Theology">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Gui - Palacios - Artigo Imposição Das Mãos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 20

Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA

ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

TÍTULO: A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA


ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL.
RESUMO: Neste artigo, investigaremos a prática da imposição das mãos como
expressão teológica, utilizando uma abordagem de análise baseada na
perspectiva histórico-cultural. Nosso objetivo é compreender a cura espiritual
relacionada a essa prática desde a antiguidade em um contexto histórico e
cultural. A partir de uma análise dos conceitos da Prática Integrativa e
Complementar, chegaremos na compreensão dos conceitos da prática
teológica da imposição das mãos em diversas tradições religiosas, como o
Cristianismo, Espiritismo Kardecista, religiões afro-brasileiras e a Igreja
Messiânica Mundial do Brasil. Um olhar teológico dos princípios filosóficos,
espirituais e cosmológicos subjacentes nas práticas de cura espiritual. Além
disso, destacaremos a importância do equilíbrio e da busca pela cura espiritual
como parte integrante das práticas religiosas. O texto também aborda a busca
pelo autoconhecimento, a conexão com o Sagrado e a perspectiva de um
caminho espiritual após a vida terrena. Em resumo, o artigo oferece uma
análise dialética das práticas teológicas de cura espiritual em diferentes
religiões e tradições, explorando a interconexão entre a espiritualidade e o
bem-estar humano, com ênfase na imposição das mãos como prática
teológica.
PALAVRAS-CHAVE: CURA ESPIRITUAL – IMPOSIÇÃO DAS MÃOS –
PRÁTICAS DE CURA – RELIGIÕES – TEOLOGIA PRÁTICA.

TITLE: LAYING ON OF HANDS AS A THEOLOGICAL PRACTICE: A


HISTORICAL-CULTURAL APPROACH TO UNDERSTANDING SPIRITUAL
HEALING.

ABSTRACT: In this article, we will investigate the practice of laying on of hands


as a theological expression, utilizing a historical-cultural analysis approach. Our
objective is to understand the spiritual healing related to this practice since
ancient times within a historical and cultural context. Through an analysis of the
concepts of Integrative and Complementary Practice, we will arrive at an
understanding of the theological concepts of laying on of hands in various
religious traditions such as Christianity, Kardecist Spiritism, Afro-Brazilian
religions, and the World Messianic Church of Brazil. A theological examination
of the underlying philosophical, spiritual, and cosmological principles in spiritual
healing practices will be conducted. Additionally, we will emphasize the
importance of balance and the pursuit of spiritual healing as an integral part of
religious practices. The text also addresses the quest for self-knowledge,
connection with the Divine, and the perspective of a spiritual path beyond
earthly life. In summary, the article provides a dialectical analysis of theological
practices of spiritual healing in different religions and traditions, exploring the
interconnection between spirituality and human well-being, with a focus on
laying on of hands as a theological practice.

KEYWORDS: SPIRITUAL HEALING, LAYING ON OF HANDS, HEALING


PRACTICES, RELIGIONS, PRACTICAL THEOLOGY.
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

