdicional ou pela via administrativa. Segundo a pri-
meira,o cidadao tern de pedir ao 6rgao judicial que apure
imparcialmente os fatra controvertidos, fixe a versao que
42 DlREnO ADUQnST&ATlTO

as provas demonstrarem. e ajuste o direito aplieavel a


essa versao dos fatos, resolvendo o caso concreto que Ihe
haja sido submetido. Assim o juiz nao procede senao a
instancia das partes e decide depois de ouvir a ambos —
autor 6 reu — e como estranho ao conflito entre elas.
Ao passo que pela via administrativa os orgaos tem
de tomar em conta as necessidades coletivas a satisfazer
e de ir ao encontro delas, tomando a iniciativa das de-
cisoes necess^as, para as quais a petigao dos interes-
sados nao 6 indispensdvel, embora possa ser aceite como
expressao nao-vinculativa de desejos e aspiragoes. E a
agao que as decisoes desencadeiam e conduzida como rea-
lizagao de um interesse, no mesmo piano em que os indi-
viduos se conduzem para por em pratica as suas inicia-
tivas.
Enquanto na fungao jurisdicional ha 'passividade
dos orgaos que so se pronunciam provocados pelas partes,
e imparcialidade por ser exercida com alheamento em
relagao aos interesses em conflito, na fungao administra
tiva existe atividade a partir da iniciativa necess6xia
para atingir os objetivos propostos e parcialidade por os
6rgaos terem o dever de tomar a peito a realizacao do
interesse que Ihes estiver confiado, lutando com os inte
resses opostos, se preciso for.
Na fungao administrativa desenvolve-se a realiza-
gao de interesses; na fungao jurisdicional resolvem-se
confutes de interesses.
Assim, as duas modaUdades fundamentals de ativi
dade juridica publica sao: 1.° a estatulgao mediante nor-
mas de conduta gerais e abstratas — a que chamamos
legislagdo: 2.° a execugdo dessas normas, quer jurisdi
cional, quer administrativamente.
Volto ao que tenho procurado frisar: as fungoes de-
■finidas .segundo os crit6riqs material ou formal traduzem
■urna • andlise teorica da. atividade juridica . dos entes
iNTBODTTgSO 43

piiblicos, discriminando "tipos de atividade". Mas nao


exist© relagao necessdria entre esses tipos tedricos de
atividade e a natureza dos drgaos das referidas entida-
des. Um orgao reputado geralmente administrativo, —
de "vocagao administrativa", disse eu atras —,pode pra-
ticar atos jurisdicionais. Assim como um. orgao judicial
pode, como sucede em certos processes de jiirisdisao vo-
iuntaria, atuar de oficio e adotar em cada case a solugao
que reputar mais conveniente e oportuna procedendo,
as vezes, como se fosse parte para prosseguir os inte-
resses a proteger, o que corresponde, afinal, ao exercicio
de uma atividade administrativa. E nao falo na ativi
dade puramente administrativa que os tribunals exer-
cem ao organizar os servigos auxiliares e ao prover os
respectivos cargos, concedendo licen^as e ferias aos jui-
zes e serventuarios etc.

A atividade que uma analise cientifica define como


administrativa nao e pois monop611o dos orgaos comu-
mente considerados administrativos, nem cai sempre sob
a egide do Direito Administrativo. Alias, basta tomar em
conta 0 juizo corrente das pessoas para o verificar. Nin-
guem, na verdade, admitiria, entre os membros do Poder
Judicial, a afirmagao de que os processes de jurisdicao
volimtarla, em que o juiz intervenha de oficio, entrem
no dominio do Direito Administrativo, nem sequer as
normas relativas ao pessoal auxiliar da justica e ao fun-
cionamento das secretaries e cartdrios. Ha iim Direito
Judiciario relative a todos os agentes e atividades que
gravitam a roda dos Juizes, como o Direito Administra
tivo respeita a Administragao Publica. Esta aqui um
elemento de definiQao a tomar em conta que podemos
chamar subjetivo: estes ramos de Direito identificam-se
mais'pelos orgaos a que se aplicam do que pelo tipo das
atiyidades que estes exercem.
44 DlRETTO ^MINISTKATIVO

14. A ideia de fungao do Estado pode, pois, ser um


ponto de partida. Mas nao constitui um crit6rio para
definir o Direito Administrative. Prlmeiro, porque a ana-
Use espectral donde resultou a distingao das fungdes a
que OS autores se referem, incidiu sobre a atividade do
Estado-global e a n6s interessa-nos o Estado-administra-
gao. Segundo, porque alem desta pessoa juridica existem
muitas outras, tambem de Direito Publico, que temos
de ter era conta. Terceiro, porque podemos encontrar no
Estado-administragao e noutras pessoas juridicas de di
reito publico de vocagao administrativa, a par de uma
atividade predominante cujas earacteristicas podem ser
identificadas com o que, segundo um criterio material
ou formal, consideremos fungao administrativa, outras
atividades que terao de se qualificar segundo os mesmos
criteiios como legislativas ou jurisdicionais.
Nao sendo o Direito Administrative a disciplina ju
ridica da fxmgao administrativa, entao que ser§,?
Tenho defendido a ideia de que se devera procurer
o principio definidor numa concepgao organica da Admi-
nistragao Piiblica.
E no seguimento dessa linha de pesquisa havera que
averiguar o que seja a Administragao PdbUca como or-
ganizagao.
Em primeiro lugar, apura-se que no consenso co-
mum a Administragao Publica comegou por so abranger
entidades territoriais: ela assentava na atividade do Es
tado (nas Federagoes desdobrada pela Uniao e pelos
Estados-Membros) e dos Municipios, bem como de outras
entidades locais que agrupem municipios ou formem di-
visoes ou parcelas destes.
Depois, pelo fendmeno da deseentralizagao horizon
tal, 6 que foram sendo criadas outras pessoas juridicas
destinadas a exercitar atribuigoes dessas entidades,
quando nao se aproveitavam entidades privadas para
iNTRODUCSo - 45

nelas delegar ou a elas conceder o desempenho de ativi-


dades publicas. Assim nasceu, como ja dissemos, a admi-
nistragao indireta do Estado.
As pessoas juridicas de direito publico mterno de
vocagao administrativa, visam a realizagao de interesses
coletivos de seguranga e de bem-estar. E para cumprirein
essa mlssao tern de dispor de orgaos aos quais legal-
mente pertenga tomar a inlciativa de desenvolver a ati-
vidade necessaria para que a seguranga e o bem-estar,
nos aspeetos especificamente a seu cargo, nao faltem k
coletividade.
Repare-se que salto das pessoas juridicas jmra os
orgaos. Porque a pessoa juridica pode ter orgaos de vo-
cagao legislative e outros de vocagao administrativa; e
o caso do Municipio onde haja uma Camara legiferante
a par de um Prefeito executive, como no Brasil.
Na Administracao Publica so incluiremos os orgaos
das pessoas juridicas que tenham competencia para de
senvolver de modo constante a iniciativa considerada
necessaria a realizagao das finalidades especlficas de
Seguranga e Bem-Estar incluidas nas atribuigoes dessas
pessoas.
£ a estes orgaos que ehamaremos, daqui por diante,
orgaos da Administraqdo Publica ou orgaos da Adminis-
tragao.

15. Vou resumlr a tese que tenho defendido; o Direito


Adminlstrativo nao 6 o sistema normative da fungao
administrativa.
Se o fosse, sempre que^ um orgao legislative ou ju
dicial atuasse com as caracteristicas consideradas pro-
prias da fungao administrativa entraria no campo do
Direito Administrativo.
E nao e assim. Ha um elemento subjetivo, ou orgS-
nieo, na concepgao do Direito Administrativo que o
46 I>1BEIT0 iU>MIinSXRATIVO

exclui da aplicagao aos atos dos Poderes Legislatives ou


Judiciario, embora possa servir de subsididrio das nor-
mas deles.
Ja mostraremos como se formam,as constelagoes dos
dlversos sistemas organicos e respectivos sistemas nor-
mativos.
Em compensagao, a ativldade dos orgaos da admi-
nistracao nao se rege so pelo Direito Administrative.
Isto e: nao basta o tal elemento subjetivo ou orga-
nico para identificar o Direito Administrative. Nao po-
demos dizer que o Direito Administrative e o sistema
normative da Administracao Publica.
Vejamos por qu§.
As atividades proprias da Administracao Publica
sao disciplinadas pelo Direito. Mas as entidades que as
levam por diante podem utiUzar duas formas de proce-
der, consoante as leis prescrevam.
Ha cases em que as leis determinam que essas enti
dades procedam como quaisquer outros sujeitos de Di
reito. TJma pessoa juridica de direito pdblico pode cele-
brar um contrato de compra e venda nos mesmissimos
termos que qualquer cidadao, regido pelos mesmos pre-
ceitos que se aplicam aos outros contratos do mesmo
tipo; ou um contrato de arrendamento de imoveis; ou
de emprestimo bancario; ou de fretamento de navio ou
de aviao; ou suceder, como herdeiro legitimo ou testa-
mentario, numa heranga; ou receber um legado etc. etc.
Noutros casos a lei confere a entidade administra-
tiva uma posigao de autoridade.
Que quer isto dizer?
Enquanto nos exemplos anteriores a entidade supos-
ta e tratada em piano de igualdade com as outras pes-
soas, e a estas se pode vincular por livre vontade ficando
a depender do acordo de vontades, nos casos em que
figura como autoridade nao e assim.
INTRODUQAO 47

A autoridade implica supremacia de uma vontade


sobre outra ou outras. o poder de uniiateralmente tra-
gar uma conduta a outrem que esta sujeito ao dever de
acatar e observar o que for determinado.
Ha na autoridade uma relagao dominio-sujeigao. Um
manda, o outre obedece. O filho esta sujeito a vontade
do pai — e a autoridade patema, o patrio poder. Os
fieis devem sujeitar-se as prescricoes da hierarquia ecle-
siastica — e a autoridade religiosa. O empregado deve
fazer o que o empregador Ihe mandar — e a autoridade
patronaL Os individuos tem obrigagao de conformar-se
com a regulamentagao do seu comportamento nas vias
publicas, respeitando a autoridade policial.
Se as entldades publicas se vlncularam a particula-
res por meio de contrato ou contrairam com eles obri-
gagoes orixmdas de outra fonte legltima, podem os par-
ticulares interessados discutlr o sentido e o conteiido
dessas obrigagoes e nao se conformarem com as preten-
soes da outra parte, em caso de duvida, antes que os tri
bunals se pronunciem e de se esgotarem os recursos
judiciais que sejam proporcionados em casos daqueles
ao comum dos litigantes.
Mas se a entidade piiblica aparece revestida.de auto
ridade, entao as decisoes que traduzem a sua vontade
tem de ser aeatadas pelos destinatarios delas. E se no
primeiro caso, o da igualdade das partes, a execugao for-
gada so decorre de sentenga judicial com forga de coisa
julgada, no segundo, o da autoridade que decide, esta
pode logo executar coercivamente pelos seus proprios
meios aquilo que decidiu.

16. E certo, porem, que nos palses onde se pratica o


regime da legalidade, isto onde os poderes da Admi-
48 DiREITO ADMINISTHATIVO

nistragao sao limitados no seu Imbito e regulados no seu


exercicio per leis formais que Ibe sac superiores, e pos-
slvel discutir contenciosaxnente a validade de oima de-
cisao da Administracao.
Mas tal discussao em juizo so sera permitida ao Inte-
ressado depois da decisao tomada e normalmente sem
prejuizo da execugao dela.
Nao e bem o case de dizer, come alguns dizem: "Exe-
cuta-se primeiro, discute-se depois" — que era sobretudo
0 lema da disciplina militar era raateria de cumprimento
das ordens dos superiores.
Na pratica administrativa a autoridade define-se
pela decisaO' executoria e nao pela decisao exeeutada.
A decisao executoria e a decisao eujo acatamento e
obrigatorio para o destinatario da ordem nela contida,
e que pode ser exeeutada coercivamente pela propria
autoridade administrativa no caso de nao-acatamento.

Basta esta susceptibilidade de execuQao k forca pela


propria Administracao para que possa discutir-se con-
tenciosamente a decisao que a comporta.
E por isso, quando no momento da impugnagao ju
dicial a execugaxD nao esteja consumada, ela pode ser
impedlda pelo tribunal, o juiz suspende a executoriedade
do ato impugnado.
Fixemo-nos neste ponto: se as entidades adminis-
trativas podem agir juridicaraente nos mesmos termos
e com OS mesmos direitos e obrigagoes que quaisquer
outras pessoas, regendo-se pelas leis comuns a estas, nao
ha nada de novo no mundo do Direito; tudo se^ passa
como com outros sujeitos de direito. So se pode justificar
o aparecimento dum ramo diferenciado da Ordem Juri-
dica quando surjam diferencas que individualizem a
atuagao da Administragao. E essas diferengas resultam
do exercicio da autoridade,
iHTROSUgSo 49

E assim chegaremos k conclusao de que unicamente


a atividade dos orgaos da Administragao gue implique
exercicio de autoridade e regulada por normas diferen-
tes das que regem as relagoes entre particulares. Quer
dizer: o Direito Administrativo nasce da Tegidamentagdo
de certos aspectos da atividade da Administragdo por
normas de Direito PUblico.

17. As normas que constituem o Direito Administra


tivo nao tern todas o mesmo objetivo e pode tamb6m
<Jizer-se que nao sao todas da mesma Indole.
Entendo que o nucleo essencial e formado por aquilo
que chamo normias relacionais. Sao as que regulam as
relagoes em que um dos sujeitos de direito, como enti-
dade da Administragao Publica, exerce poderes de auto
ridade sobre outra ou outras pessoas.
Esta nogao implica logo a necessidade de determi-
nar quais as entidades da Administragao Publica, sua
estrutura e orgaos; e ai esta um segundo nucleo de nor
mas de Direito Administrativo, o das normas org&nicas.
Finalmente, ha que tomar em conta as normas re-
guladoras das formalidades a observar para a formagao
e execugao da vontade funcional segundo uma sucessao
ordenada, preestabelecida, quer para a produgao dos
atos administrativos quer para a decisao da impugnagao
contenciosa desses atos, e temos entao as normas pro-
cessuais.
Mas estas normas com diferentes objetivos nao sao
todas da mesma indole. £ que temos de distinguir entre
normas fundamentais e normas construtivas ou instru-
mentais.
Dou a maior importancia a esta distingao.
Efetivamente tenho ate aqui insistido era que a
Adrainistragao Publica se distingue da Justiga por goz£ir
de iniciativa na prossecugao de interesses coletivos de

244-4
50 DlRETTO ADMmiSTRATIVO

Seguranca e de Bem-Estar. Ao eontr^rio, os orgaos judi-


ciais so atuam quando requeridos poles interessados, sac
passives, e realizam a Justiga mediante a decisao de eon-
flitos de interesses come impai-ciais executores de Direito.
Alem disso e Direito Administrative compreenderia
apenas,a disciplina da agio da Administracae Pdblica
qua decerrera com exercicio da auteridade.
Todavia, quando entramcs no exame das mat^rias
que em todes os paises sae censideradas peles autores
come pertencentes ao Direito Administrative, encontra-
mos institutes ou processes dende a iniciativa parece es-
tar ausente.
Per example: ha muitas lieencas, permissoes e auto-
rizagoes cuja outorga esta vinculada per lei, nae podendo
ser feita sem pedido do interessado a sem o decurse de
um precesso onde, per v^es, se faz a citagae da even-
tuais interessados na eposigao, de tal modo que, afinal,
a licanca, a permissao eu a autorizagao sera dada, ou
nao, conforrae se veriliquem os pressupostos de fate e
os requisites Juridicos estabelacidos na lei.
Onde esta aqui a iniciativa da Administragae? E a
liberdade de decisao, tando em vista o intarasse publico?
Refletindo malhor, porSm, verificaremos que se trata
de campos onde se opera uma defesa avangada de inta-
ressas coletivos cuja reallzagao a Administracae prosse-
gua noutros pianos: a seguranga das pessoas ou dos
bens, sobretudo. E vamos ancontrar na ragulamentagao
fundamental desses interesses as caracteristicas que
procuravamos.
Passa-se com as normas o masmo que com os ser-
vigos.
No tribunal so o juiz a orgao do Poder Judicial, so
ale possui a auteridade propria dessa Poder a reune as
caracteristicas definidoras dos seus magistrados. Mas
todos OS funcionaiios que gravitam k volta dele sao con-
1NTRODU5AO 51

siderados funcionarios judiciais, elementos, auxiliares


embora, da raesma coluna do Poder. O mesmo ocorre na
Administragao Publica: so algumas pessoas sao titulares
de orgaos administrativos que dispoem de iniciatlva e de
autoridade, mas a multidao dos funcionarios ou agentes
que deles dependem e que com eles cooperam pertence
^ zona da Administragao.
Semelhantemente, num sistema de normas, existe
para cada setor individualizado — no nosso caso o admi-
nistrativo — o travejamento carateristico formado pe-
las normas que chamamos fundamentais. Aqui o seu
objeto e definir quais os orgaos da Adrainistragao e atri-
bulr-lhes os poderes que os definem como tais. Mas essas
normas sao depois completadas, desenvolvidas, aplica-
das, pelas disposigoes acessdrias ou complementares que
tem carater construtivo ou instrumental. Quero dizer
com Isto que se trata de preceitos que vao, em diversos
pianos, tornando eficaz, mediante providencias preven-
tivas ou outras, o objetivo visado pelas normas funda
mentais.
O caso que dei como exemplo, das permissoes ou
autorizagoes, e tipico.
Suponhamos a autorizagao de uso e porte de arma
de defesa. O interesse a cargo da Administragao Pdblica
6 a seguranga das pessoas e bens. E, para levar a cabo
a sua missao, a lei da ao orgao que esta encarregado dela
iniciativa para tomar as providencias adequadas, at§
discricionariamente, e reveste essas providencias de au
toridade.
Mas para facilitar a agao administrativa, no capi-
tulo da prevengao, isto 6, da policia, adotam-se precau-
goes, uma das quais e nao deixar que os individuos pos-
suam armas de fogo sem registro destas e sem se saber
quern as det6m e se o detentor e idoneo para as ter.
52 DiRBITO ADMUnsiSATIVO

A seguranga publica garantida por normas funda


mentals constroi-se, pois, com uma rede larga de pro-
videncias preventivas das quais fazem parte registros de
pessoas e de bens, permissoes e autorizagoes para exer-
clcio de atividades ou pratica de atos, e outras.
Por isso, para se apurar se uma nonna e ou nao
administrativa, nao e precise encontrar nela as caracte-
risticas da Administragao Publica — fins de Seguranga
e Bem-Estar,iniciativa e autoridade—: basta que ela es-
teja dependente de outras onde tais caracteristicas se
verifiquem, e as desenvolva ou complete.
O que mais facilmente se apura tomando em conta
0 orgao a cujas atribuigoes, competencla ou atuagao
venha a dizer respeito.

18. Podemos agora apurar as ideias basicas para a ela-


bora^ao do conceito de Direito Administrativo.
Vimos que ha interesses coletivos ligados a Segu-
ranga e Bem-Estar das pessoas, cuja realizagao esta a
cargo de entidades publicas territorials ou de outras enti-
dades que sejam constituidas por lei para exercerem
atribuigoes proprias dessas entidades territorials ou que
delas recebam delegagao ou concessao para tal exerci-
cio: a esse conjunto de entidades chamamos Adminis-
tragao Publica.
A Administracao Publica goza de iniciativa para reu-
nir meios, empregar tecnicas e praticar atos juridicos a
fim de realizar tais interesses, aproveitando os meios li-
citos a todos facultados ou executando as leis de har-
monia com a evolucao das necessidades publicas, mas
procedendo sempre eomo se fosse o proprio titular dos
interesses.
Trava relacoes juridicas com outras pessoas. Se num
Pals essas relacoes jurldicas se distinguem na sua regu-
lamentagao por nelas a Administragao dispor de autori-
1 iNTRODUgSo 53

dade sobre os outros sujeitos, de tal modo que as suas


decisoes sejam obrigatdrias e executorias antes de pro-
ferida sentenga judicial, e porque elas estao submetidas
ao Direito Publico e nao ao Direito Privado e pode dizer-
-se nesse caso que existe o Direito Administrative.
Conclulremos que hd Direito Administrative nos
paises em que seja possivel constririr um sistema a partir
de normas reguladoras do exercicio da autoridade como
mode especifico de certas formas de comportamento ju-
ridico das entldades que constltuam a Administragao
Publica.
O conteudo do Direito Administrative sera o sistema
das normas juridicas que organizam a Administragao
Publica e regulam as relagoes que esta estabelega exer-
cendo os sens poderes de autoridade.

19. £ nosso propdsito fazer uma exposigao slngela dos


principios gerais e fundamentals do Direito Adminis-
trativo.
A generalidade desses principios decprre da sua de-
dugao do proprio conceito do Direito Administrative e da
comparagao dos mais importantes .sistemas de direito
positive, procurando depreender deles tendencias uni-
versais.
O metodo adotado sera o de repartir a materia em
tres partes, consagradas respectivamente a Organizagao
administrativa, a Atividade administrativa e as Garan-
tias da legalidade e dos direitos dos administrados.
A Organizagao administrativa varia muito de Pais
para Pais. Sao poucos, per isso, os principios juridicos
que se podem considerar como assumindo carater de ge
neralidade.
Na minha visao, ela assenta fundamentalmente em
dois conceitos; o de pessoa juridica (que a doutrina fran-
cesa designa per "pessoa moral" e a portuguesa por
54 DiREirO ADMINISTEATIVO

"pessoa coletiva") e a de servigo. A pessoa juridica 6 cen


tre de imputagao de direitos e obrigagoes, o service o
sen erganismo instrumental.
Segue-se o estudo da atividade adminlstrativa que
Se desdobra na andlise das forvias de atividade (regula-
mento, ate administrative, contrato administrative), dos
modos de atividade (servigos publicos, policia, fomento)
e dos meios de atividade (agentes, bens, dinheiro).
Nao nos ocuparemos do fomento que e o mode de
atividade administrativa pelo qual sao favorecidas e esti-
muladas as atividades privadas, porque a criagao de in-
fra-estmturas ou de equipamentos per meio de obras
piiblicas, nao tendo apenas esse ebjetivo, melhor ficara
no capitulo consagrado aos bens; os incentives fiscais
pertencem ao Direito Tributario; o planejaraento reveste
em si poucas particularidades juridicas. Da mesma for
ma OS meios financeiros sae deixados ao Direito Finan-
ceiro e ao Direito Fiscal.
Finalmente far-se-a a exposigao das garantias, que
o Direito Administrative oferece, de que sejam respeita-
dos OS direitos dos administrados e observada a lega-
lidade na Administragao.
PARTE I

TEORIA DA ORGANIZACAO
ADMINISTRATIVA
Capitulo I

AS PESSOAS JURIDICAS

20. Ivvportdncia da personalidade juridica na teoria da


organizagdo administrativa.

21. A personalidade juridica como qualificacao de um


substrato.

22. Os interesses que justificam a personalidade.

23. A vontade da pessoa juridica. Teoria do orgdo.

24. Pessoas juridicas de direito publico e de direito pri-


vado. Pessoas territoriais. Administraedo direta e
indireta.

25. Autarquias.

26. Empresas publicas.

27. Sociedades de economia mista.

28. Fundagoes publicas.


58 DiREITO ADMINISTRATtVO

20. Disse-se atr^ que os dois elementos basilares da


teoria juridica da organizacao administrativa sao: — as
pessoas juridicas e os services.
Para se movimentarem na orbita do Direito, os vd-
rios centres de interesses administrativos criados numa
estrutura tem de reeeber da lei a siascetibilidade de serem
sujeitos de direitos e obiigacoes de modo a poderem ser
titulares de patrimSnios e a estabelecerem relagoes juri
dicas com outras entidades: isto e, tem de possuir perso-
nalidade juridica.
O conceito da personalidade juridica pertence d Teo
ria Geral do Direito. Mas recapitularei aqui as ideias
que professo a tal respeito para facilidade da sequdncia
da exposigao da materia.

21. Nao vai longe o tempo em que foi moda entre os


cultores do Direito Publico negar a personalidade cole-
tiva. Era uma moda francesa como tantas outras. A
moda do positivismo, trazida para o campo juridico, com
inegavel brilho, per Leon Duguit.
No seu afa de reduzir a mimdividencia a fatos —
■estou a ouvi-lo: "des f- ails, rien que des fails" — Duguit
deu caga a tudo quanto, na tecnica juridica, Ihe chei-
rava a metafisica. Ora as pessoas juridicas, e verdade,
nao andam por ai nas ruas em came e osso. Logo. . .
A moda passou. E, neste campo, passou porque a
leagao do senso comum protestou contra a confusao en
tre 0 metafisico e o conceitual, entre o que pertence ao
dominie da extrapolagao para o ultra-sensivel e o que
nao passa de mera abstragao, operagao Idgica normal
gragas a qual a inteligencia registra as realidades, redu-
zindo-as a conceitos com que joga e de que se alimenta.
A pessoa juridica nao e um ser metafisico, nem se-
quor se torna necessario recorrer a metapsiquica para
a captar. Na Ciencia Juridica temos de lidar com con-
As P£S80AS jxfrIdicas 59

•celtos, como em qualquer outra esfera do conhecimento


xientifico. A personalidade 6 conceito que exprime a qua-
.lidade de sujeito de direitos e obrigagoes que a Ordem
Juridica atribui ou reconhece a certos substrates, os
quais sac apenas centres de interesses humanos dignos
■de prote5ao. O individuo 6 um desses centres. Mas os
;seus interesses aparecem tambem nas comunidades e
mas associacoes em que ele esta envolvido eu integrado,
•e que tem de os realizar per meies juridicos, atuando
memo pessoas.
A personalidade em Direito 6 sempre uma qualidade
•mtribuida a um ser, seja um indivldue humane, seja um
centre artificialmente criado para a reallzacao de inte
resses socialmente protegidos.
Eeina em certos seteres doutrinais grande cenfusao
:a este respeito quando afirmam que so as pessoas singu-
lares, correspondentes fisicamente a individuos, sao
reais, nao passando as pessoas coletivas de pessoas ficti-
■cias, iste 6, resultantes de um fingimente que a lei pro-
Toca para facilitar as relagoes juridicas.
Ora esta maneira de ver traduz uma concep^ao fal-
Aa do problema.
Quando se diz pessoa, em Direite, faz-sc' sempre re-
ierencia a uma figuragao social do individuo. A etimc-
logia da palavra elucida-nos claramente. Persona em
latim quer dizer mdscara, e nao sei se ainda hoje se es-
tuda a lingua latina nas escolas e se llem as fibulas de
Fedro entre as quais hi uma cujo titulo e: Vulpes ad
personam tragicam.
Efetivamente, nos teatros romanos, geralmente ao
-ar livre, era precise utilizar um dispositive para aumen-
tar 0 volume da voz do ator, de modo a ser ouvido com
mais facilidade pelos espectadores. Como a caracteriza-
gao estava na infincia, as feigoes e o cariter dos flgu-
.rantes na pega eram expresses na mascara que tinha,
60 DiREITO ADMINISTRATIVO

ajustado k boca do autor, uin bocal com uma pequena


cometa amplificadora do som. A mascara, era, assim,
al6m de definidora do carater do figurante, um instru-
mento per sonare, e esse instrumento deu o nome h mas
cara — persona — e ao proprio figurante que a usava,
hoje ainda chamado personagem.
Repare-se como neste personagem ha duas realida-
des sobrepostas, ficeis de distinguir: o individuo que
representa o papel para o publico, um homem ou uma
mulher com a sua vida privada corrente, e a personagem
representada confcrme exige a comedia ou trag^dia, com
as palavras, os sentimentos, as paixoes resultantes do
drama a desenvolver no palco para os outros verem.
Ora no Dlreito e um pouco assim. Toma-se uma rea-
lidade do mundo do ser, — um individuo, uma associa-
gao de individuos, uma comunidade, um patrimonio^
afeto a fins coletivos... — e atribui-se-lhe um papel na
vida juridica mediante o reconhecimento da personail-
dade.
Essa realidade personificada e sempre um centro de
interesses considerados dignos de protecao pela Ordera
Juridica num dado momento e em certo lugar.
Hoje, entende-se que todo o homem e titular de inte
resses a proteger pelo Dlreito, pelo simples fate da sua
humanidade. E esta ideia pareee-nos evidente; todo O'
homem e pessoa. Mas durante milenios da Historia era
evidente o contrdrio: de que so os homens que estivessem
em certas condlgoes deviam gozar de personalidade, fi-
cando os outros no estado servil, como escravos, relega-
dos a categoria de coisas, nao podendo, pols, ser sujeites.
de direitos, mas tao-s6 objeto deles.
O que 6 fisicamente real e, pois, o que se encontra
por debaixo da personalidade juridica e que eu chamo
substrate desta. Por vezes trata-se de uma realidade na-
As FESSOAS JURISICAS 61

tmal — e 6 0 caso dos homens e das mulheres; noutras,


•de realidades resultantes da vontade dos homens, fruto
-das suas necessidades ou da sua imaginagao — e temos
•sociedades, associagoes, instituigoes... Nao falo nas co-
mmiidades porque, para muitos autores, elas sac tam-
hem naturais, mas o assunto e discutivel.
Este substrate, natural ou fatlcio (nao ficticio: isto
— fabricado, nao flngido), pode pois receber a quali-
ficagao juridica de pessoa e esta qualidade e uma cate-
goiia tecnica do Direito, nada mais.

22. Disse qua, para haver um substrate suscetfvel de


receber a qualificagao juridica de pessoa, 6 necessirio
que nele se reconhega a existencia de um centra de inte-
resses dignos da protegao do DireitOi
Na verdade, a personalidade juridica e a suscetibi-
Tidade de direitos e obrigagoes. E o direito subjetivo nao
•e mais do que o poder conferido pela Ordem Juridica a
alguem de prossegulr um seu interesse quando e como
entenda conveniente.
A Ordem Juridica protege abstratamente certas
categorias de interesses, protegao que consiste em de-
clarar llicitos os atos que obstem a que os titulares deles
OS fruam ou deles disponham de harmonia com a lei.
Desde que ao titular de um interesse legitimo 6 permi-
tido, para o realizar, tragar a sua propria conduta e
condicionar, em fungao dele, a conduta alheia, 6 porque
tern um poder.
O direito subjetivo pois, essencialmente um poder
conferido a um individuo para realizar o seu interesse
legitimo. Mas se o direito e um poder, o titular dele tem
■de possuir as condigoes necess^rias para o exercer, isto
■6, toma-se necessaria a atuagao da vontade.
Os individuos psiquicamente saos e chegados k ma-
turidade tgm possibilidade de se conduzir para realizar
62 DiBEITO ADMINISTRATIVO

OS seus interesses na vida social mediante o use da suaj


vontade: per Isso sao pessoas, — deiiominando-se pes-
soas fisicas ou pessoas singulares.
Mas se o individuo for doente mental ou imaturo'
nem por isso deixa de, como ser humano, possuir intO'
resses dignos de protegao, embora ele nao esteja em con-
digoes de formar uma vontade esclarecida e livre capaa
de OS realizar. Entao a tecnica juridica langou mac de
um processo de realizagao desses interesses, para nao'
privar o menor e o demente da sua personalidade; outra
pessoa pora a sua vontade ao service de tais interesses,
na qualidade de tutor ou curador.
Repare-se que, no caso do tutor, trata-se de uma
pessoa cuja vontade tem, no piano juridico, uma dupla
fungao: realizar os seus proprics interesses exercendo os
direitos subjetivos de que e titular e realizar os interes
ses do pupilo de acordo com as conveniencias proprias.
deste, exercendo apenas os poderes conferidos por lei
para cumprir essa fungao.
Isto e: no caso da tutela da-se no direito subjetivo
um desdobramento. O interesse e do pupilo que,em prin-
cipio, e titular dos poderes necessaries a sua realizagao,
mas 0 tutor det6m outros poderes, em fungao desses,
para suprir a falta ou imaturidade da vontade do pupilo,
poderes estes que cliamo poderes funcionais.
Esta analise ajuda-nos muito a compreender a es-
trutura e o funcionamento das pessoas juridicas. Atri-
bui-se personalidade coletiva a um centro de interesses
sociais, seja de uma comunidade como o Municipio, seja
de uma associagao ou de uma instituigao ou fimdagao.
Existem, pois, interesses dignos de protegao juridica e
que convem realizar consecutivamente, ou seja, pros-
seguir.
E a vontade? Essa so indivlduos podem forrad-ia e
manifesta-la. Alguem tem de emprestar a sua vontade
As PESSOAS JtraiDICAS 63

para realizagao dos interesses coletivos. Entao, al^m do


centro de interesses, tern de existir na pessoa coletiva
um centro de vontade onde atuem indivlduos, hoje um,
amanha outro, que no decon-er da vida da comunidade,
associagao ou fundacao, exprimana aquilo que deve ser
querido para que os fins socials sejam permanentemente
realizados ou atingidos.
Ora esses centres de vontade das pessoas coletivas
sao OS seus drgaos.

23. O orgdo e um centro de vontade da pessoa coletiva


que nao deve ser confundido com os indlviduos que nele
atuam e a que chamaremos titulares do orgao.
Na verdade defendi sempre, com convicgao, a natu-
reza institucional e objetiva do orgao, que tem de ser
distinguido da pessoa do seu titular ou titxilares.
Quando dizemos que o Presidente da Repiablica e
orgao do Estado referimo-nos a uma instituigao politica.
E uma instituigao e um valor social, despersonalizado e
abstiato, representativo de uma id6ia que cumpre por
constantemente em pritica e esta traduzida em normas.
Os indivlduos servem k instituigao, devotam-lhe as suas
faculdades, vitalizam-na, mas nao devera absorvMa.
O Presidente da Republica — ou a Presidencia, ss
quiserem — e assim uma instituicao ou centro institu
cional, definida pela Constituigao, pelas leis e pelos cos
tumes, que teve ontem por titular A e B, que hoje k
servida por C, onde amanha estarao sucessivamente D
e E,sem que mude de carater.
Pois bem, em toda a pessoa coletiva tem de haver
orgaos, — assembleia geral, diretoria, curadoria ou ou-
tros — que nos termos estatutdrlos exprimam a vontade
imput^vel k pessoa.
Imputavel, disse eu.
64 DiHEITO ADMIHISTRATIVO

Esta ideia de iroputagao tern a maior importincia


na tecnica juridica. Aqm chama-se imputagao a atribui-
gao de um ato voluntArio a pessoa que deve ser tida por
sua autora, uma nocao bem conhecida pelos crimi-
3ialistas.
Ora na pessoa coletiva a vontade manifestada pelo
orgao e imputada a propria pessoa, isto 6, a pessoa ma-
Jiifesta-se atraves do orgao. e atrav^s dos seus orgaos
que, tal como as pessoas fi'sicas, as pessoas juridlcas
conhecem, pensaro e querem. O orgao nao tern existen-
cia distinta da pessoa, a pessoa nao pode existir sem
orgaos. Os atos dos orgaos sao atos da propria pessoa e
tudo quanto diz respeito aa relagoes entre os diversos
orgaos da mesma pessoa juridica tem carater meramen-
te interno.

Mas se 0 orgao se funde na pessoa coletiva como


•elemento essencial da sua constituigao, ja o mesmo nao
acontece com os individuos que sejam seus titulares.
O individuo provido como titular de um orgao ocupa-
-se dos interesses da pessoa coletiva e procura em fun-
gao destes exprimir aquilo que em cada caso deve ser
querido para os realizar convenientemente.
So nos termos da lei ou dos estatutos e que o titular
de drgao funciona como tal; e possui apenas os poderes
necess^rios para exprimir no orgao a vontade da pessoa
•coletiva, que nao sendo exercidos no seu proprio inte-
lesse, mas em funcao de Interesses alheios, sac poderes
Juncionais.
Se, por exemplo, o orgao e colegiado — o que sucede
•quando por lei tem dois ou mais titulares que so podem
•exprimir vontade imputavel a pessoa coletiva estando
juntos em reuniao — o titular do orgao so assume as
suas vestes funcionais durante reuniao convocada regu-
iarmente e regularmente conduzida. So entao ele pode
As FESSOAS JUiliDICAS 65

€mitir seu voto de modo a contribuir para a deliberagao


constitutiva do ato.
Dai a grande importancia que tern a distingao entre
drgaos singulares — com um so titular — e colegiais ou
colegiados — com uma pluralidade de titulares que s6
em reuniao possam deliberar.
AOS orgaos das pessoas coletivas que no seu con-
junto formam a Administragao Publica e que chamamos
orgaos da Administraqdo.
& importante distinguir os orgaos dos agentes. O
drgao e caraterlzado pela sua fimgao de exprimir uma
vontade imputavel a pessoa coletxva. O agente e mere
colaborador do orgao, executando trabalhos materials
como burocrata, tecnico, operario ou membro da forga
publica, ou preparando as suas decisoes. Quer dlzer: o
agente limita-se a colaborar na formagao da vontade a
manifestar pelos orgaos, ou a dar execugao as decisoes
destes sob sua diregao e flscalizagao.
Todavia e hoje muito frequente em todos os paises
a delegagdo de covvpetincia ou delegagdo de poderes em
virtude da qual um orgao pode autorizar os agentes que
a lei especificar a tomar decisoes em seu lugar. Isto e:
a lei, Indicando qual o orgao normalmente competente
para a pratica de certos atos preve que haja outro ele-
mento, orgao ou agente, eventualmente competente para
OS praticar, desde que se produza uma manlfestagao de
vontade do orgao normal a encarregar o outro de o fazer,
manifestagao que constitui o ato de delegagao propria-
mente dito.
Em virtude da delegagao de poderes pode, pois, um
agente atuar como orgao. Sera, nesse caso, um orgao
indireto ou mediate da pessoa juridica.

24. Na terminologia juridica distinguem-se 'duas clas


ses de pessoas jurldicas (ja sabemos que esta exqxressao
244-5
66 DUtETTO AtMINISTRATIVO

e sinonima de "pessoas coletivas", que outros pre'ferem


ainda designer i>or "pessoas morais").
Ha as pessoas juridicas de direito publico e as pes
soas juridicas de direito privado.
Quais sac as pessoas juridicas de direito pdblico?
Naturalmente que so devem ser assim classificadas aque-
las que nasgam e atuem h sombra do Direito Piiblico. E
o que caracteriza este ramo de Direito e a protegao di-
reta e imediata dos interesses publicos mediante o exer-
cicio.de prerrogativas de autoridade.
. Portanto pessoa juridica de direito publico sera
aquela que, criada pela Constltuigao ou por lei, tenha
por fim a realizagao necessaria de Interesses publicos
mediante o exercicio em nome proprio de poderes de
autoridade.
•Nos tempos que correm, a extensao das zonas da
vida social cobertas pelo Direito Publico com a conse-
qiiente transformacao em publicos de interesses dantes
reputados da esfera privada tern levado k multiplicagao
dessas pessoas juridicas, com certa variedade de subs
trates.
Deixamos de lado as pessoas de Direito Internacio-
nal, para so nos ocuparmos das pessoas juridicas de di
reito publico intemo.
Nesta classe avulta em primeiro lugar a categoria
das pessoas juridicas territoriais, isto e, as entidades fun
damentals da Administragao Publica correspondentes a
necessidade da realizacao dos interesses de comunidades
fixadas num territorlo, seja territorio do Estado-global,
seja fracao ou circunscrigao resultante da divisao admi-
nistrativa deste.
Assim num Estado-Federal teriamos como entidades
administrativas territoriais, a Unlao, os Estados-mem-
bros, OS Municipios. Nalguns paises existem outras enti
dades territoriais intermedias entre o Estado e o Muni-
As PESSOAS jmlDICAS 87

cipio — Regiao, Provoncia, Condado, Distrito,' Depar-


tamento... — ou inferiores ao municipio — Freguesia,
Bairro...
Tais pessoas juridicas territoriais constituem a es-
pinha dorsal da Administragao Piiblica de um Pais, aque-
las que exercem a administragdo direta.
Sao pessoas juridicas cujas atribuigoes correspon-
deiri a fins multiplos das comunidades por elas repre-
sentadas, pertencendo-lhes em. principio ocorrer a todas
as necessidades coletivas essenelais da vida do agregado
populacional, cuidando dos seus pecaliares interesses.
Mas a necessidade de alivlar a carga que sobre elas
pesa e que 6 cada vez maior levou a que, por lei, fossem
criadas no seu ambito, pessoas juridicas com fins espe-
ciais, isto que existem exclusivamente para se ocupa-
rem da realizagao de um dos interesses extraido do feixe
das atribuigoes da entidade territorial a que estao liga-
das. E essas pessoas juridicas, quanto ao seu substrate,
tanto podem ser do tipo institucional como do tipo asso-
ciativo ou societdrio. Atrav6s delas se processa o que a
doutrina chama administragdo indireta. Tais pessoas
juridicas serao de direito publico quando assim sejam
qualificadas por lei, ou, na ausencia de qualificagao, se-
gundo 0 nosso criterio, quando criadas por lei sejam
dotadas, para a realizagao de interesses piiblicos, de al-
guns poderes de autoridade.

25. No Brasil tem personalidade juridica de direito


publico, segundo se depreende do arto. 5°. da Reforma
Administrativa, as autarquias, definidas nesse preceito
como — "servigo autSnomo, criado por lei, com perso-

1 Nalguns paises, como Portugal, o Distrlto e uma entidade


territorial que engloba um grande numero de municipios. No
Brasil 6 uma subdivisao do mimiciplo, sem personalidade ju
ridica.
68 DiREITO ADMINISTRATIVO

nalidade juridica, patrimdiiio e receita proprios, para


executar atividades tipicas da Administragao Publica
que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestao
administrativa e financeira descentralizada".

Adiante nos ocuparemos destes casos em que um


servigo administrative § desintegrado de uma entidade
territorial para atuar autonomamente como pessoa juri
dica. Devendo notar-se que ha casos em que, a vista de
uma atividade nova emergente, o servlgo nao chega a
ser integrado na administragao direta para ser logo ins-
tituido em autarquia: mas em princlpio era a entidade
territorial que competiria cria-lo e mantg-lo.
A intervengao dla-a-dia mais acentuada dos poderes
publicos na vida econSmica, para prestarem coisas ou
sendgos aos individuos, substituindo-se a atividade pri-
vada ou concorrendo com ela como elementos modera-
dores de excesses capitallstas, fez com que a Adminis
tragao Publica langasse mac das formas e dos processes
juridicos do Direito Privado para certas modalidades de
organizagao e atuagao. Se essa atividade se processar
exclusivamente no campo do Direito Privado, estd claro
que o administrativista so tera de tomar nota do fato e
passar adiante.
Mas na maior parte dos paises nao socialistas essas
novas formas de organizagao e atuagao aproveitam do
Direito Privado o que Ihes convem, sem abdicar de uso
mais ou menos extenso das prerrogativas da autoridade:
e entao ficam, pelo menos parcialmente, no campo do
Direito .Administrative.

As duas modalidades deste tlpo de atuagao admi


nistrativa indireta a que a lei brasileira confere especial
Snfase sao as empresas publicos e as sociedades de eco-
norrda mista.
As PESSOAS jurIdicas 69

26. A empresa publica 6 uma organizagao em que se


combinam o capital fomecido por entidades publicas com
a tecnlca e o trabalho- para produzir bens ou servigos
destinados a oferta no mercado mediante pregos que
cubram os custos e permitam a gestao flnanceira normal
da exploracao.
Em rigor este conceito de empresa publica e de in-
dole economica: trata-se de uma empresa, cuja unica
particularidade seria a de ter como capitalistas entida
des piiblicas que, orientando a sua gestao segundo pro
cesses comerciais e recorrendo a contabilidade privada,
procuram atuar no mercado com objetivos de interesse
coletivo.
A este conceito econdmlco correspondem, nas legis-
lagoes dos varios paises, nogoes juridicas.
Assim, no Brasil, dos art o 1 o e 5.° do Decreto-Lei
no. 900, de 29 de setembro de 1969, alterando a Refonna
Administrativa, extrai-se a nogao de e;npresa publica no
Direito Brasileiro.
t. uma entidade, dotada de personalidade juridica
de direito privado, com patrimonio proprio, cujo capital
votante esteja na propriedade de pessoas juridicas de
direito pdblico interno ou de entidades da administragao
indireta — com maioria na posse da entidade territorial
interessada — criada por lei para a exploragao econo
mica que 0 Governo seja levado a exercer por torga de
contingdncia ou conveniencia administrativa, podendo
revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.
A Constituicao brasileira sujeita as empresas publi
cas, como as sociedades de economia mista, ^s normas
apUcdveis as empresas privadas, inclusive quanto ao di
reito do trabalho e ao das obrigagoes. E se a empresa
publica exercer atividade nao-monopolizada — em con-
corr§ncia, por conseguinte, com empresas privadas —
ticara sujeita ao mesmo regime tributdrio aplicavel ks
70 DlREITO ADMINISISATIVO

concorrentes (Const, de 1967-69, art.o 170, §§ 2° e 3.o).


Noutros paises, a empresa publica tern per suporte
juridico a personalidade juridica de direito publico. O
ease mais freqiiente, de resto, e ser constituida para
explorar uma atividade monopolizada (o caso dos cor-
xeios, telegrafos e telefones), cujo exerclcio exige a dele-
gagao de alguns poderes de autoridade.
O importante e que a empresa piibilca atue sem os
embaragos da burocracia e da contabilidade publica,
com liberdade de iniciativa, de gestao, de recrutamento
e remuneragao do pessoal em regime de contrato de tra-
ballio. Como uma verdadeira empresa, enfim, capaz de
receber as indicagoes e os estimulos do consumidor e de
se adaptar aos seus gostos, preferencias e necessidades.
A lei brasileira admite que a empresa publica re-
vista qualquer das formas admitidas em direito. Em mui-
tos paises, porem, elas sao meras autarquias com orga-
nizagao empresarial, sobretudo quando o capitalista 6
um so. A quando das primeiras nacionalizagSes de gran-
des sociedades anonimas na Gra-Bretanha, a concen-
tragao das agoes na Coroa transformou as empresas em
"sociedades unipessoais". Mesmo assim os governantes
acharara que valia a pena conservar a aparencia de so-
ciedade anonima e nao tocar na sua estrutura interna,
mantendo-lhe os organs diretivos. A eleigao seria subs-
titulda per nomeagao dos diretores ou per designagao
dalguns destes pelos trabalhadores e pelos representan-
tes dos consumidores. Noutros paises em que se proce-
deu a nacionalizagao de empresas privadas procedeu-se
identicamente. Mas o artificiallsmo da formula 6 paten-
te e nao deve servir de exeraplo para criagao ex novo de
outras empresas porque onde ha um so sdcio nao pode
haver Sociedade.
O fim lucrative nao se nos afigura essencial ao con-
ceito de empresa publica. Esta, como organizagao finan-
. As PISSOAS JTOiDICAS 71

ceiramente aut6noma, deve procurar bastar-se, cobrindo


OS gastos com as proprias receitas, mas nada impede que
entre estas figurem subsidies ou subvengoes de cofres
pilblicos destinados a sustentar pregos politicos, e 6 ine-
vitivel que os s6cios (entidades publicas) cubram os
deficits quando estes existam, obrigando o contribuinte
a suprtr a deficiente gestao empresarial.
Nem todos os servigos publicos ou de utilidade pu-
blica tais coma adiante os definiremos, sao suscetiveis
de revestir carater empresarial que, geralmente, s6 con-
aos servigos econdmicos e nao aos culturais ou assis-
tenciais.
Mas, per outro lado, so algumas empresas publicas
correspondem a servigos publicos.
Na verdade, nos Estados contemporaneos as empre
sas publicas podem classificar-se, segundo as suas cara-
teristicas dominantes, em trds grupos: a) empresas de
servigo publico, quando correspondam a exploragao em
presarial de um desses servigos; b) empresas de carater
fiscal, quando visam a obtencao de reditos para o Es-
tado atraves da exploragao monopolista de certa ativi-
dade comercial ou industrial; c) empresas de interesse
politico, quando existam para assegurar a realizagao de
interesses superiores da coletividade e que podem ainda
pertencer a uma de tres classes: a das empresas aces-
sorias das atividades de defesa nacional (indiistrias de
armamento, produgao e manutengao de material e far-
damento, de produgao e distribuigao de abastecimen-
tos...), a das empresas de fomento da economia privada
(bancos de desenvolvimento, sociedades de financiamen-
to regional, industrias-base...) e a das empresas de
■dominio economico (indiistrias de produgao de energia,
•de cunhagem e emissao da moeda, bancos, sociedades de
seguros, e outras que, numa orientagao, socializante
garantam a coletividade a posse e o uso dos principals
72 DiREITO ADiannSTRATIVO

instrumentos de produgao e o controle dos mereados mo-


netario e financeiro).
Pode suceder que algum servigo publico seja tam-
bem considerado elemento fundamental para o fomento
da economia ou do dominie economico; e o que sucede
com OS transportes e as comunicagoes. Mas incluimos
no primeiro grupo todas as atividades com as carate-
rlsticas de servigo publico, independentemente de reu-
nirem caracteres de outros grupos, pois as classificagoes
tem sempre de atender a caracteres dorainantes sem
embargo de com estes concorrerem outros secunddrios
ou acessorios.

Em conclusao, assim como so certos servigos publi-


cos (geralmente os de carater economico, excepcional-
mente os de carater cultural ou social) podem revestir,
na sua gestao, a forma de empresa piiblica, tambem o
conceito desta nao coincide com o de servigo piiblico,
existindo muitas empresas publicas que nao sao servigos
pdblicos.

27. Nas sociedades de economia mista as entidades pu


blicas associam capitals provenientes da sua atividade
financeira — rendimentos fiscais ou parafiscais, sobre-
tudo, — a capitals privados a fim de constituirem ou
manterem sociedades comercials como pessoas juri-
dicas de direito privado cujos fins interessam ao fomento
nacional ou regional.
A razao dessa participagao dos capitals pilblicos
pode ser a conveniencia de controlar a atividade privada,
a necessidade de encorajar o investimento em certas.
areas reputadas menos interessantes para os empresa-
rios particulares ou a vantagem em proporcionar a en
tidades concedentes frulgao de futures resultados lucra-
tivos de uma atividade concedida.
As FESSOAS JURiDIC&S 73

Para que liaja sociedade de economia mista, porem,


6 necessirio que do prdprio ato de constituigao da socie
dade conste a associagao dos capitals publicos aos capi
tals privados e respectiva projegao na gerencia da em-
presa: nao basta que entidades piiblicas figui-em como
acionistas, mesmo maioritarias, de uma sociedade orlgi-
nariamente privada.
A lei brasileira exige que a sociedade de economia
mista seja criada per lei e que a maioria das agoes com.
direito a vote pertengam a entidades piiblicas, mesmo
que sejam de administragao indireta.
Nem sempre assim sucede noutros paises, onde as
sociedades podem ser criadas por escritura piiblica, em-
bora a participagao financeira do Estado tenha de ser
autorizada por lei; e se admltem posigoes paritarias e
ate minoritarias das entidades piiblicas no capital, desde
que o interesse piiblico fique bem defendido, pela com-
posigao dos corpos gerentes ou pela supervisao govema-
mental com direito a veto, por exemplo, das deliberagoes
que possam lesar os fins sociais.
S6, alids, quando existam essas particularidades em
que se reflita a autoridade piiblica o regime das socie
dades extravasa do Direito Comercial e interessa ao Di
reito Administrativo, podendo falar-se de administragao
indireta. Como oportunamente sublinhamos, doutrina-
riamente entendemos que so e licito falar em adminis
tragao indireta quando se trata de exercer atrlbuigoes
de uma entidade territorial atraves de pessoas juridicas
criadas para esse fim especial. Por isso a forma mais
corrente da administragao indireta atraves de .socieda
des de economia mista 6 a da atribuicao a estas, por
concessao, da e^loragao de algum servigo piiblico ou
de alguma parcela do dominio piiblico da entidade con-
cedente.
74 DlREITO ADMINISTRATIVO

28. H4 ainda na organizagao administrativa outros


•tipos de entidades juridicas a considerar. Referi-me, ao
versar o conceito do Direito Administrative, bis corpo-
ragoes, associagoes ou sindicatos a que em certos paises
a lei atribui poderes de autoridade no ambito da Admi-
nistragao, (veja-se na Constituigao Brasileira, o arto.
166), e ate a certas cooperativas consideradas de inte-
resse publico e exercendo fungoes administrativas, como
sejam as dos utentes das aguas represadas por agudes
ou barragens construidas pelo Estado para irrigagao e
outras.

Mas 0 problema mais discutido entre os adminis-


trativistas 6 o da convenilncia de individualizar as fun-
dagoes publicas.
Numa monografia que publiquei em 1961 (Das Fun-
dagoes, Lisboa, Edigoes Atica) defini a fundagao como
•a organizagao destinada a prosseguir urn fim duradouro
.ao qual esteja afetado um patrimonio.
O que hd de essencial na fundagao e a afetagao de
um patrimonio k realizagao de certo fim duradouro, mas
essa afetagao s6 toma corpo no mundo juridico e se torna
suscetlvel de personalizagao quando disponha de orga
nizagao suficiente para administrar o patrimonio e apli-
ca-lo segundo a intencao dos instituidores. Se, portanto,
a lei autonomiza um patrimonio de entre o conjunto
•dos bens da Administracao e o confia a uma organizagao
propria para que esta realize permanentemente um fim
administrativo, poderemos admitir que ha uma funda
gao publica: esse carater resulta da criagao e organi
zagao por lei, da natureza dos bens patrimoniais e do
fim a realizar.
Repare-se na diferenga que existe entre a fundagao
pilblica e a autarquia dotada de autonomia financeira.
As PESSOfiS JTOfMCAS 75

Na autarquia cria-se um servigo administrativo com


fins especiais e asseguram-se-lhe receitas com as quais
•deve fazer fase &s despesas do seu funcionamento e do
.cumprimento das suas atribuigoes. Essas receitas podem
provir de taxas, subsidies orgamentais, etc., mas sao su-
jeitas ao regime da anualldade orgamental. A autarquia
tem o seu patrimdnlo (toda a pessoa juridica possui
vocagao patrimonial) constituido pelos bens de capital
,e per direitos sobre coisas que estejam no comercio jurl-
■dico e de que seja titular. Mas esse patrimonio advem-lhe
apos a constituigao, e uma conseqiiencia da sua existen-
cia e da necessidade de agir utilizando recursos pecunia-
xios e bens.
Ao passo que na fundagao piiblica o ponto de par-
tida 6 0 patrimdnlo. O Estado individualiza de entre os
•seus bens um conjunto de coisas imdveis (os monumen-
•tos historicos, por exemplo) uma universalidade (um
museu), xima obra assistencial ou cultural (hospitals,
•universidades), um capital produtivo, e verificando que
esses bens podem constituir um patrimdnio gerido auto-
nomamente de mode a manter-se e a ser acrescentado
mediante rendimentos bastantes para realizar o fim
cultural, assistencial ou outro a que esteja afeto, da-lhe
uma organizagao, confere-lhe personalidade juridica e
deixa que siga a sua trajetdria propria.
Para que possa falar-se em fundagao publica e, pois,
necess^io que a lei comece por individualizar um patri
monio a partir de bens de uma pessoa juridica de direito
publico, o afete k realizagao de um fim administrativo
e, para este efeito, o dote de organizagao adequada.
Esses bens podem nao ser patrimoniais na oiigem,
como sucede se forem coisas do dominio publico: mas
passam a constituir um patrimonio publico desde que
suseetiveis de gerar receitas para realizagao dos fins
radministratawQS, em geral mediante a cobranga de taxas.
76 DntETTO ADMIKISTRATIVO

No Direito Brasileiro a doutrina esta consagrada no


art°. 2°. do Decreto-Lei n®. 900, que exige para a insti-
tuigao de fundagoes pdblicas;
a) dotagao especifica de patrimonio, gerido pelos.
orgaos de direcao da fimdacao, segundo os objetivos es-
tabelecidos na respectiva iei de criagao;
b) participagao de recursos privados no patrimonio
e nos dispendios correntes da fundagao equivalente a,,
no minimo, um tergo do total;
c) objetivos nao lucrativos e que, por sua natureza,
nao possam ser satisfatoriamente executados por orgaO'
da Administragao federal direta ou indlreta;
d) demais requisites estabelecidos na legislagao per-
tinente a fundagoes (arf^s. 24 e segs. do Codigo Civil).
As fundagoes instituidas por lei federal nao cons-
tituem entidades da Admlnistragao indireta (art®. 3°.).
O requisite da participagao dos recursos privados no-
patrimdnio e nos dispendios correntes da fimdagao nao
se compreende bem: poderia ser uma faculdade, nao pa-
rece certo como exigdncia, pois nao faltam por esse
mundo fundagoes piiblicas auto-suficientes e que, sobre-
tudo pela possibilidade de o serem, foram instituidas.
CApmJLO n

OS SERVigOS

:29. Nogao de servigo administrativo.


30. Classificagao dos servigos adimnistrativos.
31. Unidades funcionais e unidades pperacionais.
32. Servigos publicos ou de utilidade publica.
33. Tipos de organizagdo dos servigos.
34. Organizagdo vertical. Hierarquia.
35. Autonomia. Autonomia administrativa e financeira.
36. Descentralizagdo e desconcentragdo.
37. Tendencies centripetas e centrifugas na administra-
gdo. Tutela administrativa e supervisdo.

29. A Administrasao Publica e, pois, um conjunto de


pessoas Juridlcas cuja vontade se exprime mediante
orgdos e cuja atividade' se processa atraves de servigos.
Quando aqui empregamos a palavra servigo damos-
-Ihe 0 sentido objetivo de organizagdo. Ao falarmos dos
servigos federals, estaduais ou municipals queremos re-
ferir-nos a organizagoes permanentes de atividades hu-
manas que, dotadas dos meios materials adequados, se
encontram ordenadas no seio de mna pessoa juridica
para permitir aos orgaos desta o desempenho regular e
continue das suas atribuigoes.
78 DlRECTO ADMUnSTRATlVO

Os servicos estao, pois, no Direito AdministrativOp


intimamente ligados iis pessoas juridicas; ou estao inte-
grados nelas como sens instrumentos ou sao, eles pr6-
prios, personalizados, formando autarquias ou empresas
piiblicas.

30. Ha uma grande variedade de servigos administra-


tivos.
Esses servicos identifieam-se, numa entidade terri
torial, pelo sen objeto e pela natureza da sua atividade.
O objeto dos servigos 6 constituido por materias cor-
respondentes atribuigSes da pessoa juridica territorial
considerada. Assim surgem grandes departamentos con-
sagrados k seguran?a pdblica, a saiide publlca, a fazen-
da, a educagao e ensino, aos transportes, ks comunica-
goes, ao fomento da agricultura, do comercio, da indus-
tria, da pecuaria, das florestas, das minas e energias, ao
trabalho, k assistdncia e previddncia, ao turismo... sem
falar nas matdrias poUticas e militares.
Mas cada um destes grandes departamentos — ge-
ralmente constituxdos em Ministerios ou Secretarias de
Estado ou Municipais — compreende um conjxmto de
atividades dilerenciadas e complementares entre si que
concorrem para a realizagao do objeto visado. E tambSm
k organizagao dessas atividades se chama servigos,
Tomemos por hip6tese um departamento de fomento-
florestal, cujos fins fossem a conservagao, a regeneragao
e exploragao de matas em terrenes publicos e a promogao
do plantio de florestas, mediante fornecimento de se-
mentes ou plantas e assistSncia tecnica,em terrenos par-
ticulares.
Esse departamento deveri compreender, para pre-
encher os seus fins, v§.rias estruturas especializadas em
atividades diferentes, ks quais tambdm se pode chamar
servigo.
OS SERVigOS 79-

Na verdade, um departamento de fomento florestal


tera de dispor, em primeiro lugar, de um service opera-
cional destinado a plantagae, conservacao e exploraeao
das florestas publicas, service esse de natureza tecnica.
E, depols, de um servigo de prestacao atraves do qual
proporciene aos particulares a asslstencia per estes re-
querida, quer em material, quer em atividade tecnica.
Mas importa defender a floresta das atividades hu-
manas e dos risces casuais que penham em perigo a
sua existencia, pele que tera de haver um servige de
policia para vigilincia de que nela se passa, prevengao
das atividades perigosas, remedio dos sinistros preduzi-
dos, espeeialmente e foge.
Todas estas atividades exigem nxuneroso expediente
que tem de estar a cargo de um servlge essencialmente-
burocritico.
E na medida em que ao departamento seja confe-
rida autonomia financeira, ele tera de cobrar taxas e
outras receitas (da venda de madeira, lenha e outroa
produtos florestais) e de fazer despesas atraves da sua
tesouraria, escriturando tudo na reparticao de conta-
bilidade, isto 6, carece de servigos financeiros.
O departamento tem a sua diregao ou chefia. Mas
esta ha de estar apoiada por elementos que constituam
o que na linguagem militar se chama o estado-maior
(staff na terminologia inglesa). Esses servigos de apoio
sao OS de consulta, os de estudo, os de estatistica, os de
informagao, os de planejamento, os de inspegao, os de
relagoes publicas...
E ainda 6 possivel que disponha de services auxi-
liares; servigos soeiais para assistir o pessoal, servigos
mecanograficos, arquivos, bibliotecas, servigos de arma-
zens, servigos de oficinas, parque de transportes e ma-
quinas, servigos de comunicagoes Internas, etc.
80 DiREITO ADMINISTRATIVO

31. Se quisermos agora fazer uxna sistematizagao po-


•deremos dizer que os seryiQcs administrativos podem ser
olhados como unidadeS funcionais ou como unidades de
trabalho.
Como unidades funcionais distinguem-se segundo o
objeto e, no Estado, agrupam-se normalmente per afi-
nldades em grande unidades denominadas Ministerios ou
Secretarias de Estado.
Como unidades de trabalho identificam-se pelo tipo
•de atividade que desempenham, e podem entao classifi-
car-se em sete categorias:
a) servigos de expediente sao aqueles que recebem,
processam e arquivam documentos, assegurando a pre-
■paragao das decisoes dos 6rgaos, comunicando-as depois
•de tomadas e atuando no piano processual para a sua
•execugao oportuna;
b) servigos operacionais sao os que traduzem em
operagoes prdticas, segundo alguma ciencia ou tecnica,
•os fins a cumprir, de acordo com a lei ou as decisoes dos
drgaos;
c) servigos de prestagdo sao os que prestam aos indi-
viduos, singularmente considerados, utilldades concre-
"tas, normalmente retribuidas por taxas, e podendo fun-
cionar como empresas;
d) servigos de policia sao os que vigiam as ativida-
-des para fazer observar as restrigSes legais impostas a
liberdade no intuito de evltar que se produzam, ampliem
ou generalizem danos sociais;
e) servigos financeiros sao os que cobram receitas,
,pagam despesas e contabilizam umas e outras;
f) servigos de apoio sao os que diretamente ajudam
.a cbefia, habilitando-a a estudar, conhecer, prever e con-
"trolar a agao dos outlros servigos;
OS SERV150S 81

g) servigos auxiliares sao os qu© funcionam como


instrumento dos outros.

XJma unidade funcional compreende normalmente


varias unidades de trabalho.

Para evitar confusoes chamaremos ^ unidades fun-


cionais departamentos, guardando o termo servigo para
designar as unidades de trabalho.

Sao OS departamentos que podem constituir substra


te de pessoas juridicas de fins especiais — as autar-
quias.

32. Quanto aos departamentos cuja atividade princi


pal e a prestagdo aos particulares de bens ou servigos,
OS mais importantes sac os seraigos p^iblicos ou de utili-
dade p&blica que estudaremos mais adiante como um
dos modes que pode revestir a atividade administrativa.
Chamamos servigo publico ou de utilidade publica
ao tipo de servigo administrative cujo objeto consist© em
facultar por modo regular e continuo a quantos deles
caregam os meios idoneos para satisfacao de uma ne-
cessidade coletiva individualmente sentida.

Esta nogao de servigo publico correspond© a uma


unidade funcional, definida por conseguinte segundo o
seu objeto: uma organizagao permanent© cujo funcio-
namento regular se ha de traduzir em prestagoes posi-
tivas a fazer a todos os que se apresentem a soliciti-las
e estejam nas condigoes regulamentares.
Assim, sao servigos piiblicos os de abastecimento de
agua, de fomecimento de energia eletrica, de transportes
coletivos, de correios, telegrafos e telefones (comunica-
goes intelectuais)... Todos estes departamentos desen-

su-e
82 DnUEITO ADMDflSTRATIVO

volvem atividades cujo funeionamento regular e con


tinue importa i prdpria nomialidade da vida social dos
nossos dias, dispensando os indivlduos de proverem per
si prdprios necessidades a que elas correspondem.
Os servigos publicos sao o principal meio pelo qual
as pessoas juridicas publicas desempenham atribuigdes
relativas k vida economica, substituindo a incerteza e
desordem da livre concorrencia entre empresas privadas
a disciplina do interesse geral, e constituera uma cate-
goria de departamentos administratlvos em que predo-
minam as atividades de prestacao, mas que normalmente
compreendem unidades de trabalho dos outros tipos.

33. Nesta materia dos servicos administrativos o expo


sitor estd sempre correndo o risco de sair da esfera do
Direito para entrar na da Ciencia da Administragao.
Esta disciplina, prdpria ou impropriamente chama-
da Ci§ncia, nao interessa agora discuti-lo, estd viva e
tem a sua razao de ser. Nela se estudam os problemas
tdcnicos de Organizagao e Metodos que depois se virao
a projetar no Direito.
Qual a melhor distribuicao das matdrias por ser-
vigos, qual o modo mais eficiente de organizar estes, de
que maneira devem funcionar em termos de se conseguir
0 mdximo rendimento com o minimo de custo, os pro
blemas da formacao, da selegao, do aproveitamento, do
aperfeigoamento do pessoal, os padroes de material a
utilizar, etc, sao questoes para serem debatidas no cam-
po da Cidncia da Administracao e que s6 quando che-
gam a resultados consagrados na lei passam a ser assun-
to de interesse para o jurista.
Portanto, numa vlsao generica do tema dos servigos
em Direito Administrative o que importa serd estudar
as formas organicas que podem ser utilizadas dentro da
OS SEETigos 83

mesma pessoa juridica e a estrutura intema de cada


uma. E dar especial atencao as normas que regiilam o
funcionamento dos ser\dgos de utilidade piiblica nas suas
relagoss com os individuos a quem se destinam as suas
prestagoes.
Os servigos de uma pessoa juridica podem ser dis-
postos tendo em vista uma organizaqao horizontal ou
setorial, uma organizaqao territorial ou em profundidade
e uma organizaqao vertical ou hierdrquica.
A organizaqao horizontal ou setorial origina a dife-
renciagao dos servigos consoante as tarefas especificas a
realizar per cada lun.
3k nos referimos a essa diferenciagao em servigos de
seguranga piiblica, de saiide piiblica, de educacao e en-
sino, de transportes, de comunieagoes, de fomento in
dustrial, coraercial, agrario, etc.
E cada uma dessas grandes unidades do exercito
burocratico tem de compreender outras unidades de
linha especializadas em funcao dos objetivos parciais a
atingir ou dos tipos de atividade a desenvolver. Sem falar
nos respectivos servigos de estado-maior, o staff, que tem
a seu cargo o estudo, a informagao, o planejamento, a
coordenagao e o controle de tudo quanto respeita a to-
mada de decisoes e sua execugao pelos drgaos de diregao
superior.
A organizaqao territorial e importantissima quando
as atribuigSes da pessoa juridica devam .ser exercidas
num vasto espago. Torna-se entao necessdrio que os 6r-
gaos dirigentes do servigo disponham prontamente de
informagoes provenientes das diversas parcelas do ter-
ritorio e tenham ao dispor do piiblico, espalhados por
todo o espago em questao, agencias que prontamente
o assistam e sejam capazes de executar as decisoes su-
periores.
84 DiRElTO ADMINISIRATrVO

Chama-se aos servicos localizados no centro politico


da regiao e que operam junto dos orgaos com compe-
tencia sobre toda ela, senncos centrals. E aos servigos
cujas sedes se encontram em fragoes dessa regiao, cujos
dirigentes so tem competencia dentro dos limites da sua
circunscrigao, sermgos locals.
A nogao de central e local e relativa. Tomemos os
servigos de seguranga de um Estado raembro da XIniao.
Estes servigos serao locals em relagao ao orgaos corres-
pondentes da Uniao, onde se encontram os servigos cen-
trais de seguranga nacional. Mas as Secretarlas de Segu
ranga de cada Estado constituem servigos centrals esta-
duais em relagao aos servigos localizados nos municipios.
O carater local de xun servlgo define-se pelo imbito
de competencia territorial que a lei confere aos seus
agentes: o localismo consiste na restrigao da compet§n-
cia a uma parcela ou circunscrigao de um territdrio
mais vasto onde opere o mesmo servigo com dirigentes
cujos poderes o abranjam todo.
Dai resulta a importancia da divisdo do territorio,
quer a basica, que no BrasU compreende a Uniao, Esta-
dos, Municipios, quer a que e definida por lei para fins
especiais ligados a certo ramo de atividade administra
tive (militar, maritima, etc.).

34. Temos depois o que chamamos organlzagdo ver


tical. Os servigos locais encontram-se geralmente em
relagao aos centrais numa relagao de dependencia ou
subordinagao hierarquica: trata-se de aggncias cujos
chefes recebem ordens e instrugoes dos chefes do servigo
central, os quais tambem exercem poderes de supervisao
e de discipline sobre eles.
Esta estruturagao hierarquica e a regra dentro de
cada servigo, mesmo em relagao ^ imidades compre-
endidas no centro.
OS SEHVigos 85

Juridicamente, que 6 a hierarquia?


Eierarquia e uma relagao de servigo em que um dos
sujeitos — o superior — tem o poder de diregao, e o
outre — o subalterno — tem o correspondente dever de
obediencia.

O superior pode ser um individuo, um chefe. Mas


hoje em dla em certos paises reina o horror ao chefe
individual, que entao e substituido per um orgao cole-
giado — comissao, conselho, sovlete, seja o que for. Mas
desde que essa comissao depois de diseutir, delibere, a
deliberagao transforma-se em ordem para os que tenham
de executa-la. A id^ia de suprimir a diferenciagao entre
superiores e subordinados fazendo com que todos os
agentes de um servigo partlcipem da deliberagao e so
cumpram aquilo que votaram e uma Utopia que pode
ser experimentada em periodos revolucionarios. Iklas
quando chega o tempo de trabalho a s§rio e se necessita
de que os servigos funcionem mesmo e com aquele rai-
nimo de eficacia indispensavel a fim de cumprirem as
tarefas de interesse geral para que foram instituidos,
as fantasias t§m de ceder ^ realidade. Indivlduo ou co-
i6gio, o superior dirige, e os subordinados cumprem.
A hierarquia define-se pelos dois polos; diregao —
obediSncia. Mas nao fleam pela diregao ou comando os
poderes do superior. Porque quern dirige tem de poder
averiguar se as suas ordens e instrugoes sao cumpridas
e como — e surge o poder de inspegdo. E se ao inspecio-
nar, por si ou por delegados seus, o superior averigua
que foi praticado um ato errado, tem de o corrigir, exer-
cendo o poder que tenho designado "de superinten-
dSncia"; ou se verifica que o subalterno infringiu os seus
deveres funcionais, hd-de ter a faculdade de o chamar
a consciencia desses deveres mediante o exercicio do
poder disciplinar.
86 DiRKITO ADMINISTHATIVO

Ora esta organizagao hierarquica e a estrutui'a in-


terna habitual dos services; — encontra-se nos servigos
centrais como nos locals, que todos tim seus chefes com
OS respectivos subordinados.
E traduz tamfa^m relagao entre servigos, na medida
em que na distribuigao em profundidade o chefe do ser-
vigo central seja superior dos chefes dos servigos locais
imediatamente subordinados, os quais, por sua vez, che-
fiarao os chefes dos servigos das pequenas circunscrigoes
abrangidas nas suas areas.

35. Nem todos os servigos, porem, estao relacionados


entre si, no mesmo setor, hlerarquicamente.
Ha services autonomos. E, num sistema setorial
onde predomine a hierarquia, pode a lei instituir orgaos
autonomos.
Como definiremos autonomia?
O significado da palavra e muito discutido porque
ha em todos os parses autores que se pegam a etimolo-
gia. Traduzindo os dois vocabulos gregos que estao reu-
nidos no tei-mo obt6m-se qualquer coisa como lei de si
pToprio, quer dizer, alguem que se rege pela lei que ele
proprio faz. Portanto, entidade autonoma seria aquela
que se regesse por leis que ela prdpria ditasse, nao im-
postas por poder estranho.
Neste sentido autonomia confundir-se-ia com sobe-
rania. E aqui comega a evolugao semantica. A entidade
autonoma dentro de um Estado pode fazer as suas leis,
mas dentro da esfera que Ihe seja tragada por um poder
mais alto, que e o poder soberano.
Sabe-se como no Brasil, depois de 1889, esta ques-
tao foi debatida. Os primeiros entusiastas da Pederagao
afirmaram que os Estados em que as Provincias do Im-
perio haviam sido convertidas pelo Decreto no. 1 do
Govemo Provisorio, em 1889, eram soberanos. Alids era
Os SESTigos 87

o que o Decreto dizia revestido de toda a autoridade, ate


do prestigio doutrinal que Ihe emprestava a assinatura
do Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa.
Mas nao tardou que a ei^periencia e a reflexao de-
monstrassem o erro. Os Estados so per ficQao, no Decreto
que OS criara, haviam sido soberanos, no breve espago
que vai da frase em que tal se declara para aquela que
05 liga perpetua e indissoluvelmente na Uniao. So o Es-
tado Federal i soberano. Os Estados-Membros gozara
simplesmente da autonomia politica na medida em que
podem elaborar as suas constituigoes e as suas leis nos
limites tragados pela Constituigao Federal.
Na doutrina e nas leis empregam-se cada vez
mais as expressoes — autonomia administrativa e auto
nomia financeira. E aqui ja desponta qualquer coisa de
novo.

A autonomia jinanceira ainda poderia relacionar-se


com a faculdade de fazer leis, na medida em que impUca
sempre o poder de elaborar e executar Orgamento pr6-
prio pela entidade que a possui.
Mas sera o Orgamento uma lei? Nao vamos discutir
0 tema para nao nos afastarmos do assunto principal.
No que todos estamos de acordo e em que o Orgamento
6 uma previsao de receitas e de despesas, condicionando
juridicamente a regularidade da efetivagao destas.
Na previsao das receitas podem figurar apenas in-
gressos autorizados por leis provenientes de poder dife-
rente do da entidade autdnoma. O importante e que a
lei tenha consignado tais receitas k entidade, de modo
a esta poder arrecadi-las para com o seu produto fazer
face is despesas que o cumprimento das suas atribui-
goes implica.
Um Orgamento proprio, com receitas proprias, apli-
civeis — depois — segundo o criterio dos orgaos da
88 DiREITO ADMINISTRATrVO

entidade ^ despesas a fazer, — eis o fundamental para


que exista autonornia financeira.
A lei que confere a autonornia pode atribuir a enti
dade beneficiada a faculdade de langar certos impostos,
de cobrar taxas, de contrair empr^stimos.., Mas o es-
sencial esti em possuir o poder de executar Orgamento
proprio, mesmo que as receitas sejam alimentadas ape-,
nas por subsidies ou subvengoes.
Quanto & autonornia administrativa, a expressao e
manifestamente empregada nas leis para excluir a sub-
missao da entidade autonoma aos deveres da hierarquia.
Uma entidade autonoma administrativamente e aquela.
que possui poderes para tomar decisoes executorias sem
ter de acatar ordens de superiores nem estar sujeita a
superintendSncia, e a disciplina de outra entidade admi
nistrativa.
Sublinho outra entidade administrativa porque
num regime de legalidade os atos das entidades auto-
nomas tfim de ficar submetidos ao controle dos tribu-
nais. De mode que podemos definir autonornia adminis
trativa como sendo a qualldade que atribui a uma pes-
soa juridica, ou a um orgao dela, competSncia para pra-
ticar atos definitives e executorios que s6 pelos tribunais
possam ser anulados ou sxispensos.
Deve contudo sublinhar-se que, no progresso da cen-
tralizagao que se tem notado, por toda a parte surgiu a
desconfianga pelas autonomies. Desde sempre se previu
a intervengdo de um poder central nas entidades auto-
nomas quando estas se mostrassem incapazes de se admi-
nistrar per si prdprias. Mas, alem disso, em muitas legis-
lagoes aparecem -poderes tutelages dos orgaos do Estadn'
sobre as entidades autonomas que nao sac mais do que
poderes hierdrquicos larvados: inspegoes, exiglncia legal
de aprovagao para certas decisoes, submissao a pianos
programas ou convenios, etc.
Os SERVigos 89-

36. E aqui tocamos nos sistemas de organizagao admi-


nistrativa denominados descentralizagao e desconcen-
tragao.
Na doutrina europeia e corrente a distingao entre
estes dois sistemas qua, todavia, nao parece ter sido acei-
te no Brasil pelo legislador da notavel Reforma Admi-
nistrativa constante do Decreto-lei 200 de 25 de fevereiro
de 1967.
Para nos, so existe descentralizagao quando a lei,
em vez de reunir as atribulcoes de interesse publico
numa so entidade, as distribni por diversas pessoas juri-
dicas, sobretudo quando dotadas de autonomia admi-
nistrativa.

Certos autores procedem a um desdobramento de


formas de descentralizagao, distinguindo entre a descen-
tralizagdo territorial que seria a descentralizagao pro-
priamente dita, operada por via de atribuigao de poderes
^ entidades locais — Estados-Membros de uma Unlao,
Municipios... — e a devolugdo de poderes, descentra
lizagao institucional ou horizontal que consistiria em
confiar certas atribuigoes administrativas de uma enti
dade territorial (Uniao, Estado-membro, municipio) a
pessoas juridicas de direito publico ou de direito privado'
especializadas, as nossas ja conhecidas autarquias e em-
presas pdblicas.
A personalidade juridica e a autonomia sao, pois,,
OS instrumentos da descentralizagao.
A desconcentragao e outra coisa. Enquanto que nao'
se pode falar de descentralizagao sem autonomia, a des
concentragao pressupoe a hierarquia.
A desconcentragao consiste em distribuir poderes de
declsao pelos varies graus de uma hierarquia, em vez de
OS reservar sempre ao superior maximo.
90 DIKEITO ADMIOTSTRATIVO

Assim, OS eases de menor complexidade seriam da


competencia dos chefes do 1 o escalao, os de complexi
dade media competiriam aos dirigentes do 2° escalao,
OS problemas mais graves e que iriam ate ao mats alto
dirigente.
Mas das decisoes dos chefes subalternos cabe sem-
pre recurso hierarquico para os superiores que assim
poderao reformar, revogar, substituir os atos recorridos.
A desconcentragao pode ser origindria, quando a
propria lei distribui competencias pelos vArios graus de
chefia, ou derivada de delegagao de poderes se a lei con-
fere a competgncia a um superior, mas permitindo-lhe
que autorize os adjimtos ou subalternos a resolver certas
categorias de assuntos que fagam parte da sua compe
tencia.
A desconcentragao, em qualquer das suas modali-
dades, origina problemas juridicos do maior interesse,
mas que pertencem a teoria do ato administrativo.

37. Na organizagao administrativa de um Estado exis-


tem assim duas tendlncias: a centripeta, que correspon-
de a hierarquia, e a centrifuga que e traduzida pela au-
tonomia.
A tendencia centripeta levara a transmitir ao cen
tre, isto e, aos orgaos superiores da administragao do
Estado, todas as informagoes da periferia e os proprios
assuntos a resolver que, decididos pelas autoridades su
periores com criterios tendencialmente uniformes, vol-
tarao a periferia com as ordens de execugao.
A tendencia centrifuga leva a multiplicar os centres
de deeisao na periferia, cada qua! decidindo segimdo o
seu criteria de interpretagao das leis e escapando, por-
tanto, aos orgaos superiores da administragao a orien-
tagao e ate o conhecimento do que se decidiu.
OS SERVICOS 91

A organizagao politica e, por natureza, centripeta.


Sobretudo porque onde se afinna a soberania e que se
ditam as leis e existe, portanto, a preocupagao de nao
deixar que por excessiva dispersao de criterios e de res-
ponsabilidades, possam ser desvirtuadas, pervertidas ou
mesmo preteridas as normas ditadas pelo Poder supremo.
certo que, num Estado de Direito, as entidades
autonomas estao sujeitas ao controle judiciario. Mas esse
controle 6 exercido a ■posteriori e depends, por via de
regra, de agao dos interessados ou do Ministerio Pdblico.
Essa fiscalizagao da legalidade nao dispensa que os
drgaos das entidades territoriais a que estao ligados os
servigos dotados de autonomia exergam sobre eles uma
agac inspetora, pareventiva e corretiva de modo a preser-
var 0 cumprimento da lei, o respeito do interesse publico
e a regularidade da gestao.
Nas legislagoes europeias ainda subsists a designa-
gao tradicional de Tutela Administrativa; a Reforma
Administrativa brasileira chama a essa agao do Govemo
— supervisao.
Relativamente a administragao indireta (autar-
quias, empresas publicas, sociedades de economia mista),
a lei define os fins a atingir pela supervisao, bem como
as medidas em que pode consistir (cit. Dec.-lei n.o 200,
art. 26).
O Govemo assegura assim uma constante presenga
nas entidades autdnomas, mantendo-se informado da
sua vida interna, aprovando orgamentos e contas, fixan-
do critdrios de atuagao segundo regras padronizadas da
"boa administragao", reservando-se o direito de inspe-
cionar o rendimento e a produtividade dos servlgos e
d'ispondo do direito de intervengao por motive de inte
resse piiblico.
92 DiEEITO ADMINISTRATXVO

Deste modo se consegue conciliar as conveniencias


de mna gestao descentralizada com a necessidade de evi-
tar uma administragao desintegrada, descoordenada e
tumultudria, equilibrando as duas tendencias centripeta
e centrifuga da organizagao administrativa.
Adiante, ao versarmos as garantias da legalidade
e dos administrados, volveremos ao assunto.
PARTE II

TEORIA DA ATIVIDADE
ADMINISTRATIVA
TiTULO I

AS FORMAS

Capitulo in

REGUIxAMENTO

38. A legalidade na administragdo.


39. Conceito formal de lei e de regulamento.
40. Regulamentos complementares e regulamentos au-
tonomos.

41. Fundamento do poder regulavientar da Adminis


tragdo.

42. Classes de regulamentos autdnomos.


43. Regulamentos gerais de administragdo p-Ablica.
44. Os regulamentos subordinados d lei.

38. A Administragao Publica num regime de legalidade


esti submissa lei. A sua atividade tern de ser l^al, isto
e, de decorrer nos tennos tragados pela lei. E tende a
ser uma atividade executiva. Os drgaos da Administra-
cao executam as leis. Muito embora haja uma larga
zona na administragao em que a Politica, como liber-
dade de escolha de vias de realizar o interesse piiblico.
■96 DiREITO ADMINISTKATIVO

ou a Tecnica, como sistema de processes idoneos para


alcangar os fins vlsados, tenham de ter o seu lugar, mes-
mo ai e a lei que esta no principio da atribuigao da
competfincia dos orgaos que realizam opgoes politicas ou
determinam operagdes tecnicas.
Uma atividade executiva tende a ser concreta, quer
dizer, e perante casos surgidos no dia-a-dia da vida so
cial que a Administragao opera, tomando decisoes que
transportam os comandos legais para a vida corrente.
Estamos empregando a palavra lei como significan-
do qualquer normal que rege, discipUna e condiciona a
Administragao Publica.
No sentido material, lei e norma de carater geral e
de execugao permanente.
Como norma traduz uma regra imperativa da con-
duta a adotar pelos Individuos na vida social. O seu im
perative dirige-se a vontades livres; as pessoas a quern
a regra e imposta devem conduzir-se segundo os res-
pectivos preceitos. Mas podem nao o fazer, sao livres de
violar a norma, sujeitando-se a sangao por ela cominada
para punir a desobediencia aos seus mandados. Ao con-
tiArio da lei natural, que e fatal, necessaria, inelutavel,
a noima e violavel pela vontade humana.
Norma de carater geral: a generalidad-e implica a
formulagao dos seus preceitos em abstrato e nao para
certa ou certas pessoas num caso concrete. Todos quan-
tos se encontrarem ou vierem a encontrar-se nas circuns-
t^cias que estiverem pressupostas no preceito ficarao
obrigados a observar o comando normativo. E isso deve
valer para uma pluralidade indeterminada ou indeter-
minavel de fatos (vlgencia sucessiva ou execugao per
manente) .
Lels serao, pois, neste sentido em que apenas se olha
a matSria que as caracteriza, todos os atos normativos
genfericos.
Regulamenio 97

Tcda^la na terminoiogia juridica faz-se uma distin-


§ao. Nem todos os atos coatendo normas gerais de exe-
cugao permanente sao chamados leis: ha atos com esse
conteudo que se denominam regulamentos.

39. A par do sentido material de lei, em que apenas


se atende a natureza do seu conteudo, existe, na verdade,
um sentido formal da palavra, que se refere ao orgao
donde a norma eraana e aos caracteres extrinsecos do
ato.
Neste sentido formad, a Zei e o ato proveniente de
um orgao legislativo que revista a forma externa pres-
crita para ser considerada como tal.
No Brasil sao orgaos legislatives; na Uniao, o Con-
gresso Federal — e em certos casos o Presidente da Ee-
publica, quando expede decretos-leis; nos Estados, as
Assembleias Legislativas e, nos Municipios, as Camaras
Municipais.
Existem assim leis federals, leis estaduals e leis mu
nicipais.
Mas OS orgaos e:^utivos da Uniao, dos Estados e
dos Municipios sao competentes para expedir regula
mentos destinados ^ "fiel execugao" das leis (Const.
deral, arto. 81, III, quanto ao Presidente da Republics,
a que correspondem disposigoes homologas nas Consti-
tuigoes estaduais).
A doutrina refere-se ao poder regulamentar da
Administracao, como sendo uma faculdade que e propria
da sua natureza e exigida pelas suas fungoes.
O regulamenio e, como a lei, formado por normas
de carater geral e execugao permanente. Distingue-se
formalmente dela por ser proveniente de orgaos executi
ves e Ihe estar subordinado, devendo corresponder ao
exerclcio da competencia administrativa para a boa exe
cugao das leis.

244-7
98 DlBEITO ADMINISTRATIVO

40. Assim, a lei formal, unicamente sujeita a Coiisti-


tuigao, pode ser inovadora, criando e restringindo dixei-
tos, introduzindo modificagoes na Ordem jioxidica.
Ao passo que o regulamento tem de respeitar as leis,
nao pode center preceitos que contrariem disposicoes
constantes de leis formais.
Ha regulamentos que sac publicados pela autoridade
adminlstrativa para facilitar a execucao de certa e deter-
minada let: sac os regulamentos complementares ou de
execugao, os quais se tomam inseparaveis da lei regii-
lamentada per desenvolverem e esclarecerem as suas
normas e estabelecerem o processo a seguir para a res-
IJectiva aplicagao. Mas muitas vezes a autoridade publica
regulamentos autonomos, nao dependentes especialmen-
te de uma lei, regulando determinada materia que, nao
constando de diploma especial, se acha disciplinada por
normas de textos legislatives disperses havendo por isso
vantagem em concentrar, para bom funcionamento dos
servigos e maior comodidade do publico, as regras que
Ihe digam respeito.
Em ambos os cases a Administracao procura asse-
gurar a fiel execugao das leis. Esse e o objeto funda
mental dos regulamentos administrativos. Mas no caso
dos regulamentos autonomos os respectivos autores exer-
cem uma competencia generica de providenciar sobre
a dinamizagao da ordem legislativa, e nao a competen
cia especifica para executar certa e determinada lei.

41. Qual o fundamento do poder regulamentar da


Administragao Piiblica?
Nao se trata aqui do fundamento legal, porque esta
ciaro que a competgncia para elaborar regulamentos ha
de resultar da lei, come quaisquer outros poderes dps
orgaos da Administragao Publica.
REGtTLAMENTO 99

Trata-se do fundamento teorico. Come e que, dentro


da doutrina classica da separagao de poderes, se explica
que a Administragao Publica nao se liroite a atos indi-
vlduais de exeeugao das leis e promulgue nonnas gerais
de conduta, embora secundarias?
Varias doutrinas tern side formuladas para o expli-
car. Em meu entender o poder regialamentar da Admi-
nistragao Pdblica e uma faculdade natural desta, ine-
rente a autoridade de que dispoe para executar as leis
e imposta pela dispersao dos orgaos e agentes que a
compoem. Vimos que a Administragao e composta per
numerosas entidades, cujos orgaos podem atuar com ini-
ciatlva para realizarem os interesses publicos que per lei
entram nas suas atribuigoes e dlspondo de autoridade
para tornar as suas decisoes obrigatdrias e executorias.
Os orgaos da Administragao devem conduzir-se se-
gundo as leis provenientes dos 6rgaos legislatives. Mas
tais leis formais, geralmente votadas por orgaos colegia-
dos precedendo debate publico e contraditorio, sao so-
bretudo atos poHticos que definem direitos e obrigagoes
e tragam as orientagoes superiores a que deve obedecer
a eomunidade a quern se destinam.
Se 0 nmneroso exercito da Administragao tivesse
que executi-las na secura dos seus preeeitos funda
mentals, aplicando-as nos mais diversos pontos do ter-
ritorio a variedade quase infinita de Mpoteses possiveis,
eorrer-se-ia o risco da grande dlvergencia das interpre-
taeoes, da diversidade e contradicao das decisoes admi-
nistrativas, das incertezas quanto ao mode de proceder.
Ora se os orgaos da Administragao tem competencia
para aplicar as leis, isso supoe que possuem a faculdade
de interpreta-las. E se as leis Ihes conferem poderes para
realizar certos objetivos de interesse pilblico, impllcita-
mente Ihes atribuem a faculdade de utilizar os meios
100 DiREITO ADMINISTRATIVO

indispensaveis para mais facil e exatamente atingirem


esses objetivos.
Portanto o orgao de Administracao qua dispoe de
autoridade para executar a lei tern necessaiiamente as
faculdades de Interpreta-Ia e de criar os processes ade-
quados & boa execuQao dela.
Se estas faculdades podem ser exercidas caso por
caso, a razao impoe que se admita a possibilidade de os
orgaos competentes as exercerem prevendo as dificulda-
des de entendimento e de reallzacao das normas a exe
cutar, numa legislagao secund^da que esclare^a o seu
sentido, desenvolva os seus comandos e prescreva os
modos de as realizar. Assim nasce o poder regulamentar
da Administragao Publica.
O regulamento consiste, por conseguinte, numa au-
todisciplina da AdministraQao Publica. Esta, para obter
0 procedimento regular, harmdnico e coerente dos seus
orgaos e agentes na execugao dos encargos que Ihe sao
cometidos per lei e facllitar os contatos com os parti-
culares, regula, mediante regras gerais e abstratas, a
maneira de eles agirem.

42. As tres grandes classes de regulamentos autono-


mos sao a dos regulamentos de organizagao, a dos regru-
lamentos processuais e a dos regulamentos de policia.
Trata-se, como dissemos, de regulamentos em que
o orgao da Administragao recebe da lei poder regula
mentar para regular materias que tern os seus piinciplos
e limites fixados na legislagao, mas sem estarem conti-
dos num so diploma que seja preciso completar.
E referimo-nos as tres classes mencionadas como
sendo de regulamentos autonomos porque, em rigor, os
regulamentos complementares nao t§m de ser classifi-
cados pelo seu conteudo; a materia deles e determinada
pela que consta da lei executada. O regulamento com-
Regulamento 101

plementar nao tern individualidade cientifica: acompa-


nha a lei de qua e acessorlo.
Nos regulamentos autonomos, porem, o orgao e eom-
petente para diseiplinar a atuagao administrativa em
certo dominio, nele se podendo mover a vontade desde
que respeite as limitaeoes constantes das leis formais,
sejam elas quals forem, muitas ou poucas.
Isso sucede sobretudo nos regulamentos de organi-
zaqao elaborados para desenvolver as normas de criagao
de certo servigo e que, a partir destas, constroem a es-
trutura desse servlgo, enumerando as dlvlsoes ou seccoes
que o compoem, repartindo entre elas as tarefas a exe-
cutar, determinando o modo de recrutar, de distribuir
e de aproveitar os funcionaxios, etc.
A esses regulamentos faz expressa referenda o art®.
3.0 da Reforma Administrativa Brasileira quando diz:
"Eespeitada a competencla constitucional do Poder Le-
gislativo... o Poder Executive regulara a estruturacao,
as atribuigoes e o funcionamento dos orgaos da Admi-
nistragao Federal". Disposlgao semelhante, referida es-
pecialmente as Forgas Armadas e Ministerios milltares,
se contem no art®. 46.
Importantes sao tambem os regulamentos proces-
suais que tragam os caminhos a seguir nas relagoes en
tre um servigo e os cidadaos que dele tenham de se apro
veitar, indicando requisites a preencher para obter pres-
tagoes, meios da respectiva prova, formalldades a cum-
prir, etc.
Quando se trata da organizagao e funcionamento de
um 6rgao colegiado este, por via de regra, possui a com-
petencia legal para elaborar o seu regulamento interne,
tradicionalmente denominado regimento e que e simul-
taneamente de organizagao e processual.
Os regulamentos de poUcia sao aqueles que desen-
volvem e prescrevem o modo de executar as leis que per-.
102 DIREITO ADMIKISTRATIVO

mitem a intervengao das autoridades administrativas


nas atividades privadas a fim de evitar a produgao de
danos sociais em conseqii^ncia de condutas perigosas.
Toda a restricao a liberdade individual tern de constar
de lei formal, mas quando se trata de atalhar perigos de
que possam resultar graves prejuizos para a coletivida-
de, as leis, per via de regra, conferem acs orgaos admi-
nistrativos poderes discricionarios quanto aos meios,
oportunidades e modes de agir, tao numerosos, variados
e imprevisiveis sac os perigos que na vida quotidiana
podem surgir para a ordera, a seguranga, a saiide, a
moralidade e a economia publica. E e nesse dominio de
poder discricionario que a Admirdstragao freqiientemen-
te age, disciplinando-se per via de regulamentos que
orientam os individuos para nao incorrerem per incon-
sideracao, ignordncia ou negliglncia em situagoes peri
gosas e que estabelecem os processes administrativos me-
diante os quais os orgaos policiais podem assegurar a
sua vlgildncia sobre a posse de instrumentos ou armas
suscetiveis de risco, e eonceder permissoes e autorizagoes
para exereicio de certas atividades relativamente proi-
faidas ou sujeitas a controle e fiscalizagao.
Em quase todos os paises a faculdade da publicagao
de regulamentos autQnomos de policla esta prevista por
lei, que permite a cominagao de determinadas sangSes
nesses regulamentos para punigao das contravengoes dos
seus preceitos,

43. Ha regulamentos autdnomos que se revestem de


particular importdncia por conterem normas aplicaveis
a toda a Administragao Publica, ou a todos os servigos
de uma pessoa juridica territorial: a doutrina cldssica
denominava-os regulamentos gerais de administragao
publica.
Regulamento 103

O caso tipico e o dos regulamentos qiie, sobre as


bases eontidas na Constituicao a nas leis, disciplinam o
recrutamento, o service, a disciplina... dos servidores
publicos, previstos, per exemplo, nos art^s. 94 e 101 da
Beforma Administrativa.
Nessa reforma tambem se preve a coordenagao das
medidas relacionadas com a formulagao e execugao da
politica nacional de abasteclmento per meio de decreto,
isto e, mediante re^lamento autonomo (art®. 157).
E Q-utros examples sa poderiam aduzir de regula
mentos que nao se acham ligados a determinado servigo
e abrangem de manaira garal todos os orgaos e servigos
dependentes do Poder donde dimanam.

44. De quanto ficou dito ressalta a depandencia em


que OS regulamentos se encontram das leis formais. Urn
regulamento nao pode conter disposigoes que contrariem
a doutrina consagrada em lei. E a ilegalidada dos pre-
ceitos regulamentares constitui um vicio que afeta a va-
Udade dales.
Em rigor nam seria necessaria uma declaragao for
mal de nulidade do regulamento ilegal para fazer cessar
a sua vigencia. Quando alguem se encontra perante dois
comandos normativos contraditorios ■— sendo um, o da
lei, bierarquicamente superior ao outro, o do regulamen
to — o confHto tern da ser resolvido optando pela norma
de maior valor e dasprezando a que Ihe deve estar subor-
dinada. Mas nam sempre e facil tal opgao e por isso as
legislagoes preveem, por via de regra, agoes judiciais que
pennitam fixar com certeza a existgncia de contradigao
entre as normas e afirmar a prevalencia da lei.
Tambem dassa dependencia resulta que revogada ou
substituida uma lei deveria automaticamente cessar a
vigencia dos seus regulamentos complementares. Isso,
porem, nam sempre sucede. Entre a promulgagao da lei
104 DiREITO ADMUnSTRATIVO

e a sua regulamentagao interp6e-se muitas vezes um


prazo e durante o decurso dele nao podem cs servicos e
OS cidadaos ficar privados de meios processuais e outras
providencias regulamentares. Per isso e frequente a lei
nova raanter expressamente a vig&ncia do regulamento
da lei antiga em tudo quanto por ela nao for eontra-
riado; e pode suceder mesmo que a lei nova nao possa
entrar em vigor enquanto os sens preceitos nao forem
tornados exequiveis pelas novas disposigoes regulamen
tares.
De raodo que ao ser publicada uma lei que substitua
outra antes reg^lamentada nao pode, sem mais exame,
concluir-se que cessou a vlgencia dos regulamentos da
lei antiga. Mesmo sem preceito expresso que os mante-
nha, sera necess^rio continuar a observa-los em tudo
quanto nao seja contrariado pela lei nova, ou em ma-
t^rias nao reguladas na lei nova por disposigoes que naO'
sejam auto-aplicdveis ou auto-exeqiiiveis, quer dizer, que
caregam de regulamentagao propria para se tomarem
suscetiveis de observancia e aplicagao.
Referlmo-nos aos regulamentos coraplementares.
Mas nos regulamentos autonomos hi. que observer, da
mesma forma, a primazia da lei. Sempre que mna lei
formal dispuser em sentido diverso do que esteja precei-
tuado em regulamento autonomo, as normas deste terao
de ceder e nao poderao mais ser aplicadas.
CAPiruLo IV

ATO ADMINISTRATIVO

I 1.°

CONCEITO DO ATO ADMINISTRATIVO

45. Nogdo de ato. O ato juridico. Mdtodo adotado para


a definigao do ato administrativo.
46. Variedade de atos praticados pela Administragdo..
Primeira tentativa de isolamento dos atos adminis-
trativos.

47. O ato administrativo como eonduta de um orgao de-


Administragdo.

48. Voluntariedade da eonduta. O que deve entender-se


par vontade em Direito. Vontade psicoldgica, vonta-
de individual ou coletiva, vontade funcional.

49. Vontade normativa: importdncia deste conceito em


Direito Administrativo. Exemplos: o case do ato td-
cito. A vontade normativa eon-fundir-se-d com a
valoragdo da eonduta? Na vontade normativa nao
interessard nunca a vontade psicologica?

50. Unilateralidade do ato administrativo. Exercicio de


um poder pdblico.
108 DiREixo admhhstrattvo

51. Diferenciagao do aio administrativo e do regulameTJr


to. A resolugdo de casos concretos.
52. Diferenciagao do ato administrativo e do ato juris-
dicional.

53. Definigdo de ato administrativo.

45. O tema central do Direito Administrative modemo


e, sem diivida, constltuido pela teoria do ato adminis
trativo.
Os autores comeQaram a empregar usualmente a
expressao ato administrativo nos principios do presente
seculo. Decerto, per influencia do conceito de ato jnri-
dico que no seculo anterior surgira na dogmatica civi-
lista trazido pelos autores alemaes e italianos. Creio mes-
mo que a primeira aplicagao prdtica da ideia do ato
juridico, antes da formulagao teorica desta nogao, tera
sido a do ato de comircio aparecida nos Codigos Comer-
ciais do seculo XIX.
A ideia do ato estd ligada k de remate de uma agao,
e agao concluida, intengao tomada realidade, o agir que
chegou ao seu termo: actus 6 o participio passado do
verbo agere.
De mode que o termo ato aparece associado a ideia
de fato humane acontecido, uma vontade que se mani-
festou ou pelo menos se revelou nem que seja per orois-
sao. Pratica-se um ato; isto e, houve uma maniiestagao
externa da vontade de alguem. O ato e um aconteci-
mento: um acontecimento humano.
Os acontecimentos provocados pelo homem podem
produzir efeitos de direito.
Mas nem so os fates humanos voluntaries preduzem
tais efeitos: produzem-nes tambem fatos da Natureza.
regidos per inelut^veis leis causais, come os cataclismos,
OS desastres ocasionais, os acidentes da agua e do fogo,
Ato admikistrativo 107

o decurso do tempo... E ha fatos desses que acontecem


na propria vida humana,como sucede com o nascimento
e a morte. De mode que ha fatos naturals que sac fatos
iuridicos, sejam humanos ou nao humanos.
So, porem, os que dependem da vontade do homem
serao atos, e quando desencadeiam efeitos na Ordem
juridica, serao atos jurldlcos. Se devem ser assim quali-
fieados apenas os atos licitos, como por exemplo se dispoe
no Codigo Civil Brasllelro (art®. 81), ou se todo o fato
jimdico voluntario e ato jurldlco, dlscrimlnando-se de
pots OS Ucltos dos IHcitos, e problema que nao vamos
diseutlr aqul. Basta registrar que no uso corrente da
doutrlna e ate da leglslagao nao se incluem os crimes
entre os atos jurldlcos; mas se fala no Direlto Civil dos
atos jurldlcos nulos ou anulavels, o que slgnlflca a admls-
sao da categoria dos atos jurldlcos pratlcados com vio-
lagao das normas legais.
Nos meus llvros, ao abordar a teoiia do ato admi
nistrative, tenho procedldo como d habitual nos autores
de tratados e manuals: partlr de uma deflnigao para a
sua anallse e explanagao.
Esta claro que a deflnlgao nao e um ponto de par-
tlda, salvo se se trata de propor uma hlpotese de traba-
Iho para a pesquisa a fazer. Ate chegar a deflnlgao tern
de se refletlr muito, de estudar multo. Dlzlam os esco-
lasticos que a deflnigao deve conter "o g§nero proximo e
a diferenga liltlma". De modo que a realldade que se
procura deflnir — e definir d tragar os llmltes do con-
celto em relagao aos outros conceltos aflns — tern de ser
classlflcada num genero e depots dlferenclada com sufi-
clente nitldez de todas as outras realldades que no mes-
mo ginero possam confundir-se com ela.
Nas Idelas modemas tambem surgiu a corrente an-
tideflnlgao. Deflnir, para quS? — Para que? Para os mes-
mos fins com que se Identlflcam os sentldos dos vocd-
108 DlREITO ABMINISTRATIVO

bulos num diciondrio. Uma ciencia e um vccabulario bem.


feito. A medida que se vai conhecendo melhor 11111 setor
da realidade cognoscivel, vao-se encontrando elementos
e cambiantes do que inicialmente, numa visao macros-
copica, parecia um so bloco monocolor. E a eada novo
aspecto da realidade que se descobre importa p6r um
nome para o individualizar. como no mundo da bo-
tanica ou da zoologia: cada nova especie encontrada
preeisa de receber a sua denominagao propria.
Agora, em vez de comegar por apresentar a definigao
do ato administrativo, vou partlr de uma anallse daquiio
que na doutrina e na pratica dos varies palses se cbama
ato administrativo, para, como remate dessa an^ise,
tentar entao concluir pela definijao.

46. O primeiro ponto a observar na terminologia do


Direito Administrativo e que nem todos os atos da Admi-
nistragao sao chamados atos administrativos.
O ato administrativo e um ato juridieo — 0 qrie
exclui desde logo tudo 0 que a doutrina designa por ope-
ragoes materiais. Mas ato administrativo nao 6 sinonimo
de ato juridieo.'& uma especie dentro do genero dos atos
juridicos. Uma especie que se individualiza por certas
caracteristicas. E convSm sublinhar que o ato adminis
trativo nao pode consentir todas as classes ou espeeies
do ato juridieo — porque ele proprio e apenas uma des-
sas espeeies. Vejamos os caracteres.
Ja sabemos que a Admiiiistraeao pode praticar, e
efetivamente pratica, muitos atos nao regulados pelo Di
reito Administrativo e que se subordinam ao Direito que
e comum a generalidade das pessoas, exercendo direitos
e obrigagoes civis e desenvolvendo 0 que chamaremos
gestdo privada. Esses atos nao perteneem a categoria
dos atos administrativos.
Ato adminietrativo 109

Igualmente nao sao assim denominados os atos que


dimanam de orgaos da Administracao contendo normas
de carater generico e para execucao permanente, a que
ae da o nome de regulamentos.
Ha orgaos de Administracao em alguns paises que
julgam, com independencia e precedendo audlencia con-
traditoria das partes, litigios que Ihe sac submetidos por
lequerimento dos interessados, produzindo sentengas e
nao atos administrativos.
Tambem a AdministraQao celebra acordos entre en-
tidades que entram no seu imbito ou com particulares,
acordos esses sujeitos a regime de Direito Administra-
tivo e a que se da o nome de contratos administrativos.
Os atos bilaterais sao, pois, uma categoria distinta do
ato administrativo e nao uma esp6cie deste.
De maneira que, dentro da orientacao que tragamos
•de procurer distinguir as realidades diversas de modo
que a cada designagao ou expressao verbal corresponda
um conteddo proprio, um "tlpo", temos desde ja de supor
que o ato administrativo e qualquer coisa que difere dos
atos que nao sao praticados por orgaos da Adminlstra-
gao ou que, sendo-o, nao sejam atos juridicos; ou que
resultam do exercicio de direitos e obrigacoes comuns a
generalidade das pessoas; nao sao regulamentos; nem
sentengas; nem contratos administrativos.
Sendo uma especie de atos juridicos, bao de center
manifestagao de vontade. Tem de provir da Adminlstra-
gao Publica. Devem ter carater unilateral. Hao de ser
praticados no exercicio de um poder publico. Devem pro-
duzir efeitos juridicos num caso concrete. S, com eles,
a Administragao ha de realizar a sua fungao de pros-
seguir interesses postos por lei a seu cargo.
Deste modo, a categoria do ato administrativo e mna
especie do ato juridico mas nao engloba todos os atos
juridicos da Administragao.
110 DIREITO ADMINISTRATIVO

Vamos examinar os varies elementos que consegul-


mos ji. isolar para compor a sua nojao.
Mas antes importa fazer uma observagao. Qimndo
falo em elementos quero referir-me as nogoes que en-
tram na composigao da definigao que procuramos. O
"genero proximo" e a "diferenga ultima" sao elementos
de qualquer definigao. So que nem sempre ha a con-
siderar lun unico gehero e uma unica especie: muitas
vezes sao ja tantas as divisSes e subdivisoes dentro do
gdnero que se toma forgoso incluir na definigM tudo
quanto seja indispensivel para se diferengar a reaUdade
definida de outras com as quais possa confundir-se.
Os elementos aqui nao sao, pois, colsas que se mis-
turam para obter um composto, sao ideias, conceitos
resultantes de xuna abstragao das realidades e da clas-
sificagao destas.

47. Sendo mna esp6cie do genero ato juridico, o ato


administrativo tern de ser manlfestagao de vontade. Eu
prefiro todavia dizer "conduta voluntaria".
Vamos por parfces. Porque o problema da vontade
no ato administrativo e complicado justamente por se
tratar da conduta de um 6rgao de Administragao. Entao
sera melhor vermos primeiro o que deve entender-se por
"conduta de um 6rgao da Administragao", deixando para
depois a questao da voluntariedade dessa conduta.
A Administragao Pdblica, tomada a expressao no
sentido organlco, 6 um conjunto de entidades piiblicas
territoriais e de outras entidades formadas por lei para
exercer atribuigoes das entidades territoriais ou que des
tas recebam concessao ou delegagao para esse exercicio,
e que prossegue interesses coletivos ligados k Seguranca
e ao Bem-Estar.
Tais entidades atuam na vida juridica, travam rela-
goes reguladas pelo Direito entre si e com outras enti-
ATO ADMINISTRATrVO 111

dades, isto 6, sao sujeitos de relacoes juridicas. Ora, na


tecnica juridica que praticamos, essas relacoes estabe-
lecem-se entre pessoas, sejam singulares ou juridicas.
E as pessoas juridicas que constltuem a Administragao
tem de agir atraves do seus orgaos.
Falaremos em orgaos da Administragao daqui por
dlante para simplificar o conhecimento dos fenomenos
juridicos. Ja sabemos que quem atua na Ordem Juri
dica, quern entra em relagao juridica, sao as pessoas.
Mas na Administracao trata-se sempre de pessoas juri
dicas, as quais so se manrfestam atraves dos seus drgaos.
Dizer orgao, portanto, implica sempre a referfincia a
uma pessoa juridica de que ele e elemento.
O orgao da pessoa juridica e que age ou se abstem
de agir nas relagoes sociais, tendo em vista o cumpri-
mento de normas a que esta sujeito ou os fins que deve
atingir. Portanto, aparentemente e o orgao que se con-
duz: acao ou omissao sao conduta do orgao.
A importancia de referir ao orgao, e nao a pessoa
coletiva como seria mais rigoroso, a conduta em que
materialmente consiste o ato, isto e, uma agao ou uma
omissao, esta era que, como ja sublinhamos, sao pessoas
fisicas, sao individuos, que servera de titulares dos 6r-
gaos. Mas para que o procedlmento de alguem possa ser
considerado conduta do orgao de que esse alguem e ti
tular e como tal imputavel a pessoa juridica, e Indis-
pensavel que se verifiquem certos requisites. Destes
requisites, uns dizem respeito a determinagao da quali-
dade de titular do orgao, a qual se faz apurando se o
individuo esta regularmente investido na fungao. Outros
referera-se ao esercicio da fungao do orgao, que pode
estar sujeito a formalidades legals, corao as da reuniao
dos orgaos colegiados e ao modo de deliberar; outros, en-
fim, a forma do ato.
112 DlREITO ADMEHSTRATTVO

48. A conduta do orgao da Administraffao deve ser


voluntdria. E tocamos aqui no ponto mais delicado da
tecria do ato iuridico, em geral, e do ato administrativo,
em especial.
Em Direito o conceito de vontade tem de ser cuida-
dosamente elaborado para se ajustar as realidades da
idda.
Sabe-se que a vontade e uma faculdade da aiina.
Immana: so os individuos t§m vontade, e o que podemos
chamar vontade psicologica ou vontade psiquica.
As coletividades, os grupos, as multidoes nao tem
vooitade. Podemos falar, usando imagens literaiias, em
•"alma nacional" ou em "vontade popular" mas, de fato,
nao existem senao as vontades individuais, embora se
produzam fenomenos de interagao nos grupos, que ori-
ginam movimentos uniformes das massas ou correntes
dominantes de opiniao. O fato de a maioria dos indivi
duos num grupo se deixar empolgar per algumas von
tades mais fortes ou de os componentes de uma mul-
titao perderem momentaneamente o controle dos seus
atos, arrastados em arrebatamentos coletivos, nao signl-
fica que por cima das vontades individuais se haja for-
mado uma especie de aura ou espirito do grupo donde
■emane a vontade coletiva.
Todavia, sempre que exlste um grupo social organiza-
do — Estado, municipio, simples associagao.. . — ha fins
socials a atingir pelo grupo que se distinguem dos fins
de cada individuo, embora a este se refiram. O fim indi
vidual leva, por principio, as atitudes egoistas, ao passo
que OS fins sociais exigem a colaboragao, espontdnea
■ou imposta, daqueles a quern a realizacao deles possa
aproveitar, e o sacrificio ao bem comum das conveni-
encias particulares incompativeis com a sua realizagao.
O individuo, ao prosseguir os seus fins proprios, de-
senvolve uma ativldade norteada exclusivamente pelos
ATO ADMrmSTRATIVO 113

seus interesses, de modo que, ao praticar qualquer ato


nessa ordem de fins, se interroga acerca de qual a de-
cis^ que as suas conveniencias aconselham.
Mas num grupo social organizado as coisas nao
podem passar-se assim. O grupo e composto per homens,
so mediants a agao dos individuos pode alcangar os seus
fins e ja vimos que aqueles que no seio do grupo sac
designados para, em vez dele ou em nome dele, prati-
carem os atos necessaries k realizagao dos fins coletivos,
o fazem como titulares de orgdos. Ora o individuo que
funciona num orgao, estando encarregado de exprimir
a vontade imputavel a entidade de que esse orgao faz
parte para realizar certos interesses coletivos, quando o
faz nao deve perguntar a si proprio: que e que me con-
vem neste caso? — mas sim: que e que devo querer para
que sejam respeitados e realizados os interesses desta
coletividade?
Pode suceder, as vezes, que o dever desse individuo
seja, entao, exprimir como titular do drgao uma vontade
oposta as suas conveniSncias como individuo — como
sucede sempre que um contribuinte vota aumentos de
contribuigoes... Mas sob pena de trair a fungao em que
esta investido e a vontade conducente a realizagao dos
fins socials que Ihe cabe manifestar e nao aquela que
OS seus interesses egoistas ditariam.
Ora aqui esti como, em Direito, se deve distinguir a
vontade individual da vontade funcional: ambas sao ex
presses por individuos, mas a primeira traduz a acao
do particular a tratar dos seus interesses, enquanto a
segunda e manifestada pelo individuo que, como titular
de um orgao, cumpre o dever de curar de interesses
alheios.
Nao e dificil de fazer a aproximagao destes concei-
tos com OS de direito subjetivo e poder funcional.

244-3
114 DlREITO ADMnnSTKATIVO

A vontade funcional expressa para realizar fins ou


interesses de uma coletividade e que origina o que po-
deremos chamar vontade coletiva.

