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História Da Arquitetura E Urbanismo V (Idade Contemporânea) : Dulce América de Souza
História Da Arquitetura E Urbanismo V (Idade Contemporânea) : Dulce América de Souza
História Da Arquitetura E Urbanismo V (Idade Contemporânea) : Dulce América de Souza
ARQUITETURA E
URBANISMO V (IDADE
CONTEMPORÂNEA)
Introdução
A arquitetura se relaciona com diversos fatores e tem o compromisso
de responder às demandas dos mais variados segmentos da vida e da
sociedade. Ao longo da história, as respostas a essa complexidade são
fornecidas por meio de alguns paradigmas que legitimaram as correntes
e os movimentos arquitetônicos. O paradigma renovador associado à
arquitetura moderna foi a máquina. As contribuições dos mestres do
Movimento Moderno compartilhavam a ideia de que o universo das
máquinas transformaria radicalmente o estatuto das obras de arte, da
arquitetura e das cidades. Após a Segunda Guerra Mundial, esse paradigma
da máquina é debilitado, na medida em que um panorama de dispersão
se instaura nos diferentes contextos culturais, sociais e materiais.
Neste capítulo, estudaremos o processo de crise do objeto moderno,
no qual a arquitetura tem grande representatividade. As críticas ao Moder-
nismo situam-se originalmente nas duas premissas essenciais da arquite-
tura moderna: o racionalismo e o funcionalismo. Esses dois fundamentos
básicos foram adotados na Carta de Atenas, cuja orientação racional
previa um planejamento urbano reticulado, setorizado e ortodoxo. Na
segunda metade do século XX, os arquitetos que impulsionaram a revisão
desses princípios passaram a considerar a complexidade, a diversidade e
os contextos regionais como soluções mais viáveis para as nossas cidades.
O texto analisa a postura crítica aos padrões da arquitetura moderna, com
apoio da literatura de referência e dos exemplos notáveis de projetos que
subverteram a ordem do paradigma da máquina.
2 A crítica ao Modernismo
Figura 1. Museu Solomon R. Guggenheim (1959), de Frank Lloyd Wright, em Nova York.
A Casa Dominó (1914), criada por Le Corbusier, é considerada o modelo mais para-
digmático e seminal do racionalismo. Um sistema cartesiano compõe a estrutura
construtiva básica: lajes e pilares pré-fabricados que liberam a planta e a fachada. Os
elementos básicos da Casa Dominó inauguram a cultura do concreto armado e do
aço que será reproduzida em larga escala nos programas de reurbanização da Europa
pós-Segunda Guerra (MONTANER, 2001).
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6 A crítica ao Modernismo
Os arquitetos do princípio dos anos 1950 já tinham claro que esse tipo de
pensamento abstrato se revelava inadequado. A principal tendência após o
último CIAM (CIAM IX), anunciada pela voz do Team X (grupo de arquitetos
liderados por Alison e Peter Smithson e Aldo van Eyck), foi a reação negativa
à setorização funcional:
Tornou-se claro [1954] que o que permite a organização da vida foge à rede das
quatro funções (aqui desconsiderando os Edifícios Históricos) — situa-se, de
fato, fora do alcance do pensamento analítico. A reunião procurou, portanto,
formular um novo modo de pensamento acerca do urbanismo, que consideraria
cada problema como um exemplo único de Associação Humana num tempo
específico e num local específico (JENCKS, 1985, p. 286).
Desmaterialização do objeto
As formas modernas encontram na tecnologia a possibilidade de conformar
volumes transparentes e reflexivos, que se convertem em imagens evanescentes
e transitórias, desmaterializando-se. Mies van der Rohe já as intuía nos projetos
(não construídos) dos arranha-céus em Berlim (1922), e as concretizou no
pós-guerra em solo americano, como ilustra a Figura 3. O Estilo Internacio-
nal estabelece uma contradição entre a ênfase máxima da objetualidade da
arquitetura moderna e o desejo de masterialização do objeto arquitetônico
(MONTANER, 2009).
A crítica ao Modernismo 9
Importância do contexto
A crise do objeto moderno isolado corresponde também a outro fator essen-
cial, a paulatina importância do contexto — social, urbano, topográfico e
paisagístico. Isso implica na exigência de uma maior adequação dos sistemas
arquitetônicos, que somente podem fazer sentido em relação ao seu contexto.
O princípio de planificação da cidade moderna, seguindo o disposto na
Carta de Atenas (1933), afasta-nos “[...] cada vez mais da consciência de que
a vida humana é parte indissociável de um ecossistema composto por muitas
e diversas formas de vida” (PORTOGHESI, 2002, p. 45). A pureza e a ra-
cionalidade elevadas a um valor supremo não produziram melhores cidades,
a univalência do projeto moderno referenciado em um número limitado de
temas (racionalidade da máquina e produção industrial) não fornece uma
compreensão profunda do fenômeno urbano (MONTANER, 2007).