1. Introdução

Neste estudo, pretendemos desenvolver como tema central a cura


espiritual e a materialização da espiritualidade. Analisaremos a prática religiosa
da imposição de mãos a partir de um olhar teológico e utilizaremos o método
de análise dialética para compreender o termo “cura espiritual” em suas
expressões, significados e interpretações dentro de correntes religiosas
contemporâneas no contexto atual da Teologia Prática.
Na Medicina Integrativa, ao utilizar práticas terapêuticas integrativas e
complementares para ampliar as possibilidades de cura nos cuidados médicos
utilizados na Medicina Convencional, é notável a escassez de informações
específicas sobre o tema da cura espiritual. Nas literaturas científicas
brasileiras, há poucas menções desse termo, embora esteja frequentemente
associado em sua origem às abordagens terapêuticas que envolvem o aspecto
espiritual, religioso ou emocional do paciente, visando promover seu bem-estar,
progresso da saúde e qualidade de vida. A busca da cura espiritual por muitos
praticantes e pacientes evidencia um tema de pesquisa científica relevante
para investigar seus mecanismos e efeitos de forma mais aprofundada e deixar
de considerá-la como pseudociência.
Pesquisas científicas recentes têm demonstrado a importância das
relações entre corpo, mente e espírito na busca pela qualidade de vida de
forma holística e integrativa. Ao conciliar a Medicina Convencional com práticas
integrativas e complementares, promove-se a cura espiritual. Essa abordagem
tem se mostrado eficaz na promoção do bem-estar integral e na busca por uma
maior harmonia entre os diferentes aspectos da vida humana. (THIESEN, A.;
THIESEN, L.; MAIA, 2021).
Embora a medicina ocidental convencional tenha historicamente focado
principalmente nos aspectos físicos e biológicos do tratamento da saúde, tem
havido um crescente reconhecimento da importância de uma abordagem
holística que considere as pessoas como um todo. Isso implica levar em conta
os aspectos emocionais, psicológicos e espirituais no cuidado de saúde. No
Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC),
implementada na atenção básica, tem demonstrado cientificamente resultados
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

positivos no tratamento de doenças crônicas. As 29 terapias incluídas nas


Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são:

Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura, Medicina Antroposófica,


Homeopatia, Plantas Medicinais e Fitoterapia, Termalismo
Social/Crenoterapia, Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular,
Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia,
Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa,
Yoga, Apiterapia, Aromaterapia, Bioenergética, Constelação familiar,
Cromoterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Imposição de mãos,
Ozonioterapia e Terapia de Florais. (BRASIL, 2023).

As práticas integrativas e complementares surgiram em diferentes


culturas como meio de buscar a cura para os enfermos. Essas práticas eram
realizadas por pessoas que vivenciavam de forma única o Sagrado, utilizando
métodos milenares de cura por meio de práticas terapêuticas em diversas
tradições religiosas e espirituais, como o xamanismo, hinduísmo, budismo e
cristianismo primitivo. No entanto, é importante ressaltar que ao longo da
história, de acordo com os diferentes contextos culturais, muitas dessas
vertentes foram consideradas pagãs ou hereges devido à intolerância religiosa
por parte de grupos hegemônicos. Essa intolerância religiosa influenciou a
construção social da humanidade ao longo do tempo.
No caso da imposição das mãos ser um meio promotor de cura
espiritual para restabelecer a qualidade de vida, ao atuar nos tratamentos de
saúde, seja pelo toque terápico ou o direcionar das mãos aos enfermos, ocorre
uma melhora significativa em seu quadro de saúde e bem-estar. Dentro de uma
concepção teológica, não há uma separação entre a concepção da Medicina
Integrativa e as suas práticas integrativas e complementares das práticas
religiosas de conexão espiritual. Embora, nas práticas religiosas encontramos o
ato confessional e devocional que incluem a fé religiosa, as orações, a
meditação, a visualização de lugares belos, ajuda ao próximo, caridade,
altruísmo, ter um propósito e sentido de vida.
Por hipótese, a busca da cura espiritual ocorre pela materialização da
espiritualidade tanto na abordagem da Medicina Integrativa quanto nas práticas
religiosas para aliviar o sofrimento causado pelas doenças. Ambas têm como
objetivo aliviar o sofrimento causado pelas doenças e promover o bem-estar.
No entanto, é necessário considerar que a Medicina Integrativa se baseia em
evidências científicas, busca integrar terapias complementares, ao abordar
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

uma visão holista dos aspectos físicos, emocionais, psicológicos e espirituais


da saúde. Por outro lado, as práticas religiosas enfatizam a conexão com o
divino e a busca da transcendência espiritual. Consideramos como visão
teológica a sobreposição entre essas abordagens, apesar de ambas possuírem
diferenças em termos de fundamentos, objetivos e metodologias.