49. Hd uma outra expressao, nesta teoria juridiea da


vontade, que aparece ainda: a vontade narmativa.
Que e a vontade normativa?
Foi Kelsen quem, dentro da logica da sua doutrina
normativista donde eram expulsos todos os fenomenos
do mundo do ser, excluiu a vontade psicologlca da teoria
juridica e a substituiu pela vontade normativa pels os
fatos juridicos tinham de ser todos vistos e compreen-
didos em termos de dever-ser, isto e da norma.
Portanto, nao interessaria de todo, para explicai- ou
construir um conceito, um Instituto ou uma relagao ju-
ridica, fazer apelo psicologia quando estlvesse em cau
sa a manifestagao de vontade. Porque vontade e aqullo
que as normas juridicas mandam considerar como tal,
mesmo que nao haja qualquer coincidencia entre o que
dai resulta e um fenomeno volitivo.
Nao sou normativista e, por isso, nao aceito a dou
trina no seu radicalismo. Mas reconhego que na teoria
da personalidade coletiva e do funeionamento dos drgaos
das pessoas coletivas a explicagao normativa e valida.
Na verdade, quando se diz que houve conduta vo-
luntdria de um orgao colegiado porque se manifestou
a vontade deste mediante uma votagao donde resultou
o apuramento da maioria dos votos, esta claro que esta
vontade funcional nao tern nada de psicologico. em
virtude de uma convengao, estabelecida pela norma legal
ou estatutaria, que se aceita considerar a maioria dos
votos aprovadora de uma proposta como expressao de
vontade do 6rgao, como e para respeitar o comando
contido numa norma que se faz a imputagao a pessoa
AXO ADMINISTRATIVO 115

coletiva da vontade expressa pelo seu 6rgao. Estamos


perante uma vontade, nao psicologica, mas normativa.
O mesmo se da com a presungao ^uris et de jure que
a lei manda ver no fato do silencio do orgao da Admi-
nistragao que tenha o dever de se pronunciar, dentro de
certo prazo, sobre questao que Ihe seja submetida. A
norma atribui ao silencio ou abstengao do orgao, nesses
casos, o valor de uma declaracao positiva — aprovagao,
deferimento — ou negativa — reprovacao, indeferimento
— de vontade. A conduta passiva do orgao, a sua absten
gao, tern carater voluntdrio porque a lei manda atribuir
0 valor de vontade a certo comportamento.
Repare-se, porem, que no chamado ato tdcito nao
Ilk, como alguns entendem, a confusao do elemento ma
terial — conduta — com o elemento legal — vontade
normativa. Porque nao basta que o 6rgao silencie para
logo se presumir a vontade: e preciso que tenha o dever
de se pronunciar e que a lei fixe o prazo do curaprimento
dessa obrlgagao. So este conjunto de elementos, e nao a
simples passividade, e por lei considerado manifestacao
voluntdria.
Alias nos casos de vontade normativa existe sempre,
no fundo, um elemento psicologico a que se deve atender.
Efetivamente, o ingrediente, digamos assim, com
que a lei manipula a vontade normativa e constituido
porvontades individuais ou, se preferirem, por condutas
humanas. A lei pode nao querer saber se na conduta dos
titulares dos orgaos houve ou nao intengdo de produzir
como resultado tais ou tais efeitos juridicos. Mas o ti
tular do orgao ha de estar consciente daquilo que faz
e livre de proceder por uma ou outra forma. Se o orgao
que tinha o dever de se pronunciar em certo prazo nao
decidiu por o seu titular ter sido seqiiestrado, podera
dizer-se que existe ato tacito? £i manifesto que nao.
116 DIREITO ADMINISTRATIVO

Se numa reuniao de orgao colegiado os membros


deste votam sob coagao, havera maioria valida?
O problema so teria, a meu ver, dificuldades nos
atos que eu chamo intencionais determinados. Sao aqae-
les atos em que devendo o agente querer, nao apenas
a conduta, mas tambem o resultado juridico, este
consiste em efeitos previamente fixados per preceitos
imperatives da lei.
Exemplo de um ato intencional determinado: a con-
cessao de uma llcenga que a lei mande dar a qualquer
eidadao que demonstre possuir determinados requisites.
N^se case, o orgao competente para dar a licenca limi-
ta-se a verificar se o requerente possui ou nao os requi
sites legais: e se os possuir concede a licenga cujo con-
teiido esta fixado na lei.
Suponhamos que o titular do orgao que despacha a
concessao da licenga esta nesse momento atacado de
alienagao mental. Mas o ato esta correto, os requisites
legais existiam, a forma da decisao foi respeitada. Tera
nesse caso alguma importancia o estado de espirito do
individuo que serviu de instrumento a realizagao pura
e simples do comando legal?

50. Quando se diz "conduta voluntaria de um orgao de


Administragao" logo se inculca estarmos perante um ato
unilateral.
Vlmos, porem, que essa conduta tanto podia ser re-
sultante do exercicio pelo orgao de Administragao de um
direito privado como de um poder publico.
Ja sabemos que quando a Administracao atua nos
mesmos termos que o comum dos individuos, exercendo
OS mesmos direitos que a estes sao facultados pai-a rea-
lizacao dos seus interesses privados, segundo as leis que
se aplicam indistintamente a todos os cidadaos, ela nao
pratica atos administrativos.
Ato administrativo 117

Trata-se entao de negocios juridicos eivis — compra


e venda, arrendamento, aluguel, troea... — que as pes-
soas coletivas de direito publico correntemente celebram
sobretudo para gestao do seu dominie privado.
Os poderes no desempenho dos quais os orgaos da
Adminlstragao cometem atos administrativos sao, pois,
aqueles que se relacionam com as suas fungoes de auto-
ridade e a que chamaremos, por isso, poderes publicos.
Basta-nos agora ficar por aqui. Mais adiante, ao
tratar dos requisites da vaiidade dos atos administrati
vos, versaremos mais detidamente o estudo dos poderes
que integram a competgncia dos orgaos.
Ja estamos, creio eu, na posse do genero proximo
para construir a nossa definigao. O genero a que per-
tence o ato administrativo e o ato juridico unilateral de
Direito Pdblico praticado por um orgao da Adminis-
tragao.
Mas a este genero perteneem os regulamentos. E
tambem nele caberiam os atos jurisdicionais dos orgaos
da Administragao. Vamos entao indagar quais as dife-
rengas que, dentro do ggnero, caraterizam estas diferen-
tes especies: reguiamento, ato jurisdicional, ato admi
nistrativo.

51. Comecemos pela diferenga entre reguiamento e ato


administrativo.
O reguiamento, embcra seja um ato juridico unila
teral de Direito Publico dimanado de um orgao da Admi
nistragao, contem normas gerais, ou seja, preceitos de
carater generico e de aplicagao permanente.
A norma formula-se abstratamente, compondo-se de
duas partes: na primeira preve-se a hipotese, descre-
vendo um tipo de situagao que serve de pressuposto a
conduta prescrita na segunda parte para todos quan-
118 DUffilTO ADMINISXRATIVO

tos venham de futuro a encontrar-se na situagao que se


previu.
A generalidade da norma esta, pois, na sua afostra-
cao, isto e, em ser formulada de modo tal que se nao
saiba quantas pessoas, nem quais, virao a ser abrangi-
das pelo seu comando. Pode a norma abranger apenas
uma categoria restrita ou ate so o titular de um orgao
singular, isto e, um unico individuo de cada vez, como
sucede, per exemplo, com o Presidente da Republica:
desde que a norma seja decretada para vigorar suces-
sivamente, por tempo indefinido, ou por periodo que se
torne aplicavel a todos quantos, durante a sua viggncia,
possam achar-se nas circunstanclas previstas para cai-
rem sob a sua algada, a generalidade existe.
O ato administrative, pelo contrario, produz efeitos
juridieos num caso concreto.
No caso concreto consideram-se fatos ou circuns-
taucias reiativamentC' &.s quais se decide, pela aplicagao
da lei aplicavel, a conduta da Administragao ou de pes
soas determinadas.
Pode 0 ato resolver a situagao de vtoas pessoas si-
multaneamente: mas a resolucao respeita a entidades
individualizadas, as quais se aplicam normas preexlsten-
tes. A jungao de varios casos no mesmo ato e simples
expediente de economia processual que nao aitera o ca-
rater individual da declsao.
O probiema da permangncia ou instantaneidade de
esecugao do ato perde aqui a importancia que tern na
defini^ao da norma.
Realmente, se a decisao abrange so certa pessoa,
considerada em determinadas circunstancias, ela e sem-
pre ato e nao norma, mesmo que a execugao seja perma-
nente ou continuada, como pode suceder com uma li-
cenga policial ou uma autorizagao.
Ato administrativo 119

Suponhamos, porem, que hd uma decisao que se


aplica a uma categoria determinada de indmduos: os
antigos combatentes da guerra tal, por exemplo. Se todos
OS membros da categoria sac simultaneamente e por uma
so vez abrangidos pela decisao, temos um ato, nao uma
norma. Mas se apenas se preveem vantagens ou regalias
aos antigos combatentes quando venham a encontrar-se
em certas circunstdncias, temos norma e nao ato, visto
que existe a indeterminagao do momento em que os
membros da categoria poderao vir a aproveitar o privi-
legio ou a regalia, e ate das pessoas que dele virao a
beneficiar.
Portanto, quando a decisao abrange uma categoria
cujos membros sao individualizdveis, se a execugao e
instantanea produz-se um ato administrativo, mas se a
execugao e permanente para ser aplicada aos casos con
cretes que forem correndo, esta-se perante uma norma.
O ato administrativo, para se distinguir das normas
regulamentares tem, pois, de ser definido por visar a
■produQoo de efeitos jurtdicos num. caso concreto.

52. Acontece, porem, que em muitos paises hd orgaos


da Adminlstragao que resolvem, com independencia, ca
sos concretos mediante julgamento, isto 6, aplicando a
lei a um caso concreto por solicitaqao dos interessados
e precedendo audidncia contraditoria.
O ato que decide essa pendSncia de interesses e um
ato juridico unilateral de Direito Piiblico, 6 praticado
por um orgao da Administragao, visa a produzir efeitos
juridicos num caso concreto, mas exerce a jurisdicao
contenciosa, e podemos chamar-lhe para simplificar, ato
jurisdicional apenas.
Repare-se bem que falo em ato jurisdicional e nao
em ato judicial. Este corresponde a uma nocao organica,
e todo o ato praticado por tribunals ou pelos seus juizes
120 DntEITO ADMDnSTRATIVO

no exerclcio da respectiva jurisdicao. Ac passo que o


ato jurisdlcional se caracteriza per certos aspectos for-
mais, sem que importe saber quern o pratica. E esses
aspectos sao: o fato de quem decide ter de ser solicitado
per petigao de interessado, a existencia de conflito de
interesses a resolver, a instruQao do pedido com audien-
cia de outros interessados, a decisao por aplicacao da
lei aos fatos provados — sem submissao a ordens ou
instrugoes superiores.
Qual e a diferenga entao entre o ato administra-
tivo e este ato jurisdicional praticado por um orgao de
Administragao?
E que 0 ato administrativo e a decisao do orgao que
reallza interesses, 6 uma decisao da Administragao como
titular de certos interesses na qualidade de interessada
ou -paTte.
Ao passo que o ato jurisdicional resolve conflitos de
interesses, mesmo quando estejam em causa interesses
publicos e interesses particulares.
Quando prossegue interesses, a Administragao deve
procurar todos os caminhos legais e licitos para dar con-
ta da sua missao usando de iniciativa.
Ao julgar conflitos, o orgao administrativo deve co-
locar-se acima dos interesses para averiguar se as pre-
tensoes em colisao estao, ou nao, conformes com a lei,
no propdsito de resolver imparcialmente.
Na definicao do ato administrativo importa, pois,
incluir o elemento diferencial do ato jurisdicional, acen-
tuando que a Administragao Publica, quando o pratica,
estd a levar por diante a realizagao de interesses que a
lei poe a seu cargo para que deles trate como coisa sua.
Como dizer isto? Costumo, para significar este mode
de atuar, empregar o verbo prosseguir, por nao conhe-
cer outro que exprima tao bem o que quero dizer. Verbo
que nao deve confundir-se com perseguir: porque, como
Ato administeativo 121

era qualquer dicionirio pode ser verificado, perseguir e


ir no encalqo de algu6m, seguir de perto, ao passe que
prosseguir e dar seguimento, assegurar continuidade.
E afirmarla, pois, que o orgao da Administragao,
quando pratica um ato administrative tern em vista a
prosseguir e dar seguimento, assegurar continuidade.

53. Creio ter justificado a definicao de ato adminis-


trativo come conduta voluntdria de um orgdo da Admi
nistragao que, no exercicio de um poder publico e para
prossecugao de interesses postos par lei a seu cargo, pro-
duza efeitos jurtdicos num caso concreto.

§ 2.0

CLASSIFICAgAO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

54. Classificagdo e tipologia. Diferenga.

55. Importdncia da classificagdo dos atos administra-


tivos. Inconvenientes do seu abuso. Criterio a adotar
numa teoria geral.
56. I.® classificagdo: Atos definitivos e nao-definitivos.
57. 2.® classificagdo: Atos executorios e nao-executorios.

58. O ato definitivo e executorio como manifestagao da


autoridade administrativa.

59. 3.® classificagdo: Atos constitutivos e ndo-constitu-


tivos.

54. Apurada a definigao do ato administrative, ocupam-


-se, em geral, os autores de proceder a ciassificagao dos
atos. A este respeito farei algumas consideragoes.
Em primeiro lugar convem distinguir entre classifi
cagdo e tipologia.
122 DIREITO ADMIKISTRATIVO

A classificacao consiste em arrumar realidades ou


conceitos dentro de uma categoria em obediencia a um
eriterio determinado.
A tipologia consiste em individualizar modelos ou
padroes pelas suas caracteristicas normals.
Quando digo que, segundo o eriterio da natureza
dos efeitos produzidos pelos atos administrativos na es-
fera jurldica dos respectivos destinatarios, os atos podem
ser constitutivos ou nao-constitutivos,formulo urn a. clas-
sijicagao, isto e, atendo a certo eriterio e depots verifieo
as classes de atos consoante os efeitos que podem pro-
■duzir.
Mas se afirmo que a licenja e um ato administra-
tivo que tem por objeto permitir a determinada pessoa
a pratlca de uma agao ou o exerclcio de uma atividade
relativamente proibidos, estou a definir um tipo de atos.
E feito isto, vejamos o papel das classificacoes e da
tipologia numa teoria geral.

55. Sempre nos meus estudos de Direito Administra


tive evitei fazer classificacoes por mero gosto intelectual
de analisar e distinguir.
Nao nego o interesse desse exerclcio. Mas a discri-
minagao dos atos por classes ou a formulacao dos tipos,
em meu entender, tem valor sobretudo para a elabo-
xacao do vocabulario cientifico do Direito. E no ensino
de uma disciplina cientlfica nao devemos utilizar senao
as dlstingoes vocabulares Indispensaveis para designar
as realidades ou exprimir os conceitos com que temos
de lidar.
Por isso, procurei na legislacao portuguesa as pala-
vras que correspondiam a classes ou tipos de atos. Quan
do a jurispruddncia dos tribunals revelava a necessidade
de alguma nova classificagao ou definia algum novo tipo,
acatava-a, Mas julguei inconveniente desdobrar, logo de
Ato administrativo 123

entrada, perante os olhos atonitos dos estudantes, um


quadro infindavel de classes e tipos de atos. Tlnha alias
sempre presents a recordagao do meu velho professor de
Direito Penal que fazia os alunos decorar oitenta e nove
teorias acerca do fundamento e flm do direito de piinlr.
No final deste esforgo ficavamos sem saber ao certo por
que e qne se castiga e para quS.
Pols com todo este cuidado, com todo este escrdpxilo,
fiz agora a conta das classes e tipos de atos a qne, no
final de quarenta anos de edigoes sucessivas do men
Manual de Direito Administrativo, en tinha chegado. E
verifiquei que la se encontram 23 classes de atos e 14
tipos!
Em face disto podemos adotar duas atitudes: desis-
tir de nesta altura da teoria geral do ato administrativo
apresentar nm rol de classificacoes dos atos, deisando
para cada problema a consideragao das categories que
seja preciso descriminar para mais facil resolugao dele,
on procurar encontrar as classificagoes fundamentals
que, independentemente do Direito positivo de qualquer
pais, se tomem indispensaveis ao conveniente desenvol-
vimento da teoria.
Ponderadas as vantagens e os inconvenientes de
cada uma dessas atitudes, acabei optando pela segunda.
E a razao principal e a seguinte: se ha classificacoes
cnja necessidade surge unicamente quando se versa de-
terminado problema, existem outras que fazem nascer
uma temiinologia corrente, originando termos que a
cada passo temos de empregar — e portanto de entender.
E o caso da classificagao dos atos em definltivos e
nao-definitivos, daqueia que se faz entre atos ezecuto-
rios e nao-executorios, ou da que se estabelece entre atos
constitutivos e nao-constitutivos.
El destas que vamos agora ocupar-nos.
124 DiREnO ADMINISTRAirvO

56. A primeira classificagao resulta do criterio que


atende ao valor do ato como decisao definidora de situa-
goes juridieas.
Todos OS atos administrativos, para o serem, tern de
produzir efeitos juridicos. Mas esses efeitos nem sempre
sao OS de definirem os direitos e as obrigagoes reciprocos
da Administragao e de outra parte.
Pus em evidencia anteriormente que essa e uma das
faculdades derivadas da autoridade de que estao reves-
tidos OS orgaos da Administragao: definirem, como se
fossem juizes, o que constitui direito num caso concrete.
Supomos aqui a hipotese de estarem em confronta-
gao duas pessoas: uma, pessoa juridica integrada na
Administragao, e outra, um particular.
O particular pode ter-se dirigido a Administragao
para conseguir remover um obstaculo ao exereicio de nm
seu direito, para ser autorizado a desenvolver uma ati-
vidade, para defender ou reivindicar direitos que a Admi
nistragao desconhece ou ofende, para obter uma pres-
tagao dela... enfim por muitos motivos. E assim se
estabelece uma relagao, originando por vezes um proces-
so em que os orgaos administrativos praticam atos di-
versos.

At6 que chega o momento em que o orgao compe-


tente diz a ultima palavra: dando ou negando razao ao
particular, impondo-lhe ou vedando-lhe certa conduta,
de tal modo que dai por diante fica esclarecida a situa-
cao das duas partes k face da lei. Fiea-se a saber, se-
gundo a autoridade da Administragao, quem tern o poder
de exigir, e quem tern o dever de cumprir ou de prestar,
quem possui a faculdade de agir e a quem respeita o
dever de acatar.
fi isto que chamo a definigao de situagoes juridicos
da pessoa cujo orgao se pronunciou ou de outra que com
ela estd, ou pretende estar, em relagao administrativa.
Ato aominisisativo 125

Mas isto nao basta para que se qualifique de defi


nitive um ato. Eu falei era "ultima palavra". Ora a estru-
tura da AdrainistraQao ativa e, por via de regra, hier^-
quica. Quer isto dizer que um orgao (e ja sabemos que,
por via da delegagao de funcoes, existem. agentes que
atuara como orgaos) pode estar subordinado a outro.
Ha hierarquia de orgaos sempre que se encontre entre
dois orgaos a correlagao "poder de direqao-dever de obe-
diencia". Se um pode dar ordens a que outro legalmente
tern de obedecer, o primeiro e hierarquicamente superior
do outro, E bastam dois termos ou dois escaloes para
formar uma hierarquia. Embora, sobretudo quando se
trate de agentes, seja freqiiente o desdobramento por
maior miraero de graus,
Se um 6rgao praticou um ato que definiu situagSes
Juridicas mas desse ato cabe recurso hierarquico cotti
ejeitos devolutivo e suspensivo, o ato, enquanto decorrer
o prazo para a interposigao do recurso ou depois deste
interposto e ate a respectiva decisao, nao e definitivo e
nao pode produzir efeitos juridicos.
A ultima palavra cabe ao orgao superior competente
para conhecer em ultima instancia do recurso hierdr-
quico. S6 depois de esgotados os recursos hierarquicos
ou quando, passado o prazo de interposicao, ja nao caiba
este tipo de recurso (§ o que nalguns paises se chama
a regra da exaustdo dos meios administrativos) 6 que
a decisao pode ser considerada final e, portanto, defi-
nitiva.
Assim, uma decisao e definitiva porque dejine, e
porque e a ultima palavra da Administragdo.
Quando a agao judicial so e aberta aqueles que pos-
sam alegar efetiva ofensa, violagao ou lesao de um di-
reito individual ou de um interesse legitirao, exige-se
que 0 ato, para ser recorrivel, seja definitivo isto e, que
seja suscetivel de causar a ofensa, a violacao ou a lesao.
126 DlBEITO ADMINISXRATITO

Mas OS atos nao-definitivos, se nao ofendem, podem.


constituir ja ineludiveis ameagas. Por isso nos paises
em que 6 legitimo recorrer aos tribunais para prevenir
uma ofensa em face de uma ameaga bastard um ato
nao-definitivo para basear o recurso.
A regra da exaustao vale para a discussao das ofen-
sas consumadas: nao, como e evidente, para tolher as
ameagas.

57. A outra classificagao que se me afigura capital e


a que distingue os atos administrativos em executorios
e nao-executorios.
Ja chamei a atengao para este ponto, mas nao acho
demais insistir: os "efeitos de direito" que sao essen-
ciais na concepgao do ato administrativo nao consistem
necessariamente em estabelecer com forca obrigatoria e
coerciva certas situagoes juridicas.
Exatamente como no processo civil se produzem
numerosissimos atos preparatorios, interloeutorios, or-
dinatorios, que apenas tem por fim tomar possivel a
sentenga final, e esta nem sempre possui forga executiva,
carecendo, para a possuir, de passar em julgado •— tam-
fadm no processo administrativo se praticam imensos
atos, que correspondem ao modelo do ato administra
tivo; cabem na definigao que dele demos, mas nao atin-
gem a perfeigao que so se encontra nos que o encerram
sem que caiba mais recurso e com potencialidade exe
cutiva.
Expliquei atrds que a circunstancia de nem todos os
atos produzidos pela Administragao reunirem os atribu-
tos caracteristicos da sua autoridade nao Ihes tira a na-
tureza: porque os atos definitives e executorios, embora
em minoria, sao os principals da atividade admlnistra-
tiva, e OS outros, como seus acessorios, tem de seguir a
Ato administeativo 127

natureza dos principais. a velha regra de que "o aces-


s6rio segue o principal".
Por isso exisfcem muitos atos administrativos que
nao sao nem definitives nem executorios. E embora por
principio os atos definitives gozem de executoriedade,lia
mesmo cases em que o ate, sendo definitive, nao e exe-
cutorio.
Mas afinal o que e a executoriedade do ate admi-
nistrativo?
a forga obrigatoria com a produgae imediata de
efeitos incluinde a possibilidade de execugao ceerciva.
Trata-se de uma modalidade da eficacia do ato.
A Administragao, quando a sua atividade e regu-
lada pelo Direito Publico, pode ficar, para tomar decisoes,
independente do Poder Judiciario.
Gozando de autoridade, os orgaos da Administragao
proferem atos que, sem necessidade de homologagae
pelos tribunais judiciais, ebrigam as pessoas a quern se
dirigem.
Estas pessoas, que^ ehamaremos os destinatdrios do
ato,ficam pois adstritas ao acatamento do comando con-
tido nele. Se o acatam e procedem nessa conformidade,
muito bem. Se nao, os 6rgaos administrativos gozam da
faculdade de impor pela forga a execugao do que deci-
diram, coagindo o desobediente a observ^ncia da decisao
tomada.
E na maioria das legislagoes, onde se admite o re-
curso aos tribunais contra o ato administrativo defini
tive e executorio, a impugnagao do ato nao suspende,
ipso jure, a executoriedade dele.
Quer dizer que, em principio, a discussao judi
cial de um ato executorio nao impede que a Adminis
tragao o execute. A isto chamaram alguns autores
privilegio da execugao previa, expressao que tamb&n ja
128 DniEITO ADMINISTRATIVO

tenho usado. Seria de fato privilegio se considerassemos


essa faculdade como excegao a norma a que estao subme-
tidos OS restantes sujeitos de direito, que e a de ningu6m
poder fazer justiga per suas maos, devendo as partes
dirigirem-se ao juiz, para este ditar a sentenga, que ser-
vira depwis de titulo executlvo ao vencedor.
Mas reconhego que tal maneira de dizer reflete a
primitiva concepgao do Direito Administrativo como con-
junto de normas exorbitantes do Direito Privado. Nao
6 a-ssim. O Direito Administrativo tern os seus foros de
cidade como ramo de Direito Publico, onde a autoridade
6 regra, nao excegao. O que exorbita do Direito Privado
est^ no seu lugar dentro da 6rbita do Direito Piiblico.
Por outro lado, dizer execugao previa pode induzir no
erro de se pensar que a discussao judicial so e licita
apos a execugao do ato impugnado. O que nao e ver-
dade.
Ck)mo ja acentuei, a impugnagao judicial, nos
paises que seguiram o sistema frances, nao suspende a
executoriedade do ato, isto e, a Administragao pode, se
quiser, executa-lo. Salvo se, requerida a suspensao ao
juiz, este a conceder.
O mesmo sucede no Direito Brasileiro onde o re-
curso aos Tribunals contra um ato de autoridade nao
suspende a executoriedade dele, sendo necessaria uma
medida liminar do juiz para obter a suspensao. Hd assim
uma faculdade de execugao imediata dos atos adminis-
trativos executorios, que so a suspensao expressa pode
impedir.

58. O ato administrativo que reune os atributos da


autoridade e o ato definitivo e executorio.
Por isso e licito chamar a este ato o ato de autori
dade de Administragao. Sstamos perante o ato culmi-
nante da atividade da Administragao Piiblica em que se
Ato adminisxrativo 129

manifestam os seus atributos espeeificos, como a sen-


tenga transitada em julgado constitui o ato cxilminante
da atividade judicial.
Insisto que falo em termos de teoria geral. Porque
a expressao ato de autoridade esta comprometida nal-
guns dlreitos positives, como per exemplo o brasUeiro,
onde desempenha papel importante na tecnica do man-
dado de seguranga. Nesta tecnica, ato de autoridade
corresponde mais ao que nos dirlamos ato de um orgao
com goderes de autoridade. Enquanto na nossa nogao
o definimos pelos atributos, na legislagao brasileira ele
e deflnido pelo sujeito. E ambas as nogoes sac legitimas.
O ato definitivo e executorio, para mim,e a conduta
voluntaria de um orgao da Administragao no exercicio
de um poder publico que, para prossecugao de interesses
a seu cargo, defina, como decisao final com forga obriga-
toria e coerciva, situagoes juridicas num case concrete,
sem mais possibilidade de reconsideragao ou recurso
hierarquico.

59. E ainda importante, porem, distinguir os atos defi


nitives consoante a definigao de situagoes juridicas neles
contidas implique, ou nao, alteragao na esfera juridica
de outrem.
Efetivamente ha atos que, ao definirem as situagoes,
criam ou modificam um poder juridico ou extinguem
restrigoes ao exercicio de um poder existente — e entao
teremos os atos constitutivos de direitos —, ou que im-
poem a obrigagao de prestagao de coisas ou de servigos
ou de cessagao de atividades — e serao atos constitutivos
de deveres ou encargos.
No outro termo da classificagao figuram os atos ndo-
-constitutivos, que nao alteram a esfera juridica dos
administrados, por serem atos que so interessam a Admi
nistragao — os atos internes —, por serem meramente
244-9
130 DIREITO ADMINISTRATIVO

permissivos do exercicio de urn poder, ou declaratorios


da existlneia de direitos ou de situacoes de fato.
Na doutrina encontram-se muito as expressoes atos
inovadores para designar o qua ciiamamos atos consti-
tutivos e atos declaratorios ou atos declaratives para
significar os nao-constltutlvos. Preferimos a nossa ter-
minologia que se nos aflgura mais expressiva para tra-
duzir a dicotomia da classificacao, sem falar em que
alem das atos meramente declaratorios, isto e, que se
llmitam a reeonliecer a preexistencia de direitos, encar-
gos ou fatos com relevancia juridica, ha outros, corao
OS atos permissivos, e os atos nao-definitlvos, em geral,
que entram na classe dos atos nao-constitutivos.
A importancia da classificagao e muito grande em
toda a teoria geral do ato administrativo, particular-
mente nos capitulos referentes a eficacia e a revogagao
dos atos, como teremos ensejo de verificar.

§ 3.0

VALIDADE E EFICACIA DOS ATOS

ADMINISTEATIVOS

SO. Existencia, validade e eficacia: nocdes.


61. Requisites de validade do ato administrativo.
62. i.0 Requisite: Competencia do orgao. Distingdo entre
atribuigoes e competencia.
63. Delimitagdo da competencia.

64. Delegaqdo de competencia.


65. Conteudo da competencia: Poderes funcionais. Po-
deres vinculados e poderes discricionarios.
Ato admujistkativo 131

66. 2.0 Reguisito: Regvlar jormaqao e expressdo da von-


tade. Conceito de formalidades.

67. Forma do ato.

68. Fundamentagao do ato. Os Tnotivos.


69. 3.0 Reguisito: Certesa e legalidade do objeto.
70. 4.0 Reguisito: Legalidade do fim visado.
71. Interpretacdo do ato administrativo.
72. Eficdcia do ato. Eficdcia subjetiva e local.
73. Reguisitos de eficdcia. Eficdcia temporal.

60. Antes de entrar na an^ise do regime iuridico do


ato definitivo e executorio importa distinguir as nocoes
de existencia, de validade e de eficicia do ato.
Desde que estejam reunidos os elementos essenciais
que incluimos na definlgao do ato, ele existe.

Mas um ato administrative, para revestir valor juri-


dico, ha de ter sido produzido de harmonia com as nor-
mas a que a Administragao esta submetida na sua ati-
vidade. A forga juridica de um ato administrativo vem-
-Ibe da lei que permite a sua pratica e condiciona o seu
conteudo. De modo que nem todos os atos existentes sao
vaiidos. O ato so 6 vdlido quando reiine os requisites
legalmente exigldos para a produgao dos seus efeitos
especlficos, Isto e, quando se conforma com o padrao
tragado pela lei para o tipo a que corresponde, So eiitao
tem valor na Ordem Juridica. Dai a necessidade de se-
parar as condigoes de existencia de um ato, dos respecti-
vos requisites de validade.
A invalidez do ato administrativo e uma sangao legal
imposta a inobservancia das nonnas aplicaveis a res-
132 Dereito admintsthativo

pectiva produgao. Essa sangao apresenta-se sob varies


aspectos, podendo ser mais ou menos grave, sanavel ou
nao.

O ate destina-se a produzir efeitos juridicos num


caso concrete. A aptidao para a produgao desses efeitos
chama-se eficdcia. Esta nao coincide com a validade, pois
ha atos validos que nao podem produzir efeitos por essa
produQao estar dependente da verificagao de uma con-
digao ou de um termo, e atos invalidos que, apesar de
0 serem, podem produzir efeitos por nao ter sido ainda
declarada nos termos legais a sua invalidez. Enquanto
0 ato for eflcaz, diz-se que e vigente, ou que esta em
vigor.
Fala-se tambem em perfeigao do ato: o ato diz-se
perfeito quando redna, alem dos elementos que o tor-
nam existente, os requisites de validade e mais os aces-
sorios que a lei exija para que corresponda ao tipo que
se pretenda reproduzir.

61. Para um ato administrativo ser valido e necessaria


a verificagao de varios requisites.
Em primeiro lugar, a conduta ha de ser proveni-
ente de um orgao da admlnlstracao competente para a
adotar,
Depois e indispensavel que, havendo exigencies le
gais quanto ao processo de formagao e de manifestagao
da vontade, sejam observadas as formalidades e a iorma
prescritas.
O ato visa a produzir efeitos juridicos num caso
concreto: tal e o seu objeto. Ora, para que os efeitos ju
ridicos se produzam validamente e precise que sejam
respeitadas certas normas quanto a individualizaQao do
caso concreto e quanto aos requisites objetivos e subje-
tivos que sao pressupostos por lei.
Ato administrativo 133

Enfim, o ato administrativo tem de ter um fim de


intei-esse piiblico. Este fim reveste a maior importancia
no caso de serem exercldos poderes discricionarios.
Vamos, pois, estudar sucessivamente, como condl-
goes de validade, a competgncia do orgao, as formali-
dades da forma§ao e da manifestagao de vontade bem
como a forma desta, os requisitos do objeto e o fim do
ato.
Aos componentes do ato, de cuja concorrencia de-
pende a respectiva existencia, chamamos elementos. Re
quisitos sao, como acabamos de ver, as exigSncias legais
a que o ato existente tem de satisfazer para ser valido.
Mas,em muitos casos, o requisite depende da verificacao
das circunstancias objetivas ou subjetivas previstas na
lei ou por ela admitidas. A essas sltuagoes de fato ou
de direito, cuja existencia em relagao a alguns dos re
quisitos a lei impoe ou admite como condigao para que
0 ato possa ser validamente praticado, chamamos pres-
supostos.

62. O primeiro requisite de validade de um ato admi


nistrative e que ele haja sido produzido pelo orgao de
uma pessoa juridica integrada na Administracao, exer-
cendo poderes piiblicos conferidos por lei. Esses poderes
hao de fazer parte da convpetencia do orgao e de caber
dentro das atritnuicoes da pessoa juridica.
Expliquemos estas idelas.
Chamamos competincia ao complexo de poderes
funcionais conferido por lei a cada 6rgao de uma pes
soa juridica de direito publico para que possam ser rea-
lizados OS interesses atribuidos a esta.
Como se sabe, as pessoas juridicas ou pessoas cole-
tivas sao instituidas ou reconhecidas em atencao aos
interesses que se propoem realizar na vida juridica. E so
Ihes sao atribuidos direitos na medida em que eles sejam
134 DntEITO ADMINISTRATIVO

necessdrios para atingir os fins ligados a tais interesses.


£ 0 charaado principio da especialidade das pessoas cole-
tivas, que tanto vale para as pessoas coletivas de direlto
privado como para as de direlto publico.
Cada pessoa jurldica tern os sens fins especificos,
tern certa zona de interesses que Ihe sao reconhecidos
como proprios e de que nao pode afastar-se sem se des-
viar da sua vocagao e razao de ser.
Nesses fins ou interesses distinguem-se, nas pessoas
juridicas de direlto publico, duas categorias: o que po-
deriamos chamar interesses pessoais, relatives & sua
estrutura, conservagao e desenvolvimento, e os interesses
transpessoais, que sao Interesses coletivos, publicos, com
maior ou menor generalidade de ambito, que a pessoa
juridica tern de realizar.
Assim, num Munlcipio, os interesses pessoais serao
OS da obtengao dos recursos pecuniarios necessaries ao
funcionamento dos sens organs e servigos, os de recru-
tamento, formagao, diseiplina e remuneragao dos fun-
ciondrios, o da organizacao, instalagao, manutengao e
aprimoramento dos services... Os interesses transpes
soais sao OS de imediato interesse do pdblico, tais como
a educagao, saude e saneamento, abastecimento, ilumi-
nagao, transporte, comunicagoes etc., a proporcionar k
coletividade.
Tais interesses sao, pois, o niicleo dos direitos da
pessoa coletiva. Mas, como esta nao pode atuar senao
mediante os sens orgaos, importa conferir a estes os po-
deres funeionais necessarios para o desempenho das suas
ftmgoes.
Chamamos aos fins-ou interesses legais ou esiatu-
tdrios das pessoas coletivas as suas ati'ibuiQoes. Os po-
deres funeionais dos orgaos formam a respectiva C07n-
petSncia.
Ato administrativo 135

For via de regra cada pessoa coletiva tern mais de


iim orgao e entre os seus varies orgaos faz-se uma di-
vlsao das tarefas sociais.
Cada orgao possui entao a sua fungao. E a distri-
buigao das funcoes peios diversos orgaos de uma pessoa
coletiva tanto pode consistir em confiar a cada qual a
realizagao de alguma ou algumas atribuigoes, como em
repartir, em relagao ao exercicio do mesmo direito, por
dois ou mais orgaos, tarefas complementares, de tal modo
que, para tomar uma resolugao, se exija a concorrencia
das suas manifestagoes de vontade (proposta de um e
-deliberagao de outro, decisao de um e aprovagao de ou-
tro etc.),
Creio que nao sera dificil compreender a tecnica que
proponho. Por exemplo: um municipio tem por fim
ocupar-se de certos assuntos do peculiar interesse da
populagao do territorio municipal, e esses assuntos for-
mam as suas atribuigoes. Para dar conta destas, possui
varies orgaos, um prefeito, uma c^mara municipal...
e cada um deles tem os seus proprios poderes, a sua
competencia. Esta corapoe-se de poderes funcionais, por
so existirem em fungao dos interesses coletivos a rea-
lizar pelo municipio e deverem ser sempre exercidos ten-
do-os em vista. Assim, se os orgaos podem resolver a
construgao de rodovias, ja se sabe que terao de ser ro-
dovias raunicipais, nao Hies sendo possivel entrar no
^bito estadual ou federal. Se podem celebrar contra-
tos, terao de visar a interesses peculiares do Municipio
6 nao outros alheios.
Ao verificar se estao reunidos os requisitos de vali-
dade de um ato administrativo, nem sempre 6 facil dis-
tmguir entre a competencia e alguns outros. Se a lei
da poderes a um orgao para nomear funcion^rios, desde
que OS candidates sejam de maior idade, significara que
o orgao e incompetenfce para nomear menores? Ou se
136 DIREITO ADMINISTRATIVO

tern competlncia para desapropriar terrenos que nao


estejam ajardinados ou arbonizados a fim de construir
arruamentos, dir-se-a que e incompetente para desapro
priar jardins ou parques?
Para resolver esta duvida temos de ter presente a
id6ia de que a competencia e um complexo de poderes
formais atribuidos em termos genericos. Quer dizer que
tem de se abstrair do objeto a que em cada case o exer-
cicio dos poderes visa, pois a legalidade do objeto 6 outro
dos requisites de validade.
A competencia, nos exemplos dados, compreende o
poder de nomear para prover vagas de certos services,
ou de desapropriar terrenos para construir arruamen
tos em certo lugar. As qualidades das pessoas a nomear
ou dos terrenos a desapropriar sao pressupostos legais
do objeto do exercicio desses poderes ou, o que § o mes-
mo, do ato administrativo.

63. Cada orgao so tern os poderes que a lei Ihe confira,


expressa ou implicitamente. A competencia vem sempre
da lei.
A competencia e delimitada em razao da materia,
em razao do grau hierarquico, em razao do lugar e em
razao do tempo.
Como a competencia e funcao das atribuipoes, nao
pode ser exercida fora do ambito delas. For vezes os v&-
rios 6rgaos de uma pessoa juridica especializam-se fun-
cionalmente mediante uma reparticao de atribuigoes.
Assim, as atribuigoes do Estado sao repartidas pelos mi-
nistros, cada um dos quais recebe competencia para tudo
quanto respeite a uma ou algumas, nascendo dai os
diversos departamentos ministeriais. Alem disso, a
existSncia de diversos servigos especializados faz com
que aos dirigentes de cada servigo pertenga apenas a
competencia necessaria para zelar pelos assuntos inclui-
Ato administrativo 137

dos no objeto da respectiva atividade. Tais sac os Umites


da competencia em razdo da materia.
Se numa pessoa coletiva varies orgaos ou agentes
estao incumbidos da mesma materia, formando hierar-
quia, OS poderes distribuem-se entre eles tendo em con-
sideragao a sua posigao relativa na. escala hierarquica,
e atendendo a que, embora a competencia do superior
compreenda normalmente a dos seus subalternos, ha
cases em que a lei confere a estes competencia exclusiva
ou propria, subtraida assim aos seus superioi-es salvo per
via de recurso; por seu lado, o subalterno nao pode in-
vadir nunca a esfera de agao do superior, de modo que
a sua competencia estd limitada em razdo do grau
hierdrquico.
Por comodidade da gestao dos Interesses da pessoa
coletiva ou do desempenho dos seus servigos num ter-
rit6rio muito extenso pode dividir-se este em fragoes ou
circunscrigoes temtoriais, para o eteito de em cada uma
se colocar um orgao auxiliar, cuja competgncia seja exer-
cida so nos limites dessa clrcunscricao (orgdo local).
Tambem os 6rgaos de todas as pessoas coletivas de base
territorial exercem a sua competgncia exclusivamente no
territorio delas. Assim a competdncia tern limiies em
razdo do lugar.
Finalmente, os poderes que constituem a competen
cia de um orgao sao aqueles que a lei confere no me
mento do respectivo exercicio. Portanto, a competencia
tern de ser exercida em relagao ao presente: nao podem
praticar-se atos com a pretensao de modificar o passado
(efeito retroativo) nem com decisoes para fatos que
hajam de vir a verificar-se no futuro em circunstancias
desconhecidas, num momento em que podem ser outros
OS critgrios de administragao e ate os preceitos legais e
as prdprias regras de distribuicao de competencia. For
138 DUffilTO ADMnnSTRATIVO

outro lado, se a lei conferii poderes so para serem exer-


cidos em certas ocasioes, ha que esperar que se verifi-
quem os pressupostos legalmente previstos. Tais sao os
limites da competencia em razdo do tempo.
Para o desempenho das atribuigoes de certa pessoa
coletiva, a competencia deve ser conferida de tal modo
que esteja perfeitamente definido qual o orgao compe-
tente para cada ato. Se a repartigao nao esta feita clara-
mente, podem resultar dai os conflitos de competencia:
positives, quando dois orgaos reivindicam para si o poder
de praticar o mesmo ato, negativos, quando dois 6rgaos
sucessivamente solicitados se reputam incompetentes
para a pratica de certo ato.

64. £ freqiiente encontrar-se nas leis administrativas


a'faculdade conferida a um orgao de delegar a totalidade
ou parte dos poderes integrantes da sua competSncia
noutro orgao ou num agente.
Qual a natureza dessa delega§ao?
Cumpre nao esquecer que a competencia pertence
ao orgao ou ao cargo, e nao a5 pessoas dos titulares. Se
OS poderes sao o elemento definidor dos varios cargos.
e resultam da lei, os indivlduos que desempenham as
fungoes como seus servidores nao podem dispor deles,
transmiti-los a outrem, aliena-los, pois isso seria a sobre-
posigao da vontade particular a lei, que realiza a vontade
coletiva. A competencia e inaliendvel.
Portanto, quando se fala em delegagao de compe
tencia ou delegagao de poderes (que nao se deve confun-
dir com a mera delegaqdo de assinatura de docuraentos
ou correspondfincia), ja se sabe que nao pode tratar-se
de uma transferSncia resolvida por mera vontade do fun-
cionario, de uma disposigao discricionaria de poderes
funcionais, mas de um instituto que ha de estar abran-
gido pelos principios gerais da teoria da competencia
ATO ATSamSTRATrvO 139

administrativa, segundo a qual os poderes para praticar


atos que obriguem a Administrasao resultam sempre da
lei.
A delegagdo de -poderes consiste num ato pelo qual
um orgao normalmente competente para a prdtiea de
certos atos juridicos autoriza um orgao ou um agente,
indicados por lei, a pratica-los tambem.
Temos assim que a lei confere certa competlncia
normalmente a um orgao, permitindo tambim que seja
exerclda por outre orgao ou agente desde que este para
tal esteja habilitado por uma manifestagao de vontade
do orgao normalmente competente.
Os requisites da delegagao sao, pois,
a) — lei que a pennita;
b) — dois orgaos ou um orgao e um agente da mes-
ma pessoa juridica de direito pdblico Indicados pela lel,
dos quais um seja normalmente competente (o delegan-
te) e outro eventualmente competente (delegado);
c) — a delegagao propriamente dita, isto 6, o ato
pelo qual o delegante autoriza o exerclcio dos poderes
pelo delegado, a qual deve ser expressa, e geralmente
tem de ser escrita e publicada, para que conste, salvo
OS casos de delegagao implicita na natureza dos cargos
criados justamente para desonerar outros do excessivo
trabalho (subsecretarios, assessores, adjuntos...)
A RCiOrma Administrativa Brasileira, art. 12, §
unico, prescreve que o ato de delegagao indicari com
precisao a autoridade delegante, a autoridade delegada
e os poderes objeto da delegagao.
O Decreto n.° 62.460, de 25 de mar^o de 1968, que
regulamentou a Reforma, acrescenta que o ato de dele-
gagio e da competlncia discricionaxia da autoridade de
legante, pode ser revogado a qualquer tempo, e conferir
poderes a autoridade nao subordinada ao delegante,
140 DmErro administrativo

devendo fixar o prazo da vigencia cuja omissao se inter-


pretara como sendo a delegagao por tempo indetermina-
do. Acrescenta que o ato de delegagao poderd autorizai-
a subdelegagao d qual se aplicara o mesnio regime da-
quela.
A natureza da delegaqao e a de uma autorizagao-
dada por um orgao normalmente competente a outro
6rgao ou agents que a lei indica tambem como compe
tente sob condlgao de ser autorizado a exercer essa com-
petencla pelo primeiro.
Claro esta que, se o agente recebe poderes para ma-
nifestar a vontade imputavel a pessoa coletiva em cujos-
servigos se Integra, se torna, a partir desse momento,
6rgao dela.
A lei pode permitir que o delegante delegue todos
OS poderes que entender ou so certos e determinados,
assim como, por vezes, autorizando a delegagao em ter-
mos latos, pode excetuar certos poderes, considerando-os.
indelegaveis.
Tratando-se de relagdes funcionais a mudanga de
titulares nao deveria afetar a delegag^. Todavia, admi-
te-se que haja a considerar um elemento de confianga
pessoal e, por isso, em algumas legislagoes a delegagao
caduca com a mudanga dos titulares de algum dos car-
gos (delegante ou delegado).
O fato do delegante ter permitido ao delegado o exer-
cicio dos poderes nao o priva destes: o delegante con-
tinua a ser competente cumulativamente com o delegado.
Mas quando queira exercer a sua competencia deve o-
delegante avocar o caso, de modo a evitar a existencia
de duas decisoes concorrentes. Isto 6: delegante e dele
gado sao competentes nas materias em que houve dele
gagao mas, em cada caso, s6 um deles pode exercer a.
competencia.
Ato abministrativo 141

Importa examinar sempre as normas permissivas da


delega^ao e o regime juridico em que se integram, no-
meadamente para apurar se o ato do delegado e ou nan
-definitivo e executorio.

■65. Os poderes funcionais que integram a compe-


tencia devem ser exercidos sempre que os interesses ser-
"vidos 0 imponham. Por isso alguns Hies chamam p3de-
res-deveres.
Mas, umas vezes, a lei ou os estatutos regulam as
'Circunst§,ncias em que o orgao deve exercer o poder que
]he esta confiado, impondo-lhe que atue sempre que con-
'Corram essas circunstancias, e determinam o modo de
;atuar e o conteudo do ato.
Outras vezes, a norma deixa ao 6rgao certa liber-
dade de apreciagao acerca da conveniencia e da oportu-
nidade de exercer o poder, e ate sobre o modo desse
exereicio e o conteudo do ato, permitindo-llie que escoiha
uma das varias atitudes ou solugoes que os termos da
lei admitem. Isto porque o legislador entende que se
entra numa zona que pertence preferentemente, ou at6
exclusivamente, a uma fungao que nao e juridica e sim
politica ou t6cnica.
No primeiro caso o poder funcional esta vinculado
no seu exereicio pela norma. No segundo o exereicio do
poder funcional e discriciondrio.
O poder e vinculado na medida em que o seu exer
eicio esta regulado por lei.
O poder sera discriciondrio quando seu exereicio fi-
que entregue ao criterio do respective titular, deixan-
do-lhe liberdade de escoiha do procedimento a adotar
em cada caso como mais ajustado a realizagao do inte-
resse pdblico protegido pela norma que o confere.
£ como se tivessemos de enviar uma carta a certo
destino, confiando-a a um mensageiro: poderemos fixar
142 DiREnO ADMIN1STRATIV0

a este rigidamente o itiner^io a seguir, vlnculando-o &S"-


ordens dadas, ou entao deixar-lhe liberdade de adotar
aquele dos caminlios que Ihe parecer mais curto, mais
seguro, mais conveniente, porque o importante e que a
carta chegue.
No primeiro case, cumprida a missax3, quern a orde-
nou pode preoeupar-se em saber se o itinerario marcado
foi seguido, ou nao. No segundo, isso nao importa, o que
interessa 6 saber se a carta chegou nas melhores con-
digoes as maos do destinatario: o fira prevalece sobre
OS meios usados.
O poder vinculado, sendo exercido quando a lei im-
poe ou nos termos que ela dispoe, entende-se que o d
sempre na ocasiao oportuna e por modo a atingir os
fins para que foi conferido. So se a lei nao for respeitada
a fungao deixa de ser desempenhada.
Quanto ao poder discriciondrio, a liberdade dada por
lei para num e noutro aspecto do seu exerclcio o res-
pectivo titular agir segundo seu criterio nao Ibe tira o
carater funcional. Embora quem o exerce seja o unico
juiz da oportunidade e da conveniencia de exercd-lo, deve
ser exercido sempre que assim o exijam os interesses
servidos e para o fim que eles imponham.
A discricionaridade de certos poderes conferidos por
lei aos 6rgaos da Administragao traduz o reconhecimento
pelo legislador da impossibilidade de prever na norma
toda a riqueza e variedade das circunstancias em que o
6rgao pode ser chamado a intervir e as solugoes mais
convenientes consoante os casos. O legislador deixa, pels,
em maior ou menor grau, a quem tiver de apbear a let
liberdade para encontrar a melhor solugao para cada
caso concreto, considerando legal essa solugao desde que
preencha o fim de interesse publico que se pretende rea-
lizar.
Ato aeministrativo 143-

Na competencia de cada drgao encontram-S8 nor-


malmente pcderes vinculados e poderes discricionarios:
para a exercer ele tera normalmente de usar uns e ou-
tros. Verificadas certas circunst§iicias o orgao tera o
poder de agir ou de nao agir ou de escolher a oportuni-
dade de agir. Para a pratica de um ato, a lei pode con-
ferir um poder discricionario quanto a forma, ou quanto
a certos asj^ctos do objeto, e poderes vinculados quanto-
a outros requisites de validade do ato. O fato de na lin-
guagem corrente se empregar o termo "poder" tambem.
no sentido de competencia (v.g. poder disciplinar) nao
deve fazer perder de vista esse outro sentido de faculda-
de de atuagao concreta para o exercicio da competencia.

66'. Passemos ao estudo do segundo requisite de vali


dade: a regular formagao e expressao da vontade do
orgao da Administrapao.
A estrutura complexa da organica administra-
tiva requer que, normalmente, a formagao da vontade
dos orgaos resulte de um processo, isto e, de uma suces-
sao ordenada de formalidades tendo em vista a produgao
de um ato final,
A lei exige com muita freqiilncia que sejam prati-
cados atos ou fatos, pelos orgaos, pelos agentes admi-
nistrativos e pelos particulares, com o objeto de assegu-
rar o respeito dos interesses postos em causa, esclarecer
a Administracao e acautelar a legalidade na formagao
ou na expressao definltiva da vontade traduzJda pelo ato
administrative.
Charaaremos formalidade todo ato ou fato, ainda.
que meramente ritual, exigido por lei para seguranga.
da formagao ou da expressao da vontade de um orgao
de uma pessoa coletiva.
Assim, OS proprios prazos estabelecidos para a pra
tica de um ato entram no conceito generico de forma-
144 DiREITO ADMINISTRATIVO

lidade, bem como os atos preparatories, decisoes ou deli-


beragoes que tendem a tornar possivel a pratica do ato
definitive. Tratam-se de formalidades relativas a forma-
§ao da vontade administrativa; mas ha outras que inte-
gram a forma dizendo respeito a expressao ou manifes-
tagao dessa vontade.
Umas e outras podem ser essenciais ou ndo essen-
ciais, consoante a sua omissao afeta ou nao a validade
do ato que delas dependa ou que por alas se traduza.
As formalidades sao simples quando a lei as prescreve
sem regular minuciosamente a pratica dos seus termos;
dizem-se solenes, ou solenidades, quando tern de repro-
duzir um rito regulado pela lei.
A forma do ato pode consistir numa so ou em varias
formalidades. E a nojao de formalidade e mais larga que
a de forma, pois abrange, como vimos, os proprios requi-
sitos legais de atuagao na formagao da vontade — os
termos do processo administrative que a condiciona, os
da reuniao e deliberagao dos orgaos colegiados etc.
As formalidades tdm papel da maior importancia na
elaboracao do ato administrative. Entende-se que se a
lei impoe a observancia de qualquer trdmite na formagao
•da vontade 6 porque o considerou indispensavel a ga-
rantia dos interesses pdblicos ou particulares.
Um procedimento ritual, como o da pronuncia pelo
presidente de um 6rgao colegiado das palavras sacra-
mentais "esta aberta a sessao", tern valor fundamental,
pois marca o limite que distingue o que se disse ou tra-
tou sem relevdncia juridica daquilo que passa a valer
como atuacao do orgao.
Por isso a tend^ncia e para considerar que toda a
jormalidade prescrita por lei e essencial, isto e, tern de
£er observada para que o ato seja valido, salvo, claro
•esta, quando seja a proprla lei a dispor o contrario.
ATO ADMIKISTRATIVO 145

A parte os casos em. que a lei declare essenciais ou nao-


-essenciais as formalldades, devem conslderar-se como
nao-essenciais;
a) as formalldades preteridas ou irregularmente
praticadas quando, apesar da omissao ou irregularidade,
se tenha verificado o fate de que elas se destinavam a
preparar ou alcangando o objeto especifico, que me
diants elas se vlsava produzir;
b) as formalidades meramente burocraticas, pres-
critas na lei com o simples intuito de assegurar a boa
marcha interna dos servigos;
c) as formalidades estabelecidas para garantia de
Interesses dos particulares cuja falta ou irregularidade
a lei determina que so possam ser impugnadas mediante
i-eclamagao ou protesto dos interessados no prazo por
ela fixado, quando o prazo haja decorrido sem im-
pugnagao.
Nestes casos, embora tivesse havido uma irregula
ridade na pratica do ato, esta nao afeta a sua validade
nem a eficacia.

67. A forma do ato administrativo e o modo pelo qual


a vontade do orgao administrativo se manifesta.
A vontade exprime-se normalmente pela linguagem
oral ou escrita, mas existem tamb^m linguagens con-
vencionais (os sinais graficos, sonoros ou luminosos, as
bandeiras dos navios, a mfmica etc). E em certos casos
a lei manda presumir certa manifestagao de vontade a
partir do conhecimento de uma conduta material — o
siiencio, a passividade ou abstengao, ou as atitudes ou
convengdes que exprimem o voto, como o levantar-se ou
ficar sentado, langar uma esfera branca ou preta numa
urna etc.
E muito freqiiente a forma oral, a qual constitui a
regra nas deliberagoes dos orgaos colegiados.

244 -10
146 DIREITO ADMrNBIRATIVO

Nao podemos esquecer, todavia, que, para certeza


dos efeitos juridicos decorrentes do ato, este tem de ser
registrado; per isso as decisoes verbals sao logo consigna-
das em ata ou reduzidas a auto, sem o que se toma
impossivel prova-las.
£ preciso, porem, nao confundir a redugdo a escrito
per funcionario competente, mediante ata ou auto, de
decisoes ou deliberagoes tomadas oralmente com a for
ma escrita do ato administrativo.
Se a lei exige a forma escrita, isso significa que o
prdprio titular do 6rgao, ou quern no 6rgao colegiado for
designado nos termos regimentais, tem de redigir e as-
sinar a decisao ou deliberacao.
Pode esta ser escrita por outro (pois cada vez e mais
freqiiente o emprego de meios mecanicos para a escrita),
mas a redagao 6 imputada ao titular do orgao, o qual
tem de assinar o texto.
A diferenga entre ata ou auto e o aio escrito esta
em que aqueles sao narratives, isto 6, limltam-se a des-
crever o que se passou, contem uma narragao feita por
alguem que pode nan ser titular do orgao que se pro-
nunciou, ao passo que o ato escrito e a propria decisao
expressa pelo autor.
Os documentos narratives servem para provar o que
ocorreu oralmente; o ato escrito e a manifestagao da von-
tade do orgao administrativo.
Nem sempre a lei prescreve quais os requisites a que
0 escrito ha de obedecer ou a formula que ha de repro-
duzir.
Quando o prescreva, esta-se perante uma forma so-
lene e o ato s6 e vilido se nela se tiverem respeitado
integralmente os requisites legais; se nao prescreve, bas-
ta que a vontade seja expressa por escrito, sem submissao
a quaisquer regras nessa ezpressao.
Ato adminisirativo 147

68. Muitas vezes a lei Impoe como requisite de validade


da expressao da vontade pelo orgao administrativo a
obrigagao de fundamentar a decisao ou deliberagao.
A fundamentagao consiste em deduzir expressamen-
te a resolugao tomada das premissas em. que assenta,
ou em exprimir os motives por que se resolve de certa
maneira, e nao de outra.
Percorrendo as vArias legislagoes, encontram-se di-
versos sistemas pelo que toca a obrigagao de fundamen
tar. De entre os paises onde existe a codlficagao das leis
sobre processo administrativo gracioso, nuns, como a
Austria e os Estados Unidos da America, a autoridade
deve fundamentar sempre as decisoes definitlvas que se-
jam proferidas nos termos dessas leis, salvas as exce^oes;
noutros, como a Poldnia e Espanha, esse dever so existe
quanto a certos atos. Assim, no codigo polones so ha
dever de fundamentar quando se indefira um pedido,
quando se resolva um litigio, quando se imponha uma
obrigagao e quando se decida um recurso.
Segundo a lei esp>anhoIa, h6. que referir sumaria-
mente os motivos de fate e de direito da decisao quando
0 ato limite direitos subjetivos, decida um recurso ou
resolva diferentemente dos precedentes estabelecidos.
Veremos adiante, ao tratar do processo administra
tivo gracioso, em que termos entendemos que devem ser
fundamentadas as decisoes que Ihe ponham termo.
A fundamentaqao exerce, no ato resultante do exer-
cicio de poderes, o raesmo papel que na sentenga: mos-
tra como os fatos provados justifieam a aplicagao de
certa norma e a dedugao de determlnada conclusao, es-
clarecendo c objeto do ato.
Mas se o poder exercido e discricionario, tern ainda
maior importancia, pois vem revelar as razoes que leva-
ram 0 orgao a escolher uma solugao e nao outra de
entre as que Lhe estavam facultadas.
148 DniElTO ADfiUNlSTRAXIVO

Quando uma autoridade concorda com um parecer


no qual se propoe determinada solugao para o case ver-
tido, esse despacho de concordancia apropria-se das ra-
zoes do parecer, cujos fundamentos ficam, desde entao,
sendo os seus.
Nao interessa, alias, ao jurista conhecer quaisquer
motivos da vontade administrativa, mas tao-somente os
motivos determinantes, aqnelas razSes de direito ou con-
sideragoes de fato objetivamente anotadas sem cuja in-
flufincia a vontade do 6rgao administrativo nao se teria
manifestado no sentido em que se maniiestou. Entre-
tanto, pode presumir-se que os motivos invocados para
fundamentar uma resolugao administrativa, quatndo
exarados nos proprios atos, sejam os determinantes des-
sa resolugao.
Os motivos sao as razoes por que o orgao adminis
trativo tomou certa decisao, e podem consistir em fun
damentos de direito ou em fatos. Em qualquer caso, a
fundamentagao deve ser congruente e exata.
Congruente, isto 6, os motivos devem aparecer como
premisses donde se extraia logicamente a conclusao, que
e a decisao. Se ha contradigao entre a fundamentagao
e a decisao, essa incongruencia nao pode deixar de in-
fluir na valldade do ato.
Na verdade, quando a lei exige que o ato seja fion-
damentado, e porque entende deverem ser conhecidas
as razoes da decisao. Ora, se os motivos invocados nao
explicam a decisao tomada e ate porventura implicariam
uma atitude contraria, nao pode considerar-se satisfeita
a exigencia legal. Mesmo quando a fundamentagao seja
facultative, ela deve considerar-se uma formaiidade do
ato e quando incongruente esta viciada.
Exata-. as razoes de direito devem corresponder aos
textos invocados, os fatos devem ser verdadeiros. Se cs
fundamentos sao inexatos, uma de duas hipoteses pode
Ato administrativo 149

admitir-se: a da intengdo f- raudulenta de os faisear para


justificar determinada decisao, ou o erro de direito ou
de fato.
A fraude nao se presume; e o erro que tera de se su
per. Mas 0 erro pode ser relevante ou irrelevante para
a validade do ato. Se, por exemplo, num processo para
licenciar o estabelecimento de uma fabrica, o des-
pacho de indeferimento e fundamentado no fato de
haver dezesseis fabricas a laborar cuja produgao abas-
tece suficientemente o mercado nacional, e se prova que
0 numero de fabricas e de quatorze mas sem que isso
altere o fato de estar abastecido o mercado, o erro
cometido e irrelevante. Porem, se o indeferimento se
funda em estarem autorizadas cinco fabricas cuja capa-
cidade de laboraqao 6 excessiva para o mercado nacio
nal, e se prova que so subsiste a autorizagao de tres
fabricas e que essas nao chegam para satisfazer as ne-
cessidades de consume interne, o erro e relevante, pois
altera por complete os dados essenciais sobre o que deve
assentar a resolugao.
Ha quem chame aos motives a causa (subjetiva) do
ato, nome que tambem e dado no sentido objetivo as
razoes tipicas pressupostas por lei para que pcssa produ-
zir-se certa figura do ato administrativo (aposentagao,
nomeagao etc.). Preferimos, por6m, a terminologia ja
cidssica.

69. Passemos agora ao terceiro requisite de validade.


Vimos oportunamente que a conduta voluntaria do
6rgao da administraqao, para constituir ato administra
tivo, ha de visar a produgao de efeitos juridicos num
case concrete.
Em qualquer ato administrativo havera, pois, urn
caso concreto em relagao ao qual, de harmonia com a lei,
se visa a produzir certos efeitos juridicos: a produgao de
150 DiREITO ADMINISTRATIVO

efeitos jurtdicos eis o objeto (que na doutrina italiana


muitos autores preferem chamar "conteudo") do ato
administrative.
Mas essa produgao de efeitos e inseparavel do case
•concrete que o orgao da Administragao tern em vista e,
de resto, a natureza desses efeitos e a sua legalidade
dependem dos termos em que o caso se apresente e da
Verificagao nele das situacoes de fate ou de direito exi-
gidos por lei como pressupostos subjetivos ou objetivos
ou invocados como motives do ato.
Assim a nomeagao tern como objeto investir na qua-
lidade de funcionario determinado indivlduo; mas para
que tal efeito juridico se produza validamente e precise
que se verifiquem certos pressupostos objetivos (existSn-
cia de um cargo, criado por lei e dotado no orgamento,
que esteja vago) e outros pressupostos subjetivos (a pes-
soa nomeada deve reunir os requisites legais de capaci-
dade para o exercicio da fimgao).
O objeto do ato deve ser certo e legal.
a) Certeza. — A vontade manifestada tem de visar
a efeitos juridlcos precises quanto &, natureza dos efei
tos, as pessoas, ks coisas, as proprias cireunstfincias de
tempo e lugar — isto 6, quanto ao objeto propriamente
dito e aos pressupostos que Ihe estejam ligados.
O que especifica os atos administrativos, e os indi-
vidualiza ate, e o objeto. A um objeto incerto ou cujos
pressupostos nao existam, sejam imprecisos ou desco-
nhecidos, nao pode deixar de corresponder um ato vazio
de sentido, iniitil, a que a Ordem Juridica nao reconhe-
cera valor.
Para que exista uma nomeagao nao basta que o
6rgao competente declare com todas as formalidades a
vontade de prover um cargo vago sem dizer quern 6 o
provide, ou que designe certa pessoa mas sem Ihe assi-
ATO ADMINISIKATrVO lol

nar o cargo a preencher: e necessdrio que se determine


a pessoa e o cargo, pois so asslm o objeto do ato tera a
suficiente certeza.
De igual modo nao e bastante para o ato de desa-
propriacao decldir desapropriar terrenos num local a
determinar segundo o que for julgado mals convenlente
e quando os recursos da entidade desapropriante o per-
mitirem. Tern de identificar-se desde logo o terreno a
desapropriar com sua localizagao precisa, devendo o ato
ter efeito imediato.
E nao chegaria a ter carater juridico o ato que pre-
tendesse produzir efeitos indefinidos.
A certeza do objeto envolve portanto a suficiente
determinagao ou a possibilidade de determinagao, para
que haja interesses traduziveis em poderes e deveres e
nas respectivas prestagoes.
Ha de ser possivel saber-se de que espdcie de ato se
trata, a que pessoas e coisas respeita, em que tempo e
em que lugar se produzirao os efeitos queridos; e se nao
se puder saber imediatamente, ha de existir a certeza
de uma definigao oportuna das circunst&ncias impre-
cisas, prevista no prdprio ato ou pela lei.
b) Legalidade. — O objeto do ato administrative
deve ser legal e nao apenas licito. A administragao pii-
blica atua nos termos previstos ou permitidos pela lei:
nao Ihe e possivel tudo o que a lei nao proibe, c'omo
sucede com os particulares; a sua agao esta positiva-
mente regulada e por isso so pode querer o que a lei
perraitir que queira.
Quanto ao objeto, podem aparecer no ato cldusitlas
-modais ou' encargos impostos ao administrado a quern
se faz uma concessao, se da uma autorizagao, se admite
numa categoria etc.
Os outros tipos de clausulas acessorias — condigao
e termo — dizem respeito a eficacia do ato.
152 DlREITO ADMIKISIRATIVO

10. O ultimo requisite da validade do ato e a legalidade


do fim.
Esse fim e a concretizacao dos interesses que o orgao
da Administracao procura realizar com a sua conduta.
O orgao precede para que? Necessariamente para visar
a um interesse publico, mesmo quando acautela, proteje
ou garante, nos termos da lei, interesses particulares.
O fim a atingir pelo ato administrativo so pode des-
cortinar-se atraves dos motives revelados no processo
gracioso ou expresses na fundamentagao. Isso nao quer
dizer que fim e motivos se identifiquem, pois o fim diz-
-nos para que se decidiu e os motivos justificam porque
se decidiu. Deste modo, mesmo nos atos praticados no
exercicio de poderes vinculados, o conhecimento de mo
tivos tem a maior importancla para se poder verificar
se foi observada a lei na aplicagao aos fatos, mas nesses
atos § indiferente a averiguagao do fim visado concre-
tamente pelo orgao da Administragao.
Na verdade, o fim visado pelos atos intencionais s6
tem relevo juridico quando se trate do exercicio de po
deres discricionarios, como passamos a demonstrar.
Se 0 ato nasceu da mera observancia de preceitos.
legais que minuciosamente regularam a formagao, ma-
nifestagao e objeto da vontade administrativa, o orgao
competente deve pronunciar-se em ocasiao determinada
per lei, com as formalidades por ela prescritas, aplican-
do a norma a condigoes de fate previstas, de tal modo
que basta cons'truir um silogismo para saber qual a con
duta a adotar: a premlssa maior e a norma, a premissa
menor sao os dados correspondentes ao tipo de situagao
nela prevista, a conclusao e a decisao a tomar.
O orgao administrativo limitou-se a exercer poderes
vinculados: nao houve no processo de formagao da von
tade, nem na manlfestagao dela nem na forma nem na
ATO ASUINISTEATIVO 15%

oportimidade, nenhuma liberdade de apreciagao dei-


xada aos seus titulares.
Nesta bipotese a lei cuidou de tragar rigorosamente
a via a segiiir pelos executores para se atingir o fim d©
interesse publico visado.
Seguindo essa via, 6 seguro que o fim ser& alcan-
gado, e, se o nao for, a culpa e do legislador, 6 a lei que
esti mal feita, tragando um caminbo que nao conduaa
ao que devia ser.
Portanto, este elemento do ato — o fim estabelecido
na lei — esta, tratando-se do exercicio de poderes vin-
culados, inteiramente dependente dos outros elementos,
nao possui autonomia, e so pode faltar se nao tiverem.
sido respeitados os preceitos regulamentadores da com-
petencia, da formagao da vontade, do objeto ou da
forma.
Raras vezes, por6m, esta hipdtese — da vinculagao
total dos poderes de que o ato resulta — se verifica.
O mais corrente na vida juridico-administrativa e
confiar-se sempre alguma coisa (quanto mais nao seja
o momento precise da prdtica do ato) ao crit6rio de livxe
apreciagao do orgao.
Permite-se que o orgao competent© proceda como
entender mais convenient© e quando julgar mais opor-
timo, isto e, a lei nao prescreve exatamente o que ha a
fazer dadas certas circunstSncias, mas permite ao orgao
que em cada case examine os aspectos concretes das
circunst&ncias em que tern de realizar o interesse pu-
blico e que escolba, segundo o seu criterio, a conduba
mais conveniente.
Definido o fim a atingir — e nao apenas o fim ultimo
e gen6rico de toda a atividade administrativa, mas os
fins especificos a realizar por certo orgao em dadas con-
digoes —, a lei autoriza o orgao competente a deduzir
154 DiREITO ADMHilSTRATIVO

dele, segundo o seu criterio em cada caso, as regras de


agao e os modos de agir.
A liberdade de apreclacao pode respeitar a certos
pressupostos, a conveniencia de agir ou de abster-se, ao
momento de agir, ao objeto, as formalidades e a forma
do ato.
Em regra o orgao administrativo tern poderes vin-
.culados quanto a alguns destes aspectos e discriciondrios
quanto a outros. For isso nao se pode rigorosamente fa-
lar em atos discricionarios: nao ha atos discriciond-
rios, existem apenas atos praticados no exerciclo de
poderes discricionarios cumulativamente com poderes
vinculados, embora nuns o objeto esteja determinado e
noutros indeterminado.
Justamente nos casos em que existe discricionari-
dade quanto ao objeto ou aos sens pressupostos convdm
assegurar, sempre que seja possivel, por meio de uma
serie de formalidades (processo) a ponderagao cautelosa
e equilibrada de todas as circunstancias e razoes dignas
de influir na resolugao livre. A vontade, livre na reso-
iugao, 6 vinculada na formagao.
Ora, pelo que toca aquilo que no ato resultou de
exercicio de poderes vinculados, trata-se de aplicar a um
■caso concrete a vontade objetivada na lei, vontade de
que o orgao administrativo foi mere instnimento.
Nao assim quando o orgao exerga poderes discricio
narios, pois entao a vontade legislada e de que prevalega
nos casos concretos a vontade do executor.
A lei confiou no orgao, admitindo como expressao
correta da vontade legal qualquer solu?ao dada no caso
concreto desde que vise ao fim de interesse piiblico por
ela fixado ao conferir a competencia.
O fim do ato e, pois, a vincula?ao caracterlstica da
discricionaridade. Quer isto dizer que a discricionaridade
nao exclui uma vinculagao; discricionario significa "11-
Ato adjcnistrativo 155

Tre dentro dos limites permitidos pela realizagao de certo


fim visado por lei". Por isso se acentua eonstantemente
que 0 discriciondrio nao e arbitrdrio.
O fim de interesse piibUco que o poder discricionario
deve cumprir corresponde, pois, ao requisite de validade
da ato praticado no seu exercicio.

71. Em presenga de um ato administrativo nem sam


ple se flea desde logo elucidado sobre o sentido da von-
tade manifestada.
Se surgem duvidas sobre o teor da manifestagao da
vontade ou sobre a qualidade e extensao dos efeitos juri-
dicos que ele deve produzir imp6e-se proceder ii inter-
■pretagao do ato.
Nao poucas vezes acontece que, por defeito de
expressao, um orgao administrativo manifeste uma
vontade diibia ou incerta: nao se sabe se quis ou nao
noiiiear, se concedeu ou nao a licenga pedida, se auto-
rizou ou apenas mandou praticar atos de que se reservou
a aprovagao etc.
E 0 que sucede por exemplo com o despacho de
^'visto", tao freqiientemente langado sobre petigoes e in-
lormagdes e cujo significado pode variar muito.
Toma-se entao necessario determinar o sentido
exato do ato administrativo. A interpretagao de um ato
administrativo pode ser feita pela propria Admlnistragao
ihediante um ato interpretative (aclaragdo corifirmati-
va) ou pelos tribunals, ou pela doutrina.
Como pode o interprete apurar a intengao manifes-
tada pelo orgao administrativo no caso de nao ter sido
por este aclarada? Esse apuramento faz-se:
1.°) pelos termos em que foi manifestado (interpre
tagao literal das palavras por que foi expressa); •
156 DlHETTO AHMZNISTRATIVO

2 °) pela natureza do ate, visto que se presume nao


querer o orgao se afastar do tipo legal do ato e preten
der obter OS resultados normalmente conseqiientes de
um ato daquela esp6cie;
3.0) pelas circunst&ncias em que a vontade foi ma-
nifestada, sobretudo atendendo aos elementos constan-
tes do processo administrativo, quando o haja, e ao pe-
dido sobre o qual o orgao se pronunciou.
Mas hd que ter sempre em atengao o intere&se ptl-
hlico ■protegido pela lei e considerar esses elementos de
acordo com as normas legais relatives a competSncia,
^ formalidades, ao objeto, a forma, e ao fim do ato,
normas tanto mais importantes quanto mais nitido u
carater funcional da vontade administrativa. As 'praxes-
administrativas sao tambem elemento valioso de inter-
pretagao, elucidando sobre os precedentes, isto e, as de-
cisoes tomadas anteriormente em casos identicos, e sobre
o sentido que se costuma atribuir a uma dada conduta.
do orgao administrativo.
Esta grande importancia conferida ao interesse pu-
blico, a lei e as praxes administrativas na interpretagao
do ato administrativo provem de dever partir-se do prin-
cipio de que a vontade manifestada visou a realizar o>
imperative legal ou um fim legal: a Administragao tern
a sen favor a presungao de legalidade das seus atos.
Quanto aos motives do ato, e claro que nao tmporta
na teoria da vontade funcional e normative saber quais;
as razoes intimas, as intencoes ocultas do autor dele: sa
interessa o que estiver patente, o que for possivel ser
conhecido pelos outros.
No proprio exercicio do poder discricionario a orien-
tagao nao deve ser diferente. A deseonfonnidade entre
esse exercicio e o fim que a lei marca ao poder exercido.
tern de ser provada, e a prove nao pode recair sobre:
ATO ADMUflSTRATIVO 157

razSes psicologicas nao manifestadas, ou mesrao sobre


suspeitas fundadas de conduta incorreta, mas sim sobre
fates demonstratives de que o fim visado nao foi o fim
legal, Isto e, sobre motivos expressos da vontade decla-
Tada.
Na interpretagao do ato reveste a maior delicadeza
0 apuramento dos elementos dele em que se reflete o
exereicio de poderes discricionarios. Como ficou dito, nao
ba atos discricionarios. Em qualquer ato administrativo
se projetam poderes vinculados a par do exereicio, em
maior ou menor grau, de discricionaridade.
A competencia resulta sempre de lei expressa, e o
fim nao deixa de ser aquele interesse publico fixado ao
exereicio da competencia no caso concrete.
A lei pode, porem, deixar ao critSrio do orgao com-
petente:

a) a liberdade de agir ou de nao agir ou, no caso


de' querer agir, a escolha do momento adequado para
o fazer {escolha da oportunidade);
b) a liberdade de ajuizar da existfincia das circuns-
tincias de fate de que a lei fa^a depender a obrigagao
ou a mera faculdade de agir {determinagdo dos pressu-
postos da compet&ncia).
Alem desta liberdade de opQao e de apreciagao no
que respeita ao exereicio da competencia, pode haver
ainda discricionaridade:

c) quanio ao objeto, na medida em que o orgao com-


petente tenha liberdade para optar por uma ou outra
soIUQao, de determinar o conteddo da solugao, impondo
.as clausulas julgadas convenientes, de fixar os efeitos
juridicos a produzir, ou de escolher os pressupostos obje-
tivos ou subjetivos como motivos da decisao;
158 DIREITO ADMnnSTRATIVO

d) quanta as formalidades, quando o 6rgao compe-


tente possa decidir sem. estar vinculado i observancia
de certos tramites legais;
e) quanta d forma, se puder escolher qualquer dos
modos licitos de expressao da vontade.
O intfirprete do ato adrninistrativo tern de conside-
ra-lo relativamente aos poderes legais exereidos para
poder analisar nele o que 6 vinculado e o que 6 discricio-
nario. O dnico criterio legitirao de qualificagao para esse
efeito e a lei.

72. Tern ainda neste capitulo a maior importancia o


estudo da efiedcia do ato adrninistrativo.
O ato adrninistrativo diz-se eficaz quando esteja
apto para produzir os sens efeitos juridicos proprios. Tais
-efeitos sao nao so os relatives ao objeto de cada ato,
como ainda os efeitos naturais e legais desta especie de
atos, ou da categoria a que pertenga.
O destino do ato 6 ser cumprido. Se o objeto do ato
e a constitulgao ou o reconhecimento de direitos ou de
faculda"des, por via de regra esses direitos ou faculdades
entram desde logo na esfera juridica do destinatario e
quando se fala em "cumprir" ou "aplicar" o ato, a ex
pressao corresponde ao dever imposto a todas as auto-
ridades e agentes da Administragao de resi>eitar tais di
reitos ou faculdades na sua titularidade e no seu exer-
cicio. £i por isso que mesmo nos atos permissivos ha
qualquer coisa de imperative, na medlda em que contem
implicita a ordem dada a todas as autoridades e agentes
e aos proprios terceiros de nao embaragarem o exercicio
da atividade permitida.
Os efeitos do ato produzem-se a partir do momento
em que os direitos ou as faculdades passam a existir
juridicamente para o seu destinatario e a execugao so
ATO ADMINISTRATrvO ISJ-

intervira no caso de este ter de recorrer as autoridadea.


para Ihe garantir o respective exercicio.
Quando o objeto do ato se traduz em atribulQao de
deveres ou de encargos a alguem, entao o destinatario,
para cumprir, tern de prestar. Se cumpre as prestagoes-
por sua vontade, acatou o imperativo do ato, executan-
do-o espontaneamente. Se nao cumpre, a Administrajao^
tern de for^a-lo, empregando a execucao forgada. A obri-
gatoiiedade do ato, neste caso, e essencial a sua eficacia
e a possibilldade de execugao coerciva e ja um efeitO'
dela: teremos entao aquela forma de eficacia que pro-
priamente constitui a "executoriedade".
A eficacia nao depende da validade: hi atos que,.
apesar de invalldos, por estarem vlciados de ilegalidade,-
produzem efeitos juridicos em virtude de serem mera-
mente anulaveis e, por isso, so a revogagao ou a anula-
gao contenciosa podem fazi-los desaparecer da Ordera
Juridica. Tambem nao se deve confundir a eficicia com.
a execugao, visto, como ficou dito, ja haver efeitos juri
dicos que se produzem independentemente da execucao,
pelo simples fato do acatamento ou observancia da de-
cisao contida no ato; mas ja e licito identifica-la com
a suscetibilidade de execugao, pois para os efeitos serem.
juridicos hao de ser obrigatoriamente respeitiveis.
Os problemas da eficacia do ato tim de ser consi-
derados em relagao as pessoas (eficacia subjetiva), em
relagao ao lugar (eficacia local) e em relagao ao tempo'
(eficacia temporal).
Em relagao as pessoas ha que distinguir as partes-
e OS terceiros. Tratando-se de um ato unilateral, seria.
parte no ato administrativo, em rigor, apenas o orgao-
administrativo que o praticou. Todavia, na linguagem
juridica corrente a Administragao nao e assim designada.
e i corrente considerar como parte a pessoa ou as pes-
160 Deeito administrativo

soas a quern diretamente respeita o caso concrete nele


■considerado, e que sac os destinatdrios dos respectivos
comandos ou permissoes. Os terceiros serao aquelas pes-
soas que, nao sendo partes no ato, podem todavia ser
javorecidas ou prejudicadas pelos efeitos dele. Partes e
terceiros poderao ser designados genericamente por iriie-
ressados. Mas os atos administrativos impoem com fre-
qii&icia certa conduta a todo o publico, quer exigindo o
respeito das decisoes da autoridade quer ate a colabo-
jagao nelas.
Assim, quando nos referimos so a Administraqao,
designa-la-emos pelo seu nome e empregaremos os tsr-
mos "destinatario" do ato ou de "interessados" no ato
para mencionar os que por efeito de decisao adquiram
direitos, contraiam obrigagoes ou encargos, ou vejam ga-
rantidos ou declarados meros interesses legitimos.
Em que momento comegam a produzir-se os efeitos
nas relagoes entre a Administraqao e os interessados? Se
.a AdministraQao se vincula, desde quando fica vincula-
da? Se OS particulares adquirem direitos ou contraem
obrigaqoes ou encargos, quando comegam a poder exer-
•cer uns ou a dever cumprir os outros?
Ha que distingulr entre os atos cuja eficacia, por
natureza ou por lei, fique dependente da aceitacao ex-
pressa ou tacita de outra parte dos que sao eficazes
•independentemente de aceitagao. Se o ato 6 recepticio
(ou recipiendo), o problema esta resolvido por si, porque
a eficacia depende da anuencia do destinatario e para
isso tem de ser dele conhecido. Um ato que, nomeando
certa pessoa para determinado cargo, nao passe nunca
•de segredo do processo onde foi praticado, mesmo quan
do perfeito, e Ineficaz. Pode perguntar-se, porem, se no
•caso de o nomeado ter conhecimento, ainda que parti-
cxdar, do ato que o nomeou nao podera exigir da Admi-
AtO ADMENISTEATrVO 161

nistragao que iHe confira posse do lu^r. Em nossa opi-


niao, nestes cases o ato tern de ser intencionalmente
levado ao conhecimento do destinat^o pela forma
legal, para que este se pronuncie, aceitando-o ou nao.
Se o ato nao e recepticio, nao dependendo portanto
a sua eficacia constitutiva de aceitagao do interessado,
ha que dlstinguir as hipoteses de a lei exigir a publica-
gao do ato ou nao.
Caso 0 ato nao esteja perfeito sem ser publicado, e
claro que s6 a partir da publicagao o ato passa a ser efi-
caz, podendo os interessados exercer os dlreitos dele de-
correntes ou passando a pesar sobre eles os deveres ou
obrigagoes que ele imponha.
Mas se a lei nao Impuser a publicagao do ato como
formalidade essencial e ele nao for publicado?
Para a constitmcao de direitos basta que por qual-
quer via ou por qualquer modo o interessado venha a
conhecer a existdncia do ato: e uma liberdade, uma fa-
culdade, um poder que ele adquiie.
Ja 0 mesmo nao sucede com a constituigao de de
veres ou encargos: a obrigagao so nasce para o interes
sado quando ihe seja dado conhecimento oficial do ato
constitutivo. Nao se compreenderia que se pudesse exigir
de alguem que faga ou preste alguma coisa sem que ele
saiba o fundamento da obrigagao. Todavia, na pratica
sucede com frequencia nao terem os admlnistrados co
nhecimento do ato administrativo ou de que as suas
reclamagoes foram desatendidas senao pelo fato de ser
dado inicio a execugao dele. Entao ha que dar valor a
este fato {inicio da execuqdo) sobretudo quando haja
diivida acerca da executoriedade do ato, porque o fato
da execugao vale mais que a mera possibilidade de ser
executado.
Quando e que ha Inicio de execugao por parte da
Administragao? Quando se verifique o comego de produ-

244-11
162 DiEEITO ADMimSTRATIVO

5ao de quaisquer efeitos do ato que atinjam os destina-


tarios. Um comego que consista apenas em atos prepa-
ratdrios, internes, nao seria correspondente ao inicio da
eficacia quando esta se deva traduzir em efeitos que se
projetem na esfera juridica de entidades diferentes da
Administragao. e precise que os interessados sejam efe-
tivamente atingidos nos seus interesses por viitude da
execugao do ato.
Relativamente a terceiros, os efeitos podem ser fa-
vordveis, come sucede nos cases em que uma permissao e
concedida a alguem sem prejuizo das situacoes existen-
tes, ou em que uma autorizagao para instalagao de nova
empresa e dada com a condigao de conservar certos em-
pregados da empresa anterior ou de a escola ser auto-
rizada contanto que conceda anualmente certo mimero
de bolsas de estudo. E podem ser prejudiciais, como su
cede nos cases em que 6 atendida uma reclamagao
contra ato anterior que haja reconhecido certos dlreitos,
interesses ou meras situagoes: o deferimento da preten-
sao do reclamante prejudicara aqueles que tenham sido
favorecidos na decisao contra a qual ele reclamou.
A eficdeia local depende dos proprios termos em que
0 ato seja praticado, indicando o lugar onde os efeitos
devem produzir-se, ou da natureza do orgao, ja que os
atos de um orgao local nao podem, por definigao, pro-
duzir efeitos fora da circunscricao onde exerce a sua
competencia, salvo quando sejam meramente declara
tives (atestados, certidoes etc.).
Um ato pode ter eficacia ampla ou restrita. A efica
cia e ampla (ou total) quando o ato produz todos os efei
tos determmados por lei para o tipo a que se ajusta, ou
correspondentes a intengao manifestada nos seus termos.
E restrita quando a lei so permite que os atos valham
para certos efeitos: e o que sucede com os atos tacibos
ATO ADMDrtSTHATIVO 163

resultantes do indeferimento presumido atraves do si-


lencio da Admlnistragao relativamente a pedidos formu-
lados per particulares quando a lei determine que valham
somente para efeitos de impugnagao contenciosa.
A cessoQOO da eficdcia do ato tern de ser conside-
rada dlstintamente, consoante o ato seja de execugao
instantanea ou de execu^ao continuada.
Se o ato for de execugao instantdnea, os efeitos es-
gotam-se no momento em que seja executado, quer se
trate de acatamento ou de observl.ncia pelos destinata-
rios quer de execuQao coerciva pela Administragao.
Mas quando seja de execugao continuada, ha que
distingxiir entre os atos cujos efeitos devam produzir-se
dentro de certo prazo, ligados a certo fato ou enquanto
se veriflquem determinadas circunst&ncias, daqueles
que nao estejam sujeitos a nenhuma limitagao de tempo
ou de ocasiao ou de outro fato (a vida dos interessados,
numa nomeacao ou licenca vitalicia, por exemplo).
Nos primeiros os efeitos cessam de produzir-se no
termo do prazo ou em virtude do desaparecimento do
fato a que estavam ligados ou das circunstancias ca-
racteristicas da ocasiao.
Quanto as seguntos, tern de se distinguir os atos
precarios, os atos renunciaveis e os atos revogaveis. Os
atos precarios sao aqueles cujos efeitos cessam logo que
o 6rgao administrativo competente queira, isto e, a efi
cdcia fica dependente da vontade da Administragao.
efeitos dos atos renunciaveis cessam quando o destina-
tario manifeste a sua vontade no sentido de se exonerar
da sujeicao ao ato ou de desistir dos beneflcios dele:
quando o ato imponha encargos mas o seu cumprimen-
to depends da vontade do onerado, a exoneraqao, por
via de regra, depende da anugncia da Administragao,
mas se ha renuncia pura e simples de direitos ou van-
164 DiREITO ADLHOTSTRATIVO

tagens basta que a Admin,istragao tome conhecimento


dela.
Quanto aos atos revogdveis, os seus efeitos cessam
pela revogagao, nos termos admitidos por lei, como adi-
ante veremos.

73. Ocupemo-nos agora da eficdcia temporal.

Os atos administrativos comegam a produzir os seus


efeitos no momento em que se verifiquem os requlsitos
de eficacia. Em regra sao efeitos futures, e so per exce-
cao ha efeitos retroativos.

Na generalidade, os atos, desde que estejam perfei-


tos, sao eficazes: os efeitos produzem-se, a partir da pra-
tiea do dltimo requisito de validade, imediataraente. Mas
com freqiiencia a lei ou as clausulas do ato adiara a pro-
dugao dos efeitos, fazendo-a depender da verificacao fu
ture de uma condigao, legalmente estabelecida, ou sub-
metendo-a a uma data certa ou a um prazo, isto e, fi-
xando urn termo inicial ou final: a estas condigoes ou
termos chamamos requisitos de eficdcia.
Nos paises onde a fiscalizagao do Tribunal de Con-
tas se exerce sobre os atos administrativos que aear-
retem despesa mediante visto a priori (isto e, como con
digao para que possam ser executados) esse visto deve
ser considerado como requisite de eficicia do ato, pois
diz respeito nao k sua validade mas & sua projegao fi-
nanceira.
Quanto a retroativldade dos atos administrativos
deve considerar-se excepcional e apenas admissivel quan-
do permitida por lei.
Todavia a logica dos principios autoriza a atribuir
efeitos retroativos a algumas classes de atos, tais como:
Ato adminisikativo 163

a) Os atos anulatorios de atos ilegais anteriormente


praticados ou que executem senten?as de anulagao;
b) OS atos que aproveitem atos ilegais anteriores
quando sanaveis nos termos da lei por ratificacao, re-
forma ou conversao;
c) OS atos interpretativos e as retifieagoes de erros
de escrita ou de calculo de atos anteriores.

§ 4.0

ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO;


VICIOS E SANCOES

74. Vicios da vontade e incios do ato.

75. Divergeneia entre a vontade real e a vontade de-


clarada.

76. Vicios do ato administrativo.

77. Vicios que afetam o requisito da competencia.


78. Vicio da formagdo e expressdo da vontade.
79. Vicio do objefo.

80. Vicio da legalidade do fim.

81. O desvio de poder coma Uegalidade.

82. Como se gera o desvio de poder.

83. Prova do desvio de poder.


84. Inexistencia e invalidade do ato. Tipos de sangoes.
85. Nulidade.

86. Anulabilidade.

74. A analise dos requisites de validade dos atos admi-


nistrativos permite-nos agora abordar com maior segu-
166 DIREITO ADMINISTRATn'O

ranga o problema da sua ilegalidade, das modalidades


que pode revestir e das sangoes que pode acarretar.
Nunca serd demais insistir em que, num regime de
legalidade, o valor juridlco do ato resulta da sua eonfor-
•mida.de com a norma apUcada no exercicio de poderes
que a lei conferiu ao orgao de Admiuistragao que o pra-
ticou.
So obriga o ato praticado de harmonia com a lei.
£i da lei que decorre a forga vinculativa e executoria
de que o ato aparece revestido.
Se o ato administrative tiver sido praticado em des-
conformidade com a lei que o deva reger, estaremos pe-
rante um ato ilegal.
Como § que se gera a ilegalidade do ato adminis
trative?
Vale a pena analisar as causas da ilegalidade.
Nuns casos houve intenqax) por parte do autor de
produzir um ato em rebeliao contra a lei, o orgao da
Administracao sabia que a sua conduta e os resultados
dela nao estavam de acordo com os preceitos legais.
Outras vezes nao. O orgao da Administragao pra-
ticou uma ilegalidade sem querer. A vontade manifes-
tada foi fruto de coagao, ou entao formou-se fundamen-
tada em dados de direito ou de fato eivados de erro, sim
ples ou resultante de dolo.
Deixemos de lado a iiipotese da coacao. Na vida
adminlstrativa a ilegalidade nao-intencional mais fre-
qtiente resulta de erro. dele que nos vamos ocupar.
Sabe-se que o erro consiste numa deformagao da
realidade proveniente da ignorancia ou do conhecimen-
to defeituoso dos fatos ou do direito.
O erro aparece-nos, pois, como motivo do ato, que
so sera relevante quando haja sido determinante da con-
Ato ABiamisxEATivo 167

duta adotada. Eis aqui um principio fundamental da


teorla dos vlcios.
Convem recorder a distincao entre erro de fato e
erro de direito.
O erro de direito pode revestir uma de tres moda-
lidades consoante respeite a lei a aplicar, ao sentido da
lei aplicada ou k qualificacao juridica dos fatos.
No primeiro caso aplicou-se, por ignorancia ou por
engano, uma norma quando se deveria ter aplicado ou-
tra: temos e)To na apUcagdo da lei.
No segundo caso a norma aplicada era efetivamen-
te a aplicavel, mas deu-se-lhe entendimento diferente
daquele que deveria ser: temos erro na interpretaeao
da lei.
No terceiro caso fez-se o enquadramento dos fatos
que serviam de pressuposto a aplicagao da lei numa fi-
gura juridica que^ nao era aquela que Ihes cabia: temos
erro na qualificagdo juridica dos fatos.
O erro de fato pode incidir sobre as pessoas, as coi-
sas, as situagoes ou as circunst§.ncias a que a vontade
se refere: pode ser erro na motivacao (por exemplo, par-
tiu-se do principio de que havia perturbagao da ordem
pdblica para tomar certas decisoes quando essa pertxir-
bagao nao existia) ou erro sobre o objeto, compreenden-
do o conhecimento errdneo dos pressupostos.
O dolo no ato administrativo conslste em induzir o
drgao competente em erro a fim de manifestar uma von
tade com certo conteudo (doZo propriamente dito) ou
em se abster de mostrar o erro em que o orgao adminis
trative se encontra, deixando-o formar e manifestar nma
vontade viciada para dela tirar proveito (md-fe).
No antigo Direito publico das Ordenagoes Filipi-
nas, que vigorou em Portugal e no Brasil, chamava-se
ob-repgao ao ato de enganar a autoridade, induzindo-a
168 DlRETTO ADMINISISAtrlVO

em erro e sub-re'pQdo h. passividade perante o erro alheio.


de que se procurasse tirar proveito.
A vontade manifestada no ate administrative, seja
no exercicio de poderes discricionarios seja de poderes
vinculados, e suscetlvel de ser viciada. Mas os atos serao
avaliados nao em. fungdo dos vicios da vontade em si,
e Sim pela influencia que esses vicios ^ossam ter na sua
legalidade.
Os vicios da vontade interessam, pois, como gera-
dores da ilegalidade do ato e so tomam relevo na medida
em que devam ser levados em conta na apreciacao dessa
ilegalidade e dos respectivos efeitos.
Por isso a desconformidade entre o ato administra
tive 6 a lei se exprime por modos diferentes dos usados
para designar os vicios da vontade. Importa nao con-
fundir vicios da vontade com vicios do ato adminis-
trativo.

75. Nao se deve confundir tamb^m com o problema dos


vicios da vontade com o da diverglncia entre a vontade
real e a vontade declarada no ato administrativo (erro-
-obstdculo).
Este ultimo problema provocou, no campo do Direito
Publico, a renovagao da querela que no Direito Privado
se trava acerca de qual das duas vontades, a real ou-
declarada, deva considerar-se relevante.
Parece, a primeira vista, que se deve atender exclu-
sivamente a vontade declarada, Que importa a vontade
real do individuo que exprime o querer da pessoa juri-
dica? O ato consiste sempre numa manifestagao ex-
tema, numa declaragao, que e valida desde que se pro-
duza nas condigoes e forma prescritas na lei. A vontade
interna 6 um fato de ordem individual: so a vontade
declarada pode ser um fato social e condicionar efeitos
ATO ADMINISTRAirVO 169.

juridicos. A exteriorizagao permite, pois, distinguir a


vontade funcional da vontade pessoal do agente. E o pre-
vaiecimento da vontade declarada e uma eficaz garantia
dada ao piiblico, para protegao de direitos e interesses^
ii-ma conseqiiencia da confianga qua os individuos de
boa-fe depositam. na Administragao.
Mas esta doutrina foi impugnada na It^ia, espe-
cialmente per Silvio Trentin, com o argumento de nao
ser legitimo confundir o processo de formacao psicolo-
gica da vontade individual, tal como e tratado pelo Direi-
to prlvado, com o processo de foimagao da vontade admi-
nistrativa. E a razao e simples: ao contrario do que su-
cede na esfera individual, a atividade preparatoria da
declaragao de vontade da Admlnistragao desenvolve-se,
em regra, per meio de atos tangiveis (atos internos, atos
preparatories), todos orientados pelo mesmo propdsito
que condiciona a validade do ato definitivo, ou seja, a
realizagao do interesse piiblico. Ora, esta finalidade assi-
nada ao ato constitui um limite importantissimo ao prin-
cipio de que se deve manter a declaragao para corres-
ponder a confianga do piiblico: e que tal confianga so
sera admissivel e respeitavel na medida em que coin-
cidir com a letra e o espirito da lei. Direta e imediata-
meiite so importa a tutela do Interesse piiblico: a pro-
tegao aos interesses privados pelo princfpio da confianga
so e aceitavel — dizem esses autores — enquanto nao
contrarie aquela tutela. O processo voUtivo dos drgaos
da administragao, a intengao administrativa, a vontade
real devem, pois, prevalecer sobre a vontade declarada,.
sempre que seja a expressao do interesse piiblico que
ela traiu.
Que pensar desta discussao? Em nossa opiniao, ela
teve 0 merito de demonstrar que o problema da diver-
gencia entre a vontade real e a vontade declarada nao
170 DiREITO ADMINISTRATIVO

tern verdadeira autonomia no campo do Direito Admi-


nistrativo.

O ato executorio pode ser praticado no exercicio de


"um poder discricionirio ou de um poder vinculado.
Suponhamos como primeira hipotese qua se trata de
exercicio de um poder vinculado. A vontade declarada
pelo 6rgao administrativo ou esta de acordo com a lei
ou estd em desacordo. Se estk de acordo, o ato e valido.
Se esta em desacordo, o ato 6 invalido, por estar inqui-
nado de ilegalidade. Pouco importa que a vontade real
da Administragao seja ou nao tal como foi declarada a
tinal, pois so nos interessa a conformidade desta com a
norma legal. A vontade real, como nota o autor italiano,
para ser conhecida tambem ha de estar expressa no pro-
cesso que o ato culminou. E entao o problema recon-
duz-se ao da divergencia entre o ato e os seus motives
determinantes.
Agora, em segunda hipotese, consideremos o ato
praticado no exercicio de poderes discriciondrios por um
orgao singular. Ai, sim, a vontade do sujeito que o pra-
ticou moveu-se num §imbito de liberdade que nos per-
mite, e obriga mesmo, a considerd-la distintamente da
vontade da lei. Se a declaragao de vontade nao tinha que
ser fundamentada, certamente que so ela e relevante,
pois OS seus motives se ocultam nos meandros psicolo-
gicos da autorldade a quern a lei confiou o poder de apre-
ciar as circunstancias de oportunidade e conveniencla
em que se deveria praticar o ato; se foi fundamentada
e dos motives invocados se extrai que o orgao nao queria
decidir aquilo que afinal decidiu, entao o problema e
aquele que acabamos de indicar quanto aos atos vin-
culados, isto e, o da congrugncia dos fundamentos com
a decisao final.
Ato administrativo 171

76. Estamos perante a hipotese de, intencionalmente


ou por Yicio de vontade, a Administragao ter produzido
um ato administrative iiegal.
Afirmando que o ato e ilegal, por ai poderiamos ficar
se nao fora a existencia, em quase todos os paises onde
se cuitiva o Direito Administrative, de uma tecnica ana-
litica destinada a detectar o tipo de iiegaiidade cometida.
Foi a jurisprudencia de Conseiho de Estado francSs
que primeiro eiaborou essa tecnica a partir des cases
submetidos ao seu julgamento. Ao principle tudo seria
"excesso de poder", mas.pouco a pouco foi-se tornando
indispensavel distinguir as diversas cambiantes desses
excesses. Quer dizer que a averiguagae das modalidades
que pode revestir a iiegaiidade do ato administrative nas-
ceu de necessidades de ordem pratica.
Pode mesmo afirmar-se que a determinagao dos
requisites de validade do ato adminstrativo foi feita ten-
do em vista a andiise das ilegalidades. Primeiro estu-
dou-se a patologia do ato e foi a partir do conhecimento
dais "doengas" (os vicios) que se definiu a anatomia ou
estrutura do ato.
Hoje, porem, na construgao da teoria gerai do ato
administrativo ja podemos proceder numa ordem mais
logica: estudamos a definigdo do ato, vimos quais os ele-
raentos sem o concurso dos quais este nao esiste, e a
seguir enumeramos os reguisitos de que depende a vali
dade juridica do ato existente.
Agora e possivel ver come influi na vlda juridica a
falta dos elementos essenciais ou a deficiencia dos re
quisites do ato.
Esta deficigncia origina os vicios do ato adminis
trativo. Anallsa-los, como se fez aos requisites, oferece a
vantagem de facilitar a locaiizagao da Eegalidade.
172 DiREITO ADMUnSTRATIVO

Assim como todo o organismo da pessoa estd doente>


mas a doenga se localiza em certo orgao e e necessdrio
fazer o diagnostico a partir dessa loealizagao, tambem o
fato de todo o ato ser afetado pela ilegalidade e de so
haver atos legais ou ilegais nao obsta a que se indague
do ponto onde se deu a infracao das normas produtoras
da anomalia juiidica.
O vicio do ato administrative e, em resumo, a ilega
lidade que afeta qualquer dos seus requisites de validade.

77. O primeiro requisite de validade e a competencia


do orgao autor do ato para o pratiear.
O ato praticado por um orgao que nao tinha o poder
legal de o pratiear esta ferido de incompetincia.
Mas esta incompetencia pode ser absoluta ou rela-
tiva.

E absoluta quando nenhum orgao adminlstrativo


tinha poder para pratiear o ato. Relativa quando o orgao
competente nao e o orgao administrative que o praticou^
mas sim outro orgao administrative.
A incompetencia absoluta tambem nalgumas legis-
lagoes se chama usurpagao de poder case a faculdade
legal de pratiear o ato pertenga a uma ordem distinta
da administrativa: — legislativa ou judicial.
Quanto a Incompetencia relativa, reveste varias mo-
dalldades consoante os llmites da competencia que fo-
rem infringidos.
Ha incompetencia em razao da materia quando fo-
rem exeedidas as atribuigoes da pessoa coletiva ou vio-
lados OS limites unpostos a cada servigo administrative
relatdvamente a natureza dos assuntos que Ihe estao con-
fiados.
Ato administrativo 173

iTicompetenda em razao do grau hierdrquico e a


■que resulta da pratica por um subalterno de ato reser-
vado por lei ao sen superior.
Incompetencia em razao do lugar diz-se quando um
drgao pratica um ato cujos pressupostos nao se veri-
ficam na area da sua jurisdlcao ou na localidade pre-
•vista na lei.
Jncompetencia em razao do tempo verifica-se no
caso de o orgao administrativo praticar um ato que,
>embora dentro dos seus poderes legais, diga respeito a
uma situagao futura (uma vaga que ainda se nao abriu
■ou um prazo que nao decorreu, por exeraplo), nao res-
peite OS pressupostos legais quanto a ocasiao do exerci-
cio dos poderes, ou tenha efeitos retroativos que a lei
nao consinta.

78. O segundo requisite de validade do ato adminis


trativo dissemos ser a regular formagao e expressao da
vontade do orgao que o produziu.
E mostramos a importancia que nessa iormacao e
expressao assumem as formalidades e a forma.
O ato praticado com preterigao de alguma forma-
lidade essencial, ou da forma legal, sofre de vicio de
forma.
Pode distinguir-se entre omissdo de formalidade ou
da forma exigidas por lei e a sua simples irregularidade.
Num caso a formalidade nao foi praticada ou o ato ca-
rece da forma legal. No outro a formalidade foi prati
cada, ou a forma existe, mas sem que se tenham obser-
vado nelas os requisites ou solenidades que deviam ser.
Tal distincao pode ser util para o legislador quando
queira regular o suprimento da Uegalidade, mas nao tem
outro valor teorico. Na verdade, a irregularidade e, por
via de regra, menos grave que a omlssao.
174 DlEEITO ADMINISTRATrVO

Chamou-se oportunamente a atencao para a impqr-


tancia que revest© a sucessao ordenada de iormalidades
que a lei manda que tenha lugar a fim de tomar pos-
sivel o ato definitivo: essa sucessao constitui o 'processo
administrativo gracioso e quando as formalidades que o
integram sejam atos, estes tern a natureza de prepara
tories do ato definitivo em que culmina a corLStrugao
processual.
As omissoes ou irregularidades das formalidades
constitutivas do processo administrativo gracioso podem
ser supridas ou reparadas mediante intervengao dos inte-
ressados no decorrer do proprio processo quando a lei
tal permita, Mas, se nao tiverem sido protestadas opor
tunamente, e supridas ou reparadas pelo orgao compe
tent©, elas vao inquinar a validade do ato definitive,,
constituindo vicio de forma deste.
O ato definitivo que poe termo a um processo as
sume em si, portanto, todas as ilegalidades cometidas
nesse processo, salvo as que a lei eonsidere supridas pelo
decurso de algum prazo de protesto ou reclamapao sem
que a impugnacao tenha intervindo.
Quando a lei exija fundamentacao do ato, tamb6m
a omissao dela constitui viclo de forma. Uma fundamen-
tagao irregular por incongrulncia deve ter-se por nao
cumprida. Na verdade, neste easo houve apenas uma
aparSncia de fundamentagao e nao fundamentacao real.

79. Viraos que o ato administrativo tern um objeto,.


produzir efeitos juridicos num caso concreto, © que esse
objeto tern de ser certo e legal: o caso concreto tern de
estar precisamente caracterizado, os efeitos hao de ser
OS que a lei permitir ou impuser.
Se ao objeto do ato faltar eerteza e legalidade, o
ato esta viciado. Mas nao so nesses casos. Porque tarn-
Ato administrativo 175

bem ficou dito que a caracterizagao do case concrete e


o desencadeamento de efeitos juridicos vilidos dependem
com grande freqii^ncia da verificaQao de certos pres-
supostos objetivos ou subjetivos. E essa verificagao inte-
gra-se na avallagao da legalidade do objeto.
Come ha de ser chamado o vicio que afeta o objeto
do ato administrative? Em nenhuma legislagao aparece
nada que se parega com a expressao "vicio do objeto".
Em geral ele e identificado com a violaqdo da lei, como
se traduzisse a transgressao mais grave, mais caracte-
ristica, das normas legais que regulam a producao do
ato administrativo.

Em autores franceses o objeto ou conteiido do ato


correspondia ao j- undo da regulamentagao legal dele, em
contraste com as prescrigoes que se ocupavam da forma,
ou da competgncia, ou do fim. Dai distinguirem entre
molagdo de lei de fundo e violagdo de lei de forma.
Realmente todo o vicio do ato administrative resul
ts, como tenho dito, de uma infragao das leis que o
regem. Mas nesta nomenclatura convencional das mo-
da.lidades especificas que a ilegalidade pode revestir
nada impede que consideremos a transgressao das nor
mas respeitantes ao objeto e aos seus pressupostos comO'
a violagdo da lei propriamente dita.
O termo lei nesta expressao estd empregado em sen-
tido amplo, significando quaiquer norma juridica com a
qual 0 objeto do ato devesse conformar-se; e essa norma
tanto pode estar numa lei formal como num regula-
mento e ate num contrato pelo qual a Administragao se
haja vinculado.
E na medida em que se reconhega valor normative
aos principios gerais de direito tamb6m estes nao pode-
rao ser infringidos pelo objeto do ato.
176 DiREITO ADMINISTRATIVO

SO. Notamos que, ao exercer poderes discricion^ios, o


orgao da Administragao esta exclusivamente vinculado
ao respeito do fim para cuja realizagao foram concedidos.
Resulta daqui a ilegalidade dos atos praticados no
exercicio de poderes discricionarios em que nao haja side
respeitado o fim legal destes.
£i o que na jurisprudencia francesa se denominou
■detouTTiement de pouvoir e que em portugues se designa
por desvio de poder.
Poderemos assim definir o desvio de poder como
sendo o vicio que afeta o ato administrative praticado
no exercicio de poderes discricionarios quando estes
hajam sido usados pelo orgao competente com fim di
verse daquele para que a lei os conferiu.
Como se ve, trata-se de um vicio que apenas pode
surgir com o exercicio de poderes discricionarios. E a
razao e facil de entender. Aproveitando a imagem
usada; quando a Administragao exerce poderes vincula-
dos, e como se fosse um vlajante com itinerario marcado,
que nao tern mais do que ir seguindo as etapas deste para
chegar na altura propria ao seu destino; mas se esta
no exercicio de poderes discricionarios, o legislador ape
nas Ihe marca o destino, o fim que deve atingir; —■ Asse-
gure a ordem pilblica! Defenda a sadde piiblica! Garanta
o abastecimento piiblico! — deixando ao criterio de quera
tern de agir a escoliia dos meios ou processes de o conse-
gulr, como se ao viajante se deixasse liberdade de optar
por qualquer dos itinerarios possiveis para chegar ao
ponto de destino.
De forma que tudo e legal nessa opcao, contanto que
o fim marcado pela lei seja atingido.
Sublinho, porem, dois pontos: primeiro, a necessi-
•dade de averiguar cuidadosamente a medida da discri-
■cionaridade dos poderes, nao va existir neles algum as-
ATO ADMIIIISTRATrVO 177

pecto vinculado por lei; segundo, o erro de confundir po-


der disericionario com ato discricionario, pels nao ha
atos discricionarios, eles sao sempre "vinculados quanto
a competencia e ao fim, sao-no geralmente quanto a for-
magao e manifestagao da vontade, podem sl-lo nos pres-
supostos do objeto.
Na pratica, a determinacao da existencla do desvio
de poder susclta delicados problemas. Vamos ocupar-nos
de tres deles, a saber: como se apura o fim com que sao
conferidos os poderes discricionarios? Como se gera o
desvio de poder? E como se prova?

81. Insisto em que o fim do poder discricionario e aque-


le que a lei fixa ao conferi-lo a um orgao. Deste mode a
Interpretagao da norma atributiva da competencia e que
nos esclarecera sobre o fim que o poder deve destinar-se
a preencher; o fim do poder discricionario e determinado
como vinculagao legal para o caso da pratica de um ato
administrative no exercicio dele.
O desvio do poder, portanto, e uma especie de ilega-
lidade, e nao, como alguns pensam, mera imoralidade
adminlstrativa.

Quer isto dizer que nao aceltamos que os tribunals


tenham liberdade de rever a apreciagao feita pelo orgao
da administragao ativa a fim de verificar se: ele fez uso
conveniente, iltil, benefico do poder discricionario: o
juiz so pode anular um ato por desvio de poder na me-
dida em que ele contrarie o fim expresso ou implicito
na lei.

Foi o escritor francos Maurice Hauriou quern susten-


tou que a observancla das regras de compet§ncia, de for
ma e de respeito do fim dos atos administrativos, nao
fora resultante de exigencias da lei e sim das diretrizes
subjetivas do proprio Poder administrativo, dimanadas

244 -12
178 DIKEITO ADMINISTSATIVO

da hierarquia para conseguir um uso razodvel da auto-


ridade e uma boa administracao. Atraves da pratica da
Administragao se teria progressivamente definido essa
moralidade administrativa anterior as leis do Estado e
que no contencioso frances opoe o recurso por excesso
de poder ao que e aberto pela violacao da lei e dos direi-
tos adqulridos. Hauriou aplicava nesta teoria as suas
Ideias individualistas acerca da criagao do Direito a par-
tir da agao do Poder. Esse Direito criado pelo Poder so
subsequentemente seria objetivado pela adesao das cons-
ciencias. O desvio de poder seria assim fruto do auto-
controle da Administragao, ezercido no dominio dos
motivos, dominio que por sua natureza escaparia ao Di
reito objetivo e seria inspirado por essas normas inter-
nas de moralidade ou boa administragao que a hierar
quia define e deve fazer observar.
Esta doutrina, porem, esta abandonada, sendo hoje
mais seguida a opiniao de que a moralidade se aeha
acautelada pela lei nos termos por esta estabelecidos. No
Direito Administrativo, como em qualquer outro ramo
de Direito, a Moral so vale na medida em que, sendo re-
cebida pela norma juridica e como conteudo desta, pas
se a beneficiar da sancao peculiar da ordem juridica
em lugar de ficar limitada as suas sangoes peculiares
(reprovaclo das conscilncias).
Mas nao basta, para salvar a legalidade, prosseguir
um qualquer interesse publlco ao ezercer o poder dis-
criclonario.
Se e certo que a pretericao do interesse publieo ge-
nericamente considerado, nos casos em que o orgao ad
ministrative abusa do poder discricionario para alcan-
gar fins de mere interesse particular, constitui a mo-
dalidade extrema do desvio, este existira tamb§m sem-
pre que, deslgnando a lei ou deduzindo-se dos seus ter
mos um fim especifico a atingir, este fim seja poster-
Ato administrativo 179

gado e substituido por outro,. embora de interesse pii-


blico tambem.
Havera desvio de poder quando as faculdades dis--
cricionarias de policia destinadas a assegurar, por exem-
plo, a sanidade piiblica sejam usadas com o fim ex
clusive de obter receitas pecuniarias- para um servl§o
administrativo; ou quando a competencia discriciondria
disciplinar seja exereida nao para melliorar o servigo,
mas para dar uma satisfagao a opiniao publica alarma-
da com certos fates nele ocorrldos e que resultaram da
sua desorganizacao.

82. Passemos agora a analisar come se gera o desvio


de poder. Ja sabemos que as fontes geraderas dos vicios
do ato administrativo sao o dole (ou intengao) e o erro.
A primeira vista poderia parecer que a substituigao
do fim especificade por lei por outra finalidade deveria
ser sempre fruto de um "proposito consciente e delibe-
rado", isto e, do dolo de quern atua. E efetivamente
quando se trata de substituir um fim de interesse pu-
blico por um fim de interesse privado, tern de se exigir
a intencao de favorecer particulares, pois nao se admite
que tao grosseira postergacao seja efeito de simples erro.
Mas ja se concebe que a substituicao de um fim de
interesse piiblico por outro fim de interesse publico, em-
bora nao fosse o visado naquele case pela lei, possa ser
conseqiiencia de erro na interpretacao da lei. Nessa hi-
potese, alem do dolo ou intencao, e possivel aceitar que
a atuacao para um fim em vez de outro, sendo ambos
de interesse publico, resulte de errado entendimento da
norma legal.
Onde porem tern surgido maiores dlficuldades e
quanto a qualificagao do vlcio nos casos em que se ve-
rifique erro de jato nos motives determinantes invo-
cados.
180 DiREITO ADMINISTRATIVO

TTa verdade, o axercicio dos poderes discricionarios


pode traduzir-se num ato fundamentado, isto e, que in-
voque OS motivos da opgao por uma das v^ias solugoes
que 0 orgao tinha liberdade da escolher.
Se a lei condicionar o exercieio dos poderes a exis-
tencia de^ certas circunstanclas da fato e o orgao da Ad-
ministracao os exercer sem. que se verifiquem essas cir-
cunstaneias ha violagao da lei.
Suponhamos, porem, que nao exista esse condicio-
namento; por exemplo, quando a norma diz apenas que
0 orgao administrativo pode adotar as providencias ne-
cessarias a manutengao da ordem publiea. O orgao, nao
tendo por hipotese o dever da fundamentar as suas de-
cisoes, resolve mesmo assim justificar certas providen
cias adotadas, enumerando como motive delas aconte-
cimentos ou circunstancias que depois se verifique nao
corresponderem a realidade. Quer dizer que nesse caso
a autoridade atuou inspirada por erro de fato.
A autoridade invocou, e porventura visou, correta-
mente o fim legal. Mas, baseando-se em fatos errados,
na verdade nao produziu aquilo que se propunha obter.
Ha autores que, para casos destes, propoem a admis-
sao de um novo tipo de vicio que seria pura e simples-
mente o erro de fato. Mas o erro, como temos sustenta-
do, nao e um vleio do ato: e um vicio de vontade ge-
rador da ilegalidade.
A lei, ao conceder poderes discricionarios para que
sejam obtidos certos fins, pressupoe que a avaliagao da
conveniSncia e da oportunidade do emprego de uns
meios e nao de outros se baseie em motivos exatos. Se
o orgao atuou partindo da falsa ideia sobre os fatos,
violou-se o pressuposto implicito na lei, para que se
produzissem regularmente efeitos jurldicos, e assim o
vicio sera tambem de vlolaqao de lei.
Ato administhativo - 181

53. Finalmente, como se prova que o orgao da Admi-


nistragao visou no exercicio dos poderes discricionarios
um fim diverse daquele para que a lei os tinha con-
ferido?
Na grande maioria dos cases essa troca de fins e
impossivel de apurar, a nao ser que o ato tenha side
fundamentado ou que haja culminado um processo gra-
cioso. \
Se foi fundamentado, se o autor especificou moti
ves, ao dizer por que decidiu por certa opgao e nao por
outra, podera depreender-se para que decidiu.
Notar-se-a ser indispensavel na fundamentacao que
OS motives revelem a razao da decisao tomada, isto 6,
OS seus motivos determinantes: so esses interessam.
Se nao houve fundamentagao mas o ato rematou
um processo, tambem pelo exame das pegas deste pode
apurar-se qual o prop6sito com que agiu o autor do ato.
De qualquer mcdo, o apuramento do desvio de po-
der nao pode deixar de estar no regime da prova moral,
isto e, fica a convicgao de quem tenha de decidir, em
face dos elementos reimidos, resoiver se houve ou nao
substituigao do fim visado na lei por outro fim.