Desde suas origens a arquitetura moderna parece ter superestimado a
capacidade de planejar e remodelar o ambiente urbano. O utopismo inicial
de Le Corbusier foi se dissolvendo, e a ortodoxia deu lugar aos pensamentos
plurais, nos quais a cidade é um organismo vivo e a vida urbana é sempre
contingenciada pelo contexto (ARANTES, 2001).
Os pioneiros modernos propuseram rupturas que visavam a princípios
igualitários e paz social. Porém, o sentido original de uma identidade com-
partilhada de alcance universal passou a se configurar como limitação às
possibilidades estruturais e espaciais das cidades. Subirats (1991) assevera que
a utopia de uma identidade homogênea e totalizante assumiu historicamente
uma condição empobrecedora, na medida em que não respeitava as culturas
históricas e artísticas ligadas a identidades nacionais e geográficas.
A partir da década de 1970, o fracasso na crença eufórica do progresso
associado ao planejamento das cidades de forma setorizada começa a ser
reconhecido, sobretudo no mundo ocidental. A desagregação da cidade na
qual se habita numa zona e se trabalhava em outra, sendo outra zona destinada
às compras e lazer, conduziu a uma desarticulação do que até então havia se
A crítica ao Modernismo 13
Exemplares de renovação da
arquitetura moderna
A partir da segunda metade do século XX, os pressupostos modernistas foram
simultaneamente acirrados e criticados por suas contradições e fracassos.
Ching, Jarzombek e Prakash (2019) classificam esse fenômeno como Alto
Modernismo, e destacam que se concentrou naquele momento o período de
ouro do movimento e o seu divisor de águas. “A partir de aproximadamente
1950, ele entrou em constante declínio, sendo severamente desafiado e, entre o
início da década de 1970 e o da década de 1980, suplantado por seus detratores
pós-modernos” (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019, p. 725).
Montaner (2007) identifica o mesmo fenômeno – a revisão dos pressupostos
modernos — através do que chama “Terceira Geração”, termo que se refere
aos arquitetos que começaram uma atividade arquitetônica destacável por
volta de 1945–1950. “A característica essencial desta ‘Terceira Geração’ é a
busca de conciliação da vontade de continuidade das propostas dos mestres
do Movimento Moderno, ao mesmo tempo, o impulso de uma necessária
renovação” (MONTANER, 2007, p. 36).
Em relação aos períodos anteriores — em especial, no período entre guerras
— os padrões formais da arquitetura produzida nos anos 1950 variam signi-
ficativamente. Isso se deve a uma notável mudança de paradigmas formais:
o racionalismo da máquina foi dando espaço para um modelo aberto em que
o contexto, a natureza, a linguagem vernacular, a liberdade e expressividade
das formas orgânicas e escultóricas, a textura e aparência dos materiais, e as
formas advindas da tradição regional, passam a protagonizar a arquitetura.
14 A crítica ao Modernismo
Nesta obra Le Corbusier desprezou o rigor dos princípios por ele instituídos
para a arquitetura moderna: os cinco pontos da arquitetura foram substituídos
por um volume escultórico extremamente simbólico. A poética arquitetura
religiosa é descrita por Gympel (2001, p. 103):
Figura 11. Perspectiva aérea do Terminal da TWA, Aeroporto JFK, Nova York.
Fonte: Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 763).
A crítica ao Modernismo 21
As formas dos pilares de apoio e as faixas verticais de luz são recursos que
reforçam a impressão de movimento ascendente, análogo ao voo, e a conse-
quente sensação de ausência de gravidade. O projeto de Saarinen superou a
ortodoxia do Movimento Moderno, utilizando o concreto de forma plástica,
moldando-o em diferentes e movimentadas formas orgânicas.
A Arquitetura Moderna se desenvolveu no seio das vanguardas artísticas
do século XX, que possuíam uma essência crítica e emancipadora, instituindo
uma estética dotada de ampla dimensão humana e política. Esse ideal emanci-
pador deixa de fazer sentido após a Segunda Guerra, passando a assumir um
caráter de submissão do mundo da arte e da arquitetura às formas ortodoxas
e homogêneas propostas pelos pioneiros do Movimento Moderno. A crise
do objeto moderno é a crise dos princípios de racionalidade do mundo da
máquina, que logo será substituído pelo mundo da informação, dando início
às primeiras manifestações da pós-modernidade em arquitetura.