2. Desenvolvimento

A busca da cura das enfermidades nos remete a tempos remotos, há


milhares de anos antes do nascimento de Jesus Cristo, nas civilizações da
Mesopotâmia (como os sumérios, acádios, babilônios e assírios), Grécia (com
escritores conhecidos como Homero, Platão, Aristóteles e Heródoto), China
(Medicina Tradicional Chinesa) e Índia (Medicina Ayurveda). A civilização
egípcia deixou registros escritos em hieróglifos em monumentos, papiros e
inscrições em templos, que incluem textos médicos, religiosos, históricos e
literários. Esses registros fornecem evidências da importância atribuída à
saúde e à cura desde os tempos antigos, revelando o conhecimento e as
práticas médicas desenvolvidas por essas civilizações ao longo da história.
2.1 Uma breve etiologia da palavra “doença” no Antigo Egito

De acordo com Forshaw (2014), a saúde e a cura eram questões


constantes na era faraônica (3100-30 a.C.) do Antigo Egito, especialmente
considerando que a expectativa de vida da população era em torno de 35 anos.
Os registros egípcios revelam as práticas terapêuticas utilizadas para tratar
uma população que vivia em proximidade com animais ferozes, como
crocodilos e hipopótamos, presentes nas margens do rio Nilo. Além disso, o
Egito também enfrentava desafios relacionados a animais peçonhentos, como
cobras e escorpiões, e a transmissão de doenças causadas por insetos e
parasitas, especialmente em trabalhadores que viviam em condições de
aglomeração. Essas condições adversas exigiam estratégias eficazes de cura
e tratamento para manter a saúde da população.
Esses registros e escritos em hieróglifos contém os encaminhamentos
e prescrições de tratamento por ação de terapias racionais empíricas de
natureza científica, assim como de terapias envolvendo a magia (considerada
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

de cunho religioso). Tanto os conhecimentos empíricos quanto os mítico-


magísticos faziam parte dos elementos intrínsecos às crenças do complexo
sistema de conhecimentos do Antigo Egito, que reconhecia e considerava as
influências e intervenções do sobrenatural na vida cotidiana. Essa combinação
de abordagens refletia a visão holística e multifacetada que os egípcios tinham
em relação à saúde, reconhecendo tanto os aspectos materiais quanto os
imateriais, espirituais e místicos no tratamento e na cura das doenças.
Dessa forma, as doenças eram atribuídas a uma variedade de causas,
como por espíritos malignos de pessoas ou de animais, demônios e deidades.
O processo de cura envolvia rituais religiosos conduzidos por sacerdotes, que
incluíam encantamentos, invocações e imposição das mãos. Além disso, para
certas doenças, o tratamento era realizado por medicamentos elaborados a
partir de ervas e alimentos cultivados na região do Nilo. Se trata de uma
abordagem de cura holística que, ao envolver os elementos espirituais e
naturais, reconhece a importância tanto do sobrenatural quanto do uso prático
e terapêutico dos recursos naturais disponíveis.
No Antigo Egito, o papel do médico e do sacerdote era desempenhado
pela mesma pessoa, refletindo a estreita conexão entre a prática da medicina e
o campo religioso. Esses profissionais, conhecidos como sacerdotes da deusa
Sekhmet, eram devotos dedicados, atuando como intermediários entre o
mundo divino e os enfermos, ao remover as influências negativas do
sobrenatural que afetavam os enfermos, restaurando assim o equilíbrio e a
saúde. Essa devoção era central na prática médica, pois acreditava-se que o
conhecimento e o poder de cura vinham diretamente da deusa. Portanto, o
médico sacerdote tinha o papel crucial de canalizar e aplicar os ensinamentos
divinos para promover a cura e o bem-estar daqueles que buscavam seus
cuidados.