84. Passemos ao estudo das sangoes da ilegalidade do


ato adminlstrativo. Se se verifica um vlcio no ato, que
pode acontecer?
Vimos oportunamente que para existir um ato ad
minlstrativo e necessarlo que se conjuguem certos ele
mentos essenciais. Se falta algum desses elementos nao
ha ato administrative.
Mas importa distinguir os casos em que, nao ha-
vendo o ato adminlstrativo que se pretenderia produzir,
hd todavia um ato juridico publico suscetivel de outra
qualificagao legltima (ato generico de administragao,
182 DiREITO ADMINISTRATWO

ato politico do Govemo, ato Juridiscional...), daqueles


outros casos em que apenas se produziram fatos re-
provados pelo Direito ou de que nao podem decorrer
quaisquer efeitos juridicos.
o que sucede quando alguem u-surpa a qualidade
de orgao da Administragao e pretende exercer a com-
petencia que so a esta pertence, ou quando nao houve,
de todo, conduta voluntdria de um orgao da Adminis-
tragao traduzida pela forma legalmente exigida, ape
nas se verificando fatos ou operacoes materials ou ate
procedimentos criminosos (falsidade do documento em
que se contem a manifestagao de vontade que se pre
tende atribuir k Administragao, por exemplo).
Faltando elementos essenciais nao ha, nao pode
haver, por definigao, ato administrativo e porventura
nem sequer foi produzido um ato juridico. Se alguina
autoridade pretende fazer valer tais fatos como se fos-
sem atos administrativos, tem de se afirmar a inexis-
tincia do ato administrativo.
Nao e pveciso lei que o diga: quando tao grosseira-
mente se queira fazer passar por ato administrativo um
fato ou fatos onde nao se encontra nada que eorres-
ponda ao conceito respectivo, claro esta que a inexis-
tlncia juridica do ato resulta da propria natureza des-
ses fatos.
Caso, porem, seja produzido um ato iurldico, em-
bora sem as caracteristlcas do ato administrativo ou
a que faltem requisites legais de vaiidade, entao o pro-
blema que se poe e outro.
O ato administrativo vale na ordem iuridica na
medida em que traduz para um caso concreto a vontade
impessoalmente formulada na lei. Vimos que isso 6 as-
sim, mesmo quando sejam exercidos poderes discricio-
narios, pois estes correspondem a uma delegajao do le-
AXO AHMINISTRATIVO 183

gislador no org^ administrative para, dentro de certas


limitaeoes (competencia e fim, sobretudo), proceder
em cada case pelo mode mais ajustado ^ circunstan-
cias.
Para qua o ato administrative seja um valor jiu'i-
dico positive, tem de estar eonforme com as norm as
legais que regulam a sua produgao, porque e a comuni-
cagao do valor da lei que o toma valido. Dai resulta
que, havendo divergencia entre o ato e essas normas,
0 ralor legal nao se comunica ao ato, o qual existe mas
nao e valido.
A invalidade do ato administrative ilegal e um con-
ceito doutrin^io, uma conseqiiencia logica da doutrina
da legaiidade dos atos administrativos, isto 6, da ne-
cessidade de que o ato seja produzido eonforme precei-
tua a lei, e nao ao abrigo de uma licitude amplamente
facultada pela Ordem Juridica.
Mas as sancoes que reprimem o ato invalid©, essas
so a lei em cada Pais as pode cominar. E a corainagao
das nulidades no Direito positive nao esta de acordo
com qualquer esquema tedrico. Na verdade, o legislador,
mais do que a logica dos principles, tem de atender a
razoes de convenlencia social, de seguranca juridica e
at6 de economia, ao ferir de nulidade um ato juridico:
por vezes, razoes de interesse publico levi-lo-ao a comi
nar sangao energica para um ato nao muito gravemen-
te viciado, enquanto noutros casos poupara na medida
do possivel um ato substancialmente deficiente.
Por isso numa teoria geral apenas podem ser indi-
cados alguns tipos de sancoes da invalidade, caracteri-
zando-os segundo os efeitos que mais geralmente Ihes
sao atribuidos nas legislagoes.
E nessa orientagao que vamos prosseguir.
Quais sao entao os tipos mais correntes de san
coes que ferem a ilegalidade dos atos administrativos?
184 DIREITO ADMINISTRATIVO

Ha autores, como Jfeze, que indicam bastantes: ine-


zistencia, nulidade pura e simples, nulidade ralativa,
nulldade precaria, inoponibilidade a terceiros, privagao
parcial de efeitos, simples responsabilidade pecuniaria.
Les principes g&neraux du Droit Administratif, 3.^ ed.,
vol. l.o, p. 69.
Mas creio que se quisermos concentrar a nossa
atengao apenas nas formas tipicas mals freqiientes de-
veremos reduzir o estudo apenas a tres: a inexistencia,
a nulidade e a anulabilidade.
Teoricamente a inexistencia so cabe naqueles casos,
que foram ja enunciados, de carlncia de elementos es-
senciais do ato admini.strat.ivo.
Mas, repito, isso nao impede que a lei declare ine-
xistentes ou comine sansao equivalente para ilegalida-
des que embora em teoria nao afetem a existgneia do
ato, sejam na prdtica tao graves e tao evidentes que a
Ordem Juridica repugne tolera-las.
Em todo o caso, distinguiremos da iTiexisteTicia par
natureza essa nulidade absoluta por comlnagao da lei.

85. Como ficou dito, a nulidade absoluta e equiparada


nos seus efeitos k inexistencia juridica do ato. So que
essa inexistencia juridica nao resulta da natureza das
coisas e sim de cominagao da lei que fulmina a conduta
da Administragao como nula e de nenhum- efeito, po-
dendo, porem, graduar a sua extensao.
No rigor dos principios, da nulidade do ato deve-
riam resultar as seguintes conseqiiencias:
a) nenhuma relagao juridica se constitui, modi-
fica ou extingue por virtude do ato nulo, pois, estando
privado totalmente de eficdcia, dele nao resultam quals-
quer poderes ou deveres, nao devendo respeitar-se os
efeitos que de fato haja produzido a data da declaracao
da nulidade;
Ato administrativo 185

b) OS particulares nao devem obediencia ao pre


tense ato e podem legitimamente opor resistencia pas-
siva k respectiva execugao, mesmo sem ele ter aide de-
clarado nulo per qualquer autoridade ou tribunal;
c) OS prdprios funcionarios podem desobedecer,
sem InfraQM disciplinar, a ordem contida no ato nulo,
pois a inexistgncia juridica da ordem constituira justi-
ficagao do fato da desobedi§ncia;
d) qualquer autoridade administrativa pode, em
qualquer tempo, declarar a nulidade do ato, assim como
qualquer tribunal perante o qual ele seja invocado inci-
dentalmente;
e) se, todavia, a execugao do ato nulo prosseguir
como se efetivamente houvera um ato executorio, isto
e, per erro ou violencia dos agentes administrativos, se
persistir em atribuir efeitos ao ato que os nao produz
e se pretender coagir os cidadaos a acatar imperativos
nulos, entao podem os interessados irapugnar judicial-
mente o pretenso ato para obter a declaracao de nuli
dade, ou defender-se em qualquer tribunal onde estejam
sendo reus por fato relacionado com o ato nulo, argiiin-
do a nulidade como excegao que qualquer tribunal tem
competencia para conhecer ou decidir;
f) OS titulares dos orgaos que praticarem o ato
nulo respondem pessoalmente pelos prejuizos que da
execugao dele possam provir para outrem.
No caso de, por erro ou violencia da Administra-
cao, 0 ato nulo ter produzido efeitos como se fora legal,
esses efeitos serao destruidos logo que a nulidade seja
declarada, mas a partir da data em que o ato foi pra-
ticado, isto e, a destruicao dos efeitos, opera-se ex tune.
Todavia a lei ou a jurisprudencia podem temperar
o rigor da possibilidade de aniquilamento a todo o tem
po das situagoes de fato constituidas ^ sombra do ato
186 Ddleito administrativo

nulo, admitindo a sua transformagao em.situagoes de


direito por efeito da iisucapiao.
Uma vez que a todos se permite desobedecer e re-
sistir aos imperativos contidos no ato nulo ou dele d::
correntes e a lei determina o aniquilamento de quaisquer
efeitos que de tal ato hajam resultado, considerando-os
meros jatos sem base juridica pelos quais fleam res-
ponsaveis os seus autores, e manifesto que^ o legislador
deve escolher cautelosamente os casos a que apUque tao
severa sangao. Ela so deve ser cominada para um pe-
queno mimero de ilegalldades graves e evidentes. Tao
graves que repugne a consciencia juridica a subsisten-
cia do ato por elas ferido; e evidentes, em termos de
poder saltar aos olhos de qualquer pessoa a sua exis-
tencia.

86. A regra em quase todos os paises e a de que o ato


administrativo, quando viciado, apenas se torna susce-
tivel de ser anulado nos termos e prazos e perante os
orgaos Indicados por lei: a isto se chama anulabilidade.
Nesse caso a lei fixa prazos para a alegacao do vl-
cio perante as autoridades ou tribunals competentes;
indica as pessoas ou entldades com legitimidade para o
fazer; e o ato so sera anulado mediante decisao do or
gan perante o qual haja sido impugnado.
Enquanto a anulagao nao tiver sido declarada, o
ato produz os seus efeitos (salvo nos casos em que a lei
permita a sua suspensao), 6 um ato eficaz, o.brigatorio
nao apenas para a Administragao como para os parti-
culares a que seja aplicdvel.
Se dentro dos prazos legals, porem, a validade do ato
'riao for impugnada, o vicio nao podera mais ser invo-
Ato administrativo 187

cado, pois que a caducidade do direito de a§ao origina


a. conversao do ato viciado em um ato sao: e o que se
podera chamar a tendincia do ato anuldvel para a con-
valescenga.
O ato doente cura-se com o decurso do tempo. E
isso da-se porque o legislador pensa que a ilegalidade
cometida nao e tao grave que deva sobrep-or-se ao In-
teresse de por termo a inseguranga dos direitos. Aos in-
teressados, incluindo os representantes do interesse pu-
blico, 6 facultada a anulagao do ato; mas se nao usa-
rem oportunamente dessa faculdade, o interesse geral
impoe que nao fique indefinidamente a pesar sobre esse
ato a ameaga da anulagao.
Na vida social importa que se nao eternize o estado
de incerteza e de luta quanto aos direitos das pessoas
e por isso se consolida a situacao criada pelo ato nas-
cido embora com pecado original, desde que este nao
tenha causado abalo sensivel.
Daqui resulta que o ato anulavel, em teoria,
a) s6 pode ser declarado nulo pelos orgaos legal-
mente competentes;
b) se esse orgao for um tribunal, a declaracao
tern de ser requerida pelas entidades que a lei conside-
rar interessadas e

c) caso o pedido de declaracao seja formulado no


prazo legal;

d) em todos os cases, ate a anulagao pelo orgao


competente, o ato e obrigatorio e eficaz, presumindo-se
valido, salvos os casos de suspensao admitidos na lei;
e) e, so apos a anulagao, sao destruidos, na me-
dida do possivel, os efeitos prbduzidos pelo ato anulado.
188 DlEEIlO ADMINI8TBATIV0

§ 5.0

EXTINQAO, ALTERAgAO E SUSPENSAO


DO ATO ADMINISTRATIVO

87. Extingao, revogagdo, substituigdo e alteragao do


ato administrativo.

88. Conceito de revogagdo.

89. A revogabilidade sera caracteristica do ato admi


nistrativo?

90. Atos revogdveis e irrevogdveis.

91. Revogagdo dos atos ilegais suscetiveis de impugna-


gao judicial.
92. C&mpetencia para revogar.

93. Forma e processo da revogagdo.


94. Efeitos da revogagdo, quanto aos efeitos, d ipoca,
as pessoas.

95. Ratificagdo, reforma e conversdo.


96. Retificagdo dos erros.

97. Suspensdo da executoriedade do ato pela Adminis-


tragdo ou pelos Tribunals.
98. Elementos acessorios do ato: efeitos da Uegalidade.

87. O ato administrativo pode deixar de vigorar por


se ter esgotado na execugao o sen conteiido; por terem
deixado'de se verificar os pressupostos da sua aplicagao;
por haver decorrido o tempo previsto para a produgao
dos seiis efeitos (caducidade); por ter sido substituido
por outre ato de conteiido diverse... Nao e des cases
Ato administrativo 189

normais de extingao do ato que vamos ocupar-nos ago-


la, mas sim'daqueles cases em que seja produzido lun
novo ato administrative destinado a destruir o primei-
ro ou a fazer cessar os sens efeitos para o future.
Ha uma difereuQa entre estas duas ultimas bipd-
teses. Na primelra — que chamamos de destmicdo do
ato anterior — declara-se este sem efeito, pretenden-
do-se q«e tudo se passe na ordem juridica como se ele
nao tivesse existldo. O orgao administrativo procura in-
fluir no passado a fim de, quanto possivel, apagar os
tragos deixados pelo ato durante o periodo da sua vi-
gencia. Nem sempre esse objetivo se consegue facilmen-
te, porque nao se pode regresaar no tempo e desfazer
OS fatos ocorridos, ainda que se anulem os seus efeitos
juridicos perduraveis,
Na segunda hipotese —■ que e a da cessagdo de efei
tos — 0 ato administrativo esta em vigor com aptidao
ainda para produzir efeitos. A Administracao deseja
apenas fazer cessar a vigencia do ato, respeitando o pas
sado e impedindo que dele resuitem novos efeitos para
0 futuro.
Em qualquer das hipoteses ha, pols, uma interven-
gao da Administracao que mediante um ato adminis
trativo, denominado reroogagdo, extingue outro' ato ad
ministrativo praticado e ainda em vigor.
Nao se deve confundir o ato revogatorio com um
novo ato com conteiido diferente e porventura contra-
rio ao ato anterior; este e um novo ato administrativo
que substitui outro ato anterior dispondo para o futuro
em termos opostos aos fixados antes. O ato anterior
produziu os seus efeitos e deixa de vigorar porque o
seu lugar foi tornado por outro ato de conteudo diferente
que impbcitamente o revoga. Ora o ato de revogagao
190 DIREITO ADMINISTEATIVO

tem por objetivo direto e explicito fazer cessar os efeitos


do ato revogado sem, em si proprio, o substitulr.
Sucede com freqiiencia que o orgao admlnistrativo-
altera o conteudo de um ato administrativo anterior,,
modificando o sen objeto on alguns dos requisites des-
te. Se a hipotese nao se enquadrar em qualquer das
figuras da reforma ou da conversao, tem de entender-se
que a parte alterada do ato e nova, quer tenha bavido
aditamento a primitiva declaracao, quer substituigao de
algum aspecto do objeto. Deste modo, as alteragoes ou
modificaQoes, que nao consistam em mera retificaQao de
errcs de c^dculo ou de escrita, nao produzem efeito re-
troativo: o ato primitivo, nao revogado, produz os seus
efeitos ate ao momento da eficacia da aitera^ao ou mo-
dificagao nele introduzida.

88. Entendo por revogagdo, o ato administrativo que


tem por objeto destruir ou fazer cessar os efeitos de ou-
tro ato administrativo anterior praticado pelo mesmo
orgao ou por um seu delegado ou subalterno.
Esta nocao e mais restrita do que a da acepcao
vulgar que confunde revogaqao com toda e qualquer
cessagao de vigencla de um ato, mas e mais ampla do
que a proposta pelos autores para quem so ba revoga-
gao quando o ato revogado seja valido, distinguindo-a
da anulagao.
A revogacao e um ato administrativo que pertence
a categoria que alguns autores denominam dos "atos
sobre atos", isto e, de atos secundarios cujo objeto e
constituido por outros atos (primaries) e pslos casos
concretos que estes regularam.
Em minha opiniao, ha revogagao sempre que se
faga cessar para o future os efeitos de um ato anterior
Ato ADMINKTHATIVO 191'

ou, em certos casos, destruir tamlD&n os efeitos produh


zidos,
— quer o novo ato seja praticado espontaneamente
(revogagdo oficiosa) quer a requerimento dos interes-
sados;
— quer o autor desse ato seja o proprio agente que
praticou o ato revogado (retratagdo) quer um seu su
perior hierarquico ou o delegante;
— e quer o ato anterior seja valido, mas inconve-
niente ou inoportuno, quer seja invalido por estar fe-
rido de nulidade {a7iulagdo graciosa).
A revogasao aparece-nos assim em oposiqao ^ anu-
lagao contenciosa, caracterizando-se essencialmente
per: a) provir da propria Adminlstragao ativa; b) to-
mar a forma de ato administrativo; e c) poder fundar-
-se em razoes de mera conveniencia ou oportunidade.

89. A revogabilidade tem sido apresentada por alguns


autores como earacteristica dos atos administrativos,
em contraste com a imutabilidade da coisa julgada ga-
rantida aos atos jurisdicionais praticados pelos tribu-
nais.
Assim, e corrente na doutrina italiana a afirmaqao
de que, devendo a agao administrativa estar em cons-
tante correspondencia com as exigencias do interesse
pilblico, tem os drgaos da Administraqao de possuir o
poder de revogar os seus atos desde que eles se revelem
contrdxios ao interesse pilblico.
No polo oposto encontram-se aqueles que entendem
que a imutabilidade e earacteristica comum dos atos de
aplicaqao da lei, salvo os casos em que seja permitida a
modificagao segundo formas por ela estabelecidas (re-
vis^ das sentenqas, revogacao dos atos administrati
vos), nao passando o institute da coisa julgada de uma
192 DlRErrO AUMUnSTRATIVO

das modalidades revestidas por essa caracteristica


comum.

Pode-se notar certo paralelismo entre a' coisa jul-


gada e o ato administrativo definitivo e executorio que
nao haja sido impugnado contenciosamente e que seja
constitutive de direitos. Mas essas afinidades, que ser-
vem para demonstrar a igualdade d© posigoes jtiridicas
da Administragao e da Justiga num sistema adminis
trative de tipo frances, nae devem fazer perder de vista
a distingae fundamental des dels institutes, sobretude se
considerarmes a coisa julgada material.
£ que a coisa julgada pee termo ao estado de in-
certeza numa situagao litigiosa defininde com. forca de
verdade legal qual e interesse digno de pretegao; o ato
definitivo e executorio cencretiza a vontade da Adminis-
tragao em certa situagao em que esta tern de agir para
realizar o interesse pdblico nos termos legais.
Portanto, nao admira que o ato definitivo e exe-
cutdrio nao crie uma situagao juridica imodificavel,
pois que pode averiguar-se mais tarde que o Direito exi-
gia outra conduta ou que o interesse pilblico impunha
diferente solugao.
O ato definitivo e executorio, embora pelo princi-
pio da identidade, que conatural a todo o ser, raesmo
de criagao juridica, e pelas necessidades de seguranca
tenda a subsistir tal como foi praticado, e revogavel,
mas essa faculdade de revogagao esta fortemente con-
dicionada: e precise que nao ofenda a lei nem os di
reitos ou situagoes individuals criados ou consolidados
& sua sombra.

Dai a enorme importancia que para a teoria da re


vogagao revest© a distingao dos atos administrativos em
eonstitutivos e nao constitutivos de direitos.
ATO ADMUnSTRATIVO 193

90. So sao revogdveis as atos com existencia juridica.


Um ato inexistente nao se revoga; o que pode, a todo o
tempo, e declarar-se a sua absoluta nulidade nos termos
ja oportunamente expostos, isto e, iazer-se a declaragdo
de inexisteneia.
Da mesma forma nao faz sentldo revogar o ato fe-
rido de nulidade absoluta, pols estando incapaz de
produzir efeitos Juridicos nao se pode faze-los cessar. So
cabe nesse caso a declaragdo de nulidade.
Nao sao remga/veis os atos. administrativos cuja
prdtica seja conseqiiencia de imposigdo legal, na me-
dida em que correspondam a tal imposigao. Efetivamen-
te, se a lei Impoe que certo dla, ou dadas certas circuns-
tancias, se pratique um ato com determlnada forma
e conteudo e o orgao admlnistrativo se limitar a cum-
prir OS preceitos legais, e manifesto que este nao deve
revogar o ato praticado sob pena de, com a revogagao,
ir ofender a lei imperativa. Dai resulta a necessidade de,
mesmo quanto aos atos nao constitutivos de direitos
mas que imponham deveres ou encargos, para apurar
se sao ou nao revogaveis, verificar se a sua pratica re
sulta do exercicio de poderes vtnculados, pois a revo-
gagao deles so e possivel quando provenham de poderes
discriciontoos.
Nao sao revogdveis depois de executados os atos de
execugdo instantdnea, isto e, cuja execugao se esgote
numa so agao ou oroissao. Se um orgao administrative
concedeu, por exemplo, autorizaeao ao proprietdrio de
um veiculo para passar uma vez por certa zona sob sua
jurisdiQao, e essa autorizagao foi utilizada, e manifesta
a impossibilidade de revoga-la. Se foi ilegal, pode ser
pedlda a responsabilidade de quem a deu, mas nada
mais.

244 -18
194 DniSITO ATMINISTRATIVO

Portanto so podem ser Tevogados os atos ainda sus-


cetiveis de produsir efeitos, quer por ainda nao terem.
sido executados, quer por serem de execugao continua-
da, mesmo que esta execugao ocorra mediante o exer-
clcio de poderes ou de deveres que o ato tenha atribuido
a alguem.
A mais importante distingao que, todavia, tern de
ser considerada para determinar quais os atos adminis-
trativos revogaveis ou nao, e a que ja apontamos entre
atos eonstitutivos e Tido constitutivos de direitos.
Na verdade, se o que esta em causa e pura e sim-
plesmente o interesse publico, mesmo que se traduza na
imposigao de deveres ou encargos aos cidadaos, a Ad-
ministragao esta sempre livre de mudar de crit^rio e
de revogar um ato anterior ndo constitutive de direitos,
invocando qualquer fundamento e a qualquer tempo.
Sucede mesmo com frequ6ncia que a Administra-
gao, ao permitir ou conceder o exercicio de alguma ati-
vidade a alguem, o faga com a ressalva de que o ato
nao constitui direitos subjetivos para o beneficiario e
que a continuagao da atividade permitida ou concedida
fica dependente das conveniencias do interesse publico:
sao OS atos denomlnados precdrios — autorizagoes, per-
missoes, licengas, concessoes... a tftulo precario. A
precariedade significa, pois, que o ato nao e constitutivo
de direitos e pode ser revogavel quando o interesse pu
blico aconselhar.
Mas se 0 ato administrative definiu, reconheceu ou
consolidou direitos ou situacoes juridicas de outrem,
entao nao pode deixar de se garantir a seguranga des-
ses direitos ou situagoes, nao permitindo, senao em con-
digoes muito precisas, que seja revogada a decisao da
Administragao em que as pessoas fizeram fe e sobre a
qual podem ter sido construidos novos direitos ou cria-
das expectativas legitimas.
Ato administrativo 195

Da propria esseneia do Direito Administrativo, que


vlmos consistlr na limitacao juridica da autoridade pu-
blica mediante a observancia da legalidade, decorre a
necessidade de impedir que a Administragao proceda
caprichosamente, destruindo qu modificando atos legais
que hajam produzido efeitos na esfera juridica de
outrem.
De forma que, se o ato e constitutivo de direitos,
estes, uma vez constituidos, nao podem ficar a merce
dos juizos de conveniencia e de oportunidade da Admi-
nistraqao quanto a serem mantidos ou nao. O unico
fundamento que pode nesse caso justificar a revogagao
do ato e a sua ilegalidade.

91. Em geral, em todos os paises onde se consagra o


regime da legalidade na Administraqao existe a possi-
bilidade de impugnar a validade dos atos administrati-
vos, argiiidos de ilegais, em tribunals ou orgaos juris-
dicionais equivalentes.
Os meios contenciosos sao os mais adequados para
discutir a legalidade dos atos administrativos. Mas o
contencioso pressupoe uma diverglncia, uma oposicao
de interesses, uma contestagao de razoes e por Isso, an
tes de se iniciar essa fase do exame da legalidade' do
ato, deve dar-se a Administraqao a possibilidade de re-
ver a sua decisao para, no caso de vir a reconhecer que
errou, poder ela propria desfazer o erro.
Ha legislagoes, como a espanhola e a da Republica
Federal Alema, que estabelecem a obrigaQao de fazer
preceder o recurso aos tribunals de reclamaqao dirigida
ao autor do ato que se pretende impugnar, na qual se
esponham os fundamentos da argtilgao de ilegalidade e
se peqa que seja reparado o mal, anulando, mediante re-
vogaqao, o ato ilegal. So do indeferimento dessa recla-
196 Deeito admujistrattvo

magao, expresso ou presiimido a partir do silencio man-


tido no prazo fixado pela lei, e que se toma possivel
interpor recurso para os tribunals competentes.
Mas, alnda quando nao exista disposigao semelhan-
te, a posslbilidade do autor do ato ou o seu superior
hlerirquico, repararem mediante revogagao, ex officio
ou a requerimento dos interessados, o agravo resuitante
da ilegalidade praticada, e geralmente admitlda.
A revogagao por ilegalidade deve, porem, estar su-
jeita ks regras preconizadas para o regime juridico de
anulabilidade.
O ato constitutivo de direitos so sera revogivel
quando anulavel. E neste caso, a revogagao tem de ter
lugar, oficiosamente ou a requerimento do interessado,
dentro do prazo fixado por lei, decorrido o qual o ato
fica sendo irrevogavel.
Claro que, se o ato for nulo (e nao so anuUvel),
entao a todo o tempo podera ser declarada a nulidade
absoluta, dentro dos principios expostos atrds.
Ha, por6m, um problema que interessa aqui tomar
em consideragao. Suponhamos que o interessado intro-
duziu no tribunal competente o pedido de anulagao do
ato ilegal. Poderd, a partir desse momento, a Adminis-
tragao revogar ainda o ato afeto a justiga?
A perg^nta pode parecer ociosa. Na verdade nada
impede ao orgao da Administragao que revogue o seu
ato: k uma especie de confissao de que o recorrente aos
tribunais tem razao. Essa confissao, nao sendo trazida
pela propria Administragao ao processo contencioso,
permitlra ao interessado desistir dele, por ja ter obtido
satisfagao do seu direito e assim a agao carecer de causa
de pedir.
Mas deve faze-lo?
ATO ADMINISTRATIVO 197

Para apreciarmos o interesse pratico do problema


suponhamos uma hipotese, nao impossivel de verificar-
-se: instaurada a agao de anulagao do ate administra
tive no tribunal, o organ da Administragao revoga-o,
mas nao comunica que o fez ao tribrmal, nem o interes-
sado desiste da agao. Esta prossegue e, no final, o juiz
declara o ato valido.
Como o ato cessou de existir pela revogagao, a sen-
tenga ficou aparentemente sem objeto. Mas outro inte-
ressado podera entao recorrer pedindo a anulagao do
ato administrative revocatorio por ter sido fundamen-
tado em erro de direito; revogou julgando que o ato era
ilegal, quando o orgao do contencioso sentenciou, com
forga de coisa julgada, que e legal.
Para evitar estas dificuldades, convem que se pres-
creva a perempgao da competencia da Administragao
para revogar o ato administrative a partir do memen
to em que este seja impugnado contenciosamente no
tribunal competente, isto nos casos em que nao vigore a
regra de exaustao dos recursos administrativos como
condigao de aceitagao da agao judicial,
Desde que o ato seja um so, e a competencia das
duas jurisdigoes seja id§ntica, com o mesmo objeto e
extensao, deve entender-se que o exarne da legalidade
pertence primacialmente ao tribunal, pelo que, solicitado
este, cessa a autoridade de qualquer outro orgao para se
pronunciar a seu respeito.
Sendo assim, a Administragao, ao chegar a altura
de ser ouvida no processo contencioso, nao teria mais a
fazer do que reconhecer, quando fosse caso disso, a ile-
galidade do seu ato, deixando o tribunal proferir depois
a sentenga de anulagao.
Vimos acima a hipotese da ilegalidade do ato revo
catorio: sempre que se revogue um ato administrativo
198 DiRErro ADMINISraAlOTO

constitutivo d© direitos que seja legal, ou sem a obser-


v&ncia das formalidades legais, produz-se uma revoga-
gao ilegal. Esta 6 suscetivel de anulagao, por sua vez,
jnas, mals do que isso, contem um fate ilicito que pode
ser causador de dano, dando direito a pedido de Inde-
nizagao.

Quem pode revogar?


Ja ficou dito que e competente para revogar um ato
administrative o proprio autor do ato ou, caso o haja,
um superior hlerarquico dotado do poder de superinten-
dencia.

Por autor do ato entende-se o orgdo, e nao o seu


titular. Quer dizer que, mudando o titular de um 6rgao,
0 novo titular pode revogar os atos praticados pelo ante
rior, visto que o orgao permanece o mesmo.

Mas, para que o orgao autor do ato possa revogar


este, i necessario que, entretanto, a lei Uie nao tenha
retirado a competencia de dispor sobre a materia a que
0 ato se referia. Se essa competencia for transferida
para outro orgao, e este que fica sendo competente para
a revogagao.

E se a revogagao tiver por fundamento a incompe-


t^ncia do orgao que praticou o ato? £i ainda o orgao in
competent© que deve retratar-se, revogando o ato inde-
vidament© pratlcado.
Quanto a competencia do superior hierdrquico para
revogar os atos do subalterno, ela pressupoe, como e
evident©, que o ato haja sido praticado por um orgao in-
serido numa hierarquia. Ha casos em que a liierarquia
nao existe: e o dos orgdos independentes, como sucede
com OS juris dos exames universitarios. Noutros casos a
hierarquia existe, mas o recurso e impossivel em virtude
Ato abministrativo 199

■de 0 orgao que praticou o ato estar no topo da hierar-


quia, sem superiores portanto, ou por a lei atribulr ex-
pressamente ao subalterno uma competSncia exclusiva
aobre a qual os superiores nao tSm o poder de superrn-
tendencia (isto 6, de revogar o ato e de avocar a si o
caso para o resolver) mas simples poder de drregdo (ou
seja, de dar ordens e instnigoes sobre o modo de set
^xercida).
Em condigoes normals e proprio da hierarquia que
a competencia do superior compreenda a do subalterno,
enquanto que o subalterno nao pode invadir a esfera
da competencia do superior, sob pena de viciar o seu
ato por incompetencia em razao do grau hierarqulco.
Desde que a competencia do superior abrange a do
subalterno ela implica o poder de superintendencia so
bre OS atos do subalterno, o qual, como ficou dito, com-
preende a faculdade de revogar esses atos e de dispor
em termos diferentes sobre a raatdria por um novo ato
mediante a avocagao do caso.
E podera o 6rgao delegante revogar os atos prati-
•cados pelo orgao a que conferiu delegagao? E o orgao
delegado poderd revogar os atos praticados pelo dele
gante antes da delegagao, sobre mat6ria propria desta?
Caso o delegante seja superior hierdrquico do dele
gado, seria a primeira vista natural que se aplicassem
as regras relativas & revogagao pela hierarquia. Mas e
preciso nao esquecer que, por virtude da delegagao, o
delegado deixa de atuar como subordinado, para proce-
der em lugar do delegante, no exerclcio da mesma com
petencia e, portanto, ao mesmo piano dele, Sobretudo se,
por virtude da delegagao, o subalterno pode praticar
atos definitivos, esta circunst4ncia mostra que a hierar
quia deixou de prevalecer.
200 DntETTO ATMINISTRATIVO

Noutras hipoteses falta a propria relagao hierar-


quica — e o que se passa nas delegagoes entre membros
do Govemo quando iim Ministro e coadjuvado na ge-
rlncia do seu departamento ministerial por Secretdrios
de Estado ou Subsecretarios de Estado, membros da
equlpe govemamental.
O que em qualquer case tern de se ter em conta e
que a lei conferiu a mn orgao a competenda para aten-
der a certos interesses. O outro orgao, que por virtude
da delegagao permitida legalmente ou pela natureza das
fungoes, aparece investido da mesma competencia, e
mero auxiliar do primeiro.
A delegagao nao desonerou, porem, o delegante das
responsabilidades que Ihe cabera pelo uso da competen
cia delegada. A delegagao deve sempre ser entendida
com reserva para o delegante do poder de^ vigiar o bom
ou mau uso dos poderes delegados, e do poder de supe-
rintendgncia sobre os atos praticados no exercicio da
delegagao.
De contrdrio a delegagao corresponderia a um'a alie-
nagao da competencia, o que esta em contradigao com
a natureza do instituto.
Portanto, ao delegante cabe o poder de revogar os
atos que o delegado pratique no uso da delegagao con-
ferida, como se fosse superior hierarquico dele.
E pelas raesmas razoes tem de entender-se que o
delegado nao pode revogar os atos do delegante.

93. Quanto d forma do ato da revogagao, nao haven-


do preceito legal era contrario, deve ser a que tiver sido
adotada para o ato revogado: e o vellio principio de que
OS atos se desfazem pela mesma forma por que sao" fei-
tos {principio da identidade da forma).
ATO ADMINISTRATrvO 201

Compreende-se de resto que se houve razoes deter-


minantes da exigencia de dada forma para a pritica de
certa categoria de atos, as mesmas razoes imperem
quando se trate de os revogar.
Pelo que toca as formaiidades processuaia exigidas
como pressuposto da validade do ato, pode estabelecer-se
como regra a desnecessidade de processo especial para
a revogagao oficiosa, istx) e, por iniciativa da Admlnis-
tragao, e a necessidade de processo quando a revoga§ao
seja requerida por um particular nele interessado.
No caso da revogagao ser pedida por um particular,
o respectivo processo e o da reclamagao ou o do recurso
hierarquico, no qual a autoridade solicitada pode orde-
nar a prdtica das diligSncias e a apresenta§ao dos do-
cumentos que considere necessaries para esclarecimento
dos fatos em que hS. de fundar-se a resolugao.
For vezes o ato administrative em causa foi prati-
cado precedendo processo com instruQao contraditoria
ou inquerito piiblico: nestes cases, se a revogagao for
requerida por um particular e nao se fundar em nulida-
de, mas sim em fatos ou documentos Ignorados no pro
cesso, deve adotar-se a revisao deste, com a repetigao
das formaiidades necessarias para assentar a materia
de fato e acautelar os interesses que possam ser afeta-
dos pela nova decisao.

94. Passando ao estudo dos efeitos da revogagao,


ocupar-nos-emos sucessivamente em saber quais sao
esses efeitos, desde quando se produzem e em relagao
a quern.
Quanta aos efeitos e ao momento da sua produgdo.
Sabemos que a revogagao pode ser destrutiva do ato re-
vogado ou simplesmente extintiva dos seus efeitos.
202 DIREITO ADMmiSTRATIVO

No primeiio case quer-se fazer desaparecer o ato


totalmente da Ordem Jioridica, desfazendo tudo quanto
a sombra dele nasceu ou se produziu, inclusivamente os
chamados atos conseqiientes, ou seja os atos que foram
praticados tendo como fundamento, ou motive determi-
nante, o ato revogado.
No segundo caso a revogagao so opera ex nunc —
desde a data em que foi praticado o ato revocatorio. Res-
peitam-se os efeitos produzidos ate ai: o ato deixa de ser
eficaz para o future.
Em principio a revogacao destrutiva k admissivel
quando o fimdamento seja a ilegalidade: o ato 6 nulo
ou foi anulado, logo tern de desaparecer. A anulagao e,
afinal, meramente declarativa de uma invalidade exis-
tente desde o inlcio.
Mas jd nao se admite essa destruigao quando a re-
vogagao resulte de mera conveniencia da Administragao,
resultante do fato desta ter mudado de crit6rio na apre-
ciagao do assunto, variado de orientagao na materia,
alterado o seu juizo acerca do que no caso i melhor para
0 interesse publico. Nessa hipotese o ato que se revogou
era um ato legal, e os seus efeitos foram produzidos regu-
larmente. Portanto, se a AdministraQao convem revolt
o ato, deve respeitar os efeitos produzidos at6 ai, extin-
guindo apenas a sua eficacia para o future: e a revo-
gaqao extintiva.
Sublinho uma vez mais que estes sao os principios
deduzidos nxima teoila geral, nem sempre respeitados
pelo Direito positive que, sobretudo para certos cases,
pode conter solugoes diferentes.
Quanto ds pessoas em relagao ds quais se produzem
OS efeitos da revogagao. As duvidas quanto a cste ponto
surgem no caso de a revogagao ser solicitada per um
Ato administrativo 203

interessado, quando existam outros interessados e, por-


•Ventura, terceiros afetados pela revogagao.
Ha autores que, encontrando semelhanga entre a
•eficdcia do ato administrativo definitivo e executorio e
a., da coisa julgada, entendem que, no caso da revogacao
do ato ser requerida por um dos Interessados e esse
xequerimento ser deferido, a revogagao deve produzir
efeitos unicamente quanto ao requerente e nao relati-
■vamente aos que nao foram ouvidos no processo. Have-
ria, assim, uma eficdcia subjetiva da revogagao, seme-
Ihante a do caso julgado, ficando o ato ineficaz quanto
ao requerente, mas em vigor quanto a outros interes
sados.
Nao se nos afigura legltlma a comparagao. A efiea-
cia subjetiva da senten?a resulta da natureza da funcao
jurisdicionai cujo exercicio depends da iniciativa dos
interessados e que se pronuncia, em regra, s6 quanto as
pessoas que sejam partes do processo.
Enquanto que a revogagao se insere na fungao admi-
nistrativa, e nesta o principio que rege e o da iniciativa
da Administragao para a execugao da lei ou a realizacao
do interesse piiblico. Os requerimentos ou petlgoes dos
particulares chamam, nestes casos, a atengao dos orgaos
administrativos para ilegalidades existentes ou ofensas
do interesse publico, Se o orgao solicitado e competente
e verifica que o ato praticado esta ferido de ilegalidade,
deve anula-lo por nao poder subsistlr uma decisao con-
trOTa a lei. Mas essa anulagao destrioi o ato, que nao
pode mats produzir efeitos relativamente seja a quern for.
A revogagao anulatoria, destrutiva, produz efeitos erga
omnes.

Mas se a revogagao for extintiva, os efeitos nao po-


dem deixar de ser os mesmos porque o interesse publico
d um so tambem. Salvo numa hipdtese: a de o interes-
204 DIHEITO ADMINETaATrVO

sado requerer a revogagao de um ato constitutive de de-


veres ou encargos, aplicavel a varias pessoas, per moti
ves que so a ele, requerente, respeitem. Nessa hipotese,.
por^m, a decisao que abrange varies casos k, na reall-
dade, um feixe de atos, desdobr^ivel em tantos atos quan-
tas as pessoas em situagoes concretas a que se aplica.

95. Se 0 ato administrativo § anulavel no decurso de-


certo prazo, a lei, seguindo o principio da economia dos:
atos juridicos, permite que dentro desse prazo se reme-
deie o vicio que o afeta, de modo a salvar sua viglncia
desde a data da respectiva produgao. Eis o fundamento-
da ratificagao, da reforma e da conversao, cujo objeto e
confirmar ou substituir o ato invalido harmonizando-O'
com a Ordem Juridica.

A ratificagao e o ato administrativo pelo qual O'


6rgao competente confirma um ato invalido anterior-
mente praticado suprindo a ilegalidade que o vicia.
E precise nao confundir esta ratificagdosaneadora
com a mera confirmagdo de atos ou procedimentos ante--
riores, resolvida em atengao apenas S, sua oportunidade
e conveniencia, e que tamb6m 6 chamada ratificagao.
Diz-se entao que um 6rgao ratifica um ato anterior
quando pratica um ato confirmativo (ratificagdo-confir-
magdo).
Em principio, tern compet§ncia para ratificar quern
a tenha para revogar, pois quem pode destruir o ato.
podera tambem, por uma regra de economia juridica,
conserva-lo, reparando a nxUidade, caso esta seja sana--
vel. For isso a ratificagao tern o mesmo regime da revo-
gagao quanto aos atos ratificaveis, a sua oportunidade:
e k forma de ratificar.
Ato administoativo 205

Com a ratificagao 6 precise nao confundlr a acet-


:tagdo, per parte de pessoa interessada, de um ato ilegal
ianuldvel, de que Ihe seja licito recorrer.
Efetivamente, o ato anulavel pode deixar de o ser
>quanto a certa pessoa, nao so jtela aceitaQao tacita re-
-sultante de o interessado na anulagao deixar passar o
prazo do recurso sem exercer o seu direito de agao, como
•ainda por outras formas de aceitagao, tacita ou expressa.
Embora o fundamento do saneamento da ilegalidade
;seja, como atras dissemos, a necessidade de garantir a
■seguranea nas relagoes juridicas, a aceitagao funciona
■como renuncia a impugnagao e entende-se que deve ser
tomada como demonstragao para com terceiros de que,
por parte do interessado aceitante, nao ha obstaculo a
•eficacia do ato.
Se a pessoa que poderia pedir a anulagao declara
■expressamente aceitar o ato tal como foi praticado, ou
pratica fato espontdneo, livre e sem reserva, que revele
conformagao, entende-se que quanto a essa pessoa o ato,
.sem deixar de ser invdlido, deixou de ser anulavel. A
IntangibUidade do ato § relativa, isto 6, s6 se verifica
•quanto a pessoa que tiver aceitado. Se forem interessa-
•das na anulacao de um mesmo ato virias pessoas ao
mesmo tempo, a aceitagao de uma nao impede o exer-
cicio do direito de impugnagao da ilegalidade das res-
tantes. Quer dizer: enquanto a ratificagao diz respeito
:ao ato em si, operando objetivamente o saneamento do
.ato e tomando-o valido, a aceitagao so produz efeitos em
relagao ao aceitante, afetando a sua legitimidade para
impugnar o ato sem apagar os vlcios.
Como se ve, embora aparentemente analogas, a ra-
tificagao e a aceitagao diferem muito entre si.
O conceito de reforma do ato administrativo e mais
controvertido e de dificil definigao, sobretudo desde que
206 Dimro ADMnnsTRATtvo

haja a preocupagao de estabelecer limites bem nitidos


com a conversao.

A reforma e o ato administrativo pelo qual se con-


serva de um ato anterior a parte ndo afetada de ilega-
lidade.
Supondo que um 6rgao administrative delibera abrir
concurso para provimento de uma vaga de engenheiro
mediant© contrato per cinco anos e que a lei so permitia
0 contrato per tres anos, essa deliberagao deveria ser re-
formada no sentido de reduzir esse prazo aos tres anos
da lei.

A reforma pressupoe, portanto, um ato administra


tivo anterior, praticado pelo prdprio drgao reformador
ou per seu subaltemo, mas que so parcialmente e ilegal,
pretendendo-se per isso salvar a parte sa.
A conversao e diferente: e o ato administrativo pelo-
qual se aproveitam os elementos vdlidos de um ato ilegal
para com eles se compor um outro ato que seja legal.
Neste case nao se mantem a figura juridica do ato,
como na hipotese da reforma: o ato muda de figura.
Assim,se um Ministro nomear em carater efetivo um
individuo sem concurso para cargo cujo provimento o
exija, pode, antes de findo o prazo de recurso contencioso
e verificando que se acham preenchidos todos os demais.
requisites legais, converter essa nomeagao definitiva em
provimento interino.
O fundamento da ratificaQao, reforma e conversaO'
dos atos administrativos iiegais 6 o mesmo: se o decurso
do prazo de impugna?ao contenciosa pode, por lei, sanar
a nulidade, com mais forte razao deve admitir-se que,
dentro desse prazo, os orgaos competentes transformem
0 ato ilegal noutro legal mediant© o apagamento do vicio
existente.
Axo ADJUNISTRATIVO 207

A validacao do ate por decurso do tempo deisa in-


tacta a ilegalidade irdcial, limitando-se a tolher os seus
efeitos; a ratificagao, a reforma e a conversao fazem de-
saparecer essa ilegalidade. Mas daqui resulta que a rati-
fica§ao, a reforma e conversao so sdo admissiveis quanta
aos atos anuldveis dentro de certo prazo.
Assim nao sao ratificaveis, reformiveis nem conver-
tlveis OS atos inexistentes ou nulos.
A ratificaqao, a reforma e a conversao dos atos cons-
titutivos ilegais s6 sao permltidas, como a revogagao,
dentro do prazo da impugna§ao ou at6 que qualquer
interessado impugne no tribunal competente a validade
do ate.
Os efeitos da ratificagao, da reforma e da conversao
dos atos constitutivos ilegais retroagem k data dos atos
ratificados, reformados ou convertidos: 6 esta a impor-
tdncia de tais institutes, que assim permitem salvar os
efeitos ja produzidos por atos ilegais.
Desnecessario se tornara sublinhar que os atos de
ratificaqao, reforma ou de conversao devem se.r, eles pro-
prios, praticados de acordo com a lei para terem validade.

96. Hd ainda a considerar a hipdtese de na expressao


da vontade administrativa, normalmente por escrlto, se-
rem cometidos erros materials (enganos de nomes, de
mimeros, de qualidades, de localizagao etc.) que nao
afetem a validade do ato mas apenas a sua correcao
formal. Temos, por conseguinte, um ato vdlido mas que
sofre de alguma incorreeao, por engano de quem o rc-
digiu ou copiou.
Verificado o engano, pode este ser retificado pelo
autor do ato, oficiosamente ou a requerimento dos inte-
ressados, produzindo a retificagao os seus efeitos a partir-
da data da pratica do ato retificado.
208 DntEITO ADMIKISTRATIVO

Os probiemas que a retificagao suscita sao de duas


ordens: primeiro, saber quais os erros retificaveis, e, se-
gundo, se pode ser feita a todo o tempo.
Para que o erro seja suscetivel de retificagao 6 ne-
cessdrio que se trate de um lapso de escrita facilmente
verificavel pelo contexto, ou em face dos documentos em
que 0 despacho haja sido langado. Assim, se o requerente
se chama Francisco e o despacho lancado no requeri-
mento, manifestamente referente ao pedido feito, men-
ciona um Fernando; se o processo esta organizado para
licenciar uma fabrica em Obidos e o despacho menciona
Santarem; quando haja erro de c^culo, e noutros casos
de manifesto equivoco de expressao, ha lugar a simples
retificagao do ato sem afetar a sua existencia, validade
e eficacia.

Mas essa retificagao podera ter lugar a todo o tem


po? Ou devera aqui admitir-se a eficacia da aceitagao
dos interessados e, portanto, submeter a faculdade de
retificar os atos ao mesmo regime da ratificagao, da re-
forma ou da conversao?

Desde que se trate de erros manifestos de expressao


facilmente comprovAveis, parece evidente que nunca po-
dem consolidar-se juridicamente. Em qualquer momento
em que a Administragao ou os interessados se- apercebam
da sua existencia deve ser pennitido desfaze-los, resta-
belecendo a expressao correta da vontade administrativa.
A retificagao deve constar de ato autdnomo e seguir
as vias estabelecidas para o ato retificado: se este teve
de ser publicado, hd de ser publicada e nos mesmos lu-
gares. A partir da retificagao, o texto autentico e o emen-
dado de harmonia com ela, o qual, como ficou dito, se
reputa como originario.
ATO ADMINISTRATrVC* 209

57. Cfe atos da Administragao gozam da presungao de


legalidade, o que envolve a imediata obrigatoriedade e
executoriedade dos imperativos neles contidos.
Mas a executoriedade de um ato administrative as-
sim entendida pode cessar tempcrariamente por efeito de
suspensdo.
Deixamos agora de parte a suspensao que a lei or-
dene como conseqiiencia da interposigao de recurso hie-
rarquico ou que resulte de uma condigao suspensive a
que fique subordinado o ato.
Ocupar-nos-emos apenas da suspensao por efeito de
ato administrativo ou judicial determinante da ces-
sacao temporaria da eficacia de um ato administrativo
anterior.

Quern pode suspender um ato administrative? Wm


primeiro lugar, os orgaos competentes para revogd-lo, se-
gundo a regra de que "quern pode o mais pode o me-
nos". Efetivamente, desde que um orgao tenha compe-
tencia para destruir certo ato, ha de poder paralisa-lo
temporarlamente. Daqui resulta porem que, salvo pre-
ceito legal especial, a compet&icia para suspender tern
de ser exercida nos precisos termos em que seja atri-
buida a eompetSncia para revogar.
Esta conexao entre o poder de suspender e o poder
de revogar imp6e-se ate para evitar que, possulndo uma
autoridade so o primeiro sem o segundo, o exerqa com
desvio de fim, suspendendo indefinidamente os atos que
pretendesse revogar. Embora a suspensao seja, por de-
finigao, temporaria, toma-se dificil em tais easos con-
seguir que o orgao competente Ihe ponha termo e as-
sim a suspensao se tomar^., na prdtica, em revogagao.
Em segundo lugar, ha casos em que a lei prev^ uma
fiscalizagao do orgao tutelar sobre os orgaos da entida-
de tutelada e autoriza o fiscal a suspender a eficdcia

244 -14
210 DmEITO AOMINISTRATIVO

de deliberagoes sujeitas a tutela at6 que o orgao' tutelar


se pronuncie. Sucede esse fato com freqiiencia quando
exdstam delegados do govemo, junto aos 6rgaos colegia-
dos deliberativos de entidades publicas criadas para des-
centralizar a administragao, com a faculdade de sus-
penderem, ate que o govemo se pronuncie, as delibera-
Qoes nao especificadamente sujeitas a aprovacao tute
lar, mas que tenham por ilegais ou contrarias ao inte-
resse publico. A essa faculdade se d^ o nome de direito
de veto suspensivo. Como estamos a tratar de atos de-
finitivos e executdrios so nos Interessam aqul as deli-
beragoes de orgaos de pessoas juridicas de direito publi
co autonomas. A suspensao, nestes casos, dura apenas
0 tempo suficiente para a entidade tutelar se pronun-
ciar, negando aprovagao a deliberagao suspensa, ou
concedendo-a para Ihe restituir a executoriedade.
Quanto a suspensao por decisao judicial pode verl-
ficar-se sempre que, sendo permitida a impugnagao nos
tribunals da valldade do ato administrativo, essa im-
pugnacao nao tenha por lei efeito suspensivo. Portanto
a discussao contenciosa perante o juiz competente nao
impedira a execugao do ato impugnado.
Mas 0 interessado, quando se dirige ao tribunal,
pretender obter uma sentenga eficaz, isto e, que de satis-
fagao ao seu interesse. Se alega a invalidade do ato,
pede que seja anulado para que desaparecam da Ordem
Juridica os efeitos que ele seja suscetivel de produzir.
Casos ha, porem, em que a execugao do ato pode
produzir efeitos tais que se tome impossivel, mais tarde,
quando verificada a nulidade, faze-los desaparecer. A
propria reparagao por indenizagao pecuniaria pode tor-
nar-se diffcil por serem incalculaveis os prejuizos efe-
tivamente causados pela execugao.
Ato administrativo 211

Entao as leis admitem a possibilidade de, na pro-


pria petigao dirigida pelo interessado ao tribunal, ser
requerida, como medida limlnar, a suspensao da exe-
cutoriedade do ato irapugnado. O juiz, ponderando su-
mariamente os fundamentos da agao e a suscetibilidade
de reparagao dos eventuais danos, podera deferir o pe-
dldo decretando a suspensao.
Ja no velho Direito portugues as provisoes regias
embargadas perante o Desembargo do Pago podiam ser
suspensas quando da sua execugao pudessem resultar
prejuizos irrepariveis ou de dificil reparagao: e o que
informa Pereira e Sousa nas suas Primeiras Linhas de
Processo Civil, ed., vol. 2°, p. 13, nota 601.
A suspensao da executoriedade do ato impugnado
pelo juiz e uma decisao delicada. Porque, se 6 precise
acautelar o interesse do particular em obter uma sen-
tenga eficaz, nao se pode desprezar o interesse da Ad-
ministragao quando haja valores sociais em jogo, de tal
ordem que a comunidade toda seria prejudicada per,
da suspensao, naquele momento, do ato administrative,
resultar, nao um adiamento da sua execugao, mas a
ineflcacia definitiva dele.
De modo que o juiz tern de por na balanga os dois
interesses: num dos pratos esta o interesse do parti
cular que se dirige ao tribunal, nao para obter a satis-
fagao platonica de se Ihe dar razao, mas para ver im-
pedidos ou destruidos os efeitos do ato administrativo
que ele julga lesivos aos sens direitos; no outro prato
da balanga est^ o interesse piablico que pode exigir a
execugao do ato administrativo naquele momento, sem
o que passa a oportunidade e fica a comunidade grave-
mente prejudicada.
desta comparagao de prejuizos que tem de resul
tar a decisao.
212 DiREITO AOMIinSTRATrVO

O particular que requer ao julz a suspense do ato


adminlstrativo impugnado deve fundamentar o pedido
em fates demonstratives da possibilidade dos prejuizos
e da impossibilidade ou dificuldade da sua reparagao.
Prejuizos materiais ou morais que surjam como
eonseqiiencia necessaria e imedlata da temida execugao,
e nao apenas possiveis, eventuais ou indiretos.
O criterio para qualificar tais prejuizos como irre-
paraveis ou de dificil reparagao deve ser o da exata ava-
liagao pecunidria: e precise que o prejuizo nao seja sus-
cetlvel de indenizacao ou, sendo-o, seja impossivel de-
terrainar precisamente a extensao do dano causado e
a sua reparagao,
0 que sucede com os atos que importem inibiqao
de exercieio de comercio, inddstria ou profissao liberal:
0 encerramento de estabelecimentos ou a paralisaqao
de atividade implicam perda de clientela e de erudite
ou reputagao que e dificil mais tarde avallar para in-
denizar.
Incidindo a suspensao sobre a executoriedade dos
atos, ela so pode ser decidlda em relagao a execugoes
nao principiadas ou quanto ao prosseguimento de exe-
cugoes continuadas.
Se 0 ato impugnado e de execugao instantanea e
esta teve lugar antes da impugnagao, e impossivel sus-
pende-la. Nao havera mais reraedio, nesse caso, do que,
verificada a ilegalldade do ato, tentar a reparagao.

9S. Os atos administrativos podem ter elementos aces-


sdrios: ser condicionals e sujeitos a encargo ou a termo.
precise nao confundir a condigao, o modo e o ter
mo prescritos na lei como integrantes do ato adminls
trativo, com a sua juncao por vontade de Administra-
gao na qualldade de elementos acessorios.
Ato atminisirativo 213

Na verdade ha numerosos casos de atos que por na-


tureza sao condicionais: e assim que a eficacia do ato
de nomeagao fica sempre dependente da verificagao de
uma condigao, a da aceita§ao do nomeado.
O mesmo se da com o mode: e a propria lei que
estabelece encargos que recalrao sobre todos aqueles a
quem seja, por exemplo, conferida uma licensa ou au-
torizagao de utiHzacao do dominie piiblico.
E quanto ao termo, bastara lembrar as nomeagoes
temporarias, certas licengas a que a lei marque periodo
de validade etc.
Nestes casos em que e a lei que genericamente, isto
e, para todos os atos da mesma especie, estabelece uma
condigao, um encargo ou um termo como fazendo parte
da natureza do ato, estamos perante aspectos dos ele-
mentos essenciais que, como tais, t6m de ser estudados.
A condigao, o modo e o termo so sao elementos aces-
sorios quando livremente adicionados pelos orgaos com-
petentes aos atos intencionais indeterminados.
Mas poderao os orgaos da Administracao piiblica
praticar atos admlnistrativos sujeitos a condigao, a en
cargos ou a termo?
Entendemos que sim, desde que esses atos sejam de
conteudo indeterminado e, portanto, a competencia para
fixar 0 seu objeto seja, ao menos em parte, discricionaria.
E efetivamente sao freqiientes os atos dessa catego-
ria praticados sob condigao suspensiva ou resolutiva
(autorizagoes, permissoes, licengas, concessoes), com
prazo ao arbitrio do orgao competente, ou dependentes
do cumprimento de encargos especialmente clausulados
para o destinatario em cada caso concreto.
Se, porem, a condigao, o modo ou o termo forem
ilegais deve ou nao ser afetada a validade do ato ad-
ministrativo?
214 DiEEITO ADUnnSTRATIVO

Na falta de preceito legal que, b. semelhanga do que


sucede quanto aos negidcios jurldicos privados, resolva
este importante problema, ha que recorrer a doutrina
geral da interpretagao do ate adminlstrativo para apu-
rar se o elemento acessorio funcionou, ou nao, como
motivo determiriante da vontade do orgao.
Se o elemento acessdrio atuou como motivo deter-
minante da vontade (de tal modo que se o 6rgao eom-
petente conhecera o erro, nao haveria praticado o ato)
deve considerar-se todo o ato inquinado de violagao da
lei. Ao contrario, o ato seri vdlido quando se nao prove
que a condigao, o modo ou o termo tiveram tal papel
na formagao da vontade: nesse caso o elemento acesso
rio vitiatuT sed non vitiat.
Tal parece ser a doutrina mais conforme com o
espirito de legalidade, que condiciona a validade de to-
dos OS atos, e com a preocupagao de conservar quanto
possivel OS efeitos das declaragoes unilaterais de von
tade dos drgaos da Administragao em virtude da neces-
sidade de garantir a confianga do publico e a estabi-
lidade das situagoes juridicas.

- .i; • • .. ■■}
Capitolo V

CONTRATO ADMINISTRATIVO

§1.^

CONCEITO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO

99. Posigao do problema do contrato administrative.

100. Definigao generica de contrato.


101. Poderao as entidades de Direito Publico vincular-
-se por contrato? As diversas teses em presenga.
102. Nogao de contrato administrativo.
103. Principios que regem o contrato administrativo:
a ddusula de sujeigdo e a cldusvla de remune-
ragdo.

99. A par dos atos administrativos encontram-se, na


t^cnica modema do Direito Administrativo, os contra-
tos administrativos.
Vamos examinar, ^ semelhanga do que fizemos
para aqueles, o conceito a formar destes.
Ha dois pontos em que desde logo poderemos as-
sentar: .aquilo que se designa por contrato administra
tivo tem de caber na nogao generica de contrato admi-
tida. pela Teoria Geral do Direito; e, para ser admitida
218 DiBEiTo admhostrativo

no Direito Administrative, ha de haver na disciplina


desse contrato um elemento diferencial, o qnal so pode
ser a intervengao da autoridade pdblica com sens po-
deres caracteristicos.
Comegaremos por recordar a nogao de contrato e
veremos, a seguir, se podera logicamente admitir-se a
existgncia de contratos de Direito Piiblico.

100. O contrato pode definir-se como o acordo bilate


ral celebrado entre duas ou mais pessoas, com interes-
ses individuallzados, a cujas vontades a lei reconhega
0 poder de, por essa forma, livremente criarem, modifi-
carem ou extingulrem uma relagao juridica.
um acordo bilateral; e a bilateralidade tem de ser
acentuada, por existlrem acordos em que duas ou mals
vontades se encontram dirigidas no mesmo sentido, para
realizar o mesmo interesse, tendendo a fundir-se na von-
tade de uma so parte: e o que sucede nos chamados
atos-uniao (verembarung).
A bilateralidade implica a individualizacao dos in-
teresses das partes: no contrato cada um dos outorgan-
tes procura realizar o interesse que o levou a entrar em
relagao com o outro, e cada interesse permanece dis-
tinto na execugao do acordo.
Pelo acordo contratual cria-se, modifica-se ou ex-
tingue-se uma relagao juridica. Mas para haver con
trato g preciso que isso seja feito livremente, isto e, que
as pessoas que acordam em criar, modlficar ou extin-
guir a relagao tenham a possibilidade de nao o fazer.
Se e licito optar entre a celebragao do acordo ou a re-
cusa dele, pode haver contrato. Se, como sucede nos
servlgos de utilidade publica, aquele que os presta tiver
a obrigagao de atender qualquer cidadao que requisite
a sua utilizagao desde que se encontre nos tennos re-
CONTRATO ADMINISTRATlVb 217

gulamentares, nao haveri contrato, por nao existif


parte da entidade prestadora liberdade juridica de es-
tabelecer a relagao. • -
Pode haver contrato se, mesmo existindo uma for-
mula-tipo com o bloco de condi^oes oferecidas por uma
empresa ao pdblico, o individuo puder aderir ou nao a
esse bloco e a empresa, por seu lado, tiver a possibili-
dade de recusar os pretendentes que Ihe nao convierem.
Esta assim justificada a definigao de contrato que
propusemos. Resta saber se ela e compativel com o
regime do Direito Publico. Poderao as entidades de Di-
reito Publico vincular-se por contrato?
O problema discute-se especialmente quanto ao
Estado. E surge, sobretudo, por ser dtficil no espirito dos
juristas dissociar o Estado-admimstragao da entidade
soberana que denominamos Estado-global.

101. A tese negativista. Uma corrente doutrinaria


nega que a figura do contrato seja compativel com a
indole do Direito Piiblico.
O contrato (dizem os adversaries dessa compatibi-
lidade) postula duas vontades ligando-se livremente
uma a outra em posigao de inteira igualdade juridica,
de tal modo que, se for sinalagmdtico, qualquer dos
contraentes possa exigir do outro o cumprimento das
obrigagoes assumidas. Ora, uma entidade soberana,
quando surja como expressao do interesse publico, nao
pode demitir-se da sua autoridade; logo, a vontade que
exprime nao e do mesmo teor da vontade privada, o que
se traduz em imposicoes unilaterais no decurso da exe-
cusao' do pseudocontrato, incompativeis com a verda-
deira indole contratual.

O contrato seria uma forma repugnante k propria


essehcia do Direito Publico (acrescentam) e sd poderia
218 DntEITO ADMINISTRATIVO

ser adaptado pelo Estado quando e nos termos em que


este travasse relagoes de direito privado. No fundo, no
chamado contrato administrativo, tudo se passaria ape-
nas no campo dcs atos administrativos: tratar-se-ia de
um ato cuja eficacia ficaria dependente da aceitagao
do particular e que definiria a colaboragao a prestar per
este a Administragao e os termos da respectiva retribui-
gao. O que assim era estabelecido per ato administrati
vo, por outros atos podia ir sendo regulado, uma vez
que fossem respeitadas nas relagoes estabelecidas os
principios basilares da colaboragao assente.
A tese do contrato especifico do Direito Publico —
Uma outra corrente doutrinaria sustenta que a figura
do contrato e compativel com a disciplina do Direito
Pilblico. Mas o contrato de Direito Pilblico correspon-
deria a uma realidade juridica diferente da expressa no
conceito cldssico do Direito Privado.
Os eontratos de direito pdblico caracterizar-se-iam
pela indeterminagao de conteiido, resultante da supre-
macia reservada ao Estado na pendencia da relagao ju
ridica, gi'agas k qual o particular fica sempre sujeito as
imposigoes feitas por atos de autoridade relatives k exe-
cugao das obrigagoes contratuais.
Quer dizer: haveria efetivamente acordo, mas que
teria como efeito principal (senao exclusivo) submeter
0 particular a vontade do Estado numa relacao de su-
bordinagao especial, obrigando-se o particrilar a coope-
rax com o Estado em tudo quanto seja necessario para
a realizagao de certo interesse publico e sujeitando-se
^ ordens que para esse efeito receba. O Estado, em tro-
ca, promete-Ihe apoio, protegao juridica e, normalmen-
te, remuneragao.
;..|Portanto, se bem que. a relagao juridica nasga de
um acordo, trata-se de crlar ,uma relagao de.aubordiruX'
COHraAIO ADIQNISTRATIVO 219

qao cujgi seqiiencia depende da yontade preponderante


de um dos sujeitos, o qual pode modificar substancial-
mente o respectivo objeto, e nao uma relagao de coope-
ragao, como e caracterfstica do contrato privado.
A tiossa crpinido. Em nosso entender, porem, nem
a figura do contrato 6 incompativel com o Direito pii-
blico nem os contratos regulados pelo Direito pdblico
pertencem a gdnero diferente dos que conhecemos no
Direito Privado.
Em primeiro lugar supor que o Estado, ao prosse-
guir 0 interesse piiblico, nao possa vincular-se contra-
tualmente e por em diivida o proprio fundamento do
Direito Publico. A soberania (poder supremo na ordem
intema e independente na ordem internacional) e um
atributo do Estado-giobal gragas ao qual ele se consti-
tui e organiza. Mas uma vez constituido, isto 6, depots
de criados os orgaos que hao de exprimir a sua yontade
segundo certas regras, surge o Estado-administracao
cuja atividade se desenvolve no exercicio de uma auto-
ridade derivada desse poder supremo e nos termos por
ele limitados e regulados.
Quando o Estado-administragao, pessoa juridica de
direito publico intemo, entra em relagoes juridicas com
OS cidadaos, isto quer dizer que o autoridade dos orgaos
que nelas o representam esta sujeita ^ observancia de
normas de Direito em virtude das quais assume, e se
compromete a cmnprir, obrigagoes.
E essas obrigagoes originam direitos que colocam
OS seus titulares em situagoes individuais imodificaveis
por leis futuras, ao menos sem indenizagao.
5 um erro, na verdade, pensar que so o contrato
possa yincular uma vontade a outra: os atos. unilate-
rais da autoridade piiblica podem ter essa virtude quan-
220 DIREITO ADMnnSTRAiWO

do a lei lha confira, como sucede com os atds consti-


tutivos.
Ora; desde que o Estado, num regime de Direito,
pode vlncular-se juridicamente aos particulares atraves
dos atos legais das autoridades publicas, nada Impede
que essa vinculajao se opere por contrato.
Definido o contrato nos termos em que definimos,
e manifesto que o Estado contrata com os particulares
sempre que cria, modifica ou extingue uma relagao ju-
ridica mediante acordo celebrado com pessoa por ele 11-
vremente escolhida a qual, por sua vez, podia nao que-
rer ser sujeito dessa relagao.
Pouco importa que as clausulas do contrato tenham
sido pre-redigidas unilateralmente ou estejam imperati-
vamente fixadas por lei, pois vimos nao serem ^ses fa-
tos contraditorios com a concep^ao moderna de con
trato.
Dizer que nos acordos celebrados pelo Estado nuri-
ca ha senao a sucessao de atos administrativos a que
corresponde a submissao voluntaria do particular, e fe-
char OS olhos a realidade.
Nos contratos considerados de Direito piiblico a re-
lagao nasce do encontro de vontades, resulta de verda-
deiro acordo livre sobre um objeto determinado; ne-
nhum dos sujeitos considera deftnida e constituida a
relagao sem se verificar o mutuo eonsenso.
Compare-se, por exemplo, no preenchimento de um
cargo publico pelo seu serventuario, a nomeagao e o con
trato de provimento. A nomeagao pode nao ser pre-
cedida de concurso nem sequer de consulta ao nomeado
e fica perfeita pela publicagao do ato solene que a Ad-
ministragao por si so pratica, de modo que apenas a
respectiva eficacia depende de verificaQao da condigao
da aceita^ao do nomeado. Pelo coritrario, o provimento
CONTRATO ADMIMISTRATIVO 221

por contrato niio existe enquanto o particular nao de-


clarar que aceita, subscrevendo o instrumento escrito.
Sem a aceitaQao do particular pode, no primeiro caso,
praticar-se um ato perfeito, se bem que de eficacia con-
dicionada; no segundo caso essa aceltagao 6 um elemen-
to essencial sem o qual o ato nan pode ter nascenga.
Temos considerado apenas a Mpotese dos contratos
celebrados pelo Estado-administracao. Nao esquegamos,
porem, que a Administragao Publica compreende muitas
outras pessoas juridlcas, e que todas elas podem, em
principle, celebrar contratos administrativos. No caso
dessas pessoas nao surge o embaraco da soberania, em-
bora sempre esteja presente, por definigao, o atributo
da autorldade.
Nem se diga que onde as prerrogativas de autorlda
de se podem manlfestar na execucao do contrato, o ob-
jeto deste tern necessariamente de ser Indetermlnado.
O contrato celebrado pela Administragao integra-se
no g^nero a que pertence o contrato civil e define-se
pelos mesmos elementos essenciais; capacidade dos con-
traentes, miituo consenso, objeto possivel
O objeto desses contratos fica, pela respecciva ce-
lebragao, incontestavelmente determinado. O que nao
pode e confundir-se determinagdo do objeto com prer»:c
e rigorosa fixagdo da quantidade e das modalidades das
prestagoes em que se resolverdo as obrigagdes contrai-
das.
O objeto de um contrato consistira nos poderes e
deveres relatives a prestagao de certa especie de servigo,
k construgao de certa obra, a montagem e ejq)loragao
de certo servigo publico, ao fornecimento de certos gl-
neros ou artigos pelo particular.
Mas quanto ^ circunstancias das prestagoes em
que OS deveres dos particulares se hao de concretizar,
222 DlBEITO ADMIinSTRAinVO

reserva-se a AdministraQao o po(i<jr mais ou menos ex-


tenso da sua determinagao, de acordo com as exiggncias
do interesse publico e nas condigoes que forem ou esti-
verem estabelecidas, o que e perfeitamente conciliavel
com 0 conceito civilista de contrato, como se mostra nos
contratos indivlduais de trabalho e nos contratos de em-
preitada.
A Administragao atua como dono, como represen-
tante do interesse piibUco que domina a relagao, exata-
mente como a lei civil permite que atue o pa.trao ou o
dono da obra.

102. Sabemos, porem, que o Estado-administracao e


as demais entidades que num pais formam a Adminis
tragao Piiblica podem atuar usando forraas e processes
de Direito Privado, nos mesmos termos que o comum
dos cidadaos, ou usando as prerrogativas do Direito Pu
blico.
Mostramos que a Administragao, mesmo quando se
trata da pessoa juridica-Estado, pcide vincular-se contra-
tualmente. Mas quais, de entre os contratos que pode ce-
lebrar, devem entrar no regime proprio do Direito Ad-
ministrativo? Porque muitos dos contratos que a Admi
nistragao celebra sao contratos civis ou comerciais.
Em meu entender o que justifica que um contrato
celebrado entre uma pessoa juridica de direito publico
e outra entidade, piiblica ou privada, seja subtraido ao
regime do Direito Privado para ser disciplinado segundo
as normas proprias do Direito Administrative 6 a cir-
cunst&ncia de per ele ser associada duradoura e especi-
almente, mediante retribuigao, alguma pessoa ao cum-
primento de airibuigoes da pessoa juridica de direito
publico outorgante.
Per comodidade de ezpressao, chamamos particular
ao contraente que, por virtude do acordo, fica associado
CONTRAXO ADMUnSTRATlVO 223

ao desempenho das atribuigoes da pessoa jioridl&a de


direito publico, muito embora esse contraente possa ser
outra pessoa juridica de direito pubiico sendo nesse caso
dominante o interesse da primeira.
Tal associaqao dd carater ao contrato porque, em
conseqiiSncia dela, a realizasao de intefesses publicos
dominantes passa a estar dependente da fidelidade e re-
gularidade das prestagoes do contraente particular.
E efetivamente no Direito positivo de quase todos
OS Paises so sao qualificados como administrativbs con-
tratos celebrados por prazos largos, ou envolvendo pres-
tacoes de execugao demorada, nunca esses acordos de
reallzagao instantanea como a compra de mercadorias
ao balcao ou o servigo prestado de uma s6 vez.
Contratos adrainistrativos sao os de concessao de
servigos publicos ou de execugao de obras publicas, os
de empreitada, os de fomecLmento continuo, os de pres-
tagao de servigo como empregado ou funcionario es-
tdvel...

Em todos estes casos se verifica a caracteristica


mencionada, de associagao duradoura de um particular,
individuo ou empresa, a realizagao de fins de interesse
publico a cargo da entidade administrativa contratante.
Suponha-se o contrato de concessao de servigo pu
blico, e veja-se como da diligencia do concessiondrio de-
pende a continuldade, a regularidade, a atualidade do
servigo concedido. Ou um contrato de fornecimento con
tinuo, durante certo prazo, de bens iinprescindiveis ao
funcionamento de um servigo administrative — sejam
OS alimentos para os doentes de um hospital ou o papel
para uma imprensa oficial. Ou o empreitada de obra
piiblica indispensavel ao bem-estar da comunidade e que
so e levada a bom termo mediante o empenho do em-
preiteiro posto na execugao.
224 DIREITO ADMINISTRATIVO

• Em todos estes casos o particular ficou, tal como


a Administra5ao, sujeito ao iuteresse publico que o con-
trato visa a assegurar. Enquanto estiver vinculado pelo
contrato que celebrou com a Administrag^, o contra-
ente-particular tem de se subordinar aos imperatives da
realizagao desse interesse, e nao pode fugir exiggncias
da sua disciplina.
Ora a Administragao depois de celebrado o contra
to, nao pode demitir-se da sua fungao realizadora dos
interesses coletivos. A ela pertence a atribuigao de cum-
prir a missao a que correspondem as obrigagoes estipu-
iadas no contrato. Por isso tem de continuar a zelar per
ele, vigiando a execugao do contrato, nao com a simples
preocupagao de salvaguardar um interesse pessoal mas
com p empenho de que se satisfagam os interesses trans-
pessoals de que a lei a fncumbiu.
O contrato administrativo serd, pois, o contrato ce
lebrado entre wna -pessoa juridica de direito publico e
outra pessoa,\com o objeto \de associar ^sta. por certo pe-
riodo e mediante retribuigdo ao desempenho regular de
alguma atribuigdo de interesse publico que deva preva-
lecer no. disciplina contratual.

103. A associacao duradoura e especial implica a cria-


cao de comunhao: efetivaraente e particular passa a ser
colaborador da Administragao na medida em que 6 cha-
mado a realizar os fins desta, de tal modo que Ihe in-
cumbe zelar e defender o interesse publico como se fora
seu, mediante a seriedade, a regularidade, a prontidao
nas prestagoes.
Mas temos sempre procurado por em relevo que o
interesse publico nao e um interesse que possa conside-
rar-se proprio da Administragao, de que ela disponha
como um particular dispoe daquilo que so a ele diz
CONTRATO ADMINISTRATIVO 225

respeito: por isso distinguimos ja, nas pessoas jurldicas


de direito publico, entre os seus interesses pessoais, de
conservagao e expansao, e os transpessoais, que sao do
publico, ou, se se preferir, da coletividade. Toda a Ad-
ministra^ao est^ penetrada da ideia de fungao: deste
modo a pessoa juridica de direito pdblico, ao contratar,
(chamemos-lhe per brevidade "contraente pdblico"),
pode comprometer-se por largo prazo a conformar-
-se com certa interpretagao rigida do interesse pilblico e
com determinados processes de realiz6-lo.
O interesse piiblico e, em relagao k AdministraQao,
uma ideia transeendente, que nao depende dela, pelo
contrario, exerce sobre ela o seu imperio. Desde que a
coletividade exija, por virtude de transformagoes econS-
micas, tecnicas, morais ou slmplesmente politicas, que
OS servigos administrativos tomem outro rurao, o cara-
ter instrumental destes, como meios diretos ou indire-
tos de satisfagao das necessidades coletivas, impoe a
adaptacao.
Se a Administragao, mesmo ao contratar, continua
sujeita ao imperio do interesse publico servido e este
nao e imodificavel, como nao ha de o seu colaborador
particular ficar tambem sob esse dominio?
Dai uma especial cldusula de sujeigao do contraente
particular (que a legislagao brasileira designa por "con-
tratado") ao interesse publico, implicita na definigao do
contrato administrative e que em geral aparece estipu-
lada em cada caso, ou inserta nas condigoes gerais im-
perativas de cada eategoria,
E nao ha contradigao, senao aparente, entre a Id^ia
de associagao ou colaboragao e a de sujeigao, visto que,
como ficou demonstrado, tamb&m o contraente publico
se encontra submetido ao interesse pUblico: nao existe

241-16
226 DIREITO ADMimSTRATrVO

por conseguinte colaboragao posslvel entre as duas par-


tes sem essa comum sujeigao.
CkJm a diferenga de ser i Administragao e aos 6r-
gaos de soberania que compete definir em cada memen
to e em cada lugar as expressoes concretas do interesse
publico, definigao que se opera por atos juridicos de au-
toridade, sejam leis, regulamentos ou atos administra-
tivos.
•A sv.]eiqao ao interesse publico traduz-se assim, na
pratica, em o contraente particular se comprometer a
acatar, como se fora a propria Adiministragao, as leis,
regulamentos e atos administrativos que durante a exe-
cugao do contrato exprimam as exiggncias do interesse
publico servido, quanto ao objeto nele estipulado.
Sujeigao especial, portanto, pois resulta de um vin-
culo que nao existe para a generalidade dos cidadaos
por ser consequSncia de um ato contratual e respeitar
apenas ao objeto do contrato.
Se existe lago contratual, a sujeigao nao pode ser
total nem incondicional. A fungao propria do contrato
no Direito piiblico 6 a obtengao, para realizar certo ob
jeto, de uma livre colaboragao nas condigoes normais
do mercado, isto e, o aproveitamento de um interesse pri-
vado que procure lucro dispondo-se para isso a correr
um risco.
Se em qualquer momento da relagao contratual es-
tas condigSes faltassem, ela perderia a sua natureza e
a colaboragao do particular passaria a ter o carater de
atividade requisitada por imposigao autoritdria.
A sujeigao ao interesse piiblico por via contratual
e resolvida pelo particular livremente, por tempo de-
tenninado, restrita ds materias estipuladas como obje
to de colaboragao, mas mediante a remuneragao de
quanto fizer, na base estipulada ou oferecida.
CONTRATO ADMINISTRATIVO 227

A cldusula de Temuneragao por pagamento de pre-


go ou mediante a fisacao de principios tarifarios e um
dos elementos essenciais do contrato administrative,
pois per ela se efetiva o prineipio de que a colaboragao
do interesse privado na realizagao do interesse publico e
prestada livremente, sem sacrificio daquele, em condl-
goes normals de riseo financeiro.
Nao se garante ao particular um lucre, nem sequer
que nao perca, mas estipulam-se os meios que, no con-
senso de ambas as partes, poderao permitir, rebus sic
stantibus ou dadas as variagoes comuns e previsiveis
do mercado, um resultado financeiro normal no nego-
cio bem conduzido.
Desde, porem, que por exclusiva imposigao do inte
resse pdblico a execugao do contrato se toma mais one-
rosa, destruindo o equilibrio previsto, a clausula de re-
muneragao tern de ser revista ou hd de permitir-se ao
particular a rescisao.
Nem seria justo ou de acordo com o prineipio ge-
ral da igualdade dos cidadaos perante os encargos pu-
blicos que o peso de um beneficio para todos fosse su-
portado por uma so pessoa.
O que ha de caracteristico no contrato administra-
tivo 6 a sujeigao especial do particular ao interesse pu
blico traduzida no dever de acatamento as leis, regula-
mentos e atos administrativos que se refiram as condi-
goes jurfdicas e tecnicas de cardter circunstancial (nao
essencial) estipulados quanto d execugao das obriga-
goes contraidas, desde que seja mantido o prineipio da
colaboragao livre e remunerada.
A prerrogativa caracteristica do Direito publico
continua presente na faculdade dada aos orgaos admi
nistrativos de tomar por via geral ou individual as reso-
228 DXREITO ADMINISTRATIVO

lugoes executorias impostas pelo interesse piiblico que


o contrato se propoe realizar.
Mas a vinculagao caracterlstica do contrato existe
nas clausulas que determinam o objeto e se destinam a
preservar e remunerar o interesse privado chamado a
colaborar na realiza^ao do fim adrainistrativo, e que
criam para o contraente publico o dever de assegurar o
equillbrio financeiro inicial nas condigdes estipuladas,
ou nas novas condigoes criadas por atos do Poder.
Assim se verifica no contrato administrative a regra
da interdependdncia dos interesses das partes, caracte
rlstica do contrato. O interesse que a Administragao
possui de realizar o interesse publico ficou ligado ao in
teresse do particular contraente; e quando, por impera
tive das necessidades coletivas, tenha de alterar-se o
pactuado de forma a aumentar os encargos do parti
cular, ha que remunera-lo ou indeniza-lo eqiiitativa-
vamente, isto e, que atender ao interesse privado.

§ 2.0

REGIME DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

104. Formagao dos contratos da Administragdo.


105. O processo da licifagao.
106. As propostas dos licitantes. Adjudicagao.
107. Forma do contrato.

108. Cardter pessoal da execugdo do contrato.


109. Fiscalizagao da execugao pela Administragdo.
110. Alteragoes na execugdo por vontade dos contraerir
tes ou por ato do Poder.
CONTRATO ADMINISTRATIVO 229,

111. Alteraqoes na execucao independentes da vontade


dos contraentes. O caso de forga maior e o caso
imprevisto.
112. A chamada "teoria da imprevisdo".

113. Fundamento da revisdo dos contratos por ease im


previsto.

114. A imprevisdo nos contratos administrativos e di-


minuigdo atual da sua importdncia.
115. Interpretagdo dos contratos administrativos.
116. Extinqdo dos contratos administrativos.

104. Paxa que um contrato admirdstrativo fique per-


feito e necessario que se reunam os elementos essenciais
de qualquer contrato: capacidade dos contraentes, mu-
tuo consenso e objeto possivel. Hd a acrescentar o fim de
interesse piiblico e o elemento formal constitmdo pela
observ^cia das formalidades do processo de formagao
do contrato e pela forma externa exigida pela lei.
A Adminlstragan toma sempre cautelas especiais ao
celebrar contratos. Essas cautelas nao sao peculiares
aos contratos que devam qualificar-se como administra
tivos.
Na verdade as preocupagoes de moralidade, de apu-
ramento dos contraentes particulares mais idoneos, de
obtencao das melhores condigoes para contratar, domi-
nam a regulamentagao dos contratos da Administragao.
Nao se pode esquecer o carater complexo da organizagao
administrativa e a inconvenigncia de deixar interesses
importantes ao arbitrio de uma vontade individual. Dai
que, por via de regra, a celebragao dos contratos obedega
a um procedimento minuciosamente regulado em que
230 DlREXTO ABMINISTRATIVO

se procura por meio de publicidade encontrar a melhor


proposta digna de aceitacao.
Assim, quando uma pessoa juridica de direito pd-
blico se dispoe a contratar abre uma licitaqao tenno que
no Direito Brasileiro corresponde ao concurso em Por
tugal.
A lei enumera expressamente os cases em que se
abre excegao a regra da licitaQao. No Direito Brasileiro
6 0 § 2,0 do artigo 126 da Reforma Administrativa que
diz OS casos em que § dispensdvel a licitagao. Entao o
contrato sera celebrado por ajuste direto entre a enti-
dade administrativa e o particular por ela escolhldo.
Nesta hipotese tem de se entender que o orgao com-
petente para contratar possui poderes discriclondrios
para a escolha do outro contraente e para com este dis-
cutir as clausulas e condigoes do contrato a celebrar. Hd
casos em que a escolha do contraente nao pode dolxar de
recair em certa e determinada entidade, por se tratar de
materiais, equipamentos ou generos que so podem ser
fomecidos per produtor, empresa ou representante co-
mercial exclusivos, ou de servigos que so podem ser pres-
tados por profissional ou firmas de notdria especializa-
gao. O mesmo sucede quando o contrato se destina a
adquirir obra de arte ou objeto historico em poder de
determinada pessoa. Outras vezes a dispense de licita-
§ao resulta da urgencia, em caso de guerra, grave per-
turbagao da ordem, calamidade publica ou existencia
de perigo que possa ocasionar prejuizos ou comprometer
a seguranga de pessoas, obras, bens ou equipamentos.
Mas noutros casos a dispensa de lieitagao nao im-
pedira que o 6rgao competente, querendo, consulte,
mesmo sigilosamente como quando estd em causa a se-
guranga nacional, vdrlos possiveis candidates a contra-
CONTOATO ADMINISTRATIVO 231

tar. A dispensa nesses casos e uma faculdade, nao uma


obrigagao.
Se a lei nao dispensa expressamente a licitagao esta
pode ter lugar mediante uma de tres modalidades; a
concorrencia, a tomada de pregos e o convlte.
Em qualquer dos casos a licitagao tem por objeto
obter a apresentagao de propostas de contrato em com-
petigao, de entre as quais a Administracao possa sele-
•cionar aquela qua deva figurar como sendo a proposta
a qual dara ou nao aceitagao.
Esta ideia e muito importante no processo da for-
magao do contrato, Na licitagao a Administragao nunca
e proponente: anuncia as condigoes em que recebera
propostas para entre as recebidas selecionar uma sobre
a qual negociard.
Assim e sempre o particular que fica na situagao
■de proponente com as conseqiiencias juridicas que dai
xesultam; obrigagao de manter a proposta durante cer-
to prazo, liberdade para a Administragao de, mesmo
depols de ter selecionado uma para base de discussao,
nao a aceitar.
A distingao entre as varias modalidades de licitagao
e a segumte; a concorrencia (em Portugal, concurso
publico) admite a participagao ampla de quantos este-
jam em condigoes de fazer propostas; a tomfida de pre-
gos (correspondente a concurso limitado) esta restrita
■3. interessados previamente registrados; o convite e for-
mulado por escrito pela entidade administrativa a inte
ressados especializados no ramo pertinents ao objeto da
licitagao, em mimero nao inferior a trls.

J.05. A Administragao quando tem de proceder a lici


tagao comega por anunciar publicamente a sua inten-
232 DIEEITO ADMrmSTRATIVO

gao de contratar. ^ A publicidade e fundamental nas li-


citagoes.
A pessoa juridica que pretenda abrir a licitagao tern
de, primeiramente, definir pi'ecisamente o ohjeto desta,
deve ser competente para celebrar o contrato e, alem
dlsso, carece de dispor dos recursos orgamentais suficien-
tes para o cumprimento do contrato.
No requisito da competencia compreende-se: a in-
clusao da materia do contrato nas atribuigoes da pessoa
juridica e a satisfagao das formalidades legalmente exi-
gidas para o seu desempenho (por exempio, autorizagao
do orgao legislatlvo para que o executivo contrate, aber-
tura de creditos, ou outras).
Por seu lado, os licitantes terao de satisfazer os re
quisites legais e regulamentares demonstratives da sua
p■ ersonalidade juridica e capacidade para o exercicio dos
direitos e obrigagoes a contratar, capacidade tecnica e
idoneidade jinanceira.
Estes requisites poderao estar documentados eni
registros cadastrais de habilitagao de licitantes manti-
dos pelas entidades piiblicas e onde a inscrigao fica de-
pendente de exame por comissoes iddneas. Nesses re
gistros, quando se trate de obras e servigos, distingue-se
a parte basica, referente iis caracteristicas gerais da em-
presa, da parte especifica relativa ao enquadramento do
interessado em determinada especie de obra ou servigo
6 a sua classificagao em categoria correspondente ao
grau da sua especializagao e da sua capacidade tecnica
e financeira.

I O diploma complementar da Reforma Administratlva


mais Importante em materia de IlcltagSes 6 o Dec. n." 73.140~de
9 de novembro de 1973, referente a obras e servigos de enge-
nharia.
CONTRATO ADMINISTilATIVO 23S-

Nas licitaQoes mais importantes i pratica intema-


cionalmente aceita e consagrada ja nas leis, proceder-se
a uma primeira selegao dos licitantes, apurando por cri-
terios rigorosos de habilitagao ou qualificagao preliminar
OS mais idoneos para eventualmente arcarem com as-
responsabilidades que o contrato envolverd.

106. Tern a raaior importancia a definigao do regime-


das prapostas a apresentar pelos licitantes.
As propostas devem ser serias, isto e, feitas com o-
proposito de serem mantidas e cumpridas. O Decreto n.®"
73.140, art. 6,°, V,obriga o licitante a manter a proposta
atd 90 dias da data da sua abertura, se o ato convoca-
torio nao estabelecer outro prazo, e a finnar o contrato,.
apresentando os documentos complementares para esse-
efeito dentro do periodo fixado na notificagao, caso seja.
preferido.
Pode o ato convocatdrio exigir a todos os licltantea
garantias de manutengao da proposta e execugao do con
trato, fixando o respective valor e que podem revestir
as modalidades de caugao em dinheiro ou em titulos, ga-
rantia fidejussoria, fianga bancaria e seguro-garantia.
(Ref. Adm., art. 135 e Dec. 73.140, art. 61 e segs.)
A seriedade das propostas na licitagao exige que a.
sua apresentagao nao haja sido precedida de conluio pelo
qual um dos concorrentes afaste outro ou outros medi-
ante dddivas ou promessas.
Nao € s6ria Igualmente a combinagao feita entre li
citantes pela qual uns, subomados, se comprometam
com outros a apresentar propostas por pregos simuladoa
de modo a assegurar a vitdria destes; e de maneira geral
nao sao sdrias as propostas formuladas por motives in-
cotifessaveis, sem intengao de disputar a vitdria na lici
tagao.
234 DiRzrro administrativo

As propostas devem ser firmes, sem cldusulas restri-


tivas, resolutivas ou excepcionais, embora possam suge-
rir novas modalidades de execugao ou de clausulas apre-
sentadas como facultativas no ato convocatdrio.
As propostas devem ser concretas e nao com cferta
de pregos indeterminados, como seria a de uma percen-
tagem de redugao sobre a proposta mais barata, ou em
termos an&Iogos.
As propostas apresentadas devem sl-lo com todas as
cautelas para nao ser violado o sigilo do seu conteudo,
sem o qua se prejudicaria o principio da igualdade dos
cojicorrentes permitindo que, sabedores das condigoes
feitas por uns, os outros apresentassem condigoes me-
ihores.
Na data fixada no edital procede-se a abertura das
propostas em ato publico, no qual em geral estao pre-
sentes todos os concorrentes e em cujo decurso e posslvel
a regularizagao de pequenas irregularidades formais e a
apresentagao de protestos e reclamagoes.
Apos o estudo das propostas segue-se a sua classifi-
cagdo. Por via de regra esta operagao i feita por uma
comissao t^cnica que se limita a elaborar parecer acerca
das vantagens e inconvenientes de cada proposta, compa-
rando-as para as graduar segundo os criterios formula-
dos na iei, ammciados no edital ou adotados discricio-
nariamente como os mais convenientes.
E em face dessa classificagao que o 6rgao compe-
tente para contrar decidira a adjudicagdo.
A adjudicagao 6 o ato administrativo peio qual a
autoridade competente escolhe, de entre as v^ias pro
postas admitidas ao concurso, aquela que e preferida
para a celebragao do contrato.
O concorrente preferido torna-se entao o adjudica-
tario, isto 6 o proponente escolhido para celebrar con
trato com a pessoa juridica de direito publico.
CONTRATO ADMIMISTRATIVO 235

Qual o critlrio que deve presidir a escolha do adju-


•lilcatirio?
Nao basta optar pela proposta que oferega o prego
.mais baixo: hi que atender a outras circunstS.ncias, es-
pecialmente as garantias oferecidas quanto a regulari-
dade, corregao e perfeigao no cumprimento do contrato,
prazo de execugao (quando seja caso de interessar a bre-
vidade) e outras condi§oes que revistam especial inte-
resse publico.
Daqui se depreende que a autoridade adjudicante,
quando as normas legais nao determinem rigidamente
preferencias a observar na escolha da proposta, possui
poderes discricionarios mais ou menos amplos para pro-
ceder a op^ao.
O carater publico do concurso e o fato de as leis,
per via de regra, enunciarem os crit6rios que devem ser
seguidos na adjudicagao sao circunstiLncias que parece
imporem a fundamentagao da decisao tomada no uso de
tais poderes discricionarios.
E terd a entidade que abrir concurso o dever de
adjudlcar o contrato a qualquer dos concorrentes?
Em principio entende-se que, tambem ai, os poderes
,sao discricionarios, sendo facultado d pessoa juridica de-
•clarar sem efeito a licitagao ou recusar todas as propos-
tas por nao Ihe convlr nenhuma delas.
Tal opiniao funda-se na posigao em que a Adminis-
tragao se coloca: nao e proponente, limitou-se a anun-
ciar que receberia propostas, as quais aceitara ou nao,
consoante Ihe convenha.
Mas nao pode esquecer-se de que estes concursos
envolvem por vezes interesses muito avultados, exigindo
dos concorrentes, para estudo e elaboragao das propostas,
-considerdveis despesas. A expectativa criada pelo anun-
236 DiRBiro administrativo

cio do concurso nao deve, pois, ser frustrada sem motivo


legitimo.
Dai a insergao nas leis de restricoes ao direito de
nao adjudicar, o qual so podera ser exercido quando se
verifiquem determinadas circunstaneias (conveniencia
de adiar a realiza§ao da obra posta a concurso, nao con-
vir a Administragac nenhuma das variantes apresenta-
das, necessidade da revisao do projeto, forte presungao
de conluio entre os concorrentes...).
Decidida a adjudicagao pela entidade competente
para contratar, o adjudicatdrio e notificado dessa deci-
sao. S© nao Ihe tiver sido anteriormente dado conheci-
mento da minuta do contrato a celebrar (como nalguns-
oasos a lei prescreve, fazendo depender a adjudicagao-
definitiva da aceitagao expressa ou tacita da minuta pelo
adjudicatdrio) deve esse documento acompanhar a no-
tificagao.

107. O contrato a celebrar deverd. revestir a forma legal,


e center as indicagoes exigidas na lel.
No Direito Brasileiro o assento da materia esta nO'
Regulamento Geral da Contabilidade Publica, de 1922,
nos arts. 707 e 775. Leis posteriores tern pordm introdu-
zido importantes alteragoes nesse regime. Assim, o de-
creto n.o 73.140, que temos tomado per exemplar, aldm
de prescrever o modo de formalizagao da contratagao'
(art. 50),enumera as indicagoes que devem constar obri-
gatoriamente do contrato (art. 51), e quais os documen-
tos que dele se consideram partes integrantes (art. 52),.
estabelecendo que os instrumentos contratuais obedegam
a uma minuta-padrao aprovada regimentalmente pelO'
orgao ou entidade competente (art. 53).
CONTRATO ADMINISTRATIVO 237

O contrato deve ser publicado em extrato, salvo nos


assuntos classificados de sigllosos per interesse da segu-
ranga nacional (art. 54),
E nele se consideram incorporadas de pleno direito
:as cldusulas regulamentares constantes do art. 58, de-
vendo entender-se que a execugao contratual se rege, nao
so pelas suas clausulas e partes integrantes, como pelas
■disposigoes legaia e "demais normas de Direito Publico
aplicaveis" (art. 60).

108. Os contratos administrativos sao concluidos in-


tuitu personae, isto 6, tendo em atengao as qualidades,
idoneidade e garantias de certo e determinado individuo
ou empresa,
Por isso OS contratos devem ser executados pela pro-
pria pessoa com quern foram concluidos.
Esta regra e, porem, completada por outra: a exe-
■cugdo do contrato pode prosseguir por pessoa diferente
■daquela com quem inicialmente foi estipulado quando as
prestagoes ndo tiverem por objeto servigos de cardter pes-
soal e a Administragdo consinta na substituigdo, tendo
em conta as exig^cias legais relacionadas com a capa-
■cidade e idoneidade do cessiondrio ou sucessor.
1.0 Assim, 0 contraente particular pode transferir
volimtariamente, no todo ou em parte, as obrigagoes as-
sumidas por virtude do contrato, para pessoa certa e
determinada, quando a lei consinta e mediante autori-
zagao da Administragao (trespasse, arrendamento, su-
tilocagao ou subconcessan).
2.0 Quando a lei permita que os credores do falido
continuem com o negocio deste (como sucede em Por
tugal) a Administragao pode consentir que eles executem
o contrato; mas no Brasil a falencia rescinde o contrato
de pleno direito.
288 DiREITO ADMINISTRATTVO

3.0 Em caso de morte do contraente, pode a Admi-


nistragao permitir aos sens herdeiros que prossigam na:-
execuQao do contrato.

109. Vimos que, em virtude da associagao do particular


a Administragao, operada pelo contrato adminlstrativo,
aquele fica, como esta, sujeito aos imperatives do inte-
resse piiblico. Mas e k Administragao que compete de-
flnir as ezigenclas do interesse piibllco e fazer observar
na execugao do contrato a disciplina dele decorrente.
Dai a posigao que poderiamos chamar predominante
da pessoa juridica de direito publico cujas atribuigSes-
estao em causa na execugao de um contrato adminia-
trativo.
Tal predomlnio traduz-se no direito de fiscalizar a
cumprimento do contrato. Em certos tipos contratuais
esse direito de fiscalizagao estd minuciosamente regulado
por lei, prevendo-se mesmo a designagao de fiscais que
acompanliam a reallzacao das prestagoes exigidas pelo-
contrato. Noutros casos e o proprio contrato que fixa
OS termos em que devera ter lugar a fiscalizagao. Mas,
ainda mesmo que leis, regulamentos ou contratos sejam
omissos, nunca esse direito pode ser negado ao contra
ente publico.
Ncs contratos de trabalho e nos que tenham por
objeto a realizagao de obras publicas vai-se mesmo mais
longe; a Administragao nao se limita a acompanhar as
prestagoes, a verificar se estao conformes com as nor-
mas que as regulam e com o objeto do contrato para
aplicar sangoes quando assim nao suceda, pois exerce
o poder de diregao sobre a outra parte, k qual da ordens
e instrugoes sobre o modo de cumprir as obrigagoes as^
sumidas.
CONTRATO ADMINISTRATrVO 230

Ha nestes casos uma subordinacao do contraente


particular a entidade publica, dentro do ambito do con-
trato e de acordo com as regjas disciplinadoras da exe-
cugao deste.
Os limltes do poder de fiscalizaQao e, quando seja
caso disso, do poder de diregao sao, por um lado, o pr6^
prio contrato, de cujas clausulas e, sobretudo, de cujo
objeto nao k licito a Administragao afastar-se, e por ou-
tro lado o dever de nao onerar, dificultar ou impedir o
cumprimento do contrato sem fundamento justo.
O contrato implica uma colaboragao ou associacao
entre duas partes. O particular tern o dever de, procuran-
do embora realizar o seu interesse legitimo, prosseguir
o interesse piibHco, concretizado no objeto do contrato,
com o mesmo espirito que deve animar a Administragao;
mas esta, por sua vez, al§m de cumprir exata e pontual-
mente aqmlo a que se obrigou, deve, atraves dos seus
fiscais, facilitar ao outro contraente o cumprimento das
respectivas obrigagoes evitando embaraga-lo mais do que
as exigencias normais da fiscalizacao inevitavelmente
imponham.
£ neste sentido que deve entender-se o § unico dO'
art. 83 do Dec. n.o 73.140: "A fiscalizacao e exercida no
interesse exclusive da AdministraQao, nao exclui nem
reduz a responsabilidade do contratado, inclusive peran-
te terceiros, por qualquer irregularidade e, na sua ocor-
rencia, nao implica co-responsabilldade do Poder Publico
ou de seus agentes e prepostos, salvo quando a estes a.
apuraqao de agao ou omiss^ funcional na forma e para.
OS efeitos legais".

110. Temos insistido na importancia que reveste na-


execugao do contrato o seu objeto.
■2i0 DntEiro administhativo

O objeto individualiza o contrato de tal forma que


•a sua substitmgao corresponderia a extingao de uma re-
lagao contratual e a formaQao de outra nova.
Mas, desde que se respeite o objeto do contrato, e
juridicamente possivel modificar as prestagoes estipxila-
•das, nem sempre, de resto, especificadas desde infcio,
vlsto poderem ser genericamente indicadas.
Naturalmente que tal modificagao pode fazer-se per
acordo das partes, mediante um contrato adicional, apos-
tilha, suplemento ou aditamento ao contrato.
Nos contratos administrativos e vulgar prever-se
■& modificagao do acordo, sobretudo para regular os ea
ses em que a iniciativa parta dos particulares; mas o
problema mais interessante que se poe e o de saber se a
Administragao tem ou nao o direito de Impor unilateral-
mente ao outro contraente tais modificagoes, e se esse
•diielto constitui uma prerrogativa caracteristica do seu
regime juridico.
Nos contratos de empreitada de obras putalicas, por
•exemplo, assiste a Administragao o direito de impor alte-
ragoes nos projetos que serviram de base aos trabalhos.
Quanto aos fornecimentos continues, reserva-se a
Administragao o direito de modificar a seu talante os
•servigos que eles se destinam a prover e a alterar os
padroes dos artigos, generos ou mercadorias que devem
ser fomecidos, bem como as condigoes especiais (melhor,
as circunstancias de modo, tempo, lugar. . .) da pres-
tagao.
Nas concessoes, quer de obras, quer de servigos pii-
Talicos, a prerrogativa da Administragao e mais evidente.
Houve pelo contrato uma transferencia de poderes res-
peitantes a construgao e exploragao, nao ao dominio, da
•obra ou do servico. Por isso o eoncedente se reserva o
direito de regulamentar o exercicio dos poderes transfe-
CONTHATO ADMIHISTRATIVO 241

ridos para o concession^o, e de alterar regulamentos


quando bem entender. Por outro lado visto que a obra
ou 0 servlQO permanecem ■p^'blicos, a Administracao fis-
caliza a respectiva exploragao e conserva o direito de
impor ao concessionario as modificagoes tecnicas neces-
sarias para que a satisfagao da necessidade- coletiva
possa obter-se efetivamente mantendo atualizados os
meios a empregar.
Verifiea-se, pois, que a Administragao tem o direito
de introduzir unilateralmente certas modificagoes no
regime das prestagoes a fazer pelos particulares a quem
esteja vinculada por contrato admlnistrativo.
Qual 0 fundamento desse poder de ordenar unila
teralmente tais modificagoes?
E que a Administragao serve o interesse publico e
nao pode exonerar-se do dever de procurar sempre os
msiliores processes tecnicos e os meios materiais e juri-
dicos de realiza-lo.

O contrato admlnistrativo inclui um pacto de eola-


boragao de certo particular com a Administragao para
realizar o interesse publico sob determinado aspecto.
Essa colaboragao do particular e livre © interessada.
E, conforme a natureza do contrato, implica para a
Administracao a obrigagao de nao dispor dos interesses
que Ihe estao confiados e pretende ver realizados sera
atender ao interesse do outro contraente empenhado
nessa realizacao.
Mas, ressalvada esta obrigagao, e da indol© da ativi-
dade administrativa o adaptar-se ^ exigencias do inte
resse pilblico que deve servir. O pacto de colaboragao do
particular com a Administragao contem, por isso, impli-
cita ou explicitamente, a subordinagao ou sujeigao do
primeiro aos mesmos imperativos a que est^ sujeita a
segunda. Dai o poder conferido a Administracao de fazer

214-10
242 DIREITO ADMINISTRATIVO

nas prestagoes contratuais as modilicagoes estritamente


exigidas pelo interesse publico.
Tal poder tem o mesmo fundamento das restantes
formas do Poder Publico e per isso a doutrina francesa
da ao ato que decide as modificagoes das prestacoes con
tratuais a denominagao generica de fait du Prince, fato
da Administragao, ato do Poder.
E pode ate acontecer que nao sejam as mesmas a
pessoa coletiva de direito publico contraente e a que
Impoe as alteragoes do regime juridico ou dos processes
tecnicos ao contraente particular. Sucede, com freqiien-
cia, que num contrato celebrado por uma autarquia o
poder de regulamentar a materia ou a faculdade de
fiscalizaQao tScnica pertengam ao Estado.
Ora,0 problema melindroso surge quando, da modi-
ficagao das prestagoes convencionadas ou das circuns-
tancias da execugao do contrato resultante de ato sobe-
rano ou alteragao de lei ou regulamento, provenha para
o contraente particular um encargo financeiro que ele
nao suportaria se nao tivesse contratado e que sacri-
fique o mlnimo de lucre legitimamente esperado ou cause
prejuizo de outro modo inexistente.
A doutrina e unanime em reconbecer que, neste
caso, a Administragao contraente tem a obrigagao juri-
dica de indenizar o particular. Mas onde divergem os
pareceres e no que toca ao fimdamento dessa obrigagao.
Parece-nos, porem, que posto o problema nos termos
em que o colocamos esta obrigagao esta naturalmente
justificada. O principio da inteniependencia dos interes-
ses empenhados num contrato faz com que nenhuma das
partes possa procurar obter da outra luna vantagem sem
Ihe dar a compensagao devida segundo o que estiver esti-
pulado.
CONTRAXO ADUnOSTRATlTO 243

No contrato administrative o particular prop6s-se


livremente colaborar nos termos que a ambas as partes
se afigxuraram justos.
Desde entao estabeleceu-se a comutagao dos inte-
resses e se o interesse publico exigir a imposigao de
encargos superiores aos que o particular se dispusera a
assumir, ha que proceder k revisao da clausula de remu-
nera^ao ou que pagar a justa indenizagao.
E se a alteragao de ordem contratual § devlda a ato
de autoridade proveniente de pessoa juridica diferente
da que contratou?
A responsabilidade e sempre do contraente. Na ver-
dade, o interesse publico nunca e alienado e, por isso,
a entidade administrativa contraente e que deve supor-
tar as consequencias resultantes da sua realizagac em
tudo quanto, pelo contrato, nao haja sido posto a cargo
do particular. O principle 6 de que o interesse privado
empenhado num contrato administrative nao deve ser
sacrificado alem do que resulte com justiga das clausulas
estipuladas.
Esta responsabilidade do contraente publico por ato
alheio compreende-se melhor se considerarmos, por
exempio, a concessao de service piiblico municipal. O
servigo, pelo fate de ser concedido, nao deixa de perten-
cer ao municipio que conserve o poder de o reorganizar,
regulamentar e atualizar. O concedente institui um ser-
vigo e entregou em certos termos a sua exploragao. Se
amanha lima lei, fruto da soberania do Estado, alterar
a organizacao e as condigoes de desempenho do servlgo
municipal concedido, de tal modo que o concessionario
sofra por isso prejufzo, quern tern de suportar essas re-
percussoes financeiras e o dono do servlgo, o Municipio,
0 gestor do interesse publico em cujo beneficio a lei o
modificou. O contraente pdblico nao responde por ter
244 DIHEITO ADMDHSTRATrVO

culpa, mas sim por ser ele quem representa Os benefi-


cidrios dos encargos impostos ao patrim6nio de um so
ou de alguns. Nao seria justo, nem legal, lan^ar sobre a
economia de uma unica empresa o peso correspondente
a beneficios em proveito de todos, apenas pelo fate dela
se ter prestado a colaborar com a AdministraQao. Esta
que dissemine depois pelos contribuintes, mediante o im-
posto, aquilo que pagar.
A harmonizacao da clausula de remuneragao com
OS novos encargos imposixjs ao contraente particular efe-
tiva-se, conforme os casos, mediante o pagamento do
prego das prestagoes impostas a mais, ou atribuigao de
uma indenizagao pelos danos sofridos, ou por aumento
das tarifas, mas tem de tomar em consideragao os lucros
apurados. De fato, se o contraente particular obteve ja,
na execucao de um contrato com exclusividade, lucros
exoessivos, por remuneragao superior a que em regime
de concorrencia livre obteria no mercado, poderia nao
haver lugar a nenhuma nova compensagao.
A doutrina nesta materia resume-se pois, assim:
a) a Administragao pode, nos contratos adminis-
trativos em que seja parte, impor ao outro contraente
modificag6e» nas prestagoes convencionadas ou alterar
por sua autoridade as condigoes jurldicas e tecnicas de
execugao do contrato;
b) estas modificacoes e alteragoes sac feitas no exer-
clcio do poder publico, por via de regulamentos ou atos
administrativos definitivos ou executorios e obrigam em
virtude da clausula especial de sujeicao do contraente
particular;
c) mas como e da essencia do contrato administra-
tivo que a sujeigao do particular seja voluntaria e remu-
nerada, ao ato do Poder que autoritariamente atete o
equilibrio financeiro inicial deve em principio correspon-
CONTRATO ADMTNISTRATrVO 245

der a revisao das clausulas de remiineragao para pro-


cxirar restabelecer as condigoes normais de risco.

111. As alteragoes na execugao dos contratos adminls-


trativos podem tambfim provlr de fatos alheios a von-
tade dos contraentes, para os quais estes de nenhum
naodo hajam contribuido — e temos entao os casos.
Os casos, alem de independentes da vontade dos con
traentes, sao imprevisiveis no momento da celebracao
do contrato. Embora a sua verificagao esteja na ordem
das possibUidades, nao se sabe se se verificarao ou nao
no decurso da execug^ daquele contrato e se, na hipo-
tese de se verificarem, terao nela alguma influencia.
Quando o caso, alem de imprevisivel, consista em
fato que,,uma vez produzido determine a absoluta rm-
possibilidade de cumprir o contrato, da-se a forga maior.
Caso de forga maior e pois, o fato imprevisivel e
estranho d. vontade dos contraentes que impossibilita
absolutamente de cumprir as ohrigaqoes contratuais.
O caso de forga maior exonera de responsabilidade
0 contraente que por causa dele nao cumpra as suas obri-
gacoes.

Sao exemplos tipicos do caso de forga maior: os ca-


taclismos (tremores de terra, inundagoes, ciclones...),
que destruam ou danifiquem obras ou instalagoes, as
greves que forcem a paralisagao de servigos e fomeci-
mentos, os atos de guerra ou de rebeliao que impegam os
contraentes de exercer a sua atividade...
Em certos contratos, como freqtientemente sucede
com as empreitadas de obras piiblicas, o caso de forga
maior nan e relevante apenas no sentido de exonerar o
contraente da responsabilidade para com a outra parte:
tambem interessa pelo fato de o contrato colocar a cargo
246 DIRHITO ADMIMISTRATIVO

da' Administragao os prejuizos causados ao particular


pelo evento. Claro que o risco so e assumido pela Admi-
nistragao quando assim esteja estlpulado no contrato, e
nao haja obiigaQao por parte do outro contraente de o
segurar.
Hd leis, regulamentos e contratos administrativos
que nao se limitam a inserir o prlncipio da libertagao de
responsabilidade per caso de forsa maior, mas o definem
ou exempliticam. Quando haja um texto que contexiha
a definicao de forga maior escusado sera dizer que 6 a
esse texto que deve atender-se.
Mas ha fatos que, sendo estranhos a vontade dos
contraentes e imprevistos no momento da celebragao do
contrato, nao impedem a sua execugao; tomara-na, ape-
nas, tao onerosa que o devedor so podera cumprir a custa
de um sacrificio extraordinario e, porventura, da ruina.
a estes casos que chamamos imprevistos.
Na verdade a doutrina habitualmente so fala em
imprevisao ou na teoria da imprevisdo: mas na tecnica
juridica estamos perante um autentlco caso e e como tal
que deve ser tratado.
A teoria explica ou fundamenta: mas o que por ela
e e3q)licado ou fundamentado 6 uma situagao que se con-
figura num caso.
O caso imprevisto sera, por conseguinte, o jato es-
tranho d vontade dos contraentes que, determinando a
modificagdo das circunstdncias economicas gerais, torna
a execugao do contrato muito mais onerosa para uma
das partes do que caberia no risco normalmente consi-
derado.
Quando se verifique o caso imprevisto o devedor nao
tica exonerado da obrigagao de cumprir; apenas, con-
forme as hipoteses, Ihe sera facultado rescindlr o contra-
CONTRATO ADMDflSTRATIVO 247

to, pedir a revisao das clausulas de remuneragao ou ser


indenizado.

112. Foi durante a guerra de 1914-18 que em Franga


se admitiu a alteraga^ das condigoes dos contratos admi-
nistrativos k luz do que entao se chamou a teoria da
impr&:isao.
A duragao dessa guerra e as suas consequ§ncias
economicas e sociais durante os anos seguintes k con-
clusao da paz perturbaram de tal forma os mercados que
nao houve, sobretudo nos palses envoMdos no conflito,
equilibrio financeiro de contrato a longo prazo que pu-
desse manter-se. Faltaram matSrias-primas, exigldas
pela produgao belica ou de impossivel transporte pelas
vias maritimas; escassseou a mao-de-obra; subiram os
pregos e, por fim, as moedas viram os seus valores tradi-
cionais variar em amplissimas oscilagoes chegando al-
gumas a sogobrar no meio de verdadeiros cataclismos
econdmicos.
Tais transformagoes colocaram os concessionarios
com contratos a longo prazo, e ate os fornecedores e em-
preiteiros, em posigao delicadamente critica, pois ou
cumprlam a palavra dada e para beneficiar o publico
consumavam a sua ruina (tamanha desproporgao'havia
entre o encargo tornado e aquele que tinham de supor-
tar), ou desistiam e paralisavam os servigos, incorrendo
em pesadas sangoes.
Colocado assim o problema em Franga, o Conselho
de Estado, usando da larga autoridade de que desfruta
e seguindo na tradigao do temperamento pretoriano das
solugoes juridicas, construiu a teoria da imprevisdo,
apllcando-a pela primeira vez na pendgncia, que ficou
celebre, entre a municipalidade de BordSus e a respecti-
248 DlRElTO ADMJKCSTRATIVO

va companhia concessionaria do fornecimento de g^, e


em que foi proferida a decisao de 30 de marge de"1916.
A essa decisao outras se seguiram, de modo que o
principio da assistencia financeira devida pela Adminis-
tracao ao outre contraente nos cases em que a execugao
de um contrato a longo prazo se haja tornado muito
mais onerosa por virtude da produgao de acontecimen-
tos economicos excepcionals, imprevisiveis no momento
do contrato e Independentes da vontade das partes, tor-
nou-se um principio de Direito publico frances, sancio-
nado pelos tribunals.
Os fundamentos doutrinais deste principio foram
assim apresentados pelo Conselho: importa assegurar a
continuidade dos servigos piiblicos e evitar, quanto pos-
sivel, quaisquer perturbacoes no seu funcionamento;
deve-se, portanto, manter o contrato mesmo em circuns-
tancias excepcionals que ameacem de ruina o concessio-
ndrio, empreiteiro, ou fomecedor, pois essa ruina, ou a
iminencia dela, envolveriam a interrupcao das presta-
goes e um conseqiiente abalo do servigo, forgando a
Administracao a improvisar meios de a manter, ou a pro-
curar (e Deus sabe por que prego) novos contraentes;
logo, 0 interesse publico impoe que a colaboragao pros-
siga nos termos do antigo contrato, repartindo-se as per-
das da exploragao por ambos os contraentes (Adminis-
tragao e particular).
A jurisprudencia do Conselho de Estado frances
restringiu a participagao ou a indenizagao as perdas
sofridas por virtude das cireunstancias extracontratuais,
negando sempre a extensao do principio aos lucres ces-
santes. O calculo de deficit deve, alem disso, entrar em
linha de conta com todos os prois e percalcos do contrato,
€ considerando toda a duragao deste, nao sendo regular
CONTRATO ADMINISTRATIVO 249

fazMo s6 quanta a certa clausula ou atividade con-


tratual.

£ caracteristico tambim desta teoria jurisprudencial


0 principio de que a assistencia prestada pela Adminis-
tragao ao outro contraente reveste a forma de vndeniza-
gao, porque os juizes nao podem modificar o contrato,
alterar tarifas, elevar pregos.