2.2 A imposição das mãos como prática do cristianismo primitivo

No versículo de Lucas (Lc 4, 40-41), encontramos a descrição de um


evento em que Jesus Cristo realizou várias curas ao impor as mãos sobre as
pessoas. Esse evento ocorreu durante a transição do dia para a noite,
especificamente no momento do pôr do sol. A narrativa relata que Jesus curou
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

todas as pessoas doentes, independentemente das diversas doenças que elas


enfrentavam, e os demônios que as afligiam foram expulsos e repreendidos por
Ele. Esse relato destaca a capacidade de Jesus em realizar curas e libertações
espirituais, demonstrando seu poder e autoridade sobre as doenças e as forças
malignas. (BÍBLIA, Lc 4: 40-41, 2002).
A imposição das mãos realizada por Jesus Cristo, nesse contexto,
porta em si um gesto de transmissão de poder e de bênção divina. As mãos
são a interface da transmissão de um poder divino para a cura que ocorre
quando há a expulsão dos demônios do enfermo.
O toque terapêutico desempenha um papel fundamental na libertação
do enfermo das doenças, proporcionando a restauração da saúde tanto física
quanto espiritual. Embora muitos teólogos e religiosos possam argumentar que
o poder de cura operado por Jesus Cristo não reside apenas em suas mãos,
mas sim em sua autoridade divina, é importante ressaltar que Jesus
demonstrava compaixão, empatia e um profundo desejo de restaurar a vida e
promover a cura espiritual. Ao realizar milagres como uma manifestação do
poder divino e do amor incondicional para as pessoas, o toque terapêutico,
nesse contexto, é um símbolo tangível desse amor e compaixão divina,
transmitindo esperança, alívio e renovação àqueles que são tocados por Ele.
Confirmando assim que Jesus Cristo era o Messias e Salvador ao ter o
poder divino de cura no mundo natural e a autoridade sobre o mundo
sobrenatural ao expulsar demônios das pessoas.
Outras passagens da Bíblia, em Mateus (Mt 8, 1-17), Marcos (Mc 6, 1-
13), Lucas (Lc 13, 10-17), confirmam que a prática de cura ocorria pela
imposição das mãos por Jesus Cristo realizada frequentemente como um gesto
de benção para o enfermo, por retirar a doença e os pecados da pessoa como
um processo de Salvação e de glorificação a Deus.
No cristianismo primitivo, conhecido como “Era Apostólica” (1 d.C. a
375 d.C.), a imposição das mãos desempenhou um papel central nas práticas
religiosas dos apóstolos. Em nome de Jesus Cristo, eles invocam a presença
divina para a cura dos enfermos e a libertação do sofrimento causado por
doenças. A imposição das mãos, um canal pelo qual os apóstolos recebiam o
poder divino do Espírito Santo, e capacitava-os a manifestar curas e difundir os
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

ensinamentos de Jesus. Um processo de cura e conversão religiosa que, em


gratidão pela cura recebida, se abandonava as crenças pagãs ao se tornar um
seguidor de Cristo em fé.
Portanto, com a imposição das mãos como a manifestação do poder
divino, ocorre a disseminação da fé cristã e a transformação espiritual daqueles
que experimentaram a cura espiritual.

2.3 A transição de uma seita para uma religião oficial do Estado Romano

Após o Primeiro Concílio de Nicéia, em 375 d.C., a religião cristã


estabelece as suas doutrinas e deixa de ser uma religião dissidente do
judaísmo para se tornar uma religião oficial e adequada politicamente aos
interesses do Estado Romano. Ainda não havia uma igreja constituída pela
hierarquia eclesial, entretanto, havia muitos textos de cunho teológico
produzidos pelos seguidores de Cristo, para espalhar o Evangelho como o
único meio de salvação da alma no pós-vida.
Além disso, as práticas teológicas do cristianismo primitivo se
modificaram durante a formação da instituição igreja. As responsabilidades
sobre a fé são concentradas na figura dos sacerdotes, e o clero assume uma
autoridade eclesial determinante sobre a prática teológica.

É no limiar do século IV que o cristianismo passa a ser uma religião


aceita dentro do Império romano num processo construído e que
ganha mais respaldo através da adesão de Constantino ao
cristianismo e este fato acaba por ser um momento singular na
história do movimento cristão, tendo em vista que a partir daí a Igreja
começa a se organizar de maneira mais efetiva. (SILVA, 2017, p.17).