113. Nesta fundamentagao e bem patente a preocupa-


gao de resolver com eqiiidade situagoes de momento: e
por isso as razoes aduzidas sao predomlnantemente po-
liticas e economicas, de tal sorte que em certos setores
doutrinais se criou a convicgao de ser a teoria da impre-
visao so admissivel em Direito administrativo per in-
compatlvel com os principios fundamentals do Direito
privado,
Mas que assim nao 6, prova-o, por exemplo, o Codigo
Civil italiano que, nos seus artigos 1.467.°, 1.468.°,
1.664.° consagra os efeitos do caso imprevisto em termos
andlogos aos definidos pelos administrativlstas. Do mes-
mo modo o Codigo Civil portuguls de 1966, no artigo
437.°, admitiu o principio fundamental da imprevisao,
embora evltando a palavra.
E de resto foi no campo do Direito privado que os
p6s-glosadores e os canonistas elaboraram a doutrina da
incliisao, implicita em todos os contratos a longo prazo
da clausula rebus sic stantibus, e que Windscheid for-
mulou a sua celebre teoria da pressuposigao.
Nao ha diivida que esta arraigada na consci§ncia
juridica a convicgao de que um contrato a longo prazo,
embora admitindo necessariamente um risco economico
mais ampio, pressupde que na sua execugao se nao pro-
duzam transformagoes radicals no mercado ou na tecni-
ca, como sejam a subversao das moedas, a variagao
250 DIBEITO ADMDIJSTRATIVO

universal- dos valores, a substituigao da economia inter-


nacional aberta do tempo de paz por economies naciO-
nais fechadas de tempo de guerra, o abandono dos pro
cesses tecnlcos previstos para a execugao do contrato...
Os pianos de equilibrio de interesses mudam entao de
tal modo que nao ba mais justiga comutativa sem que
se reponham em novos pianos as relagoes anteriormen-
te criadas.

A consagxagao dos efeitos juridicos do caso impre-


visto nao e mais, portanto, do que a conseqiiencia de se
reconhecer que a forga obrigatoria dos contratos nao re-
sulta exclusivamente da vontade das partes, nem inte-
ressa apenas aos individuos vinculados; o valor juridico
dos contratos vem da lei e e conferido em razao da sua
utilidade social. Nao pode a convengao dissociar-se das
condigoes gerais da sociedade em que 6 celebrada e exe-
cutada. Deixa-se aos prdprios interessados a realizagao
da iustiga comutativa segundo a formula que mais Ihes
aprouver de eqiiiponderagao dos seus interesses nas cir-
cunstancias econdmicas existentes; mas se estas muda-
rem a ponto de desaparecer a base da justiga em que se
funda a sangao dada pela Ordem juridica ao acordo de
vontades, a lei nao pode deixar de intervir para desatar
OS vinculos formados ou equacionar de novo os interes
ses em causa.

Nao §, pois, na Intengao dos contraentes que vamos


procurar o fundamento da teoria da imprevisao: mas na
propria razao de ser do assentimento legal a forga obri
gatoria dos contratos, que esta na realizagao da Justiga
atraves do mecanismo da livre composigao de interesses
diferentes.

114. Pelo que toca aos contratos administrativos em


especial, cumpre nao esquecer que neles existe funda-
CONTHATO ADMINISTRATIVO 251

mentalmente tamtem essa ideia de justiga comutativa:


— a sujeigao do particular ao interesse publico corres-
ponde a garantia de uma remuneragao compensadora.
Podem OS calculos da remuneragao falhar em clr-
cunstancias normals e o particular softer prejuizos, por-
ventura totals: mas trata-se entao de consequ&ncias
naturals do rlsco assumido numa empresa econdmica e
que nao constltuem injustlga pols resultam do defelto
de prevlsao, ignorancla do negocio ou ma gestao, sempre
da responsabllidade do contraente.
Porem, se esses prejuizos sao o efeito exclusivo de
uma modlficacao geral das clrcunstancias economicas
ou tecnicas do mercado que se nao podia prever se se
darlam, nem quando ou com que extensao, e se esses
prejuizos excedem o calculo da alea normal da. empresa,
ha sacriiicio Injusto de um Interesse na comutagao con-
tratual que nem mesmo o fato de o outro contraente
prossegulr o Interesse publico legitima, vlsto ser funda
mental 0 principle de que nos contratos adminlstrativos
o particular serve interessadamente, e a Adminlstragao
procura utillzar o Instlnto Individual do lucro.
£: claro que o prejulzo nao pode ser calculado apenas
em relagao a um momento da execugao do contrato; se
esta ja produzlu anteiiormente lucros avultados e sufl-
clentes para permltirem a constituigao de reservas fl-
nancelras, so quando elas se esgotem comega a verlfi-
car-se o prejuizo efetivo. Se os lucros se produzlram e
por imprevidgncla nao foram constituldas as reservas, e
alnda da responsabilldade do particular suportar uma
parte dos prejuizos correspondentes aos ganhos indevi-
damente consumidos. Fazemos referenda ^ reservas fi-
nanceiras, e nao as reservas tecnicas que sao frutos de
amortizagoes destlnadas a renovagao do equipamento e
que per isso devem nesta hlpotese conservar-se, exceto
252 DIREIIO ADMHOSTRAIIVO

quando o caso imprevisto consista em radical transfor-


magao de processos tecnicos.
Da conjugagao das ideias fundamentals em que
temos insistido — de que o particular 6, de certo modo,
colaborador da AdministraQao, pondo ao servigo do Inte-
resse piiblico o seu interessC' privado, disposto a correr
0 risco normal da empresa, mas sem que Ihe seja pedido
um sacrificio desinteressado e excepcional — resulta a
consequSncia de que, se o contrato tiver de ser esecu-
tado em conjuntura economica que subverta o equili-
brio financelro estabelecido e nao tivesse podldo ser pre-
vista no momento da celebragao, a Adniinistragao deve
partilhar os prejulzos verificados ou rever o contrato de
modo a restabelecer a base de justiga comutativa, essen-
cial ao reconhecimento legal da respectlva validade.
Insisto em sublinhar que o fato determinante da
modificagao das circunstancias economicas gerais nao
poderia ser suscetivel de mengao, quanto k epoca da sua
produgao, no momento da formacao do contrato.
E hi que reconbecer que, embora os principios con-
servem a sua validade, se tem restringldo muito, no
instavel mundo dos nossos dias, o seu campo de aplica-
gao. A seguranga que caracterizava os tempos antigos
desapareceu. E mal vai de quern, ao celebrar contratos a
medio ou a longo prazo, nao preveja que possam ocorrer
mudangas profundas de circunstancias economicas.
A desvalorizagao da moeda por exemplo, que noutros
tempos entrava na categoria dos fatos insusceptiveis de
prevlsao, hoje e um risco corrente cuja Imprevisao nao
pode justificar a aplicagao da doutrina aqui exposta.
Passou a ser normal nos contratos a insergao de
fdrmulas tarifarias cujas variaveis correspondam aos fa-
tores da formagao dos custos, ou a adogao de indices
destlnados a atualizar pregos consoante as modiflcagoes
CONTRATO ADMINISTRATIVO 253

que, com os tempos, se verifiquem nesses custos. O Brasil


estabeleceu mesmo, por via legislativa, o princfpio da
corregao monetaria das obrigacoes em termos muito
Jiabeis e originals que permitem k sociedade "conviver"
com a inilagao. (A revisao dos pregos unit^ios contidos
em contratos de cbras ou servigos a cargo da Uniao 6
regulada pelo dec. lei n.° 185 de 23 de fevereiro de 1967.)
Mas sao tao extraordinarias as mudangas que a
tecnologia, as necessidades, a propria economia sofrem
em curtos espagos de tempo que a mente humana con-
tinua a nao ser capaz de tudo prever. Por isso, sempre
sera possivel o aparecimento na execugao dos contratos
de cases imprevistos.

115. Surgem com freqiiencia diividas e contestagoes


acerca do sentido das cldusulas estipuladas num contra-
to administrativo. Na Interpretagao deste ha que obser
ver certos principios relatives ao seu carater peculiar.
Sabemos que por via de regra os contratos adminis-
trativos se formam ao longo de um processo gracioso
no qual sao produzidos virios atos preparatories cujo
conhecimento e indispens&vel a compreensao do acordo
final. As diividas sobre o que foi definitivamente esti-
pulado quando as clausulas do contrato sejam ofascuras
podem nesses casos ser esclarecidas atraves de exame
desse processo.
O exame do processo revelara porventura a vontade
real das partes, tal como se manifestou no seu decurso,
de maneira a esclarecer diividas surgidas acerca do signi-
ficado das expressoes do contrato final.
Mas nao pode esquecer-se de que as clausulas esti
puladas no instrumento do contrato e que traduzem o
acordo formado e per isso 6 sempre k sua letra que tem
de se atender: a interpretagao consiste em detenninar
254 DiREITO ADMINISTRATrVO

0 sentido duvidoso de um texto, fixando o seu signifi-


cado objetivo. Os elementos de interpretagao, tais coma
OS trabalhos preparatories, valem na medida em que
possam ajudar a entender o que se quis, mas nao preva-
lecem sobre a letra do contrato.

O contraente particular devotou-se, por definigao, a.


realizagao dos interesses publicos, associando-se k Admi-
nistragao para colaborar com ela e submetendo-se lets
0 regulamentos que exprimam a disciplina normativa da
atividade necessitada pelo fim visado.
Mas ha que considerar a posigao do interesse privado'
do contraente particular. Se a Administracao associou
outra pessoa a sua atividade foi porque entendeu ser
litll 0 aproveitamento do interesse dessa pessoa coma
instrumento da realizagao dos fins publicos. Deste modo,
muito embora o contraente particular seja sempre um
colaborador na realizagao do interesse publico, o seu in
teresse privado deve ser respeitado na medida em que os
termos do contrato o imponham e que a realizagao inte
gral dos fins administrativos o exija, segundo a logica
da livre vinculagao eontratual.
A destruigao do interesse privado do contraente par
ticular nao so nao pode estar estabelecida no contrato,
como seria contraria ao espirito da estipulagao eontra
tual; 0 interesse do particular e um incentive da eficacia
da atuagao que, por via do contrato, a Administracao
quis aproveitar em seu beneficio e que e preciso manter
por se ter reconhecido advlrem dai vantagens reciprocas.
Tratando-se de contratos onerosos, vale aqui a regra que
manda atender nesse tipo de negocios juridicos ao sen
tido que conduzir ao "maior equilibrio das prestagoes".
A reciprocidade dos interesses 6 na verdade possivel
no contrato administrativo na medida em que a um
maior interesse privado corresponda um acrescimo de
CONTRATO ADMINISTRATIVO 255

interesse piiblico. Claro que se o beneficio privado for


conseguido a custa do sacrificio do interesse piiblico, o
contrato nao est^ sendo interpretado segundo o seu es-
pirito. Mas, por outro lado, nao sera correto o entendi-
mento segundo o qual se procure realizar o interesse
piiblico sem consideragao pelo mininio de satisfagao do
interesse privado que deve presumir-se sempre atendido
no contrato, mesmo quando nao ressalte das suas clau-
sulas.
Estamos a tratar da Interpretagao do contrato e,
portanto, do sentido a dar ^ normas nele estabelecidas
ou dele decorrentes para regular a relagao juridica per
ele criada.
E dlferente este problema do relativo ao risco na
execugao. Evidentemente que no contrato administra-
tivo nao pode estar implicito o seguro dos patrimdnios
dos particulares contra o risco normal de um prejuizo
pecuniario, contrapartida da possibilidade de lucro.
Quando se.diz, pois, que no contrato deve considerar-se
sempre preservado o interesse privado, nao se quer afir-
mar que esteja garantido um minimo de lucro ou, se-
quer, a indenidade de perdas: mas apenas que se dao ao
contraente particular os meios de, em condigoes normals
de atuagao no mercado economico, correr o risco de per-
der ou de ganhar.
Em todo o contrato administrative, havendo por
definlgao uma colaboragao livre e remunerada do parti
cular com a Administracao, tern de se pressupor o equi-
librio das prestagoes: o particular prestara servicos ou
entregara bens mediante as vantagens que estao assegu-
radas pelo acordo em que estipulou. O contrato assenta,
pois, numa determinada equagdo firuxnceira (o valor em
dinheiro dos encargos assumidos por um dos contraen-
tes deve equivaler ao das vantagens prometidas pelo ou-
256 DIREITO ADMINISTRATIVO

tro), e as rela^oes contratuais tern de desenvolver-se na


base do equilibrio estabelecido no ato da estipulagao.
Se esse equilibrio estabelece ou nao de fato a verda-
deira equagao, nao interessa: a interpretagao do contrato
deve fazer-se a partir do que as partes consideraram sufi-
ciente para o estabelecer. Toda a execugao do contrato
tem de ser dominada pela preocupagao de manter a for
mula do equilibrio financeiro inicialmente prevista, ajus-
tando-a as clrcunstancias que forem surgindo .
Flnalmente a Administragao nao deve interpretar
especifieamente os contratos administrativos por meio
de atos definitivos e esecutorios.
A parte a interpretagao que esta Implicita em todo
o at-o de execugao ou de aplicagao do contrato, nao cabe
a Administragao definir com forga obrigatoria o sentido
de uma clausula duvidosa, pois esta em causa nao ape-
nas 0 seu interesse ou mesmo o Interesse publico, mas
tambem o Interesse particular do outro contraente, e os
dois sao independentes. Imp6e-se o processo contencio-
so, devendo caber aos tribunals a competencia para fi-
xarem a interpretagao das clausulas contratuais.

116. Os fatos que determinaEm a dissolugao das rela-


gSes constituidas pelos contratos administrativos sao,
uns, de carater comum e, outros, especificos de certas
categories de contratos.
Deixemos de parte as causes especificas de estln-
cao de certas categorias de contratos — como, por exem-
plo, o resgate ou encampagao nos contratos de conces-
sao — que devem ser estudadas a propiosito das rela-
goes juridicas a que respeitam.
As relagoes contratuais extinguem-se per acordo
das partes (distrato)i per caducidade, por denHncia ou
por rescisdo do contrato.
CONTRATO ADMINISTRATIVO 257

Pode a extincao resultar tambem de anulagao con-


tenciosa.
A caducidade do contrato da-se quando ocorre al-
guma circunstaneia que, per forga das clausulas nele
estipuladas ou per lei, determine a cessa^ao da sua vi-
gencia. Assim o contrato administrativo caduca quando
chegue ao seu termo, quando se verifique uraa condicdo
resolutiva, quando esteja cumpi'ido o seu objeto ou
quando, tendo morrido o contraente particular ou sido
declarada a sua falencia ou insolvencia, nao seja au-
torizada pelo outro contraente a prossecu?ao da exe-
cucao do contrato, respectivamente pelos herdeiros ou
pelos credores associados ou pela massa falida.
O termo e uma causa comum de extingao dos con-
tratos administrativos. Todos estes contratos sao, por
via de regra, temporarios. Os proprios contratos de em-
preitada compreendem um prazo para a conclusao das
obras, e outro, depois destas concluidas, para p6r a prova
OS bens produzidos {-prazo de garantia) findo o qual se
procede a liquidagao das relagoes contratuais.
A data em que expira o contrato e, umas vezes,
fixada expressamente no contrato; outras resulta do
prazo estipulado para a sua duragao. Neste ultimo caso
corre-se o risco de ver suscitar discussoes, sobretudo se
tambSm nao tiver sido acordado o dia em que se inlcia
a vigencia. A solugao parece-nos dever ser a de eonside-
rar como data de entrada do contrato em vigor a da sua
celebragao ou, quando, apos a celebragao, a lei exija a
observ§.ncia de algum ou alguns requisitos de efieacia,
a do cumprimento da liltima formalidade necessaria
para se tornar eficaz (aprovagao tutelar, publicagao...).
Pode, porem, ser estipulado que o contrato delxara
de vigorar se vier a verificar-se certo acontecimento fu
ture e incerto (a eclosao de uma guerra, por exemplo):
244-17
258 DIREIXO ADMINISTHATIVO

nesse caso extingue-se no memento da verificagao dessa


condigdo resolutiva.
Nada impede que nalgum contrato adminlstratlvo
seja admitido que a associacao do particular a Admi-
nistragao, embora duradoura, termine desde que esteja
cumprido o objeto que a determine. Numa empreitada de
obras publicas, por exemplo, o prazc fixado e o maximo
prevlsto, mas o empreiteiro pode entregar a obra e esta
ser recebida antes desse prazo, comegando logo a con-
tar-se o periodo de garantia.
Os contratos administrativos sac, como se disse
oportunamente, celebrados tendo em atengao as condi-
goes pessoais do contraente particular. A morte, falen-
cia ou insolvincia do contraente farao extinguir as re-
lagoes contratuais, salvo se a Administragao consentir
em que a execucao do contrato prossiga pelos herdeiros
ou pelos credores.
Ha denuncia do contrato administrative quando,
tendo sido celebrado por tempo determinado mas pre-
vendo-se que continue em vigor por periodos sucessivos
se nenhuma das partes manifestar vontade dLscordante,
0 contrato cesse de vigorar no termo dum desses perio
dos por haver sido manifestada oportunamente essa von
tade de nao prosseguimento. O contrato sera recondu-
zido na falta de oportuno aviso da intengao de extinguir
as relagdes contratuais. Quando, porem, uma das partes
faga a outra, com antecedlncia estipulada., o pr6-aviso
do seu proposito de, findo o prazo estabelecido, se li-
bertar dos vinculos assumidos, diz-se que foi denuncia-
do 0 contrato.
A reseisdo e a extingao do contrato, no decurso da
sua vig&icia, por manifestagao de vontade de um dos
contraentes e pode exercer-se nos termos genericamente
CONTRATO ADMINISTRATIVO 259

fixados na lei ou previstos no contrato. Deve ser consl-


derada distintaraente consoante constitua poder da Ad-
ministragao ou direito dos particulares.
Como poder da Adminlstragao, a rescisao aparece
como sanqdo aplicavel por inexeeugao das obrigagoes
assumidas pela outra parte ou como faculdade cujo
exercicio dependera das conveniencias do interesse pii-
blico.
A rescisao imposta como sangao implica necessa-
riamente efeitos punitivos para quern a sofre. O poder
de a aplicar e vinculado, devendo fundar-se em graves
faltas de cumprimento do pactuado suscetiveis de pro-
duzir danos apreciaveis para a Administragao. O parti
cular tera entao qua responder pelos danos causados
pela inexecugao de que seja culpado.
Casos ha, porem, em que os contratos preveem a
rescisao por conveniencia administrativa. Trata-se d©
um poder discricionario cujo fim 6, geralmente, o de
evitar males maiores do que os ji, produzidos pela difi-
culdade ou impossibilldade de cumprimento do pactua
do por parte da Administragao. Outras vezes a Admi-
nistragao verifica nao ser a obra ou o forneriraento ad-
judlcados o que mais conv6m ao interesse publico e que
este exige revisao do problema e mudanga de orientagao.
A rescisao por convenigncia da Administragao implica
0 dever de indenizar o contraente-particular dos danos
causados pela rotura do contrato e o pagamento de tudo
quanto ele haja feito ou prestado ate ao momento da
extingao.
Quanto ao direito de rescisao por parte do contra
ente-particular tern de resultar da lei ou do contrato
e so pode fundar-se em exigencies que afetem o objeto
do contrato ou em falta de cumprimento por parte da
Administragao. Enquanto esta pode rescindir por auto-
260 DIREITO ADMINISTRATIVO

ridade propria, salvo o recurso da outra parte aos tri


bunals, 0 particular nao pode libertar-se dos vinculos
contratuais, per mera manifestagao da sua vontade,
mesmo que execute um contrato bilateral desrespeitado
pelo outro contraente. A exceptio non adimpleti con-
tractus nao vigora no Direito Administrativo e se o par
ticular abandonar a execucao incorre nas sangSes le-
gais (v.g. Dec. n.o 73.140, art. 58, "c").
Esta regra resulta da necessidade de proteger o in-
teresse publico contra as precipitadas interpretagoes
que sirvam de pretexto aos particulares para fugir ao
ciunprimento das suas obrigagoes. Todavia, quando a
inexecucao por parte da Administracao (v.g. o nao pa-
gamento durante largo periodo de prestagoes a que se
tenha obrigado) seja flagrante e de molde a comprome-
ter gravemente a viabilidade de cumprimento pela ou
tra parte, nao podem os tribunals deixar de ter em con-
ta as circunstancias para apreciar a responsabilidade
dos contraentes.
Em princlpio o particular que pretenda exercer o
direito de rescisao deve notificar judicialmcnte a Ad
ministracao e aguardar o seu assentimento no prazo le
gal ou contratual ou, faltando a indicagao de prazo na
lei ou no contrato, no que foi fixado na notificagao.
Se a Administragao se recusar a reconhecer o direito
invocado, tera o particular de dirigir-se aos tribunals.
Quando o particular exerga fundadamente o seu di
reito de rescisao, a Administragao e responsavel pelos
danos resultantes dos fatos que, por sua culpa, hajam
originado a extingao do contrato.
A rescisao por via de regra nao tem efeitos retroa-
tivos: OS efeitos produzidos pelo contrato ate o mo-
mento da sua extingao mantem-se e sao respeitados.
CONTRATO ADMIKISTRATIVO 261

Ao contrario, se o contrato e anulado por sofrer de


vicios que afetam a sua existtocia ou a sua legalidade,
OS efeitos de anula^ao sao retroativos.
Nada impede que as partes reconhegam os vicios
de um contrato e, de acordo comum, o declarem nulo
e de nenhum efeito.
Mas nao existindo esse acordo, tera a parte interes-
sada que se dirigir aos tribunais a discutir a validade
do contrato para pedir a respectiva anulaedo.
O contrato esta viciado quando nele se verifique a
falta ou a irregularidade de qualquer dos seus elemen-
tos essenciais. Assim esta viciado o contrato celebrado
por drgao incompetente da Administragao ou corn par
ticular incapaiz; a que falte objeto fisica e legalmente
possivel; que esteja afetado por vicios da vontade; que
nao revista a forma exigida por lei, ou a que hajam
faltado formalidades na sua formagao.
Os proprios vicios dos atos administrativos em que
se funda a celebracao do contrato se convertem em vi
cios deste.
A anulagao produz efeito desde a data da celebra-
gao do contrato anulado e confere, em principio, a cada
um dos contraentes o dlreito de reaver aquilo que hou-
ver prestado, ou o seu valor, nos termos gerais estabe-
lecidos quanto aos contratos civis.
Mas ainda aqui cumpre nao esquecer o carater es
pecial dos contratos administrativos: nao so por estar
em causa o interesse piiblico mas ainda por, em geral,
ser impossivel de fato e de direito fazer a restituicao de
prestagoes de que o publico beneficiou direta ou indire-
tamente.
Num contrato de fomecimento, as coisas prestadas
a Administragao terao sido normalmente consumidas
ou aplicadas aos fins do servigo pdblico; na empreitada
262 DIREITO ADMlWsfRATlVO

para construgao de uma estrada nao e possxvel entre-


gar a estrada ao empreiteiro para que este devolva o
prego; tampouco numa concessao de servigo publico a
anulagao pod© implicar a restituigao das importancias
cobradas ao utentes...
De mode que a retroatividade da anulagao e con-
dicionada peias possibilidades de destruigao dos eleitos
produzidos e deve ser temperada segundo as exigen-
cias do interesse publico, atendendo-se a imputagao da
responsabilidade da nulidade para determinar a obri-
gagao de indenizar ou de suportar a maior quota das
conseqiiencias prejudiciais da anulaqao.
Nesta materia nao e possivel deixar de admitir que,
em cada caso, os tribunals procedam k luz da eqiiidade.
A ratrficaqao dos contratos anul^veis e permitida
quando se verifiquem as condigoes normalmente exigi-
das para a confirmagao dos negocios juridicos ou as es-
tabelecidas quanto aos atos administrativos se nalgum
destes ©stiver a origem do vicio.
TITVLO II

OS MODOS

Capitulo VI

SERVigOS PUBLICOS

§ 1.°

NOgOES GERAIS

117. O servigo publico como modo da atividade admi-


nistrativa.

118. Nogdo de servigo publico ou de utilidade pUblica.


119. Classificagao dos servigos publicos.
120. Direcao e regulamentagdo.
121. ExcItxsIvo ou eompetigao na prestagao dos servigos.
122. Estabeledmento do servigo.

123. UtUizagdo pelo p-dblico.


124. Retribuigao das prestagoes. Tarifas e taxas.
125. Responsabilidade dos utentes.

117. Vimos que a Administragao Publica, cuja organi-


zagao foi estudada, atua mediante certas formas jurl-
264 DIREITO ADMTNISTRATIVO

dicas (regulamento, ato administrativo e contrato ad-


mmistrativo) e utilizando determinados meios (ageii-
tes, bens, dinheiro), para assegurar a satisfagao regu
lar das necessidades coletivas de seguran^a e de bem-
-estar dos individuos em dado grupo social.
A Administragao assegura essa satisfagao, umas ve-
zes agindo sobre as atividades dos particulares, quer
para as disciplinar de modo a que do seu desenvolvi-
mento nao resultem males socials (poiicia), quer para
as estimular, promover e apoiar em tudo quanto seja
iniciativa litil para a coletlvldade (fomento). Outras
vezes, porem, a Administracao ocupa-se ela propria da
satisfagao das necessidades coletivas, realizando o que
for necessirio para as suprir, com exclusao das ativida
des particulares ou em concorrencia com elas, neste
caso a titulo subsidiario ou supletivo.
As necessidades coletivas surgem na vida social,
umas vezes como conseqiiencia necessaria da exist&n-
cia em sociedade (necessidades coletivas essenciais), ou
tras per efeito da criacao no seio dos grupos sociais de
processes de substituir os individuos no esforqo de bus-
car OS bens liteis para a satisfacao de necessidades in-
dividuais generalizadas (Tiecessidades coletivas instru-
mentais).
Das necessidades coletivas essenciais algumas sao.
sentidas pelos membros do grupo social, como tais, isto
e, sao carlncias da coletividade em si propria e que sa
afefam os individuos mediata ou indiretamente, na
medida em que eles pensem nos problemas da vida co-
letiva: e o caso da diplomacia, da defesa nacional, das
financas... Sao necessidades cuja satisfagao nao im-
plica a prestagao de bens ou servigos aos individuos.
Para as satisfazer ha que organizar servigos adminis-
SEKVigOS PUBLICOS 265-

traMvos mas que nao t§m por objeto produzir bens para
serem prestados aos particulares.
Outras, porem, como as necessidades de comuniea-
gao e de previdencia social, e de uma maneira geral as
necessidades coletivas instrumentais, sao sentidas dl-
reta e imediatamente pelos membros da coletivldade ©
0 seu cardter coletivo resulta de nascerem da vida social
em cuja ordem e paz a sua satlsfagao se projeta. Para
que a necessidade coletlva esteja suprida e precise, por-
tanto, que os membros da coletivldade tenham ao seu
dlspor oportunamente os bens necessdrios para porem
termo k insuficiencia por eles sentida. A coletivldade
entao organiza servigos com o objeto de produzirem os
bens, materiais ou imateriais, de que os individuos pos-
sam carecer para a satisfagao da necessidade que, sendo
coletlva, 6 individualmente sentida: sao os servigos de
utilidade piiblica, que designaremos simplesraente per
servigos pUblicos.

118. Chamamos servigo publico ao modo de atuar da


autoridade piibiica a fim de facultar, por modo regular
e continuo, a quantos deles caregam, os meios idoneos
para satisfagao de uma necessidade coletiva individual
mente sentida.
O servigo publico apareee geralmente como servigo
administrativo. — Como ficou dito, 6 servigo adminis-
trativo toda a organizagao permanente de atividades
humanas ordenadas para o desempenho regular de atri-
buigoss de certa pessoa coletiva de direito publico sob a
diregao dos respectivos orgaos. Essa organizagao e cria-
da ou permitida por lei e estruturada em fungao do tipo
de atribuigao a desempenhar, isto §, do respective ob
jeto (departamento). E compreende entao subunidades
funcionais (servigos-unidades de trabalho).
266 DntEITO ADMnnSTRATIVO

O serviqo publico e fundamentalmente destinado d


prestagao de utilidades concretas aos indivlduos. —
Constitui um departamento identificado pelo seu obje-
to, e este e a prestagao de bens materiais ou imateriais
(servigos no sentido subjetivo), aos individuos singu-
larraente considerados. Para realizar o seu objeto esse
departamento tem normalmente sendgos acessorios —
de expediente, de apoio, operacionais, financeiros, de po-
licia e auxiliares.
O servigo publico propoe-se satisfazer uma necessi-
dade coletiva individualmente sentida. — Embora o seu
objeto seja proporcionar prestagoes de eoisas ou de ser-
vigos aos individuos. existe porque se tornou indispen-
s^vel assegurar no seio da coletividade a regularldade
e a continuidade dessas prestagoes, de maneira tal que
cada um saiba poder contar com elas na ocasiao opor-
tuna. For essa razao as entidades piiblicas criam orga-
nizagoes permanentes que em primeiro lugar devem
buscar o interesse geral.
A expressao servigo publico 6 ambigua, quer na
doutrina, quer na pratica. Relatlvamente a linguagem
usual chamamos a atengao para o inconveniente de ge-
neralizar a designagao de "servigos piiblicos" a todos os
servlgos judicials ou administrativos do Estado a de en
tidades publicas, por oposigao aos servigos ou ativida-
des privadas, Poderi nesse sentido dizer-se antes servi
gos do setor publico e servigos do setor privado. Na ver-
dade, a doutrina administrativa individualizou, de en-
tre 0 conjunto dos servigos do setor publico, uns tantos
para os quais reserva a designagao de servigos publicos.
Foi sobretudo Hauriou quem, na escola francesa do co-
mego do presente sSculo, p6s em relevo a importancia
do servigo publico como "servigo tecnico prestado ao
publico de maneira regular e continua para satisfazer
SERVigOS PT^BLICOS 267

.•a ordem piSblica e por uma organizagao publica" {Pre


cis de Droit Administratif, 10.^ ed., 1921, pig. 25). Na
mesma epoca e no mesmo pais Leon Duguit define ser
vice publico como "toda a atividade cujo desempenho
deva ser assegurado, regido e controlado pelos gover-
nantes corao indispensivel i realizacao e ao desenvolvi-
mento da interdependencia social, nao podendo, por sua
natureza, ser integralmente cumprida senao com a in-
tervengao da forga governante" {Traite de Droit Cons-
titutionnel, 2.^ ed., vol. 2.°, 1923, pig. 55). Este autor,
•que negava vigorosamente a personalidade e a sobera-
nia do Estado, hipertrofiou a importancia do servigo pu
blico pois entendia que o Estado i apenas "uma coope-
raQao de servicos publicos organizados e controlados por
governantes". Toda a teoria do Direito Publico deveria
.ser eonstruida sobre essa nogao. Efetivamente o seu dis-
cipulo Gaston Jeze, desenvolveu a partir da nogao de
servigo publico o sistema do Direito administrativo fran-
ces (cf. Les principes generaux du Droit Administratif,
3.a ed., 6 vols., 1925-1936).
Mas enquanto Duguit tinha uma nogao sociol6gica
do servigo pdblico (aquela atividade social que em dado
momento nao podia deixar de ser assegurada pelos go
vernantes), Jfeze, mais cingido ao positivismo juridico,
atendia as realidades do Direito positivo. Para ele, di-
zer que em certa hipotese tii servigo publico, significa-
ria que "para dar satisfagao regular e continua a dada
categoria de necessidades de interesse geral, os agentes
pdblicos podem aplicar os processes do direito pdblico,
isto e, um regime juridico especial, segundo o qual a
organizagao do servigo publico pode ser modificada a
todo 0 momento pelas leis ou regulamentos, sem que
se possa opor qualquer obstaculo invencivel de ordem
juridica" (op. cit., vol. II, pig. 2). O servigo publico
268 . DIREITO ADMINISTRATIVO

seria mero processo tecnico de satisfazer interesses ge-


rais e que existiria sempre que a lei permitisse a apli-
cagao de um regime de subordtnagao dos interesses pri-
vados ao interesse geral, e sujeitasse a sua organizagao
aos imperatives desse interesse, podendo ser a todo O'
tempo modificavel per via legal ou regulamentar (pa-
gina 15). Para se saber se existia ou nao certo servigo
publieo bastaria pesquisar nas leis a intengao dos go-
veiTiantes (pag. 16), manifeslada por varios indices: en-
cargos impostos aos individucs para facilitar o luncio-
namento, poder de cobrar impostos ou taxas, monopo-
lio de exploragao...
Esta orientagao influenciou em certo perlodo a dou-
trina portuguesa refletindo-se nos Uvros e no ensino.
Para quem, porem, como eu, sempre sustentou a perso-
nalidade do Estado, os servigos publicos nao podem ser
senao instrumentos da autoridade, e modos da ativida-
de administrativa que nesta se funda. Aproxiraamo-nos,
assim, mais da posigao de Hauriou, embora a distingao-
que fazemos entre servigos administrativos e os servi
ces de prestagao ao piiblico, que sac os servigos publicos,
nos separe da sua escola. Na origem do conceito esta
sempre, por§m, a ideia de uma atividade que, per opK)-
sigao a decorrente da iniciativa privada (servico pri-
vado) e exercida pelo setor publieo com apoio na auto
ridade, por tal ser indispensavel ou, pelo menos, mais.
conveniente, ao interesse geral.
So nos ocupamos aqui dos servigos publicos admi
nistrativos, sabido que hi servigos publicos judiciaiS.

119. Sao muito variados os servigos publicos existen-.


tes no Estado moderno e dai resulta a necessidade de os.,
distinguir consoante as afinidades apuradas segundc
SERVigOS PUBLICOS 269

certos criterios. Os criterios que utilizaremos sao o do


objeto, 0 da retribuigac e o do mode de gestao.
Quanto ao objeto, distinguem-se os servigos publicos
■econdmicos, os sociais ou de seguranga social e os eul-
turais.

Sao servigos publicos economicos aqueles que se


propoem satisfazer necessidades coletivas produzindo
"bens materials, faciiitando a clrculagao das pessoas, das
"Coisas ou das id^ias, ou fornecendo bens para consumo.
Pertencem a esta classe os servigos de produgao e
-distribuigao de dgua, de energia eldtrica ou de gas, os
•de transporte coletivo terrestre, maritimo ou fluvial e
aereo, os de telecomunicagoes, os de abastecimento, os
■de crddito. ..
Os servigos publicos de seguranga social sao os des-
tinados a valer aos indivlduos na doenga, na velhice, na
invalidez, a amparar aqueles que, nao podendo per eles
proprios granjear meios de subsistencia, hajam perdi-
do 0 suporte familiar ou a ajudar os indivlduos a ven
eer diflculdades pessoais relacionadas com interesses de
ordem geral.
Estes servigos sao de previdencia quando organiza-
dos na base do pagamento pelos beneficiarios de pre-
mios periodicos cujo produto, juntamente com outras
contribuigoes e num sistema de mutualidade, se desti-
na a fazer face aos riscos previstos.
A assistencia 6 o amparo da coletividade a cada um
dos seus membros quando este nao possa, pelos seus
proprios meios, ocorrer a dificuldades tempordrias ou
permanentes.
Sao servigos de previdencia todos os relatives a se-
guros sociais obrigatorios; sao servigos assistenciais os
270 DiREITO ADMINISTRATIVO

estabelecimentos hospitalares, os hospicios, os asilos e


outros analogos.
Servigos publicos culturais sao os que t§m per ob-
jeto a educagao, a Instrugao e o aperfeigoamento dos
individuos. Os seus instrumentos sao as escolas, os gi-
nasios e estadios, os museus, as bibliotecas, os institutes-
de investigagao pura.
Num regime de uniao entre o Estado e uma Igreja
os servigos de culto oficial Integram-se nesta classe de
servigos publicos culturais.
Segundo o criterio de retrlbuigao das prestagoes ha
que distinguir os servigos ■publicos de prestagoes gra-
tuitas e os servigos publicos de prestagoes onerosas. Os
primeiros fornecem aos utentes as prestagoes sem que
tenha havido antes ou se exija em troca uma contra-
prestagao correspondente; ao passo que os segundos fa-
zem prestagoes em troca de uma contraprestagao em.
dinheiro ou que sao elas proprias contraprestagoes de
anteriores prestagoes dos utentes (caso da previdencia
ou da existencia de contratos de avenga).
Quanto aos modos por que sao geridos distinguem-
-se ainda os servigos publicos diretamente geridos por
uma pessoa juridica de direito publico, quer de fins
multiples na qual estejam integrados, quer criada espe-
cialmente para gestao personalizada, dos que sao con-
fiados pelas entidades territorials a pessoas juridicas de
direito privado, nirma gestao publica indireta atrav^s
de concessao ou de delegagao.

120. A definigao dos servigos publicos sublinha que es-


tes se acham sob a diregao dos orgaos da pessoa juri
dica de direito publico cujas atribuigoes se destinam a
desempenhar.
SERVigos ptJblicos 271

A direcao consist© na faculdade de emitir ordens e


instrugoes; e quando o orgao possua competencia para
elaborar regulamentos, tambem esta entra no poder de
dirigir os servigos.
Todavia o grau de exercicio desta faculdade varia
consoante o modo de gestao adotado (ver adiante o §
sobre os modos de gestao). Na gestao direta integrada
ou personalizada os orgaos da pessoa Juridica podem
exercer o poder de diregao em toda a sua extensao, sal-
va a desconcentracao permitida per lei atraves da or-
ganica adotada ou da faculdade de delegar poderes em
agentes subalternos.
Come forma de desconcentragao estabelecida por
lei se deve considerar a diferenciagao na gestao integra
da, pois 0 orgao subaltemo do servigo autonomo exerce-
poderes, mas sujeito a superintendencia dos orgaos su-
periores da pessoa juridica.
Ja na gestao indireta o poder de regulamentagao e
diregao dos orgaos da entidade publica sofre limitagoeS'
inevitavels. A delegagao ou a concessao implicam a res-
ponsabilidade da entidade delegada ou concessionaria
com a respectiva liberdade' de iniciativa para organizar
e dirigir o servigo. Nestes casos as relagoes entre as duas-
entidades interessadas, publica e particular, tem de ser
reguladas por um ato juridico basico no qual fiquem
definidos os poderes e deveres de uma e de outra. A en
tidade publica fixard desde logo os principios fimda-
mentais a que a organica e o funcionamento do servigo
devem obedecer, o seu estatuto, reservando-se o poder
de intervir na regulamentagao de certos aspectos e o
de inspegao ou outros poderes tutelares. Tudo o restO'
cabe no ambito dos poderes do particular.
Em qualquer caso a entidade publica tem de guar-
dar OS poderes necessdrios para manter o cardter do
272 Deeito administrativo

servigo pilblico, Este, mesmo confiado a uma entidade


particular, e destinado ao publico, tem a sua razao de
ser nas necessidades, nas comodidades, nos interesses
da eoletividade a que se destina nao pode, por isso,
ser desvirtuado por espirito de especulacao financeira
ou de competigao econdmica.
Para realizar esse obietivo o servigo tem de inanter-
-se atualizado na sua organizagao e modemizado nos
seus metodos, de maneira a corresponder a todo o mo-
meiito as exigencies da satisfagao da necessidade co-
letiva que e seu objeto. Nos tempos que correm os pro-
cessos de satisfazer uma necessidade estao constante-
niente a ser renovados por efeito do progresso tecnolo-
gico. A necessidade evolui, entao, de haimonia com essa
renovagao de processes-, numa cidade moderna a ne
cessidade eoletiva de iluminagao ja nao se consideiraria
satisfeita com ura servlgo de abastecimento de gas. Por
outro lado, vai-se alargando cada vez mais o numero
de indivlduos que em cada grupo social solicita as pres-
tacoes dos services piiblicos e muitas vezes a area das
povoagoes servidas por estes. O servigo publico tem, as-
sim, de ser jtrogressivo, dispondo de uma regulamenta-
gao que faculte a constante adaptagao da sua organica
as crescentes exigencias da procura e a possibilidade de
adocao oportuna dos processes tecnicos mais adequa-
dos para desempenhar a sua fungao, evitando o arcais-
mo da organizagao e o obsoletismo dos metodos.
Por outro lado o pilblico a quem o servigo e desti-
nado tem de poder contar regularmente com as presta-
■goes deles. Sentidas pela massa dos indivlduos de um
grupo social, as necessidades coletivas traduzem certa
media de intensidade e de constincia a que tem de cor-
jresponder a regularidade da oferta dos males destina-
-dos a sua satisfacao. No caso das necessidades instru-
Servicos ptjblicos 273

mentais o servigo piiblico representa um processo co-


letivo de satisfagao que permite a cada individuo des-
preocupar-se pessoalmente da procura dos bens. A nor-
-malidade da vida de cada qual passa a depender da re-
•gularidade do funcionamento do servigo piiblico e, per
isso, numa cidade em que paralisassem os servlgos de
abastecimento de agua e de distribuigao de energia ele-
trica serla c caos: a sede, a falta de higiene, o bloquea-
mento nos altos andares dos arranha-c6us, a escuridao,
a falta de possibllidade de cozinhar nos fogoes eletricos,
a paralisagao das geladeiras e de todos os aparelhos
eletrodomesticos... tudo isso privaria as pessoas de re-
cursos a que adaptou a sua vida e que so com dificulda-
de seriam substituidos pelos meios mais simples de que
outrora se langava mao.

A regulamentagao dos servigos piiblicos tern, pois


de especlfico o ter de visar fundamentalmente a como-
didade do piiblico a que as suas prestagoes se destinam,
mediante a regularidade do seu fomeclmento, a atuali-
zagao dos seus meios e a adaptagao da sua organica ao
eficiente desempenho da funcao que se destina a exercer.
E a diregao ha-de ter presente tais objetivos, fazen-
do cumprir os regulamentos sem permitir que na exe-
eugao se percara de vista os seus objetivos essenciais.

121. O servigo piiblico e instituido por lei, a qual de


fine tambem o regime do respectivo funcionamento. No
caso dos servigos culturais e assisteneiais e de previden-
cia e permitida a competigao dos particulares no exer-
cicio das mesmas atividades. Quanto aos servigos econd-
micos 0 mais freqiiente e a atribmgao de exclusive ao
servigo, isto §, a proibigao do exercicio do mesmo tipo
de atividades aos particulares.

244- IS
274 raEHTO ADMINISTRATIVO

Quando o servigo piiblico vive em competigao e 11-


cito a iniciativa privada ©xercer a mesma atividade. Es-
sa competijao em certos casos e desejada e ate fomen-
tada, como sucede com a assistencia e com a instrugao.
Ao lado dos services oficiais existem estabelecimentos
particulares; a Administragao limita-se, nos termos da
lei, a assegurar-se da idoneidade dos particulares que
prestam os servlgos e a iiscalizar a sua atividade.
Pode mesmo suceder que se permita o exercicio lu
crative da atividade privada a par da prestagao gratuita
do servigo publico: o ensino basieo oficial seria gratuito,
mas as escolas particulares que nao sejam mantidas por
entidades assistenciais proporcionam por via de regra
ensino retribuido. Em outros graus de ensino oficial os
alunos que tem capacidade econdmica podem pagar pro-
pina, mas sempre de quantitativo inferior ao custo do
ensino particular.
Quanto aos servigos assistenciais, tambem revestem
carater economico as atividades particulares concorren-
tes que exploram hospitals particulares, easas de saude,
casas de repouso e outros estabelecimentos analogos.
Nestes casos, a Administragao, verificando a impos-
sifailidade de, pela sua agao exclusiva, satisfazer as ne-
cessidades coletivas, admite que os particulares concor-
ram com ela nessa satisfagao, deixando liberdade de es-
colha aos utentes.
Mais raramente se admite a concorrencia com ser
vigos piiblicos de carater econfimico. O que justifica,
numa sociedade com economia de mercado, a institui-
gao do servlco publico e a exclusao da iniciativa privada
por esta se haver revelado deficiente ou insuficiente ou
por se mostrar perigosa para o interesse do publico a
incerteza ou inseguranga da competigao das empresas
e da oscilagao dos pregos. Por isso o servigo publico vem
SERvrgos ptjblicos 275

assegurar a atividade' cujo exercieio passa a ser vedado a


outras formas de empresa. So excepcionalmente se jus-
tifica a concorreneia do servigo pdPlico com as empre-
sas privadas quando se entenda que a atividade pode e
deve continuar a ser explorada per estas, e apenas ca-
rece de ser estimulada e regularizada pela presenca de
um competidor em cujas decisoes prevalega o interesse
publico. Mas a verdade e que este prevalecimento re-
dxmda em geral no encarecimento do custo das presta-
goes, de mode que o servigo pdblico nao e competitivo
e corre-se at§ o risco de, para o justificar, se imporem,
oficialmente, pregos de acordo com o custo das presta-
goes que ele faz, originando uma verdadeira renda ou
margem anormal de lucros para as empresas privadas.
Em gerai, porem, o servigo publico economico goza
de exclusivo, isto e, na drea onde exerce a sua atividade
fica proibido o exercieio da mesma atividade comercial
ou Industrial per empresas privadas, contanto que a
proibigao conste de lei.
A atividade pode ser exercida quando revista o ca-
rater de auto-satisfagao de necessidade individual mas
nao como processo de satisfagao da necessidade coletiva.
Assim, a exist§ncia de um servigo piiblico de abasteci-
mento de aguas com exclusivo e proibitivo da concorren
eia de qualquer outra empresa que se proponha, com
fins lucrativos, distribuir agua potavel ao domlcilio ou a
ehafarizes, na mesma circmascrigao; mas nao inibe o
proprietario de uma quinta (sitio) ou de um quintal
de furar pogos e deles extrair agua para rega e para
0 seu consume domestico.
O exclusive distingue-se, em rigor, do monopolio le
gal ou de direito que consiste num exclusivo absolute
de produgao ou de comercio de determinada mercadoria
com proibigao, imposta sob a comlnagao de sangoes pe-
276 DIREITO AOMINISTRATIVO

nais, a outrem que nao o monopolista, de exercer as


mesmas operacoes produtivas ou mercantis, seja a que
titulo e com que destine for. Assim, o Estado tem o mo-
nopolio da cunhagem da moeda metalica e da emissao
de notas; mais ninguem pode cunhar ou emitir moeda,
sob pena de incorrer em graves sangoes.
O monopolio legal e, regra geral, generico, compre-
endendo todos os processos de exercicio da atividade
monopolista e em toda a ^ea onde esta deva ser exer-
cida.
Pelo contrario a regra e a de que o exclusivo seja
especifico: o servigo publico de transporte ferrovimo
s6 abrange esse meio de transporte (viagao sobre car-
ris) embora possa utilizar qualquer motor (maquina a
vapor, a 61eos pesados, eletrica...), mas nao compreen-
de OS outros meios de transporte coletivo, e deixa 11-
berdade aos meios individuais. E pode ainda ser mais es-
pecificado — transporte ferroviario com motor eletrico
— 0 que ja nao abrangeria outras formas de energia
motriz.

122. Todos OS servigos administrativos carecem, para


fimcionar, de dispor de instalagoes e de bens moveis. Mas
enquanto nalguns as coisas desempenbam um papel se-
cundario, noutros sao a sua propria razao de ser. Uma
escola primaria pode alojar-se em qualquer casa arren-
dada ou mesmo ser instalada ao ar livre; mas irni ser-
vigo publico de transporte nao e conceblvel sem a frota
transportadora e as estagoes de trdfego ou de recolha,
assim como um servico publico de dlstribuigao de agua
ou de energia eletrica nao pode existir sem as redes
fixas de aducao e dlstribuigao.
Podlamos assim distingulr entre servigos pdblicos
cujo funcionamento consiste essencialmente em propor-
SEEVigOS PttBLICOS 277

cionar ao publico prestagoes dos agentes embora empre-


gando bens, e servigos piiblicos cujo funcionamento con-
siste essenciabnente em proporcionar ao publico a uti-
lizagdo de bens, embora com a colaboragao de agentes.
Entre estes ultimos ha ainda que destacar os servi
gos CUJO funcionamento depende da existlncia Qe um
conjunto adequado de bens fixes afetos a realizagao dos
sens fins. Este conjunto de bens fixos forma entao o
que se chama o estabelecimento do servigo, o qual, jun-
tamente com os bens moveis acessoriamente nele em-
pregados, eonstitui uma imiversalidade vineulada ao
servigo.
Em todas as classes de servigos publicos ezistem al-
guns em que o estabelecimento 6 essencial. Assim, nos
servigos culturais, temos as bibliotecas e os museus; nos
servigos assistenciais, os hospitals e os asilos; e ja ci-
tamos alguns servigos economicos devendo notar-se que
nos proprios servigos de transporte as infra-estruturas,
sejam vias f6rreas, estagoes, aerddromos, portos, cais ou
gares maritimas, tgm uma funcao tanto ou mais impor-
tante que a da frota transportadora.
O papel do estabelecimento destaca-se em todos os
casos em que os utentes nao tern contato direto com os
agentes para utilizar o servigo: e o que sucede quando
OS particulares em suas casas recebem agua ou fazem
luz por simples manejo de torneiras ou comutadores e,
mais ainda, quando estabelecem comunicagoes automa-
ticamente por simples marcagao do numero desejado no
seu aparelho telefdnico. Os agentes do servigo acham-se
vigilantes, a zelar pela conservagao e pelo funcionamen
to regular das redes e da administragao acessoria, mas
nao intervdm normalmente na utilizagao dos bens pe-
los utentes destes, que e imediata.
278 DIEEITO ADMINISTRATIVO

Noutros casos, embora os bens desempenhem papel


principal no funeionamento do servigo, esse desempe-
nho depends da intervengao dos agentes que os mane-
jam e que servem de intermediaries entre a sua utiiiza-
gao e o publlco: e o caso dos servigos telegraficos de use
mediate (pois existem hoje tellgrafos de uso imediato:
o teletipo ou telex).
Sempre que o funeionamento do servigo consista es-
sencialmente em proporcionar ao publico a utilizagao
imediata ou mediata de bens, escusado sera encarecer
a importancia que tern na organizacao do servigo a in-
clusao desses bens e a sua conservagao e atualizagao.
Para evltar que se tornem obsoletos ha que cuidar da
respectiva renovacao periodica, substituindo-os per ou-
tros mais modemos ou adaptando-os de harmonia com
a evolugao das necessidades e da teenica de as satis-
fazer.

123. Destinados ao publico, os servigos publicos de-


vem proporcionar as suas prestagoes, per igual, a todos
OS individuos que as solicitem. O principio fundamental
a observar na utilizagao dos servigos piiblicos e, pois, o
da liberdade de acesso as suas prestagoes.
Pode, porem, a lei condicionar essa liberdade exigin-
do certos requisites ou o cumprimento de certas forma-
lidades ou obrigacoes para ser possivel obter as presta
goes do servigo, Nesse caso, tais condigoes terao de ser
formuladas em termos gerais e impessoais de modo a
garantir a igualdade de tratamento dos utentes. ^

1 Empregaznos o termo utente (do latim, utens — utentis),


usado em Portugal para designar aquele que utiliza bens ou.
servigos piibllcos em vez de usudrio que se apllca ao titular do
direito civil de uso (art. 742 do Cod. Civ. Bras.). No Brasil,
porem so e empregado o termo usuario.
SERVigos piJblicos 279

Essas condigoes, como notamos, podem consistir em


requisites de capacidade, em formalidades ou em obri-
gagoes.

Requisitos de capacidade como, per exemplo, a fi-


xac^ de um minimo de idade ou de habllitagoes (para
ireqiientar as escolas, por exemplo, consoante o grau e
0 ramo de ensino), ou a exiglncla de domicflio na cir-
cunscrigao abrangida por um servigo local.
As formalidades podem consistir num fato ou num
ato, simples ou documentado.
Na verdade, em muitos casos basta o fato da mani-
festagao de vontade do utente, tacita ou expressa, para
obter a prestagao, gratuitamente ou mediante o paga-
mento do respectivo prego.
Pertencem a esta categoria as utilizaqoes par cap-
iaqao de emissoes radiotelefonicas ou de televisao, quan-
do estas constituam servigo piiblico. Essa utilizagao de-
pende apenas da posse de aparelhos receptores e e li-
vre, podendo a lei, quando muito, exigir o registro des-
tes para efeitos fiscais, cadastro de contribuintes das ta-
xas a que esta sujeita a utilizagao do servigo e nao meio
de admissao.

Noutros casos so pode obter as prestagoes do servigo


publico quern previamente tiver feito a sua inscrigao ou
matricula, demonstrando possuir os requisites e pro-
por-se cumprir as obrigagoes regulamentares, a fim de
ser objeto de um ato de admissao no numero dos utentes.
Enfim, ha casos em que a utilizagao continuada
dos servigos depende de admissao por tempo determi-
nado, a que eorresponde um documento que a titula
contendo exaradas clausulas particulares,
No primeiro caso a prestagao do servido depende
do mere fato da vontade do pretendente, sendo irrecusd-
280 DIREITO ADMINISTEATIVO

vel desde que tal fato seja praticado nos termos legais
ou regulamentares; no segundo necessidade de ad-
mlssao sob requerimento do interessado; no tercei-
ro a obrigacao de prestar tern de ser doeiimentada (ad-
missdo titulada).
Quanto as ohrigagoes podem consistir no pagamen-
to do preco fixado para a prestagao pretendida (no caso-
de ser fomecida por apolice exige-se garantia de paga-
mentos futures per caugao idonea), na observancia de
determinados deveres (para com a AdministraQao, ou
para com os restantes utentes), e outras.
Se a utilizacao do servigo depender de mero fato ou
de admissao, o utente encontra-se numa situacao regu-
lamentar e a prestagao tern de Ihe ser proporcionada
desde que satisfaca as condicSes previstas nas normas
vigentes, mas ^ igualdade no tratamento corresponde a
suscetibilidade de alteragao dessas condigoes por novo
regulamento que do mesmo modo abranja todas as pes-
soas, de mode que de um dia para o outro o regime de
utilizagao pode variar. Esta modificabilidade do regime
tem pouco interesse quando o utente apenas pretendeu
e obteve uma prestagao avulsa (expediu um telegrama,
fez uma chamada telefonlca em cabina publica, utilizou
um transporte coletivo em certo trajeto, fez um trata
mento no hospital...), pois que as suas relacoes com
a Administragao cessaram, quanto a essa prestagao, logo
apos a obtengao do que desejava e so sera afetado em
prestagoes futuras; mas assume consideravel relevo
quando a admissao como utente habilita a obter pres
tagoes contlnuadas durante certo periodo. Nesta dltima
hipotese, a modifieagao dos regulamentos aplica-se ou
nao imediatamente aqueles que estejam a utilizar as
prestagoes dentro do periodo fixado no ato de admissao?
SERVlgOS PtTBLICOS 281

O problema tern, importaxicia quando se trate de


simples admissoes, e mais ainda em relagao ao que cha-
mamos admissoes tituladas.
Nas simples admissoes — como por exemplo, no caso*
dos intemados nmn hospital ou num asilo ou dos matri-
culados nnma escola — e ponto assente que a situagao
dos utentes, sendo puramente ohjetiva, e modificavel li-
vremente por lei. Todavia, quando razoes de justiga e
eqiiidade o imponham, o legislador devera prever nas-
leis que modificam a utilizagao do servigo os prohlemas-
resultantes, para os jd inscritos, da transigao de regi
mes, mediante disposigoes transitorias.
Mais delicada e a situagao dos utentes que o sejam
em virtude de admissao titulada por documentos que os
individualizem, contendo clausulas particulares e ate ga-
rantias de cumprimento das obrigagoes assumidas (fi-
anga ou caugao) como sucede em tantos servigos de
carater economico dos quais os individuos pretendem
obter, nos lugares convenientes ■— residencia, fabrica,.
escritorio.. . — prestagoes continuadas como sejam as
de fomecimento de agua, de gas, de energia eletrica, de
telecomunicagdes.. .
A prestagao continuada dos servigos no domicilio do
utente exige, assim, a indlvidualizagao do utente, do lo
cal e por vezes da esp6cle e da quantidade das presta
goes, 0 que tudo consta do que poderemos genericamente
denominar ayolice de fomecimento.
Existe a tendencia na pratica das .relagoes desses
servigos para chamar a este titulo um contrato e para
considerar tais relagoes como contratuais. Mas so consi-
deramos contrato o acordo livremente celebrado. O con
trato de adesao sera verdadeiro contrato se a parte que
oferece a aceitagao do piiblico o bloco das clausulas em
que esta disposta a contratar puder recusar a qualquer
pessoa, que Ihe nao merega confianga, a criagao das re-
282 DiREIIO ADBUNISTRATrVO

lagoes juridicas nessa base. Ora, no case dos servigos


piiblicos safaemos que, dada a sua natureza e destine, eles
tgm de facuitar per igual a todos quantos estejam nas
condigoes regulamentares o acesso as suas prestagoes.
Per isso 0 servigo pUblico ndo pode recusar a inscriqdo
titulada a quern a pretenda, senao nos casos e pelos mo-
tivos fixados nos regulamentos.
Sendo assim, nao ha a liberdade juridica de entrar
em relagao que e essencial ao contrato. A apolice titula
um ato constitutive de direitos, o ato de admissao, Mas
a esse ato constitutivo corresponde uma garantia de es-
tabilidade para o periodo considerado que vale para as
condlgoes especialmente dele constantes. Isto g, como
o ato de admissao titulada remete para as normas regu
lamentares do servigo, estas sao modificaveis e os uten-
tes tgm de se sujeitar as modificagoes resultantes dos
novos regulamentos. Mas quanto as clausulas particula-
res insertas na apolice, essas, sao imodiflcaveis ate ao
termo do periodo por ela coberto.

124. As prestagoes feitas pelos servigos piiblicos aos


utentes podem ser gratuitas ou onerosas.
Quando onerosas implicam a retribuicao por aque-
les que as recebem mediante o pagamento de um prego.
O prego pode ser calculado de modo a cobrir todo
o custo das prestagoes e os encargos do servigo ou s6
parte deles: no primeiro caso sera um prego economico,
no segundo um prego politico. Os pregos politicos sao
fixados para beneficiar o piiblico, facilitando a utiliza-
gao do servigo de maneira a assistir os mais pobres ou
a promover e difundir higiene, comodidade ou cultura.
Nao bastando entao o produto das receitas proprias do
servigo piiblico para cobrir as suas despesas, tern a Admi-
nistragao de preencher o deficit com subsidies proveni-
entes das receitas gerais obtidas atraves dos impostos,
SERVigOS P'DBLICOS 283

o que quer dizer que pagam todos os contribuintes parte


dos beneficios colhidos pelos utentes, ou at^ a totalidade,
se as prestagoes forem gratiaitas.
Chamamos prego econdmico ao que e calculado se-
gundo as regras da Ciencia Econdmica a partir do custo
de produgao dos bens ou servicos a vender. E prego poli
tico ao que e estabelecido por autoridade do poder pd-
blico ou gragas aos favores deste, de acordo com as
conveniencias sociais. O prego politico pode ser fixado
ostensivamente {tabelamento) ou resultante de benefi
cios tendentes a diminuir os custos de produgao, como
sejam a Isengao de certas contribuigoes e impostos, o
pagamento de subsidies fixos, o fomecimento de mate-
rias-primas ou subsidiarias em condigoes especiais, a li-
bertagao dos encargos normais de amortizagao do equi-
pamento...
No caso do tabelamento de pregos politicos o Poder
publico que o determina fica obrigado a subvencionar
o servlgo, pagando os deficits que a conta de exploragao
anual acuse. E quando o servigo seja dispensado de cons-
tituir as reservas normais para renovagao do equipa-
mento, amortizando as depreciagoes anualmente sofri-
das, isso significa que o Poder assume o compromisso
de financiar na devida oportunidade, sem juro, tal re
novagao.
Salvo, porem, a existencia de razoes justificativas de
uma intengao de assistencia, as prestagoes devem ser
pagas pelo seu custo. Diz-se com freqiiencia que os ser
vicos publicos nao devem ter cardter lucrative, mas e
necessario esclarecer o sentido da proposigao. Se por lu
cre se entende a margem de beneficio resultante da
diferenga entre o prego cobrado e a importdncia pela
qual ficou ao servigo a prestagao fornecida (o custo de
produgao), tem de rejeitar-se essa afirmacao pois 6 acon-
selhavel e ate Indispensavel que nos servigos economicos
284 DlREITO ADMINISTEATIVO

se vendam as prestagoes por precos acima dos custos a


fim de permitir o autofinanciamento destinado a reno-
vagao e ampliagao do estafaelecimento, interessar o pes-
soal na eficiencia do trabalho e constituir reservas na
previsao de tempos difieeis.
O lucro que nao deve ser procurado e o lucro fiscal,
isto e, um rendimento constante e o mais alto possivel
para alimentar as receitas das entidades publicas e ocor-
rer a despesas com outros servicos. Se a atividade do
servigo piibUco e indispensavel & coletividade e entregue
a ama organizagao que funciona no interesse geral, nao
deve transformar-se essa atividade em processo de tribu-
tagao indireta, como os monopolios fiscais. Portanto, O'
Estado nao deve aproveitar a posigao de exclusivo de um
serviqo piabbco para exigir o pagamento de preqos altos,
com o fim de deles extrair, para as receitas gerais, um
lucro fiscal.
Os pregos das prestagoes dos servigos pdblicos sao
calculados a partir do custo de produgao, mas acrescen-
tando a este os encargos gerais e administrativos de ma-
neira a eobrir os gastos de exploragao e de equipamento
do servigo. Sao pregos fixos, a cobrar por igual em cir-
cimstSncias iguais podendo a partir de certa base assu-
mir expressoes variaveis consoante as condigoes previstas
para a prestagao do servigo quer objetivamente (quanti-
dade, qualidade, lugar...) quer subjetivamente (situa-
gao das pessoas). As normas que fixam os pregos © as
regras da sua aplicagao formam a tarifa.
Como esta fixacao se faz autoritariamente, os pre
gos nao podem ser adaptados pelo empresario no decurso
da exploragao as vicissitudes da procura, as conveni§n-
cias da oferta ou aos encargos imprevistos: nao tdm
elasticidade, sao rigidos, constituindo a sua alteragao,
por via de regra, grave problema politico.
SEHVigOS PUBLICOS 285

Por isso, ao fixar o prego tern de haver a preocupa-


5S0 de determinar precisamente os elementos que en-
tram na sua composicao de maneira a, quanto possivel,
garantir a estabilidade de cada um.
Quando se trata de um prego politico o calcuio par-
te, nao do custo das prestaQoes, mas das possibilidades
do eventual consumidor. E a orienta$ao geralmente se-
guida nos servigos assistenciais e cultmais. Nos de pre-
vid&icia social nao ba pregos: o segurado paga quotas
qua, juntas ^ contribuigoes dos patroes e, nalguns pai-
ses, do Estado,fonnam um fundo destinado a capitalizar
o necessdrio para ocorrer hs futuras responsabilidades
previstas ou, como seria mals conveniente, a repartir
anualmente pelas responsabilidades vencidas.
O prego pago pelas prestagoes fomecidas pelos ser-
vigos pdblicos geridos diretamente por pessoas coletivas
de direito piiblico tern a natureza juridica de taxa e nes-
sa qualidade esta sujeito ao regime de cobranga das re-
ceitas fiscais.
Certos regulamentos preveem a faculdade dada aos
utentes de pagar antecipadamente uma soma flsa que
Ihes d§ direito a utilizar o servigo quantas vezes quei-
ram durante um perlodo determinado: a avenga em
certos casos chamada assinatura ou passe. Nao deve con-
fundir-se este contrato sobre a forma de pagar as pres
tagoes, com as apolices de fornecimento que ja vimos nao
docuraentarem estipxilagoes eontratuais. A avenca 6 um
acordo relative ao pagamento das prestagoes que pode
ser celebrado mesmo para os casos em que a utilizagao
do servigo nao dependa de inscrigao, titulada ou nao,
como sucede com a avenga postal ou com a assinatura
dos transportes coletivos.
Nem sempre o servigo pubiico segue um dnico re
gime quanto h retribuigao das suas prestagSes — de
gratuitidade ou de onerosidade. A preocupagao de en-
286 DiREITO ADMINISTRATIVO

contrar solugoes equitativas conduz, em certas ativida-


des, a distinguir os utentes consoante as suas possibili-
dades economicas, exigindo o prego justo daqueles que
podem pagd-lo, pedindo um preco reduzido (e, portanto,
politico) dos que nao tendo recursos que permitam pagar
0 custo da prestacao todavia possuam capacidade para
pagar parte dele, e fomecendo as prestagoes gratuita-
mente aos que nao disponham de meios de pagamento.
0 que sucede nos servigos hospitalares ou de assist§n-
cia, onde se distinguem utentes pensionistas, ptorcionis-
tas e gratuitos, ou nos servigos de ensino, em que se
admitem, a par da exigencia de certa propina (que 6 ja
um prego politico), a redugao do seu quantitativo e ate
a isengao.
A redugao do prego pode ser eoncedida nao so por
motivos puramente assistenciais mas como instrumento
de uma politica —■ de protegao as familias numerosas,
por exemplo.

125. Os utentes de um servigo publlco tern de obser-


var certo comportamento na utllizagao, preserito nos
respectivos regularaentos e cuja violagao os constitui em
responsabilidade criminal, disciplinar ou civil.
Ha que distinguir o regime de responsabilidade dos
utentes consoante os modos de acesso k utilizagao.
Se a utilizagao depende de mera pratica de um fate,
como sucede no servigo postal com a deposigao da carta
na caixa do correio, as obrigagoes dos utentes sao de
todo 0 piiblico, impendem genericamente sobre quantos
tenhani necessidade eventual de enviar correspondencia
de im para outro local. Essas obrigagoes sao principal-
mente a do pagamento da franquia, a do condiciona-
mento da correspondencia segundo os regulamentos, de
acordo com a sua natureza (carta-missiva, impresso,
encomenda.. .) e a de nao abusar do servigo utilizan-
SERVigos PCBLicos 287

do-0 para injuriar pessoas, cometer atos contra a segu-


ransa dos individuos, do Estado ou do proprio servigo,
expedir substSncias perigosas etc.
Essa utilizagao pois, em prineipio livre, isto 6,
aberta a quantos dela carecam, mas a liberdade e con-
dicionada ao pagamento da ta^ e a observSncia das
prescrigoes regulamentares, e limitada per determinadas
normas de policia do service pdblico.
Se 0 utente nao paga a taxa ou nao entrega a
correspondencia nos termos prescritos, o servigo aplica
multas indenizatorias ou nao expede a corresponddncia
(recusa da prestagao), sancoes que tern carater civil.
Quando, porem, sejam violadas regras de policia do ser-
vigo (expedicao de escritos subversives ou de substancias
perigosas, por example), a correspondencia e apreendida
e 0 expedidor, caso seja conhecido, flea sujeito as penas
cominadas para a transgressao, independentemente da-
quela em que incorrer pelo fato de o objeto apreendido
constituir prova de crime. Situagao semelhante e a do
utente do transporte coletivo: se nao pagar o bilbete ou
nao se apresentar nos termos regulamentares e" Ibe re-
cusado o servigo; se, utilizando-o, perturbar o funcio-
namento dele, comete transgressao punivel.
A segunda modalidade de utilizagao do service 6 a
que depende de inscrigao do pretendente e consequente
ato de admissao, e tern particular import&ncia na bip6-
tese, que e nela a mats freqiiente, de a admissao condi-
clonar a obtengao de prestagoes continuadas pela pr6-
prla participagao pessoal no funcionamento do servigo.
o que se passa com a matricula num estabelecimento
de ensino ou com o internamento em estabelecimento
hospitalar ou asilar. Nestes casos os utentes formam,em
virtude do ato de admissao, um grupo social determi-
nado, que freqiienta os locals onde e prestado o servigo
e dal resultam, a par de obrlgagoes (pagamento de taxas
288 DIREITO ADMINISTRATIVO

« cumprimento de outras condigoes de obtengao das


prestagoes), deveres especiais de colaboragao na ordem
e na eficiencia do servigo que se integram. na respectiva
disciplina. A par da responsabilidade civil resultants do
dever de pagar as prestagoes recebidas ou a receber, e
-de indenizar os danos causados pela inexecugao das obri-
gagoes, existe uma responsabilidade disciplinar que se
efetiva por meio das adequadas sancoes penais (adver-
tfincia, repreensao, suspensao, expulsao com ou sem pri-
vagao de futura admissao).
Quanto a admissao titulada, tern, como vimos, de
especial, o corresponder a um ato constitutive de direitos
particularraente clausulados no titulo ou apolice de for-
necimento.
A inobservancia dessas clausulas pelo utente, como
por exemplo a opoagao k entrada dos agentes do servigo
nos locals onde se achem os aparelhos de utilizagao ou
de consumo, a falta de pagamento oportuno dos pregos
das quantidades consumidas... justifica a cessagao de
cumprimento pela outra parte, com o corte do forneci-
mento e, quanto a falta de pagamento, a execugao ju
dicial.
Em geral a violacao das normas regulamentares do
servigo constitui transgressao punivel nos termos e pela
forma que nelas estiver estabeleeido.
Os aparelhos e redes do servigo tern sempre de ser
objeto de respelto pelos utentes que devem abster-se de
todos os fatos que os danlfiquem. Os danos porventura
causados pelos utentes constituem transgressao, sem
embargo do carater criminoso que o fato reveste, seja
quern for o autor. Este duplo carater do fato (crime e
transgressao) surge sempre que, alem da violagao das
normas especialmente reguladoras do funcionamento do
servigo, o utente infrinja normas criminals.
SERVI50S PUBLICOS 289

As fraudes cometidas na utilizagao constituem igual-


mente o utente em responsabilidade civil e crtmmal: e
o que se passa com os furtos de nso que consistem no
aproveitamento do fornecimento de agua ou de energia
eletrica, subtraindo-o, per meios fraudulentos, a medigao
■ou contagem dos aparelhos registradores e, portanto, ao
pagamento do prego devido. O utente que pratique tal
Infragao tern o dever de indenizar o servigo dos danos
causados (responsabilidade civil), sofre o corte de for
necimento e alem disso pode ser demandado crtminal-
mente pelo crime cometido.
As leis impoem por vezes uma responsabilidade
subsidiaria da do utente, sobretudo para a cobranga do
prego ou da taxa da prestagao feita, Como tal se deve
considerar a multa que e proposta ao destinatdrio da
correspondencia expedida com deficiencia de franqula
postal, em alternativa com a recusa da prestagao. A res
ponsabilidade subsidiaria dos parentes e das prdprias
autarquias locais onde o utente tenha domicilio pode
tambem ser exigida para o uso de servigos assistenciais.

§ 2.0

GESTAO DOS SERVigOS PUBLICOS.

DA CONCESSAO, EM ESPECIAL

126. Gestdo direta.

127. Gestdo indireta.

128. Concessdo de servi^o jydblico. Noqdo.


129. Natureza juridica do ato de cxmcessao.

130. Poderes e direitos do concedente.

2U>19
290 DntETTO ADlIINISrR4TIVO

131. Poder regulamentar e de atuaZizagao.


132. Poder de fiscalizagdo.
133. Poderes financeiros.
134. Deveres e poderes do concessiondrio. O estabeleci-
mento do servigo.
135. Prazo da concessao.

136. Propriedade do estabelecimento do servigo.


137. Exclusivo.

138. Retribuigdo do concessiondrio.

139. Trespasse e subconcessao.


140. Sangoes por inexecucdo do concessiondrio.
141. Resgate OIL encampagdo.
142. Indenizagao do resgate.

143. Rescisdo.

144. Termo.

126. Quando o servigo e organizado e administrado


pelos orgaos de uma pessoa juridica de direito publico
coadjuvados por agentes administrativos, temos a ges-
tao direta.
Nas entidades territorials que, por definigao, pros-
seguem fins mdltiplos, encontram-se integrados niime-
rosos servigos publicos, principalmente de carater cultu
ral e assistencial, formando departamentos cujas despe-
sas sac inscritas no orgamento geral da pessoa juridica
onde tambem figuram as receitas que as cobrem, total
ou parcialmente provenientes dos impostos gerais.
Mesmo em departamentos cujo carater predominan-
te e de expediente, de policia ou operacional, podem apa-
SKRVlgOS PUBLICOS 291

recer enxertados servigos de prestagao, qua sao servigos


publicos acessorios do objeto principal do departamento.
Para maior comodidade de funcionamento desses
servigos publicos integrados, dada a natureza da sua
atlvidade, pode diferenciar-se a sua organizacao em re-
lagao aos outros departamentos da mesma pessoa cole-
tiva ou as outras atividades funcionais do departamen
to, desconcentrando a adrainistragao e dotando-os de
autonomia financeira. Nesse caso o servigo pdblico tem
a sua frente orgaos proprios, que sao subalternos dos
orgaos da pessoa coletiva e exercem poderes delegados
per estes, a quem estao subordinados e perante quern
sao responsdveis hierarqulcamente. As verbas globais
atribuidas ao servigo no orgamento geral da pessoa cole
tiva sao desenvolvidas depois, em porraenor, num orga
mento privativo, e o servigo dispoe de contabilidade es
pecial e de tesouraria propria, podendo arrecadar as
receitas das suas atividades ou do patrimonio que Ihe
esta afeto.
A caracteristica geral da integragao, diferenciada ou
nao, esta em que o servigo piiblico nao goza de persona-
lidade juridica: e mero elemento de uma pessoa coletiva
de fins multiples cujos orgaos o representam nas rela-
goes juridicas, exercendo os seus direitos e assumindo
as obrigacoes que o afetam. E particularmente impor-
tante o que respeita a operagoes de credito que o servigo
integrado nao pode contrair, mesrao quando sejam em
seu exclusive proveito e garantidas com as suas receitas:
s6 a pessoa juridica em que esta integrado tem qualida-
de para contratar.
Se o servigo publico carece, para funcionar, de dis-
por de bens exclusivamente afetos a sua atividade, a pes
soa juridica pode, do seu patrimonio, destacar nucleos
patrimoniais autonomos para afetagao a um fim especial
e confiar a respectiva administragao aos orgaos subal-
292 DiREiTO admujistrativo

ternos encarregados do service: mas a disposigao desses


bens esta reservada aos orgaos superiores da pessoa
juridica.
A gestao direta integrada nao 6 incompativel com
a forma empresarial, desde qua haja diferenciagao. O
servigo poderia dizer-se mna empresa publica sem per-
sonalidade juridica, pois esta nao k essencial ao concelto
de empresa, bastando que haja organizagao autonoma.
Mas quando o servigo assume certa importancia so
cial, convindo que possa dispor de patrimonlo privative
e goze de liberdade de decisao propria da autonomia
administrative, entao a gestao direta e exercida por uma
pessoa juridica especialmente criada para esse efelto:
autarquia institucional, institute piiblico.
A autarquia nesse caso e uma pessoa Juridica que
tem por substrate o servigo publico a gerir,
Esta autarquia pode gerir um servigo publico com
cardter empresarial ou sem ele. Nos servigos culturals e
assistenciais por via de regra nao existe carater empre
sarial, embora exista modemamente a tendencia para a
adapter a alguns deles, sobretudo aos grandes estabele-
cimentos hospitalares. Uma Universidade, porem, nao 6,
quando oficial, uma empresa: apesar de ter utentes
especialmente inscritos que, quando possuam possibili-
dades economicas, a lei pode obrigar a pagar uma taxa
pela utilizacao do servigo, nao se limita a fornecer en-
sino: os seus objetivos dlretos sao mais largos, incluindo
a investigagao em beneficio da ciencia, em geral, a ex-
pansao ou divulgagao dos conhecimentos entre as cama-
das cultas do pais e a propria modificagao da mentali-
dade e a valorizagao humane, e tudo isso nao se vende
nem se paga, nem os lucros produzidos sao contabili-
ziveis.
Nos servigos publicos sem carater empresarial a es-
trutura ajusta-se aos moldes classicos da administragao
SERVIQOS p-UBLICOS 293

publica, quer quanto a situacao dos agentes, de entre os


quais sobressaera os funcionarios, quer quanto a natu-
reza da atividade juridica, onde a autoridade exercida
se traduz no predominio do ato administrativo com o
respective contencidso especial.
Pelo contrario, nos servigos com carater empresarial
tende-se para a assimilagao as empresas privadas, eman-
cipando a sua organica e funcionamento das peias tra-
dicionais da burocracia oficial. Os agentes podem entao
ficar submetidos ao direito trabalhista e a atividade do
servigo sera regida, salvo disposigao expressa da lei, pelas
normas do Dixeito privado, em geral, e do Direito co-
mercial, em especial: nasce a errvpresa publica.
Na orgdnica destes servigos procura imitar-se a das
grandes sociedades anonimas. Estas, quando atingem
certa dlmensao, nao escapam a fatalidade da burocracia
— resultante da necessidade de especializagao dos seus
servigos intemos, da hierarquizagao dos seus emprega-
dos, do emprego dos registos e das comunicagoes escritas
nas relagoes internas e extemas... —, mas tem uma
facilidade de adaptagao ^ conjuntura e uma flexibiii-
dade de atuacao no mercado que os servigos piiblicos
economicos precisam tambem de possuir:
For isso, nos paises onde a influencia das ideias so-
ciallstas levou a expropriagao de empresas privadas de-
tentoras de instrumentos basicos de produgao ou de
meios de dominio econdmico, a socialisagdo ou nacio-
nalizagdo fez-se conservando a estrutura das empresas
expropriadas. A propriedade dos acionistas foi substitui-
da pela propriedade do Estado e a escolha dos admlnis-
tradores deixou de ser feita por eleigao em assembleia
geral para passar a se-lo por outros processes; mas toda
a organica da empresa subsistiu.
294 DmEiTo administeativo

127. Sucede que em certos easos a pessoa juridica de


direito publico de fins multiples em cujas atribui^oes se
insere o fim justificativo da criagao do serviQO publico
considera mais eonveniente a entrega da sua gestao a
uma entidade privada em quern delegue ou para quern
transfira temporariamente os poderes necessaries: surge
•entao a gestao indireta.
A diferenga entre a delegagao e a concessao e a se-
gulnte: no case de delegagdo, a entidade pilblica cria o
service e conserva a responsabilidade pelo seu financia-
mento, bem como, total ou parcialmente, a titularidade
dos riscos que o desempenho da atividade possa acar-
retar, conferindo a entidade privada apenas a competen-
cia necessaria para conservar a organizagao e assegurar
0 regular e eficaz funcionamento do servigo. Ao passo
que na cOTicessdo a pessoa juridlcta de direito publico
transfere temporariamente para a entidade privada o
exercicio dos direitos exclusivos de exploragao do servigo,
passando este a correr por conta e riseo do concessio-
nirio.
A delegagao e, como ja ficou dito, utilizada sobre-
tudo em certos parses, para os servlgos culturais e assis-
tenciais. A concessao para os servigos de earater eco-
nomico, ou melhor, de earater empresarial.
Tem-se empregado a delegagao nos cases em que,
exigindo o desempenho do servigo qualidades de devogao
e deslnteresse, se mostre dificil conseguir o seu funcio
namento satlsfatorio com o emprego de agentes admi-
nlstratlvos, recrutados, remunerados e sujeltos a disci-
pllna nos termos habltuais da Administragao Publica.
Havendo entidade particular ji experimentada no
ggnero de atividades em causa e que cultive as quali
dades que fagam falta no funcionamento do servigo, a
pessoa juridica onde este esteja integrado pode celebrar
um contrato de prestagao de servigos com essa entidade,
SERVigOS PUBLICOS 295

para Ihe entregar a gestao nas condigoes que forem esti-


puladas, delegando nela os poderes necessaries para o
efeito.
Tambem nos servlgos de cardter econdmico surgem
modernamente situagdes analogas, mas sobretudo para
efeitos de remodelagao de organica ou de renovagao de
metodos: per acordo com entidade particular especiali-
zada, em quern sao delegados os poderes convenientes,
esta toma conta da gestao do servigo para introduzir no
prazo determinado as alteragoes convenientes e o resti-
tuir depois.
Quanto a concessao, tern sido usada: a) para criar
servigos publicos novos; b) para libertar a Administra-
gao da gestao ruinosa de servigos exlstentes; c) para
aproveitar os beneficios da iniciativa privada dentro da
disciplina do interesse publico.
No primeiro caso a Administragao Publica pretende
criar um servigo publico cujo estabelecimento exige avul-
tados capitais de que nao dispoe, ou o emprego de uma
tecnica que nao conhece. Recorre entao a uma empresa
privada a quern, mediante as compensagoes que forem
■estipuladas, confia o encargo de montar o servigo com
capitals partlculares e de manter durante o periodo con-
vencionado, por sua conta e risco, a exploragao do servigo
para dela extrair o necessario para amortizar e remu-
nerar os capitais investidos. Foi o que sucedeu no inicio
do seculo XIX com os servigos de transporte ferroviario
e de produgao e distribuigao de g&s de iluminagaa e, de
pois, de energia eletrica.
No segundo caso o servigo esta a ser diretamente
gerido por uma pessoa juridica de direito publico que
montou a sua custa o respective estabelecimento e di-
rige a exploragao. Mas por vicios de organizacao, defei-
to de tecnica, tara politica ou incompet§ncia ou indis-
ciplina do pessoal, o servigo apresenta uma exploragao
296 DIREITO ADMINISTRATrVO

sistematicamente deficitaria e constitui elemento de


perturbagao na Administragao Piiblica. Pode entao t-en-
tar-se o remedio de entrega-lo a uma empresa privada a
qual 0 estabelecimento seja arrendado e para quern se-
jam transferidos cs poderes de gestao.
Finalmente o legislador, em determinadas ativida-
des erigidas em servlgo publico, considera util e neces-
sario manter interessada a iniciativa privada, mas den-
tro da disciplina do interesse geral e, per isso, langa
mao da concessao, como pode acontecer com os servi-
50s pubUeos de transportes coletivos rodoviarios conce-
didos a empresas.
A concessao representa, pois, a utilizagao do esti-
mulo da iniciativa privada e da sua flesibilidade e ex-
perigncia para proveito do interesse pdblico. A empresa
privada, diz-se, tem maior sentido da economia, da pro-
dutividade e da eficiencia do que as entidades publicas.
Condicionada por um ato juridico de concessao, sujeita
aos regulamentos administrativos, apertada pela fisca-
llzagao oficial e pelas exigencias do publico, servlra este
melhor do que uma entidade publica instalada na oni-
potencia autoritaria sobre a qual os raeios de fiscaliza-
gao atuam deficientemente, sem a preocupagao 'de mos-
trar produtividade ou rentabilidade, e indiferente re-
clamagoes dos individuos obrigados a seguir a via dolo-
rosa da burocracia para obterem uma decisao proble-
matica.
Para evitar alguns destes inconvenientes da gestacr
direta 6 que se procura substituir a autarquia pela nova
formula da empresa publica.
Sobre as empresas privadas concessionaxias pesa
sempre a suspeita de procurarem lucros excessivos a
sombra do exclusive do servigo e da inevitabilidade de
consumo das suas prestagoes pelo piablico. Muito em-
bora OS atos de concessao contenham cldusulas destlna-
SERVigos PlitBLicos 297

das a evitar injustos sobrelucros (sendo mais frequen-


tes OS anos seg:uidos de prejuizos, sobretudo no inicio
da exploragao), pretende-se salvar o processo de conces-
sao mediante a utilizagao como concessionarias de so-
eiedades comerciais de economia publica ou de economia
mista.
As sociedades de economia publica sao constituidas,
a sombra das leis comerciais, por entidades publicas
(Uniao, Estados, autarquias mtinicipais...) com capi
tals tirades das suas receitas. A sociedade e apenas um
Instrumento da Administra^ao Publica para associar
varias pessoas juridicas interessadas na realiza^ao de
certo objeto fazendo beneficiar a associaQao das vanta-
gens de que na vida economica possam gozar as empre^
sas comerciais. Essa sociedade receberd depois do poder
competente a concessao do service a explorar.
Quanto as sociedades de economia mista caracteri-
zam-se por, no sen pacto social (seja a escritura origi
nal, seja modificagao posterior), o capital ser subscrito
por pessoas juridicas de direito piiblico e por entida
des privadas, repartindo-se os lugares de gerencia entre
umas e outras. A sociedade so tera a natureza de eco
nomia mista quando a associagao das duas economias
— publica e privada — resulte do proprio pacto social.
Hoje em dia vai sendo cada vez mais rara a outor-
ga de novas concessoes de servigos piiblicos. Mas sub-
sistem bastantes concessoes do passado cujo regime e
indispensavel conhecer, pois dele nascem a cada passo
importantes problemas. Por isso passamos a expor as
suas linhas gerais.

128. Quando a pessoa juridica de direito piiblico em


cujas atribuigoes entra a criagao e a exploragao com ex-
clusivo de certo servigo piiblico de cardter empresarial
nao quer assumlr o encargo da respective gestao po-
'298 Direito administrativo

■dera, se a lei autorizar, encarregar outra pessoa, geral-


mente uma entidade privada, dessa gestao, por eonta
_pr6pria, mediante um ato juridico pelo qual Ihe trans-
fira temporariamente o exercieio dos direitos e poderes
.necessaries e imponha as obrigagoes e deveres corres-
pondentes, Esse ato juridico e a coneessao do servigo
p)ublico.
O serciqo p- ublico pelo fata de passar a ser gerido
j)or uma entidade privada ndo perde a sua natureza.
O concessionario desempenha uma fungao publica, e
um colaborador da Administragao na realizagao dos in-
teresses gerais e devera ter sempre presentes, para os
respeitar, manter e acentuar, os caracteres proprios do
servigo publico.
O servigo publico, para ser concedido, tern de estar
legalmente subtraido d livre concorrencia. A atividade
so pode ser concedida a certa pessoa se nao for livre o
seu exercieio por qualquer pessoa. Por isso e pressupos-
to da coneessao que tal atividade constitua objeto das
atribuigoes da entidade concedente com exclusao de
qualquer outra entidade publica ou particular.
O servigo publico so pode ser concedido quando te-
nlia cardter empresarial. O concessionario e um empre-
sdrio que aceita investir capitals na montagem ou na
organizagao e exploragao do servigo, com risco de os per-
der, mas na expectativa de gragas ao seu esforgo os
remunerar e obter lucro. Por isso so os servigos de ca-
rater empresarial sao suscetiveis de coneessao.
A coneessao implica a transferencia tempordria do
exercieio dos direitos e poderes da pessoa coletiva de
direito publico necessdrios d gestdo do servigo pelo con-
cessiondrio. Nao ha neste caso simples delegacao de po
deres mas verdadeira transferencia de exercieio; du-
rante o prazo da coneessao ou enquanto esta subsistir
a titularidade dos direitos e poderes continua na entida-
SERVigos p6blicos 299

■de concedente, mas a faculdade de os exercer passa a


5er exclusivamente do concessionario.
O concessionario assume a gestdo do servigo por
sua conta e risco. O concessionario, como se disse, inves-
tira no servigo capitais proprios ou obtidos a crSdito sob
sua responsabilidade e corre o risco de lucrar ou perder
na exploragao: 6 um empresario, e essa e a principal
razao pela qual tem de gozar de ampla autonomia no
exercicio dos poderes concedidos para a gestao.
O termo concessao, na teoria do servigo publico, §
usado umas vezes para significar o ato juridico que a
opera e outras, o conjunto de direitos e bens que dele
sao objeto.

129. Nada nos mostra existir um nexo necess^io en-


tre a concessao de servigos publicos e determinada cate-
goria de atos juridicos, isto e, nada impoe que a con
cessao so possa fazer-se por contrato ou por ato unila
teral.
Hi necessidade, sim, de uma manifestagao da von-
tade da pessoa de direito publico que for titular do po-
der a transferir; e bem se compreende que essa trans-
ferencia tenha de ser aceite pelo particular pois que,
tratando-se da ampliagao do ambito da sua atividade
licita, 0 contrario seria a imposigdo de uma liberdade.
Quando a Administragao quer forgar alguem a prestar
certos servigos ao publico requisita-os, nao os concede.
A observagao da pratica da vida juridica mostra
que nuns cases a transferencia 6 precedida de negocia-
coes tendentes a fixar os tennos em que se fara, e toma
a forma de um acordo de vontades cujos efeitos foram
livremente determinados pelas partes: estamos em pre-
senga de um contrato. Noutros casos a vontade do par
ticular nao intervem constitutivamente na formagao
da relagao juridica, a concessao produziu-se por mera
300 DtBEITO ADiainSTRATIVO

manifestaQao de vontade de um orgao da Admlnisfcra-


gao agindo segando a lei, limitando-se o concessionario
a aceitar ou nao os poderes que Ihe sao ofexecidos: te-
mos entao um ato administrativo.
A concessao de servicos publicos pode operar-se,
pois, por ato administrativo ou por contrato; neste ul
timo caso trata-se de um contrato administrativo.
O ato administrativo de concessao 6 um ato consti-
tutivo de direitos: so quando a lei determine ou per-
mita ou o concessionario aceite, tern carater prec^rio.
Caso seja precaria nao Ihe deve ser assinado prazo e 6
revogave! a todo o tempo pelo concedente.
O regime juridico do ato administrativo ou do con
trato administrativo e o que ficou exposto na respectiva
teoria geral.
No ato ou no contrato de concessao regulam-se as
relagoes entre concedente e concessionario, Em geral O'
concedente tern o cuidado de inserir no proprio instru-
mento da concessao certas normas regulamentares do-
servigo is quais pretende vincular especialmente o con
cessionario ou por nao haver ainda outros regulamen-
tos a que este deva cingir-se na organizagao e no fun-
cionamento do servigo. Em principio tais normas regu
lamentares sao a todo o tempo ampliaveis, modificiveis
6 revogaveis livremente pelo concedente. Este principio
tern, porem, uma excegao: quando certas normas re
gulamentares aparegam como motivo determinante da
aceitagao de determinadas obrigagoes pelo concessiona
rio, elas nao poderao ser alteradas sem acordo deste.
Tudo quanto ficou dito acerca do regime juridico
do servigo publico vale na gestao por concessao, salvo-
as clausulas estipuladas para cada caso e, em especial,
as que sao conseqiiencia da existencia do concessionario.
A Constituigao Brasileira de 1967-69, no seu arti-
go 167, determina;
Servicos pdBUcos 301

"A lei disport sobre o regime das empresas conces-


siondrias de servigos publicos federals, estaduais e mu
nicipals, estabelecendo:
I — obrigagao de manter servigo adequado;
II — tarifas que permitam a justa remuneragao do
capital, 0 melhoramento e a expansao dos servigos e as-
segurem o equilibrio economico e financeiro dos con-
tratos;
III — fiscalizagao permanente e revisao periodica
das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior,

130. O concedente, embora continue a ser o titular


•dos poderes relatives a organizagao e d gestao do ser
vigo concedido, transfere o seu exercicio para o conces-
siondrio que fica numa posigao analoga d que no direito
civil caracteriza o usufrutudrio. Todavia o concedente
nao pode renunciar d faculdade de regulamentar e de
inspecionar o funcionamento do servigo a fim de se as-
segurar de que o concessiondrio mantenha integros os
seus caracteres essenciais; e em muitos casos reserva-se
tambdm o poder de apreciar certos atos de gerencia do
concessiondrio, mediante a sua suspensao, autorizagao
ou aprovagao, sobretudo quando sejara suscetiveis de
afetar o interesse geral ou de influir no future.
Os poderes do concedente relativamente d gestao do
sendgo publico pelo concessiondrio sao, pois, poderes
tutelares.
Vamos tratar de dois poderes do concedente que,
nas relagoes com o concessiondrio, merecem particular
atengao: o poder de regulamentar e o poder de inspecio
nar ou fiscalizar, Mas alem destes, o concedente reser
va-se certos poderes financeiros que desempenham im-
portante papel nas relagoes com o concessiondrio; deles
nos ocuparemos seguidamente.
302 DiEEITO iDMINISTRAnVQ

131. Importa nao esquecer que o servi^o publlco con-


cedldo nunca deixa de corresponder ao exercicio de uma
atribuijao da entidade concedente.
Assim, 0 concedente conserva o poder de elaborar
regulamentos de servigo sobre tudo aquilo que nao res-
peite a simples vida intema da empresa concessionaria,
nomeadamente sobre tudo quanto se refira a utilizagao
do servlgo pelo publico.
A outorga dos regulamentos pode fazer-se por di-
versas formas:
a) as disposigoes basilares dos regulamentos sao
incluidas no ato constitutivo da concessao, podendo a
todo 0 tempo ser alteradas pelo concedente, ouvido o
concessionario: este, depois, desenvolve-las-a;
b) 0 concedente impoe regulamentos gerais que
todos OS concessionaries desse tipo de servico tern de aca-
tar e observar, ou regulamentos especiais de uma con
cessao, Incluindo nos atos das concessoes apenas uma
cliusula genSrica de imposigao ao concessionario do de-
ver de observar todos os regulamentos futuros;
c) 0 concedente delega no concessionario a ini-
ciativa da elaboragao dos regulamentos, reservando-se
apenas o direito de os aprovar antes de entrarem em'
vigor;
d) as disposigoes regulamentares sao de tal mode
correlacionadas com as clausulas contratuals que se es-
tipula a necessidade de acordo das duas partes para a
aprovagao de novos regulamentos sobre a materia.
Em qualquer caso e ao concedente que compete su-
perintender na fiscalizagao da observancia das disposi
goes regulamentares e dar ordens e instrugoes sobre a
respectiva interpretagao e aplicagao.
Neste poder compreende-se a faculdade de assegu-
rar a regularidade, a continuidade e a comodidade das
SERVigOS PUELICOS 303'

prestagoes, bem como de zelar pela sua atualizagao nos-


termos geralmente exigidos para os servigos pdblicos.
Esti implicita na concessao (se o ato constitutivo-
nao a clausular) a obrigagao que o concessionario as
sume de manter o servigo atualizado.
Tratando-se de um dever do concessionario, o con-
cedente tem, correspondentemente, o poder de exigir o
seu cumprimento e ate de especificar, por via regula-
mentar, os respectivos termos. Os sacrificios a que a
atualizagao der lugar constituem ura risco tecnico da.
exploragao e so t&n de ser indenizados quando por cau
sa deles se altere o equilibrio financeiro do contrato.
O limite natural do dever de atualizagao do servigo
(independentemente de outros que a lei ou o ato consti
tutivo da concessao fixem) esta no objeto da concessao..
Assim, se foi concedido o servigo de transportes coleti-
vos por meio de viagao el6trica sobre carris nao pode.
impor-se a sua exploragao por meio de automoveis.
Portanto: a atualizagao so e dever do concessiona
rio enquanto corresponder k evolugao do proprio pro-
cesso de exploragao do servigo que haja sido especifica-
do no objeto da concessao. A mudanga do processo so
e possivel com o acordo do concessionario e, em regra,.
com assistencia financeira do concedente: negando-se o
concessiondrio ao acordo, resta apenas a solucao de res-
gatar o servigo.

132. Ao poder regulamentar estd, pois, estreitamente


ligado 0 poder que o concedente possui de fiscalizar o^
modo como os poderes transferidos sao exercidos pelo
concessionario.
Em rigor a fiscalizagao compreende dois aspeetos:
o cumprimento dos deveres do concessionario para com
o concedente e o cumprimento dos deveres do conces-
:304 DIREITO ALMINISTEATIVO

sionirio para com o piiblico. Na prdtica os dois aspec-


tos confimdem-se vlsto que o concedente, sendo a Ad-
ministragao pdblica, representa os interesses dos utentes.
Ha ainda a distinguir: a fiscalizaQao normal do de-
sempenho do serviQo no deeurso da concessao e a fis-
calizagao especial necessdria nos ultimos anos do prazo
•da concessao, nos casos em que haja reversao gratuita
do estabelecimento para o concedente.
A fiscalizagao normal deve exercer-se: pela assisten-
cia de delegados ou comissarios que representem o con
cedente aos atos principals da gerencia da empresa con-
cessionaria (assembleias gerais diretoria ou adminis-
tragao) para exame da legalidade, oportunidade e mo-
ralidade das suas deliberagoes; pelo exame periodico dos
balancetes de contabilidade e da propria escrita da em
presa; nos casos em que o estabelecimento do servigo
•seja do dominio publico ou veniia a reverter para o con-
•cedente, pela escrituragao, em conjunto com o conces-
siondrio, do inventdrio da concessao onde so por comum
acordo se deverao fazer inscricoes, anulagoes e amorti-
zagoes; pelo estudo economico da exploragao, seu custo,
regime tarifario e utilidade social; pela critica dos pro
cesses tecnicos de exploragao e sugestoes da sua atua-
lizagao; pela recolha das queixas dos utentes e investi-
gagao sobre o seu fundamento etc.
Qual o melhor processo de assegurar a efici§ncia
-desta fiscalizagao?
Sao tres os sistemas que os escritores apontam e
^jue na pratica se tern experimentado:
(a) 0 sistema dos comissarios e administradores;
(b) 0 sistema das repartigoes;
(c) 0 sistema das comissoes autSnomas.
O sistema (a) consiste em o concedente nomear um
comissario que o represente junto da empresa concessio-
SERVigOS PTOLICOS 30o

naria; ou de nomear para o conselho de administra-


§ao ou diretoria da sociedade concessioriaria admiids-
tradores ou diretores encarregados de zelar pelo bem
pdblico, assim como vogais para o conselho fiscal.
O sistema (b) pode coexistir com o primeiro: con-
siste em confiar a fiscalizagao de uma concessao, ou de
varias concess5es do mesmo tipo, a uma repartigao tec-
nica da Administragao concedente. Tem sobre o primei
ro sistema a vantagem de a fiscalizajao ser feita por
tecnicos que respiram o ambiente do interesse piiblico
e dao maiores garantias de independencia. O inconve-
niente reside sobretudo no perigo da burocratizagao, com
as suas exigencias descabidas e demoras entorpecedo-
ras de expediente e na ignorancia freqiiente das condi-
goes especiais da vlda do comercio ou da industria sob
o impulso da jnieiativa privada.
O sistema (c), atualmente generalizado nos Esta-
dos Unidos da America, consiste em confiar a fiscaliza-
gao da concessao ou de um grupo de concessSes a uma
comissao especial, autonoma e dotada de largos pode-
res administrativos, regirlamentares e ate jurisdicionais.
A comissao deve ser composta por pessoas com experi-
encia adrainistrativa e podera empregar tScnicos prd-
prios para a aconselhar, orientar e esclarecer.
O sistema das Comissoes oferece inegaveis vanta-
gens, contanto que se nao deixe transforma-las em le-
partigoes burocraticas e se renovem periodicamente al-
guns dos seus membros, forgando-as a ter o maior con-
tato com o piiblico.

133. A gestao de um service publico implica graves


obrigagoes para a empresa privada que dela se encarre-
ga. No ato de concessao o concedente impoe essas obri
gagoes destinadas a preservar o carater piiblico do ser-

2ii - 20
306 DniEITO ADMIKISTEATIVO

vigo e que se traduzem em limitagoes da liberdade do


concessionario e em encargos a suportar per este. THm
troca, para realizar o equilibrio entre as vantagens e
05 riscos, "equilibrio das prestagoes" que sempre se pres-
sup5e nos negocios juridicos na base de uma "equacao
financeira", sao garantidos ao concessionario certos di-
reitos, sobretudo destinados a permitir a retribuigao das
prestagoes a fazer.
Como, porSm, tal retribuigao resultara da cobranga
dos pregos fixados em tarifa dependente do concedente,
6 necessario evitar que a um sistema rigido de obtencao
de receitas de exploragao corresponda a variabilidade
na fixagao de encargos: se o concedente puder, per
exemplo, invocando o seu poder tributario, langar im.-
postos sobre as receitas de exploragao, ele ird diminuir
de faio por via xmilateral, os pregos cobrados pelo con
cessionario e que contratualmente garantira, visto que
este nao pode repercutir sobre os utentes cs encargos
tributaries, como faria uma outra empresa privada. Por
isso nas concessoes feitas pelo Estado ou por ele auto-
rizadas e freqiiente a lei conceder ao concessiondrio a
isengao dos impostos, contribuigoes ou taxas que nos
termos das leis gerais possam onerar a exploragao, subs-
tituindo esse regime comum incerto por um regime fis
cal especial a observar durante a vigencia da concessao.
Esse regime fiscal especial consiste, por via de re-
gra, numa permilagem ou percentagem a pagar ao con
cedente sobre a receita bruta da exploragao, isto e, so
bre o produto de todos os pregos cobrados, segxmdo a ta
rifa aprovada, taxa que constitui um encargo obrigatd-
rio do concessionario, uma despesa da exploragao.
A vantagem deste regime e a de permitir a inelusao
do encargo fiscal no proprio calculo do prego, como um
custo constante e certo do servigo; para o concedente
SERVigOS PttBLICOS 307

tern ainda a vantagem de Ihe assegurar um imposto in-


direto, que nao depende, portanto, de haver lucros de
exercicio.
O fato de certas leis empregarem, por deficiencia
terminologica, o termo arcaico de renda para designar
este imposto, tern criado confusao no espirito dos priva-
tistas e dos proprios tribunals, que vao buscar o seu
fimdamento a um pretenso arrendamento de direitos ou
de coisas publlcas.
A verdade, porem, e que tal encargo ligado a isen-
gao geral do Impostos comuns nao tem outra razao de
ser senao a de substituir por um regime fiscal adequa-
do a concessao o sistema que colocaria as receitas do
concessionario na situagao de prec^a dependencia da
discricionaridade do concedente, quando este possa exer-
cer 0 poder tributario.
Tanto mais que, para evitar a producao de sobre-
lucros para o concessionario, isto e, que este tire um
beneficio excessivo do exclusivo de um servico de inte-
resse geral, jwde o concedente tomar outras precaucSes,
e efetivamente se reserva com frequSncia mais poderes
financeiros.
Sao eles, entre outros:
— a obrigagao imposta a sociedades anonimas con-
cessionarias, no momento da concessao ou da sua re-
modelacao ou prorrogagao, de entrega gratuita ao con
cedente de certo niimero de agoes representativas do ca
pital, com todos OS direitos, inclusive de percepcao de
dividendos;
■— a obrigagao de, dos lucros liquidos anualmente
apurados, entregar ao concedente certa percentagem ou
uma quantia lixa, quer antes de qualquer distribuigao
pelos acionistas, quer do excedente de um dividendo cuja
taxa maxima 6 fixada no ato da concessao. . .
308 DlREnO ADMIMISTRATIVO

Deste modo o concedente pode estabelecer no ato


de concessao as regras da sua participagao nos resulta-
dos financeiros da exploragao em termos de certeza e
seguranga de que, sem grave injustiga, nao dever^i no
future afastar-se.

134. O concessionario tem a sua situagao juridica de-


finida per contrato administrativo ou por ato constitu
tive de direitos. Em qualquer dos casos adquiriu direi-
tos oponiveis ao concedente e a terceiros, e recebeu po-
deres a exercer na gestao do servigo.
Para organizar e fazer funcionar o servigo, o con
cessionario pode ser obrigado a criar o proprio estabele-
cimento: quais os seus direitos sobre ele? A concessao
e temporaria: como se devera fixar o prazo? Se a con-
c^ao e acompanhada da garantia do exclusivo da ex-
pioragao do servigo, em que termos deve ser este enten-
dldo? O concessionario prop6e-se colaborar com a Ad-
ministragao Piiblica mediante a perspectiva de um jus-
to lucro: qual o modo de Ibe permitir cobrir as despesas
e procurar esse lucro?
Vamos, seguidamente, estudar estes aspectos da si
tuagao do concessionirio.
O servigo pilblico consiste essencialmente numa ati-
vidade. Mas para que essa ativldade possa desenrolar-se
sao necessarias, na maior parte das vezes, certas condi-
goes materiais, instalagoes apropriadas, lun estabeled-
mento, tomada aqul esta palavra no sentido de conjunto
de bens fixos afetos a determinada exploraqao de ttpo
industrial.
Tres hipoteses se podem verificar no memento em
que se faz a concessao:
a) o servigo nao carece necessariamente, para fun
cionar, de instalagdes proprias; 6 o caso de um servigo
SERVigos Ptoicos 309

publico de transporte coletivo em automoveis pesados


(onibus), que utiliza as estradas e possa aproveitar ga-
ragens e oficinas existentes;
b) o servigo carece de instalagoes proprias, coitio
no caso dos transportes ferroviarios, mas o estabeleci-
mento constituido pelas vias, estagoes armazens, ofici
nas, rede telegr^ica e telefonica, etc., ja existe;
c) 0 servigo carece de instalagoes que ainda nao
existem.
Na hipotese a) o problema nao tern interesse.
Na hipotese b) e dado que as instalagoes se encon-
trem em poder do concedente, a solucao indicada e que
este, simultaneamente com a concessao do servigo, faga
a cedencia pelo mesmo perlodo do use e da fruigao do
estabelecimento mediante arrendamento.
Teremos, portanto, no mesmo Instrumento ou em
instrumentos distintos o arrendamento do estabeleci
mento do servigo publico e a coTwessdo do proprio ser
vigo piiblico.
Na hipotese c) o concessionario do servigo recebe,
em regra, o encargo de, tambem por sua conta e risco,
o estabelecer, podendo entao juntar-se a concessao do
servigo publico uma concessao de obras pUblicas.
A inclusao da concessao de servigo phbhco numa
das categorias correspondentes a estas tres diferentes
hipoteses tern grande importancia, em especial por vir-
tude de duas ordens de efeitos que dai derivam: o prazo
da concessao e a eventual reversao gratuita do estabe
lecimento para o concedente no termo da concessao.

135. O prazo pelo qual a exploragao do servigo phblico


pode ser transferxda para uma empresa privada nao
deve fixar-se arbitrariamente: a regra e de que o prazo
e funcao do tempo reputado necessdrio para a amorti-
310 DIREITO ADMmiSTRATIVO

zagao, em normais condicoes de Tentabilidade da ex-


pkrragdo, do capital investido pelo concessiondrio para
pQr o servigo a funcionar.
Assuii, nas hipoteses a) e b), se o concessionario
nao tern de investir capitals no estabelecimento e ape-
nas e forgado a despesas de exploragao — ou, no exem-
plo dos transportes rodovlArios, a adquirir viaturas
amortizaveis a curto prazo —, a concessao deve ser fei-
ta por poucos anos.
A concessao de um servigo como o de transporte
ferroviario, com arrendamento do estabelecimento, exi-
ge maior prazo para permitir a montagem conveniente
da exploragao, sempre custosa, e as necessarias combi-
nagoes de tarifas. Mas mesmo em casos como este os
prasos nao deveriam exceder vinte anos.
A sitnagao e diferente na hipotese c); entao, se o
concessionario e forgado a investir grandes quantias na
montagem do servigo (construgao da estrada de ferro,
construgao de aproveitamentos hidroeletricos e da rede
de distribnigao de energia, construgao das obras de cajH
tacao, transporte e distribnigao de agua...), o prazo da
concessao tern de ser suficiente para permitir ao con
cessionario que, pelo rendimento da exploragao, rein-
tegre o capital que investiu; por vezes ha que contar
ainda com uma exploragao deficitaria nos primeiros
anos em conseqiiencia da dificil adaptagao do piiblico a
utilizar-se de um servigo novo. Resultaram destas consi-
deragoes os longos prazos de noventa e nove anos das
primeiras concessoes ferrovi^ias. Hoje a tendencia e
para nao comprometer por tao longo periodo o inter^-
se do publlco, mas nao se podera evitar, no caso de se
fixar prazo, que este seja largo.
Uma corrente entre os administrativistas america-
nos manifesta-se favoravel ao sistema, tambem bastante
SSItTigOS PDBLICOS 311

usado, de isentar de prazo as concessoes, as quais de-


veriam ser sempre por tempo indeterminado {indeter
minate concession, standard service ■permit).
Segundo esses autores, o prazo fixo nas concessoes
oferece graves inconvenientes, entre os quais ha a des-
tacar:
a) desde que o servigo e permanente, a concessao
temporaria cria o risco de crises de transigao periodicas,
prejudiciais ao interesse piiblico;
b) a concessao com prazo fixo pretere as conve-
rdencias da atualizagao oportuna do serviQO, subordinan-
do-a aos interesses do concessiondrio;
c) nos dltimos anos do prazo o concessionario ten-
de, malgrado todas as fiscalizagoes e pressoes do po-
der publico, a deslelxar a conservagao e o aperfei§oa-
mento dos meios do servigo publico destinado a passar
gratuitamente para o concedente.
Portanto a forma de conciliar as vanta^ns da con
cessao com as conveniencias da Administragao publica
seria fazer a concessao por tempo indeterminado de
modo a permitir ao concedente reaver o servigo em qual-
quer momento mediante justo prego.
A verdade, porem, e que este sistema, nao conferin-
do nunca ao concedente o direito a tomar posse do ser-
vico sem pagamento do seu custo, e menos conveniente
do que o sistema europeu do prazo fixo, findo o qual se
considera o concessionario suficientemente pago do ca
pital investido e por isso se obriga a entregar o servigo
de graga, sem embargo de, ate la, ser permitido ao con
cedente resgatar ou encampar o servigo com indenizagao.
Nas concessoes precarias nao ha nunca reversao
gratuita do estabelecimento para o concedente e admi-
te-se a revogagao em qualquer momento, nos termos do
ato da sua constituigao, pagando-se os bens. Aproxi-
312 DIREITO ADMINISTRATIVO

mam-se assim, no seu regime, das concessoes por tem


po Indeterminado.

136. Mas, enquanto diirar a eoncessao do servigo pu-


blico, a quern pertence a propriedade do respective es-
tabelecimento quando tenha side o concessionario a
monta-lo e nos termos do ato de eoncessao deva vir a
reverter para concedente?
Hi que distinguir duas hipoteses;
a) 0 estabelecimento do serviqo constitui uma
universalldade que a lei considera do dominio publico;
b) OS bens que constituem o estabelecimento do
servico sac coisas meramente partieulares.
Na hipotese a) o estabelecimento do servigo passa,
desde o momento da sua criagao, a ser propriedade pu-
blica, de que, portanto, sera titular a pessoa juridica
de direito publico que houver concedido o servigc.
Entende-se que o concessionario procedeu como se
fora um empreiteiro que tivesse aceito um pagamento
diferido da obra produzida. Esse pagamento, obtem-no,
por suas proprias maos, do rendimento da exploraQao
do servigo. E se o concedente resolver resgatar a eon
cessao do servigo, tera entao de fazer o pagamento ime-
diato da parte do custo dos bens ainda nao amortizada,
Na hipotese b) os bens sao propriedade do conces
sionario enquanto durar a eoncessao. O concessionario
apenas se obrigou para com o concedente a entregar-lho
gratuitamente se a eoncessao atingir o termo previsto.
Trata-se, pois, da obrigacao para o concessionario de fa
zer uma prestagao de coisas ao concedente, se a eonces
sao for mantida e as suas clausulas observadas por este
e quando o respective prazo de duragao expirar (obriga-
gao condicional e a termo).
SERVI50S PCBLICOS 313.

Se nao se verifiear a condigao, ou se o concedente


quiser obter os bens antes do termo, ter^ de comprd-los
pelo seu justo prego.
Portanto o concedente, nesta hipotese, tern apenas,.
relativamente aos bens e durante a ooncessao, um direi-
to de credito, mas nao quaisquer direitos reals.

137. Vimos qua a exploragao em regime de servigo pii-


blico de uma atividade de carater economico goza, re-
gra geral, de exclusive e que so as atividades previa-
mente reservadas exclusivamente a exploragao de uma
pessoa juridica de direito publico sac suscetiveis de
concessao per esta, pois as que estao abertas a livre con-
correncia nao carecem de ser especialmente cometidas
a. certa e determinada pessoa.
No ato de concessao inclui-se, por via de regra, a.
garantia dada ao concessionario do exclusivo da explo
ragao da atividade concedida. Essa garantia toma a for
ma de uma obrigagao assumida pelo concedente de nao-
consentir a mais ninguem o exercicio da atividade que
haja sido objeto da concessao.
Sendo, por6m, o exclusivo uma excegao aberta ao
prlncipio da liberdade de trabalho, comereio ou indus-
tria, nesse caso em beneficio de uma empresa privada,
a atividade por ele abrangida deve sempre ser devida-
mente especificada e restrita ao indispensavel a e:^lo-
ragao do servigo.
Assim, nao so o exclusivo deve ser especlfico quan-
to aos processes tecnicos empregados (no caso dos trans-
portes coletivos, por exemplo, o tipo da energia motriz
empregada, a utilizagao da via pdblica ou do leito pro-
prio, com ou sem carris) e ainda quanto aos lugares
abrangidos (area compreendida pela concessao e, inclu-
sivamente, itineraries concedidos, pois sabe-se que nos-
314 DXREITO ADMUnSTRATIVO

transportes piiblicos por automoveis pesados o exclu-


sivo do servigo 6 restrito a itinerdxios deterroinados onde
o concessionario tem o direito de, s6 ele, manter carrei-
ras, como o exclusive de assentamento de carris pode
ser restrito a certas ruas ou percursos, ficando os outros
llvres).
Desde que a outorga do exclusive ae concessionirio
erigina uma ebrigagao do concedente, este tem de cum-
pri-la, sob pena de responder pelos danos causados. E
se a competigao surgir ilegalmente 6 ainda ao conce
dente que cumpre empregar os meios de policia necessa
ries para fazer cessar a ilegalidade ou reprimir esta cri-
minalmente, ficando igualmente responsavel, se o nao
fizer, pelos danos decorrentes da sua inagao.

138. So a concessao por um prazo fixe e com exclu


sive permite fazer cilculos razoiveis de retribuigao do
concessionario.
A fonte dessa retribuicao e o rendimento da explo-
ragao do servigo publico, donde deverao sair as somas
necessarias nao so para cobrir as despesas respectivas,
como ainda para renovar o estabelecimento, amortizar o
capital investido (ao menos o capital obrigacionista) e
dar aos empresdrios o justo lucro.
O rendimento da exploragao provem principalmente
(como ja ficou visto) do prego cobrado dos utentes de
harmonia com a tarifa aprovada.
A tarifa existe em todos os servigos publicos, qual-
quer que seja o processo da sua exploragao. A forma que
reveste nas relagoes entre o servigo e o publico 6 a de
um regulamento, criador de situagoes gerais.
Mas quando o servigo e concedido, o concedente nao
pode esquecer que da fixacao da tarifa nao results ape-
nas a maior ou menor acessibilidade das prestacoes ao
SERVigos PUBUcos 315

publico ou 0 cumprimento mais ou menos perfeito da


sua fungao econ5mica e poiitica: da tarifa que for fi-
xada depende tambfim a remuneragao do concessio-
nirio.
Assim a tarifa nos servigos publicos concedidos de-
sempenha uma dupla fungao: nas relagdes entre o con-
cessionario e o pilblico, a de regular o preco das presta-
qoes do service; nas relagoes entre concedente e conces-
sionario, a de regular os termos em que aquele consente
a este a remuneragao da sua iniciativa e dos seus ca-
pitais.
Os administrativistas, em geral, tSm focado unica-
mente o aspecto regulamentar das tarifas e sao levados,
por isso, a admitir que o concedente as altere a seu ta-
lante, sem repararem que o modo de formagdo de um
regulamento pode ser o acordo de vontades e que so por
novo acordo se pode alterar o que por esse modo for
criado. Pode discutir-se a conveniencia do processo de
concessao nos tempos atuais, tao imbuidos de socialis-
mo; mas nao pode esquecer-se que a concessao assenta
na ideia de colaboragdo livre e remunerada de um par
ticular com a Administragao.
Ninguem (salvo algum aventureiro) consentiria em
tomar a sua conta a onerosa exploragao de um servigo
publico sem a garantia de um minimo de seguranga na
retrlbuigao.
Por isso OS termos em que o concessionario poderd
estabelecer as tarifas do servlgo sao objeto de uma cldu-
sula contratual quando a concessao seja operada por
contrato ou de uma cldusula irrevogdvel, se tiver sido
feita por ato constitutivo de direitos.
Mas neste caso nao ficara o interesse publico vin-
culado por longo tempo ao interesse particular do con-
cessiondrio?
316 DIREITO ABMraiSTRAlTVO

As tarifas devem. estabelecer taxas moderadas, tao


proximas quanto possivel do custo do service, que bene-
ficiera a massa da populagao, satisfazendo interesses ge-
rais e nao conveniencias dos concessionarios.
Como conciliar entao a necessidade da adaptagao
constante das tarifas as condigoes economicas, fazendo
beneficiar os utentes das reducoes do custo unitdrio das
prestagoes — obtidas independentemente do esforco do
concessionario como seja por progresso tecnico, aumen-
to do consumo, etc., —■ com a necessidade de garantir
ao concessionario uma justa e estavel remuneragao, in-
dependente dos caprichos do concedente?
Os processes adotados para conciliar estas duas ne-
cessidades na estipulagao das tarifas no ate de conces-
sao conslstem, principalmente:

a) no estabelecimento de formulas tarifarias


moveis;
b) na sujeigao da tarifa de base a revisoes peiio-
dicas;
c) na flxagao periodica da tarifa por uma com-is-
sao composta per representantes do concedente
e do concessionario.

Com qualquer destes processes o concessionario tern


a garantia da sua remuneragao e o concedente dispoe
de meios de defender o publico contra possivels ex-
torsoes.
O direito dado ao concessionario de cobrar taxas,
segundo as tarifas que forem fixadas, nao e o unico ele-
mento financeiro nas relagoes entre concedente e con
cessionario. Pode, na verdade, a insuficiencia dos pre-
gos ser suprida pela assistlncia do concedente.
Ao fazer-se a concessao pode verificar-se que mesmo
fixando taxas muito altas sera pouco provavel que, ao
SZRVigOS PUBLICOS 317

menos nos primeiros anos de exploracao, o rendimento


do servigo cubra o seu custo. Assim, uraa via ferrea,
per exemplo, pode ser projetada para promover o fo-
mento de uma regiao ainda pouco produtiva e pobre,
prevendo-se que antes de um periodo longo nao se con-
seguira nela o trafego suficiente para tomar remune-
radora a exploragao. O service publico destina-se jus-
tamente a realizar aquilo que a iniciativa privada nao
faria so por si a mingua do estimulo do lucro: conve-
niencias polfticas e sociais impoem que se beneficlem
regioes e comunidades atrasadas, independentemente
da rentabiildade da exploracao do servigo.
Nesses casos, como em geral naqueles em que o
concedente pretenda praticar pregos politicos, este deve
tomar o encargo de pagar tal beneffcio social ou conve-
niencia politica. Outras vezes importa estimular e favo-
recer o arranque de um servigo destinado a proporcio-
nar a utilizagao de meios tecnicos pouco vulgarizados e
cujo habito 6 precise primeiramente difundir ate que as
pessoas ganhem o costume de os aproveitar sem receios:
foi 0 que se passou com os transportes aereos, por
exemplo.
Nasce assim a assistencia financeira do conceden
te ao concessionario, traduzida por suhvencoes, subsi-
dios, garantias de rendimento.
Umas vezes trata-se de prestagSes certas e regula-
res a pagar ao concessionario durante certo numero de
anos (uma subvengao fixa anual, por exemplo). Outras
vezes trata-se de prestacoes eventuais que o concedente
so pagari se os rendimentos da exploragao do ano nao
pennitirem a remuneragao do capital investido (garan-
tia de dividendo) ou so do capital obtido por empres-
timo (garantia de juros). Noutros casos, ainda, o sub-
sidio e eventual e extraordinario, destinando-se a com-
318 DIEEIIO ABMINISTRATIVO

pensar certos prejuizos que se hajam verificado por mo


tives imprevistos ou certas despesas anormais.

139. Da-se o trespasse da concessao quando o conces-


sionario transmite a outra empresa, com assentimento
do concedente, a sua posigao no servigo, obrigando-se o
novo concessionario a cumprir as cldusulas do primi-
tivo ato eonstitutivo.

£ indispensavel a intervengao do concedente, visto


que sendo a concessao outorgada a uma empresa em ra-
zao das garantias de idoneldade que ela oferega, nao
pode passar para outra sem que se verifique se esta ofe-
rece as mesmas ou maiores garantias de colaboragao
com a Adminlstragao Pdblica.
O assentimento do concedente ao trespasse distin-
gue-se de uma concessao nova por no trespasse o novo
concessiondrio se limitar a levar a cabo a execugao .dos
compromissos assumidos pelo antigo, regendo-se portan-
to as suas relagoes com o concedente pelo primitive ti-
tulo constitutive e sucedendo o novo concessionirio ao
antigo nos direitos e obrigagoes em relagao ao servigo
pubbco.
Isto nao quer dizer que os termos da concessao nao
possam ser alterados por ocasiao do trespasse, visto o
concedente poder condicionar a sua autorizacao pela
imposicao de novos encargos.
Se a concessao estiver afeto um estabelecimento,
o trespasse compreende a passagem para o novo conces
sionario da respectiva posse e o novo concessionario de-
vera pagar ao antigo uma indenizagao correspondente
ao valor do estabelecimento que ainda nao estiver amor-
tizado, acrescido do que a mais se estipular a titulo
de lucros cessantes ou deduzido do que houver a sub-
trair-se a conta de encargos tamb6m transmitidos.
SiEVicos piSblicos 31!>

O trespasse da concessao nao 6 assim um negdcio


de direito privado: e uma sufastituigao de concessiona-
rio, sob proposta deste, mas que ha de ser considerada
a luz do interesse pdfalico. A indenizagao pelo trespasse
nao e um prego, e caicula-se em termos an^ogos aos
que regem em caso de resgate.
Nao se deve confundir o trespasse com a siibcon-
cessao: naquele ha uma sucessao do novo concessionario
ao antlgo em todos os seus direitos e obrigagoes pelo
que o primitivo concessionario perde a sua posi§ao,
transferida ao novo; ao passo que a subcoTicessao con
sists na transferencia que o concessiondrio, autorizado
X)elo concedente, faz para outra empresa de uma parte
dos encargos do servigo concedido e dos poderes neces-
sarios para os cumprir, nas condigoes que entre o con
cessionario e o subconcessionario forem estipuladas.
Como ninguem pode transmitir senao aquilo que
tem, claro esta que o concessionario, ao fazer a sub-
concessao, tem de se confinar nos limites da sua pro-
pria concessao e de se subordinar ks cldusulas desta.
O concessiontoo conserva portanto na subconces-
sao a sua posigao juridica perante o concedente para
com quem e responsavel pelo conjunto do servigo. Em
face do subconcessionario e o concessionario que figura
como concedente. Nao h^ relagoes diretas entre o con
cedente propriamente dito e o subconcessionario, salvo
quando no ato da subconcessao se tenha estabelecido o
contrario. Mas escusado sera dizer que, cessando a con
cessao per qualquer motivo ou tendo de modificar-se o
servigo concedido, cessa a subconcessao ou modificar-
-se-d necessariamente o servigo que dela e objeto.

140. A inexecugao das obrigagoes assumidas pelo con


cessionario permite ao concedente a aplicagao de sangdes
320 DIREITO ADMINISTRATIVO

prevlstas no ato de concessao e que em geral consistem


em multas, seqiiestro e rescisao.
Nada de eapeci'fico ha a dizer quanto as multas, e
da rescisao trataremos mais adiante.
Pode acontecer que o concessionario, per carencia
de reciirsos, inabilidade administrativa, desentendimen-
to com 0 concedente, acumulacao de deficits... aban-
done a explora§ao do servigo piibiico.
Nesse caso o rem6dio imediato, previsto em quase
todos OS titulos constitutivos das concessoes, e a explo-
ragao provisoria do servigo piibiico sob a diregao de agen-
tes do concedente, continuando todas as despesas de ex-
ploTogdo a cargo do concessionario faltoso.
E a esta Intervengao do concedente na exploracao
do servigo concedido, para assegurar a regularidade e
continuidade em caso de deficigncia do concessionario,
mas por conta deste, que se chama na Europa seqiiestro
da concessao.

O seqiiestro e uma sangao aplicada ao concessiona


rio, visto que o obriga a suportar despesas de que se que-
reria ver Uvre, porventura aumentadas em virtude da
improvlsada gerencia de dirigentes estranhos. E e por ve-
zes a sangao mais grave que Ihe pode ser aplicada, pois
que a rescisao 6 inoperante quando se trate de conces
soes de servigos com estabelecimento arrendado pelo
concedente: o concessionario nada perderia com a res
cisao pois nao pagou o estabelecimento e ver-se-ia 11-
berto dos encargos de uma exploragao que Ihe trazia
perdas.
A duragao do seqiiestro depende sempre do criterio
do concedente. Se o concessionario se mostrar disposto
a reassiimir a exploragao do servigo e der garantias de a
conduzir nos termos da concessao, deve ser-lhe restitui-
da. Caso contrdrio, mesmo quando o ato da concessao
SlSVICOS PUBLICOS 321

fixe um prazo minimo para, ao cabo dele, se mandar


notificar o concessionario sobre se esta ou nao em con-
digoes de reassumir a exploragao, isso nao impede que
o concedente prolongue o seqiiestro pelo tempo qne jul-
gar conveniente ou necessario, abstendo-se ate de apii-
car a sangao ultima da rescisao se entender que ela se-
xia prejudicial ao interesse publico.
Na verdade, o concedente nao e obrigado a aplicar
a sangao maxima e o concessiondrio nao pode exigir que
Ihe seja aplicada uma sangao mais grave do que o con
cedente entenda dever aplicar-lhe.

141. Da-se 0 resgate, que no Dlreito Brasileiro e tam-


bem denominado encampagao,quando o concedente reto-
ma a gestao direta do servigo publico concedido, antes
de findo o prazo da concessao e mediante justa indeni-
zagao paga ao concessionario.
A faculdade de resgate e caracteristica das conces-
soes a longo prazo, constituindo um meio de defesa dos
interesses coletivos de que o concedente podera usar
quando o concessionario, embora cumprindo formal-
mente as clausulas da concessao, nao assegura a explo
ragao do servigo publico em termos satisfatorios para a
coletividade, ou quando se entenda que politicamente
nao convem continuar a empregar o processo de gestao
indireta.

O resgate nao se confunde com a cessagao das con-


cessoes precarias ou por tempo indeterminado. Na ver
dade, 0 resgate pressupoe uma concessao com prazo
fixo, e uma extingao antes do termo final previsto no
ato constitutive, mas em peculiares condigoes, com pro
cesso e efeitos prdprios. As concessoes precirias podem
ser rescindidas a todo o tempo como se bouvessem atin-

244 - 21 1
322 DlEEITO ADinNISTHATIVO

gido 0 seu termo, nas condigoes do respeetivo ate cons


titutive ou da lei.
Ha duas especies de resgate: o resgate particular,
contratiial ou especial e o resgate legal ou dc inieresse
publico.
Chamamos resgate particular (que tamb^m e de-
signado contratual ou especial) aquele que estd especial-
mente previsto para eada eoncessao no respective ato
constitutive e que per ele e regulado. Esse resgate pode
ser feito, portanto, sempre que o concedente jnlgue con-
veniente exercer os poderes conferidos pelo ato ou eon-
trato da eoncessao.
O resgate legal ou de interesse publico e o autoriza-
do por lei geral como uma especie de desapropriagao
permitida mediante a declaragao de utilidade pdblica e
seguindo os termos do respeetivo processo. Por via obli-
qua poderd ainda conseguir-se resultado idlntico pela
desapropriagao dos direitos dos s6clos de mna entidade
concessionaria de modo a ficar o concedente senlior da
sociedade titular dos direitos da eoncessao.
O resgate s6 pode fazer-se decorrido que seja o pra-
zo de garantia, isto e, determinado prazo minimo con-
tado a partir da data da eoncessao. Este prazo de ga
rantia poe 0 concessionario a coberto das resolugSes ca-
prichosas do concedente, permitindo-lhe organizar o
servico e explord-lo com seguranca durante eerto perio-
do para dar provas da sua capacidade e basear um juizo
justo acerca das vantagens e ineonvenientes da con-"
cessao.

O prazo de garantia e prorrogavel por acordo das


partes, mas o concedente nao consentira normalmente
na prorrogacao senao quando o concessionario assuma
novos encargos que se traduzam em novcs investimen-
tos de capital para beneficio do servigo e do piiblico.
SERVigos PUBLicos 323

Expirado o prazo de garantia o concedenle pode re-


solver o resgate quando quiser, exercendo um. poder dis-
cricionario s6 sucestivel de impugnagao per desvio de
poder. Era regra, porem, estd estabeleddo que entre a
notificacao ao concessionario da resolugao de resgatar
e a efetivacao do resgate decorra um periodo mais ou
menos iongo durante o qual o concessionario se prepa-
rara para deixar de exercer a atividade concedida e o
concedente per sua parte ira acorapanhando com agen-
tes seus a exploragao de modo a assegurar no momento
oportuno uma transigao sem sobressalto.
A notificacao antecipada, feita pelo concedente ao
concessionario, da resolugao de resgatar e, pois, um
•pre-aviso ou aviso previo. O prazo de antecipagao do avi
so deve ser fixado no ato constitutive da concessao e e
independents do prazo de garantia, quer dizer: se o con
cedente quiser resgatar a concessao logo que finde o
prazo de garantia mas for obrigado ao pre-aviso com
antecipacao de cinco anos, deve avisar cinco anos antes
do termo do prazo de garantia, nao necessitando de es-
perar per este para manifestar a sua intengao.
A conseqiiencia desta natureza do pre-aviso e que
a sua realizagao nao equivale ao resgate nem vincula o
concedente a fazer o resgate na data marcada, sendo-
-Ihe licito desistir ou adiar, contanto que indenize o
concession^io dos prejuizos que do aviso possam ter-lhe
resultado, salvo se a lei estabelecer coisa diferente.
Quando o concessionario explore alem da concessao
principal outras que dela sejam acessorias, dadas pelo
mesmo concedente, ou por outras autoridades mas com
conhecimento e sem oposigao do concedente principal,
a resolucao de resgatar a principal concessao implica
necessariamente o resgate das concessoes acessorias, so-
bretudo quando o estabelecimento que a todas corres-
324 DiREITO ADMINISTRATIVO

ponde seja um so, como e o case da explora§ao dos trans-


portes coletivos numa cidade, que se prolongue a ^eas
suburbanas de diferentes municipios. A raesma doutri-
na se apUca ao case das subconcessoes.

142. Em geral o ponto mais delicado da operaQao do


resgate de uma concessao esta em determiner a respec
tive indenizacao,

A indenizagao do resgate pode ser paga por dois


mcdos; ou por uma so vez, sob a forma da entrega do
capital correspondente ao respective valor ou, nas con-
cessoes com prazo fixo, num numero de anuidades igual
ao dos anos que ainda faltassem para atingir o termo
da concessao.

Indenizacao em, capital. — Como se tern dito sac


OS atos constltutivos das concessoes que regulam os ter-
mos da fixagao da indenizacao do resgate. Todavia, po-
demos a sen respeito admitir os seguintes principios
fundamentals:

1.0 Principio da equidade na indenizacao. — Dado


que o resgate nao e uma sancao, o concession^rio nao
deve ser privado dos seus legltimos interesses, muito em-
bora se nao possa transformer a operagao em fonte de
lucros, com prejuizo dos interesses publicos. O justo ter
mo, eis o ponto ideal a atingir,
2.0 Pagamento do valor do estabeleeimento da
coTicessao. — Deve ser pago "o valor industrial da em-
presa", compreendendo o "respectivo material movel e
imovel". Todavia e geral a pratica de dlstinguir o es
tabeleeimento da concessao dos bens moveis, especial-
mente os de consumo, que Ihe nao estejam necessaria-
mente afetados.
Ser7150s ptJblicos 325

Quanto k determmagao do valor do estabcleeimentb


da concessao, travou-se acesa poi^mica (especialmente
nos Estados Unidos da America com repercussao no
Brasil) entre os partid^ics de duas correntes;
— OS partidarios do custo historico (ou custo de
aguisigao) entendem que o valor do estabelecimento e
igual a soma das importancias efetivamente despeiidJ-
das no decurso da concessao e ainda nao amortizadas;
— OS partidarios do custo de reprodugdo (ou custo
de reposicao ou de reconstituigao) querem que esse va
lor seja 0 que, no momento do resgate se determinar
por avaliagao, tendo em conta o prego por que nessa al-
tura seriam adquiridos os diversos elementos do estabe
lecimento se este fosse montado.
Ha ainda uma formula intermedia e justa que, par-
tindo do custo histdrico, atualiza as somas gastas em
cada ano mediante corregao raonetdria pela aplicagao
dos coeficientes da reavaliacao correspondentes a depre-
ciagao da moeda desde esse ano {custo histonco atua-
lizado).
E a questao tern importancia nao so para efeito do
resgate como quando se pretende procurer no valor do
estabelecimento uma base para a fixagao de tarifas.
Parece, porem, que e ao custo historico ou de aqui-
sigdo que deve aterider-se, porquanto:
a) sendo o servigo piiblico explorado em regime de
exclusive, nao e possivel determinar qual o valor que no
regime normal de concorrencia teria o estabelecimento
do servigo se fosse negociado, nem e licito separar os
seus elementos integrantes;
b) ha a eonsiderar que se o concedente fosse mon-
tar a exploragao do servigo no momento do resgate es-
colheria decerto mals modemo processo tecnico, os mais
recentes maquinismos e sistemas aperfeigoados de tra-
326 Dkeito administrattvo

lialho, nao sendo razo^ivel, portanto, obriga-lo a pagar o


anaterial velho e o sistema antiquado pelo prego da re-
.posigao;
c) 0 custo de reposigao depende, de resto, de ava-
liagao pericial, sujeita a diverg&ncia dos criterios iiidi-
viduais dos louvados ou a influencia dos interesses em
luta.
Assim, 0 processo mais objetivo e justo de deter-
minar o valor do estabelecimento e o pagamento do
custo de aquisigao, abatendo-se nesse custo as amortlza-
goes que tecnicamente deveriam ter sido feitas, hajam-
-no ou nao sido na contabilidade da empresa, e atuali-
zando os valores despendidos em cada ano de modo a
exprimi-los todos pelo mesmo padrao — o da moeda do
ano convencionado, em geral o do resgate.
Deve-se atender ainda, no cilculo do valor:
— ao tempo decorrido desde o comego da concessao;
— ao que estiver decidido quanto S. propriedade do
material no final da concessao.

O tempo decorrido desde o comego da concessao in-


teressa para o efeito da amortizagao que se presume ter
sido feita por forga das receitas de exploragao. Quanto
mais tempo haja durado, mals ensejo tiveram os con
cessionaries de reaver os capitals investidos e de os re-
munerar; Como ficou dito, o ato de concessao deve
estabelecer o numero de anos das amortizagoes normals,
deduzindo-se no momento do resgate tantos avos do va
lor do estabelecimento quantos os anos decnrridos ja.
O desUno da propriedade do estabelecimento no ter-
mo da concessao importa fundamentalmente porque:
— se 0 estabelecimento nao deve passar gratuita-
mente para o concedente, ha que proceder na ocasiao
do resgate como se procederia no termo da concessao;
SERVI50S P^LICOS 327

— se o estabelecimento, porem, dever passar sem


pagamento para o concedente no tenno da concessao,
€sse fato influi no c^culo, pois so havera a pagar in-
demza§ao correspondente aos anos que falte decorrer
ate a data prevista para a entrega gratuita e durante
OS quais se presume que o concessionirio arrecadaria,
pelos rendimentos da exploragao, lucres suficientes para
cobrir o custo dos trabalhos.

3.° Principio do pagamento do "primio de evic-


gdo". -— admissivel ainda um terceiro principio na
determinagao da indenizacao do resgate: e o do paga
mento dos lucres cessantes, sob a forma de "prfimio de
eviccao".
A justificagao deste premio reside em a concessao
ser considerada como um todo, relativamente ao prazo
per que foi dada, no qual os sacrificios iniciais sao con-
sentidos na esperanga dos ulteriores beneficios. Assim, se
a exploragao se apresenta lucrativa no momento do res-
gate, o concessionario nao deve ser privado totalmente
dos lucros que dai por diante o desenvolvimento natu
ral do servigo viria a produzlr.
O que e precise e distinguir nos lucros posteriores
ao resgate a parte devida a acao anterior do concessio
nario, da mais valia conseqiiente de maior procura do
publico e de melhoria resultante dos esforgos da nova
entidade exploradora.
Quando a indenizagao e fixada em capital, o prl-
mio de evicgao consiste no pagamento de uma impor-
tancia suplementar cujo rendimento se julgue compen-
sador da privagao dos lucros. Esta importancia pode fi-
xarse pelo pagamento de certas obras, materials etc.,
em rigor ja incluidos no valor principal, ou pela soma
de tantas anuidades de dividendo ao capital quantos os
anos que faltarem para o termo.
328 DiRSITO ADMINISTRATIVO

As doutrinas francesa e italiana consideram que


este principlo deve ser sempre observado no calculo das
indenizagoes de resgate, salvo quando exista disposigao
expressa em contrario.

Indenizaqdo em anuidades. — Em vez de se pagar o


capital per uma so vez, pode, apos a sua determinagao,
convencionar-se o pagamento em certo numero de anui
dades: esta estipulagao nada tem de especial, e reduz-se
a uma operacao financeira comum.
Mas nas concessoes e freqiiente estabelecer-se outro
tipo de pagamento de indenizagao em anuidades, quan
do se trate de concessdes a prazo.
Tomando-se a receita liquida da exploragao de uns
tantos anos imediatamente anteriores ao do resgate, e
depois de excluidos o ano de maior e o de menor recei
ta, acha-se a media aritmetica, que, acrescida do pre-
mio de eviccao, flea sendo a anuidade a pagar durante
tantos anos quantos ainda faltem ate a data em que
deveria findar a concessao.

Quando a indenizagao do resgate deva vir a ser paga


por esta forma, toma-se indispensavel tomar precaugoes
especiais no ato da concessao e no decorrer da fiscali-
zagao para definir o que se entende por receita liquida
de exploraedo — materia quase sempre sujeita a duvi-
das e controversia, pois que do volume dessa receita de-
pende o custo do resgate.
Definindo o que se entende por receita liquida de
exploragao, deve todos os anos o seu apuramento ser
feito, nao unllateralmente pelo concessionario, mas com
asslstencia e anulncia de peritos do concedente, sendo
preferivel a contabilizagao por uma comissao mista de
fiscalizagao e contas.
SERVigOS PUBLICOS 327

O calculo do premio de eviCQao no pagamento em.


anuidades pode ser feito partindo de um capital suple-
mentar estabelecido, como ficou dito, para a indeniza-
cao em capital ou por outra forma, como a adlgao a
anuidade de uma quota do aumento da receita liquida.
verificada no ano do seu pagamento em relagao k re
ceita do ultimo ano anterior ao resgate.

143. O termo Tesdsao e empregado em geral no sen-


tido de sancao aplicavel pela Administracao ao conces-
sionario quando este deixe de cumprir as suas obriga-
coea por modo a determinar grave prejuizo para o ser-
vigo publico. Na legislagao brasileira usam-se tambem
neste sentido os termos caducidade e cassagao.
Mas alem da rescisao por inexecugao encontra-se
tambem a rescisao da concessao. como faculdade da
Administragao, decidida por motivos de mera conveni-
dncia da Administragao e sem cardter punitivo.
A rescisao como sangao. — A concessao pode ser
rescindida quando o concessionario, sem ser por caso
de forga maior, deixa de cumprir obrigagoes fundamen
tals relativas a montagem e exploragao do sei-vigo pii-
blico.
Dada a gravidade desta resolugao e a perturbagao
que dela fatalmente resulta para o servigo publico, pela
expulsao do concessiondrio, o concedente so a ela recor-
re em ultimo extremo. Nao se deve esquecer, de resto,
que por vezes o concessiondrio tem interesse em provo-
ca-la para se ver livre de uma exploragao deficitaria ou
de uma situagao financeira embaragosa.
Assim, 0 concedente terd de ponderar cautelosa-
mente o seu procedimento, nao deixando de notificar o
concessionario, com prazo e condigoes razoaveis, para
•330 DIREITO ADMIHISTRATIVO

que este cumpra as suas obrigagoes; nos casos em que


seja possivel o sequestro, a ameaga deste e do seu pro-
longamento pode por vezes ser mais eficaz que a rescisao.
E que a rescisao nem sempre dispensa o conceden-
te de pagar ao concessionario o estabelecimento da con-
cessao. Nas concessoes portuguesas sao raros os casos
em que a aplicagao da sangao determina a passagem
gratuita do estabelecimento para o concedente; em ge-
ral, preve-se o pagamento do custo das instalagoes.
A diferenga entre este pagamento e a mdenlzagao
do resgate reside em se pagar o mero custo historico
com a corregao resultante do destino previsto para o
estabelecimento e sem qualquer prgmio de evicgao. Alem
disso, 0 concessiondrio perderd a caugao que tiver depo-
sitado para garantia da execugao das obrigagoes assu-
midas, ou indenizard. por outra forma os danos resultan-
tes da inexecugao.
A rescisao como faculdade do concedente. — Quan-
do a concessao 6 dada por tempo indeterminado (ou a
"titulo precario") o concedente pode em qualquer al-
tura rescindi-la.
Era algumas concessoes es(;abeleceu-se uma forma
intermedia entre a concessao a prazo flxo e a concessao
por tempo indeterminado: a concessao nao tem prazo
de duragao mas pode ser rescindida em certos memen
tos espacados entre si por periodos regulares (de 10 em
10 anos, por exemplo).
A rescisao por conveniencia admlnistrativa deve ser
notificada como o resgate. TambSm nao da lugar ao
pagamento de indenizagao ao concessionario, visto que
este recebeu a concessao com a clausula de em qualquer
altura aquiescer d vontade do concedente, restituindo-a.
Mas o concedente tem de pagar pelo seu jnsto valor o
prego do estabelecimento e de todos os bens emprega-
Servisos potlicos 331

dos na exploragao que transitem para a sua posse, sem


esquecer que se trata de uma transmissao amig4-
vel que a mera conveni§ncia administrativa aconselha
e na qual o concessiondrio devera softer a menor lesao
possivel.
Quando esteja convencionado que o direito de res-
■cisao so se podera exercer periodicamente, a rescisao
aproxinia-se muito do resgate, nao sendo imposslvel en-
contrar previsto o pagamento de premio de evicgao.

144. Mas 0 mode normal da extingao das concessoes a


prazo e a chegada do termo.
Nem sempre e facil determlnar a data em que fin-
da o prazo da concessao.
O problema nao tern dificuldade quando o ato cons-
titutivo flxa os dias em que principia e acaba o prazo.
Mas muitas vezes esta apenas clausulado que a
concessao e dada pelo prazo de x anos, sem se determl
nar quando comega e quando finda. Como proceder
entao?
Em rigor a concessao opera-se na data do ato juri-
dico que a outorga e pelo qual se iaz a transferlncia
de poderes em que essenclalmente ela consiste. A data
da ultima formalidade requerida para a eficacia desso
ato e que deve determinar o inicio da contagem do prazo.
Pode suceder que entre a data do ato juridico da
concessao e o inicio do exercicio efetivo dos poderes re
latives a exploracao do servigo piiblico haja necessaria-
mente de se interpor um perlodo de tempo. E o que se
passa sempre que o concessionario tern de montar o
estabelecimento do servigo mediante obras piiblicas;
mas neste caso deve partir-se do principio de que no
prazo da concessao se tomou o fato na consideragao de-
vida pelo que o principio da contagem a partir da data
332 DiBEITO ADMINISTRATIVO

do ato juridico persiste vilido, salvo quando o ato da


concessao estabelesa urn prazo dilatorio tendente a per-
mitir ao concessiondrio que se habilite a explorar o ser-
vico.
Mais dificil 6 o caso (alids raro) em que o inicio do
exercicio dos poderes concedidos depende de uma for-
malidade administrativa — como seja a consignaQao de
certos terrenos ou trabalhos, a delimitagao de uma area
territorial... Nesse caso entende-se, no silencio do ato»
que o adiamento da data do inicio da contagem do pra
zo para o dia em que se cumpra essa formalidade esta
implicito no carater condieionante dela: so vcrificada a
condigao expressa na formalidade se torna efetiva a
concessao.

O terrao da concessao implica a extingao das rela-


goes estabelecidas entre o concedente e o concessiona-
rio. O servieo publico reverter^ para a Administragao
que o explorara diretamente, {reversao), se nao preferir
abrir concurso para o adjudicar a novo concessionario
ou ate prorrogar a concessao antiga nos termos que con-
vencional.
O problema mais delicado que o terrao da conces
sao levanta e o da transicao do estabelecimento e do
pessoal afetos ao servigo publico. Ja atr^s tratamos do
destino dos bens que constituem o estabelecimento da
concessao.

Quando o estabelecimento deva passar gratuitamen-


te para a posse do concessionario, a tendencia natural
deste, nos ultimos anos que durar a concessao, serd.
para furtar-se a novas despesas, limitando-se a conser-
vagao estritamente indispensdvel do material existente,
sem substituigoes, renovamento ou ampliagao. Alids, a
proximidade da data em que deixard de cobrar as re-
ceitas da exploragao impedird que realize as operagoes
SERVigos POTLicos 333

de cr^to a longo prazo necessarias k obtengao de ca-


pitais a investir, e desaconselha novos aumentos de ca
pital, Ora, 0 Interesse do concedente e o de nao deixar
decalr o servigo; deve prever-se nos atos constitutivos a
intervengao de representantes do concedente na gestao
administrativa e tecnica da empresa concessionaria nos
ultlmos dez ou ctnco anos do prazo da concessao.
Estes agentes do concedente, se por um lado obri-
gam 0 concession^io a conservar o estabelecimento da
concessao em estado de satisfatoria eficilncia, evitando
que acumule reservas ou distribua lucros em vez de me-
Ihorar o servigo —• por outro lado vao-se familiarizando
com a exploragao do servigo e tomando contato com os
seus aspectos fundamentals de modo a permitir a fu-
tura transicao com o minimo de sobressaltos e de per-
turbagoes para o piiblico,
Assim, a intervengao do concedente na gestao do
servigo publico nos ultimos anos do prazo deve ser pro-
gressivamente mais ampla e visar a ocupagao dos pos-
tos de diregao administrativa e tunica, sem os quais a
Administracao Publica, ao tomar conta do servigo, nao
lograra manter o funcionamento com a regularidade
desejada.
A esta intervengao progressiva tem, naturalmente,
de corresponder a participagao do concedente nas res-
ponsabilidades da gestao e, sobretudo, nos novos inves-
timentos, pois e natural que o concessiondrio nao con-
siga obter capitals numa altma em que se sabe nao Ihe
ser ja possivel, no perlodo de exploragao que Ihe resta,
assegurar a respectiva amortizagao e retribuigao. Tem
entao o concedente de suprir esta deficilncia, ao consi-
derar urgentes modlfioagoes ou ampliagoes do servigo,
tomando a seu cargo os financiamentos ou garantindo
as operagoes que o concessionario contratar.
Capitulo vn

POLICIA ADMINISTRATIVA

145. A PoUcia como modo de atividade administrativa^

146. A repressao dos danos e a prevenqao dos perigos.

147. Necessidade da atividade preventiva na vida social


moderna.

148. Nogdo de PoUcia.

149. Conceito de danos sociais.

150. A PoUcia e a Justiqa penal. PoUcia administrativa


e PoUcia judicidria.

151. Atuaqoes repressivas da atividade policial.


152. Medidas de seguranqa e medidas de policia.

153. Limites do poder de policia.


154. Formas de exercicio do poder de policia. A vigi-
lancia.

155. Os atos de policia. Autorizaqoes e licengas. Ope-


ragoes materiais.

156. Areas de exercicio dos poderes de policia.

145. Vamos agora abordar um capftulo importantissi-


mo do Direito Administrativo: o referente ^ Policia. Tra-
33B DlREITO ADMIifTISTRATlVO

±a-se de um modo de atividade administrativa, como


sao OS servi§os de utilidade pdblica.
Mas repare-se no contraste que formam: os servi-
"gos de utilidade publica atuara fazendo prestacdes que
Iseneficiam os individuos, melhorando a qualidade da
"Vida; enquanto a policia e um sistema de restrigdes que
dimita a liberdade individual.
Sendo um sistema de restrigoes a liberdade, a Poli
cia sera odiosa? a Policia sera inimiga da liberdade?
A Policia nao e inimiga da liberdade: e uma ga-
rantia das liberdades individuals.
Multa gente, infelizmente, em paises onde tradicio-
nalmente falta a educacao civica, confunde liberdade
com licenga ou com arbitrio.
Numa sociedade onde cada um possa fazer tudo
quanto Ihe apeteca sem pensar nos interesses, nas ne-
cessidades, nos direitos dos outros nao ha liberdade.
"Porque os mais fortes, os menos escrupulosos, os mals
poderosos oprimirao os que nao Ihes possam resistlr.
A Ordem Juridica, segundo a concepcao democra-
tica, consiste justamente em proclamar e garantir a
igualdade de todos perante a lei. E, portanto, o forte
como 0 fraco, o rico como o poderoso, o audacioso como o
timido, devem ter as mesmas possibilidades de exer-
cer e garantir seus direitos fundamentals e estes sao,
nao esquecamos, o direito a vida e a integridade pes-
£oal fisica e moral, o direito a intimidade, o direito de
livre locomocao, o direito ao trabalho e a propriedade
•daquilo que se adquiriu legitimamente, o direito ao lar,
c direito a saude...
Nruna sociedade policiada, como se dizia em portu-
gues classico, ha de estar garantida a convivlncia pa-
cifica de todos os cidadaos de tal modo que o exercicio
POLICIA ADMINISTHAITVA 337

dos direitos de cada um nao S€ transforme em abuso


e nao ofenda, nao impega, nao perturbe o exercicio dos
direitos alheios. Segundo a fdrmula consagrada — o di-
xeito de cada um cessa onde comega o do seu vizinho.

146. O desiderato de manter as pessoas dentro das suas


esferas juridicas impedindo que invadam as alheias pode
conseguir-se — falando em termos de Direito e nao
mencionando, portanto, os meios morais e religiosos —
por dois modos: reprimindo a violagao dos direitos in-
dividuais ou evltando que a violagao se produza.
A repressao, nos nossos dias, so pode ter lugar me-
diante a agao judicial. Leva-se o infrator aos tribunais,
para que estes julguem o delito e Ihe apliquem a san-
cao devida. Se se adotasse apenas esse sistema deixar-
-se-ia, pois, aos indivfduos a plena liberdade de agir,
ficando a ciencia de cada um o encargo de conhecer as
leis que regem a sua conduta e a sua consciencia o cum-
primento do dever de a conformar com elas.

E entao caberia aos interessados denunciar a Justiga


OS atos ilicitamente praticados, para que o culpado rece-
besse o castigo merecido e para que o exempio da punlgao
desencorajasse outros de seguirem o mesmo caminho.
Ora, esta via meramente repressiva cedo mostrou a
sua insuficidncia. Em primeiro lugar, o castigo, em ge-
ral, llmita-se a reparar grosseiramente o dano causado
ao indivlduo ou a sociedade, mas nao apaga o sofrimen-
to que a ilegalidade provocou as pessoas nem a pertur-
bacao que trouxe a vlda social.

O caso tipico e o do bomicidio. Desrespeitado o di


reito a vida, morto um ser humane, a repressao sobm
o criminoso pode ser eficacissima, pronta, severa, exem-
244-22
338 DIREITO ADMINISTBATTVO

plar: s6 uma coisa nao consegue, e essa corresponderia


afinal a verdadeira reparagao do mal causado: ressus-
citar 0 morto...
Per isso a sabedoria popular crlou o ditado que diz:
vale mais prevenir que remediar...
Prevenir como? Reguiamentando as atividades pe-
rigosas, evitando as ocasioes de perigo, dificultando o
use dos instrumentos homicidas, vigiando os individuos
de mau cardter...
E ca estamos em pleno dominio da policia adminis-
trativa. Num dominio onde as duas ideias predominan-
tes sao a prevengao e o perigo. Evitar que os perigos se
convertam em danos — eis o campo onde se desenvolve
o modo de agir administrativamente que se chama Po
licia.

147. Claro que hi contestadores da utilidade desse sis-


tema de prevengoes que leva a condiclonar, limitar, ori-
entar o uso da liberdade individual.
Mas as normas que limitam a liberdade de opgao
dos individuos ao encaminha-los para onde haja menos
risco proprio e de perturbagao social, e por forma a cria-
rem para os outros menos perigos, necessariamente sao
cada vez em maior numero.
A abundancia resulta do acesso das masses a vida
urbana e da complexidade crescente das tecnicas usadas
na vida social.
Ja era importante a regulamentacao policial da mo-
vimentagao das pessoas e veiculos nas pequenas povoa-
goes: mas que diremos das grandes cidades? O transito
pelas estradas, outrora, podia trazer algum problema:
mas quern nao ve como o trafego de dezenas, centenas
de rniThar de viaturas automoveis desencadeou perigos
numerosos e graves que so uma legislagao mlnuciosa
pode diminuir?
POLICIA ADMINISTRATIVA 339

O resultado e que a vlda de todos nos esti cada


vez mais enleada numa rede vasta e miuda de regula-
mentos. Per mais que faga, nenhum Estado moderno
foge a ser Estado policial. E tendo que procurar evitar
ao maximo os danos que as atividades perigosas possam
causar, tambem dificilmente deixar^ de ser patema-
lista.

Imagine-se so que o Estado publicava leis e regu-


lamentos em grande quantidade e deixava os pobres in-
dividuos entregues a si prdprios, obrigados a conbecer
as normas todas e a observa-las sob pena de ser entregue
aos trlbunais. Esta claro que seria mais penoso do que
e viver numa sociedade assim. For isso o Estado — em-
pregando a palavra Estado no sentido generico de con-
junto dos orgaos do Poder Politico — tern o dever de
ajudar os cidadaos a cumprir as leis vigentes, informan-
do-os, avisando-os, condicionando condutas, sinalizando
locais, acompanhando vigilante os seus passes, — e tudo
Isto e Policia.

148. De harmonia com as ideias ate aqui expostas pode


definir-se a Policia como o modo de atuar da autoridade
administrativa que consiste em intervir no exercicio das
atividades individuais suscetiveis de fazer perigar inte-
resses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam,
ampliem ou generalizem os danos socials que a lei pro
cure prevenir.
Esta definigao difere da que no Brasil o art. 78 do
Codigo Trlbutario Nacional, com a redacao dada pelo
Ato Complementar n.o 31, apresenta do "Poder de Po
licia".
Mas a diferenca nao e essencial. E nao se pode perder
de vista que o Codigo Tributario nao tern de se preocupar
com uma definicao cientifica da Policia, cumprindo-lhe
apenas exprimir, em termos praticos, o mais acessiveis
340 DlREITO ADMINISTRATIVO

possivel, 0 que deva entender-se por "Poder de Policia"


como fato gerador de taxas.
A policia e um modo de atividade administrativa.
Acentuando este aspecto, queremos excluir do conceito
as decisoes judiciais que decretam providencias caute-
lares, medidas de seguranga e outras, pois que a existir
sentenga Judicial ou agao do juiz regxilada pelas leis pro-
cessuais, sai-se da esfera policial.
Nao nos deve perturbar, quanto a este ponto, o fato
de ser corrente falar-se em leis de policia, pois isso signi-
fica apenas que a policia pode ser objeto de atividade
legislative, como ao falar-se de leis Judici^ias nao se
confunde Justiga com legislagao mas tao-s6 se afirma
que a organizagao dos tribunals e objeto de leis. Quer
dizer: estaremos perante uma lei de policia sempre que
nela se contenham normas que confiram poderes de po
licia ou organizem os meios necessirios ao seu exercicio.
Mas a atividade pela qual o Estado cria as leis de policia
nao e, em si, atividade policial, pois esta tern natureza
administrativa e aquela carrier legislativo.
Quanto a certas atividades policiais parajudiciais
(como a policia Judicidria) o fato de em algumas ordens
juridicas elas aparecerem intimamente ligadas aos tri
bunals nao quer dizer que as duas atividades — a po
licial e a judicial — nao sejam materialmente distintas.
O estudo de ambas faz-se entao em conjunto devido ^
conexao existente entre as duas (a policia judiciaria 6
acessoria da fungao Judicial) tal como sucede com a
magistratura do Ministerio Pilblico que tambem nao
sendo Judicial anda regulada paralelamente com esta.
A policia e atuagao da autoridade, pois pressupoe
o exercicio de um poder condicionante de atividades
alheias, garantido pela coa^do sob a forma caracteristica
da Administragao, isto e, por execugao previa.
PoLfciA admin:strativa 341

uma intervengao no exerdcio de atividades indi"


viduais, pois pressupoe a exist§ncia de normas de con-
duta dos indivlduos e a possibilidade da sua viola^ao por
estes. Alguns autores, iludidos pelo fato de haver uma
policia do dominio publico, admitem que tambem possa
a policia ser modalidade de conservagao das coisas. Mas
o equivoco parece-nos evidente. A Policia nesse caso tra-
duz-se em regras a observar pelas pessoas a fim de pre-
venir a danificajao dos bens coletivos: sao sempre as
pessoas, porem, que estao sob a agao policial, mesmo
quando atuem em grupo ou em assoeiagao.
A policia interv6m nas atividades individuais sus-
cetiveis de faser perigar interesses gerais. So aquilo que
constitua perigo suscetivel de projetar-se na vida publica
interessa a Policia, e nao o que apenas afete interesses
privados ou a intimidade das existencias pessoais. Tudo
o que e particular escapa ao dominio policial, enquanto
nao crie o risco de uma perturbagao da ordem, da segu-
ranga, da moralidade, da saiide pdblicas. Quando se faz
referenda a interesses gerais quer-se tambem significar
que se trata de interesses decorrentes de relagoes gerais
de subordinagao dos individuos, e nao daqueles casos de
subordinagao especial que, visando a existdncia, conser-
vagao ou funcionamento de uma corporagao, de um
organismo ou de um servigo, fazem nascer o poder dis-
ciplinar.
Alias 0 conceito de publicidade ou generalidade de
certo interesse depende da evolugao do Direito em
harmonia com as transformagoes sociais. Materias que
numas epocas sao consideradas de interesse privado
(por exemplo a prestagao de trabalho) passam noutras
a constituir problemas de interesse geral com a projecao
na ordem pdbllca.

149. O objeto proprio da policia e a prevengdo dos pe-


rigos causadores de danos sociais. Mas essa agao acau-
342 DiREITO AtMINISTHATIVO

teladora, essa vigilancia para e'vitar os danos pode exer-


cer-se em varias oportunidades.
Existe perlgo em que se produza o dano, devendo
entao impedir-se as agoes donde possa resultar o fato
danoso. Mas se o fato ocorreu e o dano jd esta produ-
zido, importa atalhar de mode a restringi-lo sem o deixar
ampliar. Per outre lado, se o case do dano consistir na
violagao de uma norma penal, a Impunidade do violador
constituiria a confissao publica da Ineficacia da lei e um
incentivo a novas violagoes: ha que intervlr para inves-
tigar OS termos em que se verificou a infragao e descobrir
0 infrator, de mode a habilitar o Ministerio Piiblico a
perseguir o responsavel perante os tribunals. Este e o
objeto do ramo da policia ehamado poUcia judicidria e
que nao e, de modo nenhum, uma atividade repressiva:
a repressao dos crimes compete aos tribunais, incum-
bindo a policia apenas uma funcao de prevengao da cri-
mtnalidade, argiiindo os suspeitos e perseguindo os ele-
mentos perigosos de modo a que nao fiquem impunes os
delitos e nao se generalize pela impunidade o desres-
peito da lei.
E 0 que deve entender-se por "danos socials"?
Sao danos sociais os prejuizos causados a vida em
sociedade ou que ponham em causa a convivencia de
todos OS membros dela.
Resulta dai que nao tem o carater de dano social
a ofensa a interesses meramente individuais ou de gru-
pos restritos, na medida em que nao atente contra prin-
cipios basicos da organlzagao da sociedade tais como o
direito a vida e a integridade pessoal e o direito de pro-
priedade.
O individuo pode comportar-se como entender se
nao prejudicar ou nao puser em perigo, na sua convi-
vlncia, os interesses da coletividade de que faz parte.
Mas essa liberdade ja nao pode subsistir, ao menos sem
POLfCM. ADMINISTRATIVA 343

restrigoes, se o desenvolvimento de certo comportamen-


to for a propria negagao do convivio social (tal a liber-
dade de matar) ou comprometer o ambiente necessario
a seguranga e incolumidade dos membros da coletivida-
de (pela imprudencia da conduta, por exemplo).
Portantc, se o comportamento dos individuos nao
tem repercussao direta na vida da coletividade, se as
relagoes entre eles decorrem, bem ou real, de modo a
nao afetarem'o decurso normal da vida coletiva, nao se
produz dano social. Mas o dano social existe, ou cria-se
0 risco dele, uma vez que tals repercussoes se verifi-
quem. Por isso, os autores e as leis nesta materia insis-
tem tanto no adjetivo ■publico, por oposigao a privado,
particular ou intimo, falando em ordem publica, tran-
qiiilidade publica, saude pilblica, abastecimento publi
co. . . S6 na medida em que os interesses a defender sao
•coletivos e que os danos a prevenir sao socials.
Enfim, os danos soeiais a prevenir devem constar da
lei. Este e o elemento juridico fundamental do institute
da policia. A multiplicidade proteiforme das atividades
individuais perigosas nao permite que as leis prevejam
todas as oportunidades em que as autoridades policials
hajam de atuar e os modos pelos quais devam fazg-lo.
Nasce dai o cardter normalmente disericionario dos pa-
deres de policia. Mas num regime d© legalidade tais
poderes tSm de ser juridicos. Este caratef e-lhes garan-
tido por dols tragos; fazerem part© de uma competSncia
conferida por lei e visarem a reaUzagao de fins legal-
mente fisados,
Assim 0 Codtgo Tributario Nacional enumera como
fins a atingir pelo exercicio do Poder de policia: a segu-
ranga, a higiene, a ordem, os costumes, a disclplina da
produgao e do mercado, o exercicio de atividades eco-
nomicas dependentes de concessao ou autorizagao do
Poder Publico, a tranqxiilidade publica, o respeito a pro-
priedade e aos direitos individuais.
344 Dikeito administrativo

E em. cada caso tern de se ver nas leis respectivas


quais os orgaos competentes para o exercicio do poder
de poUcia.

150. E classica a distingao entre a poUcia administra-


tiva propriamente dita e a poUcia judicidria.
A Policia Judiciaria, em muitos paises (como suce-
dia em Portugal), depende do Ministerio Piiblico, inves-
tiga OS crimes pratlcados para descobrir os respectivos
agentes, procede a Instrugao preparatoria dos respecti
vos processos e organiza a prevengao da criminalidade
em geral e especialmente da habitual.
Embora ligada aos tribunals atraves do Ministerio
Publico, trata-se de uma policia, porque a descofaerta dos
criminosos e a sua punigao tSm um efeito de prevenQao
geral sobre a criminalidade. Esta desenvolver-se-ia sem
limites se os crimes ficassem impunes.
Quanto a Policia Administrativa, e costume desdo-
bra-la em geral e especial. Seria policia geral a que se
destina a garantir genericamente a seguranga publica
e a defesa dos bons costumes. As policias especiais tem
por objeto a prevengao em determinados setores da vida
social, 0 que origina a policia sanitaria, a policia eco-
nomica, a policia dos transportes e da viagao, a policia
do trabalho...
Ja vimos como as duas ativldades — Policia e Jus-
tiga — andam intimamente associadas, referimo-nos
sobretudo a Justiga criminal, classico entre os crimi-
nalistas, que dlscutem as finalidades a visar pela apli-
cagao das sancoes penais, assinalar a estas uma.fungao
preventiva. A pena criminal nao seria apenas o castigo
aplicado a uma falta cometida — punitur quia peccatum
est — mas desempenharia tambem uma importante
missao de defesa social ao desencorajar a prdtlca do de-
lito — ne peccetur.
POLICIA ADMINISTRAITVA 345

Na aplicagao da pena criminal havera, pois, sempre


um fim preventive, nao so gerai, pelo exemplo dado a
todos, como ate individual, mostrando ao delinqiiente
que um ato errado Ihe acarreta sofrimento. No duelo
que no princlpio do seculo se travou no campo da Ci-
tocia Penal entre a escola classica e a escola positiva,
aquela punha o acento tdnico na repressao do crime
considerado como expiagao da culpa, enquanto esta se
preocupava com a defesa social contra a delinqiiencia
atraves da atuacao sobre as causas sociologicas ou bio-
logicas determinantes- da conduta criminosa.
E nos anos trinta a escola positiva, sobretudo apos
a publicagao do Codigo Penal Italiano, teve o seu me
mento de predominio nas legislagoes, com suas preocupa-
goes de indivldualizagao da pena e a generalizagao das
medidas de seguranga.
Estas medidas de seguranga eram apiicadas pelos
tribunais, em processo jurisdicional, mas independente-
mente da pratica de um fato ilicito a punir. A medida
visa a neutralizar o indivlduo perigoso, assim reconhe-
cido devido a sua personalidade —■ louco, psicopata, com
tendencia para delinqtiir — ou ao meio social onde vive
ou ao modo de conduta adotada — vadios, mendigos,
vagabundos, prostitutas. . . Mesmo quando aplicada a
um condenado por crime praticado, distinguia-se a pri-
sao cumprida como pena a sofrer pelo debto, da medida
de seguranga que a prolongava eventualmente e que
dependia do comportamento na prisao ou de outras raa-
nifestagoes de perigosidade.
Aqul estamos, pois, num campo em que a Justiga
Penal se acha no dominio do perigo e da prevengao dos
danos que vimos constituirem as ideias fundamentals do
conceito da Felicia.
Mas por outro lado a Felicia parece invadir o campo
da Justiga em alguns pontos. For exemplo: os regula-
346 DIREITO ADMINISTRAin'O

.mentos policiais consideram transgressao ou contraven-


gao a violagao dos preceitos preventivos e cominam penas
para esses ilicitos. Em muitos paises sao as proprias
autoridades policiais que verificam a existgncia das
transgressoes e logo aplicam as penas cabiveis, ficando
•embora acs transgressores o recurso aos tribunals. As
penas tomam entao carater administrative, sac penas
administrativas tal como sucede com as penas discipli-
mares.

E as autoridades policiais tambem tem poderes para


aplicar providencias limitativas da liberdade das pessoas
ou restritivas do seu direito de propriedade independen-
temente da verificagao de um fate ilicito e apenas para
evltar a producao de danos socials: sac as medidas de
policia.

151. Se a essencia da atividade policial e preventiva,


como se explica que ela compreenda atuagoes repres-
sivas?
E que a repressao nesse caso e um meio tornado
indlspensavel para a eficacia da prevengao. As autori
dades policiais nao poderiam evitar os danos sociais que
e seu dever afastar se nao pudessem reprimir os atos
preparatories da perturbagao, castigar a desobedigncia
as suas ordens e proibigoes, e punir o desacato as normas
dos seus regulamentos.
Alem da agao direta contra os perturbadores da
ordem, as autoridades policiais podem, alnda que s6 em
l.a instancia, punir fatos ilicitos cometidos em contra-
vengao dos regulamentos e nos termos em que a lei per-
mitir.
O julgamento desses fatos ilicitos i relativamente
facil, por estar excluida a indagagao do dolo ou intengao
criminosa da culpabilidade do transgressor.
A transgressao policial g um delito formal em que
•SO conta a existgncia material do fato e a culpa sob qual-
POLfCIA ADMINISTRATIVA 347

^uer das suas formas: negliglncia, inconsidera§ao, le-


vlandade, impericia, falta da destreza exiglvel, desprezo
dos regulamentos...
Quando os regulamentos buscam disciplinar o tra-
lego nas estradas e impoem o transito do veiculo pela
faixa da direita, a clrculagao pela esquerda e uma trans-
gressao punivel sem que interesse saber se houve ou nao
intengao malefica e se do fato resultou ou nao dano
efetivo: o desprezo dos regulamentos ou a impericia de
conducao criaram o perigo, e basta isso para o fato ser
puruvel.
Assim, enquanto na pena criminal aplicada pelos
tribunals o efeito preventivo 6 simples conseqtiencia do
fim repressive, na pena de policia o efeito repressive e
mero corolario da agao preventiva.

152. Quanto as medidas de seguranga e as medidas de


policia, ha quern as distinga unicamente pela forma da
sua aplicacao: mediante processo judicial, quanto ^ pri-
meiras, em processo administrativo quanto is segundas.
As medidas de seguranga estao presentemente a
atravessar runa fase de desfavor na doutrina e nas legis-
iac5es. Nao tanto pelo seu valor em si, como pelo abuso
a que se possa prestar a sua aplicagao. Teme-se que neste
mundo de odios e de paix5es em que se vive seja facil
inventar uma perigosidade em alguera para o segregar
da vida social. A pratica na U.R.S.S. de confinar dis-
sidentes politicos em manicomios em nome da defesa
social contra individuos perigosos nao 6, realmente, abo-
natoria do sistema.
Mas OS inconvenientes do abuso nao podem conde-
nar totalmente o uso. Porque ha loucos que o sao efeti-
vamente, com tendencias criminosas, inimputiveis, mas
que se torna impossivel deixar a solta. Como hi delin-
'qiientes habituais com um longo curriculo de violencias
348 DiRKtTO ADMINISTRATIVO

e que a estadia na Penitenciaria nao educou ou corrigiir.


e que so per insinia se pode consentir que continuem a.
sua carreira em. liberdade.
Que se regulamente melhor a sua aplicagao, que se
restrinja a sua incidencia, que se diem todas as garan-
tias de defesa aos paeientes, esta bem, mas nao parece-
acertado suprimir as medidas de seguranga.
Tambem pelo que conceme medidas de policia.
elas sac indispensavels. Se as autoridades, per exemplo,.
perseguem o trdfico e o consume de entorpecentes e dro-
gas afins, tim de ter poderes para encerrar os estabe-
lecimentos onde se reunem habitualmente os viciados,
apreender as substancias toxicas, tomar conta dos lo
cals onde elas sao preparadas e armazenadas..., mesmo
que nao surpreenda o flagrante delito. Tern de poder co-
locar sob liberdade vigiada os suspeitos do trafico, limi-
tando-Ihes a axea de desloeagao e de expulsar os estran-
geiros que considerem envolvidos no negocio...
Para a distingao entre os processes de aplicagao das
medidas de seguranga e das medidas de policia, tem-se
procurado encontrar um fundamento teorico. Assim, as
medidas de seguranga so seriam aplicaveis pelos tribu
nals porque pressupoem a perigosidade do paciente ja
revelada por Infragoes criminals: o que a medida apli-
cada visa e impedir a prossecugao de uma carreira cri-
minosa, revelada pela tendencia da personalidade ou
atraves da babitualidade. Ao passo que as medidas de
policia seriam impostas independentemente da pratica
de infragao criminal, unicamente pelo perigo que a con-
duta do individuo — vicicsa, turbulenta, subversiva,
anti-social — constitua para a manutengao da ordem
piiblica ou a preservagao de algum dos interesses cuja
violagao a agao policial procura prevenir.
Alguns autores propoem um outro criterio de dife-
xenciagao. As medidas de seguranga seriam aplicaveis.
POLfCIA A2MINISTRATIVA 349

tendo em conta a -perigosidade do individuo. O Tribunal


jiara as aplicar devera verificar se, em razao da consti-
tuigao psiquica ou da conduta anterior, o individuo ofe-
jece ou nao o perigo de praticar fatos que causem danos
prevenidos pela lei penal.
Ac passo que as medidas de policia visariam a eli-
minar aqueles fatores externos ao individuo que permi-
tam ou facilitem a delinqiiencia. As medidas de policia
portanto deveriam privar os que tendem a ser delin-
•qiientes dos meios de agir, dos ambientes prdprios a
gestao do crime, das facilidades de preparagao e consu-
ma§ao da conduta criminosa. Mas nao § este o crit6rio
.seguido, por exemplo, na legislagao brasileira.

153. Determinado o conteudo positive da atividade de


policia, facil sera deduzir dele os limites naturalmente
impostos ao seu livre desenvolvimento.
O primeiro coroldrio a tirar do principio de que a
Policia so diz respeito aos danos sociais de cariter pii-
blico, § o de que nao deve intervir no &mbito da vida pri-
Tada dos indlviduos.
Este principio desdobra-se em duas regras;
1.^ A Policia nao pode ocupar-se de interesses par-
ticulares.

2.^ A Policia tem de respeitar a vida intima e o do-


micilio dos cidadaos.
A primeira destas regras distingue a missao da po
licia da esfera prdpria da fungao judicial. Os poderes
de policia nao devem ser utilizados para tutelar direitos
prlvados que hajam de ser garantidbs mediante a agao
judicial nos tribunals competentes. As autoridades po-
liciais nao podem ajuizar da existbncia e vigencia de
•direitos e obrigagoes civis ou comerciais nem apreciar os
lespectivos titulos. Nao estd no Smbito das suas atri-
350 DIEEITO ADMINISTRATIVO

buigoes, por exemplo, ordenar a execugao de um con-


trato on fazer pagar nma divida.
A segunda regra mostra que a agao da policia de-
vera desenvolver-se nos lugares pdblicos ou onde decor-
ram atividades sociais ilicitas. Hd uma esfera de liber-
dade que as autoridades tern de respeitar; pertence a
esse ambito de agao livre a vida intima bem como a
conduta piiblica de acordo com a lei e no exercicio dos
direltos consignados nas Constituigoes Politicas.
Do respeito da vida intima decorre a inviolabilidade
do domicilio que, sendo um direito individual oponivel
a todos, tambem tern de ser respeitado pelas autorida
des. Em geral, nao e permitida a entrada das autori
dades em casa habitada ou suas dependencies fechadas,.
antes do nascer e depois do por do sol, sem consenti-
mento dos moradores, salvo: a) tratando-se de casas e:
lugares sujeitos, por lei, a fiscalizagao policial; b) em.
caso de crime ou desastre ou de apelo de habitante de
dentro da habitagao. Durante o dia a entrada so deve
ser permitida as autoridades judicials, a seu mandado
ou com ordem de captura, exceto para prisao de reus
em flagrante de crimes graves.
O segundo corolario a tirar dos fins da atividade
policial e 0 de que a policia deve atuar sobre o pertur-
bador da ordem e nao sobre aquele que legitimamente
use o seu direito. "i, a aplicagao a ordem administrativa
da regra qui suo jure utitur, neminem laedit. Por isso sao
abusivas as ordens da policia que suspendam ou dissol-
vam a reuniao legal dentro de um edificio para por
termo a manifestagoes hostis na via publica; ou que:
ordenem ao comerciante que tire da montra objetos ou:
amincios cuja admiragao provoque na rua aglomeragoes;
prejudiciais ao transito. Muitos outros exemplos se po-
deriam citar, como o da proibigao da representagao de
uma pega teatral com frmdamento em manifestagoes
POLfCIA ABMINISTRATIVA 351-

hostis do pdblico sem outra razao que leve a poHeia a.


tal atitude.
Quando, porem, se verifiquem circunstSneias espe-
eiais e os esfcrgos da policia sobre os perturbadores ss
revelem improficuos 6 Iicito entao as autoridades soli-
citar de todos os cidadaos o sea concurso e pedir-lhes o
sacrlficio das proprias atividades licitas. A cooperacaO'
dos particulares com a poHeia e, de resto, uma obrigacao
geral, que em certos casos especiais a lei impoe mals
ativamente e sob sangac, como no caso dos donos de
hotels, hospedarias e casas de hospedes obrlgados a co-
municar a entrada de clientes, dos medicos que devem.
partlclpar os casos de molestla Infecclosa ou epldemlca
em que intervenham, etc.
Tercelro corol^rio e o de que os poderes de policia.
nao devem ser exercidos de modo a impor restrlgoes e
a usar de coagao alem do estrltamente necessarlo. A
acao da policia deve medlr a sua Intensldade e extensao
pela gravldade dos atos que ponham em risco a ordem.
soclal. Assim os poderes de policia hao de dispor de for-
mas de exerclclo dlversas e graduadas numa escala de
rigor desde as mais benevolas is mais drasticas. O'
emprego imediato de melos extremes contra ameacas.
hlpot6tlcas ou mal desenhadas constitui abuso de auto-
rldade. Tem de existir proporcionalidade entre os males,
a evltar e os melos a empregar para a sua prevengao.

154. Os poderes de policia sao exercidos, nos termos:


das leis e dos regulamentos adminlstratlvos, sobretudo
medlante a vigilancia e o que poderemos chamar atos-
de ■policia.
A prevengao dos danos medlante a redugao das ati
vidades e dreas de perigo exlge uma constante atengao
dada ao que se passa em publico, que denominaremos-
vigil&ncia.
352 DIREITO ADMIKISTRATIVO

A vigilancia pode ser geral ou especial. A uigildncia


geral traduz-se na observagao constants da conduta dos
individuos nos lugares pdbllcos e de todas as atividades
que nestes decorrem. A vigildncia especial e a que segue
o desenrolar de certa forma de ativldade (jogo, indiistria
■de penhores, agendas de informagoes e colocagoes. . .),
o mode de existencia de certa classe de individuos (men-
digos, vadios, ciganos, prostitutas. . .) ou o que se passa
em certos locals (tabemas, bares, hotels, boates, dan
cings . ..) podendo ainda exercer-se especialmente sobre
certos individuos.
A vigil&ncia especial pode criar uma subordinagao
especial a policia que origtne relagoes disciplinares entre
OS vigiados e as autoridades policiais. Por vezes, para se
possibilitar a vigil^jicia, as pessoas a ela sujeitos terao
de ser inscritas num registo, ou de se munir de um do-
•cumento, como sucede com o passaporte exigido a quern
se desloca de pais para pals. Outrora, a propria cir-
culagao intema, no territorio nacional, dependia de pas
saporte, salvo-conduto ou passe o que ainda se pratica
■em certos paises socialistas.
A vigilancia tem dois objetivos; impedir, pelo prd-
prio conhecimento da presenca dos agentes policiais, a
produgao dos danos, e a organizagao de uma informa-
gao completa que permita atuar prontamente no caso
de se verificar perturbacao que o justifique.

155. Quanto aos atos de policia compreendem nao so


atos administTativos como operaqoes dos agentes que,
em execugao das leis e regulamentos, muitas vezes exer-
cendo poderes discricionarios, Impoem aos individuos nos
lugares publicos certos comportamentos e reprimem a
desobediencia aos comandos dados.
Atos admmistTativos sao, alem das medidas de poli
cia atras referidas, as autorizaqoes e as licengas. Estes
•dois termos sao freqiientemente confundidos no seu sig-
POLfCIA ADMDflSTRATIVA 353

nificado mesmo na terminologia juriciica. Mas em rigor


ha que distingui-los. Autorizar e permitir o exercicio de
iim direito ou atividade que em principio e livre, mas
que esta condicionado a nao causar prejuizo a ordem,
a moralidade, a saiide publica. LiceTiciar e libertar uma
atividade que, sendo em. geral vedada, so com permlssao
pode ser exercida.
£ precise nao confundir a licenga policial com a
licenya fiscal.
Esta constitui um processo de cobran^a do imposto
ou de uma taxa. A licenga policial, mesmo quando mo-
tiva 0 pagamento de emolumentos ou taxas, resulta da
verilicacao, pelas autoridades competentes, de que certa
atividade proibida ou condicionada pode ser exercida em
tal caso concrete e por tal pessoa, sem inconveniente ou
risco para os interesses que se pretende acautelar. Deste
modo, a licenga policial so 6 concedida quando se veri-
fique nao provirem dela inconvenientes para a ordem
pdblica; a licen^a fiscal e dada a todos os que satisfa-
r.aTn o imposto e fica sendo, por natureza, irrevogavel
durante o periodo a que o mesmo imposto respeite.
A concessao de licengas policiais pode ser faculta-
tiva ou obrigatdria. £ facultativa se a lei confere a auto-
lidade um poder discriciondrio para apreciar caso por
caso e conceder a licenja ou nao, como em seu criterio
entender que melhor e preenchido o fim legal. £ obriga-
toria se a autoridade esta vinculada por lei e tem de
passar a licenga a todo aquele que a requeira e mostre
reunir as condigoes exigidas na mesma lei.
O efeito mais importante da concessao de licenga
consiste em colocar aquele que dela beneficia ou o local
licenciado sob a vigiiancia especial da policia.
As licengas especiais podem ser pessoais ou impes-
soais. Sao pessoais quando, para a sua concessao, se aten-
de as qualidades ou requisites indivlduais do beneficia-

241•23
354 DntEiTo administbativo

rio. Sao impessoais quando as circunstancias a atender


sao independentes das qaalidades e eomportamento de
uma pessoa determinada como sejam as condigoes da
instalagao de uma indilstria, as da situagao de um pre-
dio, etc. As licengas pessoais caducam quando algum dos
requisites exigidos para a sua coneessao deixe de existir
ou por morte do titular, sua interdigao ou perda de
direitos politicos; as licengas impessoais vigoram inde-
pendentemente da pessoa que possui ou explora o objeto
a que respeitam, sao de carater patrimonial, transmls-
siveis mediante autorizagao e averbamento administra-
tivo, isto e, como que se tomam acessorias das coisas a
que respeitam.
As licengas podem ainda ser simples ou condicio-
nadas: neste caso implicam o cumprimento de certas
obrigacoes, ou a prestagao de xima caugao; no primei-
ro, nao.
Podem ainda as licengas ser permanentes ou tempo-
rdrias. As licengas permanentes sao concedidas sem liml-
tagao de tempo, as temporarias por prazo fixo. Em regra
sao revogaveis a todo o tempo pela autoridade que as
eoncedeu desde que se veriflque perturbagao causada
pela atividade permitida.
A ileenga polieial pressupoe portanto a existencia de
uma nonna que proibe o exercicio de uma atividade nao
em absolute, mas relativamente, isto e, a quern nao
reiina eertos requisites ou satisfaga a certas condigoes
que permitam evitar ou diminuir o seu perigo.^

1 (A terminologia que adotamos nao coincide exatamente


com a consagrada na leglslacao brasileira. Nesta surge tamb4m
a llgura da permissao que em relacao a bens ou a atividades
desempenha o papel que noutros paises cabe as licengas, ef.
Hely Lopes Meireles, Direito Administrativo Brasileiro, 4.® ed.,
pag. 157 e segs.).
POLfCIA ADMINISTRATIVA 355

Ha tambem atos de poUcia (e sao a maioria) sem


carater de ato juridico, e portanto que nao podem ser
considerados atos administrativos: a esses chamamos
operaqoes de policia. Sao as intervengoes dos agentes po-
liciais exigidas pelas circunstSxicias de momento, sob a
forma de ordens e de proibigoes, como sucede no encer-
ramento temporario do trSnsito numa rua, com a sns-
pensao de uma reimiao ilegal on de um espetaculo, com
a dissolugao de um ajuntamento, a detengao por certo
periodo de individuos perigosos ou desobedientes, etc.
156. Notamos atras que geralmente se distingue a po
licia administrativa geral das poUcias administrativas
esjxeiais.
Quanto a policia geral pode dlzer-se que tern as mes-
mas finalidades por toda a parte: a manutengao da
ordem publica, a garantia da seguranga individual, a
prevengao da criminalldade e a defesa dos chamados
"bons costumes".
As policias especiais e que variam de Pais para Pals.
Nuns, mais rigorosos, sao em maior niimero as ativida-
des consideradas perigosas e mais assiduas a vigilancia
e a intervengao policlais. Noutros, mais liberais, restrin-
gem-se as dreas de intervengao ou e frouxa a atividade
da policia.
Na maior parte dos paises existem limitagoes a aqui-
sicao, detengao, uso e porte de armas de defesa ou de
caga, bem como de substancias explosives. Mas ha al-
guns, em geral vastos e de formagao recente, onde e
livre a posse das armas ou a aquisigao destas esta su-
jeita a um brando controle.
Tambem e quase geral a submissao da atividade da
conducao de veiculos automoveis a licenciamento condi-
cionado pela previa aprovagao em provas de habilitacao.
Nalguns, porem, essa atividade e livre, responsabUizan-
do-se OS individuos pelos danos que causarem.
356 DIREITO ADMINISTRATIVO

A entrada de estrangeiros num Pais e a sua perma-


neneia nele e objeto de medidas de controle e vigilajicia
em. quase todo o mimdo. Mas nos acordos que institui-
ram a Comunidade Economica Europ6ia, por exemplo,
consagrou-se a livre circulagao das pessoas entre os pai-
ses que a constituiam, reduzindo ao minirao as forma-
lidades de controle.
Em geral existem normas determinando a submis-
sao a vigiiancia especial de certas categorias de indivi-
duos — vadios, mendigos, vagabundos, etc. — ou de
detenninados locais considerados propicios a reuniao de
elementos perigosos ■— cafes, tabemas, prostibulos, ta-
volagens, casas de hospedes. . .
As aglomeragSes em lugares publicos ou franqueados
ao pdblico, tais como casas de espetaculo, estao sujeltas
a vigilancia. Embora o dlreito de reuniao seja constitu-
cionalmente garantido, pode a lei regulamentd-lo no sen-
tido de impedir que dele se abuse ou que seja tumul-
tuado.
Importantissima em todos os paises e a policia sani
taria, destinada a preservar a saiide pdblica, e que abran-
ge varias modalidades desde o exerclcio das profissoes
que Ibe estao ligadas, compreendendo os locais onde se
preste assistencia medica e farmaceutica, a fiscalizagao
de medicamentos, a vigil&ncia da sanidade dos alimen-
tos fornecidos ao pdblico, a preveneao das epidemias ou
da sua extensao, a vacina obrigatoria.. . ate aos cemi-
terios.
Neste dominio tem cada vez mais relevo a policia
dos locais e processes de trabalho, para defender os tra-
balbadores das atividades insalubres, obrigando os em-
presarios a adogao de condigoes higienicas de instalagao
dos estabelecimentos e de precaugoes que preservem a
saude dos seus empregados e operdrios, especialmente
quando se trate de mulheres e de menores.
POLICIA ADMINISTRATIVA 357

A prevengao da poluicao, sob as suas vaxias moda-


lidades, e boje uma importante ^ea de atividade poli-
cial que se relaciona com a policia das industrias e das
dguas publicas.
Hd uma poHcia da pesca e da caga, em geral inte-
grada na polfcia rural k qual conv6m associar a poHcia
florestal e de aguas interiores.
Uma regulamentacao cautelosa previne os perigos
da exploragao de minas e pedreiras.
£i igualmente regulamentada a instalacao e o uso
de instalagoes eletricas, de elevadores, etc.
Certas atividades comerciais estao sujeitas a vigi-
lancia policial.
Nos centres urbanos existe uma policia de edifica-
§6es tendente a garantir sua boa localizagao, seguranga,
salubridade e estetica.
Assume extraordinario valor na vida moderna a po
licia da viagao rodoviaria, ferrovi^ria, a6rea e fluvial.
E nao fleam esgotados os dominios onde pode ser
exercida, de uma maneira ou de outra, em piano de
agentes executivos ou no da chamada altapoUcia, a
atividade policial cada vez mais invasora, por metodos
ostensivos ou sutis, dos meandros da vida social.
TITULO in

OS MEIOS

CAPfruLO vm

AGENTES

§ 1.°

AGENTES DA ADMINISTRAgAO E AGENTES


ADMINISTRATIVOS

157. PosiqSx) do ■pro'blema.


158. A fungdo publica no siculo XIX.
159. A conquista do "estatuto dos funciondrios".
160. Decadincda do ■prestigio da fungao publica.
161. A doutrina da 1.°- metade do sdculo XX sobre a
situaqdo dos fuTiciondrios.
162. Crise da nogao de servigo pdblico.
163. Coexistencia nos servigos de agentes submetidos ao
regime de Direito Pdblico e ao do Direito Privado.
164. O regime de Direito Pdblico jd nao pode earacte-
rizar-se pelo cardter estatutdrio.. .
165. ... nem pelo modo de investidura.
360 DniEiTO ahmtnisteativo

166. Caracteristica do regime de Direito Publico: o de-


ver de fidelidade ao Pats. Deveres em que se des-
dobra.

167. Dever de obediencia dos agentes administrativos.

168. Conceito de agente administrativo.

157. Ja dissemos que a Administraqao Publica, orga-


nizada em pessoos juridicas com os respectivos servigos,
desenvoive uma atividade que reveste varias formas e
adota diversos modes, mediante o emprego de individuos
e a produgao e utilizagao de bens, sem falar nos indls-
pensaveis recursos financeiros.

As pessoas juridicas tem os seus orgaos aos quais,


por definigao, compete manifestar a vontade funcional
que Ihes seja imputavel.
Mas a formagao dessa vontade esta, na m-aioria dos
cases, dependente de imEormacoes, esclarecimentos, es-
tudos, pareceres e do exame de peticoes e dos interesses
em causa, trabalho confiado a individuos com maior
ou menor formagao tecnica, que assim preparam a de-
cisao dos orgaos. E as decisoes por estes tomadas terao,
depois, de ser executadas, per meio de operagoes buro-
craticas ou de realizagao material. Os servigos compre-
endem, pois, uma legiao de auxiliares dos orgaos, que
com estes colaboram agindo como burocratas, como tec-
nicos, como operarios, como membros das forgas pii-
blicas...

Assim como, de entre os orgaos das pessoas juri


dicas, destacamos o grupo dos orgaos da Administragdo
PUblica, tambem deveremos individualizar, dentre todos
quantos cooperam nos servigos dessas pessoas, os indi-
Agentes 361

viduos que atuam sob a diregao dos 6rgaos da Adminls-


tragao Piiblica para participarem em tarefas propriaa
desta e que chamaremos agentes da AdminUtraqao.
Todo aquele que eserga uma atividade iraplicando
prestagao pessoal de services a Administragao Piiblica
sob a diregao dos respectivos orgaos, serd um agente da
Administragdo.
Mas em capitulos anteriores definimos a ovientagao
de nao empregar a qualificagao de administrativo para
tudo quanto toque a Administragao. Nem todos os atos
da Administragao sao atos administrativos; nem todos-
os contratos da Administragao sao contratos adTimds-
trativos... Da Administragao e tudo quanto, sob qual-
quer regime juridico, provem dos seus orgaos e constitui
sua atividade. Administrativo deve chamar-se, apenas,
o que for regido pelo Direito Administrativo.
Dentro desta orientagao conv6m verificar se todos
OS agentes da Administragao poderao ser designados per
agentes administrativos. ^

158. A individualizagao dos agentes da Administragaa


fez-se com o advento do Estado liberal e com a intro-
dugao do conceito da separagao dos poderes nos regimes-
constitucionais.
Nas velhas Monarquias europeias nao havia distin-
gao nitida entre os orgaos da Administragao e os da
Justiga, todos eles recebendo a sua autoridade do Sobe-
rano, o Rei, que em si concentrava a plenitude do Poder.
A adogao das ConstituigSes liberals implicou a dis-
tingao entre os 6rgaos judiciarios e os drgaos adminis
trativos e a definigao das garantias da independSncia.
dos juizes. Os 6rgaos administrativos ficaram muito li-

1 Escusado ser4 acentuar que estamos tratando o assunto-


em termos de teoria geial e, portanto, esta expressao nada tern
de camum com a identica adotada na legislagao brasileira.
362 DXEETrO ADMINISTaATIVO

gados a Politica, e os seus agentes eram recrutados entre


OS individuos com servicos prestados ao partido que
ocupava o govemo e que usava as fungoes publicas como
moeda de aquisicao de apaniguados ou de pagamento de
favores.

Dai tambem resultava certa preeariedade da situa-


gao dos funcion^os, porque uma modificagao de go
vemo podia pdr em causa a sua permanencia nos cargos.
Esta llgagao da fungao publica k Politica atingiu o seu
maximo nos Estados Unidos no seculo XIX onde a vit6-
ria de um partido implicava a expulsao dos adversdrios
dos lugares publicos para que houvessem sido nomeados
pelo partido vencido, a fim de os vencedores poderem
dispor desses lugares em beneffcio dos seus amigos: era
0 spoil system — as funcoes publicas constituiam os
despojos da batalha eleitoral que, por direito, perten-
ciam i facgao vitoriosa.
Se nos Estados Unidos tudo se orientava no sentido
da fungao pdblica ser um emprego como qualquer ou-
tro, um 306 que, numa sociedade extremamente flulda,
com numerosas oportunidades de iniciativa e de ocupa-
gao a favorecer a freqiiente mudanga de atividades dos
cidadaos, nao constituia profissao nem implicava car-
reira, na Europa a mentalidade era diferente.
Nas monarquias absolutas, erabora em principio
tudo dependesse da vontade regia, havia uma tradigao
de devogao k fungao publica e de estabilidade dos servi-
dores nos cargos. Essa estabilidade era favorecida, em
certas fungoes, sobretudo de cobranga de r^ditos da Co-
roa, pela patrimoniaiidade dos oficios: os cargos eram
vendidos pelo Erario ou doados pela Coroa e integra-
vam-se no patrimonio do comprador ou do donatario, por
vezes com direito de transmissao por heranga. Ha exem-
plos de doagao de cargos publicos a meninas, a titulo
Age^ttes 363

de dote que elas levariam para o casamento a fim dos


lugares serem exercidos pelos maridos.
As fungoes piiblicas eram pilvilegio da nobreza ou
de familias da burguesia. O servico do Rei prestigiava
quern o prestava.
E toda esta tradiQao pesava nos novos regimes iibe-
rais, onde os influentes eleitorais e as suas clientelas
tomaram o lugar dessa pequena nobreza ou baixa
burguesia que devotadamente servia as funcoes piiblicas.
Dai a aspiragao de estabilldade daqueles que exer-
ciam as fungoes pilblicas e a tendencia para a profis-
sionalizagao dos funciondrios.
Efetivamente, i medida que se multiplicavam os
sendgos piiblicos, a experigncia nao tardou a demonstrar
aos politicos que a mdquina do Estado tinha de funcio-
nar com regularidade e continuldade atraves das vicis
situdes das vitdrias partidarias e das mudangas gover-
namentais.
As orientaqoes politicas podiam mudar; haveria
cargos em intima ligagao com o govemo que tinham
de ser confiados a individuos da confianca deste. Mas
a rotina da Administragao nao deveria ser perturbada,
assim como a vida quotidiana seguia o seu ritmo fosse
qual fosse o partido no Poder. Dai que se tomasse ne-
cessario respeitar a permanencia do pessoal administra
tive, profissionalizado o mais possivel e ao qual se deve
ria exigir neutralidade politica; ele nao serviria partidos,
mas a entidade abstrata do Estado.
Deste modo o interesse dos govemantes se ia ajus-
tando pretensoes dos agentes da AdministraQao: estes
reclamavam que, ao menos aos profissionais, fossem ga-
rantidos os lugares com definiqao precise dos seus di-
reitos e dos deveres que Ihes seriam impostos. A tais
agentes deveria corresponder uma establlidade, um esta
do definido numa lei que seria o respective Estatuto.
364 DIHEITO ADMINISTRATIVO

159. O problema que entao se levantou, nas discussSes


politicas como nas dissertacoes teoricas, foi o de deter-
minar quais dos agentes da Administragao deveriam
beneficiar desse estatuto. Porque ja entan a Administra-
gao tinha agentes em diversas situagoes e cumprindo
diferentes tarefas, e so alguns mereceriam ser conside-
rados funciondrios.
Essa querela ainda hoje prossegue muito embora a
tendencia modema seja para diminuir a importancia da
denominagao de funcionlrio. Convem, porem, conhecer
as concepgoes que nela se defrontaram.
Pode dizer-se que sac tres os criterios mais sufraga-
dos na doutrina e mais freqiientemente acolhidos nas
lels para determinar quem deva ser considerado funcio-
ndrio de entre os agentes da Administragao.
O primeiro criterio e o da permanencia do cargo
ocupado. A ideia que esta na base desta orientagao e a
de que, se um cargo e indlvldualmente criado por lei
por tempo indeterminado e tern dotagao propria no Orca-
mento da entidade piiblica a que pertence, de mode a
assegurar a regularidade do pagamento dos vencimentos
do seu titular, exige estabilidade de quem o ocupa, e
da garantias de continuidade ao serventuario. O fun-
cionario sera, pois, o agente que ocupa um cargo perma-
nente nos quadros da Administragao.
Observou-se, porem, existirem cargos criados por lei
e dotados especialmente no Orgamento que por sua na-
tureza nao garantem a estabilidade dos seus servidores;
basta pensar nos que envolvem o desempenho de fungoes
de carater politico, sejam de elelgao, sejam de nomeagao
livre do govemo ou "de comissao".
Assim, surgiu um segundo crit6rio, o da profissio-
naUdade. O que distinguiria os funcionarios dos outros
agentes administrativos seria o serem profissionais, isto
e, abragarem o servigo da Administragao como modo de
Aqemtes 365

vida ao qual dediquem toda a sua atengao, no qual pro-


curem fazer carreira e donde aufiram os recursos neces-
sarios para sustentagao do seu lar. Naturalmente que
este profissional t«m de ter garantias de estabilidade e,
per isso, deve ser admitido nos quadros da Administra-
^ao a titulo pennanente, num cargo detenninado. Mas
€16 nao e funcionario por ocupar esse cargo, e sim por
ocupa-lo para fazer do respective exercicio a sua profis-
sao. O que interessaria, pois, era sobretudo a permanen-
cia do agente no servigo, a sua "incorporagao na insti-
tuigao administrativa".
Segundo a legislagao e a doutrina de alguns paises,
esta "permanencia do agente num cargo" seria tradu-
zida pela integragao do agente numa hierarquia como
titular de urn dos graus dela. Nao se nos afigura, por6m,
que seja forgoso incluir a nogao de membro de rnna hie
rarquia na definlcao de funciondrio, inclusao que pode
ter series inconvenientes, pois nem todas as carreiras
estao hierarquizadas.

O terceiro criterio e o do carater publico da relagao


de servigo. Para os partidArios deste criterio, a Adminis-
tragao pode e deve, cada vez mais, aproximar-se do setor
privado quanto &s relagoes de trabalho com os seus agen-
tes, de tal modo que nao haja senao um Direito do
Trabalho no Pais, salvo para alguns casos especiais.
Admitir-se-ia, pois, que a massa dos agentes adminis-
trativos fosse regida por contratos de trabalho e ate que
OS seus sindicatos negociassem com as pessoas juridicas
de direito publico contratos coletivos de trabalho. Fica-
riam de fora certas funcoes de soberanla que por moti
ves de seguranga e de interesse publico exigissem run
regime juridico especial, o regime de direito publico, e
s6 OS que se achassem a ele submetidos seriam funcio-
narios.
366 DiREITO ADMINISTRATIVO

Encontramos estes criterios, puros ou combinados


entre si, nos mais modernos estatutos da funcao publica.
Assim,o Estatuto dos Funcion^los Publicos Civis da
Uniao, no Brasil, de 1952, no artigo 2.°, considera fun-
cionario, "a pessoa legalmente investida em cargo pu-
blico; e cargo publico 6 o criado por lei, com denomi-
nagao propria, em numero certo e pago pelos cofres da
Unlao."

O Estatuto da Alemanha Federal, de 1953, considera


funcionario o agente que se ache numa relacao de direito
publico de servlgo e fidelidade em relagao ao Estado ou
a uma corporagao a ele submetida imediatamente, a um
esta"belecimento publico ou a uma fundacao de direito
publico.
O Estatuto aprovado em Fran§a em 1959 aplica-se
aqueles que, nomeados para desempenhar um cargo per-
manente, sejam titulares de um grau da hierarquia da
Administragao central do Estado, dos seus services exter-
nos ou dos estabelecimentos publicos sem carater co-
mercial ou industrial.

Em Espanha, a lei de 7 de fevereiro de 1964 define


0 funcion^io como pessoa incorporada na Adminlstragao
Publica por uma relagao de servigos profissionais e re-
tribuidos, regulada pelo Direito Administrative. Distin
gue entre fimciondrios de carreira e de emprego. Os
funcion^ios de carreira sao os que, em virtude de iio-
meagao, desempenham services de carater permanente,
figurando nos quadros respectivos e com direito a venci-
mentos fixes pagos por verbas do pessoal do Orcamento
Geral do Estado. Os funcionSrios de emprego sao even-
tuais ou interinos.

160. A importancia da distingao entre agentes funcio-


ndrios e agentes nao funcionarios resulta, nos tempos
AOENTES 36T

atuais, apenas da consagragao que receba do Direito po


sitive em cada Pais.
Como acabamos de ver, muitos paises tern hoje uma
lei que codificou o regime aplicdvel a certos a^entes da
Administragao por ela definidos como "funcionarios".
Essa lei representa a conqulsta do Estatuto, que nos prin-
cipios do seculo XX constituia a grande aspiragao dos
profissionais da Administragao Publica. Sera funeio-
ndrio, em cada Pais, quem as respectivas leis qualifi-
carem como tal.
Portanto o problema deixou de revestir interesse teo-
rico, nem vale a pena tentar uma nogao cientifica com
aspiragoes a validade universal.
A teoria do Direito Administrative tem, sim, que
estabelecer o conceito de agente administrativo, para
que se saiba o que pertence e o que nao pertence ao
seu campo de estudo. Funcionario poderia ser a deslgna-
gao desses agentes, se nao fosse, como ficou notado, a
confusao que nos vdrios paises se estabeleceu ao redor
da palavra.
Efetivamente, o aparecimento de novos tipos de enti-
dades integrantes da Admmistragao Publica ou as quais
foram confiadas atividades desta, e a multiplicagao des-
sas entidades, trouxeram problemas que, nao .sendo no
vos, se tornaram mais agudos.
Nos fins do s6culo XIX e na primeira metade do
seculo XX a fungao publica, sobretudo apos a definicao
progressive, pela jurisprudencia e pelas leis do seu esta
tuto, revestia-se socialmente de enorme prestigio com
grande superioridade da atragao em relagao ativida
des privadas.
"Servir o Estado" interessava muito mais do que
trabalhar num emprego particular. Alem de haver sem-
pre ligada a ideia da fungao publica uma sugestao de
autoridade e de influencia, os servigos adrainistrativos
368 DIREITO ADMINISTEATIVO

tinham maior tradigao, melhor organizagao do que as


empresas privadas e os seus servidores gozavam de maio-
res regalias e garantias que os empregados de patroes
particulares. A rauitos titulos o Estado era o "melhor
patrao": ate pela maior liberdade que deixava aos qiie
o serviam, gragas a uma fiscalizagao geralmente bene-
vola ou frouxa do comportamento dos subalternos pelos
respectivos superiores.
De modo que durante muito tempo nao s6 a aspi-
ragao de muitos, ao menos nos paises latinos, era obter
um cargo pilblico, como o regime dos agentes do Estado
constituia um padrao invejado pelos empregados e ope-
rarios particulares e de que os seus sindicatos se esfor-
•gavam por conseguir aproxrmar-se.
O advento da sociedade industrial mudou muito este
estado de coisas. Por um lado, a partir do fim da
grande guerra (1919), em todos os paises se verificaram
•grandes progresses da legislacao social com o fortaleci-
mento de um sistema de protegao ao trabalhador que
impedisse a exploragao capitalista e proporcionasse ao
proletdrio, sem outros meios de vida que nao fosse a
forga do seu trabalho, garantia previdente contra os
riscos correntes de existencia. O Direito do Trabalho,
completado pelo Direito da Previdencia Social, veio per-
mitir que o contrato individual de trabalho, celebrado
em condigoes desigualisslmas entre o operario isolado e
o empresario poderoso, fosse substituido pela integragao
num estatuto constante do impropriamente chamado
"contrato coletivo de trabalho", ou "convengao coletiva
de trabalho".
Por outro lado multiplicaram-se as grandes empre
sas, com servigos, quadros, carreiras, postos de trabalho
numerosos, em condigoes analogas as das entidades pu-
bllcas, e com a vantagem de nao estarem, como estas,
cingidas a leis que condicionem a admissao, a remxme-
Agentes 369

ragao, a promogao do empregado. Um jovem capaz e ta-


lentoso pode assim, com rapidez, conquistar numa gran-
de empresa posigoes e situagao financeira que nunca
alcangaria no servigo publico ou que so a duras penas
conseguiria bem mais tarde.
Em certa altura o agente da Administragao comegou
a ser olhado como desfavorecido em reiacao k atividade
privada. E inverteu-se a situacao antiga: esta atividade
passou a ser a mais prestigiosa, os seus servidores go-
zam de um padrao estatutaiio mais favoravel que o da
fungao pdblica e os agentes da Administragao desertam
para o setor prlvado ou reclamam vantagens iguais as
que ele proporciona.
Dai a necessidade em que os legisladores se viram
de privatizar muitas entidades da Administragao Pd-
blica, dando-Uies a forma de autarquia ou empresa que
as libertasse das limitagoes e eziglncias do Diveito Admi-
nistrativo classico e Ihes permitisse maior liberdade "de
movimentos e de adaptagao.
E nessa liberdade incluia-se tambem a desvincula-
cao dos seus agentes do estatuto da funcao publica e
a correspondente submissao ao regime comum da legis-
lagao do trabalho.

161. A situacao atual na maior parte dos paises que


adotam o modelo politico-social em que sempre temos
situado 0 tipo do Direito Administrativo estudado, e a
da existencia, no vasto — cada vez mais vasto — campo
da Administragao Publica, de agentes submetidos em
grande numero ao regime comum do Direito Trabalbista,
a par de outros que se regem pelas normas do Direito
Piibiico.
Conforme ja ficou dito, a coexistencia dos dois regi
mes sempre se deu. Mas ate ba poucos anos predominava
o r^ime do Direito Administrativo. Funcionarios ou nao,

ZH-2i
370 DIREITO ADMINISTRATIVO

a grande maioria dos agentes da Administragao era qua-


Uficada na categoria dos agentes administrativos. Hoje
nao e mais assim.
A razao da snbmissao dos agentes da Administragao
ao regime do Direito FilBlico era procurada pelos antores
em diversos criterios. Passada a fase da fidelidade pes-
soal ao Monarca ou a Coroa, assente numa devogao quase
religlosa de que ainda ha reminiscencias, hoje puramente
formais, no Direito Britanico, aparecia a ideia da supe-
rioridade do interesse piiblico sobre os interesses priva-
dos, fundamento da autoridade do Estado. O agente
administrativo servia a coletividade e nao um individuo
ou uma empresa particular. Nesse servigo da coletivi
dade, nessa dedicagao a causa publica, ao interesse de
todos, estava o motivo das sujeicoes, das limitagoes, das
servidoes que Ihe eram Impostas, mas tambem das van-
tagens que em contrapartlda Ihe eram conferidas.
A escola francesa do servlgo piiblico, negadora da
personalidade do Estado e da sua soberania, deu nova
forma a esta teoria. A base do Direito Administrativo
era o regime do servigo piiblico e este, por ser destinado
ao piiblico, tinha de funcionar com regularidade e eonti-
nuidade. O agente administrativo era o agente do ser
vigo piiblico (tomada a expressao num sentldo amplo)
que, tendo de assegurar a respectiva regularidade e con-
tinuidade e devendo proporcionar a todos os beneficlos
da sua existencia, estaria sujeito a um estatuto em que
essas exigencias encontrassem repercussao e garantias
de eficacia.
Destas ideias resultava que a situagao dos agentes
administrativos deveria estar intimamente dependente
das necessidades e convenidncias dos servigos de que
eram meros instrumentos. A lei que rege os servigos es-
tabeleceria, tambem, o regime dos agentes. Um agente
administrativo ficaria, pois, em situagao legal, impes-
Agbntes 371

soal, objetiva, a todo o momento modificavel por nova


lei, segundo o servigo pdblico exigisse ou aconselliasse.
Nem sequer seria licito falar em direitos do agente admi
nistrative (a escola tambem rejeitava o eonceito de di-
reito subjetivo), embora se admitisse que, verificadas as
condigoes legais, em certos cases as respectivas situa-
goes se subjetivassem.
Tais foram as ideias que, direta eu Indirelamente,
influiram na definigao da categeria de agente adminis
trative e ne respective estatuto em numerosos parses
durante largo periodo do seculo xx.

162. Estas ideias foram postas em xeque sobretude a


partir do final da segunda grande guerra. Porque foi em
grandes servigos de utilidade publica — como os de co-
municagoes, de transportes, de distribuigao de eletrici-
dade, gds e dgua... — que surgiram com maior veem§n-
cia as reclamagoes do pessoal a reivindicar tratamento
igual ao dos trabalhadores do setor privado. Esses ser
vigos constituiam organizagoes de tipo empresarial, com
numerosos operdrios e um numero crescente de tdcnicos.
Os operarios quiseram, e foram obtendo em muitos par
ses, o direito de se sindicalizarem e o direito a greve, este
tradicionalmente considerado incompatxvel com a natu-
reza do servigo publico. E os tecnlcos, a medida que pro-
gredia a industrializagao dos parses, ram tendo cada vez
maior procura pelas empresas privadas, num mercado
de trabalho onde os salaries eram regidos pela lei da
oferta e da procura e que esvaziava os quadros da Admi-
nistragao, impedida de disputar condicoes para reter os
seus melhores e mais qualrficados elementos, capazes de
manobrar e conservar os cada vez mals sofisticados equi-
pamentos dos servigos.
De modo que os servigos de utilidade publica foram
passando a autarquias e daqui a empresas publicas, com
372 Dnffino administrativo

o objetivo de ganharem iiberdade de movimentos, e so-


bretudo, de recrutamento e remuneragao do pessoai.
Este, em todos os niveis, obteve o regime comum da
legislagao trabalhista sem as servidoes dantes impostas
pelo interesse piiblico. E no proprio Estado-Administra-
Qao, come nas demais entidades administrativas territo
rials e autarquias, aiimentou o numero dos agentes que,
a par daqueles ainda sujeitos ao estatuto tradicional da
fungao publiea, gozavam de regime diferente resultante
de contrato de trabalho.
Isto e: o prestar servlco a uma entidade consagrada
ao interesse publico, a coletividade, deixou de ser deter-
minante de um regime juridico especial. Pelo menos,
deixou de ser razao para que todos os servidores ficas-
sem sujeitos a esse regime.

163. Conclui-se que e forgoso pesquisar novos criterios


para caracterizar os agentes administrativos. Um crite-
rio ainda posslvel seria, dentro da logica de metodo que
temos seguido, considerar eomo devendo ficar submeti-
dos ao regime do Direito Administrativo apenas aqueles
agentes que fossem colaboradores diretos das fungoes de
autoridade dos 6rgaos da Administragao.
Isso nos obrigaria a voltar a distinguir rta compe-
tdncia desses 6rgaos os poderes que constituam aquilo
que poderemos chamar, a faita d© melhor designacao, a
gestao publiea, dos que constituem a substancia da ges-
tao prioada.
Quer dizer; os orgaos das pessoas juridicas de Di
reito publico que tenham atividade administrativa, exer-
cem ou podem exercer, consoante a competencia confe-
rida por lei, poderes correspondentes a direitos pessoais
ou patrimoniais regulados pelo Dueito Privado, exata-
mente como quaisquer outras pessoas juridicas, origi-
nando uma gestdo privada.
\,
Agentes 313

\
E, a par desta, podem utilizar a autoridade que Ihes \
permite praticar atos definitivos e eixcutorios, e empre-
gar a coagao para executa-los e teriamos entao a gestao
publica.
Para que os agentes ficassem sujeitos ao regime do
Direito Administrativo seria necessario, pois, que os
orgaos de quern dependessem gozassem dos poderes d©
autoridade caracteristicos desse regime e que colaboras-
sem no exercicio desses poderes.
Portanto, se um Ministro tiver sob as .suas ordens
departamentos com fungoes diversas, uns com caracte-
ristica participacao na autoridade, outros puramente
destinados a administra§ao de patrimonio ou de services
tecnicos, so os agentes dos primeiros departamentos de-
veriam ficar sujeitos a disciplina da fungao pdblica po-
dendo os dos outros permanecer no regime comum do
contrato de trabalho.
Na pratica a aplicagao deste criterio pode encontrar
dificuldades. Departamentos que logicamente deveriam
ser considerados puramente tecnicos revestera, em deter-
minadas eircunstancias. importancia politica que obriga
a cuidados especiais no recrutamento e na disciplina do
^u pessoal, isto e, a submissao deste ao regime do Di
reito Piiblico. Foi o que sucedeu por toda a parte, apos
a guerra de 1939-45, com os organismos de estudo e
pesquisa ligados a energia nuclear.
Por outro lado e diseutlvel se, mesmo num servigo
tecnico ou de gestao patrimonial, os agentes pertencen-
tes aos escaloes superiores responsaveis pela condugao
das atividades em direto e imediato contato com os
orgaos dirigentes dotados de autoridade, nao deveriam
©star submetidos ao estatuto da fungao publica.
Isso nos leva a abandonar o criterio exposto, e a
procurar outro. Talvez o de fazer depender a qualidade
de agente administrativo do grau de intensidade da par-
374 DIREITO ABMINISTRATIVO

ticipagao dos agentes na atividade caracteristica dos


drgaos da Administragao, o que explicaria por que mo-
tivo um agente policial ou fiscal deveria ser considerado
agente administrativo e um mero escriturario ou um
engenheiro poderia nao o ser. E a razao pela qual o ime-
diato colaborador e executor do Ministro, na hlerarqula
dos servigos, deveria ser agente administrativo, quando
OS seus subordinados o nao fossem.

O criterio, reconhecemos, nao e muito facil e apro-


xima-se da velha distingao entre agentes de autoridade
e agentes de gestdo. Mas vamos explora-lo k falta de
meihor.

164. As dificuldades do problema nao ficam, pels, afas-


tadas ao encontrar um criterio (fragil, como se viu)
para caracterizar os agentes da Administragao que de-
veriam ser considerados agentes adminlstrativos, Isto e,
submetidos ao regime proprio do Direito Administra-
tivo.

Porque teremos agora de averiguar em que consiste,


iioje em dia, esse regime. Ou raelhor: quais as diferengas
existentes entre o regime da prestagao de servigos em
Direito Publico e em Direito Privado.

Durante muito tempo os administrativistas apre-


sentavam como principal diferenga dos dois regimes o
carater estatutario da fungao pdblica em contraste com
a natureza contratual do emprego privado.
Como Ja disse, a doutrina dominante em certo pe-
riodo insistia em que os funcionarios piiblicos estavam
sujeitos as alteragoes que no seu regime de prestagao
de servigo fossem introduzidas pelas leis e regulamentos,
pois seria inconcebivel que pudessem invocar e opor
interesses pessoais &s exigencias da fungao piiblica. O
interesse pdblico era dominante. Os agentes existiam
ACENTBS 375

para o servigo quando e como fosse necessdrio, a sua


situagao perante a entidade servida nao compreendJa
direitos subjetivos: era objetiva, isto e, confundia-se com
a natureza da propria fungao.
Mesmo sob o dominio desta doutrina Ihe opus res-
trigoes. Como escrevi no Manual de Direito Administra-
tivo (t. II da edigao brasileira, pag. 691) deveria distin-
guir-se entre o estatuto legal da funcao e os Interesses
particulares do funciondrio.
"As fungoes existem para servlr o interesse publico,
sao criadas e devem poder ser modificaveis consoante as
exlgencias desse interesse. O numero e a organica dos
servigos e dos seus quadros de funcionalismo, os lugares
a preencher, os cargos a exercer, as categorias e os pro-
ventos de cada lugar, a competencia atribuida a cada
cargo, tudo isso depende exclusivamente do legislador."
"Os lugares que hajam de ser provides por funcio-
narios exigem destes, porem, a devocao propria de uma
aplicagao profissional. Dai resulta que o individuo inves-
tido na qualidade de funcionario tem interesses pessoais,
explicita ou implicitamente reconbecidos no ato de pro-
vlmento e que a lei protege como condigoes necessarias
do exercicio da profissao. Na verdade, nao pode conce-
ber-se um profissional da fungao publica a quem nao
sejam garantidas as condigoes de subsistgncia, esfabi-
lidade, carreira, protegao e previdencia normalmente
dadas, nas sociedades contemporaneas, aos titulares de
outras profissoes, at6 porque a consagragao aos interes
ses gerais exige atitudes de isengao e de independgncia
s6 sustentaveis por quem tenba os seus interesses pes
soais assegurados".
"O funcionario tem, pois, a par de poderes funcio-
nais que exerce mas pertencem ao cargo onde estd pro-
DlREITO ABMIHISTHATIVO

lireitos subjetivos proprios que o legislador deve


"pespeitar".
Entendida deste modo a concepgao estatutdria do
regime da fungao publiea — como um regime em que
05 direitos e obrigagoes do individuo admitido a prestar
servigos a Administragao nao sac estipulados caso por
case em contrato livreraente discutido e acordado, mas
em normas gerais, constantes de leis e regulamentos, —
6 ficil de ver que no setor privado esse regime tambem
prevalece cada vez mais.
Os direitos e as obrigagoes dos operarics e empm-
gados nas empresas privadas sao cada vez menos esti
pulados em contrato de trabalho individual. As leis do
Estado fixam normas imperativas reguladoras de muitos
aspectos da prestagao de servigos. E as areas nao cober-
tas pela legislagao trabalhista ou em que esta contem
meros preceitos supletivos, sao preenchidas por conven-
goes ou contratos coletivos de trabalho. Estes contratos
ou convengoes, celebrados entre organismos sindicais, pa-
tronais e de trabalhadores, para disciplinar as relacoes
laborais numa dada categoria profissional, s6 tem de
contrato o nome. Fruto de acordo entre duas pessoas
jurldicas, I certo, o seu conteiido, porem, § de norma
geral; vale como se fosse lei da profissao ^ qual todos
OS que estiverem abrangidos no seu ambito devem obe-
di^ncia.
E nas grandes empresas existem ainda, muitas ve-
zes, OS regulamentos intemos da empresa que, naquilo
em que nao esteja fixado por lei ou por contrato, pres-
crevem as condigoes de admissao de empregados e de
disciplina no emprego.
De modo que, nos parses socialmente mais avan-
gados, o regime do trabalho privado passou a ser, tam
bem, estatut&rio. O empregado ou operario e admitido
em termos fixados generica e objetivamente para a sua
Agentes 377

especialidade e categoria e tern a sua atividade e a sua


carreira regulada tairtbem, nesses termos.

165. A forma juridica de provimento do individuo na


fungao publica tampouco pode constituir caracteristica
individualizadora.
Em primeiro lugar, na maior parte dos paises o pro-
prio agente qualificado como funcionario pode ser pro-
vido per nomeagao ou per contrato administrative. A
teoria, consoante atras expusemos, distingue as duas for-
mas porque na nomeacao ha um ato unilateral perfeito,
cuja eficacia depend© da aceitagao posterior do indivi
duo nomeado; ao passo que o contrato administrative
so fica perfeito no momento em que as duas vontades
acordam no objeto visado. Como conseqiiencia pratiea
desta dlstingao teoriea teriamos que, se o individuo no-
meado nao aceita a nomeagao e se recusa a exercer o
cargo para que foi designado, nao incorre em responsa-
bilidade; mas se o contratado, apos a celebragao do con
trato, nao entra a prestar o servigo convencionado, in
fringe o acordo e e responsavel pela violagao cometida.
Nos dois casos e indispensavel o concurso das duas
vontades — a expressa pelo orgao da Administragao e
a manifestada pelo individuo recrutado para agente. A
Admirdstragao so em certos casos pode impor a presta-
gao de semcos — quando essa prestagao seja obriga-
toria por lei geral ou nas hipoteses em que esta permit©
a requisicao. Nos outros casos so quem quiser entrar&
para o seu servico.
Ha quem de grande importancia ao requerimento
formulado por um pretendente, pedindo para ser provide
ou admitido a concurso de provimento. Creio que esse
requerimento e mera manifestagao de intenqdo que nao
vincula d requerente, o qual, ate ao momento de aceitar
378 DiBUSITO ADMIMISTRATIVO

a nomeagao que eventualmente nele recaia ou da assi-


natura do contrato, pode desistir do seu propdsito.
Pela nomeacao, o orgao administrative competente
designa um individuo para exercer, se quiser, uma deter-
minada fungao publica nos termos regulados nas leis e
nos regalamentos a esta aplicaveis.
Mas OS contratos administrativos tambem se luni-
tam a registrar o acordo das duas partes quanto ao pro-
vimento do particular na fungao publica, remetendo
para as leis e regulamentos a detenninagao das condi-
goes do seu exercicio.
Ora, no setor privado, quando vigore o regime esta-
tutario acima descrito, as coisas nao se passam de ma-
zieira diferente. O empregado ou operario admitido e
simplesmente mencionado numa ordem de servigo ou,
quando assine um termo contratual, este e redigido
numa formula singela que submete o contratado ^s nor-
mas gerais aplicaveis.
No setor publico e no setor privado constituem casos
raros, para nao dizer excepcionais, aqueles em que a
admissao do empregado 6 feita mediante contrato espe-
cialmente celebrado com cliusulas estipuladas por dis-
cussao e acordo das partes. Sao os casos em que a
entidade empregadora procura obter a colaboragao de
alguem reputado de especial proficiencia na sua profis-
sao e disputado no mercado de trabalho. A lei permite,
em condicoes especiais, tais contratos por parte da Admi-
nistragao, as grandes empresas celebram-nos com maior
faeilidade, mas a situagao nos dois campos e analoga.

166. Sera entao na comparagao entre direltos dos tra-


baihadores de um e de outro setor, ou na dos deveres
que Hies incumbem, que podera encontrar-se o criterio
diferenciador?
AGEirrais 379

A maior parte dos direitos dos agentes da Adminis-


tragao, para nao dizer todos, encontram o seu corres-
pondente nos direitos reconhecidos aos empregados pri-
vados. Pode dizer-se que so existe, como privilegio dos
agentes administrativos, o direito a protegao penal con-
sagrado em todos os Codigos Criminais: os crimes come-
tidos contra funcionarios no exercicio das suas fungoes
ou com desprezo ou por causa destas sao punidos com
penas agravadas, podendo mesmo constituir infragoes
especificas.
Da mesma forma qnanto aos deveres. Percorrendo
a lista dos deveres comuns dos funcionarios e dos que
na legislagao trabalhista e nas convengoes coletivas de
trabalho sao impostos aos empregados e operarios, veri-
fica-se que as diferengas sao pequenissimas.
A diferenga mais relevante, a que podera conside-
rar-se caracteristica do regime de direito publico, reside
na imposigao do dever de fidelidade ao seu Pais.
Esse dever de fidelidade desdobra-se noutros, xms
positives e outro negatives.
E assim o agente sob esse regime tera o dever de
cooperar nos fins que a Constituigao fixar para serem
alcangados pela comunidade; de colaborar com as auto-
ridades legitimas na realizagao e defesa da legalidade;
de defender a existencia, a integridade e a honra da
Patria e de manter a dlsciplina e a ordem social.
E a par desses deveres positives devera observer ou-
tros que se traduzem em proibigoes ou abstengoes e, por
isso, quallflcamos de negatives: neutralidade nas lutas
partidarias no exercicio das fungoes publicas; evitar em
publico criticar os poderes constituidos e os governantes
salvo 0 direito de expressao correta de pontos de vista
sobre os negocios do EstafJo; nao exercer cargos diretivos
em organizagoes que se proponham alterar o regime po
litico consagrado na Constituigao vigente, nem filiar-se
380 DIREITO ADIUNISTHA'OTO

em. movimentos subversives ou em partidos que hajam


sido interditos legalmente,
O agente admlnistrativo deve, pois, inteira lealdade
ao seu Pais em termos mais especialmente' viuculautes
que a generalidade dos cidadaos, cumprtndo-lhe evitar
tudo quanto possa diminuir o culto patriotico ou mino-
rar o credito ou o prestigio da Nagao e nao favorecer
interesses estrangeiros que colidam com os dela.
Este especifico dever de fidelidade ou de lealdade,
com as restricoes de liberdade individual que impiica
para os agentes, e consagrado mesmo nos paises mais
liberals como a Gra-Bretanha e a Suiga.
Dele extraem algumas legislacoes certas conseqtien-
cias, como a proibigao da greve ou a de os agentes se
associarem em sindieatos que entre os seus objetivc^
incluam a greve ou atividades consideradas revolucio-
narias.

167. Com 0 dever especifico que aos agentes seja im-


posto de contribuir para a observancia, o respeito, a
imposigao da legalidade, est6 ligada a regulamentagao
que existe para esses agentes do seu dever de obediSncia
as ordens superiores.
No setor privado as relagoes de trabalho implicam,
tamb6m, a obediencia dos empregados e operarios a enti-
dade patronal e a quem a represente.
Mas OS agentes a que nos referimos t^m o seu dever
de obediencia as ordens superiores condicionado por cer-
tos requisites.
Consiste o dever de obediencia na obrigagao que
impende sobre o agente de acatar e cumprir as ordens
emanadas dos seus legitimos superiores hierarquicos,
dadas em objeto de servigo e com a forma legal. Corres-
ponde assim ao aspecto passivo do poder de diregao.
Agentes 381

Desta definigao depreende-se que a obediencia so 6


devida ordens:
— emanadas de legltimo superior hierdrquico, isto
6, de agente regularmente investido num cargo superior
da mesma hierarquia do servigo de que faz parte aquele
que as recebe;
— em objeto de servigo, o que exclui a subordinagao,
mesmo ao legitimo superior hierarquico, nas materias
estrauhas ao interesse piiblico, como sejam as relativas
aos negocios pessoais do superior, ou ao procedimento do
subaltemo na sua vida privada, ao foro da sua cons-
cieneia, a sua conduta civica etc.;
— sob forma legal, pelo que se a lei preceituar que
a ordem seja dada por escrito, nao i devida obediencia
a ordem verbal.
Mas uma ordem pode reunir todos estes requisites
e ser intrinsecamente ilegal, isto e, determinar pela sua
execugao um procedimento contraiio aos imperatives da
lei. Nesse caso, prevalece o dever de obediencia do fun-
cionario que a recebe ou, pelo contrario, e mais forte
que o elo bierarquico a obrigacao civica de respeitar e
cumprir as leis?
A doutrina tem-se dividido sobre a solugao a dar a
este problema. Duas correntes principals se fofmaram,
a uma das quais chamaremos hierarquica e a outra le-
galista.
A corrente hierarquica sustenta que o funcionario
nao pode nem deve apreciar a legalidade da ordem rece-
bida. A diferenciagao entre superiores e subaltemos
existe, justamente, para que os primeiros ordenem, defi-
nindo o que os segundos tem de fazer a fim de desem-
penharem a sua obrigagao de servigo. Se estes pudessem
sobrepor o seu crit6rio ao dos superiores, discutir as
ordens recebidas e exeeuta-las ou nao, segiindo a in-
terpretagao que dessem a lei, seria destruida a ordem
382 DIREITO ADMINISXRATrVO

hierarquica. Quando muito o subalterno, se duvidar da


legalidade de imia ordem, podera representar respeito-
samente sobre essas ddvidas ao superior: mas case a
ordem seja reiterada, tera de a eumprir.
Contrariamente, a corrente legalista entende que o
funcionario nao tem que obedecer as ordens que repute
ilegals. Mas, adentro desta corrente, distinguem-se diver-
sas opinioes.
Para certos autores, o funcionario so pode legiti-
mamente desobedecer ^s ordens que impliquem a pratica
de um ato criminoso ou imoral.
Segundo outros, o funcionario fica liberto da obe-
didncia quando a ordem recebida seja manifestamente
ilegal, por contraria a letra ou ao espfrito da lei; nao
nitida ilegalidade nos casos de diivida sobre a opor-
tunidade, de critica juridica tendenciosa ou de discussao
da interpretagao dos textos.
Nao e devida obediSncia a ordem ilegal, seja qual
for o motive da ilegalidade, opinam outros ainda, pois
que' acima dos superiores estd a lei, e o subalterno nao
e um automate, mas um homem consciente que tem de
agir consoante os preceitos legais.
Em nossa opiniao, vao muito longe aqueles que pre-
tendem dar aos funcionarios subaltemos a faculdade de
discutir amplamente a legalidade da ordem recebida.
Parece, a primeira vista, liberal, esse criterio: mas
se notarmos que a concessao de tal faculdade implicaria
a responsabilidade do funcion^io pela execuqao de to-
das as ordens ilegais, e se ponderarmos que falta muitas
vezes ao subalterno o conhecimento das leis e a prepa-
ragao juridica necessarias para discemir o legal e o
ilegal, concluiremos que da adocao de semelhante crite
rio resultariam grandes inconvenientes para o serviQo
e possiveis injustigas para os agentes. Na verdade, fal-
Agentes 883

taria aos executores a confianga nos dirigentes; um es-


tado permanente de hesltagao e temor embaragaria a
agao dos servigos; e seria menos esenipulosa a emanagao
das ordens pelos superiores, visto que sobre os subalter-
nos se descarregaria a responsabilidade, em caso de exe-
cugao.
Inclinamo-nos, portanto, para aceitar a solugao hie-
rdrquica, temperada em termos que a aproximem da
corrente legalista intermedia.
Admitimos que, independentemente de quaisquer
formalidades,o subalterno tenha o dlrelto de desobedecer
ordens que revistam um carater nitidamente crimi-
noso. Nao acrescentamos as de carater imoral porque o
essencial da moralidade objetivamente reinante numa
sociedade deve estar protegido pelo Dlrelto criminal. E e
muito perlgoso admltlr o prevalecimento de crlt6rlos sub-
jetivos de moralidade, nem sempre colncldentes uns com
OS outros ou concordantes com os soclalmente consa-
grados.
Depois, ha que distlngulr as ordens normals ou cor-
rentes e as ordens excepclonais. O cumprimento das
ordens correntes ou de rotina nao permite delongas e
deve ser exato,Imediato e leal; o das ordens excepclonais
dadas verbalmente admite que o subalterno exerga pre-
viamente o dlrelto de respeltosa representagao caso se ve-
rlflquem certas hlpotese tais como duvlda per motlvo
plausivel sobre a autentlcldade (o que tern a maior Im-
portancla quando a ordem superior seja transmltlda a
distancia), llegalldade manifesta do conteddo, incompe-
tencla do superior, evidente erro ou ma informagao de
quem a deu ou imprevlsao pelo superior dos resultados
de execugao quando sejam de recear graves males.
O dlrelto de respeltosa representagao tem por objeto
esclarecer o superior e pedlr que, no caso de ser man-
tida a ordem, esta seja transmltlda por escrlto. E se a
384 DIREITO ADMINISTHATIVO

ordem for inicialmente dada por escrito? 0 direito de


esclarecer o superior corresponde a um dever de leal-
dade e de colaboragao do subalterno; mas se a ordem
foi dada por escrito, a obediencia nao pode ser demo-
rada alem do razoavel por virtude do exercicio desse di
reito, visto a forma de transmissao ja revelar, da parte
do superior, a admissao de que o subaltemo pudesse ter
duvldas e tambem deixar presumir a reflexao necessaria
sobre as conseqiiSncias da sua execugao.
Quando a transmissao por escrito nao se verifique
em prazo razoavel e o subalterno receie que da inexe-
cugao possam resultar prejuizos irremedi^veis, deve cum-
prir a ordem depois de exarar por escrito os termos dela,
as duvidas formuladas e a razao por que vai cumprir.
O cumprimento da ordem excepcional que oferega
duvidas sem que se observem estas normas, torna o exe-
cutante solidariamente responsavel com quern a deter-
miuou.
Se a ordem se destina a executar um ato inexls-
tente ou nulo, que a lei priva de quaisquer efeitos jurl-
dicos, o subaltemo conhecedor do vicio do ato que se
pretende executar nao tern o dever de obedecer.