Embora não seja o foco deste artigo, para compreendermos como


ocorreu um rompimento e a transição de um pensamento místico ancestral
para um pensamento mais racional em relação à espiritualidade e a sua
conversão da fé, será determinada de forma dogmática e canônica nos
concílios ecumênicos após o período do cristianismo primitivo.
A transformação da doutrina religiosa cristã como religião oficial do
Estado Romano determinou a definição de prática religiosa. Os princípios para
a compreensão da espiritualidade foram estabelecidos em decisões nos
“Concílios Ecumênicos” (reconhecidos como marcos na história do
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

cristianismo), ao reunir os líderes das Igrejas ocidental e oriental. Suas


decisões foram aceitas pela Igreja Católica, Igreja Ortodoxa Oriental e,
posteriormente, por algumas denominações protestantes.
Os sete principais Concílios Ecumênicos, de acordo com Percival
(1956) e Kelly (2009), foram o Primeiro Concílio de Nicéia (325 d.C.), o
Primeiro Concílio de Constantinopla (381 d.C.), o Concílio de Éfeso (431 d.C.),
o Concílio de Calcedônia (451 d.C.), o Segundo Concílio de Constantinopla
(553 d.C.), o Terceiro Concílio de Constantinopla (680-681 d.C.) e o Segundo
Concílio de Nicéia (787 d.C.). Dentre os sete Concílios Ecumênicos, vale
ressaltar o Segundo Concílio de Constantinopla (553 d.C.) devido à
condenação das teologias consideradas hereges. Dentre elas estava a
condenação póstuma da teologia de Orígenes considerada contrária aos
princípios estabelecidos pela Igreja principalmente durante o reinado do
imperador Justiniano.

2.4 O anátema da reencarnação no segundo Concílio de Constantinopla

Orígenes, conhecido como Orígenes de Alexandria (185-232 d.C.),


contribuiu com o desenvolvimento do pensamento cristão primitivo, foi um
proeminente teólogo, filósofo e exegeta cristão do século III, considerado uma
das figuras mais influentes do início do cristianismo, é conhecido também por
seu trabalho na exegese bíblica e na filosofia cristã. Nascido em Alexandria, no
Egito, por volta do ano 185 d.C., recebeu uma educação erudita nas áreas de
filosofia grega, literatura e teologia. Interpretava a Bíblia de forma alegórica e
mística, portanto foi criticado por alguns por sua abordagem excessiva e
interpretações especulativas.

Poucos autores foram tão prolíficos como Orígenes. São Epifânio


estima em seis mil o número de seus escritos, contando
separadamente, sem dúvida, os diferentes livros de uma única obra,
suas homilias, cartas e seus menores tratados. (SCHAFF, 2016, p.5,
tradução nossa).

Em suas crenças e ensinamentos, interpretava a Bíblia com o


fundamento da preexistência das almas. No entanto, algumas de suas ideias
foram consideradas controversas e alvo de críticas por parte da igreja. Foi
condenado postumamente pelo Imperador Justiniano em 543 d.C., e essas
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

condenações foram posteriormente ratificadas no Quinto Concílio Ecumênico


realizado em Constantinopla em 553 d.C., conhecido como Segundo Concílio
de Constantinopla.
Segundo Percival (1956) os anátemas contra Orígenes foram:

1. Se alguém afirmar a fabulosa preexistência das almas e sustentar


a monstruosa restauração que dela decorrer, seja anátema.
2. Se alguém disser que a criação de todas as coisas racionais inclui
apenas inteligências sem corpos, completamente imateriais, sem
número nem nome, de modo que todos estejam unidos por identidade
de substância, força e energia, e por sua união e conhecimento de
Deus, a Palavra; mas que, não desejando mais a visão de Deus, eles
se entregaram a coisas piores, cada um seguindo suas próprias
inclinações, e que eles tomaram corpos mais ou menos sutis e
receberam nomes, pois entre as Potestades celestiais há uma
diferença de nomes, assim como há uma diferença de corpos; e daí
alguns se tornaram e são chamados Querubins, outros Serafins, e
Principados, e Potestades, e Domínios, e Tronos, e Anjos, e tantas
outras ordens celestiais quantas possam existir, seja anátema.
3. Se alguém disser que o sol, a lua e as estrelas também são seres
racionais e que eles se tornaram o que são apenas porque se
voltaram para o mal, seja anátema.
4. Se alguém disser que as criaturas racionais, cujo amor divino
esfriou, foram ocultadas em corpos grosseiros como os nossos, e
foram chamados de seres humanos, enquanto aqueles que atingiram
o grau mais baixo da maldade compartilham corpos frios e obscuros
se tornam e são chamados demônios e espíritos malignos, seja
anátema.
5. Se alguém disser que uma condição psíquica surgiu de um estado
angelical ou de arcanjo, e além disso que uma condição demoníaca e
humana surgiu desta condição psíquica, e que de um estado humano
eles podem se tornar novamente anjos e demônios, e que cada
ordem de virtudes celestiais vem de baixo ou de cima, ou de cima e
de baixo, seja anátema.
6. Se alguém disser que existe uma dupla raça de demônios, na qual
uma inclui as almas dos homens e a outra os espíritos superiores que
caíram para isso, e que de todo o número de seres racionais, apenas
um permaneceu inabalado no amor e contemplação de Deus, e que
aquele espírito se tornou Cristo e o rei de todos os seres racionais, e
que ele criou todos os corpos que existem no céu, sobre a terra, e
entre o céu e a terra; e que o mundo que possui ele mesmo
elementos mais antigos que ele próprio e que existem por si mesmos,
ou seja, a secura, a umidade, o calor e o frio, e a imagem para a qual
foi formado, foi formado dessa maneira, e que a Santíssima Trindade
consubstancial não criou o mundo, mas que ele foi criado pela
inteligência ativa que é mais antiga que o mundo e que lhe comunica
o seu ser, seja anátema.
[…]
10.Se alguém disser que após a ressurreição o corpo do Senhor era
etéreo, tendo a forma de uma esfera, e que tais serão os corpos de
todos após a ressurreição, e que depois que o Senhor mesmo rejeitar
seu verdadeiro corpo e depois que os outros que ressuscitarem
rejeitarem os deles, a natureza de seus corpos será aniquilada, seja
anátema.
11.Se alguém disser que o julgamento futuro significa a destruição do
corpo e que o fim da história será uma ψύσις (psýsis) imaterial, e que
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

depois disso não haverá mais matéria, mas apenas espírito νοῦς
(noús): seja anátema.
12.Se alguém disser que as Potestades celestiais e todos os homens
e o Diabo e os espíritos malignos estão unidos à Palavra de Deus em
todos os aspectos, como a divina razão (Νοῦς) que é chamado por
eles de Cristo e que está na forma de Deus e que se humilhou, como
eles dizem; e [se alguém disser] que o Reino de Cristo terá um fim,
seja anátema.
13.Se alguém disser que Cristo [ou seja, o a divina razão (Νοῦς)] não
é de modo algum diferente de outros seres racionais, nem
substancialmente nem por sabedoria nem por seu poder e domínio
sobre todas as coisas, mas que todos serão colocados à direita de
Deus, assim como aquele que é chamado por eles de Cristo [a divina
razão (Νοῦς)], assim como eles estavam na suposta preexistência de
todas as coisas, seja anátema.
14.Se alguém disser que todos os seres racionais serão um dia
unidos em um, quando as hipóstases, assim como os números e os
corpos, tiverem desaparecido, e que o conhecimento do mundo
vindouro trará consigo a destruição dos mundos, e a rejeição dos
corpos, assim como a abolição de [todos] os nomes, e que finalmente
haverá uma identidade da gnose (γνῶσις) e da hipóstase; além disso,
que nessa suposta apocatástase, apenas os espíritos continuarão a
existir, como foi na suposta preexistência, seja anátema.
15.Se alguém disser que a vida dos espíritos (νοῶν) será semelhante
à vida que existia no início, quando os espíritos ainda não haviam
descido ou caído, de modo que o fim e o começo sejam iguais, e que
o fim será a verdadeira medida do começo, seja anátema.
(PERCIVAL, 1956, p. 318-319, tradução nossa).