168. Podemos chegar agora a conclusao de que o re


gime de Direito Pilblico de prestagao de servigo a Admi-
nistracao sera caracterizado pela existencia de deveres
especificos de fidelidade e lealdade ao Pais, refletidos no
dever de respeltar e fazer respeitar a legalidade vigente
e nas particularidades de regulamentagao da obediencia
as ordens superiores.
O agente da Administragao que estiver submetldo a
esse regime podera ser qualificado de agente administra-
tivo de harmonia com o criterio inicialmente definido,
seja ou nao essa categoria identificada com a de funcio-
nario no direito positive.
Agentes 38S

Chegou-se assim a uma conclusao valida segundo o


metodo adotado para a construgao da teoria do Direito
Administrative.

Mas sera escusado sublinhar que no Direito Positivo


de cada Pais podera haver ontros conceitos consagrados
nas leis. A doutrina pode criticd-los. O jurista tern de
xecolh6-los e aplic^-los, Um conceito teorico nao pode
prevalecer sobre uma norma legal.

§ 2.0

DISCIPLINA DA FDNgAO P^LICA

169. Importdncia teorica do estudo da disciplina da


funqdo publica.
170. No(;do de disciplina.
171. Repressao disciplinar e repressao criminal.
172. A infragdo disciplinar. Nogao. O jato punivel.
172. A qualificagao do fata corao infragao.
174. Classificagdo das infragoes. Algumas infragoes es-
pecificas.
175. Responsabilidade disciplinar.
176. Graduagdo da responsabilidade.

177. Penas disciplinares.

178. Poder disciplinar. Formas do seu exercicio.

169. Estamos procurando contribuir para a elaboragao


de uma Teoria Geral do Direito Administrativo, mediante
a exposigao dos seus principios fundamentais. Isao nos

2i4.-25
386 DIREITO ADMINISTRATIVO

leva a deixar para.o estudo do Direito Positive a raateria


variivel de Pais para Pais e qua, no qua toca aos agentes
administrativos, 6 a respeitante ao provimento, direitos,
vantagens, devaras, situagoes...
Hd, porem, um capitulo do estatuto dos agentes
administrativos qua suscita problemas taoricos do maior
intorasse: e o relative ao regime discipUnar.
Sobre a disciplina da fungao publica publiquei em
1932 irnia monografia (Do Poder DiscipUnar no Direito
Administrativo Portugues) qua nao tornou a ser editada
porque a respectiva materia foi sendo reelaborada e
atualizada no meu Manual de Direito Administrativo.
Julgo qua o essencial desse labor merecera ser aqui in-
cluido.

170. Em todos OS grupos humanos formados natural


ou voluntariamente para a realizacao de certos fins se
torna necessaria a obsen'ancla, pelos respectivos parti-
cipantes, das normas de conduta imprescindiveis a coe-
sao e d eficiencia do grupo.
Tome-se, por exemplo, uma associagao desportiva.
Qualquer pessoa pode nela ingressar, contanto que se
comprometa a contribuir para a reallzagao dos fins co-
muns e a nao prejudicar a colaboragao mutua dos socios.
Tern de respeitar, pois, as normas estatutarias da asso-
ciagao, sem o que sera censurada, suspensa dos seus di
reitos ou expulsa pela assembl6ia geral. Assim" mesmo
trata-se de regras muito vagas, com deveres bastante
tenues. Numa equipe destinada a disputar competicoes
de futebol as normas sao muito mats rigidas, quer quan-
to aos deveres impostos nos periodos de preparagao, quer
quanto ao comportamento a seguir durante o jogo. A
equipe forma uma comunidade dominada pelo objetivo
de jogar o melhor possivel para obter os melhores resul-
Agehtes 387

tados na competigao. Tal objetivo exige de cada um dos


componentes a observancia rigorosa das normas que a
ele conduzem. Se assim nao for, e cada individuo pro-
ceder k sua vontade consoante os seus apatites ou a sua
fantasia, a equlpe desfaz-se e sera facilmente vencida e
posta fora de competigao.
Quanto mais precise e proximo e o objetivo a atin-
gir por um grupo de homens, mais concretas e rigorosas
tem de ser as normas que os unem e os guiam. Essas
normas formam a disciplina do grupo e a sua inobser-
v&ncia origina a indisciplina. Sendo regras de conduta
dos membros do grupo para regular as suas relagoes
reciprocas e assegurar a realizagao dos objetlvos pro-
prios desse grupo, elas traduzem-se na imposigao de
comportamentos positives ou negatives que constituem
deveres a observar pelos destinatarlos.
Podemos assim olhar a disciplina pelo aspecto obje
tivo, como conjunto das normas que num dado grupo
social asseguram a sua coesao e a realizagao dos fins
que 0 justificam; ou pelo aspecto subjetivo dos deveres
a que esti sujeito cada um dos membros de certo grupo
social nas suas relagoes com o proprio grupo e com os
outros membros.

Um servigo administrative, sendo organizagao per-


manente de atividades humanas, e um grupo social. A
sua criagao e existencia resultam da necessidade de as
segurar o desempenho regular de certa atribuigao de
uma pessoa juridica de direito piiblico, isto e, justificam-
-se por fins proprios. Para realizar eficientemente os
fins de que e instrumento, toma-se necessario que na
vida interna do servigo sejam observadas certas normas
de comportamento dos agentes que o constituem. Quer
dizer que todo o servigo administrative hd de ter a sua
disciplina, traduzida em deveres a observar pelos res-
pectivos agentes, funciondrios ou nao.
388 Direito administrativo

Assim se conclui que o fiondamento da disciplina a


que estao sujeitos os ageiites administrativos esta na
necessidade de assegurar a sua integragao nos servigos
e a prestagao da colaboracao que Ihes compete nos ter-
mos mais convenientes ^ realizagao dos obietivos des-
ses servigos, mediante a observancia de certos deveres.
O cumprimento normal e corrente dos deveres cor-
responde a rotina. Ja o fate de alguem mostrar uma
compreensao exemplar dos seus deveres, desempenhan-
do com conscigncia os deveres positives e observando
com escnipulo os negatives (proibigoes), pondo o sen
empenho em fazer vingar e progredir os objetivos co-
muns e em melhorar os metodos de os alcangar, g digno
de reccmvpensa. As recompensas que as leis preveem
para os funcionarios sao louvores, promogao por distin-
gao, ou por merecimento, medallias, premios pecunia-
rios...
Pelo contrario, a falta do cumprimento de algum
desses deveres origina a infragao disciplinar pela qual
e responsavel o agente que a cometeu e que deve scr
reprimida pelos titulares do poder disciplinar, em regra
mediante processo adequado para aplicagao da pena
conveniente.
Recompensas e sangoes penais sao meios classica-
mente empregados para manter a disciplina.

171. A violagao da disciplina dos servigos administra


tivos da, pois, lugar h. aplicagao de psnas, tal como a
infragao criminal; nos dois casos ha uma repressao pe
nal. Que diferenga existe entre as duas forraas de re
pressao?
Como acabamos de ver o fundamento da repressao
disciplinar esta na necessidade de assegurar a coesao c
a prossecugao dos interesses proprios de certo grupo so
cial, seja comunidade, associagao ou resultants da or-
Agentes 389

ganizagao de um departamento ou servigo administra-


tivo. A razao por que tern de se reprimir a infra^ao en-
contra-se no interesse peculiar do grupo; e o funda-
mento da sujeicao ao poder punitivo disciplinar esta
no lago particular que liga ao grupo o individuo que
faltou a algum dos deveres que a sua especial condigao
Ihe impunha.
Pelo contrario, a repressao criminal funda-se na
necessidade de proteger e defender certos interesses
reputados essenciais a vida numa sociedade politica-
mente organizada e o individuo esta sujeito ao poder
punitivo pelo simples fato de se achar submctido a so-
berania do Estado de cujos 6rgaos dimanam as leis vio-
ladas.
No caso da repressao disciplinar e exercido um po
der punitivo particular fundado na necessidade de de-
fesa da coesao e eficiencia de certo grupo existente na
comunidade politica; no caso da repressao criminal e
exercido o poder -punitivo geral contido na soberania do
Estado para defesa ds interesses essenciais da propria
comunidade politica e dos seus membros na medida em
que 0 respeito de certos interesses individuals seja con-
digao de subsistencia e harmonia da vida social.
A este criterio de distin^ao das duas modalidades
de repressao penal pode fazer-se uma objcQao tlrada da
existencia de crimes praticados por funcionarics publi-
cos no exercido das suas fungoes. Pois nao punira ai a
lei criminal fatos que transgrediram deveres funcionais
e atentaram contra os interesses peculiares dos services
administrativos?
Sem diivida. Mas, alem desses interesses peculia
res aos servlgos, estao em causa interesses essenciais da.
comunidade politica; o fato daqueles estarera defendi-
dos pela repressao disciplinar nao exclui a necessidade
de defesa destes atraves da repressao criminal.
390' DntETTO ADMINISTRATIVO

O caso nao se da apenas com a Administragao Pd-


blica e os seus servijos. Quando um empregado infiel
desvia fundos da caixa da empresa privada onde tra-
balha, esta defende os seus interesses proprios despe-
dindo-o, mas essa repressao intema nao basLa, porque
a ofensa ao direito de propriedade exige tambem a re
pressao criminal do furto ou do estelionato.
Nao esquegamos que a disciplina regula o compor-
tamento de individuos ligados por lagos particulares de
colaboragao e subordinagao a certo grupo social exis-
tente no seio da comunidade politica. O grupo social e,
pois, uma parcela da comunidade politica, esta incluido
nela, e nem os seus interesses nem os seus atos sac indi-
ferentes a essa comunidade. A ofensa a interesses do
grupo pode determinar uma reagao da comunidade poli
tica exatamente como sucede em relagao a interesses
indiinduais cujo respeito o legislador considere essencial
a existgncia e ao desenvolvlmento da vida em comum.
Portanto, o mesmo fato pode desencadear a repres
sao disciplinar e a repressao criminal, ser considerado
infragao disciplinar e crime, na medida em que, alem
de ofender ou por em perigo interesses proprios de um
grupo, va tambem atingir interesses reputados essen-
ciais da comunidade politica. Estamos perante duas for
mes distintas de repressao que sao exercidas separada-
mente e sem que uma prejudique a outra. A punigao
disciplinar nao impede a punigao criminal, e a conde-
nagao numa nao envolve necessariamente a condenagao
na outra.
Ttm regra o procedimento disciplinar e independente
do procedimento criminal, no que respeita a aplicagao
das penas: 6 doutrina acolhida no art. 200 do Estatuto
Brasileiro dos Funcionarios Civis da Uniao. A indepen-
dSncia dos dois procedimentos cond-uz k independSncia
na aplicagao das penas, nao constituindo violagao da
Agentes 301

regra "tiqu bis in idem", a punijao do mesmo fate nas


duas jurisdifoes.
A independencia das duas instancias — criminal e
disciplinar — suscita, porem, alguns problemas.
Nalgumas legislagoes, quando o agente comete fato
qualificavel como crime contra a Administragao Publica,
o juiz pode, no process© criminal, aplicar cumulativa-
mente com a pena eabivel ao crime, segundo o Codigo
Penal, a pena acessoria de demissao das fungoes publi-
cas tambem neste cominada (Cod. Penal Bras. art. 68).
Noutras, 0 crime contra a AdministraQao Publica i
considerado especriicamente na lei administrativa como
infracao disciplinar, pelo que, pronimciada a sentenga
condenatoria pelo tribunal e transitada em julgado,
dela deve ser dado conhecimento a autoridade adminis
trativa para que o orgao competente aplique a pena de
demissao (e o sistema consagrado no Estatuto Federal
Brasileiro, art. 207).
Noutras ainda, denunciado o fato ilicito cometido
por um agente administrative que possa ser capitulado
infragao disciplinar e infragao criminal hi que instaurar
simultaneamente processo disciplinar e inquerito policial
que seguirao seus tramites separadamente, — e este
procedimento tambem e admitido pelo Estatuto Brasi
leiro, arts. 200 e 226, embora o art. 229 preveja o caso
de so depois de averiguada a infracao disciplinar se veri-
ficar que corresponde a um tipo criminalmente punivel,
determinando que, nesse caso, apos a punigao discipli
nar, seja remetido o processo a autoridade competente
para exercer a agao criminal.
Quando corram sucessivamente os dois processes —
criminal e disciplinar — a independencia das duas ins
tancias ira ao ponto de cada uma delas dever ignorar
as decisoes da outra?
392 DntKITO ADMINISTRATn'O

Ha que distinguir.
Se a sentenga penal der como provada a pritlca de
certos ^atos e a respectiva autoria, a autoridade adml-
nistrativa tern de respeitar a coisa julgada.
Mas a absolvigao em processo criminal nao impede
que, pela mesma conduta do reu absolvido, este seja
punido em processo disciplinar. E as razoes sac obvias.
Em primeiro lugar, so e punivel criminalmente o fato
que se ajuste ao tipo de infragao descrito na lei — a
infraqao criminal e tipica; ao passo que a infragao dis
ciplinar, per via de regra, e atipica, bastando que o iato
caiba na definigao generica de violagao dos deveres fun-
cionals.
Em segundo lugar, as exigencias de prova no pro
cesso criminal sao muito mais rigorosas do que no pro
cesso disciplinar, onde prevalece o principio da convicgao
de quem decide acerca da existSncia da infragao puni
vel. sabido que certos fatos de corrupgao, de preva-
ricagao ou de concussao ou xaramente sao suscetiveis de
prova bastante para a condenagao em juizo criminal,
mas podem deixar rastro ou indicios suficientes para
justificar a punigao disciplinar.
De modo que sempre sustentamos, com apoio na
legislagao e na jurisprudencia portuguesas, que a auto
ridade administrativa pode dar como provados em pro
cesso disciplinar fatos pelos quais o responsavel haja
sido absolvido em processo criminal.
No Brasil a jurisprudtocia do Supremo Tribunal
Federal nao acolhe esta doutrlna quando o procedi-
mento administrativo se baseia tao-s6 em fato previsto
como crime e o argiiido e absolvido deste pelo juizo cri
minal. Neste caso, em que o elemento material das duas
infracoes e a sua qualificacao juridica sao identicas nas
duas jurisdigoes, a absolvigao no foro judicial faz desa-
parecer o fundamento da agao disciplinar. Esta so se jus-
agentxs say

tificara se, al6m da materia criminal apreciada em juizo^


houver qualquer coisa mais — denominada jalta resi
dual — a apreciar disciplinarmente.

172. Chama-se infragao disciplinar ao fato volunt^rio


praticado pelo agente administrativo com violagao de
alguns dos deveres que nessa quaiidade Die caibam.
Na infragao ha a distinguir o que propriamente res-
peita ao fato, do que constitui qualificagao juridica do
fato como falta disciplinar.
No fato tem de anaUsar-se a materialidade, a auto-
ria e a voluntariedade.
Materialmente o fato pode consistir em agao ou em
omissao expressas na conduta, Isto e, traduzindo um
comportamento contrario ^quele que o cumprimento do-
dever impunha: o fimcionario agiu de maneira diferenfce
daquela que devla ou nao agiu quando devia ter agido..
De qualquer modo tem de haver uma conduta, nao bas-
tando o simples propdsito formado na mente mas nao-
traduzido em comportamento externo. Para que haja
infragao nao e indispensavel que desta conduta tenha
resultado alguma conseqiiencia perturbadora ou preju
dicial para o servigo ou para outrem: a agdo ou a omvi-
sdo inde-vidas sao puniveis independentemente de terem
produzido resultado, apenas pelo perigo que em si mes-
mas constituem. A infragao disciplinar i formal e s6
em certos cases a lei inclui na definigao de alguma in
fragao a produgao de resultados maleficos. Considera-se,
porem, circunst&ncia agravante da responsabilidade do
agente o fato de se haverem efetivamente produzido re
sultados prejudiciais ao servigo pdblico ou ao interesse
geral nos cases em que o funcionario devesse prever essa
consequencia como efeito necessario da sua conduta.
Nestes cases ha que provar o nexo de causalidade entre
-.394 DIREITO ADMINISIRATrVO

o prejuizo ou dano verificado e a conduta irregular do


.agente.
O fate pode conslstir numa agao ou omissao isoladas
-ou numa conduta prolongada, continuada ou sucessiva.
Quando a voluntariedade, ha que atender a distin-
•gao elassica entre culpa e dole ou intengao. O agente
tern culpa quando, estando consciente e possuindo liber-
•dade moral para se conduzir, haja deixado de cumprir
um dever ainda que por simples distragao, inconside-
ragao, leviandade, falta de conhecimento das normas
:aplicaveis... A intengao pressupoe uma conduta ado-
tada no designio de produzir determinado resultado, em
si mesmo ilegal ou danoso. E quando tal designio e for-
Toado no espfrito do agente e mantido vinte e quatro
horas, pelo menos, antes da pratica do fato Qiz-se que
houve premeditagdo.
A infragao disciplinar existe independentemente do
resultado perturbador do servigo e, portanto, basta a sua
produgao que o agente tenha procedido consciente e li-
"vremente ao praticar a agao ou ao cometer a omissao;
-e suficiente a mera culpa, sem necessidade de intengao.
Quando se prove que houve da parte do agente von-
tade determinada de, pela conduta seguida, produzir
resultados prejudiciais ao servigo publico, ao interesse
geral ou a terceiros, quer estes se veriflquem quer nao,
a responsabilidade do agente e agravada e o mesmo su-
eede havendo premeditagao.
So nos casos em que a prdpria natureza da infragao
o exija ou a lei presereva e que a intengao constitui ele-
mento essencial do fato.
Saber se houve ou nao culpa ou intengao implica a
averiguagao da autoria: quem praticou a agao ou a omis
sao? O autor da infragao disciplinar de que eslamos
tratando tem de ser um agente administrative. Adiante
AcEms 395

■veremos em qua termos os agentes sao responsaveis dis-


.ciplinarmente.

173. Apurado o fato, isto 6, que houve agao ou omis-


•sao imputavel a um agente adroinistrativo e portanto
livre e conscientemente praticada — resta saber se esse
fato pode ser juridicamente qualificado como infragao
■disciplinar.
Essa gualificagao juridica resulta da prova de que
■0 fato violou algum dos deveres que ao seu autor in-
•cumbiam na qualidade de agente administrativo.
Os deveres variam com a natureza do departamento
•e do quadro a que o agente esta afeto, com a sua cate-
goria, com o cargo que exerce. ..
Mesmo quanto aos deveres gerais ou comuns dos
funcionarios civis, ainda quando enumerados, limita-se
essa enumeragao a mero enunciado sem a determinaQao
precisa de todos os comportamentos nele abrangidos. A
indicaqao de um dever — veja-se o dever de probidade —
nao basta para esgotar todo o seu conteiido, que pode
ser rico e cuja interpretagao e varidvel consoante a po-
sigao do agente, a indole do servigo que presta e as cir-
cunstancias em que atua.
For isso, enquanto o iliclto criminal se traduz na
formula^ao ezata e precisa da conduta proibida, origi-
nando tipos legais de InfraQao fora de cujo esquema nao
e admissive! a punibilidade, e disciplinarmente ilicita
qualquer conduta do agente que transgrida a concepgao
dos deveres funcionais valida para as circunst-^ncias con-
cretas da sua posigao e atuagao.
Pode normalmente ser quallficada como infraQao
•disciplinar qualquer conduta de um agente que caiba
na definicao legal: a inpagdo disciplinar e atipica. S6
•em certos easos a lei define as condigoes de existencia
da infragao, criando entao xrm tipo,
398 DlHETTO ADMUOSTRATCTO

174. As infragoes disciplinares nao slo, pois, tipicasr


as leis especificam fatos que podem ser considerados in-
fragoes, mas nem essa especificagao e taxativa, nem
constitui a descrigao rigorosa do tipo de conduta puniveL
Os preceitos que referem fatos disciplinarmente puniveis
sao indieativos, meras normas de orientagao para sem-
rem de padrao ao interprete.
As infragoes podem ser classificadas segiondo crit6-
rios extraidos da definigao. Assim se distingiiirao infra-
goes per agao ou por omissao, culposas ou intencionais,
de perigo ou de resultado... Tem maior interesse, po-
rem, a classificagao que se faga segundo os deveres vio-
lados, donde resultam as infragoes de deveres profis-
sionais, as infragoes aos deveres de conduta na vida pri-
vada e as infragoes de natureza politica.
o dever infringido — de atuagao ou proibigao —
que individualize a infragao. Algumas infragoes disci
plinares sao tradicionalmente designadas por nomes-
proprios, o que nao quer dizer que sejam sempre tipicas.
Assim, infragao do dever de obediencia origina a.
desobediencia. Come se trata de um dever regulado na
lei a infragao so existe quando se verifiquem os requi
sites legais. Produz-se a desobediSncia quando o agente
nao cumpra ordem do seu legitimo superior hier^-
quico dada em objeto de servigo, nao manifestamente
ilegal ou que, havendo lugar a respeitosa representagao
sobre o seu conteudo, Ihe seja transmitida por escrito
com garantias de autenticidade.
O dever de assiduidade da lugar a varias infragoes.
tipicas. Em primeiro lugar, a falta injustificada sancio-
nada nos termos da lei com perda do vencimenlo eor-
respondente e desconto no ,tempo de servigo; depois, a
falta de assiduidade, constituida por faltas dadas inter-
poladamente durante um periodo de doze meses, sem
justificagao (sessenta, nos termos do § 2.° do art. 20T
Agentes 397

(tlo Estatuto dos Funcionarios Publicos Civis da Uniao);


•enfim o abandono de cargo resulta da falta de compa-
rSncia ao servigo com a intengao de nao regressar, isto e,
•de nao continuar a exercer as fungoes, intengao que se
presume pela falta durante trlnta dias consecutivos sem
justa causa (Est. cit., art. 207, § 1°).
O essencial no abandono do lugar e a intengao de
nao exercer mais as fungoes. O funcion^rio, em vez de
solicitar regulamiente a exoneragao ou porque esta Ihe
foi negada, rompe de fato os vinculos de servigo. Em
legra, a intengao presume-se pelo fato do desapareci-
mento do agente durante largo periodo sem justa causa:
.as leis fixam esse periodo em trinta dias consecutivos,
-devendo entender-se que se refere a dias uteis, isto k, dias
em que o agente deveria ter comparecido ao servigo e
assinado o livro do ponto onde diariamente sera notada
a sua falta.
O abandono de cargo e, pois, uma infragao inten
tional: nao basta o fato de faltar, k preciso que as faltas
■consecutivas corresponda o propdsito de romper o vin-
culo de servigo, que haja portanto a intengao de produzir
tal resultado. Dai que se admita que o agente demonstre
nao ter tido tal intengao, ilidindo a presungao resul-
lante das trinta faltas injxrstificadas.

175. O agente administrative 6 responsavel disciplinar-


mente pelo cumprimento dos seus deveres. Ha de pro-
teder de acordo com o que eles prescrevem e de responder
pelos atos que pratique, prestando contas aos seus supe-
riores, e dai que o Estatuto Brasileiro chame a esse
tipo de responsabilidade — responsabilidade adminis-
trativa (arts. 196 e 199).
Essa responsabilidade comega no momento em que
o agente efetivamente inicia o exercicio do cargo em
que foi provide.
398 DIREITO ADMINISTRATIVO

Os fatos pelos quais os agentes tern de responder


disciplinarmente sao, nao s6 os praticados enquanto se
achem vinculados a Administracao, mas podem ser ou-
tros de que tenham sido autores anteriormente a inves-
tidura no lugar.
Todavia e muito melindrosa a efetlvagao da respon-
sabilidade disciplinar por atos praticados anteriormente
a investidura na fungao publica. Excluimos por agora
a hipotese de o investido ser alguem que em tempos haja
exercido outro cargo de que se tenha exonerado, apu-
rando-se depois da nova investidura que no exercicio do
cargo anterior praticara infragoes pelas quais nao fora
oportunamente responsabilizado: adiante a considera-
remos.

Quem pela primeira vez e investido num cargo pii-


bllco nunca podera ser chamado a responsabilidade por
ter antes cometido infragoes profissionais visto estas, per
definigao, resultarem da violagao de deveres inerentes ao
exercicio de um cargo. Portanto s6 poderd ser respon
sabilizado por fatos qualificaveis como infragoes de con-
duta na vida privada ou de natureza politica que se pro-
Jetem na sua situagao atual de agente.
E o que pode acontecer quando se verifique ter o
agente ocultado fatos cujo conhecimento oportuno terla
impedido o provimento: neste caso e a ocultagao dos
fatos pelo agente que constitui a infragao punivel.
Outras vezes os fatos nao tinham de ser declarados
peio candidate ao cargo publico, e eram geralmente des-
conhecidos, mantidos em discreto silencio, mas ap6s o
provimento tornam-se conhecidos ou originam escan-
dalo: nestes casos o conhecimento ou o escandalo veri-
ficam-se ja durante o exercicio das fungSes do agente,
-e e fato atual de atingirem a sua reputagao e prestigio
que pode originar a efetlvagao da responsabilidade dis
ciplinar.
Agentes 3.9!)

O conhecimento ou o esc^ndalo hao de respeitar,,


porem, a fatos criminosos ou desonrosos suscetiveis de-
ainda lesarem a reputagao e bom nome do funciondrio,,
— nau anistiados ou de que nao tenha havido manifesta
regeneracao. E nao devem nascer de conduta qua ao par
ticular fosse Hcita e apenas revestisse carater faltoso
quando imputada ao funcionario, qualidade ainda naO'
existente a data da sua pratica.
Em resumo, o agente so podera ser responsabilizado
por fatos praticados anteriormente a eiitrada em exer-
cicio desde que, revelados so depois desta, resulte do-
conheclmento publico dos fatos perigo de desprestigio ou
perturbagao para o servigo; mas e preciso que sejam tais
que, conhecidos oportunamente, fossem de molde a im-
pedir o provimento e que o seu carater punivel nao re--
suite de deveres contraidos exclusivamente em conse-
qiidncia do exercicio das fungoes.
A responsabilidade dlsciplinar mant6m-se enquantO'
durar o vinculo que liga o agente a Administragao, qual-
quer que seja a situagao em que ele se encontre. Se a'
situagao for de inatividade ou de aposentadoria, o agente-
6 responsivel pelos fatos praticados anteriormente, no
exercicio das funcoes, e por aqueles que nessa situagao-
cometa com violagao dos deveres subsistentes.
Cessa a responsabilidade dlsciplinar por morte do-
agente; e em relacao a certos fatos, pela anistia ou pela
prescrigao, nos casos em que a lei a admita, pois ha
faltas consideradas muito graves "que em muitos Paises"
as leis consideram imprescritiveis.
Nao deve confundir-se a responsabilidade (dever de-
prestar contas as entidades competentes pelos fatos pra
ticados) com a efetivagdo da responsabilidade que tern,
lugar, neste caso, pelo exercicio da agao dlsciplinar a
qual culminar^i, pela absolvigao ou pelo castigo da infra--
gao cometida. A decisao resultante da efetivagao da res- •
400 DIRBITO ADMINISTRATIVO

jonsabilidade devera ser executada, o que tem parti-


-cular iraportancia quando hajam sido aplicadas penas.
O agente pode ter violado os deveres pelos quais e
.responsivel e todavia nao se efetivar a sua responsa-
"bilidade, por desconhecimento do fato per parte dos su-
periores ou per estes entenderem ser desnecessaria a
agao disciplinar.
A efetivacao da responsabilidade existente durante
o exerclcio do cargo pode ocorrer so depois de o funcio-
nario deixar de estar em atividade ou mesmo apca o
autor dos fates ja ter perdido a qualidade de agente.
2<fa verdade, acontece com freqiiencia que so tempo de
pois de ocorridos os fatos eles sao conhecidos e podem
.ser apreciados. Quando essa apreclagao conduza h con-
clusao de ter havido infraqao punivel, o fato de o res-
ponsavel ja nao estar ao servigo ou ja nao ser agente,
.nao e necessariamente impeditivo de aplicagao das san-
goes justas. Ao funcionario exonerado pode, por exemplo,
.ser imposta a pena de^ demlssao, o que nao altera a sua
situagao mas produz efeitos graves, sobretudo a de
Impedir o condenado de voltar a desempenhar eargos
publicos. Quando a execucao da pena aplicada, porem,
pressupuser o exercicio de fungoes, entio a pena 6 ine-
xeqiiivel, salvo se o condenado algum dia retornar ao
servigo ou voltar a adquirir a qualidade de agente: a
pena aplicada sera averbada no registro biogrdfico ou de
assentamento individual do condenado e publicada, de
modo que eventualmente possa vir a ser executada.

176. A responsabilidade e suscetivel de graduagao: con-


soante as circunstancias pessoais, funcionais, de tempo
e de ocasiao em que o fato for praticado, assim se devera
avaliar o seu grau.
As leis mandam atender, em geral, a natureza do
servigo, a categoria do agente e ^ demais circunstlin-
Agentes 401

cias da comissao da infragao e em especial a certas cir-


cimstancias que atenuam ou agravam a responsabilidade.
Assim, sao em especial circunstancias agravantes
da responsabilidade pela pratica de infragoes discipli-
nares, a produgao efetiva de resultados prejudiciais ao
sendee, ao interesse geral ou a terceiros nos casos em
que fosse previsivel como efeito necessario da conduta;
a intengao de produzir esses resultados; a premeditagao;
a combinagao ou coligagao com outras pessoas para a
pratica do fato; o ser praticado durante o cumprimento
de uma pena disciplinar; a reincidencia; a acumulagao
de infragoes; a publicidade do fato provocada pelo pro-
prio agente; a pratica depois de advertido por outro fun-
cionario do carater ilicito do fato; a categoria superior
e o rdvel intelectual e de cultura, etc.
Sao circunstAneias atenuantes, em especial, da res
ponsabilidade disciplinar, o bom comportamento ante
rior do agente, o ter prestado servigos relevantes, a con-
flssao espontanea do fato, a provocagao de superior
hierarquico, o ter sido praticado o fato por acatamento
de boa-fe de ordem superior a que nao fosse devida obe-
diencia etc.
Ha tambem que admitir uma hierarquia de deveres
a cmnprir pelo agente, a qual reveste a maior impor-
tancia no case de haver colisao entre dois deles. Assim,
se um agente viola certo dever em conseqiiSncia de
cumprimento de ordem de legitimo superior hierarquico,
em objeto de servigo, a que devesse obediencia, o dever
de obediencia justifica as outras Infragoes: mesmo quan-
do a ordem seja ilegal, o direito de respeitosa represen-
tagao pode ser exercido por quem a recebe "para salva-
guarda da sua responsabilidade".
Nos outros casos de colisao entre dois deveres e a
quem exerce o poder disciplinar que compete valor£-los

2ii - 26
402 DIEEITO ADMIKISTRATIVO

de modo a saber se o cumprimento de um justificava,


nas circimst§,ncias do case, a violagao do outro.

177. Quando a efetivagao da responsabilidade discipli-


nar conduzir ao apuramento de uma inlragao, esta deve
ser normalmente purdda medlante a aplicagao de uma
pena.
A pena consiste na sancao pela qual ao autor do
fate § infligido um sofrimento que em si mesmo difere
do sacrificio resultants da ezecugao da obrigagao cuja
violagao originou o llicito castigado.
Destinam-se as penas disciplinares, como quaisquer
outras, a coriigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir
ao autor do fato punido a incorregao do seu procedi-
mento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e
previnem, pois nao so procuram evitar que o agente cas
tigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a
todos OS outros, mostrando-lhes as consequencias da md
conduta. Desta foima, atraves da agao imediata sobre
OS agentes, a aplicagao das penas disciplinares tern por
fim defender o servigo da indisciplina e melhorar o seu
funcionamento e eficiencia, mantendo-o fiel aos seus
fins.
A gravidade da pena a aplicar depende do grau de
responsabilidade do agente. Ora a apreciagao desta esta
entregue ao criterio dos titulares do poder disciplinar,
que a avaliarao de acordo com o conhecimento da perso-
nahdade do infrator e das circunstSncias em que agia.
O mesmo fato podera ter diferente gravidade quando
cometido por um agente jovem e inexperiente no Inicio
da sua earreira ou per um veterano da fungao publica
e ainda, neste ultimo caso, consoante se trate de fun-
cioniiio com cadastro disciplinar ou, pelo contrario,
com uma folha de servigos de exemplar comportamento.
O mesmo fato tera de ser punido diferentemente con-
Agentes 40S

forme haja side produzido per incidente numa repar-


tigao bem organizada e disciplinada ou surja como sin-
toma de desorganizacao e indisciplina de um servigo. Por
isso, ao contrario do que sucede' no Direito criminal, na
lei disciplinar nao se estabelece a correspondencia rigida
de certas sangoes para cada tipo de infragao, deixan-
do-se a quern haja de decidir amplo poder discricio-
nario para punir as infragdes verificadas.
Esta regra tem excegoes para certas infragoes e so-
bretudo quanto a aplicagao das sangoes mais graves —
como a demissao.
A legalidade das penas esta na enumeragao taxativa
das sangoes que podem ser aplicadas para castigar infra-
goes disciplinares: o superior pode escolher e aplicar
qualquer delas, mas so uma delas. No mesmo processo
nao pode ser aplicada mais de uma pena disciplinar.
Consoante a gravidade das infragoes e o interesse
dos servigos impuser, a pena aplicavel procurara me-
Ihorar o agente que se conserva ao servigo, ou expulsa-lo
dele por inconveniente, pemicioso ou incorriglvel; daqui
nasce a distincao entre penas corretivas e penas expul-
sivas.
Penas corretivas sao as que visam estimular o agen
te a cumprir melhor os seus deveres ou a ter mais cui-
dado no cumprimento deles.
Penas expulsivas sac as que tdm como efeito afastar
do servigo o agente cuja presenga se revelou inconve
niente aos seus interesses, dignidade e prestigio.
As penas corretivas classificam-se em morais, pe-
cunidrias e profissionais.
a) Penas morais — Atingem o funcionario no seu
brio ou no seu amor proprio, consistindo num chama-
mento de atencao (advertencia ou admoestagao) ou
numa censura (repreensao), feita por qualquer superior
404 DIREITO ADMINISTRATIVO

hierarquico independentemente de processo e sem dar


lugar a recurso.
Quer a advert§ncia, quer a repreeensao, admitem
varios graus, podendo a ultima ser verbal ou escrita,
confidencial ou pdblica.

b) Penas pecunidrias — Consistem na privagao de


vencimento imposta ao funcion^io per certo numero
de dias ou na obrigacao de pagamento de uma quantia
fixa (multa).

c) Penas profissionais — Sao as que atingem o


agente na sua carreira profissional ou situagao funcio-
nal, modificando-a em seu prejuizo, como a suspensao.
Quanto as penas expulsivas, sao a demissao e a ces-
sagao de aposentadoria ou disponibilidade, quanto ao
inativo. Aplicam-se nos casos de extrema gravidade ou
quando o funcionario se tenha revelado inadaptavel as
necessidades do servigo: trata-se, entao, de um elemento
prejudicial que e necessario eliminar dos quadros para
que possam continuar a ser prosseguidos regularmente
OS fins da Administracao Publica.

178. A efetivagao da responsabilidade disciplinar com


pete aos superiores hierarquicos do agente responsavel.
Sao OS superiores que possuem autoridade para manter
a disciplina nos servigos, velando pelo cumprimento dos
deveres funcionais e pela observancia dos fins comuns c
punindo e recompensando cs seus subalternos; nessa au
toridade consiste o poder disciplinar.
Embora o objeto do poder disciplinar abranja tudo
quanto respeite ^ manutengao e defesa da disciplina, o
aspecto mais relevante do seu exercicio e o da repressao
das infragoes e por isso, em geral, costuma ser definido
apenas com referencia a ele.
Agentes 405

£ como autoridade conferida ao superior hierarquico


para reprimir as infragoes disciplinares cometidas pelos
seus subalternos que vamos ocupar-nos dele.
O estudo comparative dos textos nacionais e estran-
geiros mostra-nos que nem sempre o poder disciplinar
e conferido aos superiores no mesmo grau ou com as
mesmas caracteristicas de exercicio.
O poder disciplinar desdobra-se em duas faculdades:
uma, a competencia para exercer o que chamaremos a
agao disciplinar; a outra, a competencia para formar
juizo sobre as infragoes e, eventualmente, aplicar san-
goes.
A agdo disciplinar consiste na faculdade de promo-
ver a averiguagao dos fatos que possam ser qualificados
como infragoes, para efeito de eventual repressao.
Esta faculdade nao se confunde com o poder de ina-
pegao, pois enquanto este e exercido constantemente
para que o superior saiba como funcionam os servigos
na sua depend^ncia, a agao disciplinar pressupoe o co-
nhecimento de uma perturbagao que imports averiguar
8 corrigir.
Quando o superior exerce a agao disciplinar, deter-
mina a abertura de um processo, mas que nem sempre
sera ele a decidir.
A competencia para aplicar sanqoes as infragoes
apuradas no processo pode pertencer ao proprio superior
que 0 mandou instaurar, a outro de mais alto grau
hierdrquico, ou a um conselho disciplinar cujas decisoes
sejam de per si executorias ou vinculem o superior que
tenha de aprova-las para afeito de execugao.
Se a competencia para aplicar as sangoes pertence
a um superior hierarquico temos a disciplina hierarqui-
zada.
No caso dessa competencia pertencer a um 6rgao
especial perante o qual o superior com agao disciplinar
406 DIREITO ADMIHISTEATIVO

promova o processo, ou a urn; conselho cujos pareceres


vinculem de tal modo que k hierarquia nao seja pos-
sivel afastar-se da decisao proposta (salvo, era certas le-
gislacoes, para mitigar a pena), havera disciplina jtcris-
didonalizada.
•Quando a disciplina esteja hierarquizada ainda ha
a distlnguir o poder Merdrquico integro, que faculta ao
superior competente decidir por si so, consoante o seu
criterio e sem recurso; e o poder Merdrquico condicio-
nado pela observancia das formalidades de uin processo
legalmente regulado ou pela previa audiencia obriga-
toria de um orgao colegiado consultivo, em regra inte-
grada no processo, facultando-se ainda ao interessado
recurso contencioso para discutir a legalidade da decisao
final.
Se a disciplina estiver jurisdicfonalizada, tambem ha
a distinguir a iorma jurisdicional perfeita em que o
superior hierarquico atua, por si ou por intermedio de
delegado seu, apenas como promotor de justiga jimto
de um orgao independente que, atendida a defesa do
argiildo, profere uma sentenga (nuns paises imediata-
mente executoria e noutros carecida da ordem de exe-
eugao do orgao superior da hierarquia); e a jorma ju
risdicional imperfeita, que admite a instrugao do pro
cesso pela hierarquia perante a qual o argiiido se defen-
dera, para so na fase da decisao dar lugar k intervengao
de um conselho que julgue o caso emitindo a proposta
de uma decisao que a hierarquia nao podera alterar,
ou que so podera alterar em sentido mais favoravel ao
argiiido.
Alem destes tipos de exercicio do poder disciplinar
encontram-se nas leis combinagoes deles originando so-
lucoes mistas. Segundo o Estatuto belga, por exemplo,
OS superiores hier^quicos sao competentes para instau-
rar e instruir o processo disciplinar, com faculdade de
Agentis 407

defesa do ar^do, e para aplicar a sanQao considerada


justa. A decisao punitiva e comunicada ao argiiido que,
ou se conforma, ou pode recorrer dentro do prazo de
dez dias para a Cdmara de Recursos do seu Ministerio,
coraposta por um magistrado e por assessores, designados
metade pelo Ministro e metade pelas organizagoes sin-
dicais legais. Junto da Caiuara, um promoter, nomeado
pelo Ministro, defende a decisao, convertida em proposta,
e o argiiido comparece pessoalmente com a faculdade de
nomear defensor. Se a C&mara desatende o recurso, a
decisao recorrida toma-se definitiva; se o seu parecer
for favoravel ao recorrente, e remetido ao Ministerio que
decidira, podendo discordar mediante resolugao funda-
mentada.
CAPrruLO IX

BENS

§ 1.®

DOMINIO PUBLICO

179. Bens p-dblicos e dominio publico.


180. Caracteristicas do regime publico dos bens.
181. Fundamento da submissao dos bens ao regime
publico.

182. A utilidade publica, f■ undamento da dominiali-


dade.

183. Graus de utilidade pdblica dos bens. A questao do


dominio privado indisponivel.
184. Terras vagas ou devolutas. Reservas nelas cons-
tituidas.

185. Comerciabilidade de direito publico.


186. Universalidades publicas.

179. A Administracao Publica, para desenvolver a sua


atividade, carece de bens, isto e, de coisas moveis e imo-
veis, e tambem de ser titular de direitos reals sobre coi
sas que nao sejam propriedade sua.
410 DIREITO ADMINISTRflTIVO

Nuns casos as pessoas juridicas cujos orgaos exer-


cem atividade administrativa nao precisarao de poderes
diferentes dos que sao conferidos pelo Direito Privado e
Tsasta-lhes, para realizar os seus objetivos, mover-se den-
tro das normas dess© ramo de Direito.
Mas noutros, tais poderes sao insuficientes. A Admi-
nistragao carece de proceder segundo regras proprias do
Direito Publico.
O amor da simetria tenta-nos a seguir nesta mate-
xia o mesmo metodo adotado nos capitulos anteriores,
discriminando de entre os bens de Administraqao ou bens
■publicos, ^ sujeitos ao Direito Comum, e aqueles que, per
estarem submetidos ao regime do Direito Publico, se de-
veriam chamar bens administrativos.
Mas exist© uma tradicao no vocabuiario juridico que
nao convem abandonar. Os poderes que a Administragao
Publica exerce sobre as coisas formam o seu dominio.
A Administracao Pilblica recebe da lei uma jurisdigao
senhorial sobre as coisas que revest© varias modalidades:
vai desde a propriedade privada (dominio ■privado, pa-
trimdnio), passando per um tipo de direito real que tern
sido denominado propriedade publica por ©star proximo

1 No Direito Brasileiro, sob a influencia do Codigo Civil


de 1916, a expressao bens ptlblicos abrange todos os bens que
perteneam a pessoas juridicas de direito publico, sejam domi-
niais —■ de uso comum ou especial —, sejam dominicais ou pa-
trimoniais. fil o que corresponds a nossa expressao — bens da
Administragdo.
Assim, quando o art. 171 da Constituigao de 1967-69 diz que
"a lei tederal sobre as condlfoes de legitlma5ao da posse e de
preferencia para aquisi?ao, ate cem hectares, de terras publicas
por aqueles que as tornarem produtivas com o seu trabalho e
0 da sua familia", entende-se que terras publicas sao todas as
que possam ser consideradas bens pdbllcos (e nao apenas as
devolutas) contanto que, para os efeitos desse artigo, se achas-
sem incuitas antes do aproveitamento pelos posseiros.
Bens 411

do instituto da propriedade segundo a concepgao clas-


sica, e per formas de dlreitos reals sobre coisas alheias
(serviddes administrativas, restrigoes de utilidade pubU-
ca d p- ropriedade -privada...), ate chegar a jurisdigao
inerente a soberanla sobre o territdrlc e suas riquezas
inexploradas, o espaqo maritimo ou o espago a6reo, tra-
duzlda em dlreitos de admmistragao e de pollcia e as
vezes de fruigao, que formam o que se tem chamado o
dominio eminente.
O dominio publico conespondera, pois, ao conjimto
dos direitos reals que a Administragao Publica tem por
lei sobre o teriitorio e seus espagos, coisas proprias nele
indivldualizadas ou bens alheios, conferidos para serem
esercidos no regime peculiar do Direito Piiblico.

180. Qual e 0 regime de Direito Publico desses direitos


reais?
Em primeiro lugar poderemos assentar nisto: o ti
tular dos direitos reais administrativos ou direitos do-
miniais (refeilndo daqui por diante o adjetivo dominial
sempre e apenas ao "dominio publico") deve ser uma
pessoa juridica de direito publico. Pode esta pessoa trans-
ferir o exercicio desses dlreitos para entidades privadas,
mas a raiz dos dlreitos, a sua titularidade, o senhorio,
permanece nas entidades pilblicas.
Em segundo lugar esses direitos sao sempre resul-
tantes da lei: 6 a lei que os cria, define a sua extensao
e atribui a sua titularidade.
Em terceiro lugar os direitos devem ser exercidos
para permitir o uso dos bens por todos ou em proveito
da coletividade.
Em quarto lugar esses direitos estao fora do comer-
cio juridico-privado e so sao suscetiveis de disposigao nos
termos especialmente regulados pelo Direito Piiblico.
412 DIREITO ADMINISTRATIVO

Finalmente, os titulares dos direitos exercem sobre


as coisas que deles sao objeto o poder da policia e tern
a faculdade de, por meios administrativos, praticando
atos de autoridade (definitivos e executorios) os defen-
derem contra pretensoes, turbagoes ou esbulhos de ter-
celros.

181. Que e que justifica a submissao de certos bens ao


regime do Direito Publico?
Primeiro temos os bens que, sendo por sua natureza
insuscetiveis de apropriagao individual, nio podem dei-
xar de ser fruidos por todos: e o caso do ar atmosferico
e das aguas do mar. Sucede, porem, que certas utiliza-
coes dos espagos ^eo e maritime se revestem de especial
importancia para a comunidade politicamente organi-
zada. E, por isso, uma coluna da atmosfera e certa su-
perficie dos mares sao Incluidas no territorlo do Esta-
do-global e sujeitos a sua soberania. Hi um mar terri
torial como ha um espaco aireo territorial, onde o Estado
com jurisdigao no territorlo ribeirinho ou subjacente tern
0 direito de regulamentar os usos ou utilizacoes indivi
duals e de policiar esses usos, cada vez em maior niimero
e de maior importancia gragas aos progresses da tecni-
ca. Assim o Estado soberano exerce ai, como em todo
o seu territorlo, especialmente quanto is riquezas eids-
tentes no subsolo, mn dominio eminente, projegao da
soberania.
Depois, vem os bens cuja fungao, por si proprios, e
satisfazer necessidades coletivas, isto 6, tern inerente a
sua existencia a utilidade piibUca. Enquanto forem o
que sao e como sao, hao de estar necessariamente ao
servigo da coletividade. E o que se passa com as estradas,
as pontes, as ruas, as pragas, os jardins... abertos ao
uso direto e imediato do publico, os rios navegaveis e
flutuaveis, os aeroportos, as linhas telegrificas e as es-
Bens 413

tradas de ferro cujo uso so seja possivel atraves das pres-


tagoes de um servigo publico, os arsenais, os aerodromos
militares, as fortalezas e os navios de guerra, destinados
a defesa naeional... Todos estes bens possuem utilidade
publica inerente a sua existencia e utilizagao. E per isso
nao se concebe que sejam objeto de propriedade privada
e devem estar sob o dominie de entidades piiblicas e num
regime em que seja permitido que cumpram o seu des
tine.
Finalmente, existem outros bens que tanto podem
ser afetados ao interesse privado corao a utilidade pu
blica. Em si, eles permitem qualquer dos destines — o
gozo particular eu e uso pelo piiblice. e que sucede,
per exemple, com colegoes de arte eu de livres que so
entram no dominie piiblice quande consideradas mu-
seus nacionais eu bibliotecas piiblicas, eu com certos
edificies cuja submissae ao regime de Direite Piiblice
depende da classificacao come monumentos nacionais ou
come palacios nacionais abertos a visita de todos...
Aqui a utilidade piiblica nao e inerente a especie dos
bens, mas sim fimcional, iste e, resultante de funcao que
Ihes seja per lei atribuida. E dai que, enquanto os bens
com utilidade publica inerente devem ser submetidos
ao regime do Direite Publico, os bens com utilidade pd-
blica fimcional apenas possam se-lo. No prlmeiro caso
a integracao no dominio piiblico e necessaria, resulta da
propria razao de ser dos bens, no segundo e facultativa,
e o legislador so a decretara se for conveniente ao mais
eficaz desempenho da fungao atribuida aos bens.

182. Temos sustentado, ao longo de mais de quarenta


anos de ensino, a doutrina de que o fundamento da sub
missae dos bens ao regime do dominio piiblico e a utili
dade publica: umas vezes natural, come no caso dos
espagos, outras inerente, como sucede com as coisas cuja
414 DiRErTO ADMIKISTRATIVO

razao de ser e a utilizagao pela coletividade, atraves do


uso individual ou pela AdministraQao Pdblica; outras
funcional, quando essa submissao e conveniente para
que as coisas, acldentalmente destinadas por decisao de
orgao competente a utilidade piiblica, cumpram a sua
funcao.
Que a utilidade piiblica e a ideia determinante do
dominio dos bens pela AdministraQao ve-se ate pelo fun-
damento universalmente reconhecido para a passagem
forgada de coisas da proprledade privada para a da
Administracao — a desapropriagao ou expropriaQao, que
So pode ter lugar quando os bens sao necessaries a
utilidade piiblica.
Os autores, hd muito tempo e em varios paises, tern
procurado o fundamento da submissao dos bens ao re
gime da dominialidade: e assim surgiram doutrinas
como a do uso publico — deveriam ser piiblicas as coisas
destinadas ao uso de todos —, a do servigo publico —
baseada na afetagao dos bens ao desempenho de um
papel principal num servigo essencial — a do fim admi-
nistrativo — aplicagao ou emprego dtreto a um fim d©
pessoa juridica de direito publico — e da afetagao —
isto €, destinagao formal a utilidade piiblica de coisas
que fossem objeto de proprledade da Administragao...
Em men entender estas doutrinas nao sao erradas:
contemplaram apenas um aspecto parcial da realidade.
Cada uma exaltou um tndice de utilidade piiblica dos
bens, transformando-o em fundamento da dominialida
de. Uso por todos diretamente ou atraves das prestagoes
de um servigo publico, afetagao a fim administrativo,
sobretudo o da defesa naclonal, afetagao ao piiblico de
coisas que podem ser particulares — tudo isso sao indi
ces de que os bens possuem utilidade piiblica, porque
naturalmente para tanto possuem vocagao, ou porque
Bens 41!>

foram construidos so para isso, ou porque uma decisao


do Poder os afetou a fungao de a produzir.
A doutrina da utilidade publica que defendo nao e
uma doutrina ecletica, nao pertence ^quele tipo de teo-
rias que procuram juntar pedagos de todas as outras e
realizar um sincretismo em que convivam opinioes di-
versas. uma doutrina perfeltamente definida. O nao
negar as outras nao significa que as aceite. Apenas as
reduz ao seu valor prdprio e nelas vg a demonsfragao
de uma pesquisa que se aproximou da verdade, tomando
precipitadamente os sinais isolados da realidade profun-
da como se cada um deles, por si s6, constituisse essa
realidade. O uso direto dos bens pelo pilblico e um sinal
da utilidade publica, mas nao esgota a utilidade publica
que pode revelar-se atrav^s de outros sinais — o uso
indireto e ate um uso coletivo indivisivel.

183. A utilidade publica apresenta-se em diversos


graus. Vimos que a submissao dos bens ao regime do
dominio publico resultava de um imperativo dessa uti
lidade publica — inelutdvel no caso do dominio eminen-
te, intensissimo na bipotese da utilidade inerente, mais
frouxo, implicando uma opgao, ao tratar-se da utilidade
funcional.

Ha paises onde a simples afetacao de um imovel ao


servico publico nao chega para o integrar no regime do
dominio publico. O ediffcio que seja propriedade da
Administragao onde funciona a repartigao, ou a escola
ou 0 hospital... nao e, ipso facto, submetido ao regime
do Direito Administrativo e pode permanecer no dominio
privado, como coisa do patrimonio da pessoa jurldica de
direito pdblico. Apenas, enquanto estiver afetado ao ser-
vigo pdblico, o imovel sera indisponivel: operada a desa-
fetagao, aplica-se integralmente o Direito Privado.
416 DIREITO ADMINISTEATIVO

Nesses paises, portanto, o Domlnio Privado da


Administrasao Publica esta dlvidido em duas classes: o
indisponivel e o disponivel. So e disponivel o patrimonio
fiscal que se limite a fomecer rendiraento, com mera
utilidade finaneeira, ou formado por bens nao utilizados
em servigo publico, que se destina, portanto, a reallzar
interesses pessoais da entidade piablica e nao os interes-
ses transpessoais que Ihe estejam atribuidos.
No fimdo nao se ve vantagem teorica na criagao da
classe do dominie privado indisponivel. A indisponibi-
lidade quer dizer que, enquanto afetados a fungao pu
blica, OS bens sao inalienaveis, impenhoraveis e impres-
critiveis, segundo o Direito Civil. Quer dizer: estao fora
do comercio juridico-privado. Mas essa e a caracteristica
fundamental do regime publico dos bens, de que decorre
a possibilldade do emprego de meios de autoridade da
Administragao para a conservacao e defesa da respectiva
propriedade e posse.
E, de maneira geral, todos os bens que estao no
domlnio publico por afetagao perdem o regime corres-
pondente desde que haja desafetagao.
So os espacos, cuja dominialidade resulta do di
reito eminente de dominio incluido na Soberania e que
constituem o que se pode chamar dominio publico na
tural, sendo por natureza objeto de fruigao comum por
todos OS homens, nao carecem de afetagao e nao sao
suscetlveis de ser desafetados do regime dominial.
Todos OS outros bens, mesmo os de utilidade publica
inerente, sao suscetlveis de desafetacao: a estrada pode
deixar de ser estrada, ou ser substitulda por outra via
publica que permita reduzir a antiga a serventia parti
cular, a fortaleza pode ser desarmada e desguarnecida,
o navio de guerra desativado e desartilhado e destinado
a atividades nao militares...
Bens 417

Desde que haja um ato de desafetagao, os bens do


dominio piiblico nao natiiral deixam de ficar sujeitos ao
regime respectivo e o que deles resta entra no comltcio
juridieo-privado.
For isso nao vemos fundamento logieo para excluir
do dominio piiblico qualsquer bens que, em razao da sua
utilidade piiblica, inerente ou funcional, sejam excluidos
do com^reio juridico-privado, isto e, a lei declare Inalie-
naveis, impenbor^veis e imprescritiveis.
A grande distingao a fazer no regime juridlco dos
bens devera ser entre hens dominiais e bens 'patrvmo-
niais.
Ora, o patrimdnio so compreende bens e direitos que
possam ser objeto de negocios juridicos, segundo o re
gime do comercio juridico privado.
Bens patrimoniais da Administracao Publica so se-
rao, portanto, aqueles de que ela possa dispor como qual-
quer pessoa, ainda que procedendo segimdo as normas
reguladoras da capacidade das pessoas juridicas de di-
reito piiblico e com as condigoes e pelas formas prescri-
tas pelas leis administrativas.
Esses bens patrimoniais e que constituiriam o domi
nio privado: dinheiro, titulos, predios de rendlmento,,
terras cultivadas, vagas ou devolutas e outras coisas, mo-
veis ou imoveis, que pertengam as entidades pdblicas
sem outra fungao ou destlno do que constituir riqueza
e produzir rendas, tudo mobillzavel como e quando seja
conveniente aos respectivos Interesses pessoais (nao es-
quecer a dlstingao que fazemos, de entre os interesses
que constituem atribuigoes das pessoas juridicas de di-
reito publico, em interesses pessoais e interesses trans-
pessoais: ef. atrds n.o 62).
E a esses Interesses pessoais da gestao e sustentagao
das entidades de direito publico que estao efetados os
bens patrimoniais que constituem o dominio privado no

214-27
418 DmEixo ADmniiSTRATivo

sentido restrito, imoveis e direitos sociais chamados bens


proprios segundo uma terminologia que ainda transpa-
rece na referenda aos proprios naeionais, ou, na expres-
sao usada pelo art. 66 do Codigo Civil Brasileiro, na se-
qiiencia de velha tradigao portuguesa, bens dominicais.
(cf. tambem os arts. 803, 804 e 810 do Regulamento do
Codigo de Contabilidade da Uniao constante do Decie-
to-Lei n.o 15.783 de 8 de novembro de 1922 e aprovado
pela Lei n.° 4.632 de 6 de Janeiro de 1923).
Nao se esquega de que sustentamos um ponto de
vista tedrico, meraraente logico: em cada Pais e preciso,
porem, consultar as leis vigentes e o que elas estabele-
cerem e que vale como Direito.

184. Entre os bens patrimoniais da Administragao Pd-


blica foi feita referenda as terras vagas que no Direito
Brasileiro sao denominadas terras devolutas, isto e, que
nao tendo done, nao sejam objeto de posse legltima nem
se achem aplicadas a algum uso publico.
Esta classe de bens existe, e com grande importan-
cia, em paises novos de vasto territdrio onde se encon-
trem grandes extensoes de terra por desbravar e ocupar.
A necessidade de impedir que a ocupacao se faga desor-
denadamente, pela lei do mais forte, empregando meios
violentos e originando futuras duvidas sobre a legiti-
midade da apropriagao por usucapiao e graves confli-
tos entre os que reivindiquem a propriedade das mesmas
areas, leva o Direito desses paises a evitar que as terras
vagas sejam consideradas res nullius sujeitando-as ao
domlnio eminente do Estado.
Passa entao a entidade publica que a Constituigao
designe como titular desse dominio a ser a liniea com-
petente para disciplinar a apropriagao das terras, con-
cedendo-as sob condigao de se mostrar em certo prazo
que foram aproveitadas pelo concessionaro para serem,
Bens 419

entao, reduzdas a propriedade privada, on regulando os


termos em qua a posse, com aproveitamento, pode legi-
timar a aquisijao per usucapiao.
Este foi o sistema de colonizagao que, definido em
Portugal no sdculo XIV sob o nome de lei das sesmarias
para desbravar e povoar as terras sem dono existentes
no Pals e por isso consideradas dominio de Coroa que
0 Rei podia conceder, foi depois utilizado por ocasiao
da expansao ultramarina portuguesa. No Brasil era pela
lei das Sesmarias que iam sendo dadas, aos colonos dis-
postos a desbrava-las, as terras por cultivar.
O dominio eminente sobre as terras devolutas ou
terras vagas continuou a pertencer a Coroa Imperial,
isto e, ao Estado, apos a Independencia do Brasil. A
Constituicao republicana de 1891, art. 54, dispds que
pertencem aos Estados (membros da Uniao) "as minas
e terras devolutas situadas nos seus respectivos territd-
rios, cabendo a Uniao somente a porQao de territorio
que for indispensavel para a defesa das fronteiras, for-
tificagoes, construcoes militares e estradas de ferro fe
derals."
O § unico desse artigo 64, refere-se aos "proprios
nacionais", designagao dada aos bens que estavam apro-
priados pela Nagao, integrados no regime de proprie
dade privada, no respective patrimdnio.
Desde entao as ConstituigSes federals tem ssmpre
atribuido aos Estados-membros o dominio sobre as ter
ras devolutas nao reservadas ^ Uniao (Constituigao de
1967-69, art. 5.0).
Dentro da orientagao que tragamos, as terras de
volutas nao estao no regime do dominio publico. O
seu destino 6 serem alienadas. Sao, pois, em principio,
disponiveis. Os Estados sao os conservadores desse pa-
trimonio nacional que serd tanto mais valorizado quan-
420 DIREITO ABMINISTRATIVO

to maiores parcelas agricultaveis forem sendo trabalha-


das e transferidas para a propriedade de particiilares.
Trata-se, pois, de bens patrimoniais, embora sujei-
tos a regime juridico especial.
Na extensao dos terrenes devolutos pode a lei cons-
tituir zonas onde vigore um estatuto proprio. Assim era
no Direito antigo (cujos principios se mantinham nas
provincias portuguesas de Africa ate 1974) quando
areas atribuidas a uma povoagao no respectivo foral e
que so OS orgaos do Municipio passavam, dai por dian-
te, a poder conceder em lotes para construcao on com
outros fins de interesse urfaano.
Grande importancia tinham tambem, as areas re-
servadas, — reservas — que a lei constituia, umas ve-
zes em beneficio das populagoes indigenas para que ne-
las livremente habltassem e fizessem suas culturas, em
geral divagantes, ou ciiassem seus gados, outras vraes
reservas para colonizagao, para protegao da Natureza
— florestais, zpologicas, biomaritimas, formando par-
ques nacionais — ou para exploracao pecuaria, apro-
veitamento hidraulico ou fins turisticos.
A caracteristica das reservas e a indisponibilidade.
Nalgumas, como as reservas indigenas, vedando quais-
quer uses diferentes dos visados com a sua criagao, nou-
tras, como as florestais, zoologicas e quejandas, abran-
gendo na proibicao quaisquer uses por entidades publicas
ou particulares, salvo as atividades necessarias para
conservagao e a exploragao com fins cientificos ou tu
risticos condizentes com os fins justlficativos da sua ins-
tituigao.
Sendo as reservas por principio indisponiveis pela
Administragao, parece, a primelra vista, que todas de-
veriam ser ineluidas entre os bens sujeitos ao regime do
dominio piiblico. Mas ha que distinguir.
Bbms 421

As reservas para prote^ao da Natureza, sim, creio


que no dommio publico deveriam ser consideradas.
Quanto as constitmdas para garantir o habitat e a
livre subsistencia de populagoes silvicolas, tern de ser
preservadas de atentados e cobigas alheias. Os terrenes
para esse efeito reservados deverao antes ser considera-
dos concessao coletiva a tribe para seu exclusive use co-
munitario: o art. 198 da Censtituigae Brasileira fala em
"posse permanente" com "direite ae usufrute exclusive
das riquezas naturals e de todas as utiiidades, nela exis-
tentes". Em geral es silvicolas nao tem a negao da pro-
priedade privada das terras, habituades come estao a
mover-se em largos espagos desocupados e sempre ao
seu dispor. Mas possuem a ideia de que a terra que
ocupam ou por onde divagam deve ser dominada pela
comunldade com direito de exclusao de terceiros. Sao
essas nogoes que tem de ser conhecidas e acatadas.

185. Sempre que me tenho referido k situagao jurl-


dica dos bens no regime do dominio pdblico, especifico
que eles se encontram fora do comercio iuridico-privado.
For com6rcio juridico entende-se o conjunto de re-
lacoes juridicas travadas pelas pessoas para realizagao
dos seus interesses legitimos.
As coisas que estao no comercio jurldico-privado sao
suscetiveis de ser objeto de direitos individuais e, por-
tanto, de ser objeto de prestagoes nas relagoes juridicas
estabelecidas segundo o Direito Privado. Podem ser re-
duzidas a propriedade, podem ser objeto de posse e so-
bre elas ou a seu respeito se podem celebrar contratos.
Ora as coisas que estao no regime do dominio pd-
blico nao sao patrimoniais, nao tlm valor de troca atual,
nao sendo aptas para permuta nem para transforma-
gao em difiheiro por oferta no mercado. Elas nao sao
redutivels a propriedade particular enquanto se acha-
422 DIBEITO ADMINISTRATIVO

xem nesse regime, nem sobre elas se podem constituir


direitos ou onus reals pelos modos do Direito Privado.
Todavia o regime do dominio piiblico possui os seus
modos proprios de permitir a constituigao e a circula-
gao de direitos sobre os bens nele compreendidos.
Assim, nao so se pode falar, em certos casos, em
■prcrpriedade ■publica como 6 admissivel a transferencia
de dominio de uma pessoa juridica de direito publico
para outra, a constituigao de direitos reais administra-
tivos sobre os bens domlniais e ate de direitos de natu-
reza obrigacionalf a favor de particulares mediante con-
cessao. As coisas artificials podem ser mesmo objeto de
desafetagao do dominio publico, reduzindo-as a condigao
patrimonial.
Ha pois uma comercidbilidade ^de Direito Publico
para esses bens, regida pelas leis proprias do dominio
piiblico, como alias foi reconbecido no atual Codigo Ci
vil Italiano, art. 223. "Os bens que fazem parte do do
minio publico sao inalienaveis e nao podem ser objeto
de direitos a favor de terceiros senao pelos modos e den-
tro dos,limites estabelecidos pelas leis que Ihes respei-
tem."

186. Com este problema estd de certo modo ligado o


da admissao no Direito Publico do conceito de universa-
lidade, de modo a originar as universalidades pUblicas.
Quando, em 1940, foi publicada por Inocencio Gal-
vac Teles a sua dissertagao de Doutoramento intitula-
da Das Universalidades, suscitou-se polemica, na Fa-
culdade de Direito de Lisboa, onde a dissertagao foi dis-
cutida e eu ensinava, sobre se era ou nao admissivel no
Direito Publico o conceito juridico de imiversalidade.
Tomei partido pela posigao afirmativa. E ao publi-
car em 1943 o 1.° volume do Tratado Elementar de Di
reito Administrativo, Id inclui o conceito de universali-
Bens 423

dade pdblica, de acordo com as conclusoes da discussao


havida e sem qualquer influencia da iiteratura estran-
geira. Dai passou para as sucessivas edigoes do meu
Manual de DiTeito Administrativo.
Na verdade, se por universalidade se entende a plu-
ralidade de coisas que, pertencendo a mesma pessoa, tem
um destlno unitario, o conceito nao so tem cabimento
na tecnica do Direito Publieo, comb nela desempenha
papel da maior utilidade pratica.
E 'assim o entendeu o legislador portuguls que, a
partir de 1946, o consagrou em varias lets.
A ideia de universalidade ezplica, na verdade, a in-
tegragao no dominio pubiico > de conjuntos de coisas
como as bibliotecas e os museus. Os livros ou os objetos
de arte integrados nessas colegoes seguem o regime do-
minial, enquanto nelas permanecam; uma vez dlstral-
dos legalmente do conjunto, cada livro ou cada objeto
reassume o carater patrimonial embora possa individu-
almente, como colsa rara ou preciosa, estar sujeito sa
regime especial. So o complexo de coisas esti no domi
nio pilblico e justifica a adogao'do regime juridico que
Ihe e proprio.
Mas o legislador portugues foi mais,longe e esten-
deu 0 conceito de universalidade piiblica a conjuntos de
coisas mbveis e imoveis quando pertencentes ao mesmo
sujeito de direito pubiico e que a Ordem Juridlca tratas-
se como formando uma unidade.
ii o que sucede com o "estabelecimento" da linha
ferrea ou estrada de ferro, -per exemplo, que tradicio-
nalmente a legislagao portuguesa Integra em conjunto
no dominio pubiico. A estrada de ferro compreende uma
infra-estrutura e uma superestrutm-a, com dependencias
e obras acessorias formando o seu material fixo. Cada
uma das coisas que forma o conjunto possui autonomia
e desde que, nos termos da lei, para efeitos de substi-
424 DIREITO ADMINISTRATIVO

tuigao ou por outras razoes, seja extraida do conjunto


perde o carater dominial e passa a ser patrimonial. A
estrada de ferro, como unidade, e que esta sujeita ao
regime do dormnio piiblico, nao cada um dos seus ele-
mentos ou pertences separadamente.
A outros estabelecimentos de concessao foi aplicado
0 conceito, como ao conjunto de bens e direitos afeta-
dos a tuna e^loragao hidroel^trica, por exemplo.
Nas leglslajoes em que so cabem no dominio pd-
blico coisas imdveis, por natureza ou por disposi^ao da
lei, e gra?as ao conceito de universalidade que uma co-
legSo de coisas moveis, como as constitutivas de biblio-
tecas ou de museus, pode ser considerada imobiliaria.
Assim, o conceito de universalidade foi adotado no
Direito Administrativo e ate modificado para atender a
necessidades tecnicas especificas da Administragao Pu-
blica.

§ 2.0

FORMACAO, UTILIZACAO E EXTINQAO DO


DOMtNIO PUBLICO

187. CoTTio se determina quais os tens do dominio pd-


hUco.
188. Modos de utilizagao dos bens dominiais.
189. Uso comum.
190. Regime juridico do mo comum.
191. Natureza juridica do uso comum.
192. Uso privativo.
193. Regime juridico do uso privativo.
194. Natureza juridica do uso privativo.
195. Concessoes de exploragao dos bens dominiais.
196. Extingdo da dominiaUdade.
Beks 425

187. Dada a esi)ecialidade do regime juridico do domi-


nio, tem a maior import&ncia saber precisamente, em
dado Pais, quais os bens que a ele estao submetidos,
quando comega e quando acaba essa submissao e em
que termos os bens podem ser utilizados.
Para determinar quais os bens sujeitos ao regime
do dominio piiblico o Direito Positivo pode adotar um
de trls criterios:

— o da enumeragdo taxativa na lei dos bens do-


miniais, embora em relagao a muitos se faga referen-
cia per classes;
— 0 da definigao legal dos indices ou caracteristi-
cas da domlnialidade, ficando a Administracao Publi-
ca a concretizagao por atos administrativos;
— 0 crit^io misto empregando a enumeragao para
algumas categorias de bens, completada por definigao
de alguns indices de evidente utibdade publica.
Vejamos os modos mais freqiientes de determina-
gao dos bens do dominio publico.
Regvlamentaqax) intemadonal — Os espagos ma-
ritimo e aereo sao, por sua natureza, do dominio pii-
blico e assim se encontra estabelecido desde sempre. £
preciso, porem, saber at6 onde vai o dominio eminen-
te do Esfcado a cujo territdrio esses espagos correspon-
dem. A pratica e a de fixar por tratado ou convengao
intemacional a extensao desses espagos em que tal do
minio se exerce e o limite a partir do qual o mar alto
e o espago sideral ficam livres a utilizagao de todas as
Nagoes. Em todo o caso tem sido freqiiente, nos dlti-
mos tempos, a determinagao por lei interna da exten
sao do mar territorial do Estado ribeirinho; e tomou-
-se cada tgz mais dificil apurar qual a altura a partir
da qual os interesses do Estado subjacente nao sao atin-
426 DIREITO AiaaiNISTRATXVO

gidos pela utilizagao do espago aereo para navegagao,


eomunicagoes, experi§ncias espaciais ou outros fins.
Determinuqax) legal genMca — Ha cases em que a
lei reivindica para o doroinlo publico certas categorias
de bens onde quer que se encontrem e at6 de que ain-
da se ignore a existencia; e o que sucede com as rique-
zas naturais esistentes no territorio, — v. g. potenciais
de energia hidraulica —,Incliiindo as subterraneas (ri-
quezas minerals) e as submarinas que possam extrair-
-se da plafcaforma continental. Nos paises em que as
riquezas minerals pertencem ao dominie publico, a pes-
quisa e a lavra jx)dem ser autorizadas ou concedidas a
particulares, salvo quando se trate de jazidas de subs-
t§ncias que a lei declare monopolio do Estado, como
sucedC'freqiientemente com o petrdleo, os gases naturais
e OS minSrios atomicos.

Definigao de classes de bens por certas aptidoes


— Ha casos em que as leis condicionam a integragao
dos bens pertencentes a um genero a posse de cer
tas qualldades, atributos ou aptidoes que permitam in-
divldualizar uma especie ou classe. Asslm, a lei pode
considerar dominiais, nao todos os rios, de qualquer ex-
tensao ou importancia, mas apenas os que sejam na-
vegdveis ou flutudveis, os rios internacionais ou interes-
taduais, os que tenham importancia estrategica (como
fronteira, por exemplo), os suscetiveis de produgao de
energia para abastecimento publico ou de aproveita-
mento para rega publica regional... Nestes casos, a lei
define classes: mas, para que certo e determinado rio
fique sujeito ao regime dominial, importa que, por ato
administrativo, seja classificado numa delas. Nao inclui-
mos aqui o caso dos rios que corram em terrenos publi-
cos, que sao piiblicos, assim como aqueles que corram
exclusivamente dentro de terrenos particulares sao par-
Bens 427

ticulares, por seguirem a condigao juridica dos terre


nes segundo a teoria do acessorio.
De^inicaa de indices de dominialidade — fi o qua
sucede quando a lei, por exemplo, considera do dominio
publico todos OS bens facultados ao uso comum, direto,
imediato do publico, como as estradas publicas, ruas e
pragas, ou quando nele integra os bens aplicados a um
servigo publico. Nestes casos e a afetagdo ou destinagao
dos imoveis a fins de utilidade publica que justifica a
dominialidade.
Essa afetagdo normalmente traduz-se num fato que
assinala o inicio da submissao ao regime do dominio
pdblico. Fato que pode consistir num ate administrativo
a determinar, por exemplo, a abertura da estrada ao
trafego, ou numa operagdo material, como a inauguragao
solene, ou numa simples prdtica resultante do consen-
timento da Administragao Publica em facultar a consa-
gragao do imovel ao uso publico.
Inclusdo expressa e especifica no regime dominial
— Enfim, ha casos em que a lei determina que certo
e detenninado bem seja considerado do dominio publico.

188. Os bens do dominio pdbllco estao nesse regime,


como se disse, por terem utilidade publica. O seu des
tine sera, pois, proporcionar essa utilidade, o que pode
suceder por diversos modos.
Os bens, na verdade, podem ter so utilizagdo cole-
tiva, ou serem suscetiveis de utilizagdo individual.
A utilizagdo coletiva 6 aquela que apenas aproveita
diretamente a coletividade organizada, e uma utilizagao
de indole politica ou social, se quiserem. A utilidade pu
blica da coisa dominial nesses casos surge como indi-
visivel e nao se concebe que as individuos, singularmen-
te, possam tirar proveito dela.
428 DIREITO ADJUHISTRATTVO

porem graus dessa utlTizagao. Assim, podere-


mos admitir um uso coletivo geral, em que at§ se chega
a proibir o acesso dos particxilares aos bens dominiais,
como no caso das areas reservadas para preservagao da
Natureza, ou para seguxanga ou das obras de defesa
militar. Nesses cases s6 os agentes da Administragao
encarregados de guamecer, policiar ou estudar essas
obras ou nessas zonas podem livremente circular nelas.
E ha um uso coletivo especial como sucede'ra com os
bens aplicados ao funcionamento de um servigo ou de
um estabelecimento piiblico, como prescreve o art. 66
do Codigo Civil Brasileiro. O uso desses bens consiste no
funcionamento do estabelecimento ou do servigo a que
estejam destinados e os particulares so t§m acesso aos
bens na medida em que vao colher as prestagoes pro-
prias do servigo que li funciona. Pode entao, como ve-
remos, conjugar-se o uso coletivo especial imediato de
certos bens pelos agentes do servigo, com o uso indivi
dual mediate dos mesmos bens pelo piiblico que se be-
neficie das prestagoes fomecidas pelo equipamento des-
se servigo.
A utilizaqdo individual facilita aos individuos tirar
proveito dos bens dominiais. Esse uso individual pode
ser comum ou privativo.
O uso comum 6 o permitido a todos, ou, pelo me-
nos, a categorias genericamente definidas de cidadaos,
de acordo com o destine principal da coisa utilizada.
O uso privativo 6 a utilizagao dos bens consentida
apenas a uma ou a algumas pessoas determinadas, com
base num titulo juridico individual.
Os usos comuns podem ser imediatos ou mediatos;
ordin^os ou extraordinarios; predominantes ou aces-
sorios.
Os usos privativos podem ser resultantes de permis-
sao (ou licenga), de concessao de uso, de concessao de
Bems 429

aproveitamento e, de certo modo, como se expUeara, de


concessao de exploragao, bem diferente da anterior.

.189. Quando se transita pelas estradas e ruas; quan-


•do se navega no mar ou nos rios, ou se utilizam as cor-
xentes de agua para o transporte por flutuagao, para
gastos domesticos, para rega, para pesca ou para ba-
nhos, conforme a aptidao que tiverem; quando se trans-
mite telegramas ou telefonemas; quando se visita um
monumento naclonal ou se consulta um livro em bibllo-
teca piiblica — extrai-se uso comum ordindrio do do-
minio publico, proveitoso a todos e a todos acessivel
independentemente de autorizagao ou de llcenga.
Repare-se que ha aqui duas modalidades de uso:
nma 6 a do uso imediato que cada um, por si, faz das
•estradas, por exemplo; outra a do uso mediato que im-
plica a intervened intermediaria dos agentes de um
servigo manipulador ou conservador dos bens, como su-
cede com a transmissao de telegramas ou a viagem por
nma estrada de ferro.
A generalidade do direito nao significa ilimitagao.
£ necessario que a liberdade de uns nd tolha a liber-
dade dos outros e que a de todos se exerga de modo a
nao danificar ou prejudicar as coisas publicas.
Ha restricoes impostas a atividade dos particula-
xes, quer para melhor disciplina dos usos quer para boa
conservagao das coisas, de modo a evitar danos sociais,
as quais constituem o objeto da poUcia do dominio pu
blico.
Mas 0 uso comum pode revestir outra forma: a de
uso comum extraordindrio. Neste a utilizagd do dominio,
embora rigorosamente conforme com o seu destino e a
todos licita, e diferente em quantidade (digamos assim)
-ou em intensidade, do uso ordinario, e esse uso mais
430 DIREITO ADMINISTRATIVO

intensive requer mais rigorosa regulamentacao polieiaJ^


que pode chegar a toma-lo dependente de autorizacao.
Assim: as estradas e ruas sao destinadas a circu-
lagao de pedestres (ou peoes) e este e um dos seus usos.
comuns ordinarios; a circulagao em cortejo nao e quali-
tativamente diferente desse uso, mas traduz uma in-
tensidado superior que pode impedir ou embaragar a.
utilizagao ordinaria e que por isso deve depender de au
torizacao policial.
A lei pode determinar, pois, que a utilizagao das
vias publicas para a realizagao de festas, cortejos, pro-
vas desportivas ou quaisquer outras atividades que pos-
sam afetar o transito normal so seja permitida median-
te autorizagao dada para cada caso.
A circulacao nas vias pdblicas de veiculos e outros'
aparelhos cujo peso total, incluindo tara e carga, ex-
ceda determinado limite nao deve fazer-se sem autori-
zagao especial. Trata-se de transito na estrada, mas que
pode causar no pavimento desgaste superior ao normal
ou abalar obras de arte e, por isso, a autorizagao e con-
dicionada pela natureza do pavimento e reslstencia das
obras de arte do percurso.
Quern circula num automovel tern necessariamente
de parar e estacionar, o que ainda faz parte do uso
comum ordinarlo. Mas nas grandes aglomeragoes seria
imprudente deixar que os condutores de veiculos esta-
cionassem em qualquer sitlo por tempo indefinido. O es-
tacionamento duradouro nos parques e nas pragas de
automoveis 6 um uso extraordinario da via publica, co-
mo tal condicionado.
Podiamos multiplicar os exemplos.
Hd uso comum extraordinario sempre que a utili-
zagao do dominio pelos particulares tenha o mesmo ca-
rater do uso comum ordinario mas o exceda em Intensi-
Bens 431

dade, estando por isso sujeita a um especial regime -de


policia e, em regra, condicionada por autorizagao.
A autorizagao policial nao confere direitos; limi-
ta-se a verificar que o use extraordinario nao preju-
dlcara naquele caso concreto as utilizagoes ordinarias e
a ptermitir, conseqiientemente, que se exerga o poder
que ao utente pertencia jd. fi simples condicao de exer-
eicio de um direito existente.
Por vezes, o uso comum extraordinario so 6 permi-
tido as pessoas que se habilitem previamente a exercl-
-lo mediante a inscrigao num registro administrativo
permanente.

190. ITma coisa publica 6 suscetivel de varios usos


comuns, ordinaries e extraordinarios. Assim, num rio
navegavel e flutuavel, e possivel nao so a navegagao e a
flutuacao, mas ainda a pesca, a rega dos terrenes mar
ginals, a maceracao de plantas texteis... :S que, na ver-
dade, cada coisa dominial deve prestar a sua utilidade
publica mediante o maior numero possivel de formas de
uso de que for suscetivel.
Os varios usos comuns possiveis hierarquizam-se en-
tre si por forma que a utillzagao da coisa se faga sem-
pre sem prejuizo das suas aptidoes naturals. Dai que,
desses usos, uns sejam ■predominantes e outros aces-
s&rios.
A importancia da distingao esta em que as utiliza
goes acessdrias ficam subordinadas as utilizagoes predo-
minantes e so sao possiveis sera prejuizo destas, Por is
so, quando e permitido a todos, sem distingao de pes
soas, pescar nas dguas piiblicas logo se acrescenta —
". .. sob condigao de nao haver embarago aos servigos
de navegagao e flutuagao." O mesmo acontece tambdm
com a realizagao de festas, cortejos, procissoes ou pro-
432 Direito administrativo

vas desportivas na estrada, que esta suTjordinada ao


trSnsito normal.
Da mesma forma numa rua marginada por predios
habltados o direito de acesso dos residentes nesses pre
dios tem de considerar-se uso predominante da rua re-
lativamente aos outros uses de transito, estacionamen-
to etc... que nela sejam facultados.
A tuerarquia dos uses comuns estabelece-se quer
entre uses ordinarios (navegaQao e pesca) quer entre
usos ordinarios e extraordinarios (circulaQao normal e
clrculasao de cortejo) quer entre usos extraordinarios
(um cortejo a realizar em data historica tera preferen-
cia sobre uma prova desportiva, por exemplo).
O uso comum do dominio publico obedece a um
certo niimero de regras gerais, que vamos enunciar jun-
tamente com as principals excegoes que admitem.
A regra da generalidade diz-nos que o uso comum,
em principio, pode ser praticado por todos os indivi-
duos-ou por uma massa suficientemente ampla de pes-
soas: todos podem circular pelas ruas, todos podem ir
a praia etc. A generalidade estd, porem, delimitada pelo
tipo de usos a que a coisa pdblica se ache afetada:
uma auto-estrada, que por definigao se destina apenas ao
trafego de automovel, nao pode ser utilizada por pedes-
tres nem. por ciclistas.
Com a regra da igualdade quer-se significar que o
uso comum deve ser garantido em identicas condigoes a
todos quantos sejam admitidos por lei ou regulamento
a utilizar o dominio. Desta regra decorr© o corolario de
que 0 direito ao uso comum de uma coisa piiblica que
nao comporte utilizagao simultanea por varies indivl-
duos pertence ao primeiro que a ocupar (bancos nos
jardins, estacionamento de veiculos, etc.).
Pela regra da liberdade cada um § admitido a uti
lizar as coisas publicas sem necessitar de autorizagao e
BeHS 433

sem mesmo ter de dar-s& a conhecer (transito nas es-


tradas e ruas, uso das ag^uas publicas etc.)- Os usos
comuns extraordinarios constituem a mais importante
e evidente excegao a esta regra.
Finalmente a regra da gratuidade acentua que c
domtaio piiblico pode em principio ser utilizado, sob a
forma de uso comum, independentemente do pagamen-
to de qualquer prestagao pecunidria. Mas esta regra
comporta muitas excegoes.
O dominio da circulagao pode ser utilizavel so me-
diante o pagamento de uma taxa de passagera, porta-
gem ou peagem (que no Brasil conserva a designagao
de peddgio), sobretudo em pontes e auto-estradas. Tam-
bem a acostagem de navios aos cais, o estacionamento
nas aguas de um porto, a colocagao de embarcagoes em
rampas ou varadouros e a propria entrada de pessoas
nas dreas dos portos artificiais podem ser sujeitos ao
pagamento de taxas. Nos parques de estacionamento
guardados e freqiiente a cobranga de uma taxa, e mes
mo podendo suceder nos museus, pinacotecas e palaclos
nacionais. Note-se, por ultimo, que as autorizagoes po-
liciais dependem em geral do pagamento de taxas.

191. Sao muitas e variadas as opinides que na doutri-


na tem procurado encontrar a verdadeira natureza do
uso comum. Nao vamos, contudo, perder tempo com as
concepgoes que negam o cardter juridico de tal uso, nem
com as que, aceitando a sua juridicidade, o definem
como exercicio de um direito real. Trata-se de posigoes
rauito desacreditadas pela rejeigao hoje em dia genera-
lizada dos pressupostos doutrinarios em que assen-
tavam.
As principais concepgoes sao tres.
Para alguns autores, o uso comum corresponde ao
exercicio do direito de liberdade — uma vez que nao se

244•28
434 DiREITO ADMINISTRATIVO

pode reconhecer a ninguem em especial qualquer direlto


sobre as coisas publlcas e que, portanto, o que a todos
compete 6 apenas o poder legal de desenvolver livremen-
te a sua atividade sobre essas coisas.
Para outros, o uso comum traduz o exercicio de um
direlto civico — categoria que na dogmatica italiana
engloba aqueles direitos e interesses legitimos que expri-
mem a participagao dos cidadaos no gozo dos bens e
utilidades que o Estado Ihes oferece.
Finalmente, diversos autores conjugam as duas ulti
mas concepgoes e sustentam que o uso comum se deve
configurar como o exercicio simult§.neo de um direlto
civico e do direlto de llberdade — direito civico, ou inte-
resse civico, no que se refere a construgao, afetagao e
conservagao dos bens dominiais destinados ao uso pu-
blico; direito de llberdade, no que respeita ao livre de-
senvolvimento da atividade de cada um sobre tais bens,
uma vez construidos, afetados ao uso do publico e en-
quanto mantidos nessa afetagao.
O problema, que abordei durante muitos anos incli-
nando-me para a prlmeira corrente, foi em 1965 reexa-
minado pelo meu antigo assistente Diogo do Amaral,
num estudo depois tambem editado no Brasil acerca da
Utilizagao do dominio publico pelos particulares.
Segundo as conclusoes deste trabaUio, a concepcao
que melhor parece retratar a natureza do uso comum
dos bens dominiais i a que nele ve o exercicio de um
direito pdblico nao politico — isto e, um daqueles direitos
subjetivos publicos que sao atribuidos para que cada
um possa prosseguir os seus interesses que sejam tam
bem fins do Estado e que se traduzem no poder ds obter
de qualquer pessoa juridica de direito publico certas e
determinadas agoes ou abstengoes.
O valor que a lei pretende com a outorga do direito
de liberdade e a autonomia pessoal do Homem, o seu po-
Bens 435

der de se determinar por si proprio, sem subordinacao


k vontade de outrem, e nao o "valor que a ubillzacao
das coisas publicas constitui, enquanto vaior jiiridica-
mente distinto da iiberdade de determinagao com que
cada um decide usar ou nao, por que forma e em qu©
termos, essas mesmas coisas": a proteQao deste outro
valor tern de ser feita mediant© a concessao de um di-
reito subjetivo diferente, dirigido a AdministraQao e nao
erga omnes, tendo por objeto um conjunto de presta-
Qoes por aquela devidas, que se cifram em suportar,sobre
as coisas publicas que Ihe pertencem, as utilizagoes dos
particulares, e cujo conteudo nao e uma mera faculdade
de agir mas sim, conform© os eases, ou um poder de uso
(circulagao, navegagao) ou um poder de apropriagao
de quantidades limitadas de algumas coisas (captagao
de agua, extragao de areia).
Assim caracterizado o uso comum, como exercicio
de um direito publico nao politico, nao se mostra neces-
sdrio concebe-lo como traduzindo, simultaneamente, o
exercicio do direito de Iiberdade — consoante se propoe
nas teses mistas. Este direito exerce-se sem diivida ao
usar-se uma coisa publica, mas isso nao significa que
a utUizacao da coisa publica, enquanto tal, seja feita
com fundamento nele: tambem o proprietario que pas-
seia dentro do seu jardim esta exercendo o seu direito
de Iiberdade e, todavia, na medida em que se encontra
a usufruir uma coisa que Ihe pertence, todos concorda-
rao em qualificar essa utilizagao como exercicio do di
reito de propriedade e nao como exercicio simultSneo
deste e do direito de Iiberdade.

192. Como ja fol dlto, o uso prwativo caracteriza-se


por ser consentldo a uma ou algumas pessoas determi-
nadas, com base num titulo juridico individual.
436 DiREITO ADMINISTRATIVO

Ao passo que o uso comum i consentido a todos ou


a uma generalidade de particulares, o uso privative desta
ou aquela parcela domlnial 6 apenas consentido, em
exclusive, a pessoas determinadas, que fleam com o di-
reito de privar qualquer outra pessoa da utilizagao que
Ihes foi permitida.
Por outro lado, enquanto o direito ao uso comum e
conferido diretamente pela norma juridica, geral e abs-
trata, o direito ao uso privative so se constitui por titulo
especial •— ato admmistrativo ou contrato a favor deste
ou daquele individuo.
O uso privative pode ser consentido pela Adminis-
tragao por meio de licenga, permissao, ou concessao.
Em rigor, porem, deve ter-se em conta que, a des-
peito da terminologia legal, se trata sempre de licengas
ou permissoes e nao de concessoes, em sentido proprio.
Com efeito, importa nao confundir as chamadas con
cessoes de uso privative com as concessoes de exploracao
do dominie, mediante as quais a Administragao trans-
fere para outrem os seus direitos de gestao de uma par
cela do dominie publlco, com todos os poderes inerentes
(por ex., concessoes minerais, concessao de um porto
maritime, de uma ponte, de uma auto-estrada): as con
cessoes de uso privative respeitam apenas a utilizagao,
nao implicam gestao.
Perguntar-se-a entao por que motive em tantos pai-
ses as leis e a pratica adotam nomes diferentes — per
missao e concessao — para tratar casos que em rigor
sao unicamente de licenga. A explicagao esti em que o
uso privative e umas vezes permitido com base em titu-
los precarios, outras vezes com base em titulos consti-
tutivos de direitos; aos primeiros chama-se licengas ou
permissoes, aos segrmdos concessoes.
Quanto as concessoes de uso privativo do dominio
publico, podem ser de duas especies: charaaremos a
Bens 437

umas concessoes de aproveitamento imediato e as ou-


tras, concessoes de aproveitamento mediate ou para ins-
talagao de servl§os.
No primeiro caso o concessionario pretende tirar
proveito da propria coisa dominial; no segundo, o con
cessionario s6 pretende os bens como condigao material
da montagem de um serviso piiblico.
CoTicessdo de aproveitamento imediato — Perten-
cem a esta classe as concessoes em que uma coisa do
minial e, no todo ou em parte, afetada ao exclusive pro
veito imediato de um particular. Assim, a agua 6 desvia-
da da corrente ou represada e dirigida para condutas a
fim de preencher os fins especiais que o concessionario
tern em vista; ou, entao, a zona concedida para pesca e
delimltada e sinalizada para dela poderem ser excluidos
OS Pescadores nao autorizados pelo concessionario; no
porto maritime o espago e reservado para guardar ou
armazenar as mercadorias do concessionario; enfim, no
cemiterio publico, adquirira o concessionario o direito.a
possuir privativamente e in perpetuum o terreno de uma
sepultura ou para a construcao de um jazigo.
Concessoes de aproveitamento mediato, ou para ins-
tdlagao de servigos — As coisas publicas sao concedidas
para, no todo ou em parte, serem aproveitadas para ins-
talagao e funcionamento de um servigo publico que nao
constitm'a o motive principal da sua utilidade publica.

193. A maior parte dos usos privativos do dominio pu


blico e titulada por ato administrative imilateral —
umas vezes licenga ou permissao, outras concessao. AI-
guns usos ha, por6ra, que sao titulados por contrato —
contrato de concessao, nuns casos, contrato de arren-
damento, noutros. Quando a legislagao em vigor nao
consinta a estipulagao de um regime suficientemente
438 DIBEITO ADMINISTRATIVO

equilibrado, a concessao tera de ser outorgada por ato


legislativo especial.
O direito de uso privative tern conteiido vari^vel:
nuns casos comporta meras faculdades de ocupagao
(instalacao de uma esplanada na calgada), noutros in-
clui ja poderes de transformagao (construcao de um
hotel na orla maritima) e noutros, enfim, abrange mes-
mo 0 direito de disposigao de uma quantldade da ma-
t6ria da coisa pdbliea de que se permite o desvio e a
apropriacao para fins particulares (o aproveitamento da
dgua de um rio para rega, das areias de uma duna para
construcao etc.)
Simultaneamente, estes poderes ficam condiciona-
dos por disposigoes legais ou cldusulas administrativas
tendentes a salvaguardar os interesses publicos em cau
sa, quer pela imposigao de deveres e 6nus ao particular,
quer pela sujeiQao deste a fiscalizagao das autoridades
competentes. Tratando-se de concessoes de utilidade pil-
blica (para instalagao de hotels de utilidade turistica,
de "estagoes de sendgo" nas estradas de rodagem, de
captagoes de &guas pdblicas para abastecimento de po-
voagoes), recai sobre o particular um dever de utilizagao
intensiva da coisa concedida, cujo nao cumprimento dd
lugar a aplicagao de sangoes, multas ou rescisao da con
cessao.

Variam muito os prazos fixados as licengas, conces


soes e arrendamentos. A regra geral e a seguinte: o prazo
deve ser marcado em funcao do tempo necessario para
amortizar os capitals investidos. Se o uso pretendido nao
implica a realizagao de grandes investimentos, o prazo
sera curto; caso contrario, terd de ser medic ou longo.
O uso privativo, ao contrario do uso comum, nunca
^ gratuito: os particulares sao sempre obrigados ao pa-
Bens 439

gamento de taxas, calculadas em funcao da area a


ocupar e do valor das utilidades proporcionadas.
Os direitos de uso privative sao em geral transmis-
slvels, obtido o consentimento da entidade que os con-
feriu. Deve considerar-se nula a transmissao nao auto-
rizada prevlamente, exceto no caso de sucessao mortis
causa em que a transmissao para os herdeiros e vdlida
independentemente de autoriza^ao, tornando-se no en-
tanto a concessao rescindivel pela AdministraQao, se isso
Ihe convier.

194. dois OS principals problemas que importa de


bater para apurar a natureza juridica do uso privative,
a saber; primeiro, se os poderes de uso privative reves-
tem a natureza de direitos subjetivos piiblicos ou de di
reitos subjetivos privados e depois se se enquadram na
categoria dogmatica dos direitos reais ou dos direitos
obrigacionais.
A tese de que os poderes de uso privative tern natu
reza privada acha-se muito generalizada, sobretudo en-
tre OS autores italianos. Diz-se em abono desta opiniao
que a Administrajao nao pode alienar a favor dos admi-
nistrados os poderes publicos que a lei Ihe atribui para
assegurar a afetagao ao publico das coisas dominiais.
Mas 0 certo e que no uso privative nao sao esses poderes
que a Administragao confere aos utentes: sao meros po
deres de uso. De resto, o exercicio dos poderes de gestao
pode ser concedido, quer dizer temporariamente trans-
ferido.
Tambem se afirma que os direitos transferidos para
o pai-ticular, embora fundados na propriedade publica,
sao despojados, com a transferencia, do aspecto publico
que OS caracteriza na titularidade da Administragao. Nao
se compreende, todavia, como e que as faculdades de
uso, conteudo do direito de propriedade publica, se trans-
ferem para o particular metamorfoseados em direitos
440 DmnTo ADimnsTRATrvo

privados: a verdade e que em primeira andllse se mos-


tra nao poder um direito de propriedade pdblica desdo-
brar-se em poderes que nao sejam tambem de carater
piiblico. As coisas piiblicas sac, como se sabe, incomer-
ciaveis segundo o direito privado: o direito de as utiiizar
sob a forma de uso privativo nao pode, pois, consistir
em poderes de natureza privada.
A segxmda questao a resolver traduz-se em optar
entre a qualifieagao do direito de uso privativo no grupo
dos direitos reais (direitos reais administrativos, para
quern Ihe reconhega natureza publica) ou no dos dii-eitos
obrigacionais, direitos piiblicos de obrigagao.
Tudo esta em saber se o direito de uso privativo por
certa pessoa e um direito absolute, oponivel a quaisquer
pessoas e suscetivel portanto de defesa direta contra to-
dos pelo seu titular, ou se, pelo contrario, e um direito
relativo, so oponivel a Administragao e, por conseguin-
te, defensavel perante terceiros apenas mediante a inter-
vengao da Administragao, em cumprimento do seu dever
de assegurar o gozo da coisa publica ao particular nos
termos em que se comprometeu a faze-Io.
Ora, estando as coisas piiblicas fora do comercio pri
vado, sao insuscetiveis de posse civil por particulares e,
como tais, indefensaveis pelos meios possessorios civis.
Se o direito de uso privativo e um direito subjetivo pii
blico, a lei administrativa compete organizar os respec-
tivos meios de defesa. O que estd indicado, portanto, 6
que em caso de perturbagao se recorra a autoridade en-
carregada da pollcia da coisa publica em questao, a quem
cumprira defender contra terceiros a posigao do utente
privativo.
Concluem, pois, os partidirios da segunda tese que
ao utente privativo nao pertence qualquer meio de de
fesa direta do seu direito contra terceiros, o qual nao
Bens 441

pode assim considerar-se oponivel erga ownes; e dai


que nao possa merecer a qualifieagao de direito real, e
seja mero direito de obrigagao.

195. Tenho insistido ao longo do meu magisterio em


que nao s© devem confundir as concessoes de uso ou
aproveitamento de bens, que sao meras licengas de uso
privativo e s6 impropriamente se designam por conces
soes, com as concessoes de exploracao ou gestao de bens
dorniniais feitas a alguSm que toma o lugar da pessoa
juridica de direito publico titular do dominio.
Enquanto nas concessoes de aproveitamento ha uma
entidade administrativa que gere os bens e deles permit©
a outrem que extraia certo uso privativo, nas conces
soes de exploragao da-se a transferencia de direitos da
pessoa Juridica de direito publico, a quem pertence o
dominio, para outra pessoa, singular ou coletiva, a fim
de que esta exerga esses direitos, gerindo as coisas pd-
blicas por sua conta e risco, mas de modo a obter-se a
utilidade publica que constitui o fim especifico das coi
sas concedidas.
O titular da concessao de aproveitamento e um
mero utente; o concessiondrio da exploragao do dominio
d um gestor que se encarrega de proporcionar ao publico
0 uso das coisas que Ihe estao'confiadas, de acordo com
a natureza delas.
De modo que em sentido proprio ou teenico so aos
que det§m a exploragao do dominio cabe a designagao
de concessionaries.
As concessoes de exploragao podem ser acessorias de
outras concessoes, ou nao.
Sao acessdrias as concessoes dorniniais que resultam
de concessao de obras publicas ou de servigos piiblicos.
A concessao de obras publicas, na medida em que os
bens dominicais produzidos ficam durante o prazo esti-
442 DlREITO ADMmiSTRAXTVO

pulado em poder do construtor, implica a transferincia


para este dos direitos da Administragao k fruiQao dos
xendimentos provenientes da utilizacao dos bens com os
conseqiientes encargos de conservacao. Assim, o cons
trutor da ponte ou da auto-estrada arrecadara o produto
das taxas de peagem ou peddgio pagas pelos transeun-
tes, como o concessionario da obra do porto maritime
se pagara do custo desta pelas taxas cobradas dos uten-
tes dos cais ou das docas, incluindo as devldas pelas
licencas e concessoes improprias dadas para aproveita-
mento de terrenes da zona de jurisdigao portudria.
Outras vezes a gestao da fragao do dominie publico
estd ligada k concessao de um servieo piiblico, quer esta
seja precedida de concessao de obras publicas, quer nao.
A concessao do servigo ferroviario, per exemplo, implica
a passagem para a posse e gestao do concessionario da
respectiva estrada de ferro.
A concessao do servigo de descarga, venda e expedi-
gao do pescado numa determinada doca de pesca, com
vista ao abastecimento publico, envolve a transferencia
para o concessionario dos direitos de exploragao domini-
al da doca, alem dos poderes de gestao do servigo pu
blico referido, e pode incluir ou nao o encargo de cons-
truir e manter as proprias instalagoes portulirias.
A par destas ha as concessoes de exploragao com
carater autonomo, como e o caso das concessoes ml-
neiras ou de aguas minerais nos paises em que a lei
declara as jazidas e as nascentes pertencentes ao Es-
tado. Este, mediante concessao, transfere os seus direi
tos de exploragao para um particular que gere os bens,
fruindo-os de acordo com a sua natureza e destino. Nas
minas, o concessiondrio opera a extragao do minsrio.
Nas nascentes de aguas mineromedicinais o concessio
nario nao so recebe o exclusivo do engarrafamento e
venda da dgua se for propria para ser bebida a mesa,
Bens 443

como montara o estabelecimento hidroterapico para pro-


porcionar a sua utilizacao pelos utentes.
Enquanto os concessionarios do aproveitamento,
como meros utentes, estao sob a algada de uma entidade
gestora dos bens aproveitados, k qual pagam taxas e
■cujos regulamentos de utilizagao respeitam sujeitando-se
a poHcia da respectiva fiscaliza?ao, os concessionarios
propriamente ditos que exercem a exploragao do dominio
sao quern assegura a produgao da utilidade publica dos
bens, facultando o seu uso pelos modes adequados, co-
brando taxas, elaborando regulamentos e exercendo a
policia se for caso disso. Conforme o destine dos bens
-o imponha, a exploragao deles inclui-se no funciona-
mento de um servigo publico ou traduz-se na mera extra-
•gao da utilidade neles contida.
O regime das concessoes de exploragao de bens
dominiais e necessariamente diferente do das conces
soes improprias relativas ao uso ou aproveitamento das
coisas.
As concessoes de exploragao colocam o concessio-
nario na posigao da Administragao concedente, inves-
tindo-o numa fungao de Intima colaboragao com esta.
Ao passo que as concessoes de aproveitamento apenas
facultam a alguem certa forma de uso, em seu proveito
proprio, das coisas geralmente facultadas a outras mo-
dalidades de utillzagao.

196. A dorainialidade cessa por virtude do desapare-


cimento das coisas, ou em conseqiigncia do desapareci-
mento da utilidade publica que as coisas prestavam ou
por surgir um fim de interesse geral que seja mais con-
venientemente preenchido noutro regime.
No primeiro caso, a dorainialidade cessa porque o
direito de propriedade publica se extinguiu a falta de
objeto sobre que se exerga. Assim sucede quando arde
444 DiHEITO ADMINISTRATrVO 1

a bliblioteca ou o museu, o terremoto arrasa a fortaleza


ou 0 palicio nacional, o tempo os arruina ou o pr6prio
uso provoca a destruigao ou demoligao (como suced&
com 0 dominio militar na guerra). Mas nem sempre
ha desaparecimento violento das coisas: as vezes i um
fato natural que modifica o seu carater, como acontece-
quando seca um rio.
No segimdo caso as coisas continuam a existir mas^
por lei ou por decisao legalmente expressa da Adminis-
tragao ou com o seu consentimento tacito, deixam de
ter utilidade publica ou perdem o cariter dominial: hd,.
entao, desafetagao, que pode ser expressa ou tacita:
A desafetagao expressa pode resultar:

1) de lei que tire o carater dominial a toda uma


categoria de bens, v. g. que declare alienaveis:
paldcios naeionais ate ai incluidos no dominio
piiblico (desafetacao gendrica).
2) de lei ou ato administrativo que declare nao do
minial, ou sem utilidade pdblica, eerta e deter-
minada coisa (desafetagao singular):

A desafetagao singular so pode verificar-se relativa-


mente a bens pertencentes as classes do dominio que
compreendem uma pluralidade de coisas. E impossivel
quanto as classes constituidas por uma so coisa indi-
visivel, como o mar territorial ou o espago aereo.
No caso de se achar no dominio publico uma uni-
versalldade, pode cada uma das coisas simples que a
compoem ser objeto de desafetagao material, desde que-
seja retirada do conjunto que forma a universalidade,.
nos termos que a lei permitir ou at6 a natureza das coi
sas impuser.
Se a coisa publica foi afetada precedendo prSvia
classificagac, torna-se necessario, antes de a desafetar,.
Bens 445

•proceder por ato com o mesmo valor formal A sua des-


■classificacdo: declarar-se-a por lei, decreto ou portaria,
• conforme os cases, que o monumento perdeu o cardter
nacional, que a estrada i eliminada do piano das estra-
-das nacionais de tal classe, que o navio de guerra e aba-
tido da respectiva lista ou desativado.
Multas vezes a desclassiflcagao corresponde a desa-
fetagao. Mas pode haver desafetagao sem desclassifica-
gao, pels esta nem sempre e exigida. Um fate da Admi-
nistragao tern o poder de desafetar — v. g. encerramento
definitivo de uma estrada ao trdnsito — antes mesmo
•do ato de desclassificagao.
Outras vezes a desafetagao e^^ressa resulta de nova
delimitacao ou demareagao, que deixa no dominio pri-
vado, por exemplo, o terreno abandonado pelo recuo das
•dguas do mar e conseqiiente avango da praia.
Se a desafetagao resulta nao de um ato legislative
•ou administrativo, mas da pratica conseqiiente a perda
•da utilidade publica dos bens, diz-se tacita.
A desafetagao tacita verifica-se sempre que luna
coisa deixa de servir ao seu fim de utilidade publica e
passa a estar nas condicoes comuhs aos bens do domi
nio privado da Adminlstragao.
Si 0 caso da estrada velha que, pela abertura de outra
■com a mesma utilidade, deixou de ser utiUzada para
trinsito; da fortaleza desartilhada e desguarnecida; ou
do terreno marginal do mar que deixou de o ser por
virtude de aterro que deslocou mais para alem a mar-
gem. Sao casos de desaparecimento de utilidade publica
•das coisas resultante das prbprias circunstancias.
Na verdade, a utilidade publica das coisas e em mui-
tos casos uma caracteristica que prov6m de situagoes
de fato ou da fungao a que se encontra adstrita uma
ooisa.
446 DSErXO ADMnnSTRATIVO

A estrada abandonada, em conseqiiencia da cons-


tru^ao de um desvio, deixou de ser utilizada pelo tran-
sito e isso significa a cessaqao da sua utilidade pubiica.
Desde que a utilidade era o fundamento da dominiali-
dade, a cessaqao dela tem de valer por desafetagao, mes-
mo quando esta nao seja expressamente declarada.
A desafetagao tacita das coisas publicas tem, pois,
de ser aceite em todos os cases em que exista uma mu-
danga de situagoes ou de circunsttoeias que haja modi-
ficado 0 condicionalismo de fate necessariamente pres-
suposto pela qualificagao juridica. E nao pode deixar de
reconliecer-se a sua existencia quanto a certos bens per-
tencentes a classes de dominio definidas genericamente
que abranjam numerosas coisas dlspersas pelo territorio.
A desafetacao tacita significa que a coisa perdeu o
cardter publico e ficou pertencendo ao dominio privado
da pessoa juridica de direito publico sua proprietaria.
Dai resulta que, a partir do memento em que se haja
verificado a tacita desafetagao, entra no comercio juri-
dlco-privado e se toma alienavel e prescritivel.
O simples desinteresse ou abandon© administrative
de uma coisa domlnial que haja conservado a utilidade
piiblica nao vale por desafetagao tacita. A desafetagao
ha de ser conseqiiencia da cessagao da fungao que estava
na base do carater dominial.

§ 3.0
A ADMINISTRAgAO PtJBLICA
E A PROPRIEDADE PRWADA

197. Utilidade pubiica e propriedade privada.


198. Requisigao de bens, desapropriaqdo, ocupacdo tem-
pordria.
199. A desapropriaqdo por uiilidade pubiica.
200. Objeto da desapropriacdo. Bens e direiios.
Bens 447'

201. Destino dos tens desapropriados.


202. Para quern sao transferidos os tens?
203. Necessidade putlica, utilidade putlica e interesse-
social.

204. O ato de declaracao de utilidade piitlica.


205. Efeitos da deelaragdo de utilidade putlica.
206. A indenizoQdo e o processo de sua determinagdo.
207. Os tens expropriados sdo otjeto de aquisigdo ori-
gindria ou derivada?
208. Cases em que os tens expropriados nao sao apli-
cados nos termos da declaragdo de utilidade pu
tlica. A reversdo ou reirocessao e a indenizagdo de
perdas e danos.
209. Serviddes administrativas.

210. Restrigoes de utilidade putlica ao direito de pro--


priedade.

197. Temos insistido na importancia da ideia de uti


lidade publica no regime de Direito Publico a que sao-
submetidos certos bens.
Nao 6 facil, porem, dizer em que consiste a utilidade
publica. Literalmente trata-se na qualidade de ser util
a todos, considerando estes "todos" quer individual quef
coletivamente. Como se viu ao definir o dominio publico,
ha casos em que se torna necessario proporcionar a to
dos e a cada um o uso das coisas e casos em que a
utilizacao e coletiva, os bens sao postos ao servlgo da
coletividade organizada, chegando a ser vedado o acesso
dos individuos ate eles.
Essa ideia de utiHdade publica e que domina tam-
b6m as normas que permitem a Administragao Publica-
■443 DiRElTO ADMmiSTHATIVO

a apropriagao forcada de bens de consumo permanente,


estinguir os direitos de propriedade privada sobre os
bens de capital que interesse depots afetar a fins admi-
nistrativos ou exercer direitos sobre bens que permane-
gam no patrimdnio de particulares.
Efetivamente o Direito Administrative compreende
varios institutes referentes aes poderes conferidos a
Administragao Publica sobre a propriedade privada:
para os retirar dela ■—■ a reguisigdo e a desapropriagao
ou expropriagdo par utilidade pniblica — para se servir
de terrenos — ocupagao tempordria — para sujeitar os
bens vizinhos de coisas do dominio publico a servidoes
administrativas ou para fazer observar as restrigdes le-
gais ao direito de propriedade.

198. Nem sempre e facil distinguir estes conceitos, so-


bretudo quando se trata de discriminar entre requisigao
e e^ropriacao ou entre requisicao e ocupacao.
fii que na legislagao dos varios paises raramente esta
consagrada uma tecnica uniforme que de a cada palavra
Tima significagao precisa e a empregue sempre com o
mesmo sentido. Dai resultam as dificuldades da Dou-
trina para formular conceitos que nao estejam em con-
flito com 0 Direito positive.
Em sentido amplo, expropriar ou desapropriar sao
antonlmos de apropriar. A apropriagao consiste na cria-
gao do direito de propriedade de alguem sobre certa
coisa. A desapropriagao sera a extingao desse direito.
Tanto faz que as coisas sejam moveis ou imoveis, corpo-
reas ou incorporeas, pereciveis ou impereciveis, fungiveis
ou nao fungiveis; todas sao suscetiveis de apropriagao,
a todas se aplicaria a desapropriagao.
Mas a pratlca tradicional refletida na Unguagem das
Jeis nao consagrou este sentido da palavra quando a
Bens 449

desapropriagao e imposta por motive de utilidade pu-


blica.
O instituto nao abrange certos bens, relativamente
aos quais a AdministraQao Publica tem poderes para
for§ar os proprietaries a abrir mao deles mediante mera
requisiqao. Por um processo muito simples, em circuns-
tancias taxativamente prevlstas na lei, a autoridade
competente ordena aos proprietarios dos bens de que a
Administragao carece que os ponham a disposigao desta
fixando-lhes ela prdpria a indenizajao a pagar poste-
rlormente.
Quais OS bens que sao requisitados e nao expropria-
dos? Sao OS hens de consumo imediato, bens fungiveis,
como OS viveres, as forragens, os combustiveis, os lubri-
ficantes, o vestuarlo, as materias-primas.. sao os ser-
vigos de toda ordem que podem ser prestados por indi-
viduos aptos; sao os semoventes como animals de sela,
de carga ou de tiro...; 6 o uso te-nvpordrio de bens liteis,
como habitagoes, meios de transporte, maquinas, fer-
ramentas, e ate o estabelecimento de services piiblicos
(lei das Requisigoes, do Brasil, Dec.-lei n.o 4.812 de 8
■outubro de 1942).
E que distingue a requisigao da ocupagdo tempo-
rdria, que a lei brasileira sobre desapropria^ao (Decre-
to-lei n.o 3.365 de 21 de junho de 1941) permite, de ter-
renos nao edifica'dos, vizinlios as obras e necessirios k
realizacao destas, mediante indenizagao (art. 36)?
A unica distingao parece residir nisto; a requisigao
e um ato, a ocupagdo tempordria i um fato. Para requi-
sitar e precise uma decisao administrativa impondo cer-
ta prestagao. Para ocupar terrenes vagos vizinhos de
locals onde se proceda a obras publicas basta o fato da
colocagao nos terrenes dos materials ou das mdquinas
e ferramentas: nem o proprietario ou rendeiro tem de

244-29
450 DlREITO ADMINI£TRATI\'0

ser notificado, nem Ihe e solicitado que faga seja o que


for, ele e obrigado a consentir na ocupagao.
A lei brasileira refere-se a terrene nao edifieado, nao
Ihe equiparando terreno nao cultivado. Mas em geral na
Doutrina vigora o principio de que a ocupagao tempora-
ria por exigencia de obras publicas so deve ter iugar em
terrenes vagos, nao murados ou tapados e que nao seja
necessario transformer, arrancando Arvores ou inutili-
zando cultures.
As circunstancias que permitem a reqiiisigao sao
especlficadas nas leis: manobras militares, sinistros ou
cataclismos, greves que afetem atividades essenciais a
vida social, escassez de certos bens no mercado, mobili-
zagao em estado de guerra ou de emergencia, necessi-
dades de ordem publica...
A ocupagao temporaria de terrenos s6 e permitlda
por motivo da realizagao de obras publicas.
A requlsigao traduz-se na imposigao unilateral, as
pessoas a quern e dirigida, de prestagoes de colsas ou de
servigos que normalmente seriam obtidas mediante con-
trato. Fala-se, com impropriedade, em venda forgada,
aluguel forgado, trabalho forgado... apenas para sig-
nificar que, sem esse elemento coercivo, tudo se passarla
nas condigoes juridicas normals.
A necessidade dos bens ou dos servigos para ocorrer
a imperatives da utilidade publica, jimta a impossibili-
dade ou grande dificuldade de usar os meios juridicos
normals para os obter, e que fundamenta o poder legal,
conferido a certas autoridades administrativas, de em-
pregar melos coercivos.
Repam-se, porem, que, na requisigao, o que fica su-
primida e a liberdade de disposicao da pessoa sobre os
seus bens ou a sua atividade. Os bens ou os ser^'igos
sao prestados quer a pessoa que tem de prestar queira,
quer nao, pagando-se porem, a justa indenizagao.
Bens 451

199. A desapropriagao ou expropriagao por utilidade


publiea merece refergncia mais pormenomada.
Quando em 1937 publiquei a 1.^ edigao do Manual
de Direito Administrativo, a sua doutrina refletia o es-
tudo dos meus primeiros anos de preparacao e de en-
sino. Mas desde logo fiz comigo mesmo o proposito de
ir, atraves de pesquisa pessoal, revendo e aprofundando,
capitulo per capltulo, a matgria que nao podia deixar
de ser inicialmente inspirada na li^ao alheia.
Cumpri esse propdsito na medida do possivel. E uma
das forrtias usadas foi a realizacao de seminarios moiio-
gralicos no Curso Complementar de Cienclas Jurldicas
que durante muitos anos existiu em Portugal nas Fa-
culdades de Direito, em lugar do que depois se denomi-
nou "pos-graduagao".

Num desses seminarios, no ano letivo de 1948-49, o


tema foi justamente a "expropriaQao por utilidade pu
bliea". Fiz a sintese dos resultados do trabalho efetuado
na ligao de encerramento, que sob o titulo — Em torno
do conceito de expropriagdo por utilidade publiea foi
publicada em 1949 na revlsta O Direito, de Lisboa, e de
pois inserta no volume Estudos de Direito Administra
tivo que em 1974 foi impresso nas Edigoes Atica, tam-
bem em Lisboa, por iniciativa de antigos alunos empe-
nhados em comemorar o 40.° aniversario do men magis-
terio, que teve lugar em 1973.
£ a esse trabalho que vou recorrer. Ao rele-lo, e ao
tomar conhecimento da lei brasileira sobre desapropria-
gao, de 1941, irapressiona-me ver a coincidencia dos con-
ceitos fundamentals. Os juristas Portugueses conhecem
pouquissimo a legislagao brasileira, assim como os bra-
sileiros ignoram o teor das leis portuguesas. E e pena.
452 DiREITO ADMINISTEATIVO

Nest-e caso confesso a minha culpa de nao ter consul-


tado a lei brasileira na altara em que aprofundei a teo-
ria da expropriaQao. Mas envaidece-me ter chegado a
muitas eonclusoes analogas que mereceram a adesao
do autor dessa lei, o eminente Francisco de Campos.
Vamos pesquisar, entao, em teoria, o conceito e o
regime caracteristico da desapropriagao por utilidade
publica, referindo-nos a lei brasileira a titulo exempli
ficative ou de demonstraqao.

200. Vimos que numa primeira e rudimentar nogao, a


desapropriagao consiste em extinguir o direito de pro-
priedade de alguem sobre certa coisa.
Mas esta nogao tern de ser aprofundada e aperfei-
coada.
Jd notamos que nem todos os bens sao suscetiveis
de desapropriagao, havendo alguns a que se aplica o pro-
cesso expedite da requisigao.
Portanto, o processo de desapropria^ao so deve ser
empregado quando se trate de bens nao requisitaveis: —
beTis de capital e hens moveis nao fungiveis.
Bens de capital corporeos ou incorpdreos. Sao bens
de capital, corporeos, os prddios rdsticos ou urbanos, os
estabelecimentos comerciais e industrials... Sao bens
de capital, incorporeos, os direitos autorais patrimoniais,
as patentes de invensao. os privilegios legais, os direitos
dos socios de uma sociedade comercial...
Sao bens moveis nax) fungiveis os objetos de valor
historico, artistico, arqueologico, numismatico... repu-
tados preciosos.
Embora a desapropriagao fulraine sempre os direi
tos do desapropriado, ha que fazer, como acabamos de
ver, a distingao entre desapropriagao de bens e desapro-
pria§ao de direitos.
Bens 453

Qual a razao de ser dessa distingao?


A extincao do direito visada pela desapropiiacao e,
nuns cases, mere pressuposto para que a entidade ex-
propriante entre na posse dos bens corpdreos que ficaram
ao seu dispor. Quer dizer: verifica-se uma transferencia
de bens embora nao haja transferencia dos direitos cor-
respondentes, pois os direitos constituidos sobre os bens
foram extintos e. logicamente, nao podem ser transfe-
ridos. Deste modo, quando se desapropria um predio, k
extinqao do direito de propriedade sobre a coisa desa-
propriada corresponde, a seguir, a constituigao de novos
direitos sobre ela.
Mas noutros casos a extingao dos direitos nao se
segue a transferencia de bens corporeos. A desapro-
priagao de direitos autorais patrimoniais nada tem a vet
com as edigoes jd publicadas: so que, para ofuturo,
delxa de existir a propriedade privada da obra, que cai no
dominio publico.
O raesmo se da com a patente de invengao: o in-
vento passa a ficar a disposigao de todos ou e explo-
rado pela entidade de direito publico indicada por lei
para o aproveitar em beneficio da coletividade. Quando
uma atividade e objeto de privilegio concedido a um
particular (o que hoje em dia sucede cada vez menos,
mas pode ainda acontecer, como no caso do privilegio de
emissao de notas), a expropriagao do privilegio concedido
por lei tamb6m significa que a atividade entra no re
gime comum da liberdade do comercio e industria ou
passa a ser exercida pelo Estado.
Ja e diferente o caso da desapropriagao dos direitos
dos socios de uma sociedade que na hipdtese desta ser
por agdes e muitas vezes designada por desapropriagdo
de agoes. Nao se nos afigura correta. por6m, esta desig-
nagao. As acoes sao meros titulos representatives de
partes do capital da sociedade a que, por via de regra,
454 BlREITO ADMINISTRATIVO

estao ligados os direitos sociais: de fruigao dos dividen-


dos, participagao na administragao e diregao da socie-
dade, voto nas assembleias gerais... Na desapropria§ao
■0 que se pretende 6 o controle da sociedade visada e para
isso se eztinguem os direitos dos s6cios ao capital e
por vezes os direitos atribuidos ao proprio capital. Estas
desapropria^oes sao mais correntemente decretadas por
motives de interesse social e com base em legisla^ao
especial reguladora de processo urgente. Em rigor, de-
cretada a expropriagao da empresa, a entidade expro-
priante fica investida no controle da sociedade, mesmo
sem ter entrado na posse das agoes, que sao retiradas
da circiilacao, mas permanecem em poder dos acionistas
ate ao pagamento integral do valor que Ihes caiba da
indenizacao apurada a final.
Por isso e preferivel falar em desapropriagao de em
presa, ou do capital social, ou dos direitos sociais, nos
nossos tempos muito freqiiente sobretudo nos paises
onde 0 progresso das ideias socialistas conduziu os go-
vemos as chamadas nacicmalizaqoes de empresos.

201. Ficariamos, porem, com uma id6ia errada da de-


sapropriacao se nos limit^semos a ver nela a extingao
de direitos. Porque, se nalguns casos de mera expro-
priagao de direitos o privilegio ou a exclusividade do ti
tular expropriado desaparece pura e simplesmente para
que todos possam exerce-los, em geral a extingao dos di
reitos exlstentes sobre os bens ocorre para que seja pos-
sivel constituir novos direitos sobre eles. As coisas desa-
propriadas fleam sendo coisas abandonadas, res
nullius, mas no proprio ato da desapropriagao Ihes e
assinado um destino.

Nisso se distingue a desapropriagao da destruigdo


de bens por utilidade publica. Ha casos em que a lei
Bens 455

impoe o sacrificio de bens cuja presenga constitua seria


ameaga para a seguranca ou a saiide da coletividade
E 0 que sucede com a demoligao de construgoes de pro-
priedade particular que ameacem niina ou constituam
locos de inleccao para a salubridade publica; ou com
o abate de animais vitimas de epizootia cuja expansau
as autoridades pretendam evitar; ou com o arranque de
plantas doentes ou cuja multiplicagao seja nociva a eco-
nomia nacional... Nestes casos o proprietario sera obri-
gado a destruir os bens, extinguindo-se definitivamente
o direito de propriedade per desaparecimento do objeto,
atuando a Administragao, per execucao direta, se o par
ticular nao obedecer as suas intimacoes. Nao ha desa-
propriagao porque a Administragao atua per motivos de
policia e sem que tenha a obrigagao de indenizar (salvo
nos casos em que a lei crie essa obrigagao por motivos
de eqiiidade) e porque os bens, destruidos por se terem
tornados socialmente perigosos ou prejudiciais, desapa-
lecem sem que Ihes possa, portanto, ser dado destino.
Na desapropriagao o principio dominante e o de que,
reconhecida embora a fungao social da propriedade pri-
vada, certas eoisas que desta sao objeto devem ser cha-
madas, em circunstancias concretamente definidas, a
desempenhar um papel de maior utilidade social do que
aquele que estao desempenhando.
Fique, portanto, assente este ponto: a extingao de
dixeltos pela desapropriagao tern por fim permitir que
sobre o objeto deles sejam criados novos direitos.
Adiante procuraremos demonstrar esta afirmagao de
que OS direitos criados sobre os bens desapropriados sao
moves e nao transferidos por qualquer forma de sucessao,
Mas 6 preciso distingulr entre a transferencia de
direitos de propriedade, que se nao opera, e a transje-
reneia dos bens para novo dominie.
456 DIREITO ADMINISTRAirVO

202. Os bens desapropriados sao efetivamente transfe-"


ridos para a posse e dorainio de uma pessoa a quem
esteja atribuida a realizagao do fim de utilidade publica
que justificou a desaproprlagao.
£: sempre um orgao de pessoa juridica territorial
de direito publico que pode ordenar a desapropriagao.
Mas ha entidades ^ quals e permitido solicitar a esses
drgaos que declarem a utilidade publica da expropria-
gao: a lel brasileira de 1941, no art. 3°, refere-se aos
concessionarios de servigos piiblicos e aos estabelecimen-
tos de carater publico ou que exergam fungoes delegadas
de poder publico, devidamente autorizadas por lei ou
contrato.

De modo que os bens desapropriados nem sempre


ingressam no dominio da entidade que declarou a utili
dade publica da expropriagao. Muitas vezes, feita a de-
claragao, o processo expropriativo passa a decorrer entre
uma outra entidade, que chamaremos expropriante, e
o desapropriado.

Efetivada a desapropriagao, os bens expropriados so


em certos casos de interesse social ingressam no patri-
monio do expropriante.
Na verdade a desapropriagao teve per fundamento
o chamamento dos bens a realizagao de determinado fim
de utilidade publica e, portanto, e so a esse fim que po-
dem ser destinados. Nao sao, pois, livremente disponiveis
pelo expropriante e, na nossa opiniao, se sao indisponi-
veis, devem ser considerados dominiais. A solugao so seri
diferente quando a desapropriagao seja fundamentada
no iriteresse social de facilitar o acesso de novas pessoas
a propriedade privada, permitindo-lhes a aquisigao de
ten-a para cultivar ou de terreno para construir a habi-
Bens 457

taQao; ou por motives urbanisticos, de mode a mobiUzar


terrenes para expansao de uma eidade.

203. No inicio do seculo XIX a revolugao liberal, ao


proclamar a intangibilidade dos direitos do homem, fa-
zia assentar estes na triade fundamental — liberdade,
seguranga individual e propriedade.
A propriedade ainda era concebida segundo a insti-
tuigao roroana que dava ao proprietario a faculdade de
exercer, a seu arbitrio, sobre as coisas apropriadas, o jus
utendi, o jus fruendi e o jus abutendi. E por isso a pri-
meira Censtituigao brasileira, a de 1824, no art. 179,
n.o XXII, proclamava: "t. garantido o direito de pro
priedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legal-
mente verificado exigir e use e emprego da propriedade
do cidadao, serd ele previamente indenizado do valor
dela. A lei marcard os casos em que tera lugar esta linica
excegao e dard as regras para se determinar a indeni-
zagao". Foi para dar execugae a este preceito que a lei
de 9 de setembro de 1826 regulou os casos em que a
necessidade do hem publico poderia justificar a desapro-
priagao, distinguindo esses casos dos da mera utilidade-
do bem publico.
Havia assim duas hipoteses: a de as coisas serem
necessdrias ao bem publico, e a de serem simplesmente
uteis.
A Constituigao republicana de 1891, art. 72, § 17,
faz referenda d desapropriagao por necessidade ou uti
lidade pdblica. A primeira vista parecera que apenas
manteve a terminologia das leis do Imperio. Mas nao.
Ser necessdrio ao bem piiblico d uma coisa, agir por ne
cessidade publica, e outra. Quando um homem de leis
emprega esta dltima expressao, estd pensando no estado
de necessidade, a que adiante nos referlremos, e que jus-
tifica a preterigao de direitos individuals independente-
•458 DIREITO ADMINISTRATIVO

mente de previo processo juridico regular. E assim o


•entendeu o legislador do aodigo Civil de 1916, arts, 590
e 591, embora parega condicionar sempre o use do di-
reito de necessidade a previa declaracao do estado de
sitio. A doutrina foi repetida na Constituigao de 1934,
art. 113, inciso 17; "A desapropriagao por necessidade
ou utilidade publica far-se-a nos termos da lei, mediante
previa e justa indenizagao. Em caso de perigo iminente,
como guerra ou comogao intestina, poderao as autori-
dades competentes usar da propriedade particular ate
onde 0 bem publico o exija, ressalvado o direito a inde-
nizagao ulterior".
Quer dizer: neste preceito dlstinguem-se as duas hi-
poteses, da desapropriagao com previo processo, e da
utilizagao dos bens em caso de perigo iminente com in-
■denizagao posterior; mas nao se aplica a esta ultima, que
e de atuagao em estado de necessidade, a qualificagao de
necessidade publica referida na primeira liipotese impro-
•priamente.
A formula constitucional brasileira ra antcve-se na
'Constituigao de 1946 e sua Emenda Constitucional n.° 10
•:e na Constituigao de 1967-69. So que, a partir de 1946,
se acrescentou a "necessidade ou utilidade publica" a
■desapropriagao por interesse social.
O Decreto-lei n.° 3.365, de 21 de junho de 1941,
regula, unicamente, a desapropriagao por utilidade pu-
"blica sem fazer referlncia a necessidade publica, absor-
vendo, pois, esta nogao naquela. A ideia e, manifesta-
mente, de que, se os bens devem ser desapropiiados per
•serem uteis a coletlvidade, Ihe sao necessaries. Nao ha,
pois, a partir dessa lei, conceitos legais diferentes de
-utilidade e de necessidade publica.
Ja isso nao sucede quanto ao interesse social, por-
que a Lei n.° 4.132, de 10 de setembro de 1962, precei-
;tua expressamente que a desapropriagao por interesse
Behs 459

social serd declarada — "para promover a justa distri-


"bmQao da proprledade ou condicionar o seu use ao bem
•estar social", invocando o art. 147 da Constituijao de
1946, a que a Emenda Constitucional n.o 10, de 9 de
"novembro de 1964, acrescentou alguns importantes pa-
ragrafos, tendo em vista a reforma agraria. Nestes ca
ses ja nao e o velho conceito de utilidade publica o que
vigora, e sim a ideia da convenieneia de alargar as opor-
tunidades de proraogao individual pelo acesso k proprie-
•dade rustica e urbana, com a preocupacao de promover
maior equilibrio na sociedade.

204. Para se proceder a desapropriagao 6 necessario


que certos e determinados bens sejam reputados indis-
pensaveis a realizagao de um fim considerado por lei
Justificativo da extinqao do vlnculo que os ligava ao pro-
prietario.
A utilidade pdblica ou o interesse social da expro-
priagao nao podem ser tornados abstratamente: e a lei
que enumera, expressa e taxativamente, os casos em que
se torna admissivel a invocagao desses fimdamentos.
Existem enumeragdes feitas em lei geral como no Direito
Brasileiro sucede com o art. 5.° do Decreto-lei n.o 3.365,
quanto aos casos de utilidade publica, e o art. 2.® da Lei
n.° 4.132, relativamente aos de interesse social. O Poder
Legislative pode, pwrfem, acrescentar outros casos em
lei especial.
Embora alguns desses casos sejam formulados em
termos extremamente amplos — v. g. a seguranga na-
cional, a defesa do Estado, a salubridade publica... —
0 carater excepcional da desapropriagao relativamente
a garantia do direito de propriedade privada impoe que
s? considere taxativa a enumeragao deles e que se pro-
ceda a interpretagao restritiva dos sens termos. Ao me-
460 DlREITO ADMINISTRATIVO

nos nos regimes em que a propriedade privada conti


nue a ser a base da ordem economica e social.
Surgida uma situasao concreta — a cbra a efetuar,
o monumento a preservar... — a lei indica qual o 6r-
gao competente para formular o juizo de conveniSncia
e oportunidade da desapropriagao dos bens indispensa-
veis a realizagao dos fins de interesse publico visados,
verificando se o case se enquadra, ou nao, no rol da-
queles que nos seus preceitos se considera revestirem
utilidade publica ou interesse social.
Se 0 juizo for positivo, esse orgao publicar^ a de~
claragdo de utilidade p■ ublica da desapropriagao. (Nes-
ta expressao incluiremos, daqui por diante, os casos de
declara^ao de outros fundamentos legais da desapro-
priagao, seja necessidade publica, seja interesse social.)
A declaragao de utilidade publica e, normalmente,.
um ato administrativo, Para ser valida ha de provir do
orgao a que a lei confira competencia para a fazer
(Presidente da Repiiblica, Govemador, Prefeito. . .) tem
de indicar precisamente os bens a expropriar, isto e,
identificando-os de modo a nao restarem diividas sobrfr
OS seus earacteres (natureza, localizagao, extensao, li-
mites, etc. . .). Deve mencionar o fim de utilidade pu
blica que fundamenta a desapropriagao com a disposi-
5^ legal que a autoriza. E tera de revestir a forma pres-
crita por lei (decreto, segundo o art. 6.° do Decreto-lei.
n.o 3.365).
O poder de enquadrar o caso concreto na indicagao-
legal dos casos de utilidade publica, e discricion^irio.
Quer dizer que, se o 6rgao competente declare, obser-
vando as formalidades legais, que determinados bens saO'
necessaries k realizagao de certo fim de seguranga na-
cional ou de salubridade publica, o seu juizo 6 indis-
cutivel, a nao ser quando se possa provar o desvio de
poder. Nao pode, pois, o dono dos bens entrar em litigio
Bens 461

com. a Administragao sobre a conveniencia da solugao


.adotada e procurar impor outra que repute melbor e
poupe OS seus bens.
O art. 9.0 do Dec.-lei n.o 3.365 eonsagra esta dou-
i;rina ao dispor que "ao Poder Judici^io e vedado, no
processo de desapropriagao, decidir se se verificaram ou
jiao OS eases de utilidade piiblica".
O Supremo Tribunal Federal admitiu no seu Acor-
dao de 12 de junho de 1974 (Caso de Paulo Scares de
Gouveia e outros) a impugnagao da declaragao de uti
lidade piiblica per mandado de seguranca quando seja
provada a violaQao de direito liquido e certo dos expro-
priados em virtude de, na desapropriagao de imoveis
tombados como monumento nacional, nao ter side ob-
servado o processo especial prescrito para esse caso e
de se ter em vista nao a conservagao adequada pelo
Estado dos bens tombados, que estava garantida, mas
a entrega deles a uma entidade privada {Revista de
Direito Administrativo, v. 123, p. 274 e segs.).
A decisao e correta e comporta-se dentro da doutri-
na que expendemos. Na verdade, o ato praticado no exer-
•cicio de poderes discricionarios nao esta isento da fis-
calizagao jurisdicional da sua regularidade formal quan
do esta se encontre vinculada per lei. E o uso dos po
deres discricionarios para fim diverse do prescrito na lei
constitui o desvio de poder, clarissimo na hipotese ver-
sada; os poderes conferidos para garantir a preserva-
gao e conservagao adequada dos bens tombados, no caso
de OS proprietaries deles nao cuidarem, foram exerci-
dos para entrega-Ios a uma fundagao universitaria pri
vada que neles instalaria escolas, com todos os incon-
venientes de conservagao que o uso acarretaria.
A eiqiosigao de motives do Dec.-lei n.° 3.365 expli-
ca que a indagagao de ser caso ou nao de utilidade pii
blica "devera ser ventilada por agao direta, em proces-
462 DKSITO ADMINISTRATIVO

SO autSnomo tendente a anular o ato do agente ou Po-


der Executivo e apurar a sua responsabilidade por abu-
so ou excesso de Poder". fi a doutrina depois expressa
no art. 20. A anulagan implica a existgncia de ilegallda-
de e, portanto, so pode ter lugar em relagao aos ele-
mentos vinculados do ato.

205. Quais OS efeitos da declaracao de utilidade pu-


biica da desapropriagao?
O primeiro, e mais importante, desses efeitos e a
extinjao do direito de disposigao pelo proprietario de
bens. Na verdade, os bens fleam reservados para a en-
tidade expropriante, a ela terao de ser entregues. O ex-
proprlado mantem os dlreitos de uso e fruicao enquanto
nao se verificar a entrada dos bens na posse do ex
propriante: mas nao pode dispor deles, nem sequer
transformd-los, so podendo fazer benfeitorias liteis des-
de que tenha autorizagao do expropriante (Dec.-lei nii-
mero 3.365, art. 36, § 1.®).
Tal efeito e da maior relevincia, se tivermos em
conta que o direito de disposigao e o poder caracteris-
tico do direito de proprledade. Este e um direito com-
plexo, formado por varies pode^es que na pr&tica se
chamam direitos tainbem — "direitos elementares" se-
gundo o art, 525 do Cod. Civil Brasileiro. Desses pode-
res, todos, menos o de disposigao, podem ser exercidos'
sem ser pelo titular da proprledade. So o proprietario-
pode dispor dos seus bens.
Sendo assim, compreende-se o ponto de vista da-
queles que entendem ser a declaracao de utilidade pu-
blica 0 ato expropriativo por excelencia, aquele que ex-
tingue o direito de proprledade do expropriado.
Todavia, a transferencia dos bens esta condiciona-
da pelo pagamento de justa indeniza^ao. No pensamen-
to do legislador o patrimdnio do particular nao deve ser
Bens 463"

lesado: o valor representado pelos bens expropriados-


tem de ser reintegrado em dinheiro. A justa indenlza-
gao consistir^, pois, no valor pecunidrio que no patri-
monio do expropriado tome o lugar dos bens dele sai-
dos forgosamente, sem prejtuzo nem lucro.
De modo que a eficacia plena da declaragao de uti-
lidade publica depende do pagamento da justa indeniza-
gao. O segundo efeito da declaragao esta ai: em auto-
rlzar a fixagao do valor a pagar, quer por acordo {ex-
prapriagdo amigdvel) quer mediante processo judicial..
Este efeito tem de ser produzido no prazo de cinco anos a-
contar da data do decreto de declaragao, sob pena de
caducidade desta (art. 10).
O terceiro efeito da declaragao decorre do primeiro:
0 valor da indenizagao sera calculado tendo em conta o-
estado e a funcao dos bens d data da pvblicagdo do
decreto declaratorio (art. 26).
E quarto efeito e o de permitir as autoridades ad-
ministrativas que, desde logo, penetrem nos predios
compreendidos na declaragao, podendo recorrer, em ca-
so de oposigao, ao auxilio de forga policial (art. 7.°).
A declaragao de utilidade publica da desapropria-
gao e, pois, um ato administrative extintivo da proprie-
dade cuja eficacia plena fica condicionada pelo paga
mento oportuno da justa indenizagao.

206. O pagamento da indenizagao depende da previa fi


xagao do referido valor, que pode ser acordada com o de-
sapropriado originando o que se chama a expropriacao
amigdvel.
Se nao se chegar a acordo, tera de ser instaurada
pelo espropriante acao judicial (cit. Dec.-lei n.o 3.365,
arts. II e segs.).
A Constituigao Brasileira desde^ 1824 exige que
OS bens nao possam ser transferidos para a posse do
4G4 DniEiTO administrativo

expropriante sem previa indenizacao, salvo verificando-


-se o estado de necessidade.
Mas a lei distingnae entre exproprlagoes iirgentes e
nao urgentes, sendo a qualificacao feita pelo espropri-
ante (cit. Dec.-lei, art. 15).
Se a expropriagao e urgente, o expropriante devera,
intentada a agao, depositar o valor que for fixado por
avaliagao pericial realizada nos termos legais. Felto is-
so, o juiz mandara imiti-lo provisoriamente na posse
dos bens, seguindo-se os termos do processo de indeni-
zagao.
Ndo sendo urgente a expropria^ao, debater-se-a em
processo judicial o montante da indenizagao e so depois
desta fixada por sentenga e de realizado o pagamento
serd expedido 0 mandado de imissao de posse.
Quanto ao modo de pagamento da indenizaQao a
forma tradicional era faze-lo por uma s6 vez e em di-
nbeiro. Mas em numerosos paises tem sido adotado, nos
ultimos decenios, para as indenizag5es de grandes mon-
tantes a pagar por pessoas juridicas de direito piiblico
em casos de reforma agraria, de empreendimentos de
vulto excepcional ou de nacionalizagao de empresas co-
merciais e industrials, o pagamento em titulos de di-
vida publica, correspondente a um empr^stimo forgado,
amortizdvel num niimero prefixado de anutdades. Es
ses titulos tanto podem representar divida normal, co-
mo emprestimos especialraente consignados a reforma
ou as nacionalizagoes. No primeiro caso sao negociaveis
como quaisquer outros titulos representativos da divida
publica, no segundo podem nao o ser e apenas servir
de mero de pagamento a entidade emitente de divida
de que seja credora (ver Constituigao Brasileira, arti-
go 161). Em certas legislagoes admite-se tamb6m que,
por acordo com o expropriado, os bens desapropriados
sejam permutados por outros do expropriante.
Bens 465

207. . Surge agora um problema que tern constitul-


do motive de larga discussao na Doutrina: o de saber
se as entidades expropriantes adquirem os bens expro-
priados por aquisigao originarla ou derivada. For outras
palavras; se a eficdcia de desapropriacao e tramlativa,
produzindo a transferencia dos direltos do expropriado
para o expropriante (como sucede nos contratos civls de
translagao de propriedade: a compra e venda, a doagao,
a troca...). ou se 6 constitutiva, fazendo nascer para o
expropriante uma situagao de dominie que nada tern a
ver com a do antigo proprietario.
Ao analisar o procedimento expropriativo, expuse-
mos a opinlao de que o ato de declaracao de utilidade
publica extinguia o dlreito de disposigao dos bens do
proprietario abrangido. Contra este mode de ver pode
argumentar-se com o fato de freqiientemente proprielA-
rios de bens em relagao aos quais foi publicada a decla-
ragao de utilidade publica os vendeiem, e de esses con
tratos terem sido reconhecidos validos pelos tribunals.
Mas tal fato nao destroi a doutrina exposta. Na ver-
dade, apos a declaracao de utilidade publica e enquan-
to 0 expropriante nao toma posse dos bens medlante
caugao ou pagamento de indenizacao, o proprietario
destes conserva no seu patrimdnio os direitos de use e
fruicao e, sobretudo, o direito k justa indenizagao. E
sao estes os direitos que, durante o quinquSnio da va-
lidade da declaracao ou na pendencia do processo de
desapropriagao nao urgente, ele pode negociar. O que e
bem diferente de dispor dos bens.
Com o pagamento da indenizacao ficam extintos
todos OS direitos do expropriado sobre os bens. E se os
direitos foram extintos, esta claro que nao podem ser
transmitidos. Disse "expropriado" e nao "proprietSrio".
Pode, na verdade, suceder que surjam ddvidas sobre os
direitos do expropriado, sendo contestada por outrem a

244 - 30
468 DIREITO ADMIMISTRATTVO

legitimidade da sua propriedade ou o titulo desta. Ora,


se a aquisigao fosse derivada, nao poderia seguir o pro-
cesso antes de se apurar quern fosse o legitimo proprie-
tdrio, porque so este poderia transferir direitos (C6di-
go Civil Bras., art. 622). E se ]a tivesse ocorrido a trans-
ferencia dos bens e se viesse a apurar que eles provi-
nham de quern nao era o dono, seria forgoso anula-la.
Nada disso se passa. O processo judicial expropria-
tivo exclui a ventilagao da questao de propriedade que
a lei brasileira remete para agao direta (art. 20), deter-
minando que a discussao incida sobre o direito a le-
vantar o valor da indenizagao, que o juiz, verificando
haver dilvida fundada sobre o dominio, ordenara que
fique em deposito (art. 34, § unico).
Quer dizer que, extintos os direitos do expropriado
sobre os bens, sao estes substituidos pelo respective va
lor pecuniario, sendo indlferente ao expropriante que
eles tenham provindo, ou nao, do legitimo proprietario.
Os interessados nao podem anular a transferencia dos
bens, mas unicamente disputar o direito a importancia
da indenizagao.
For outro lado os direitos constituidos pela lei a
favor da entidade expropriante nao t§m nada a ver com
OS que foram extintos no patrimonio do expropriado.
Na verdade, os bens ingressam no dominio do expropri
ante com a afetagao especial resultante do fim mencio-
nado na declaragao de utilidade publica. Se foram de-
sapropriados para ser construido um hospital, 6 para
esse fim que tem de ser destinados. Quer dizer: a en
tidade expropriante nao tem o direito de livre disposi-
gao dos bens desapropriados, exercendo sobre eles meros
poderes funcionais ou poderes-deveres. Aceltando o nos-
so ponto de vista teorico sobre a identificagao da do-
minialidade publica com a indisponibilidade por motivo
de utilidade publica, teremos de concluir que sobre os
Bens 467

bens foram extintos os direitos de propriedade privada


para Ihes ser aplicado o regime do dominie publico. E
tambem aqm se ve a impossibilidade da derivaeao de
direitos.
A doutrina exposta nao k incompativel com a de-
sapropriagao de bens por interesse social. Mesmo quan-
do 0 latiiundio e desapropriado para ser dividido em
glebas e distribuido, vendido ou alugado "a quem esti-
ver em condigoes de dar-lbes a destinagao social previs-
ta", o expropriante nao fica sendo dono da terra, mas
simples detentor para cumprir a lei que a manda desti-
nar a reforma agraria, a construgao de casas popul'ares,
ao estabelecimento de colonias cooperativas de povoa-
mento e trabalho agrlcola... Ainda que se entenda,
como sucede relativamente ^ terras devolutas, que sao
bens patrimoniais, trata-se de um patrimdnio de afe-
tagao, so disponivel para os fins expresses e especial-
mente mencionados na lei. Os direitos da entidade pu-
blica sobre eles nao sao, pois, os existentes sobre os bens
dominicais do patrimdnio fiscal.

205. E se OS bens nao forem aplicados para os fins


constantes da declaragao de utilidade publica?
O probiema pde-se em todos os paises com certa
frequencia. Umas vezes porque a Administragao desis-
tiu de levar por diante o empreendimento projetado, ou-
tras porque Ihe faltaram recursos ou atd porque as cir-
cunstancias mudaram e com elas a conveniencia e a
oportunidade de dar seguiraento ao projeto. E entao
pode suceder que os bens sejam aplicados a outre fim
de utilidade pdblica ou que fiquem jazendo inuteis ou
tratados como patrimdnio fiscal.
Quando se verifica a afetagao dos bens a urn fim
de utilidade publica diferente do que constava da de-
claragao justificativa da desapropriagao, a pratica em
4;68 DIHEITO ADMINISTHATIVO

geral e no sentido de tolerar essa mudanca de destine.


"Rm rigor, 0 orgao competente devia publicar uma rati-
fleagao da declaragao donde constasse o novo fim as-
sinado aos bens. Mesmo quando assim se nao proceda,
aceita-se a substituigao, nalguns paises prevista na lei
e noutros admitida pela jurisprudlncia.
Mas se OS bens sao abandonados ou convertidos em
patrimdnio fiscal, o expropriado pode considerar-se le-
sado por ter sido privado dos seus direitos em nome de
uma utilidade piiblica que se nao verificou. Nesse caso,
ha paises onde o expropriado pode requerer a reversao
ou retrocessao dos bens, restituindo a indenizagao re-
cebida, ou o expropriante tern o dever de oferecer os
bens ao expropriado mediante a devolu§ao do valor pago.
Essa reversao justifica-se por ter ficado sem efeito
a declaragao de utilidade publica, cessando a causa jus-
tificativa do negocio juridico, o que, no caso de reque-
rimento do expropriado, se tera de provar demonstran-
do que o expropriante desistlu formalmente da obra ou
a realizou noutro lugar, ou que decorreu prazo razoa-
vel (que a lei deveria fizar), sem ser dado inicio ao
aproveitamento dos bens.
Noutros paises entende-se que, em qualquer caso, a
conversao dos bens desapropriados no raontante da ia-
denlzagao paga e definitiva. Portanto, nunca havera
lugar a reversao ou retrocessao dos bens. Se os fins
constantes da declaragao de utilidade publica nao se
concretizarem o expropriado so tera direito a exigir, por
agao judicial adequada, a indenizagao das perdas e da-
nos resultantes de, sem causa legltima, terem sido extin-
tos os seus direitos sobre os bens expropriados. Uma
terceira solucao combina as duas anteriores e e a ado-
tada por autorizados autores no Direito Brasileiro com
apoio em jurisprudgncia do Supremo Tribunal Federal.
Segundo essa solugao, o expropriante, quando veriJique
Bens 469

nao poder dar aos bens o destine anunciado na decla-


ragao de utilidade piiblica, deve, nos termos do arti-
go 1.150 do Codigo Civil, oferecl-los ao expropriado para
que este exer§a o dlreito de preferlncia na aquisigao,
mediante a devolugao do valor da indenizagao paga; o
ilicito que constituira o expropriante em responsabili-
dade civil consiste na violagao desse dever legal do ofe-
reclmento dos bens a opgao do expropriado, e por esse
motive devera indenizi-Io quando demandado judicial-
mente, na forma prevista no art. 35 do Decreto-lel nu-
mero 3.365; "Os bens expropriados, uma vez incorpo-
rados k Fazenda Publica, nao podem ser objeto de rei-
vindicagao, alnda que fundada em nulidade do processo
de desapropriagao. Qualquer agao, julgada procedente,
resolver-se-a em perdas e danos."

209. A integral realizagao de certos fins de utilidade


publica pode exigir que Ihe sejam sujeitos bens de pro-
priedade particular. Nesse case o proprietdrio conserva
OS seus direitos sobre os bens do respective patrlmdnio,
ficando, porem, estes onerados por servidoes administra-
tivas ou sofrendo esses direitos restrigoes de utilidade
publica mais ou menos importantes.
Na tradigao romanista distinguiam-se, como ainda
boje fazem os Codigos civis alemao e suico, as servidoes
em reals ou prediais e pessoais.
A serviddo real ou predial consiste num encargo im-
posto num predio em proveito exclusive de outro pre-
dio pertencente a dono diferente, cbamando-se aquele
serviente e a este dominante.
Na servidao pessoal o predio ficaria sujeito ao be-
neficio ou proveito de pessoa ou pessoas diferentes do
proprietdrio. No Dlreito Administrativo europeu existem
reminiscencias de servidoes pessoais. como sucede com
0 que a Doutrina italiana denomina usos civicos: o cos-
470 DstEiTO asmhostrativo

tume que permite aos membros de certa comunidade


local, aldela ou municipio extrair de detenninados pre-
dios de propriedade privada, sempre ou em 6pocas mar-
cadas, barro, areia, lenha ou respigar os restos deixados
nas arvores ou nas plantas ap6s as colheitas.
Mas hoje as mais importantes servidoes administra-
tivas sao as reais, ou prediais. Simplesmente, o Direito
Administrativo, aproveitando o essencial do conceito ju-
ridico tradicional, adapta-o.
A servidao administrativa e um encargo imposto
num predio, mas em beneficio ou proveito da utilidade
publica de bens dominiais, quer estes possam correspon-
der a nogao de predio quer nao, como sucede com as
estradas, as dguas pdblicas, as linhas de transmissao e
distribuigao de energia, os aerddromos e aeroportos, as
obras de fortificagao mllitar, os paiois etc.
Por outro lado todas as servidoes administrativas
sao impostas por lei, nao sendo necessario ato juridico
para as constituir. fi: a lei que, pelo fato da existencia
dos bens dominiais, onera os prddios vizinhos destes com
determinados encargos.
Encargos que tem unicamente por objetivo permi-
tir que a fungao de utilidade publica do dominio seja
cumpiida como deve ser. De modo que, ao contririo do
que sucede no Direito Privado, nao aumentam o valor
economico dos bens dominantes, aliaa fora do comercio
juridico.
As servidoes administrativas, sendo conseqiiencia
da funcao de utilidade publica dos bens dominiais, po-
dem onerar outros bens publicos ou coisas do patrimo-
nio da entidade administradora do dominio. Os terrenos
publicos situados na margem do mar ou de correntes
de agua, ou k beira da rodovia ou da estrada de ferro,
suportam os mesmos encargos dos terrenos particulares.
Bens 471

E, ao contrario tambSni do que se passa no Direito


Privado, a servidao administrativa pode impor ao dono
do predio servlente a obrigagao de fazer alguma coisa,
e nao apenas a de se abster de praticar certos atos ou
de permitir certos usos.

A servidao administrativa deve ser constituida de


mode a permitir que os predios servientes continuem a
ser utilizados pelos seus donos como dantes, segundo o
prineipio do rmnimo prejuizo e nesse caso nao havera
lugar ao pagamento de indenizagao. A obrigagao deste
so naseera quando a servidao impega a confinuagao da
fruigao normal de todo ou de parte do predio serviente,
de modo a diminuir efetivamente o seu valor. Neste caso
havera um sacrificio excepcional imposto ao proprieta-
rio com violagao do prineipio da igualdade dos cidadaos
nos encargos piibhcos, justificative de indenizagao.
As servidoes administrativas sao, em si, inegocia-
veis, inalienaveis a imprescritiveis: existem enquanto es-
tiver em vigor a lei que as impuser e existirem os bens
que as justificam, extinguindo-se quando desaparega o
bem dominante, ou este perca o seu carater dominial
ou deixe de possuir utilidade piiblica.

Sao exemplos de servidoes administrativas as im-


postas nas praias do mar ou nas margens dos rios, as
de atravessadouro sobre terrenos particulares quando
indispensaveis para o acesso a bens dominiais, a de
aqueduto piiblico, as das faixas marginais das rodovias
e das ferrovias, as das linhas telegrificas, telefdnica's e
de transmissao de energia, as das zonas confinantes
com OS aerodromes, as das zonas confinantes com ins-
talagoes militares ou de interesse para a defesa nacio-
nal etc.
472 DiHEITO ADMIMISTRATrVO

210. Tivemos sempre o cuidado de distinguir as servi-


does administrativas das meras restrigofes de utilidade
publica ao direito de propriedade.
A servidao implica, como vimos, a submissao da
utilidade de certa coisa a utilidade publica doutra
coisa...
Ora, ha casos em que a lei regulamenta objetiva-
mente o direito de propriedade, impondo restricoes ao
ezercicio deste em beneficio da utilidade publica, mas
sem estabelecer relagao entre coisas, sem exigir que es-
sa utilidade esteja incorporada em certos bens.
Portanto as restrigoes de utilidade publica ao di
reito de propriedade vigoram onde quer que relativa-
mente a propriedade particular se verifiquem as circuns-
t&ncias pressupostas na lei para assegurar a realizagao
de interesses pilblicos em geral.
Tais restrigoes traduzem-se em limitagoes perma.-
nentemente impostas ao ezercicio do direito de proprie
dade ou em poderes conTeridos a Administracao para in-
tervir, a fim de realizar os fins que Ihe estao confiados.
Sao da primeira especie as limitagoes a construgao
em certos locals no interesse da seguranga, da higiene
ou da sadde publica, ou nas zonas de fiscalizagao adua-
neira, ou em ^as reservadas para a execugao de pia
nos de urbanizagao ou para o zoneamento neles pres-
critos.
Sao da segunda especie os poderes conferidos as au-
torldades, para imporem modificagoes necessaries a de-
fesa da sailde publica ou da conservagao do patrimonio
artistico.
PARTE III

TEORIA DAS GARANTIAS DA


LEGALIDADE E DOS ADMINISTRADOS
CAPITUIX) X

GARAimAS POLITICAS E ADMINISTRATIVAS

§ 1.°

PRINCIPIOS GERAIS

211. Garantias de legalidade e garantias dos adminis-


trados.

212. Garantias rpoUticas.

213. Garantias administrativas e garantias judiciais.


214. Sistemas de relagoes entre a Administraqdo e a
Justiga: a) Sistema jvdicialista.
215. b) Sistema administrativo.

216. Formulas interm&dias: o sistema italiano.

217. Procedimento gracioso e procedimento contenciQ-


so. O contencioso administrativo.

211. Depois de examinada a organizagao da Adminis-


tragao Publica e de analisada a atlvidade administrati-
va que ela desenvolve, e chegado o momento de abordar
0 estudo das garantias instituidas para assegurar o cum-
primento das leis e o respeito dos direitos subjetivos e
dos interesses legitimos dos particulares.
476 DIREITO ADMINISTRATXVO

Naturalmente este segundo aspecto, das garantias


dos administrados, e o que maior importincia tern, por
traduzir uma imposigao evidente do Estado de Direito.
A organizagao da garantia dos direitos e interesses legi-
timos dos particulares e, inquestionavelmente, o ponto
essencial do Direito admiiiistrativo: sem ela nao esis-
tem relagoes juridicas, porque nao havera possibilida-
de de obrigar a Administracao a cmnprir os deveres as-
sumidos segimdo a lei.
Mas nao se deve esquecer de que a observ&ncia da
legalidade se justifica por si mesma, independentemen-
te do valor que reveste como protegao dos particulares
que travam relagoes com a Administragao. O interesse
publico a prosseguir, os orgaos e agentes incumbidos de
o fazer, os pcderes funcionais de que ims e outros lan-
gam mao para o efeito e ainda, em maior ou menor
medida, as formas de agir e os meios de agao a adotar
— tudo sao aspectos que a lei cabe definir e regular em
termos que a Administragao deve respeitar. E porque o
interesse coletivo exige o respeito das leis em vigor pela
Administragao mesmo que a atuagao desta nao con-
tenda com as situagoes subjetivas dos particulares, nao
basta que existam e funcionem garantias dos adminis
trados: importa tambem organizar garantias da lega
lidade.
Entendemos aqui por garantias todos os meios cria-
dos pela Ordem Juridica com a finalidade imediata de
prevenir ou remediar as vioIagSes do direito objetivo vl-
gente (garantias da legalidade) ou as ofensas dos di
reitos subjetivos ou interesses legitimos dos particulares
(garantias dos administrados).
Sublinhe-se, ali^s, que nao h4 uma separagao abso-
luta entre as duas especies de garantias que ficam dis-
criminadas. Com efeito, nao s6 muitas vezes se conse-
gue proteger os administrados pelo funcionamento das
GAHANTIAS POLinCAS E ADMINISTRATIVAS 477

garantias da legalidade — por esemplo, a recusa de


aprovacao tutelar de um ato ilegal causador de prejui-
zos a um particular — como, tantas outras, se oPtem
a reintegracao da legalidade mediante o emprego das
garantias dos administrados — por exemplo, o recurso
de anulapao de um ato ilegal interposto pelo titular do
interesse lesado.
O que conta, pels, para quaUficar cada uma das
garantias organizadas pela Ordem Juridica e a finalida-
d© imediata da sua criacao, o Interesse para cuja prote-
gao, em primeira llnha, tenham side concebidas, e pos-
sam ser utilizadas.
As garantias contra as atuagoes indevidas da Ad-
ministragao Publica podem ser classificadas, quanto a
natureza dos orgaos e processos usados, em garantias
'poUticas, garantias administrativas e garantias judiciais.
Nestes dois ultimos grupos podem ser utilizados meios
graciosos e meios conteTiciosos.

212. As chamadas garantias poUticas sao as que resul-


tam de funcionamento dos orgaos supremos do Estado
ou do exercicio dos direitos Individuais consagrados na
Constituigao sem utilizar os meios administrativos ou
judiciais.
Nao nos referimos ^ garantias teoricamente resul-
tantes da propria estrutura do poder politico — como
sejam a separagao dos poderes ou o Estado de Direito —
porque elas sao apenas o fundamento de outras que
direta e imediatamente estao ao dispor dos cidadaos.
O primeiro gnipo de garantias politicas da legali
dade na Administragao e dos direitos dos administrados
e constituido, como ficou dito, pelas que resultam do
funcionamento dos orgaos supremos do Estado.
Nos sistemas parlamentares o Govemo respond©
pelos seus atos perante o Parlamento, que constant©-
478 DIREITO ADMIHISTRAnVO

mente fiscaliza a atuagao ministerial e pode destituir o


Gabinete mediante a votagao de uma mogao de descon-
fianga.
No seio do Parlamento, em regime de partidos, de-
finem-se uma maioria, que apoia o Govemo, e uma mi-
noria, que se Ihe opoe. Come a oposigao aproveita todos
OS pretextos para acusar o Governo da pratica de ile-
galidades e de violagao de direitos individuals, a maio
ria forma barreira para impedir que destas acusagoes
resulte a votagao da mogao de desconfianga. O Gover
no tem de proceder com cuidado para evltar maiores
ataques e de se defender dos que Ihe sao feitos. Mas
raramente cai por ter praticado uma ilegalidade ou ofen-
dido OS direitos de um cidadao.
Quer dizer que o maior merito das assembleias po-
liticas serd a fiscalizagao dos atos do Executivo e a obri-
gagao em que o coloea de ss justificar publicamente.
Este resultado consegue-se igualmente nos sistemas pre-
sidencialistas, onde a permanencia do Govemo nao de-
pende do voto das assembleias representativas, mas po-
dendo estas, atraves de debates, perguntas, convocagao
de mlnistros para explicacoes, criagao de comissoes de
inquerito e julgamento das eontas publicas exercer fis
calizagao da legalidade da Administragao.
No segundo grupo de garantias politicas incluimcs
as que sao conseqiiencia do comportamento individual
permitido pelos direitos constitucionalmente reconhe-
cidos.
Os principals destes direitos sao o de representagao
e petigao, o de expressao, o de reuniao e o de associagao.
Assim a Constituigao Brasileira, por exemplo, no
seu artigo 153, assegura a qualquer pessoa o direito de
representagao e de petigao aos poderes publicos em de-
fesa de direito ou contra abusos de autoridade (§ 30),
declara livre a manifestacao de pensamento (§ 8°),
GARAMTIAS POLiTICAS E ADMnnSTRATnAS 479

permite a todos reunlr-se sem armas (§ 27), assegura


a liberdade de associagao para fins licitos (§ 28).
Deste modo o cidadao pode chamar a atengao dos
poderes publicos para alguma ilegaiidade mediante re-
presentagao, ou solicitar que a ofensa aos seus dlreitos
seja reparada formulando petigdo. Pode pela imprensa
protestar contra a ilegaiidade, reunir-se com outros para
dar forga ao seu protesto, associar-se para zelar pelos
seus direitos...
As garantias politicas, por6m, nao dao qualquer se-
guranga de exame e atendimento do clamor individual
ou coletivo. OS direitos de pedir, de representar, de exer-
cer atividade cMca, de promover ou participar em reu-
nioes e associagoes... estao consagrados constitucional-
mente em todos os paises. Mas o linico dever que a eles
corresponde da parte do Poder politico e o de nao em-
baragar o respective exercicio. A sorte da agao desenvol-
vida a sombra deles depende da receptividade de quem
detem o Poder e da conveniencia que encontre em aten-
de-la.
Para dar maior consistencia a este tipo de garan
tias evltando que, como geralmente sucede nas assem-
bldias legislativas, se acumulem nas respectivas mesas,
petigoes e reclamagoes sem seguimento, a Constituigao
Sueca instituiu a figura do Comissario Parlamentar
(Ombudsman) encarregado de tomar conhecimento das
queixas formuladas acerca do funcionamento dos ser-
vigos e de investiga-las, recomendando aos organs compe-
tentes as providencias necessarias ao melhoramento dos
procedimentos e ^ reparagao das ofensas de direitos
individuais, da violagao da legalidade e dos desvlos da
moralidade administrativa. Quando tais recomendagoes
nao sejam acatadas, o Comissario, que e eleito pelo Par-
lamento e goza de garantias de estabilidade e de inde-
pendencia, relata a C&mara dos Deputados a sua inter-
480 • DlREITO ADSIINISTRATrVO

vencao e os obstaculos encontrados a realizagao dos sexis


intentos para que o Ministro competente responda pe-
rante ela.
O exemplo sueco foi seguido por outros paises es-
candinavos e depois por diversas nagoes. Nem sempre
se trata de um Comissirio Parlamentar podendo o ma-
gistrado inspetor atuar na esfera do Executive. Alias,
ha paises onde a tradigao e formular as queixas e re-
clamagoes Presidencia da Eepdblica ou a Presidencia
do Conselho de Ministros: em Portugal, por exemplo,
antes de 1974, era k Presidgncia do Conselho que os ci-
dadaos se dirigiam e nela existia um servigo encarrega-
do de encaminhar as reclamacoes, inquirindo dos servi-
gos competentes o que se passava, recomendando aos
Ministros, quando fosse caso disso, os remgdios conveni-
entes e informando sempre os reclamantes do destine
e resultados das reclamacoes formuladas com um mini-
mo de seriedade.

E do mesmo genero dos Comissdrios Parlamentares,


mas dependendo diretamente do Presidente da Republi-
ca e mais proxima na sua fungao dos Tribunais de Con-
tas, a Controlona General de la Republica existente no
Chile, que se pronuncia sobre a legalidade dos decretos e
xesolugoes do Poder Executive antes da sua entrada em
vigor e pode investigar largamente o funcionamento dos
servigos.
Apesar destes esforgos para transformar os meios
politicos de defesa da legalidade e dos direitos indivi-
duais em verdadeiras garantias, os processes mais efica-
zes de conseguir esses fins ainda sao aqueles cujo exer-
clcio se encontra regulado por lei com seguimento e re
sultados assegurados pelo funcionamento da orggnlca
administrativa ou pela possibilidade de acesso aos tri
bunals. .
Garantias poziricAS e abminisirativas 481

213. Se adotarmos o criterio de qualificar as garan


tias nao poUticas segundo os orgaos atraves das quais
SD processam, poderemos distingul-las em garantias ad-
ministrativas e garantias judiciais.
Nas garantias administrativas classificamos todos
OS meios de defesa da legalidade e dos direitos indivi
duals proporcionados mediante a utilizagao de orgaos da
Administracao Publica. £ o case da atuagao da hierar-
quia administrativa que, atraves do qua chamamos po-
der de superintendencia dos superiores sobre os atos dos
subalternos, permite o controie oficioso da legalidade
desses atos e a correqao das ilegalidades quando solici-
tada atraves do recurso hierdrquico. Onde nao funciona
a hierarquia, isto e, nas relagoss entre entidades auto-
nomas, pode vigorar a fiscalizaQao ou supervisao tute
lar, exercida pela entidade de interesses mais amplos
sobre a de interesses restritos que Ihe esteja vinculada.
E em quase todos os paises existem Tribunals de Contas
ou drgaos semelhantes, que exercem quer uma vigildncia
preventiva da legalidade e regularidade financelra dos
atos produtores de despesa publica, quer apenas a fis-
calizacao das contas dos gastos realizados por todos
quantos sejam responsaveis pelo manejo de dinheiros e
de outros lecursos piiblicos.
O processo destas garantias e geralmente o processo
gracioso. Mas pode haver garantias administrativas com
processo contencioso. Esse probleraa sera adiante exa-
minado.
As garantias judiciais sao as resultantes da facul-
dade de defender nos tribunals a legalidade e os direitos
ameacados ou ofendidos. Intencionalmente nao fizemos
referencia ao Poder Judiciario. Judicial, na adjetivagao
que fazemos desta garantia, refere-se a atividade dos
juizes. A distingao enrte os drgaos administrativos e os
tribunals estara em que os primeiros tem, como opor-

244 - 31
482 DIHEITO ADKHNISIRATtVO

tunamente sublinhamos, o encargo legal de realizar o


interesse piiblico, como parte; enquanto os segundos
caracterizam-se pela missao de resolver conflitos entre
partes, verificando os fates e ajustando-lhes imparcial-
mente o Direito aplicavel.
Na organizagao administrativa a estrutura funda
mental e constituida pelos orgaos e agentes que prepa-
ram, tomam e executam decisoes formando o que mui-
tos autores denominam a administragdo ativa. Mas a
necessldade de ponderar bem as decisoes e de nelas to-
mar em considera^ao aspectos tecnlcos imprescindiveis
e justas aspiragoes do publico a quem sao destinadas faz
com que esses orgaos ativos sejam assistidos por orgaos
consultivos, impropriamente assim cbamados uma vez
que, para serem orgaos, Ihes falta a fungao de manifes-
tar vontade, podendo apenas emltir opinioes, isto e, co-
laborar na fase reflexiva do ato volitlvo.
E aconteceu na Historia da Administragao Publica
que, por vezes, questoes em que se encontravam em cau
sa problemas de legalidade ou de direitos individuals, so-
bretudo em recurso hierarquico, fossem submetidas a
um orgao consultivo e por este versadas segundo um
procedimento contencioso. Em certa altura da evolugao
esses orgaos, de consultivos, passaram a ser decisorios, e
a resolver essas questoes com autoridade propria como
se fossem tribunals.
Nao serao, porem, verdadeiros tribunals se neles nao
tiverem assento juizes rodeados das garantlas legais que
assegurem a independencia e imparcialidade dos julga-
mentos.
Na Administracao contemporanea existem em mui-
tos palses orgaos vinculados a services adrainlstrativos
com a funQao de eonhecer e julgar as questoes contro-
vertidas suscitadas pelos administrados, resolvendo as
sim, no prdprio seio desses servigos e mediante proces-
GARANTIAS POLinCAS E ADMnnSTRATIVAS 483

so contencioso, um grande numero de cases de que fi-


cam libertos os tribunals.
Na medida em que sejam orgaos de competencia es-
pecializada ligados a determinados services e cujos titu-
lares nao gozam do estatuto iudicial, esses orgaos sao
adininistrativos, embora com competgncia jurisdicional.
Mas tambgm hd parses onde, a par dos tribunals or-
dinarios de competSncia comum, existem, integrados ou
nao no Poder Judicial, tribunals com todas as garantias
prdprias da funqao exercida, e dotados de competencia
para conliecer e julgar,em geral, as questoes surgidas da
ativldade administrativa e que devam ser resolvidas i
luz das normas do Direito Administrativo.
A compreensao desta situagao exige uma exposigao
mais larga dos sistemas de relagoes entre a Administra-
gao e a Justlga.

214. Nos palses a que temos reduzldo o nosso estudo


(excluindo aqueles em que vigora um regime comunis-
ta), pode-se reduzir a dois sistemas os adotados quanto
ao modo de regular as relaqoes entre a Administra^ao
e a Justi^a, ou quanto ^ dependencia em que a ativl
dade administrativa se encontre da intervencao do Poder
Judlciario: o sistema judidalista e o sistema adminis
trativo.
Comecemos peio sistema judidalista.
Neste sistema os tribunals com poder de proferirem
sentengas com forga de coisa jrrlgada estao todos inte
grados no Poder Judlciario, submetidos a jurisdigao de
um Supremo Tribunal que 6 o drgao maximo desse
Poder.
O judicialismo perfeito apresenta duas caracteris-
ticas fundamentals. A primeira estd em pertencer ao
Poder Judlciario a competencia para conhecer e julgar
as questoes administrativas contenciosas, muito embora
484 DIREITO ADMIKISTRATIVO

0 sistema seja compativel com a especializagao de tri


bunals administrativos, no mesmo piano em que admite
tribimais civeis, criminais, de familia, do trabalho...
A tendencia atual e, na verdade, para especializar
OS tribunals no seio do Poder Judiciario, admitindo tam-
bem, nos tribunals superiores colegiados, a existencia de
camaras, secgoes ou salas que assegurem ate a instancia
suprema essa especializagao dos juizes, a que em regra
correspondam normas proprias de processamento de
cada tipo de pleitos.
Mas lia uma segunda caracteristica mais importan-
te: no judicialismo perfeito os organs administrativos
fleam dependentes a todo o memento da apreciagao da
juridicidade dos seus atos pelos tribunals que, a solici-
tacao dos interessados e mediante processo sumario,
podem emitir ordens ou mandados que os orgaos da
Administragao sao forcados a acatar.
Quer dizer que, no sistema judicialista perfeito, os
drgaos administrativos nao gozam de independencia na
autoridade que possuem para interpretar e aplicar as
leis. Acima deles, como se fossem superiores hierarqulcos
no uso de poderes de superintendencia, estao os tribu
nals judiciais de quem, portanto, esses orgaos dependem.
Os juizes so podem intervir para suster a acao admi-
nistrativa quando haja requerimento do titular de um
direito liquido e certo e com fundamento na ofensa deste.
A origera historica desta supremacia dos juizes sobre
a Administragao encontra-se na Gra-Bretardia.
Pode dizer-se que em quase todos os paises europeus
ate ao seculo XIX nao havia separagao entre o que hoje
chamamos organizagao administrativa e organizacao
judiciaria. Era tambem o caso portuguSs.
Em Portugal o Rei concentrava em si todos os po
deres da Soberania: era o SoberaTio. Portanto, fazia as
leis e podia dispensar quem quisesse de Ihes obedecer
Garantias politicas e administrativas 485

ou criar um estatuto privilegiado para as pessoas que


entendesse; e era o supremo executor das leis do Reino,
quer como juiz em cujo nome se administrava justiga,
quer impulsionando as atividades que hoje chamaria-
mos de administragao. Esta fungao executiva era, po-
r6m, de fato exercida por Conselhos, genericamente de-
nominados "tribunais", que rodeavam o Monarca na
Corte (donde, ainda hoje, esses drgaos nalguns parses
conservarem a designacao de cortes) e que acumulavam
na jurisdigao que exerciam os poderes judiciais e admi-
nistrativos.
As autoiidades dispersas pelos territories da Mo-
narquia, na Europa ou no Ultramar, correspcndiam-se
com esses Conselhos ou Tribunais, deles recebiam ins-
trugoes e decisoes. E em representagao do Rei os juizes
podiam amparar e proteger as pessoas contra ameagas
de outrem ou abuses da autoridade.
Na Gra-Bretanha o sistema era o mesmo. Mas em
1701 o Act of Settlement tornou os Tribunais da Corte
praticamente Independentes do Rei que deixou de poder
intervlr nas decisoes deles e de Ihes dar ordens, assim
como de demitir ou transferir os juizes. Esses Tribunais
conservaram, porem, as mesmas atribuicoes que tinham,
nas quais se incluia a supremacia sobre todas as auto-
ridades do reino. Assim se fixou o principio da juris
digao dos juizes sobre os administradores em nome do
governo do Direito (rule of law): ninguem pode decidir
seja o que for contra a lei e quern possui o poder de
exprimir a vontade contida nas leis, sao os juizes.
Se 0 cidadao se defronta com uma decisao ou uma
conduta de qualquer autoridade que repute lesiva dos
seus direitos pode recorrer imediatamente ao juiz com-
petente. E este, verificando em termos sumarios a razao
do recorrente, dara remedio expedindo uma ordem (ahti-
gamente denominada writ, nome que so foi conservado
486 Direito admikiserativo

para o habeas corjms) a autoridade visada, mandando


que retire o seu ato, cesse o seu procedimento ou re-
ponha as coisas no estado anterior.
Este sistema, praticado como disse na Gra-Bretanha,
<embora tambem sob certos aspectos vigente em Por
tugal ate ao seculo XIX) foi transportado para os pai-
ses que sofreram a influencia do Direito Britanico. Um
desses paises foram os Estados Unidos da America don-
de, por sua vez, irradiou para varias nagoes do conti-
nente americano, entre as quais figura o Brasil.
O jvMcialismo perfeito resulta da conjuncao das
caracteristicas apontadas: competgncia dos tribunals
judiciais para conhecerem das causas em que esteja in-
teressada a Adrainistragao, mesmo que nelas se aplique
o seu Direito peculiar, e dependdncia das autoridades
administratlvas dos juizes quanto ao controle, mediante
pedido do interessado, dos aspectos juridicos da sua ati-
vidade corrente.
Onde apenas se encontre a priraeira caracteristica
teremos um judicialismo imperfeito, como sucede era
Espanha.

215. O outro sistema que indicamos e o sistema admi-


nistrativo, tambem chamado por alguns autores (como
Hauriou) regime administrativo.
Neste sistema as duas ordens de autoridades —
administrativa e judicial — sao independentes uma da
outra: nem a Adminlstragao pode influir no Poder Ju-
dici^rio, nem este tem a possifailidade de intervir na fun-
gao administrativa.
O pais onde este sistema foi elaborado e aperfeicoa-
do foi a Franga. Tal como na Gra-Bretanha, houve ra-
zoes historicas a preparar a evolucao verificada. Ao con-
trario do que sucedeu na Inglaterra, a justiga nao foi
centralizada na Corte, e a partir do seculo XV passou
Garantias politicas e administrativas 487

a haver doze parlamentos provinciais, que eram simul-


taneamente tribunals .superiores regionais e orgaos das
regioes. Quando os rels de Franga quiseram eentralizar
a justiga e fazer observar a sua autoridade em todo o
territorio sem contestagao, foram forgados a sustentar
ardua luta com os parlamentos. Os reis tiveram, pois,
de instituir orgaos novos que Ihes fossem fieis para fa-
zerem cumprlr as suas ordens em todo o reino e assim
nasceram o Conselho do Rei e a rede dos Intendentes
locals. A margem dos tribunals, aos quals flcou sobre-
tudo a tutela dos direitos privados, fol criada uma adml-
nlstragao vlnculada aos Interesses da Coroa.
A Revolugao Francesa encontrou esta situagao que
-OS sens doutriniirlos consideraram coerente com o prln-
■clpio da separagao dos poderes. A lei de 24 de agosto
•de 1790 presereveu que "as funcoes judiclals sao distln-
tas e permanecerao sempre separadas das fungoes adml-
nistrativas. Os julzes nao poderao, sob pena de preva-
rlcacao, perturbar por qualquer forma e agao dos corpos
adminlstrativos, nem cltar, para comparecer a sua pre-
senga, os admlnlstradores por motlvo das respectivas
fungoes".
Havia, para mals, a necessldade de conflar as fun
goes publicas a partldarios da Revolugao, sem os tropegos
de uma legahdade ultrapassada e que aglssem como um
so corpo em comunhao com os orgaos polltlcos a quern
se reservava excluslva competencia para julgar da re-
gularidade do procedimento das autorldades e dos fun-
cionarios.
Napoleao, ao organizar a Franga salda da Revolu
gao, consagrou esta orientacao centrallzadora e a sepa
ragao rlgorosa entre a Admlnlstragao e a Justlga. No
proprlo selo da Admlnlstragao, atrav^s da reclamagao e
do recurso hierarqulco, deverlam os cidadaos poder en-
icontrar remedio para as suas quelxas e reparagao para
488 DIREITO ADMIKISTHAIXVO

a violagao dos seus direitos, conseguindo o prevaleci-


mento da legalidade.
E entao jxmto dos Prefeitos e do Imperador foram
criados orgaos colegiados — os Conselhos de Prefeitura
e o Conselho de Estado — encarregados de presidir k
instrugao dos recursos hierarquicos segundo o procedi-
mento contencioso, para no final os apreciarem e emi-
tirem parecer sobre o qual a autoridade ad quern pudes-
se resolver com justiga (justice retenue on jurisdiqao
reservada).
Com 0 tempo o Conselho de Estado adquiriu auto
ridade que tornou os seus pareceres sistematicamente
obrigatorios para quern tivesse de os homologar. A lei
de 24 de maio de 1872 reconheceu-lhe o poder de decidir
OS litigios contenciosos sem necessidade de homologagao
por parts do Govemo {junsdiqdo delegada e depots ju-
risdigao propria).
A reforma de 1953 substituiu os conselhos interde-
partamentais, que em 1926 haviam tornado o lugar dos
conselhos de prefeitura, por tribunals administrativos
regionais, com competencia para conhecerem quaisquer
recursos contencioso-administrativos. O Conselho de Es
tado passou a ser tribunal de apelagao ou de cassagao
relativamente ^ sentengas proferidas pelos tribunals
inferiores, so funcionando como 1.^ instancia em limi-
tado numero de assuntos.
Teorieamente eontinua a dizer-se que os tribunals
administrativos e o Conselho de Estado (que, alem das
secgoes de contencioso, possul as secgoes consultivas) sao
orgaos da Adminlstragao, constituem a sua "conscien-
cia", sao "a Adminlstragao que se julga a si propria".
Na realidade eles formam uma hierarquia de tribunals
de competencia especializada, distinta e independente dP
Poder Judiciario, mas com as mesmas garantias deste.
Garantias politicas e administrativas 489

So per via de recursos dos atos executorios, e sem


prejuizo (em principio) da executoriedade deles os tri-
bunais franceses apreciam a legalidade da agao da Admi-
nlstragao, sobretudo mediante o poder de anulacao dos
atos definitivos ilegais.

216. A16m destes dois sistemas, bem nitidamente de-


finidos, encontram-se formulas Intermedias que repar-
tem per vdrias jurisdigoes a garantia contra os atos ile
gais da Administragao Publica.
Antes de expor o caso mais tipico destas formulas*
— que a meu ver e o italiano — convem esclarecer con-
ceitos.

Nos sistemas apresentados temos num caso — o


judicialista — apenas uma ordem de tribunals a que,
por definigao, pertence o conhecimento de todas as ques-
toes que devam ser levadas a julgamento: sao os tribxt-
nais ordindrios e tambem tribunais coviuns a todas as
questoes, embora entre eles possa haver especializagao
per materias, originando tribunais especializados no ci-
vel, no crime, nas questoes maritimas ou de menores ou
de familia, etc, Pode, todavia, haver alguns assuntos
que sejam retirados da competencia dos tribunais co-
muns para serem confiados a tribunais especiais, cuja
competencia fica restrita as materias taxativamente de-
signadas por lei, sendo fixada por atribuiqdo.
O slstema adrainistrativo, apresentado atras no
paradlgma francos,foi aperfeigoado em varios paises que
0 adotaram, como a Alemanha Federal e Portugal. Dei-
xando de ter Conselhos de Estado, esses paises institiri-
ram, a par dos tribunais judiciais, uma outra ordem
de tribxmais comuns para as questoes de Direito Adrai
nistrativo, organizada com magistrados provides de ga
rantias identicas as dos outros magistrados e coroada
490 DlREnO ADMINISTRATIVO

por um Supremo Tribunal Administrative. Temos, pois


(eomo ali4s ]a sucede efetivamente tambem em Franga)
duas ordens paralelas de tribunals com jurisdigao esta-
belecida per definigao. E tanto nixma como noutra or-
dem pode haver Julzos especializados, admitindo-se que
a lei crie tambem, em relagao a qualquer delas, para
materias bem caracterizadas, tribunals especiais com
competencia por atribuigao.
Portanto, salvo alguma excecao, o que e materia de
Direito Administrative pertencera, neste sistema, aos
tribunals adminlstrativos, come tribunais comuns desse
tipo de questoes.
Ora, na Italia (que seguiu o modelo da Belgica)
nao e assim. As questdes em que esteja interessada a
Administragao Publica, mesmo que seja em virtude de
ate definitive e executorie do Poder Executive ou de
outra auteridade administrativa, sao repartidas, por
ferga de normas de definigdo de competSncia ou cldu-
sulas gerais, entre os tribunais judiciais e os orgaos da
Justiga Administrativa.
Aos tribunais judiciais compete conhecer das con-
travengoes e das causes em que se alegue a lesao de um
direito subjetivo, civil ou politico. O direito subjetivo 6
um interesse exclusive do seu titular diretamente pro-
tegido pela norma juridica. O tribunal so pode pronun-
ciar-se sobre a legalidade (legittimitd) do procedimento
da Administragao, mediante acao declaratoria ou conde-
natoria: verificando que existe ilegalidade, aplica a lei
correta ao case concrete e pode condenar o responsivel
em indenizagae de perdas e danos. Os tribunais judiciais
nao podera dar ordens as autoridades administrativas,
nem sequer suspender ou anular os seus atos.
Os orgaos da Justiga Administrativa sao o Conse-
Iho de Estado e as Juntas Provinciais Administrativas.
A estes orgaos pertence a protecao dos interesses legi-
Gaeantias politicas e administrativas 491

iinws — situagoss individuals coincidentes com o inte-


resse piiblico que, por esse motive, se beneficiam da pro-
tegao legal dispensada a este interesse na medida em
que com.ele sejam compativeis. Pertence a estes orgaos
uma triplice jurisdigao: a da legalidade dos atos admi-
nistrativos, que podem anular quando viciados, a do
merito do exercicio dos poderes discricionarios, quando
a lei a atribua, para avaliar da utilidade, oportunidade
e conveniencia do uso desses poderes a luz das regras
da boa administragao, podendo confirmar, reformar ou
substituir os atos recorridos segundo um juizo de eqiii-
dade; a jurisdigdo exclusiva sobre certas mat6rias em
que possam estar envolvidos direitos subjetivos, como o
oonteneioso da fungao publica, que a lei expressamente
ponha a cargo deles. O modo de introduzir e processar
•estas questoes e o recurso.

217. A descrigao sumaria dos sistemas de relagoes en-


tre a Administragao e a Justiga permitiu dar uma ideia
•das modalidades existentes na organizagao das garantias
judiciais da legalidade e dos direitos dos administrados.
Propositadamente evitamos, quanto possivel, empre-
gar a expressao contericioso-administrativo. que, como
em varias ocasioes temos frisado, pesa sobre ela nma.
•carga emocional influenciada por fatores bistoricos e
preocupagoes politicas determinante de um preconceito
existente era muitos paises contra o que se julga ser a
■subtragao autorit^a dos atos da Administragao ao co-
nhecimento dos juizes ordindrios.
Ora, e necessario desprender o conceito de con-
tencioso administrative das suas origens histdricas em
Franca e trata-Io a luz dos princfpios gerais de Direito
sine ira ac studio.
A ideia de contencioso esta ligada a de certo tipo
de processo ou procedimento (explicareraos adiante a
nossa posigao nesta discussao terminologlca).
492 DntEiTO administratxvo

Segundo a doutrina tradicional, todo aqxiele que de


fine, com forga executorla, o Direito aplicavel a cases
concretes exerce jurisdicdo: hd uma jurisdlQae judicial
e uma jurisdigae administrativa, cemo existe jurisdigae
eclesiastica, militar, etc.
A escela francesa de Direito Publico em que Duguit
pentificeu, desviou o termo jurisdicional desse sentido
primitive para designer uma fun^ae de Estado definida
materialmente come a verificagao com ferga de verdade
legal (constatation, accertamento) de fates centrover-
tidos tende em vista a reselu^ae de uma questao de di
reito em que assente uma decisao eficaz.
Mas no C6digo de Precesse Civil Brasileire, no art.
l.o, distingue-se, na sequSncia da erientagao classica,
entre jurisdigae contenciosa e jurisdigae volunt^ria, que
tambem se diz "graciesa".
Essa distingao tem, pois, valor degmatico no Preces
se Civil; mas reveste-se de grande impertancia deutri-
ndria e pratica no Direito Administrative.
O procedimento contencioso implica contenda, um
eenflito de interesses. Esse cenflito tem de ser resolvido
perante quem esteja acima dele, por um juiz imparcial.
Todos OS interessados tem de ser chamados a dizer as
suas razoes. E a cendusao deve ser uma sentenga com
OS caracteres do ate jurisdicional — fruto da fungao
atras descrita.
Seguindo um procedimento, perante qualquer auto-
ridade executiva (juiz ou administrador), sem essas ca-
racteristicas, teremos um procedimento ndo contencioso
ou gracioso. Sao os casos em que nao haja conflito de
interesses, mas simples pedido de amparo, protegao, bo-
mologagao, realizagao de um direito ou de um interessa
legalmente protegido; ou em que apenas se vise acau-
telar a corregao de uma decisao administrativa visando
ao interesse publico, sem molestar direitos ou interesses
Garantias politicas e administrativas 493

privados; ou se prepare a producao de um ato adminis-


trativo...

Nos processes graciosos o orgao que ha de proferir


a decisao nao tern que compor interesses em conflito
na qualidade de entidade imparcial. O seu papel e o de
xealizar, reconhecer ou tutelar, mesmo oficiosamente, os
interesses que per lei ou segundo razoes de eqiiidade,
de eonveniencia ou de oportunidade, devam prevalecer.
Em muitos cases age como interessado, noutros proeede
como zelador do interesse piiblico no meio dos interesses
em jogo. A jurisdigao contenciosa visa fazer Justiga; a
jurisdigao graciosa tem por objeto realizar interesses.
Quern decide no contencioso e julz; no gracioso, mesmo
quando se trate de magistrado judicial, e administrador.
O processo administrativo gracioso pode ser da ini-
ciativa da Administragao ou dos'particulares. Em qual-
quer das hipoteses pode haver dialogo entre o interessado
€ o orgao administrativo com competencia para decidlr;
em muitos cases abre-se o procedimento a quantos es-
tejam interessados ou possam vir a ser afetados pela de
cisao a tomar, faeultando-se a discussao entre eles, se
gundo um rito semelhante ao contraditorio. Nao basta,
porem, a instrugao contraditoria de um processo para
Ihe dar carater contencioso, O fundamental no processo
contencioso e a possibilidade de produzir case julgado,
a p6r termo a um conflito de interesses.
De modo que muitos orgaos administrativos que
exlstem no seio dos servigos para examinar queixas, re-
clamagoes, pedidos de reconsideragao ou recursos hierar-
quicos dos administrados, nao presidem a processo con
tencioso quando as suas decisoes nao tenham natureza
de sentenga que, nao sendo objeto de recurso, ganhe a
forga de coisa julgada.
494 DiREITO ADMINISTRATIVO

Mesmo quando se chamem "tribunals administra-


tivos", se estiverem integrados na Administragao e as
suas decisoes nao possam converter-se em coisa julgada,
nao sao orgaos de contencioso adminlstrativo.
O contencioso administrativo esta, doutrinariamen-
te, ligado ao procedimento contencioso e a conclusao
deste por sentenga.

§ 2.0

MEIOS ADMINISTRATIVOS DE GARANTIA

218. Reclamagao e pedido de reconsideragdo.


219. Recurso hierdrquico. Sens efeitos.
220. Recursos hierdrquicos necessdrio e facultativo.
221. Recursos hierdrquicos proprio e imprdprio.
222. Tutela administrativa, controle, supervisdo tU'
telar.

223. Modos de exerctcio da supervisdo tutelar.


224. Intervengdo do orgdo supervisor na gestdo da en-
tidade tutelada.

225. Controle da legalidade das despesas e dos atos que


as determinam, pelos Tribunais de Contas.

218. O prtmeiro meio administrativo de garantia da


legalidade ou dos direitos dos administradcs resulta dO'
direito reconhecido aos cidadaos em todas as Constitui-
goes de requerer, representar ou reclamar perante as au-
toridades pdblicas, exercendo o cliamado direito de pe-
tigdo. Incluimos esse direito entre as garantias politicas.
Mas" ale transforma-se em garantia juridica quando o-
seu exercicio seja regulado por lei, de modo a tornar
Garantias politicas e admotistrativas 495

obrigatoria a decisao pelo destinatario da peticao apre-


sentada.
Nalguns paises a petigao que a lei permlte aos ci-
dadaos que apresentem a autoridade autora do ato per
eles reputado injusto, inconvenlente ou ilegal, denomi-
na-se reclamagdo. No Direito Brasileiro pode ser desig-
nada pelo seu objeto; pedido de reconsideragdo, quando
a tal seja destinada.
Partindo do prmcipio de que a autoridade autora
do ato impugnado tem o poder de o revogar, retratan-
do-se, 0 interessado expoe-Ihe as razoes por que nao
se conforma com a decisao tomada ou com o procedi-
mento adotado, solicitando-lhe que, em presenga dessas
razoes de fato ou de direito, reconsidere. B o que no
Direito Eclesiastico se exprimia pela fdrmula de "apelar
de Roma mal informada para Roma melhor informada",
querendo significar que o Papa podia ter tomado uma
decisao sobre fundamentos insuficientes ou errados, mas
que, uma vez esclarecido, mudaria de atitude.
O pedido de reconsideragao, como ficou dito, pode'
fundamentar-se na ilegalidade do ato praticado ou na
sua injustiga ou inconveniencia.
O objeto de pedido pode ser a revogagao, a reforma
ou a conversao do ato reclamado.
No Direito Brasileiro esta estabelecido o prazo de
um ano para a forraulagao do pedido de reconsideragao'
(art. 2.0 do Decreto n.o 20.848 de 23 de dezembro de
1922), que o Estatuto dos Funcionarios Civis da Uniao,.
de 1952, no art. 166, § dnico, determina que seja deci-
dido no prazo improrrogavel de 30 dias, nao podendo a
decisao ser objeto de novo pedido de reconsideragao (cit,
Dec, 20.848, art. l.o).
A reclamagao pode tambem ser apresentada em case
de araeaga de lesao pessoal ou patrimonial. Visa nesse
caso prevenir ou evitar que a lesao se concretize medi-
496 DIEEITO AEMINISTOATIVO

ante o temido ato administrative ou alguma operagao


material. Nessa liipotese nao ha pedido de reconsidera-
Qao porque o ato ainda nao foi praticado. O que se pede
e que sejam ponderados devidamente os interesses amea-
Qados antes de ser tomada qualquer decisao.

.219. Praticado um ato admmistrativo por agente que


tenha posigao subalterna numa hierarquia, faculta a lei,
j>or principle, que o interessado dlscordante do ato^re-
corra ao superior hierarquico do seu autor: e o que se
chama recurso hierarquico.
Temos definido a hierarquia como relagao funcional
entre dois agentes da Administragao em que um esteja
subordinado ao outro, pertencendo a este — o superior
•— OS poderes de diregao, de inspegao, de superintenden-
cia e disciplinar e, ao primeiro — o subalterno —, o
dever correlativo de obedigncia.
No poder de superintendencia incluimos a faculda-
de que o superior tem de, oficiosamente ou a requeri-
mento dos interessados, revogar, suspender, converter
ou reformar o ato de subalterno, e tambem, de o rati-
ficar,
De modo que, apelando o interessado que se nao
conforme com o ato praticado por um subalterno para
o superior hierarquico deste, compete a autoridade ad
quern, examinar o recurso e decidi-lo, mantendo o ato
jecorrido ou revogando-o, suspendendo-o, convertendo-o
ou reformando-o nos termos expostos na teoria do ato
administrativo.
Como qualquer outro recurso, em Direito, a inter-
posigao do recurso hierarquico pode produzir os dois efei-
tos, devolutivo e suspensive, ou so um deles, o devolutivo.
Chama-se efeito devolutivo a fixagao da competln-
cia para decisao do caso recorrido na autoridade para
quern se recorre, cessando dai por diante a possibilidade
da autoridade recorrida se pronimciar mais sobre ele.
GARANTIAS POtlTICAS E ADMINISTRATIV'AS 497

E 0 efeito suspensivo consiste em o ato, tendencial-


mente executorio, deixar de o ser, nao podendo, portan-
to, a sombra do comando nele contido praticar-se qual-
quer ato de execugao.
Ora a interposigao do recurso hierarquico produz,
em regra, efeito devolutivo. Mas so quando a lei deter
mine produz efeito suspensivo; podendo, porem, o su
perior ad quern suspender a executoriedade do ato
recorrido ao receber o recurso, quando entenda que a
execugao pode ser protelada e que convem examinar de-
tidamente o assunto.
Saber ou nao se a interposigao do recurso hierar
quico produz efeito suspensivo tern a maior importancia
porque se o ato e executdrio e pode comecar a ser exe-
cutado, ele tern de ser conslderado definitive e pode ser
lesivo de direitos individuais. Dai resulta que o ato admi-
nistrativo passa a ser suscetivel de impugnaQao conten-
ciosa.
Na Lei n.° 1.533, de 31 de dezembro de 1951, que
regula o processo do mandado de seguranga no Brasil,
diz-se no art. 5.°, I, que o mandado nao sera dado "do
ato de que caiba recurso administrativo com efeito sus
pensivo independente de caugao".
Nesse caso, portanto, o mandado so pode ser impe-
tiado depois de esgotados os recursos administrativos
com efeito suspensivo, desde que este nao dependa de
caugao, dependencia que normalmente so existe em ma-
teria tributaria.
Ja no Estatuto dos Funcionarios Civis da Uniao, art.
168, se dispoe que "o pedido de reconsideracao e o re
curso nao tem efeito suspensivo".
Nao se encontra nestes textos referencia a suspen-
sao da executoriedade do ato pelo superior para quern
seja interposto o recurso hierarquico. Conforme opor-
tunamente ficou exposto, quem tiver o poder de revogar

244 - 32
498 DlRETTO ADMINISIEATIVO

um ato possui implicitamente o poder de o suspender,


porque quern pode o mais pode^ o menos, e paralisar tem-
porariamente a eficacia de um ato e menos que destrui-lo
pela revogagao.
Portanto nao temos diivida de que em qualquer
Ordem Jurldica o superior hierarquico que tiver o poder
de revogar um ato, pode suspendg-Io. Essa suspensao
tem 0 mesmo valor que o efeito suspensivo produzido
ope legis pela interposigao do recurso hierarquico. E
desde que nao haja perigo de o ato ser executado, nao
existe lesao de direitos e enfraquece a ameaga dela.

220. Na Doutrina encontram-se refergncias h. classifi-


eagao dos recursos hierarquicos em necessarios e facxtUa-
tivos e em proprios e improprios.
A prlmeira distingao dos recursos e feita em fungao
do papel que desempenhera relativamente ao acesso aos
meios judiciarios.
Se a lei determina que so depois de esgotados
reciirsos administrativos se ohtenha um ato definitive do
qual se pode recorrer aos tribunals, esses recursos sao
necessarios.
Sucede isso sobretudo naquelas legislagoes em que
se mencionem taxativamente as autoridades cujos atos
sao suscetiveis de impugnagao nos tribunais. Dizendo a
lei que em cada Ministerio so o ato do Ministro e impug-
navel, se houver uma decisao tomada por um subalterno
em certo Ministerio e forgoso seguir a via do recurso
hier^quico atg conseguir obter do Ministro o ato defi
nitive que, caso continue a ser contrario as pretensoes
do interessado, servira de base a discussao contenciosa.
Ha, pois, necessidade da exaustao dos meios admi
nistrativos nos prazos legais para ver aberto o camlnho
dos tribunais.
GARAMTIAS POlinCAS E ADMINISTRATrVAS 499

Se, porem, o ato do subalterno for desde logo defi


nitive e executorio e o recurso hierarquico nao tiver por
lei efeito suspensivo, entao o interessado pode escolher
entre o apelo imediato ao tribiinal competente e tuna
tentativa de obter a reparagao do dano que alega me-
dlante o recurso hierdrquico que, nesse caso, se dira fa-
cultativo.
Como este recurso nao interrompe nem suspende o
prazo para pleitear judicialmente, ele tera de ser inter-
posto e resolvido antes de findo esse prazo.
Estes recursos hierarquicos facultativos podem nao
ter tambem efeito devolutivo, quando o superior para
quem se recorreu nao possua competencia para decidir,
mas apenas para dar uma ordem ao subalterno no sen-
tido de que revogue ou reforme a decisao recorrida.

221. Quanto k outra distingao entre recursos hierar


quicos proprios e improprios, a sua origem vem da Itdlia
onde e tradicional a admissao do recurso extraordindrio
ao Rei, hoje ao Presidente da Republica.
Haveria recurso hierarquico proprio nos casos em
que ele fosse conseqiiencia da existencia da hierarquia,
aproveitando portanto o jogo natural das relagoes de
subordinacao dos agentes subalternos aos seus supe-
riores.
Mas na legislagao de todos os paises, ao mesmo tem
po que se operou a deseentralizagao administrativa pela
criagao de autarquias institucionais ou de outras entida-
des autonomas, estabeleceram-se processes de controle
da gestao dos respectivos sendgos por certas autoridades
— Rei, Presidente' da Republica, Ministros, Governado-
res. Secretaries de Estado... E embora em principio nao
exista relacao hierdrquica entre os dirigentes das enti-
dades descentralizadas (administrativa e financeiramen-
te autonomas) e tais autoridades, a lei, entre os poderes
500 DIRETTO ADMINlSTRATrVO

tutelares sobre a gestao dessas entidades, pode inclulr o


poder de eonhecer em recurso administrative das deci-
soes que tomem em determinadas materias.
Em rigor tats recursos, somente possiveis nos cases
em qtie as leis expressamente os permitam, nao sac
hierarquicos visto que, como vimos, onde ha autonomia
cessa a hierarquia. Mas em sentido geral as autoridades
controladoras que chefiam hierarquias administrativas
gozam de um estatuto de superioridade, quanto mais
nao seja atrav6s da supervisao de todos os servigos e das
entidades compreendidas no Imbito da sua jurisdigao. E
dai que se chame aos recursos que as leis em casos espe-
ciais expressamente permitem — necessaries ou faculta-
tivos — dos atos das entidades descentrahzadas para as
autoridades supervisoras, recursos hierdrquicos irrvpro-
prios. Eles nao resultam do jogo normal de uma hierar
quia, nao sao propriamente hierarquicos e apenas apre-
sentam semelhanga com os que o sao.

222. Assim passamos ao institute que na doutrina eu-


ropeia e em muitas legislagoes e conhecido pela desig-
nacao de tutela administrativa, com o inconveniente de
sugerir a identidade com a tutela do Direito Civil: esta
6 forma de suprir a incapacidade dos menores e as enti
dades administrativas sujeitas a tutela nao sao inca-
pazes.
No Chile, no Uruguai e noutros paises sul-ameri-
canos, usa-se a designagao de contralor que abrange
todas as formas de fiscalizagao da iegalidade e regula-
ridade da atividade da Administragao, seJa exercida por
drgaos legislatives, executives ou judiciais e incluindo a
do Tribunal de Contas, embora no Chile exista a Con-
traloria General de la Republica. A tutela corresponderia
apenas a um aspecto, que se poderia chamar o do con-
trole administrativa ou tutelar, desta fiscallzagao.
Gahantias foliticas e administrativas 501

Na Reforma Administrativa Brasileira a palavra tu-


tela nao figura. A ideia que Ihe corresponde aparece
como correspondendo a uma especie da swpervisdo mi
nisterial.
A tutela administrativa so tem lugar nas relacoes
entre duas pessoas juridicas dlferentes e autonomas.
Os poderes tutelares — ou de supervisao tutelar —
substituem os poderes hierarquicos onde nao ha, nem
pode existir, hierarquia.
Na verdade, temos acentuado que a autonomia e
hierarquia sao termos antonimos. Enquanto a hierarquia
pressupoe a subordinagao de uns orgaos a outros, a au
tonomia quer dizer competencia do orgao para decidir
sem receber ordens nem ficar dependente de qualquer
outro orgao, guiando-se apenas pela lei e pelo seu pro-
prio criterio de boa administragao.
Mas como ficou dito oportunamente, e necessario
impedir a tendencia centrifuga dos orgaos autonomos,
que oferece o perigo da descoordenagao de esforcos e da
multiplicacao de atividades com o mesmo objeto. Para
obstar a tais inconvenientes e que a lei institui formas
de corregao, fiscalizagao e coordenagao das entidades
autdnomas por outras entidades.
A regra e a de que a entidade controladora ou tute
lar represente interesses mais amplos do que a entidade
controlada ou tutelada. Quer dizer; a entidade autono-
ma, sujeita a tutela, e uma pessoa iuridica — cujas atri-
buigoes se eircunscrevem a uma parcela apenas de um
territorio mais amplo (caso do Municipio era relagao ao
Estado), ou uma pessoa juridica com fins especiais vin-
cxilada a outra de fins miiltiplos (caso da autarquia
institucional em relagao ao Estado).
Deste modo o orgao tutelar, por ser representative
de uma esfera territorialmente ou materialmente mais
ampla que a da entidade tutelada, esta em condigoes de
502 Dxheito administhativo

coordenar os interesses restritos desta com os restantes


interesses per ela representados.
Conclui-se que a tutela administrativa, o controle
ou a supervisdo tutelar se exerce atraves de poderes con-
ferldos por lei ao orgao de uma pessoa Juridica para
acompanhar a gestao de outra pessoa iuridica dotada de
autonomia, podendo praticar atos a fim de coordenar os
interesses proprios desta com os interesses mais amplos
representados pelo orgao tutelar.

223. A supervisao tutelar pode ser exercida por diver-


sos modos, sempre de acordo com os poderes e3q>ressa-
mente conferidos por lei ao orgao supervisor.
Assim, exerce-se supervisao tutelar:
a) mediante o fornecimento pela entidade tutelada
de documentos informativos da sua atividade, periodi-
camente ou quando Ihe seja exigido pelo orgao super
visor, de modo a habilitar este a formular o seu juizo
no momento necessario;
b) mediante a inspegdo ou auditoria, determinada
pelo orgao supervisor aos servigos ou a gestao da enti
dade tutelada;
c) mediante a exigencia legal de autorizagao para
que OS orgaos da entidade tutelada possam tomar de-
cisoes sobre determinadas materias ou de aprovagao
para que as declsoes tomadas passem a ser executorias;
d) mediante a fixagao pelo orgao supervisor de 11-
mites de despesa ou de criterios de procedimento;
e) mediante a designagao de representantes perma-
nentes do orgao supervisor que fiscalizem a acao dos
orgaos da entidade tutelada a fim de informarem o orgao
supervisor de qualquer irregularidade notada, por vezes
com a faculdade de suspender as deliberagoes que re-
putem ilegais, inconvenientes ou inoportunas e de as
submeter k apreciacao do orgao supervisor;
GAHANTIAS POLfTXCAS E ADMINISTRATIVAS 503

f) mediant© a intervengao do orgao supervisor na


gestao da entidade tutelada, per motivo de interesse pii-
blico.
Quando o orgao supervisor nomeia, ou per qualquer
forma designa, todos os titulares do orgao de uma enti
dade autonoma e precise que fique bem claro na lei que
o 6rg^ e independent© no exercicio das suas funcoes,
salvo naquilo em que estiver submetido k tutela. De ou
tre mode existira subordinagao hierarquica e nao super-
vlsao tutelar.
A supervisao deve, nao so tomar em conta os as-
pectos da conveniencia e da opcrtunidade da gestao,
como velar pela legalidade dos atos em que se traduza.
E per isso aqui a mencionamos.
Em resume, a supervisao tutelar pode ser exercida
sob a forma de inspegao e informagao, colaboragao na
prdtica de atos e contratos, orientagao de gestao e inter
vengao.
Destes modos de supervisionar a gestao de entidades
autdnomas uns sao preventivos ou c priori, isto e, tern
per objeto evitar que sejam produzidas condutas ou atos
ilegais, inconvenientes ou inoportunos; outros sao repres-
sivos ou a posteriori, tendo por objeto punir e remediar
a ma gestao ocorrida.

224. No Direlto Brasileiro reveste particular importdn-


cia, como providencla que denominamos repressiva, a
intervengao da entidade supervisora na gestao da enti
dade tutelada.
A semelhanga do que sucede quanto k intervengao
federal nos Estados, a Constituigao da Uniao (art. 15),
preve a intervengao dos Estados nos Municipios, a qual
so pode ocorrer nos casos de:
a) se verificar impontualidade no pagamento de
emprestimo garantido pelo Estado;
504 DIREITO ADMIHISTRATIVO

b) deixar de ser paga, por dois anos consecutivos,


divida fundada;
c) nao serem prestadas contas devidas, na forma
da lei;
d) 0 Tribunal de Justica do Estado dar provimento
a representagao formulada pslo chefe do minis-
terio publico local para assegurar a observancia
dos principios indicados na ConstituiQao Esta-
dual, bem como para prover & execucao de lei
ou de ordem ou decisao judiciaria, liinitando-se
0 decreto do Governador a suspender o ato im-
pugnado se essa medida bastar ao restabeleci-
mento da normaladade;
e) serem praticados, na administragao rounicipal,
atos subversivos ou de corrupgao;
I) nao ter havido aplicagao no ensino primario, em
cada ano, de 20% pelo menos, da receita tribu-
tdria municipal.

Como se ve, a maioria dos fundamentos da Inter-


venpao estadual dos municipios respeita as razoes finan-
ceiras. Mas as alineas dee,tern a ver com a legalidade
da gestao.
Na alinea d, preve-se a interven^ao em duas fases:
a primeira, consist© na simples suspensao do ato incons-
titueional ou Oegal, de acordo com a resolucao do Tri
bunal de Justica; a segunda, regulada nas Constituicoes
Estaduais, corresponds ao procediraento normal nas in-
terven^oes e so tera lugar no caso do decreto de suspen
sao ser desrespeitado, o qua raramente ocorre: o Gorer-
nador tera de nomear um interventor para cumprir a
decisao judicial, o qual substituird o Prefeito e admlnis-
trara o Municipio durante o periodo fixado para a inter-
vencao, com o fim de restabelecer a normalidade.
GARANTIAS POLfllCAS E ADMINISTRAHVAS 505

A Constituigao emprega o tenno suspensao para


caracterizar o ato do Govemador relativamente ao ate
ilegal do Mvmicipio. Mas se ja existe decisao do Tribunal
de Jxistiga acerca da llegalidade do ato municipal, este
deve ser anulado. Talvez em homenagem a autonomia
do Municipio, a linguagem constitucional limitou-se k
suspensao, com a ideia de que seja o proprio orgao mu
nicipal autor do ato a desfaze-lo. Mas, na verdade, o
Acordao do Tribunal de Justiga, constituindo coisa jul-
gada, disse a ultima palavra. O Municipio so tem, para
a acatar, de cessar a execugao do ato ilegal.
Quanto a intervengao dos orgaos supervisores nas
entidades autonomas que Ihes estejam vinculadas, ba-
vera que procurar nas leis aplicaveis os fundamentos
("por motivo de interesse piiblico", diz a allnea i do
§ dnico do art. 26 da Lei n.° 200/67) que a justificam
e 0 modo de procedimento.
No caso de as leis serem omlssas, deve proceder-se
por analogia com o disposto para os Municipios quando
se trate de ilegalidade das decisoes de orgaos da admi-
nistracao indireta.

225. Tambem na atuagao dos Tribunais de Contas se


podem encontrar meios de garantia da legalidade na
Administragao Publlca.
Os Tribunais de Contas nasceram em todos os paises-
como orgaos colaboradores dos Poderes do Estado na
fiscalizagao da gestao dos dinheiros publicos.
Nuns paises sao considerados orgaos do Poder Exe-
cutivo; noutros, assessores dos Parlamentos, aos quais
compete em ultima inst&ncia a decisao acerca da admi-
nistracao financeira, como corolario das suas atribuigoes
privativas quanto a votagao dos tributes e a autorizacao
anual da cobranga das receitas e da efetivacao das des-
pesas fixadas no Orcamento; noutros paises ainda, a
606 DIREITO ADMraiSIKATIVO

sua posigao e entre os orgaos superiores do Estado, sem


vinculagao a nenhum dos Poderes, embora colaborando
com todos.
Nmica, por6m, os Tribunals de Contas sac incluidos
no Poder Judici^io. As suas funcoes principals sao fls-
callzar, a priori ou a posteriori, a regulaiidade das des-
pesas publicas e receber a prestagao de contas dos res-
ponsavels pela arrecadagao e gestao de dlnheiros, de va-
lores ou de bens de entldades publicas, ajuizando da
regularidade dessas contas de modo a dar quitacao quan-
do veriflquem a sua certeza e legalldade. Em certos casos
em que seja contestada essa regularidade, a sua jurls-
digao pode transformar-se em contenclosa.
Falamos em fiseallzagao c priori ou preventiva das
despesas publicas. Efetlvamente hi palses em que os
Tribunals de Contas veiiflcam a corregao juridico-flnan-
celra dos atos de que decorre despesa, antes de esta ser
efetlvada. Todos os atos de autorldades competentes para
o ordenamento de despesa a fazer por dotagoes orgamen-
tals tern de ser submetldos ao exame do Tribunal que
deve verlflcar se a despesa tern cablmento na dotagao
orgamentirla adequada, apreclando tambem a legallda
de do ate quando seja indispensavel ao julzo sobre a
legalldade da despesa. Se o resultado deste esame for
positlvo, reglstra ou concede o visto, que e condlgao de
eflcacla do ato e torna regular a despesa; mas se for
negative, negara o visto, o que Impede o ato de produzir
efeltos.
A negagao do reglstro, do visto previo ou a priori
pode, por6m, ser suprida por decreto fundamentado do
Conselho de Mlnistros, como sucedla em Portugal, ou
por resolugao da Camara dos Deputados ou Assembl61a
equivalente, noutros palses.
No Brasil, como noutras Nagoes, os Tribunals de
Contas nao exercem esta fiscallzagao a priori, e so incl-
Garaktias politicas e administrativas 507

dentalmente' podem pronunciar-se, antes do julgamento


das contas, sobre a ilegalidade de qualquer ato orde-
nador de despesa.
Preceituam os §§ 5.0, 6.° e IP, do artigo 72 da Cons-
tituigao federal que, se o Tribunal de Contas da Uniao
verificar, de oficio ou mediante provoeagao do Minlsterio
Publico, das auditorias financeiras e orgamentarias ou
dos demais orgaos auxiliares, que uma despesa e ilegal,
inclusive decorrente de um contrato, devera assinar pra-
zo razoavel para que o drgao da Administragao Publica
adote as providencias necessarias ao exato cumprimento
da lei. So se esta advertencia nao for atendida e que o
Tribunal pode sustar a execugao do ato impugnado, caso
nao seja contrato. Porque se for contrato, tera de pedir
ao Congresso Nacional que ordene a suspensao da exe-
cugao ou tome outras medidas necessarias ao resguardo
dos objetivos legais, mas se o Congresso nada deliberar
dentro de trinta dias a impugnacao fica sem efeito.
Tratando-se de ato unilateral cuja execugao o Tri
bunal tenha sustado, o Presidente da Repdblica pode,
apesar disso, ordenar que siga a execugao, deixando a
dltima palavra tambem ao Congresso Nacional.
As Constituigoes Estaduais reproduzem estas nor-
mas de competSncia em relagao aos Tribunals de Contas
dos respectivos Estados.
Num caso podem os Tribunais de Contas no Brasil
exercer a fiscalizagao previa da legalidade das despesas:
quando se trate da concessao Inicial de aposentadorias,
reformas ou pensoes (Const, federal, art. 72, § 8.°).
Quanto ao julgamento das contas, a verificacao de
ter havido despesas ilegais provoca a condenagao dos
responsaveis em alcanoe, que terao de pagar as impor-
tancias indevidamente despendidas, devendo ser parti-
cipada aos tribunais competentes atraves do Ministerio
Publico, alguma infragao criminal que seja encontrada.
508 DIREITO ADMINISTRflirvO

Para o julgamento das eontas de responsabilidade


do Poder Executive e competente sempre a assembleia
politica representativa do Estado, tendo o Tribunal de
Contas apenas de ernitir parecer sobre elas.

§ 30

PROCESSO ADMINISTRATIVO GRACIOSO

226. Importdncia do processo administrativo gracioso.

227. Processo ou procedimento? Nogdo de processo.

228. 0 processo gracioso como garantia.

229. O processo gracioso nos palses da Common Law.

230. O processo gracioso nos paises comunistas.

231. Classificacdo dos procedimentos administrativos


graciosos.

232. Caracteristicas gerais do processo administrativo


gracioso.

233. Preterigdo das formalidades legais em estado de ne-


cessidade.

226. Entre as garantias administrativas da legalidadee


dos direitos individuals esta 0 processo ou procedimento
gracioso.
A esta garantia nao se deu, durante muitos anos, a
importancia devida. No Direito Administrativo classico
apenas se mencionava o processo contencioso a propo-
sito das acoes e rscursos a que a contestacao da lega-
lidade dos atos administrativos ou o pedido da repara-
gao de ofensa de direitos dava lugar.
Garantias politicas e admikistbativas 509

A proposito do julgamento das questoes conteneio-


sas, ao ser feita a analise das ilegalidades de que podia
enfermar o ato administrative, foi posto em destaque o
lAcio de forma. E, atraves deste, foram-se revelando as
fonnaiidades exigidas por lei para a formagao da von-
tade constitutiva do ato, para que este tomasse a for
ma necessaria a sua existencia e ao seu conhecimento
ou para a execugao dos atos.
Verificou-se entao que, em muitos casos, as leis ou
as praticas administrativas nao se contentavam em es-
tabelecer formalidades, mas estabeleciam uma ordem
16gica da sua sucessao no tempo, em cada case, de mode
a progredir-se na formacao ou na execugao do ato. E
que essas formalidades nao brotavam do acaso ou do
capricho complicador de burocratas, mas de necessida-
des bem definidas de acautelamento de interesses, publi-
cos e privados, e de exigSn-cias fundamentadas de boa
administragao.
Assim surgiu a consci§ncia de que uma grande par-
te da atividade da Administragao era processual e obe-
decia a normas de procedimento que deveriam ser repu-
tadas, em principio, raeios de garantia da legalidade e
dos dlreitos individuais. Havia um processo administra-
tivo gracioso.

227. Mas que e o processo?

A resposta a esta pergunta complica-se em virtude


de certa corrente doutrinaria defender a distincao teo-
rica entre processo e procedimento. O processo traduzi-
ria uma relagao substancial entre a pretensao formula-
da em juizo e a contestacao facultada aos demandados,
provocando a sentenga judicial. Ao passo que o proce
dimento corresponderia a simples eonceito formal, de-
signando a sucessao dos atos que, segundo uma ordem
510 DIREITO ADMIHISTRATIVO

preestabelecida, encammha para a decisao final da au-


toridade.
O processo estaria, pois, ligado intimamente ao
exercicio da fungao Judicial, a ele podendo correspon-
der v^os modos de procedimentos. Mas a atuagao dos
orgaos adroinistrativos so poderia dar lugar a procedi
mentos.
O Codigo do Processo Civil brasileiro de 1973 con-
sagrou a dlstingao entre processo e procedimento. Mas
esta discriminaQao conceitual e terminoldgica nao pas-
sou do simbito da lei processual civil. As leis brasileiras
continuam a consagrar a prdtica corrente de designar
pela palavra T^rocesso os ritos da atuagao dos orgaos nao
judiciais, e assim se encontra referenda ao "processo le
gislative e ao processo administrativo, e, neste liltimo,
ao processo disciplinar, ao processo de licitagao, etc.
Dos paises latinos e anglo-saxonios, so a Espanha
adotou, de ha muito, a distingao entre processo judicial
6 procedimiento administrativo possuindo leis especiais
reguladoras deste, orientagao que foi seguida por outros
paises de lingua espanhola como a Argentina e o Uruguai.
Em geral, designa-se pelo mesmo termo o processo
judicial e o administrativo gracioso: procedura em Ita
lia, procedure em Franca, procedure na Gra-Bretanha
e nos Estados Unidos, processo em Portugal, cujo Co
digo de Processo Civil, alias, nao eonsagra o procedi
mento, designando por "processes de jurisdigao volun-
t^a" OS correspondentes ao exercicio da jurisdigao gra-
ciosa dos juizes.
Por isso manteremos a terminologia classica, dis-
tinguindo o processo em contencioso e gracioso e admi-
tindo que uma e outra forma possam ser judiciais ou
administrativas.
Processo e procedimento tem, alids, a mesma etl-
mologia: vSm do verbo latino procedere, que significa
GABATmas POLtoCAS E ADMINISTRATI7AS 511

andar para a frente, avangar. O processo e o caminiio


a percorrer para atingir certa finalidade. Na Ordem Ju-
ridica esse caminho estd tragado na lei, a qual prescre-
ve OS vdrios passes a dar at6 ser possivel a determina-
do 6rgao praticar o ato juridico desejado.
Se chamarmos cada ato ou fato, ainda que mera-
mente ritual, exigido por lei para compor o processo,
uma jormalidade, poderemos dizer que no processo ha
uma serie de formalidades que devem suceder umas as
outras segundo certa ordem previamente estabelecida.
Empregaremos, pois a palavra processo ou proce-
dimento, no sentido de uma sucessao ordenada de forma
lidades preestabelecidas tendente a formagao ou a exe-
cugao da declsao de um orgao de uma pessoa juridica
de direito publico.

228. A primeira aparigao do processo gracioso no Di-


reit-o Administrativo situa-se na visao tradicionalmente
liberal desta disciplina juridica.
A Administragao tern de agir dentro da legalidade,
as suas decisoes impoem-se na medida em que expiimam
a vontade da lei no case concrete. Mesmo ao exercer
poderes discricionarios, a autoridade tern de tomar to-
das as precaugoes para visar o fim que a lei teve em
vista ao dar-Uie liberdade de apreciacao e de opcao, e
para respeitar as formalidades legais.
O processo gracioso surgiu como o conjunto das for
malidades que a lei, muitas vezes sem pensar em orde-
na-las concatenadamente, prescreveu para obrigar os 6r-
gaos administrativos a ponderar bem os interesses que
a sua decisao ponha em jogo e a legalidade do que vac
fazer. E ao mesmo tempo para permitir aos particula-
res que demonstrem os seus direitos ou fagam valer as
suas razoes. Uma declsao bem pensada, juridicamente
512 DIREITO ADMINISTRATIVO

correta, acauteladora de interesses legitimos, eis o que


o legislador visa conseguir mediante a exigencia das for-
malidades que precedem o ato definitivo: anuncios, cl-
tagoes, prazos de reclamagao, iuEormacoes, consultas,
pareceres...
Aquilo que tantas vezes exaspera o piiblico na bu-
rocracia — a lentidao das resolugoes — pode ser ape-
nas degenerescgncia das cautelas uteis exlgidas a bem
da ponderagao das decisoes e do respeito dos interesses
de terceiros. Todos quantos possuem experiencia polfti-
ca ou administratlva conliecein os riscos das resolugoes
expeditas, tomadas no calor do entusiasmo de por ter-
mo a uma demanda, de rematar, num gesto de publica
eficiencia, uma questao que se arrasta... Vai-se a ver
depois e havia razoes series a considerar, que o desejo
de atender a reclamagoes veementes — e quantas vezes
perfidas — num contato entre os govemantes e o pu-
blico, deixou injustamente de lado.
Por isso, se nao e de alimentar a lentidao dos me-
todos da burocracia, tambem nao devemos condenar su-
mariamente os cuidados, as cautelas, o formalismo com
que a lei e a praxe mandam ter em conta os graves in
teresses publicos e privados tantas vezes em risco nas
decisoes adminlstrativas.
Assim foram surgindo nalguns paises leis a disci-
plinar o processo administrativo gracioso, emprestan-
do-lhe coerencia e dignidade. Foi o caso da Espanha,
que desde 1889 possui leis de ^ocedimiento administra
tivo. E foi 0 caso da Austria que, a partir da jurispru-
dencia do seu Tribunal Administrativo Supremo sobre
a anulagao por vicio de forma, publicou em 1925 as ce-
lebres quatro leis sobre processo administrativo gracioso
que profundamente influenciaram depois os paises da
Europa Central.
GARANTIAS POLfXICAS E ADMINISTRAXIVAS 513

229. Assentamos de irucio que considerariamos na nos-


sa exposigao o Direito Administrativo a partir de um
tipo de sociedade nao socialista em que coexistissem Di
reito Prlvado e Direito Publico. E dentro deste tipo de
sociedade distinguimos os paises latinos de tormacao ro-
manista e onde o sistema francis de administragao te-
nita exercido influencia, dos paises anglo-saxonios ou
onde o sistema judicialista neles inspirado haja sido
adotado.
Nesta materia do processo administrativo gracioso
a necessidade de tais distingoes e bem posta a prova.
Porque o que ficou dito acerca da relevancia do proce-
dimento gracioso a partir do exame contencioso da le-
galidade dos atos administrativos, vale sobretudo para
OS paises de influencia francesa. Nos paises socialistas
e nos paises anglo-saxonios o processo administrativo
gracioso tem atualmente grande relevo, mas em termos
e por motives muito diferentes.
Assim, nos paises anglo-sax6nios o processo admi
nistrativo gracioso desenvolveu-se por duas razoes: pela
necessidade de suprir a falta de autoridade da Adminis-
traeao para impor aos particulares decisoes obrigatorias
com carater executorio, e, nos Estados Unidos da Ame
rica, tambem porque a Constituiclo faz depender qual-
quer decisao do Poder que toque na vida, na liberdade
e na propriedade dos cidadaos, da observancia de um
processo juridico regular — dtie process of law.
sabido que nesses paises se pratica o judicialismo
perfeito, donde resulta a submissao dos orgaos adminis
trativos ao Poder Judiciario. A Administracao Publica,
nos meados ainda do seculo XIX, nao tinha a possibili-
dade de impor decisoes executorias, achava-se na mes-
ma posigao dos particulares: quando pretendia levar por
diante a reallzagao de algum interesse publico tinha de
se sujeitar a ver contestada a sua agao pelos particula-
244-33
514 DiEEIXO ADMINISTRATIVO

res que podiam erabargar a marcha da atividade admi-


nistrativa mediante o apelo a intervengao dos tribunals.
Encontrando a resistencia de um cidadao o orgao ad-
ministrativo so podia vence-la em demanda judicial pois
so a sentenca era obrigatoria e executoria.
Ora na Gra-Bretanlia, em 1875, foi publicada a lei
de saude publica {Public Health Act) que pela primei-
ra vez, considerando a ilegitimidade da resistencia dos
individuos as medidas que os orgaos da administra§ao
sanitaria tinham de adotar de urgencia para prevenlr a
propagagao de epidemias ou de doengas contagiosas, os
dotou de poderes para tomarem declsoes que tinham de
ser acatadas e podiam ser exeeutadas coereivamente
sem necessidade de intervengao judicial. E a partir dai,
sobretudo sob a influ^ncia da expansao dos services de
utilidade pilbllca, da pressao das guerras mundiais de
1914-1918 e de 1939-1945 e do progresso da Intervengao
do Estado na vida economica bem como das ideias socia-
listas, foi-se generalizando essa outorga per lei de po
deres executdrios acs drgaos da Administragao.
Mas o respeito brit&nico pelas suas tradigoes nao
permit,in o abandono das formas classicas do rule of
law. Dai resultou que a concessao aos orgaos adminis-
trativos do poder de tomar decisoes executorias foi dada
por lei, caso a caso, mas por via de regra sujeito a con-
digao de que procedessem como se fossem tribunals —
precedendo um processo em que fossem citados aqueles
que pudessem vir a ser prejudicados ou atingidos pela
decisao a tomar, a fim de que pudessem fazer valer os
seus interesses e as suas razoes juridicas. Mais de 2.000
orgaos da Administragao Publica nos meados do seculo
XX, possuiam na Gra-Bretanha essa faculdade de pra-
ticar atos executdrios precedendo procedimento aberto
a audldncia dos interessados. E alguns desses orgaos sao
mesmo denominados administrative tribunals, e encon-
GARANTIAS POLfirCAS E ADMINISTRATIVAS 515

tram-se no seio de servigos pelos quais e responsavel


mn Ministro, quer para neles serem processadas as de-
cisoes a tomar, quer para acoUierem as leclamagoes dos
particulares, cabendo das deeisoes por eles tomadas re-
curso de revista, restrito a discussao da sua legalidade,
para a High Court, desse mode se mantendo o principio
da supremacia dos tribunals ordin^os — Judicial Con
trol {Tribunals and Inquiries Act, 1958).
Evolugao semelhante se deu nos Estados Unidos da
America, mas ai tambem sob pressao do principio in-
cluido na XIV emenda a Constituigao (1868) segundo o
qual e vedado privar alguma pessoa da vida, liberdade
ou propriedade sem ser mediante a due -process o-f law,
mn processo juridico regular. Assim, as deeisoes admi-
nistrativas que, de perto ou de longe, possam afetar a
liberdade ou a propriedade individuals tSm de ser pre-
cedidEis de processo em que os Interessados sejam noti-
ficados e sejam ouvidos quando o desejem. Esse proces
so e necessario igualmente sempre que o particular nao
aceite uma decisao administrativa. A generalizagao des-
ta exiglncia tomou conveniente a sua regulamentacao
por lei federal — foi o Federal Administrative Procedure
Act de 1946. Os orgaos da Administracao, genericamen-
te denominados agencies e de entre os quais avultam
numerosas comissoes com amplos poderes regulamenta-
res, executives e jurisdicionais sobre um. setor adminis
trative, dlspoem de funcionarios especializados na ins-
trugao desses processos ■— os hearing officers. E na me-
dida em que decidem nesses processos, sao considerados,
come na Gra-Bretanha, administrative tribunals. As
sim, nesses paises, a designagao de tribunal e reservada
para orgaos administrativos com poderes de jurisdicao
quase contenciosa, reservando-se para os orgaos judicid-
rios a designagao tradicional de court.
516 DiREITO ADMINISTHATIVO

As decisoes administrativas estao sujeitas aos writs


que podem ser impetrados aos tribimais segundo a Com
mon Law ou a Equity. Mas alem dlsso exists o direito
de obter a revisao, em recurso, de qualquer decisab to-
mada pelas agencies ou peios administrative tribunals-.
e a general statutory review, que perroite a Court of Ap
peals, com recurso para a Corte Suprema, anular as de
cisoes ilegais e ordenar que seja praticado algum ato
omitido ou retardado contra a lei.
Nao se pense, porem, que toda a atividade adminis-
trativa esta sujeita a um rigido formalismo. Os autores
notam que "a grande maioria das decisoes e lavrada
atraves de processo informal" e que s6 em reduzido nii-
mero de casos se aplica o processo com notificaqoes e
audigncias, estas bem diferentes das judiciarias e muito
mais simples.

230. & completamente diferente o espirito do processo


adminlstrativo gracioso nos chamados paises socialis-
tas, onde de fato reina o comunismo.
O primeiro ponto em que se tera de inslstir e o da
profunda diferenca que oferece a sua Administragao re-
lativamente a daqueles paises em que prevalece o li-
vre mercado.
Na verdade, a supressao da liberdade de iniciativa e
da livi'e empresa e a socializagao dos tnstrumentos de
produgao coloca os individuos muito mais dependentes
da Administracao do Estado a qual, nos varios niveis,
nacional e local, ou nas varies modalidades de organi-
zagao, toma uma extensao latissima.
Pode dizer-se que toda a vida social do individuo
decorre era contato com orgaos admlnistrativos e na de-
pendSncia deles, desde a alimentagao e o alojamento,
passando pela educagao ate ao exercicio da profissao, ao
tratamento na doenga e a reforma na vellilce e na in-
GARAKTIAS POLfnCAS E ADJONISTRATIVAS 517

validez. O Estado, diretamente ou atraves da empresa


pdblica, da cooperativa ou do organismo profissional, 6
o senhorio, o patrao e o chefe, e acha-se onipotente sob
um ou outro cariz.
Na atividade administrativa avultam tambem as
prestacoes dos services aos particulares que delas es-
tao estreitamente dependentes. Tern necessariamente de
haver regras juridicas de distiibuigao dessas prestacoes,
originando direitos e interesses dos administrados. Mas
facilmente se compreendera que numa atividade admi
nistrativa que prove praticamente a todas as necessida-
des individuais nao pode delxar de existir larga mar-
gem de discricionaridade.
Enquanto nos paises onde a Administragao tem que
intervir numa zona de livre atividade individual ou co-
mo arbitro de interesses particulares diversos, prevalece
a preocupagao do legislador de assegurar a justica re-
lativa mediante a imposigao de crit^rios juridicos de de-
cisao, nos paises socialistas os interesses individuais so
assumem expressao atraves do interesse coletivo. Por
isso as leis sublinham o sentido funcional ou instrumen
tal da legaZidade sociaMsta e acentuam que direitos ou
interesses individuais tem de ser atendidos de acordo
com OS interesses do Estado socialista e do povo traba-
Ihador, devendo as decisoes administrativas cumprir um
papel educative dos cidadaos.
Conseguir um modo regular e ordenado de funcio-
namento de maquina administrativa e permitir aos in-
teressados audiencia na formacao das decisoes que Ihes
digam respeito e de que dependem, tantas vezes, presta
coes de coisas ou de services vitals, eis nesses paises o
objeto do processo administrative gracioso. Processo que,
esgota em si proprio, atraves do recurso hierdrquico, as
garantias de legalidade.
518 DnffilTO ADMINISTRATIVO

Considera-se, na verdade, que a regularidade for


mal de decisao atraves da observdncia dos tramites pro-
cessuais assegura a justiga material "de harmonia com
OS interesses da sociedade socialista". So na lugoslavia
(pais que sob muitos aspectos e considerado heterodoxo
no mundo comunista) existem tribunals que possam co-
nhecer das questoes do contencioso administrativo. Nos
outros paises comunistas a regra 6 o duplo controle
dentro da propria organizagao politica. Nesta distin-
guem-se, em todos os graus da divisao administrativa,
OS orgaos do poder do Estado e os orgdos da adminis-
traqdo do Estado. Os primeiros sao as assembleias repre-
sentativas, os segundos orgaos executivos, perante elas
responsaveis. Segundo o principio do centralismo demo-
cratico, cada sistema de poderes esta ordenado hierar-
quicamente. Assim, o orgao de administragao de um Dls-
trlto e responsavel perante o soviete dos deputados dos
trabalhadores desse Distrito, para o qual se podera re-
correr dos seus atos. Mas nas materias de uma especia-
lidade, tambem se podera recorrer do orgao da admi
nistragao distrital (da educagao, por exemplo) para o
orgao correspondente da Regiao, e deste para o do Es
tado Federado e deste para o da Uniao. Claro que esta
posslbilidade teorica nao i facilmente utiliz&vel pelo
comum dos cidadaos.
Um orgao todo-poderoso, a Prokuratura, com ra-
mificagoes em todo o pais, vela pela observdncia da le-
galidade socialista, recolliendo queixas e promovendo
oficiosamente reexame de decisSes pelos orgaos compe-
tentes. A Prokuratura e mais que um organismo do
Ministerio Piibllco, um sistema vigilante e controlador
do funcionamento da maquina socialista.
Assim, 0 processo administrativo gracioso, regula-
do cuidadosamente em quase todos os paises comunis
tas ^— e em especial digno de registro o Codigo Polongs
GaKANTIAS POLtoCAS E ADMINISTRATIVAS 519

— tem por objetivo assegurar as relagoes de uma ad-


ministragao tentacular com os individuos e proporcic-
nar a estes algumas garantias de defesa dos seus inte-
resses, respeitados apenas quando reflitam a protegao
de interesses pdblicos.
0_ Direito Administrativo e, nestes paises, um Direi-
to eminentemente processual, correspondendo k reali-
zagao per orgaos da Administragao de interesses que na
concep^ao ocidental se integrariam em ramos diversos
da ordem juridica — civls, comerciais, do trabalho...
O que Importa para a qualifieagao de uma atividade
eomo administrativa nao § a materia tratada mas a com-
petlncia formal dos orgaos e o modo de realizajao.

231. Vejamos agora eomo esboQar a teoria do proces-


so administrativo gracioso no piano da teoria geral.
Dissemos que o processo administrativo gracioso
conduz a pratica, pelo orgao da Administra§ao que for
competente, de um ato administrativo.
Nao e necessario dizer aqui quais as caracteristicas
deste ato e em que difere da sentenga judicial. No ca-
pitulo que Ihe foi destinado se versaram os problemas
da teoria do ato administrativo.
Mas se o processo administrativo gracioso com in-
teresse juridico e o culminado pelo ato administrativo,
deveremos desde ja excluir das nossas eonsideragoes os
casos em que, havendo sucessao de formalidades, esta
nao encaminha a uma decisao com caracteristicas de
ato administrativo. o caso de certos processos internos
que nascem e morrem no seio da Administracao sem que
deles decorra qualquer resolugao.
Podemos classificar os processos nao-contenciosos
em tres categorias:
a) OS processos da iniciativa da propria Adminis
tracao;
520 DIREITO ADMINISTRATIVO

b) OS processes da iniciativa dos administrados;


c) OS processes de reconsideragao e de recurso hie-
rarquico.
Na primeira categoria temos os processes da inicia
tiva da propria Administragao. Nela podemos distingulr
vdrias classes:
a) Processos para cumprimento de atribuigoes le-
gais (O caso tipico e o do processo de langamento de
impostos. Mas esse assunto pertence ao foro do Direito
Fiscal). Trata-se de processo que um servigo adminis-
trativo inicia e faz prosseguir porque tern de cumprir
obrigagoes que a lei Ihe atrlbui. A realizacao de uma
obra publica, por exemplo. A autoridade competente de
cide que seja estudada e projetada, e, aprovado o pro-
jeto, seguem-se conseqiiencias juridicas importantes:
ocupacao de terrenos particulares, desapropriagao, etc.
b) Processos sancionadores — Sao os que tern
jMor objeto a averiguagao de uma falta imputada a al-
guem a fim de punir a infracao que se prove haver sido
cometida ou de absolver o acusado na hipdtese contra-
ria. O processo tipico desta classe e o processo discipli-
nar destinado a averiguar se um funcionario violou ou
nao OS deveres do seu cargo.
c) Processos de eoncorrencia ou coTicurso — Sao
OS que a Administracao inicia, fazendo depois convite
ao publico ou a certas categorias de pessoas para que
OS interessados no assunto anunciado requeiram a sua
admissao a eoncorrencia, a fim de entre os requerentes
poder ser feita a selegao dos preferidos para o desempe-
nbn de certa fungao ou a celebracao de determinado
contrato. Sao tipicos os processos de recrutamento de
funcionarios por concurso ou de licitagao por eoncor
rencia para aquisigoes, obras ou servicos.
d) Processos executivos — Sao os instaurados para
dar cumprimento, por meios coereivos se for necessa-
GAHANTIAS POLITICAS E ADMINISTRAII7AS 521

rlo, ao eomando contido num ato admmistrativo defi-


nitivo e executorio.
Na segunda categoria figuram os processes de ini-
ciativa dos interessados. Estes processes iniciam-se per
virtude da petigdo ou do requerimento de alguem que
deseja obter a decisao da Adroinistragao sobre a mate-
ria do seu pedido.
Sao numerosissimos estes processes, em que os ad-
ministrados solicitam admissao as presta^oes de um ser-
vigo piiblico ou numa categoria legal, dispensa ou isen-
cao do cumprimento de uma obrlgagao, permissao para
praticar atos ou exercer atividades condicionadas por
lei, licenga, autorizagao, aprovagao, concessao, etc. Sao
talvez esses processes de petigao que formam a maior
parte do expediente processual administrative, dada a
crescente intervengao do Estado na vida social, quer
atraves dos servigos pdblicos, quer da regulamentagao
das atividades individuals e multiplicagao dos poderes
de policia.
Em terceiro lugar vem os processes que poderiamos
chamar de autocontrole e que sao sobretudo:
a) 0 processo de Teclamagao para reconsideragdo:
e 0 pedido formulado por um interessado a autoridade
que praticou ato considerado lesivo dos dlreitos ou in-
teresses do reelamante para que revogue esse ato;
b) o processo de recurso hierdrquico: e o pedido
formulado por interessado que se julgue lesado nos seus
direitos ou Interesses per ato de uma autoridade ao su
perior hierarquico desta autoridade para que revogue,
altere ou substitua o ato recorrido.

232. Sera possivel fixar algumas caracteristicas gerais


que devam encontrar-se, a luz da teoria geral, no pro
cesso administrativo gracioso?
Vamos tenta-lo.
622 DIREITO ADMINISTRATIVO

a) Na instrugao e na decisdo do processo mantem-


-se sempre o direito de iniciativa da Administragao. Es--
ta caracteristica verifica-se ao proprio processo judicial
de jurisdigao voluntaria: art. 1.107 do Cod. Proc. Civil
Brasileiro.("ao juiz e licito investigar livremente os fa-
tos e ordenar de oflcio a realizagao de quaisquer pro-
vas"). As autoridades adminlstratlvas ou os funciona-
rios instrutores podem, pois, proceder a diligencias.nao
xequeridas, investigar sobre materias conexas nao
abrangidas no pedido e resolver coisa ^diferente ou mais
ampla do que foi requerida, se tal for imposto por lei
ou pelo interesse piiblico. Mesmo dinamizada por-,atb"'de
um interessado particular, a Administragao tem sempre
de visar ao interesse pdblico. Dai que ela possa fazer se-
gulr um processo, ainda quando haja desist^ncia do
requerente.
b) O processo administrativo gracioso ndo estd,
em regra, sujeito a formalismo rigido na instrugda. Em
geral as leis e os regulamentos limitam-se a fixar for-
malidades essenciais deixando liberdade quanto a ou-
tras. Assim, na instrugao do processo ha a possibilidade
de escolher meios de prova e de solicitar informagoes,
laudos periciais, pareceres... podendo ser indeferidos os
pedidos de diliglncias dos interessados considerados im-
pertinentes ou dilatorios. A autoridade que deva deci-
dir pode, porem, ordenar uma instrugao suplementar
quando julgue insufieiente a que foi feita. A forma dos
atos processuais deve ser a que for adequada a sua fun-
gao no processo, tendo-se em vista a necessidade de im-
primir celeridade a este.
c) O processo administrativo e, por via de regra,
escrito. As formalidades praticadas oralmente, as dili-
gencias e os depoimentos tim de ser reduzidos a auto
ou termo, para que fique a constar o seu resultado ou
o seu teor.
Garantias poi-iircAs e administrativas 523

d) Semyre que seja formulada uma acusaqdo a


algu&m, deve set garantido ao acusado amplo direito de
defesa, compreendendo neste direito a indicacao precisa
e circunstanciada dos fates imputados ao argiiido, a
permissao do exame das provas reimidas contra ele no
processo, possibUidade da sua impugnacao e apresen-
tagao de novas provas. Esta exigencia e particulannente
importante nos processes sancionadores, pois e de Di
reito Natural que ninguem pode ser condenado sem ser
ouvido acerca da acusagao que Ihe e feita. Deste modo
todo o processo sancionador gira ao redor da acusagao
e da defesa: aquela nao pode deixar de ser formulada
com base em fatos precises e comprovados, esta tern de
ser ampla, embora evitando os expedientes impertinen-
tes ou dilatdrios.

e) Sempre que a Administragao tenha de resolver


questoes que afetem interesses alheios, a sua deeisdo deve
ser precedida, em principio, da audiencia de todos os
interessados, conforme a regra "audi alteram parte'm".
A audiencia dos interessados e uma formalidade, ou um
conjunto de formalidades, que pode ter por objetivo per-
mitir o exercicio dos mais variados direitos: o direito
de defesa, quando os interessados sejam acusados da
pratica de algum fate ilicito; o direito de representagdo,
quando os interessados pretendam ver alterado um pro-
jeto de decisao tornado publico de que resultem para
eles prejuizos maiores do que os necessarios; o direito
de oposigdo, quando os interessados pretendam evitar a
prdtica de um certo ato favoravel a outrem, com o qual
ficarao prejudicados; o direito de concorrencia, quando
OS interessados pretendam ser admitidos a um concurso
piiblico, quer para recrutamento de funcionarios, quer
para celebragao de contratos administrativos; e, em ge-
ral, 0 direito de resposta, quando os interessados preten-
524 DIEIEITO /IBMINISTRATIVO

dam replicar as afirmagoes produzidas pelos titulares


de interesses contrapostos aos seus no mesmo proeesso.
Como S3 ve do que antecede, a audiencia dos inte-
ressados pode abranger apenas a pessoa que figurara
como parte no ato administrative final, por ser o des-
tinatario da decisao respectiva (caso do argiiido, no
proeesso disciplinar) ou alargar-se a terceiros, permi-
tindo que exponham as suas razoes todos quantos pos-
sam vir a ser favorecidos ou prejudicados com o ato
definitivo.
f) Para que os interessados -possam ser ouvidos no
proeesso e necessdrio que estejam informados da suo-^
existencia e conteddo e, portanto, importa que a estes
seja dada publicidade — quer atrav6s da insergao dos
principais elementos num boletim oficial, quer median-
te a afixagao de editais ou a publicagao de anuncios ou
avisos, quer ainda por qualquer outra forma de comu-
nicagao admitida em direito. Mesmo que a autoridade
administrativa nao haja dado publicidade ao proeesso,
as leis concedem muitas vezes o chamado "direito de
acesso" ou "de vista", que implica a faculdade de exa-
minar os elementos que constam do proeesso, a facul
dade de OS copiar e a faculdade de obter a entrega de
certidoes que os reproduzam ou resumam, direito asse-
gurado no Brasii, no art. 153, § 35, da Constituigao Fe
deral e regulado em todas as constltuigoes estaduais.
Os interessados que hajam inteiTdndo no proeesso
devem ser notificados de todos os atos, mesmo os me-
ramente preparatorios, que possam iniluir na decisao
final.
g) A decisao do proeesso deve ser fundamentada
salvo quando:
g.l) seja proferida em concordancia com pareeer
ou informagao donde eonstem os motives por
que se propoe a solugao adotada;
GARAMTUS POLfTICAS E ADMINISXRATIVAS 525

g.2) seja proferida de acordo com precedentes in-


variavelmente adotados;
g.3) seja proferida no exercicio do poder discricio-
nario, caso a lei nao obrigue k fundamentag^;
g.4) seja proferida em materia que nao envolva
direitos ou interesses legitimos de particniares.
Mesmo quando a lei nao obrigue a fundamentar a
decisao, deve entender-se que esta 6 sempre necessarla,
embora nos termos atr^ referidos, nos seguintes casos;

1. quando a decisao contraria a proposta ou as


conclusoes do parecer ou da informagao sobre a
qual e langada;
2. quando ajrfique uma sangao;
3. quando resolva materia litigiosa e, em especial,
quando decida um recurso;
4. quando tenha como efeito afetar direitos subje-
tivos de particulares.
h) As decisoes dos processos, como em geral as
atos da Administragao com eficdcia externa, devem ser
jmblicadas em orgdo ojicial, ainda que resumidamente
ou per sumdrio.

233. Vimos que em muitos casos a lei exige para a


validade e at^ como condigao de perfeigao de um ato
administrative qu© este seja praticado precedendo pro-
cesso cujas formalidades essenciais sao imperativamen-
te por ela prescritas.
Essa exigencia e acentuada sempre que do ato ad-
ministrativo possa resultar privagao de direitos subje-
tivos de outrem, em especial dos direitos de liberdade ou
de propriedade.
A preterigao das formalidades processuais pode pro-
dum, como no lugar proprio se exp6s, a anulabilidade.
526 DniEiTo admihistrattvo

a nulidade ou a inexistencia do ato administrativo por


vicio de forma.
Mas casos hd em que se constituem situagoes jurf-
dicas ou se opera a extingao de direitos validamente,
apesar de ter sido suprimido todo o processo que a lei
reputava essencial para que se produzissem tais efeltos
na Ordem Juridica: esses casos sao aqueles em que a
atuagao administrativa decorra em estado de necessi-
dade.
O estado de necessidade consiste na atuagao sob o
domi'nio de um perigo iminente e atual para cuja pro-
dugao nao haja concorrido a vontade do agente. O pro-
blema juridico suscitado pelo estado de necessidade 6
um problema de colisao de interesses; para evitar que
0 perigo faga perecer determinado "valor, o agente tera
de sacrifiear um outro valor juridico de que nao 6
senhor.
A salvagao do interesse ameagado exige entao um
procedimento contrario as regras normalmente orienta-
doras da conduta juridica. Em principio entende-se que
esta conduta ilegal representa um mal menor do que a
perda que se pretende evitar. Mas e muito dificil fazer
um juizo de apreciagao objetiva acerca dos dois males
em presenga. Se algumas vezes estamos perante crite-
rios radicados na moral coletiva — uma "vida humana
vale mais do que as riquezas materials —, noutras oca-
sioes a escala de valores nao e tao evidente, ou os va-
lores confrontados equivalem-se.
Em todo 0 case, o efeito do reconhectmento do es
tado de necessidade, na Ordem Juridica, e o de justifi-
car uma conduta que produzida sem essas circunstan-
cias seria ilicita; e equiparar a agao ilicita as acoes pra-
ticadas de acordo com o Direito. Nao vamos agora pes-
qulsar o fundamento de tal justificagao, e perguntar se
ha uma lei da necessidade, um Notrecht.
Gaeantias POiincAS e admhhstrativas 527

For muito paradoxal que pareca, o estado de ne-


eessidade pressupoe certa liberdade de resolugao do
agente; e mesmo o que o distingue do caso de forga
maior. A forga maior e o fate Imprevlsivel e nao querido
pelo agente que o impossibilita absolutamente de agir
segundo as resolugdes da vontade propria, quer parali-
sando-a, quer transformando o individuo em cego instru-
mento de forgas extemas Irresistiveis. Ao passo que o
estado de necessidade se caracteriza como um fato esr-
tranho ao agente que o impele a resolver uma conduta
ilegal para evitar a produqao de um mal maior.
Isto 6: a forga maior e uma causa, o estado de ne
cessidade e um motivo. O agente necessitado podia es-
colher a produgao do mal maior, podia deixar de agir
ilegalmente: mas houve um motivo — instinto de con-
servagao, esplrito de solidariedade, dever moral... —
que 0 levou a preferir afastar as normas estatuidas.
O fundamento da justificagao por estado de neces
sidade talvez possa jjois procurar-se no valor maior do
fim a atingir, relativamente aos meios preteridos. Mas o
valor dado ao fim nao pwde deixar de ser conslderado
tendo em atengao as circunstancias em que o agente
operou, pois elas muitas vezes sao de molde a alterar a
hierarquia dos valores calmamente ordenada pelos mo-
ralistas ou consagrada pelos legisladores.
Ora, para atingir os fins administrativos, para ob-
ter a realizagao do interesse coletivo, nao por vezes
outro remedio senao preterir as leis estatuidas j)ara as
condigSes normais, e adotar solucoes inspiradas pelas
circunstancias do momento.
£i o que se passa com os funcioTidrios ou agentes de
fato que constituem a classe dos agentes necessdrios:
desaparecidos em ocasiao de guerra ou de calamidade
publlca as autoridades constituidas ou os funcionarios
528 DIREITO ABMINISTRATrVO

regularment© investidos, e forgoso que alguem tome o


seu lugar.
Mas hipoteses mais interessantes de atuagao em es-
tado de necessidade na vida administrativa surgem
quando se trata do procedimento dos agentes da Admi-
nistracao relativamente aos bens.
Assim sucede nos cases de incgndio, calamidade pn-
blica, inundagao ou outro cataclismo, defesa militar em
estado de guerra... ocasioes em que os imperativos da
salvagao de pessoas ou de outros bens podem obrigar as
autorldades administrativas a ocupar edificios e terre
nes, a utilizar aguas particulares, a transformar e ate a
destruir ceisas valiosas pertencentes a patrimdnios pri-
vades.
Para certas destas eventualidad.es, a lei preve a
acao extraordinaria da-Administracae publica: e o que
acontece relativamente aos incdndies quanto aos bem-
beires que estao autorizades, sem mais forma de pro-
cesso, a praticar atos que noutras condigoes serlam cri-
minosos: violagao de domicilio, aprepriagao de aguas
particulares, destruigao e demoligSes dos predios con-
tiguos ao incendiado, ocupagao de terrenos vizinhos etc.
Quanto as outras, porgm, a lei, ou se limita a admi-
tir vagamente a sua produgao ou nao Ihes faz qualquer
referenda, deixando aos governos e aos tribunals a re-
solugao dos problemas que venham a suscitar-se.
Ora o principal problema e o de saber se os prejui-
zos causados nos patrimonios particulares por man-
dado das autorldades, em estado de necessidade, a fim
de impedir maior dano de terceiros, devem ou nao ser
indenizados.
Se o principio geral e o de que a verificacao do es
tado de necessidade toma licita a agao praticada com
preterigao das formalidades normalmente exigidas por
lei, claro esta que se nao podem apiicar as regras das-
Garanhas poLincAS e admihistrativas 529

sicas da responsabilidade civil que fazem depender a re-


paragao do dano da previa verificagao de um prejulzo
causado per fato ilicito atribuido a culpa de um impu-
tavel.

Mas no estado de necessidade administrativa o que


se passa, em geral, como temos notado, e praticar-se um
ato ilegal que seria legal se fossem observadas determi-
nadas formalidades, isto e, se fosse seguido certo rito
processual,
A autoridade civil poderia, para evitar a extensao
da inundagao, penetrar com os seu agentes num pr6-
dio, e ai abrir valas, erguer diques, aproveitar materials
de muros e casas... — tudo regularmente, se o pr§dio
fosse primeiro expropriado por utilidade publica.
Em caso de calamidade publica, a rapida improvlsa-
gao de um hospital de sangue em casa fechada cujas
portas sao arrombadas por mandado da autoridade, na-
da teria de irregular se fosse possivel previamente ter
xeqixisitado a utilizagao do imovel.
Quer dizer: o estado de necessidade justifica a pre-
tericao das formas regulares da atividade administrati
va; nestes casos, legitima o sacrificio dos direitos do pro-
prietario sem que preceda processo de expropriagao ou
de requisigao.
Mas expropriagao e requisigao implicam a compen-
sagao pecuniaria do sacrificio imposto aos propriet^ios;
portanto, se o estado de necessidade apenas autoriza que
se dispense o processo regular de expropriar ou de re-
quisitar, ha desde logo que admitir a indispensabilidade
de indenizagao posterior.
Temos, pois, reunidos os elementos suficientes para
esbocar uma teoria do estado de necessidade adminis
trativa. Em resumo ei-la aqui:

244-34
530 DIBEITO ADMINISTRATIVO

1.0 — Em caso de perigo iminente e atual que amea-


ce interesses coletivos protegidos pelo Direito, e licito,
para o esconjurar ou atenuar os seus efeitos, proceder
com preterigao das regras juridicas normalmente regu-
ladoras da atividade da Administragao Publica (isto 6,
sem forma de processo), se de outro modo nao puder ser
alcangado o mesmo resultado.

2.0 — Quando da agao administrativa exercida a,


margem da lei em estado de necessidade resultarem pre-
juizos especiais para os particulares, deve a Administra-
gao indeniza-los na parte excedente k justa contribuigao
de cada um para os encargos publicos ou aos beneficios
particularmente resultantes dessa agao para os ln£e-
ressados.
, CApfcruLO XI

GARANTIAS JUDICIAIS

§ 1."

OS PEDIDOS

234. Definigao e prdblemas das garantias judiciais.


235. Pedido de anulagao: natureza e fundamentos.
236. Efeitos da anulagdo.
237. Pedido de indenizagao: danos indenizdveis e tipos
de atividade administrativa gue podem causd-los.
238. Danos causados par fates ilicitos.
239. Danos causados por atividades perigosas.
240. Danos causados por sacrificio legal de direitos.
241. Pedido de expedicao de uma ordem: os "writs", o
habeas corpus e o maTidado de seguranga.
242. O mandado de seguranga no Direito Brasileiro.

234. Como ja esclarecemos, consideramos judiciais to-


das as garantias proporcionadas pelo acesso dos inte-
ressados a tribunals constituidos por juizes de carreira,
gozando das imunidades da magistratura, quer esses tri
bunals fagam parte do Poder Judiciarlo ou nao, quer
sejam comuns ou especiais.
532 DiEEITO >J)MlNISTRATIVO

Pretendendo esbogar a tragos largos a teoria das ga-


rantias judlciais da legalidade e dos direitos dos admi-
nistrados, sem ter em conta nenhum pals em particular
e deixando de lado as agoes que possam ser postas pela
Administracao ou correr contra ela pelo exercfcio da
gestao privada, ocupar-nos-emos sucessivamente de tres
problemas que procuraremos esclarecer a luz do Direito
Comparado: que se pede aos tribunals com o fim espe-
cifico de garantir a legalidade ou direitos individuais
postos em causa pela atividade administrativa? Como se
pede? E quem e que pode por os tribunals em movi-
mento?
Quanto ao primeiro problema, podemos reduzir os
tipos dos pedldos suscetiveis de ser feitos aos tribunals,
especificamente para o fim indicado, a tres: pede-se a
anulagao de um regulamento, de um ato, de um contrato
administratlvo, ou a indenizagdo de um dano causado
pela atividade da Administragao, ou uma ordem a expe-
dir a certa autoridade para que faga ou deixe de fazer
alguma coisa, nos termos da lei.
Quanto ao segundo problema, o processo desenca-
deado no tribunal pelo pedido reveste a forma de agdo,
ordindria ou sumaria, segundo um rito de procedimento
comum ou especial para as questoes admlnistrativas,
podendo distinguir-se em particular o recurso interposto
de um ato de autoridade e a impetragdo de mandado.
Nesta raateria tern muita importancia o incidente da
suspensdo do ato executbrio.
Finalmente, quanto ao terceiro problema, que e o
da legitimidade dos autores ou recorrentes, contempla-
remos os casos do titular do direito subjetivo que alega
ter sido ofendido por ato ou fato da Administragao; o do
titular de interesse legitimo na obtengao de uma sen-
tenga favoravel; e ainda os casos da agdo popular em
que qualquer pessoa do povo, obedecendo ^s qualificagoes
GAEANTIAS JttDICIAIS 533

legais, pode movimentar a Justiga, e da aqao pilblica


exercida oficiosamente por orgaos da Administragao ou
pelo Ministerio Publico.

235. O primeiro tipo de pedidos e, pois, o de anulagao


de um regulamento, de um ato ou de um contrato admi
nistrative, digamos: de um ato iuridico da Adminis-
tragao.
Efetivamente so atos juridicos sao.suscetiveis de ser
anulados. O pedido de anulagao tern de se fundar na
contradigao entre o ato e a norma que nele deveria ter
sido aplicada ou com a qual deveria conformar-se.''0
Tribunal deve verificar se o ato impugnado 6 legal ou
nao para, no caso de decidir pela ilegalidade, assim o
declarar por sentenga. Mas nao basta fazer a declaragao
de ilegalidade: a lei comina sancoes para ela, e diz que
OS atos ilegais sao nulos ou anulaveis. A sentenga tera,
pois, de acrescentar a declaragao de ilegalidade a sangao
que a fulmina, anulando o ato.
Tem-se discutido se a anulagao do ato da Adminis-
tragao representa indevida ingerencia dos tribunals na
atividade administrativa. Mas, em meu entender, sem
razao. Nos parses em que o contencioso administrativo
resultou da jurisdicionalizagao do recurso hierarquico,
0 poder de anulagao pelos tribimais nao e contestado
porque foi recebldo dos que o possuiam, incluido na su-
perintendencia hlerarqulca.
Quanto aos paises onde vigora o sistema judicialista
tampouco parece contestavel essa faculdade dos tribu
nals que conservam a superloridade sobre a Adminlstra-
gao em tudo quanto respeite a Interpretagao e aplicagao
das leis. A declaragao de nulidade e a consequgncla da
resolugao do conflito que se verificou existir entre o ato
impugnado e a norma apiieavel, tendo o tribunal de fa
zer prevalecer a norma sobre o ato.
534 DiREITO #DMINISTRATIVO

A I6gica exige que, declarada a anulagao por caso


julgado com fundamento na contradigao objetivament©
existent© entre o conteudo do ato e os comandos da lei,
essa decisao Implique a eliminagao do ato anulado da
Ordem Juridica com a qual se acha em desacordo, va-
lendo a coisa julgada em relagao a toda e qualquer
pessoa, isto e, podendo ser invocada erga omnes.
Mas razoes de convenienoia politica podem r^er-
var &s autoridades administrativas a decisao acerca da
generalizagao da decisao judicial proferida num caso
concrete (pense-se, por esemplo, nas questoes em que
esteja em causa a legalidade de um imposto). E por isso
hi legislagoes, como a brasileira, que limitam a efici-
cia da coisa julgada as partes no processo em que haja
sido decretada a anulagao, sempre que a decisao judicial
contrarie "orientagao estabelecida para a administra-
Qao direta e autarquica por atos de carater normativo
ou anulatorio" (Dec. n.o 73.529, de 21 de janeiro de
1974).
Dissemos que o ato juridico pode ser ato adminis
trative, regulamento ou contrato administrative. Sao
xaros OS cases em que as leis admitem a impugnagao di
reta da ilegaUdade dos regulamentos — em Portugal, s6
era permitida tratando-se de posturas municipals e de
outros regulamentos de autarquias locals. Em geral, a
ilegalidade da norma regulamentar e das clausulas con-
tratuais so e argiiida em defesa do reu acusado de as
ter violado e, entao, a decisao judicial so tem forga de
coisa julgada inter partes.
As formas que pode revestir a ilegalidade do ato
administrative foram estudadas na teoria deste. Pode
dizer-se que e hoje universal a analise dos vicios do ato
administrative segundo o padrao estabelecido pelo Con-
selho de Estado trances. No Federal Administrative Pro
cedure Act, 1946, dos Estados Unidos da America, a anu-
Garantias JtmiciAis 535

lagao dos atos da Administragao pelos tribunals judi-


ciais (as courts) ocorre quando se prove que o ato foi
arbitr^io, praticado com desvlo de poder, violagao de
direitos ou poderes constitucionais, falta de competlncia,
inobservancia do procedimento prescrito por lei, sem
base em prova substancial ou carecendo de base nos
fatos invocados. Por outras palavras, sao as mesmas ra-
zoes da Jurisprudmicia francesa que a Lei brasilelxa n.°
4.717, de 29 de junho de 1965, acolheu tambem no seu
art. 2.0, ao considerar nulos certos atos nos casos de
Incompetencia, vicio de forma, ilegalidade do objeto,
inexistencia dos motivos e desvio de finalidade, definin-
do no § linico cada um desses casos.

256. Decretada por sentenga a anulagao de um ato,


cumpre aos orgaos competentes da Administragao exe-
cuta-la. O Tribunal proferiu uma declaragao da qual e
necessarlo tirar os resultados juridicos logicamente de-
correntes, O ato anulado foi suprimido da Ordem Juri-
dica; mas, enquanto esse ato esteve em vigor, foi eficaz,
isto e, pode ter produzido efeitos, criado direitos e obri-
gagoes, constituido situagoes juridicas. A anulagao do
ato deveria implicar a supressao de todos esses efeitos,
mas nem sempre 6 possivel abstrair do tempo decorrido,
ignorar os fatos que a marcha normal da vida adminis-
trativa ocasionou e fazer t^bua rasa de situagoes criadas
■de boa-fe. De modo que o rigor juridico terd de ser tem-
perado peia eqiiidade. E se tem de haver a preocupagao
de reparar os danos causados aos prejudicados pelo ato
ilegal, Isso nao devera ser conseguido a custa de iniqui-
dades que tambem firam o sentimento de justiga.
A anulagao por vicio de forma, sobretudo, tem de ser
•considerada nos seus efeitos com especial cuidado. A
preterigao de alguma formalidade essencial deve deter-
minar a anulagao do ato em cuja produgao se tiver
536 DiREITO AOMINISTRATIVO

verificado, anas nao significa a intrinseca ilegitimidade


dele. Rigorosamente, se um ato foi praticado com irre-
gularidade processual, a anulagao deveria ser limitada
a parte do processo viciada pela preterigao da forma-
lidade, e apenas para o efeito de se proceder de novo,
praticando as formalidades omitidas e repetindo as ir-
regulares e as que delas sejam seqiiencia. Nada mais
contrario a preccupagao de decidir segundo a verdade
material, que deve ser a de uma boa Justiga, do que,
por exemplo, anular o ato condenatorio de um funcio-
nario prevaricador por deficiencias do processo adminis
trative, provocando a sua reintegragao e indenizagao,
com escandalo publieo e premio a infidelidade. As leis
devem, pois, regular estas hipoteses adequadamente.
Outro problema ligado aos efeitos da anulacao de
um ato administrative e o da sorte dos atos conseqiientes
do ato anulado. Chamo ato conseqiiente ao que 6 prati
cado por virtude de situagoes criadas por outro ato ante
rior. Por exemplo: o ato que demitiu um funcionario
abrindo vaga em certo servigo e antecedente do. que, de-
pois, preencheu essa vaga com a nomeacao ou promogao
de novo funcionario e que e consequencia dele. Ora, se
for anulado o ato da demissao (o ato antecedente) que
devera acontecer ao ato de provimento da vaga que ele
abriu (o ato conseqiiente)?
A solugao logica e dada pela regi'a de que as conse-
qiiencias de um ato nulo ou anulado sao nulas tambem.
Se a causa da pratica do ato conseqiiente era a validade
do ato antecedente, eliminado este, aquele tern de ser
necessariamente arrastado pela mesma sangao. O ato
antecedente criou o pressuposto da validade do ato con
seqiiente: se esse pressuposto desaparece, como subsis-
tird 0 objeto do ato conseqiiente?
Por conseguinte, os orgaos administrativos compe-
tentes para a execugao da sentenga anulatoria de um
Garantias jtjdiciais 537

ato devem considerar anulados tambem os atos cuja


pratica e subsistencia assentavam na validade.do ato eli-
minado pelo Tribunal.

237. Pode, tambem, o cidadao pedir a um tribunal que


Ihe seja paga indenizagao pelos danos sofridos em con-
sequencia da ativldade da Administragao.
Esta ativldade tanto pode traduzir-se em atos juri-
dicos, como em fates, voluntaries ou nao.
Deixaremos de parbe os pedidos de indenizagao para
efetivagao de responsabilidade contratual da Adminis-
tragao Publica, para nos ocuparmos unicamente dos
danos causados sem ser per inexecugao de contratos.
Quais sao esses danos suscetiveis de indenizagao?
Trata-se de prejuizos causados ao patriradnio ou ao
bom nome e reputagao de outrem em consequencia da
ofensa ou sacrificio dos seus direitos subjetivos per atos
juridicos ou fatos da Administragao.
Esses prejuizos ou danos tern de ser especiais e mior-
mais. Quer isto dizer que o prejuizo nao deve ter recaido
sobre a generalidade dos indlviduos, mas so sobre algum
ou alguns — prejuizo especial. B nao hi de resultar
dos riscos normais da vida em ooletividade, tern de re-
vestir carater anormal.

Efetivamente a Administragao e obrigada com fre-


quencia a impor, ao abrigo da lei que tal autorize, a
toda uma classe, uma categoria ou um conjunto de ci-
dadaos, encargos, limitac5es, sacrificios que revestem
assim carater de generalidade. Esses encargos, limitagoes
ou sacrificios genericos nao sao conslderados danos in-
denizaveis, constituindo contribuic5es para o bem-estar
coletivo. O dano surge apenas quando a lesao dos direi
tos aparece em casos concretos, dissociados desses en
cargos genericos, representando situagoes especiais em
-538 DiREITO AflDKISTRATIVO

que s6 determinadas pessoas sofreriam, quando todos os


outros tiyessem os mesmos direitos incoliomes.
A vida em sociedade, nas condigoes correntes de
■certa forma de civilizagao, importa riscos normals a que
todos estao sujeitos e que sac previsiveis, podendo,
quanto a muitos deles, os individuos proteger-se me-
diante o seguro privado ou a seguranca social. O pro-
prio funcionamento da Administragao acarreta riscos
normals para os cidadaos: a perda de tempo nas repar-
tigoes, 0 erro nas deeisoes, a demora no andamento dos
processos. . .
A Administracao Publica so tern o dever de inde-
nizar quando em cMDnseqiiencia da sua atividade se pro-
duzam na esfera jurldica das pessoas danos ou prejuizos
que nao sejam impostos genericamente como contribui-
gao para a seguranga ou o bem-estar social e que exce-
dam OS risoos normais razoavelmente previsiveis de qual-
quer atividade coletiva.
Quais sao os tipos de atividade administrative susce-
tiveis de produzir, na esfera juridica dos administrados,
danos indenizaveis?

a) Sao, em primeiro lugar, os fatos ilicitos pratica-


dos com culpa imputavel a Administragao.
b) Depois, vem a atividade que se traduza no fun
cionamento de servlgos administratlvos perigosos
ou no desenvolvimento de atividades perigo'sas.
c) Finalmente, temos a atividade que a Adminis
tragao exerga a sombra de lei, mas que importe
o sacrificio de direitos individuais incompativeis
com a reallzagao de interesses socialmente pre-
dominantes.

238. No primeiro grupo encontramos sltuagoes analo-


gas ks que desencadeiam as formas classicas de respon-
GARANTIAS JtTDlCIAIS 839

•sabilidade civil e que sao definidas pelos mesmos ele-


mentos.
A Admlnistragao tern de indenizar os danos causa-
•dos pela prdtica culposa de fatos ilicitos. Para que surja
a obrigagao de indenizar e, pois, necessario que o dano
seja produzido por iato ilicito produzldo por cuVpa impu-
tavel a Adminlstragao.
O fato ilicito tajito pode ter sido um ato juridlco
•declarado ilegal ou anulado pelo 6rgao competente, como
uma operaQax) tunica, mera ccaiduta de agentes sem
carater de ato juridlco, mas que se caracterize como
comportamento contrario a lei.
Esse fato reconhecidamente vlolador da legalidade
e como tal ofensivo dos direitos das vitimas, ha de ter
.sido a causa do dano ou prejuizo que a vitima pretende
•que seja indenizado.
Mas, para a Administra^ao ter o dever de indenizar,
-e preciso que Ihe seja atribuida eulpa na pratica da ile-
galidade, quer essa culpa tenha a forma de intengao ou
proposito de fazer mal que configura o dolo, quer ape-
nas revele falta de zelo, falta da dillg&ncia no cumpri-
:mento dos deveres a que os orgaos ou os agentes da
Administragao sao obrigados no desempenho dos seus
■ cargos, e e o que se chama negligencia.
Surge aqui um problema melindroso. A Administra-
■qao, como temos subhnhado, e constltulda por pessoas
juridicas. Trata-se de entidades coletivas com uma orga-
nizagao complexa em que e integrada uma pluralidade
• de individuos.
A pessoa juridica possui orgaos, singulares ou cole-
giados, cujos titulares sao individuos que tem por mis-
-sao procurar em suas consciencias o que deve ser que-
rido em cada caso para proceder de harmonia com os
-fins socials ou institucionais. E assim o 6rgao, por inter-
540 DIREITO ADMIlflSTaATIVO

mMio dos seus titulares, exprime a vontade da pessoa,


que 6 uma vontade fxuicional.
Mas, para que a vontade expressa pelos individuos
titulares de um organ possa ser considerada a vontade
da pessoa Juridlca, e precise que esses individuos pro-
cedam segundo as formalidades e formas determinadas.
na lei para o funcionamento do orgao e dentro dos fins
ou atribuigoes da pessoa. Isto e: num orgao colegiado,,
por exemplo, os titulares ou membros dele hao de deli-
berar em reuniao, sob presidlncia regular, com numerO'
legal de presengas (quorum) e mediante votagao em
regra.
Os titulares dos orgaos e os agentes das pessoas ju-
ridicas sao individuos que tern a sua vida particular e
OS seus interesses proprios e que apenas durante o exer-
cicio das funqoes em que sejam investidos, ou quando
em service, tern o dever de esquecer essa qualidade de
particulares para procederem por conta e em beneficio
da pessoa juridica servida, na qualidade de titulares de
orgao ou de agentes.
Portanto, na vida de cada um desses individuos e
preciso distinguir cuidadosamente os atos que praticam
no desempenho de funqoes publicas, a que podemos cha-
mar atos funcionais, daqueles que decorrem da sua vida
particular e que designaremos por atos pessoais.
Claro que se pudessemos marcar rigorosamente li-
mites das duas atividades, pelo horario de trabalho, por
exemplo, a distinqao era facH. Mas nem sempre assim
pode ser,
Na verdade, sao infelizmente numerosos os casos de-
prevaricaqao em que os individuos usam as funqoes pu
blicas em beneficio particular. E noutras ooasioes os in
dividuos quererao ate talvez cumprir os fins sociais, mas.
procedem indevidamente, sem observarem as formalida-
Garanhas JtroictAis 541

•des prescritas na lei para a atuagao regular dos 6rgaos


■ou para que os agentes possam invocar a sua autoridade.
As pessoas juridicas sao consideradas autoras dos
:atos que os seus orgaos, funcionando regularmente,
;pratiquem mediante a manifestagao da vontade fun-
'Cional. De modo que, se o orgao deliberou coruo devia,
tendo em vista benefieiar os interesses da pessoa juri-
'dica, mas nessa deliberagao quis alguma coisa contra a
lei, 6 a pessoa juridica que se considera culpada do
fato ilicito assim cometido.
Da mesma forma, se um agente atuando nessa qua-
lidade, no exereicio das suas fungoes e pensando cum-
prir OS seus deveres infringe a lei, tambem e a pessoa
•juridica em que esse agente esteja integrado a conside-
rada culpada. A Administracao que aproveita das van-
tagens da atividade dos seus agentes tern de suportar
.as conseq'iiencias dos erros deles, cometidos de boa-fe no
■exereicio das fungoes.
Mas, se os titulares dos orgaos abusam dos seus po-
deres ou resolvem sem se revestirem das cautelas exigi-
das na lei para as deliberagoes ou se os agentes proce-
dem ilegalmente em termos tais que nao se possa ad-
mitir que ao produzir o dano se achassem no exereicio
das fungoes em que foram investidos, entao, estamos
perante atos pessoais, pelos quais a pessoa juridica nao
tem que responder, devendo os individuos, seus autores,
ser responsabibzados pelo que fizeram.
Estes sao os principios basicos a observar.
Todavia, no Direito Positive dos varies palses, nem
•sempre as coisas se passam com esta simplicidade.
Nunca serd demais msistir em que as solugoes ju-
:ridicas nao podem ser encontradas pura e simplesmente
•por processes logicos.
A Justiga exige, por vezes, maleabilidade de formu
las e tem de andar acompanhada da preocupagao de
542 DIEEITO ADHINISTRATrVO

eqiiidade para nao ferir os direitos de uns ao satisfa-


zer OS direitos de outros, quando todos sejam respei-
tS.veis.
De maneira que, se o publico na sua boa-f6 foi ilu-
dido pelo procedimento dos tltulares dos orgaos ou dos
agentes da Administragao que excederam os seus pode-
res, mas por forma a ser dtficil aos prejudicados distin-
guir se havia abuso ou nao, pode a lei admitir o direitO'
destes pedirem IndenizaQao a pessoa juridica. E esta
teri de indenizar, embora ^ Ihe reconhega o direito de
se ressarcir pelos bens do titular ou agente culpado (dt-
reito de regresso ou agdo regressiva).
Noutros cases, verificando-se que, apesar de terem
side praticados atos pessoais dos agentes ou titulares-
dos orgaos, o foram com proveito para a pessoa juridi
ca, pode a lei permitir que a indenizagao dos danos cau-
sados por esses atos seja pedida ao indivlduo autor do
ato ou k pessoa juridica, estabelecendo assim uraa res-
ponsadilidade solidaria.
Na jurisprudencia e na doutrina francesa, seguida.
por muitos autores de outros paises, distlngue-se tam-
b6m entre cuVpa fiincional e culpa pessoal. A culpa fun-
cional seria imputavel ao mau funcionamento do ser-
vigo em que o agente causador do dano estivesse inte-
grado, 0 qual podia ter procedido com todo o zelo sem
que isso impedisse que a desorganizagao, a deficiencia
de regulamentagao ou da sua observlLncia, a falta de
fiscalizagao ou de colaboragao de outros agentes...
provocasse o dano. A culpa pessoal traduziria, em con-
digoes normals do funcionamento do servigo, a conduta
incorreta do agente com desprezo da natureza e obje-
tivos da fungao exercida ou dos deveres do seu cargo.
No primeiro caso — o da culpa funcional — a res-
ponsabilidade cairla sobre a Administragao ou, quando
muito, a lei poderia estabelecer a responsabilidade soli-
GARAMTIAS JTIDICIAIS 54J

diria da Adroinistragao e do agente causaJor do dano,


quando se verificasse o dolo deste ao aproveitar-se da
desorganizagao do servigo ou da falta do fiscalizagao^
ou da observancia dos regolamentos.
No segundo caso — o da cuVpa pessoal — a respon-
sabilidade recai unicamente sobre o autor do fato iUcito.
Nao se deve confundir a distingao entre culpa fun-
clonal e culpa pessoal com a que fizemos atrds entr©
OS atos. Para discriminar entre as duas formas de cul
pa atende-se, como ficou visto, a posig^ do agente den-
tro do servigo, considerando o bom ou mau funciona-
mento deste. Ao passo que a distingao entre ato funcio-
nal e ato pessoal tem era conta apenas a prdtica do
fato illcito no exerciclo, ou nao, das fungoes do agente.

239. Em muitos paises admite-se a responsabilidade


da Administragao por prejuizos causados por ativida-
des suas, independentemente da necwsldade de provar-
a existencia de culpa que Ihe seja imputavel.
Na verdade, surgem na vida social situagoes em re-
lagao as quais nao se pode fazer demonstragao de culpa.
na. produgao de danos que seria injusto deixar sem in-
denizagao.
fii o caso dos moradores das vizinhangas de um paiol
de munigoes que, por razoes desconhecidas, pega fogo e
explode, causando danos num largo raio de circulo.
Existe normaJmente, jxmto a esses paiois uma zona.
de servidao, onde e proibida a construgao de edificios
residenciais. E aqueles que, infringindo a proibigao, ai
se estabelegam, nao podem reclamar contra os prejui
zos sofridos. Mas os que, fora dessa zona, vejam atingi-
das as suas moradias e destruidos ou danificados os-
seus haveres? Esses, por virtude da existencia de insta-
lacoes administrativas perlgosas, sofreram prejuizos que-
sao especiais e anormais. A necessidade de atender in-
544 DIREITO ABVINISTRATIVO

teresses publicos com a manutengao do paiol sujeitou-os


a uma perda patrimonial que a generalidade dos cida-
daos do Pals nao sofreu. Da-se, por esse mode, uma in-
fracao da regra da igualdade de todos os cidadaos no
sofrimento dos encargos piiblicos consagrada nas Cons-
titui(^6es modernas. Essa igualdade so se restabeiece pa-
gando aos prejudicados a indenizagao dos danos sofridos.
A indenizacao, sendo satisfeita pelo produto dos im-
postos que os cidadaos pagam, representa a dissemina-
qao por boda a coletivldade do prejuizo que atingira so
alguns.
A obrigacao de indenizar funda-se tambem, nestes
casos, noutro principio: o de que os riscos acarretados
pelas coisas ou atividades perigosas devem ser corridos
por quem aproveite os beneficios da existencia dessas
■coisas ou do desenrolar de tais atividades.
£ 0 principio que justifica a responsabilidade das
entidades patronais pelos prejuizos que os operarios so-
fram em conseqiiencia de acidentes no trabalho ou dos
proprietdrios de veiculos pelos danos que a clrcula^ao
deles produza.
A Administracao deve responder pelos ilscos resul-
tantes de atividades perigosas ou da existencia de coisas
perigosas, quando nao tenha havido forca malor es-
tranha ao funcionamento dos services (terremoto, um
incSndio. . na origem dos danos e nao consiga provar
que estes foram provocados por culpa de quem os sofreu.

240. A Administragao Piiblica assume, tambem, o de-


ver de indenizar os encargos ou prejuizos impostos aos
cidadaos cujos direitos ou interesses legitimos tenham
de ser sacrificados, ao abrigo da lei, em beneficio da co-
letividade.
Sao numerosos os casos em que se veilfica a impo-
siQao de encargos,ou sacrificios de bens ou direitos por
Garintias jtoiciais 545

atos admimsLratJvos praticados ao abrigo da lei ou por


fatos t^cnioos Iicitx>s.
Casos de sacrificio total de dtreitos sao os da desa-
propriagao ou expropriagao per utilidade piibllca e da
requisicao de bens. Ou aqueles em que sao impostas
demolicoes. o arranque de plantas por imperativos eco-
nomicos ou o abate de animals para evitar a propaga-
§50 de uma epidemta.
Ha sacrificio parcial quando apenas sao impostos
encargos que oneram, mas nao suprimera os direitos
subjetivos, como sucede na ocupagao temporaria de xun
terreno ou na submissao de um predio a servidao ad-
ministrativa.
Para que o prejuizo resultante de tais sacrificios
seja Indenizavel, e necessario que seja certo e nao ape
nas provavel, atual, e nao eventual, duradouro, isto 6
com repercussao perduravel no patrimdnio do ofendido,
e nao apenas passageiro ou transitorio.
Estes sacrificios impostos per lei sao indenizaveis
quando a propria lei o determine e nos teimos e pelos
processos nela estabelecidos. Mas, quando a lei nada
disponha a tal respeito e tambem nao determine que
0 sacrificio nao dari lugar a indenizagao, esta pode ser
pedida nos termos gerais de Direito, isto e, sempre que
o dano causado tenha as caracteristicas de indenizdvel.
Ja oportunamente versamos o problema dos danos
causados em estado de necessidade. Vimos, entao, que
o sacrificio de direitos ne^a situagao deveila ser repu-
tado como autorizado por lei e era indenizavel na parte
em que excedesse a justa contribTaigao de cada qual
para os encargos piiblicos e as vantagens colhidas pelos
proprios interessados na aqao administrativa desenca-
deada pela necessidade.
£ muito dificil determinar essa cota de vantagens.
Por exemplo: estd ardendo mn predio e, para evitar a
214•35
546 DIREIXO ADMTNISTRATtVO

propagacao do fogo, os bombeiros introduzem-se nos pre-


dios vizinhos onde destroem Ugagoes propicias a exten-
sao do incendio. Estes danos, causados na propriedade
alheia em beneficio dela, elaro esti que nao sao indeni-
ziveis, salvo se houverem sido excessivos por impericia
ou dolo de quern, os produziu.
Mas, se 0 prejuizo causado a alguns e provocado
para evitar os danos de muitos, jd seri indenizavel. Por
exemplo; para evitar a extensao da inundagao que
ameaga larga drea habitada invadem-se algumas casas
ou alguns terrenos e utilizam-se materials tirades aos
seus donos. Ou ocupa-se forgada e instantaneamente
uma casa particular para, em hora de calamldade pu-
blica, instalar um posto de socorros.

241; O terceiro tipo dos pedidos que podem ser for-


mulados a um tribunal para obter especificamente a
garanlia da legalidade ou de direitos individuals e a ea:-
pedigoo de uma ordem ou mandado judicial.
Vimos que nos sistemas de judicialismo perfeito os
tribunals podem, no decurso da atividade administra-
tiva, intervir nela a requerimento dos interessados ex-
pedindo ordens aos orgaos da Administragao. E que essa
faculdade judiciaria provinha da prerrogativa regia de
que OS tribunals se apropriaram na Gra-Bretanha des-
de o inicio do swulo Xvm,passando a integrar na sua
jurisdigao os antigos "rem^os da prerrogativa" da Co-
roa, OS lOTits. Na Gra-Bretanha importantes leis de 1933
e de 1938 substitulram os writs de mandamus, certiora-
ri 6 prohibition por orders de igual designagao e con-
teiido e mais simples processamento e o quo warranto
pela injunction, deixando apenas subsistir \im linico
writ, o habeas corpus.
Nos Estados Unidos da America subsistem os writs.
GARANTIAS JT7DICIAIS 547

O habeas corpus consiste num. miandado que orde-


na a autoridade administrativa a apresenta^ao ao juiz
de rnna pessoa privada da sua libsrdads de locomo§ao
para que sejam apreclados os motivos da sua deten-
gao e encarceramento e, no caso de prisao ilegal, ser
ordenada a libertagao.
O writ of mandamus e uma ordem k autoridade
para que demonstre as razoss da sua iniativldade ou da
sua decisao negatlva nos cases em que a lei determina
0 que deva fazer e, quando essas razees nao sejam pro-
cedenles, o juiz ordenara que cumpra e dever legal.
O writ of prohibition 6 o mandade que e tribunal
dirige a um orgao para o impedir de intervir em assun-
to fora das suas atribuigoes e competencia.
O writ of certiorari e a erdem de avocagao de um
precesso pendente ou resolvido para ser examinado e
decidldo em recurso.
Os writs of injunction, fundado na Equity, consis-
tem em ordens expedidas aos orgaos administrativos
(pois so estes aqui nos interessam) para que pratiquem
{mandatory injunction) ou se abstenham de praticar
{preventive ou prohibitive injunction) determinado ato.
Estes processos p>elos quais os tribunais nao se li-
mitam a examinar a legalidade de atos definitivos para
OS anular, deixando aos orgaos administrativos o en-
cargo de extrair da declaragao anulatoria as consequen-
cias que ela comporta, mas dao ordens a esses 6rgaos
determinando o que devem, ou nao, fazer no decurso
da sua atlvidade, foram adotados noutros paises judi-
cialistas.
£; 0 caso do Brasil, onde os mandados judiciais fo
ram reduzidos a dois: o habeas corpus e o mandado
de seguranga.
Em ambos, o interessado solicita ao juiz competen-
te que expega uma ordem. No habeas corpus, relevante
548 DiRErro administrativo

no Direito Adimnistrativo quanto a detengoes policiais,


medidas de policia e prisao administrativa, solicita-se
que, verificando o juiz a ilegalidade ou o abuse de po-
der traduzidos em violdncia ou coagao, ou simples amea-
5a delas de modo a privar a psssoa da sua liberdade de
locomogao, ordene a cessagao desse procedinientb, li-
bertando 0 interessado.
No mandado de seguranga solicita-se ao tribunal
uma ordem que iwnha termo a ilegalidade ou abuso de
poder praticado por uma autoridade e que oprima di
reito liquido e derto nao amparado por habeas corpus.

242. Nao e aqui o lugar para versar detidamente o in-


teresslantissirao instltuto do mandado de seguranga no
Direito Brasileiro. Mas a sua importancia justlfica que
nao nos limitemos a uma breve mengao.
Embora quando, nos trabalhos preparatories da
Constituigao de 1934, foi estudada a criagao de^e ins
titute para ocupar 0 vazio deixado pela limitagao do
habeas corpus a sua fungao tradicional (pois a juris-
prudencia do Supremo Tribunal Federal, interpretando
em termos latos a Constituigio de 1891, estendera esse
rem^dio judicial a ticdos os cases em que pudesse exis-
tir violencia ou coacao de qualquer direito ou liberda-
de) OS constituintes invoaassem apenas 0 exemplo dos
writs do Direito anglo-americano e 0 juicio de amparo
mexicano, a verdade e que ele tinha profundas raizes
na tradigao portugueaa.
Desde o seculo XV que nas Ordenagoes do Reino de
Portugal estava aonsagrado o instltuto de seguranga. E
as Ordenagoes Filipinas, promulgadas em 1603 e que
vigorarara no Brasil totalmente ate k Independencia e
parcialmente ate 1917, regulavam a concessao pelos jui-
zes da chamada "seguranga real". Esta seguranga, con-
cedida atraves de mandado judicial, destinava-se a am-
QARANTIA8 JTJDIOIAIS 549

parar direitos ameagados ou a restituir os ofendidos


ao estado anterior; e, emtwra correntes para prevenir
conflitos entre particulares, tamb6m, a lei permitia
que fossem concedidos mandados contra autorida-
des {OrdeTUiqoes Filipinos, liv. 5.°, Titnlo 128 e liv. 3.®,
titulo 78, § 5.0).
O fato de nas Ordenagoes aparecerem, nos lugares
citados, OS dois terraos mandado e seguranga de que
se|Comp6s a designagSo do novo institute e as impres-
sionantes afinidades entre este e o seu ancestral lusita-
no, levam a convicgao de que o autor do projeto da^dis-
poslgao constitucional que vingou (Joao Mangabeira)
conhecia bem os antecedentes historieos no Dtreito
patrio.
Regulado pela Lei n.o 191, de 16 de Janeiro de 1936,
e depois pelo Codigo de Processo Civil de 1939, o man-
dado de seguranga acabou por ter o seu estatuto na
Lei n.o 1.533, de 31 de dezembro de 1951, cujo artigo
1.0 diz: ,
"Conceder-se-d mandado de seguranga para prote-
ger dimito liquido e certo, nao amparadb por habeas
corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do po-
der, alguem sofrer violagao ou houver justo receio de so-
fr§-la, por parte da autoridade, seja de.que categorla
for e sejam quials forem as fungoes que exerga.
"§ 1.0 Consideram-se autoridade, para os efeitos
desta lei, os administradores ou representantes das en-
tidades autdrquicas e das pessoas naturais ou juridicas
com fungoes delegadas do Poder Publico, somente no
que entende com essas fungoes.
"§ 2.0 Quando o direito ameagado ou violado cou-
ber a varias pessoas, qualquer delas poderd requerer o
mandado de seguranga."
Segundo o art. 5.o nao cabe mandado de seguranga:
550 DiREITO ADMIK/STRAirVO

a) de atio de que caiba recurso administrativo com


efeito suspensivo, independente de oaugao;
b) de despacho ou decisao judicial quando haja
recurso previsto nas leis processuais ou possa ser mo-
dificado por via de oorreigao;
c) de ato.disciplinar, salvo quando praticado por
autoridade incompetente ou com inobservancia de for-
malidade essencial."
A doutrina e a jurisprudgncia tgm acrescentado a
esta enumeraqao o caso julgadlo, a lei em tese e os atos
consumados s6 reparaveis mediante indenizagao.

§ 2.0

AS AgOES E OS AXrrORES

243. As OQoes jitdiciais e a garavMa dff, legaUdade ad-


ministTOtiva.

244. O recurso contendoso \administrativo. [


245. Impetragdo de ordem judicial: o mandado de se-
guranga.

246. Suspensdo liminar '.da executoriedade do ato vjn-


pugnadp.
247. Os autores. Titulares de direitos subjetivos e de in-
teresse legitimo e pessoal.

248. Titulares de interesses ccfrporativos e civicos. A


agao -popular e a agdo publica.

243. A pretensao de obter a reintegragao da legalidade


violada por atos da Administragao ou de defender di
reitos ameagados ou ofendidos pela sua atividade pode
originar a faculdade, I'econhecida a certas pessoas, de
Garantias judiciais 551

provocar a intervengao dos tribunals, faculdade desig-


nada por direito de aqdo judicial. Mas o termo agao liao
tem apenas esse sentido subjetivo, e 6 empregado, tam-
bsm, para designar o resultado do exarclcio do direito
de acionar, e assitn se fala na instauragao de uma agao,
diz-se qua a agao prossegue e que fOi julgada, discri-
minam-se e classificam-se as agoes.
Veremos adiante quern tem o direito de agao nas
questoes administrativas, isto e, quem possui legimi-
dade para ser autor.
Principiaremos agora pelas agoes no sentido obje-
tivo. Porque a Administragao pode ser autora ou re
em quaisquer agoes em que uma pessoa juridica seja
suscetivel de figurar. Sobretudo no exercicio da gestao
privada a Administragao ve-se envolvida em relagoes
obrigacionais, reals ou sucessorias, donde podem resul-
tar questoes judiciais processadas segundo as formas
comuns postas ^ disposigao de quaisquer sujeitos de
direit{».
Sempre que alguem se dlrige aos tribunals procura
defender, garantir, realizar um direito e, portanto, fa-
zer valer a Ordem Juridica. Neste sentido pode dizer-se
que todas as agoes judiciais visam a garantia da lega-
lidade e dos direitos individuals.
Mas, em todos os sistemas em que vigora o princi-
pio da legalidade administrativa, isto e, a obrigagao im-
posta a Administragao Piiblica de, na sua atividade, so
bretudo relacional, se conformar com normas gerais, es-
tao previstos meios especificos de garantir a observan-
cia desse principio.
As normas do Direito Administrativo seriam imper-
feitas se nao estivessem apoiadas nessas garantias da
legalidade da Administragao e dos direitos dos admi-
nistrados eomo tais, a completar ou a facilitar o siste-
ma geral das garantias judiciais dos cidadaos.
552 DiREITO ADMIMlSTnA.TrVO

Deixaremos, pois, de lado as agoes que nos sistemas


-judicialistas ppdem sendr para demandar a Adminis-
traqao, de acordo com as leis processuais civis, a fim
de obter a anulagae de atos administratiVos ou a inde-
niza§aD de danos sofridos, quando sejam agoes comuns
a todas as pessoas e revestindo formas de procedimen-
tio tambem comians.
Nao trataremos, tambem, de agao de iiiconstitu-
cionalidade que consideramos do dommio do Direito
Constitucional, pois tern por ebjeto asseguxar o predo-
mmio da lei fundamental do Estado sobre a legislaqao
ordinaria.
Vamo-nos ocupar daqueles meios de acionar que te-
nham algum lago especial csom o Direito Administra-
tivo, escolhendo em especial como paradigmas dois dos
mais importantes: — no sistema administrativo, o re-
curso ccmtencioso, e no sistema judicialista, a impetra-
gdo <ie ordem.

244. Nos paises onde vigora o sistema administrativo,


a impugnagao da legalidade de um ato da Administra-
§ao tern lugar, via de regra, por interposi5aiO do recurso
ccmtencioso.
O recurso e, classicamente, a apela^ao de um 6r-
gSo inierior para outro que, sendo seu superior, pode
anular, revogar, reformer... a decisao dele. E mais de
lima, vez recordamos as circunst§ncias em que nos pai
ses referidos se foi organizando o contencioso adminis
trativo, j^r evolugao do recurso hlerarquico interposto
para o Chefe do Estado ou o seu Govemo. A instruqao
do recurso segundo o procedimento contencioso peran-
te um orgao consultivo colegiado, primeiro, e depois a
transfer^ncia do poder de decisao ou jurisdigao para
esse orgao a que se conferiu independencia, foram as
fases principais da evolugao.
GARANnAS JOTIICIAIS 553^

D© modo que, de inicio, o termo recurso era con-


servado por tradigao do antigo apelo por via hierarqui-
ca. E foi-se mantendo. Mas, k medida que se ia esbaten-
do a recordagao do recurso hierdrquico, tomou-se for-
goso ^contrar nova explicagao para o uso da palavra,
tanto mais que nalguns paises o sistema foi adotado ja
na sua forma perfeita, sem passar pelas fases da evo-
lugao do pals de origem — a Franga.
Notou-se, entao, que n,os paises de sistema adminis-
trativo os orgaos da Administragao possuem prerroga-
tivas de autoridade que Ihes permitem praticar atos-
definitlvos e por si mesmos executorios. Esses orgaos
dispoem do poder de interpretar e de aplicar as leis que
tem por missao executar e as suas decisoes definitivas
sao obrigatorias para os cidadaos e podem ser executa-
das coercivamente. Assim, cabera aos interessados —
digamos; aos administrados — quando nao se confor-
mem com essas decisoes, levar aos tribunais a discussao
da legalidade delas. Os atos administrativos gozam da
presungao de legalidade; aos particulares fica o onus
de ilidir essa presungao, provando que o ato e ilegal.
O ato definitive e executorio surge, assim, como
SKnelhante nos seus efeitos a sentenga de um tribunal
inferior. Houve uma autoridade que declarou o direito
num caso concrete; do seu ato cabe recurso para o tri
bunal a que, por lei, compete rever a legalidade desse
ato.
Para mais, o desenvolvimento e aperfeigoamento
do processo administrative graciosio veio reforgar esta
apar&ncia. O ato definitive e executdrio enoerra um pro-
cedimento em que se seguirara vdrios tramites, apu-
rando fates, ouvindo razees, coligindo pareceres, de
modo que o processo contencioso aparece como seqiien-
cia dease procedimento: as leis que regulam o recxirso
determinam que, interposto este, logo o tribunal requi-
S54 DiREITO ADMINISI-KATIVO

site a Administragao os papels respeitantes ao caso,


que passam a cxinstituir em juizo o "processo instrutor."
E se, nesses paises, o dissidio nasce de um fato,
como freqiientemente sucede nas questoes de indeniza-
gao ou de policia? £ precise que o interessado comece
per se dirigir a autoridade administrativa competente
a formular a sua pretensao. A autoridade tem prazo le
gal para se pronunciar. Do despacho dado, ou da omis-
sao pelo sileneio, cabe entao, o recurso; o ato e sempre
ebndigao previa deste (decision pr^lable).
Nalguns paises, como'a EspanJia, a Republica Fe
deral Alema e em certos cases a Argentina, e mesmo
necessario, para criar a situagao contenciosa, que o
agravado por um ato administrativo comece por for
mular um pedido de reconsideragao (ou "protesto") a
autoridade que decidlu em definitivo (depois de esgo-
tados jd OS meios administrativos). Sem essa nova apre-
sentagao do problema, feita de maneira a enunciar a
materia de fato controvertida e a alegar as razoes de
direito em que se funda a pretensao de anulagao do ato,
de mode a que a autoridade possa reconsiderar ou de-
finir a sua resistdncia formal, nao hd situagao conten
ciosa. A autoridade solicitada funcionou nesse caso
como primeira instdncia de uma questao formulada em
termos de contestagao e da sua decisao cabe recurso.
No recurso contencioso administrativo quern esta
em causa e o ato recorrido. A Administragao, represen-
tada pelo orgao que praticou originariamente o ato e
pelos superiores que o conlirmaram, nao figura como
re, nao defends os seus direitos, apenas justifica a le-
galidade do ato. Teoricamente p interesse da Adminis
tragao e 0 mesmo que o do tribunal; esta interessada
no cumprimento precise, Inteligente, adequado, opor-
tuno da lei. A Administragao, par isso, nao e condena-
. Garantias JtroiciAis 555

da quando o recurso proceda: apemas o aeu ato sera


.anulado.
A situagao e diversa quando o interessado pretenda
obter uma indenizagao por danos sofridos, efetivando
uma responsabilidade. E por isso hd paises onde, nes-
-ses casos, a via judicial a adotar nao e o recurso con-
tencioso e sim a agao ordinixla ou uma agao especial
.adequada a conseguir uma sentenga condenatoria da
.Administragao.

.245. Nos paises de sistema judicialista .escolhemos a


agio de impetragao de ordem judicial como digna de
•especial atengao. Nao sendo privativa do Direito Ad-
minlstrativo sao, todavia, em grande niimero, os casos
por ele regidos a que essa agao se aplica.
E de entre essas agoes ocupar-nos-emos do man-
-dado de seguranga brasileiro, comp paradigma, dado
■ que nele se resumem a tradig^ portuguesa, a tradigao
• da concepgao brasileira do "habeas corpus" e a varie-
-dade dos writs anglo-sax6nios.
A agao considerada visa, como ficou dito, impetrar
■ ou pedir ao tribunal (empregando o termo para com-
preender o juiz singular ou o colegiiado dos tribunals
superiores) que emita uma ordem ou mandado para
ser cumprida por uma autoildade, — que para o nos-
,so caso so interessa quando administrativa, a esta,
pK)is, nos referindo daqui por dlante.
O impetrante pede amparo para um seu direito li-
■quido e certo. Quer dizer que a titularidade desse di
reito 6 o conteudo deste hao de ser demonstradas em
juizo por provas pre-constituidas dpnde ressalte, com
-evidencia, o fundamento do pedido: a agao nao admite
que nela se faga prova de fatos controvertidos. E o jui-
:ZG do tribunal resume-se a, verificados os fatos pela
prova apresentada e a situagao juridica que i sombra
DIREITO ADMDIISTRATnO

ii aplic4vel deles decorre, decidir se no procedimen-


ia aut»rid'ade visada ooorreu iljjgalidade ou abxiso
do poder que fosse causa de viola^afl do direito do im-
petrante ou justificasse justo receio dessa violagao.
Desse processo sumarissimo em que e ouvida a au-
torldade arguida, resultara uma sentenga concedendo
ou negando o mandado de seguranga, o qual deveria
depois constar de um instrumento proprio, como suce-
dia nas Ordenagoes Filipinas, em que o juiz, consicle-
rando tal e tal, mandasse k autoridade que flzesse isto
ou aquilo.
O interesse especial desta sentjenga ou do mandado
estd em que cont^m, portanto, uma ordem a cujo aea-
tamento estd obrigada a autoridade destinataria por
dever de obediencia. Como ordem, e um ato executorio
que nao precisa, para ser executado, de que se instau-
re agao executiva. A execugao do mandado traduzir-se^a.
na realizagao direta e especifica do conteudo da norma
desobedecida, nao consentindo a realizagao indireta ou
por sucedSneos, — indenizagao ou reparagao — que s6
em agao ordindria poderao ser obtidas. E, quando a
autoridade visada nao cumpre a ordem, retirando o ato
ilegal ou praticando a agao omitida, a sangao em que
incorre d a da desobediencia.
A ordem deve ser precisa quanto ao seu objeto de
modo a nao ficarem dhividas legitimas quanto ao corn-
portamento de quern a recebe. E 6 cominatoria: a auto
ridade tern de cumpri-la sob pena de desobediencia.
De modo que esta sentenga do tribunal 6 parti-
cularmente vlgorosa no tocante i observancia imediata,
aproximando-se mais da proferida na agao executiva
do que na cognitiva. Pontes de Idiranda propoe que
estas agoes de impetragao <1© ordem sejam denomina-
das mandamentais, e assim seriam tambem designadas
as suas sentengas.
Garantias judiciais 557

Sera contendosa a a.qa.o de impetrasao d© ordem.


judicial, em especial do mandado de seguranga? Nao
■e aqui o lugar d© discuti-lo, tanto mais qu© a corrente
iargamente dominante na Doutrina brasileira se pro-
mmcia no sentido afirmativo. Mas hd aspectos que fa-
aem pensar. Trata-se d,© um pedido de prote^ao ou de
amparo para direito liquido e certo apoiado em provas
cabals exisfcentes. O tribunal nao esta perante um con-
llito de interesses, mas perante o esbogo dele. Decide
segundo a evidSncia, sem instrugao contraditoria dos
fatos nem alta indagajao do Direito. E 6 sobre uma
verdade que reputa assent© e um direito considerado
liquido e certo, que ©sped© a ordem. Nao se verificam
no processo as caracteristicas da jurisdigao voluntaria,
mas tambem e dificil de encontrar as do procedimento
contencioso, mesmo sumarissimo. O impetrante abor-
da o juiz dizendo: "aqui estao os meus titulos que a
autoridade nao quer reconhecer; vaUia-me!" E expe-
dltamente o juiz, ouvida a autoridade argiiida, decide
para, se for caso disso, Ihe valer.
A decisao do juiz a quern foi impotrado o mandado
esta sujeita a revisao pela via legal dos recursos.
Atingida a sentenga definitiva, ela constitxiird coi-
ea julgada quando reconhega a existencia de um di
reito liquido e certo ou negue a existSncia do direito
alegado, e quanto a ordem expedida. Mas, se nao co-
nhecer do merito, ou negar o mandado por nao ser li
quido e certo o direito, nao exlste coisa julgada, po-
■dendo, confonne os casos, ser renovado o pedido de
mandado ou intentada agao ordinaria para se pleitea-
rem os diredtos controvertidos e os respsctivos ©feitos
patrimoniais.
O esssncial para a impetragao do mandado nao
e, pois, como no recurso contencioso, a existencia de
um ato administrativo definitivo e executorio e ■'tim a
558 DIREITO ADMINISTRATIVO

de qualqnier fato que possa ser qualificado de violador^


ou de ameaga de violagao, por ilegaiidade ou abuso do
poder, de um direito Uquido e certo.
£ curioso que num pais de regime administrative,
come a Republica Federal Alema, exista tambem um
caso de impetragao de ordem judicial: e o das chama-
das "agoes de inatividade". Quando a Administragao-
tenha o dever legal de praticar certo ate e se recuse a.
faze-lo, pode o Interessado obter do tribunal uma sen-
tenga a ordenar ao orgao responsavel pela omissao que-
pratique o ato. Noutros paises do mesmo sistema, o
rem6dio e sempre o recurso contencioso, tomando-se o-
sUencio ou passividade ,d/a Administragao, apos o de-
curso de determinado prazo sobre petigM do interes
sado, como ato tacito.

246. Merece mengao especial a suspensao da executo-


riedade do ato afeto aos tribunals por via de- agao ten-
dente a anula-Io ou a aniquilar os seus efeitos.
Da suspensao dos atos administrativos tratamos
na teoria geral do ato administrativo (atrds n.o 97). Aqui
apenas interessa sublinhar o cardter da medida judicial..
A suspensao e uma faculdade dos tribunals em to-
dos OS sistemas em que a ini;erposigao do recurso con
tencioso ou a propositura de qualquer agao visando a.
anulagao ou ineficdcia de um ato nao tenha efeito sus-
pensivo da executoriedade e eficdcia deste.
O que se pretende obter do tribunal e uma senten-
ga que de remddio a situagao de ilegaiidade criada e
ds suas conseqiiencias. Se as coisas correrem de tal
maneira que, proferida a sentenga, os efeitos da Eega-
lidade cometida forem irremediaveis, ate por repara-
gao pecuniaria, o recurso a Justiga foi inutil.
Portanto, se da execugao do ato impugnado piide-
rem resultar prejuizos irreparaveis ou de dificil re-
Garantias jubiciais 55&

paragao que venham a tomar praticamente ineficaz a


sentenga que o declare ilegal, impoe-se que, logo no
inicio do processo, o tribunal suspenda a executorie-
dade do ato, isto e, confira a agao efeito suspenMvo. -
Em geral esta medida liminar e concedlda a reque-
rimento do autor ou recorrente, mas no Direito brasi-
leiro o juiz pode decreta-la oficiosamente ao despa-
char a Inicial da Impetragao do mandado de seguranga.
Para tomar essa decisao, o juiz precede segundo o
seu prudente artbitrio. Do exame sumSrio da petigao
tern de resultar urn juizo acerca da probabilidade da
exatldao do fundamento dela e da reparabilidade ,dos
danos que a execugae do ato impugnado possa cau-
sar. Mas, estando em causa uma decisao administrativa
que se presume inspirada pelo interesse geral, o tri
bunal nao pode limitar-se a avaliar as repercussoes qu©
a execugao do ato venha a ter na esfera juridica do
autor: tem tambem, de ponderar os inconvenientes que a
nao execugao possa acarretar para a coletivldade. Quer
dizer que a decisao do juiz, ao suspender a executorie-
dade do ato impugnado, nao e uma decisao vinculada
por lei, ficando entregue ao seu poder discricionario.
Dai resulta a faculdade reconhecida k Administra-
gao, em todcs os paises onde esta medida exista, d©
embargar a sua concessao representando ao Tribunal
OS graves prejuizos qu© da suspensao imediata da pro^
videncia impugnada podem resultar para o interesse
piiblico. A Lei Brasileira n.o 4.348, de 26 de jimho de
1964, art. 4.°, especifica mesmo a necessidade de evi-
tar "grave lesao a ordem, a saude, ^ seguranga e a eco-
nomia publica." A medida liminar poderd, quand'o jul-
gadas procedentes estas razoes, ser revogada oui por sua-
vez suspense.
S60 DiRErro administhativo

247. Passemos a legitimidade dos autores nas agoes


visando o restabeleclimento da legaJidadS' administrati-
"va ou a defesa e reintegragao dos direitos individuals
-ameagados ou ofendidos.
O proprio enunciado do objeto das agoss permite
admitir uma distingao quanto requi^tos que qua-
llficam as pessoas para serem consideradas titulares
do dir,eato de acionar a Adminisftragao ©m juizo. 5fa
verdade, quaudo se trata de defender um direito amea-
gado ou de reintegrar um direito ofendid,o, so deve ssr
admitido ^em juizo quem alegar ser o titular do direito.
subjetivo em questao. Mas, quando esteja em primeiro
lugar a legalidade da Administragao (embora reflexa-
mente se defendam direitos subjetivos), as leis podem
:aJargar as facilidades de acesso aos tribunais, conten-
tando-se com um interesse direto, pessoal e legitimo no
provimento do recurso, com um simples interesse cor-
porativo ou civico ou permitindo mesmo a entidades
publicas que requeiram aos tribunals o restabelecimento
•da legalidade.
O problema esta, entao, em distinguir o direito
subjetivo do simples interesse, sobreJtudo quando nao
-lia o cuidado de dizer qual o objeto deste interesse.
Para mim, o direito subjetivo e o poder reconhe-
cido a vontade de tragar a propria conduta ou de con-
dicionar a conduta alheia reconhecido pela Ordem Ju-
.ridica a alguem para realiZar um seu interesse certoi
•e determinado, quando e como entenda conveniente.
O interesse sera qualquer utilidade ou vantagem
considerada em relagao a certa pessoa. Quando se em-
prega o termo na linguagem juridica, contrapondo-o
•ao direito subjetivo, significa um interesse diosaSom-
panhado do poder de agir ou d© exigir de outrem. Sera
tegitimc, D interesse, se nao contrariar 'a Ordem Juri-
•dica e ate pode por ela ser protegido e reflexamente
Gaeahtias jxjdiciais 561

laeneficiado. Uma dessas fonnas de beneficio reflexo re


side em ctonceder a faculdade de estar em Juizo ao'seu
*

titular para assegurar o interesse publico da legalida-


de. Consente-se que tenha acesso ao tribunal quem quer
que da anulagao do ato ilegal possa retirar alguma uti-
lidade ou vantagem. A Ordem Juridica nac deve tole-
rar os atos pratieados contra ela propria pelas autori-
dades encarregadas de a manter, Para defesa da sua
integridade, protege entao, reflexamente, todos os inte-
xesses que possatn beneficiar com a eliminagao do's atos
ilegais.
Dai que nos recursos contenciosos fixndados em ile-
galidade do ato administrativo (e nao na ofensa dos
direitos individuals) se permita que requeiram a anu-
lagao OS titulares de interesse direto, p- essoal e legiUmo
no provimento do pedido. preciso que o recorrente
possa retirar da decisao favordvel uma vantagem ou
utilidade imediata nao reprovada pelo Direito, para a
sua propria esfera juridica.

248. A exigdncia da pessoalidade interesse — isto


e, da integra9ao da vantagem na propria esfera juridica
do autor — desaparece nos casos do interesse corpora-
tivo e do interesse cixfvco.
Interesse corporativo e o de uma associaQao, de uma
profissao, de uma classe... A lei pode conferir a qualquer
membro desse grupo especial a faculdade de ir a juizo
impugnar a legalidade de um ato da Administragao
que repute prejudicial para a sua associagao, a sua pro
fissao, a sua classe. Nao se deve confundir este interes
se ou utilidade difusa de todos e cada um dos mem-
bros do grupo atingido pelo ato ilegal com o inter^se
de uma associagao representativa da classe ou da
profissao... o qual, ^ando atribuido a unm pessoa ju
ridica, 6 pessoal dela.

244-36
562 DiREITO ADMmiSTSATIVO

Interesse civico e o do membro de xima comuni-


dade politica ou administrativa a quem, como cidadao,
a lei reconhega interesse na preservagao do patrimdnio
coletivo ou da legalidade administrativa em geral. Nasce
assim o 'direito de estar em juizo resonbecido a qual-
quer psssoa do povp (agdo popular).
A acao popular e tradicional no 'Direito Municipal
portugues sob duas modalidades: como direito de qual-
quer municipe a defender e reivindicar os bens publicos
ou do patrimdnio municipal contra as tur'oagoes de
posse ou apropriacao abusiva, mediante as agoes judi-
ciais cabiveis, e como faculdade de 'impugnar nos tri
bunals administrativos os atos dos 6rgaos municipais
que considere Hegais. Estas faculdades foram depois
generalizadas a todos os orgaos da administragao local
chamada autarquica, isto e, de psssoas juridicas "terri-
toriais.
No Brasil, a agao popular foi consagrada no § 38
do art. 141 da Constituigao de 1946, donde transitou
para o § 31 do art. 153 da Constituigao de 1967/69.
Na primeira versao dizia-se: "Qualquer cidadao sera
parte legitima para pleitear a anulagao ou a declaragao-
de nulidade de atos lesivos do patrimonio da Uniao, dos
Estados, dos Municipios, das entidades autarquicas e
das sociedades de economia mista". Na versao de 1959
le-se: "Qualquer cidadao sera parte legitima para pro
per agao popular que vise anular atos lesivos ao patri
monio de entidades publicas". O exercicio da agao po
pular foi regulado pela Lei n.o 4.717, de 28 de junho de
1965, onde, porem, a agao aparece considerada como
procedimento (agao de nulidade) e nao como faculdade
de estar em juizo, e o patrimdnio publico d definido em
termos amiplos ,(bens e direitos de valor econdmiop,
artistico, eatetico ou hist&rico).
Garankas judiciaxs 563

A razao pela qual a lei admite o Interesse civico


como fundamento da leptimidade e julgar necessSxia a
participaQao dos cidadaos na administra^ao da coieti-
vidade. Essa participagao deve ser garantida por meios
poUticos e admlnistrativos, mas nao ha razao para im-
pedir que se estenda aos meios judiciais quando aque-
les nao sejam suficientes para prevenir on corrigir des-
mandos, ilegalidades ou lesoes patrimoniais. A repre-
sentagao, na democracia, nao deve isentar os cidadaos
representados de zelar pelos interesses coletivos: essa e
uma das manifestagoes remanescentes da democracia
dlreta nos regimes representativos. A vi^o do institute
k escala nacional cbriga a coloci-Io em tennos politicos,
diferentemenbe do que sucedia na foimula portuguesa
em que, restrito ao ambito de pequenas autarquias
locals, podia ser considerado a outras luzes. Especial-
mente quando a lei portuguesa, ao permitir ao cidadao
a reivindicagao ou defesa de bens municipals ou paro-
quiais Ihe garantia, em caso de vitoria judicial, o di-
reito ao reembolso das de^esas feitas com a agio pro-
oedente. Entao, podia admitir-se que o autor popular
fosse um 6rgao supletivo do municlpio ou da paroquia,
suprindo com a sua diligencia a omissao dos orgaos
eleitos.
Finalmente, as leis em quase todos os paises admi-
tem que o Ministerio Publico, oficiosamente ou sobre
representagao ou petigao de particulares, hem como
quando receba instrugoes do Governo, possa intentar
agoes judiciais tendentes a anular atos administrativos
que sejam insusoetiveis de revogagao pela autoridade
autora ou pelos superlores hierarquicos desta: e uma
das formas da agdo publica.
A outra forma que a agao publica pode revestir 6
a interposigao de recurso obrigatdrlo pela autoridade
que tome oerto tipo de decisoes. As leis, efetivamente,
564 DiREITO ADMINISTRATIVO

em muitos paises determinam que os autores da deter-


minadas categorias de atos, especialmente quando con-
trarios aos interesses da Fazenda Nacional, interpo-
nham recurso do proprio ato para o tribunal compe-
tente. E ha paises em que as autoridades autoras de
atos constitutivos de direitos, quando verifiquem a ile-
galidade deles sem os poderem revogar, devem recorrer
elas proprias aos tribunals sem necessidade da inter-
vengao do Ministirio Piiblico.
INDICE ALFABETICO DE ASSUNTOS

fOs algarismos ndo indicam as pdginas, mas os numeros


das Tubricas do sumdrio onde os assuntos sdo vcrsados).
Abreviaturas: a = administragdo; a.a. = ato administra-
tivo; c.a. = contrato administrative; v. = veja; s.p. = ser
vice publico; s. — e seguintes.

Agents administrativo, 157,


161. 163, 164, 166, 168, 169
Abandono de cargo, 174 Ajuste direto, 104
Abuso de autoridade, 153 Ameaga de lesdo, 56, 218, 245
-4cao Anulabilidade, 86
disciplinar, 178 Anulagdo, 88. 91, 116, 235, 236
judicial, 234, 243 Apolice do ^ornecimento, 123
de inatividade, 245 Arrendamento, 134
mandamental, 245 Asslnatura s. p., 124
popular. 248 Assistencia financeira, 138
publlca, 248 ilssociafao projissionais, 12, 28
Aeeitacao (do a. a.), 95 Ata, 67
Declaragdo (do a. a.), 71 Ato, 45
Adjudicagdo, 106 funclonal, pessoal, 238
Administracao. 6 de poHcia, 155
boa a., 81, 216 jurisdicional, 52, 89
ativa, 213 da administracao. 46
direta, 12, 24 Ato administrativo, 53
indireta, 8, 12, 14, 24 definitivo, 56, 78
ciencia da, 33 executorio, 57, 244
Administragao Publica, 8, 7, interno, 59
14, 18, 47 constitutivo, 59. 89, 90
Administrativa Tribunal, 229 declaratorio, 59
Admissdo, 123 inovador, 59
Afetagdo, 183, 187 consequente, 94, 236
Agente da a., 23, 157 intencional, 49, 98
566 DiRKITO ADMIHISTRAITVO

recepticio, 72 diseiplinar, 178


tacito, 49, 72, 245 exclusiva, 92
precario, 72, 90 revocatoria, 92
renunciavel, 72 Competigdo ou concorrdicia,
revogavel, 72, 90 121
preparatorio, 66, 78 Concessao (de s. p.), 12, 27,
de execucao instantanea, 90 127, 128
Atribuigoes, 62 ato de, 129
Atualizaeao do s. p., 110, 120, forma, 129
131 fiscallzaeao, 132
Audiencia, 232 Concessao de obras publicas,
Autarquia, 12, 25, 126 134
Autonomia, 35, 222 Concessao
Autoridade, 15, 58 de bens publieos, 188
Autorizagdo, 155, 189 de aproveitamento do do-
Avocagao, 64, 92 niinio, 192
B
de exploracao de doimnio,
195
Bern publieo, 203 Concorrencia (na c. a.), 104
Bens, 122, 179, 181, 198, 200 ConcuTso (v. licitasao)
Condigdo, 98, 116
Conduta, 47, 62, 172
Caducidade (c. a.), 116 Confirmagdo (do a. a,), 95
Caso Conflitos de competincia, 63
concrete, 51, 69, 79 Conselho de Estado, 215, 216
de forga maior. 111 Confeneioso, 218
imprevisto. 111 adminlstrativo, 217
Causa, 68 Contrato administrativo, 46,
Ciincia da Administracdo, 33 99 e s.
Circunstandas, 176
Controle (v. tutela),
Classificagdo
Conversdo (do a. a.), 95
da a. a., 54
Convite, 104
dos bens, 187
Cooperativas, 12
Cldusulas regulamentares (no
Culpa, 110, 172, 238
c. a.), 107
Custo historico, 142
Coisa julgada, 89, 217
Colaboracdo com as autori- D
dades, 153
Comercio juridico, 183, 185 Danos sociais, 149
Comissoes (nos Estadoss Uni- indenizaveis, 237
dos), 132, 229 Declaragdo de utilidade pu-
Competincia, 62, 64 blica, 204, 205
IndICE ALFAB&nCO DB ASStTNTOS 567

Defesa (direito de), 232 Dominialidade


Definigdo, 45 fundamento, 182
Delegacao de competencia, 23, eessa§ao, 196
36, 64, 92 Dominio

de gestao, 127 publico, 179, 187


Denuncia (do c. a.), 116 emincnte, 181
Departamento, 31 privado, 183
Duplo controle, 230
Besafetagdo, 183, 196
Besapropriagdo, 198, 200, 201, E
207
Efeitos
Bescentralizacdo, 36
do a. a., 56, 69
Desclassificacdo, 196
da revogagao, 94
Desconcentracdo, 36 da declaragao de s. p., 205
Desobediencia, 174 suspensive e devolutlvo, 56,
Destinatdrios (do a. a.), 72 219
Bestruicdo de bens, 201 Eficdcia
Desvio de poder, 80 83 do a. a., 60, 72
Deveres dos agentes em geral, da desaproprlagao, 207
170, 173, 174 Elementos
de fidelidade, 166 do a. a., 61
de obediencia, 167 acessorios, 98
Bevolucdo de poderes, 12, 36 Empresas publicas, 12, 26, 126
Direito Administrativo, 16, 18, Encampagdo (do s. p.), 141
90
Equagdo financeira (c. a.),
Direito Publico, 4, 5, 180 115, 133
Eqiiidade, 236
Direito
Erro
subjetivo, 22, 247
vicio de vontade, 68, 74, 82
sub. publico, 191
de escrita, 96
de respeitar a representa-
obstaculo, 75
eao, 167
Espagos, 181. 183, 187
liquido e certo, 245
Estabelecimento (do s. p.),
de regresso, 238
122, 134, 139, 186
Direitos
Estabeleaimeiitos publicos, 12
individuals, 212 Estado
reais administrativos, 180 global, 7, 8, 101
Disciplina, 125. 148, 154, 170, administra?ao, 7, 8, 12, 13,
178 101
Divisdo do territorio, 33 federal, 7, 24
Dolo, 74, 82, 172, 238 Estatuto dos ]unciondrios, 158,
Domieilio, 153 164
568 DiREITO ADMINISTBATIVO

Exaustdo dos meios adminis- a


trativos, 56, 220
Garantias, 211 e 213
Exoesso de poder, 76
Gesfdo
Exclusivo, 121, 137
publlca, 15, 163
Execugao, 73 privada, 15. 46, 163
previa, 57 direlto do s. p,, 126
eontinuada, 97 Indlreta, 127
do c. a., 110
Executoriedade, 72 H

Exercicio do comircio e in- Habeas corpus, 241


dustria, 97 Hierarquia. 34, 56. 03, 92, 213,
Extinqdo do a. a., 87 219

Falencia, 108 Igualdade de encargos pdbli-


Falta residical, 171 cos, 239
Faltas ao servigo, 174 Imprevisdo, ill, 114
Fim (v. caso imprevlsto)
dd'a. a., 70, 80, 81, 82 Imputagdo, 23
de utilldade piiblica, 204 Incompetencia, 77
do poder de policia, 149 Indenizagdo
Fins multiplos, 12 de resgate, 142
Fiscalizagdo na desapropriaQao, 205, 206
do c. a., 109 por servidao a., 209
da concessao s. p., 132 em estado de necessidade,
Pisco, 8 233

Fomento, 19, 117 pedida em acao, 237, 240


Forga maior, 233 Indisponibilidade dos bens,
183
Forma, 66, 67
InexistSncia (do a. a.), 84, 90
do ato de revogagao, 93
Infragdo disciplinar, 170, 173
do c. a., 107
Instituigdo, 23
do atos processuals, 232
Institutos publicos, 12
Formalidades, 66, 227
Intengdo, 74, 172
Funciondrio, 159
Interessados, 72, 94, 232
Fungdo, 13 Interesse
jurisdicional, 217 legitlmo, 22, 247
Fundagdo piiblica, 12, 28 civlco, 248
Fundamentagdo (do a. a.), corporative, 248
68, 83, 232 social, 203
InDICE ALFABiTICO DE ASSUNTOS 58!>

Interesses Mudanga de destino de bens,


gerais, 148 208
pessoaiS; 62, 103, 183 Municipio, 9, 10, 11
transpessoals, 62, 103, 183
N
reciprocidade de, 115
Interpretacao Nacionalizagao de empresas,
do a. a., 71 106, 126, 200
do c. a.. 115 Necessidade (estado de), 233
Intervengdo Neeessidade publica, 203
na vida economica, 25 Necessidades coletivas, 117,.
tutelar, 35, 224 118
Intimidade, 153 Nomeagdo, 69, 72, 101, 165
Normas, 17, 38, 51
Nulidade
Judicialismo (v. sistema) do a. a., 83
Jurisdigao, 217 do e. a., 116
Justica, 150, 153
O
L
Objeto
Legalidade, 16, 211, 228, 243 do a. a., 69, 79
soeiallsta, 230 do c. a., 101, 110
Legitimidade (na a?ao), 234, Oeupagdo tempordria, 198
247, 248 Ombudsman, 212
Lei, 38, 39, 79 Operagdes naturais, 46
Licenga, 155, 192, 193 Operagdo de policia, 155
Licitagdo, 104, 105 Orgamento, 36
Louvores, 170 Ordem ilegal, 167
Ordcm de servigo, 167
M
Qrdenagdes Filipinas, 74, 242,.
Md-fe, 74 245
Mandado de seguranga, 241, Organlzagdo
242, 245 dos services, 33, 34
Medida liminar, 97, 246 regulamentos de, 42
jVfedidas de poUeia, 150, 152 drgdo, 14, 22, 23, 47
Minuta do c. a., 106, 107 consultivo, 213
Modificacoes no c. a., 110 local, 63
Modo, 98 do poder do Estado, 230
Monopolio, 121
Moralidade administrativa, 81
Motivos do a. a. 68, 71, 74, 83, Paiges socialistas, 230
98 Parecer, 68
570 DlREIXO ADMINISTRATTVO

PaTlamento, 212 de garantia. 141


Partes, 72 das licengas, 193
Patrimonio, 28, 183, 248 Praxes administrativas, 71
PatriTnonialidaie dos oflcios, Pre-aviso, 116, 141
158
Fregos politicos, 124, 138
Premeditacdo, 172
Peddgio, 190
Pr&mio de evicgdo, 142
Pedido (na asao), 234
Pressupostos, 69
Penas, 150. 151, 171, 177
Prestacdes, 32, 101, 118, 119,
Perigo, 148, 149. 152, 233
123, 124
Permissdo (v. licensa)
Presuncdo de legalidade, 97
Personalidade, 21. 22
Prcvencdo, 146
dupla do Estado. 8 Principios gerais, 3, 79
Pessoa, 21, 22 Principio do minimo prejuizo,
juridica, 21. 157 209
de fins multiplos ou espe- Procedimento, 217, 227
cials. 12, 24 Processo
de direlto piiblico ou priva- noeao, 227
do, 24
regulamento de. 42
territorial, 24
contencicso, 91, 217
Petigdo (direlto de), 212, 218, disciplinar, 171
231 de formag^ ou c. a., 106,
Poder jurldico, 22 115
jurisdlcional, 22, 65 Processo administrativo gra-
vlnculado, 65, 70. 75 cioso, 57, 66. 68, 70, 78, 93,
discricionario, 65, 70, 71, 76, 115, 217, 226, 233
80, 106, 149, 155, 177, 204 Prokuratura, 230
Poder Proposta de c. a., 104, 106
regulamentar, 39, 41 Propriedade publica, 179. 185
disciplinar, 178 Proprios nacionais, 183, 184
de superintendencia, 213, Protesto preliminar, 91, 244
219 Provimento, 165
Poderes pubUcos, 50 Publicagao (do a. a.), 72, 232
hierarquicos, 34, 92
Q
Policia, 145 a 152
regulamentos de, 42 Qualificagdo, 173
limites do poder de. 153
do dominio piiblico, 189 R
especial, 156 Ratificacao
Politica, 38 do a. a., 95
Pmzo do c. a., 116
da concessao, 135 Reclamacdo, 218
InDICE AlFAB^ITICO HE ASSTOTOS 571

Jiecompensas, 170 Revogagdo


Reconsideragdo, 218, 231 do a, a., 87. 88
Jteforma (do a. a.), 95 dos atos delegados, 92
RCCUTSO Rios, 187
hierirquieo, 219, 221, 231 iJisco
contencioso, 244 t^cnico, 131
Regimento, 42 responsabilidade por, 239
Registro, 105 S

Regulamento, 39, 40, 44, 51 a Sacrz/:cio de direitos, 240


235 Sangdes
Regulamentagdo do a. a., 84
do 5. p., 120 do c. a., 116
de servigo concedido, 131 do concessiondrio s. p., 140
Regularidade do s. p., 120 dlsclpllnares, 170
.Remuneragdo do c. a., 103 Seguranga, 242
Repressdo disciplinar, 171 Separagdo de poderes, 215
Requisigdo, 198 Seqiiestro na concessao, 140
Requisitos do a. a., 61 Servigos
iJesctsao
nogao, 29, 30
do c. a., 116 administratlvo, 29, 118, 170
da concessao, 143 centrals e locals, 33
Reservas, 184 autonomos, 35
Resgate (v. encampaoao) Servigo pdblico
.Responsabilidade
generalidades, 26, 32. 100,
117, 118, 128
disciplinar, 175
civil, 238
atuallzagao do, 131
gestao do, 119, 126, 127
solidario, 238
por risco, 239 classillcagao, 119
por ato licito, 240 Serviddes administrativas, 209,
210
pela utUizagao do s. p., 125
Sermarias, 184
Rsstrigoes ao direito de pro-
Silvicolas, 184
priedade, 210
Sistema
Retlficagdo do a. a., 96
de normas, 3
Retroatividade do a. a., 73, 95, judlciaUsta, 214
116
administratlvo, 215
Retratacdo, 88
Socialismo municipal, 11
Retrocessdo (v. reversao) Sociedade
Reversdo de bens expropria- de economla mista, 12, 27,
dos, 208
127
Revogabilidade, 89 de economla publica, 127
Revisdo do processo, 93 unipessoal, 26
572 DIREITO ADMINISTRATn'O

Subconcessfio, 139 Vsos


Substrata, 21 civicos, 209
Sujeigdo no o. a., 103 comuns, 188, 189, 190, 191
Superior hierdrquico, 34 privativos, 188, 192, 193, 194
Supervisdo, 37, 223 Vsudrio (V. utente)
■SaspsTwao Vtente, 123, 125
do a. a., 97, 219, 246
Vtilidade publica (v. declara-
do a. inconstitucional, 224
Sao), 181. 182, 183, 197, 198,
203
Utilizagdo
Tabelamento, 124
do s. p., 123
Tarifa, 124, 133, 138 dos bens piiblicos, 188
Taxa, 124, 190
Tec7iica, 38
Terceiroa, 73, 232
Validade do a. a., 60, 72, 74
Termo, 98, 116, 144
Veto, 97
Terras devolutas, 184
Vicios do a. a., 76, 235
Titulares dos drqdos, 23, 48
Tomada de pregos, 104 yfcio de forma, 226, 236
Transferencia de bens ou Vida privada, 153, 167
direitos, 201, 202 Vigildncia, 154
Transgressdo, 151 Violagdo de lei, 79
Trespasse, 139 Voluntariedade na infragdo,
Tribunals 172

administratlvos, 217 Voniade


de contas, 213, 225 nogao, 23
Tutela administrativa, 35, 37, funcional, 48
97, 130, 222 coletiva, 48
normatlva, 49
U
deelarada, 75
Universalidade, 122, 186 W
Urgencia da desapropriagdo,
206 Writs, 241
fNDICE SISTEMATICO

Sumario 9
Palavras preliminares 11
INTRODUCAO 15

1. Razao da import&ncia e oportunidade do estudo do


conceito de Direito Administrativo 19
2. Necessidade de um conceito de Direito Administra
tivo que aspire a ter validade universal 20
3. O Direito Administrativo considerado como disei-
plina cientifiea, Isto i, como sistema de normas .. 21
4. Possibilidade de elaboracao de uma teoria geral do
Direito Administrativo, independente de qualquer
direito positive determinado, mas tendo em conta o
maior niimero possivel de sistemas nacionais 22
5. Em que modelo juridico-politico consideraremos as
instituigoes do Direito Administrativo 23
6. Administragao, em geral, e Administragao Piiblica,
em especial. As duas acepgoes principais desta ulti
ma expressao: como atividade e como organizagao 25
7. Sera Hcita a identificagao da Administracao Publl-
ca com a Administragao do Estado? Diversas acep-
goes da palavra Estado. Estado-Global e Estado-
Administragao 27
S. O equivoco da chamada "dupla personalidade do
Estado". As duas citadas acepgdes da palavra Estado
correspondem a realidades diferentes 29
9. Entidades territorials que no seio do Estado-Global
atuam administrativamente a par do Estado-Admi-
nistragao: os Municipios 31
10. Importancla que, fora da Pranga, tiveram as insti-
tuigoes municipais nas origens do Direito Adminis
trativo 33
574 DIREITO ADMINISTRATIVO

11. De como 0 predominio da administra?ao municipal


na Gra-Bretanha foi um dos fatores da resistencla
a introdugao do Direito Administrative nesse Pais 35-
12. Cria5ao de entidades juridicas para assumirem o
desempenho de atividades a cargo das entidades
territoriais: a administracao indireta 36
13. A Administragao Publica considerada como ativida-
de nao se pode confundir com a funcao administra-
tiva do Estado. Caracteristlcas materiais e forraais
das fun?oes do Estado. Nao ha relacao necessdrla
entre a natureza dos orgaos e a das suas fungoes 40'
14. Caracteres da Administragao Publica 44
15. A atividade da Administracao Publica pode decorrer
nos termos em que o Direito regula as relagoes entre
pessoas iguais (gestao privada) ou utilizando auto-
ridade nas relacoes qua trave (gestao publica) ... 45
16. A autoridade da Administragao Publica exprime-se
pela decisao executoria 47
17. Normas qua constltuem o Direito Administrativo;
relacionais, org&nicas e processuais. Importlincia da
distincao entre as normas fundamentals e normas
construtivas ou instrumentais para detcrminar. no
conjunto das normas, quais as que possuera carater
administrativo 49
18. Concetto de Direito Administrativo 52
19. Sistematizaqao do Direito Administrativo 53'

PARTE I — TEORIA DA ORGANIZAgAO ADMINISTBATIVA

Capitulo I — As Pessoas Juridicas


20. Importancia da personalidade juridica na teoria da
organlzacao admlnistrativa 58-
21. A personalidade juridica como quallficagao de um
substrato 58'
22. Os interesses que justificara a personalidade 61
23. A vontade da pessoa juridica. Teoria do orgao ..: 63:
24. Pessoas juridicas de direito publico e de direito pri-
vado. Pessoas territoriais. Admlnistraqao dlreta e
indireta G5''
25. Autarqulas ■ 67
26. Empresas publicas 69'
27. Sociedades de economla mista i 72
28. Fundaeoes publicas .....j 74
Indice sistemAtico 575'

Capitulo H — Os Servisos
29. Nogao de serviso administratlvo 77
30. Classificagao dos servisos administrativos 78
31. Unidades funcionais e unidades operacionais 79
32. Servi?os piibllcos ou de utilidade publica 81
33. Tipos de organizagao dos servigos 82
34. Organizagao vertical. Hierarquia 84
35. Autonomia. Autonomia adininistrativa e financeira 86
36. Descentrallzagao e desconcentragao 89
37. Tendeneias centripetas e centrifugas na administra-
gao. Tutela adininistrativa e supervisao 90'

PAKTE n — TEORIA DA ATIVIDADB ADMINISTRATIVA

Titulo I — As FoTTuas

Capitulo III — Regulamento


38. A legalidade na administragao 95-
39. Conceito formal de lei e de regulamento 9T
40. Regulamentos complementares e rcgulamentos auto-
nomos 98
41. Fundamento do poder regulamentar da Admlnis-
tragao 88
42. Classes de regulamentos autonomos 100
43. Regulamentos gerais de adminlstragao publica 102
44. Os regulamentos subordinadcs a lei 108

"" Capitulo IV — Ato Administrative

§ 1.° — Conceito do ato administratlvo

45. Nocao de ato. O ato juridico. Metodo adotado para


a definieao do ato administrative 106"
46. Variedade de atos praticados pela Adminlstragao.
Primeira tentativa de isolamento dos atos adminis
trativos 108
47. O ato administratlvo como conduta de um drg§o'
de Administiacao IIV
48. Voluntariedade da conduta. O que deve entender-se
por vontade em Direito. Vontade psicoldgica, vonta-
de individual ou coletiva, vontade funcional 112
S76 DIREITO ADMIHISTRATIVO

49. Vontade normativa: importancia deste conceito em


Direito Administrative. Exemplos; o caso do ato ta-
cito. A vontade normativa confundir-se-a com a
valora^ao da conduta? Na vontade normativa nao
interessara nunca a vontade psicologica? 114
50. Unilateralidade do ato administrativo. Exercicio de
um poder piiblico 116
51. Diferencia§ao do ato administrativo e do regulamen-
to. A resolugao de easos coneretos 117
52. Diferenciasao do ato administrativo e do ato juris-
dicional IIS
53. Dafinisao de ato administrativo 121

S 2.° — Classitica?ao dos atos administratlvos

■'54. Classificagao e tipologia. Diferenea 121


.55. Importancia da classificagao dos atos administra-
tivos. Inconvenientes do sen abuso. Criterio a adotar
numa teoria geral 122
'56. 1.^ classificagao: Atos definitives e nao-definitivos 124
57. 2,a classificagao: Atos executdrios e nao-executorlos 126
58. O ato definitive e executorio como manlfestagao da
autoridade admlnistrativa 128
.'59. 3.a iclassLficagao: Atos constitutivos e nao-constitu-
tivos 129

I 3,0 — "Validade e eficacla dos atos administratlvos

'60. Existencia, validade e efiedcia: nogoes 131


•61. Requisites de validade do ato administrativo 132
'62. 1.° Requislto: Compet#ncia do orgao, Distingao entre
atribuigoes e competencia 133
•63. Delimitagao da competencia 136
-64. Delegagao de competencia 138
'65. Conteiido da competencia; Poderes funcionais. Po-
deres vinculados e poderes disciicionarios 141
'66. 2° Requislto: Regular formagao e expressao da von
tade. Conceito de formalidades 143
'67. Forma do ato 145
68. Pundamentagao do ato. Os motlvos 147
69. 3.0 Requislto: Certeza e legalidade do objeto 149
"70. 4.0 Requislto: Legalidade do fim visado 152
^1. Jnterpretagao do ato administrativo 155
iNDICE SISTEMATICO 577

12. Efic&cia do ato 158


73. Requisites de eflcdcia: Eticdcia temporal 164
§ 4,0 Hegalldade do ato administrativo; viclos e sanQoes
"v 74. Viclos da vontade e vicios do ato 165
75. Diverglncia entre a vontade real e a vontade de-
clarada 168
*76. Vicios do ato administrative 171
77. Vicios que afetam o requisite da competSncia 172
78. Vicio da formagao e expressao da vontade 173
79. Vicio do objeto 174
80. Vicio da legalidade do flm 176
81. O desvio de poder como ilegalidade 177
82. Como se gera o desvio de poder 179
83. Prova do desvio de poder 181
84. Inexistencia e Invalidade do ato. Tipos de sangoes 181
85. Nulidade 184
86. Anulabilidade 186
^ 5.0 — Extingao, alteraqao e suspensao do ato administrativo
87. Extinqao, revogaqao, substituiqao e alteraqao do
ato administrativo 188
88. Conceito de revogaqao 190
89. A revogafailidade sera caracteristica do ato admi
nistrativo? 191
90. Atos revogaveis e irrevogaveis 193
91. Revogaqao dos atos ilegais suscetiveis de impugna-
cao judicial 195
•92. Compet^ncia para revogar 193
93. Forma e processo da revogacao 200
94. Efeitos da revogaqao, quanto aos efeitos, i epoca,
as pessoas 201
95. Ratificagao, relorma e conversao 204
96. Retifieacao dos erros 207
97. Suspensao da executoriedade do ato pela Adminis-
traqao ou pelos Tribimais 209
98. Elementos acessdrios do ato: efeitos da Uegalidade 212

Capitulo V — Contrato Administrativo


§ 1.0 — Conceito de contrato administrativo

99. Posiqao do probiema do contrato administrativo .. 215


100. Definigao generica de contrato 218

944-37
578 DntEiro administrativo

101. Poderao as entidades de Direlto Piiblico vincuJar-se


por contrato? As diversas teses em presenga 217
102. Nogao de contrato administratlvo 222
103. Prlnciplos que regem o contrato administratlvo:
a clausula de sujeigao e a cldusula de remime-
ragao ; 224

1 2.0 — Regime do contrato administratlvo

104. Formagao dos contratos da Admlnistragao 229


105. O processo da licltagao 231
106. As propostas dos llcitantes. AdJudicagSo 233
107. Forma do contrato ...• •. 236
108. Carater pessoal da execugao do contrato 237
109. Fiscalizagao da execugao pela Admlnistragao ..... 238
110. Alteragoes na execugao por vontade dos contraentes
ou por ato do Poder • 239
111. Alteragoes na execugao independentes da vontade
dos contraentes. O case de forga maior e o caso im- •
prevlstp .... 2i5.
,112. A chamada "teorla da imprevlsao" 247
113. Fundamento da revisao dos contratos por caso Im-
previsto 249
114. A imprevlsao nos contratos adminlstratlvos e dimi-
nuig^ atual da sua importancia 259
115. Interpretagao dos contratos adrainistratlvos 263
116. Extlngao dos contratos administrativos 256

Titulo 11 — Os Modos

Capitulo VI — Servigo Piibllcos

§ 1.° Nogoes gerais

117. o servigo piiblico como modo da atividade adminis-


trativa 263
118. Nogao de servigo piiblico ou de utilldade pdbllca ., 265
119. Classificagao dos servigos piiblicos 268
120. DIregao e regulamentagao 279
121. Exclusive ou competigao na prestagao dos servigos .. 273
122. Estabelecimento do servigo 276
123. Utilizagao pelo piiblico 276
tNDICE SISTEmATICO 579

124. Retrlbuisao das prestagoes. Tarlfas e taxas 282


125. Responsabilidade dos utentes 286

I 2.0 Gestao dos servigos publicos. Da concessao em especial


126. Gestao direta 290
127. Gestao indireta ' 294
128. Concessao de servlgo piiblico. Nogao 297
129. Natureza juridica do ato de concessao 299
130. Poderes e direltos do concedente 301
131. Poder regulamentar e de atualizagao 302
132- Poder de fiscalizagao 303
133. Poderes financelros 305
134. Deveres e poderes do concesslonirlo. O estabelecl-
mento do servlgo 308
135. Prazo da concessao , 309
136. Proprledade do estabelecimento do servlgo 312
137. Excluslvo 313
138. Retrlbuigao do concessionario 314
139. Trespasse e subconcessao ; 313
140. Sangoes por inexecucao do concesslon&rlo .. 319
141. Resgate ou encampagao 321
142- Indenlzagao do resgate 324
143. Resclsao 329
144- Termo 331

Capltulo vn — PoUcia Adminlstrativa


145. A PoUcla como modo de atlvldade adminlstrativa 335
146. A repressao dos danos e a prevengao dos perlgos .. 337
143. Neoessidade da atlvldade preventlva na vida social
moderna 338
148- Nogao de Policia 339
149. Gonceito de danos socials 341
150. A Policia e a Justiga penal. Policia adminlstrativa
e Policia judlciaria 344
251. Atuagoes repressivas da atlvldade pollclal 346
152. Medidas de seguranga e medldas de policia 347
153. Limites do poder de policia 349
154. Formas de exerclcio do poder de policia. A viglltocla 351
155. Os atos de Policia. Autorizagoes e llcengas. Opera-
goes materials 352
156. Areas de exerclcio dos poderes de Policia 355

\
580 DIREITO ADMIMISTKATIVO

Tltulo III — OS Meios

Capitulo vm — Agentes

S 1.0 — Agentes da administrasao e agentes administratlvos

157. Posigao do problema 360


158. A fun?ao piibllca no seculo XIX 361
159. A conqulsta do "estatuto dos fimcionarios" 364
160. Decadencia do prestigio da funeao pubilca 366
181. A doutrina da i.®' metade do seculo XX sobre a sl-
tuagao dos funclonarios 369
162. Crlse da nogao de servlso pilblico 371
163. Coexistencia nos services de agentes submotidos ao
regime de Direito Publico e ao do Dlrelto Privado.. 372
164. O regime de Direito Publico ja nao pode caracterl-
zar-se pelo carater estatuario 374
165. .,.nem pelo modo de investidura 377
166. Caracteristlca do regime de Direito Publico: o dever
de fidelidade ao Pais. Deveres em que se desdobra . 37&
167. Dever de obediencia dos agentes administratlvos .. 380
168. Conceito de agente administratlvo 384

§ 2.0 — Disciplina da funeao publica

169. Import&ncia tedrica do estudo da disciplina da fun-


gao publica 385
170. Nocao de disciplina 386
171. Repressao dlsciplinar e repressao criminal 388
172. A infrasao dlsciplinar. Nosao. O fato punivel 393
173. A qualificagao do fato como infragao 395
174. Classiflca?ao das inlra^oea Algumas infra?6es es-
peciflcas 396
175. Responsabllidade dlsciplinar 397
178. Graduagao da responsabilidade 400
177. Penas disciplinares 402
178. Poder dlsciplinar. Pormas do seu exermcio 404

Capitulo IX — Bens

§ 1.0 Dominio publico

179. Bens piiblicos e dominio publico 409


180. Caracteristlcas do regime publico dos bens 411
IhSICE SBTEMiUCO 581

181. Fundamento da submissao dos bens ao regime pu-


blico 412
182. A utllidade publlca, fundamento da dominialidade .. 413
183. Graus de utilidade publica dos bens. A questao do
dominio privado indlsponivel 415
184. Terras vagas ou devolutas. Reservas nelas consti-
tuidas 418
185. Comerciabilidade de direito publlco 421
186. Universalldades piibUcas 422
5 2.0 — Pormagao, utlllzacao e extlnsao do dominio publlco

187. Come se detennlna quais os bens do dominio pijblico 425


188. Modos de utllizagao dos bens dominiais 427
189. Uso comum 429
190. Regime Juridlco do use comum 431
191. Natureza juridica do uso comum 433
192. Uso privativo 435
193. Regime juridico do uso privativo 437
194. Natureza juridica do uso privativo 439
195. Concessdes de explor^ao dos bens dominiais 441
196. Extingao da dominialidade 443

{3.° — A administragao publica e a propriedade privada


197. UtUldade publica e propriedade privada 447
198. Requlsig&o de bens, desapropriagao, ocupagao tem-
por&rla 448
199. A desapropriagao por utilidade publica 451
200. Objeto da desapropriagao. Bens e direitos 452
201. Destine dos bens desapropriados 454
202. Para quem sao transferidos os bens? 456
203. Necessidade publica, utilidade publica e Interesse so
cial 457
204. O ato de declaragao de utilidade piiblica 459
205. Efeitos da declaragao de utilidade publica 462
206. A indenizagao e o processo de sua determinagao .. 463
207. Os bens expropriados sao objeto de aquisigao origi-
niria ou derlvada? 465
208. Casos em que os bens expropriados nao sao aplica-
dos nos termos da declaragao de utilidade piiblica.
A reversao ou retrocessao e a indenizagao de perdas
e danos 467
209. Servidoes administrativas 469
S82 DlREirO ADMmiSTRATIVO

210. Restrigoes de uttlidade pdbllca no direito dc pro-


:. • prledade 472

"pabte in — TEORIA DAS GARANTIAS DA DEGALIDADB E DOS


ADMINISTRADOS

Capitulo e: — Garantias Follticas e adminlstratlTas

§ 1.0 — Principlos gerals


211. Garantias de legalldade e garantias dos admlnis-
trados 475
212. Garantias poUtlcas fjl
213. Garantias admlnistratlTas e garantias Jndiclais ,. 481
214. Sistemas de relagoee entre^a Administragao e. a Jus- , ;
tiga; a) Sistema judiclalista ;. 483
215. Sistema adminlstrativo 486
216. Fdrmulas intermedias: 0:sistema italiano 489
217. Procedimento gracioso e proeedimento contencioso.
O , contencioso administrative 491

§ 2.0 — Meios administrativos de .garantia


218. Reclamagao e pedldo de-reconslderagao ..... 494
219. Recurso hier&rqulco. Seus eleitos 496
220>.- Recursos hierirquicos necessario e facultatiyo 498
221. Recursos hierdrquicos proprio e improprio 499
222. Tutela administratlva, controle, supervisao tutelar .. 500
223. Modes de exercicio da supervisao tutelar 502
•224. Intervengae do orgae supervisor na gestao da enti-
dade tutelada 503
225. Controle da legalidade das despesas e dos atos que
as determinam, pelos TUbunais de Contas 505
§ 3.0 — Processo administrative gracioso .
'226. Importancia do processo administrative gracioso .. 508
227. Processo ou procedimento? Nogao de processo ..i . 609
228. O processo gracioso como garantia 511
229. O processo gracioso nos palses da Common Law .. 513
230. O processo gracioso nos paises comunistas 516
231. Classificagao dos procedimentos administrativos gra-
ciosos 519
232. Cai'acteristieas gerals do processo administrative
gracioso 521
233. Freterigao das formalidades legais em estado de ne-
cessidade 525
iHMCE sjstemAtioo 583

Capitulo XI — Garanttas Judicials

§ 1 ° — Os pedidos

234. Definl?ao e problemas das garantias judiciais 531


235. PeSldo de anulagao; natureza e fundamentos 533
236. Efeitos da anula^ao 535
237. Pedido de indenizagao; danos indenizaveis e tipos
de atividade admlnlstrativa que podem causa-los .. 537
238. Danos eausados por fatos ilicitos 538
239. Danos eausados por atlvldades perigosas 543
240. Danos eausados por sacrificio legal de dlreltos 544
241. Pedido de expedlgao de uma ordem: os "-writs", o
habeas eorpus e o mandado de seguranca 540
242. O mandado de seguranga no Direito Braslleiro 548

§ 2.° — As agoes e os autores

243. As agoes judiciais e a garantia da legalidade ad-


ministrativa 550
244. O recursO cortteHcioso 'administrativo vf-'r 552
245. Impetragad^'de ;^ord^fe'm j!u^,c&i^'0 -Maiidad'd de ^e-
guranga .. i.. i. ^ ..1 .*. 555
246. Suspensao liminar da executoriedade do ato im-
pugnado 558
247. Os autores. Titulares de dixeitos subjetlvos e de in-
teresse legitimo e pessoal 560
248. Titulares de interesses corporativos e ci-vicos. A
agao popular e a agao publica 561
Indice aljabetico de assuntos 565
\

Este llvro fol composto e Impresso na


COMPANHIA FORENSE DB ARTES GRATICAS
Avenida Gullherme Maxwell. 234 - RJo de Janeiro - Brasil
dezembro de 1976

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