Nesses anátemas contra Orígenes, a sua espiritualidade mística,


sistematização teológica, ensinamentos associados a ele, e toda a sua teologia
e exegese foram considerados heréticas.
Dessas condenações, no anátema primeiro, encontramos a doutrina
que foi mais impactante ao longo do tempo em relação à preexistência das
almas. Orígenes ensinava que as almas humanas existiam antes de serem
incorporadas em corpos físicos.
Também nos anátemas segundo ao sexto, décimo segundo, décimo
quarto, décimo quinto, verificamos que Orígenes considerava e acreditava na
restauração universal, um processo de purificação e redenção universal em
que todas as almas (inclusive os demônios) seriam eventualmente
reconciliadas com Deus.
Por fim, nos anátemas décimo e décimo primeiro, a negação da
ressurreição física pela reencarnação e ressurreição ocorreria em um corpo
espiritual em vez de ressurgir de um mesmo corpo físico. Essas doutrinas
foram consideradas contrárias aos cânones estabelecidos nos Concílios
Ecumênicos.
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

2.5 A cura espiritual na concepção de Orígenes

Orígenes enfatizava a cura espiritual como um processo que envolvia a


cura das enfermidades da alma e a purificação dos desejos e de paixões
desordenadas. Enfatizava a importância do arrependimento, do autoexame e
da busca pela sabedoria divina como meios para alcançar a cura espiritual.
Acreditava que, quando a alma era curada, a pessoa poderia ser levada para
uma maior proximidade com Deus e experimentaria uma transformação de seu
EU, tornando-se uma pessoa em conformidade com a imagem divina.

[…]Orígenes começa com a proposição de que todo pecado age


como uma ferida que precisa de tempo para ser curada. “Se uma
ferida é infligida no corpo… leva muito tempo para ser curada… No
caso da alma, cada pecado causa uma ferida… e essas feridas
precisam de muito tempo para serem curadas… a alma é ferida por
palavras, pensamentos e desejos malignos e é danificada e
machucada por atos pecaminosos. Portanto, é necessário que a
duração de seu castigo, isto é, de sua cura e cicatrização, seja longa,
e que o tempo de seu tratamento seja estendido de acordo com a
natureza do sofrimento causado por ferida”. Essas feridas na alma só
serão curadas em primeiro lugar se os homens confessarem seu
pecado e se voltarem para Cristo. “Cristo somente age como médico
para aqueles que reconhecem a sua condição de doente e recorrem à
sua compaixão na esperança de alcançar a saúde”. Em segundo
lugar, essas feridas só serão devidamente curadas se o
arrependimento dos homens for contínuo e complementado por boas
ações que cubram as cicatrizes do pecado. Para Orígenes, o
arrependimento consiste essencialmente na percepção do pecado, e
neste sentido devemos observar que a lei deve ser entendida não
como a causa ou a ocasião do pecado, mas como o meio pelo qual
ele é diagnosticado e reconhecido. “A habilidade do médico permite o
reconhecimento de uma doença, mas dificilmente pareceria ser a
causa da doença… É reconhecido que o bom conhecimento médico
proporciona uma compreensão da doença e, da mesma forma, a boa
lei possibilita a descoberta e o reconhecimento do pecado”.
(CROUZEL, 1985, p.195-196, tradução nossa).

Além disso, Orígenes via a cura espiritual como um processo contínuo


que ocorre ao longo da vida de uma pessoa, um progresso espiritual para a
cura interior por meio do estudo das Escrituras, da oração, da prática da virtude
e do cultivo de uma relação íntima com Deus.

2.6 Contribuições e desdobramentos da Medicina Ayurveda

A religião hindu e a medicina Ayurveda (“Ciência da vida” em


Sânscrito) possuem uma relação histórico-cultural significativa, portanto
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

influenciaram-se mutuamente. A medicina Ayurveda é “considerada uma das


mais antigas abordagens de cuidado do mundo, surgiu na Índia entre 2000 e
1000 a.C.”, conforme mencionado na Portaria MS 849/2017.
No entanto, para compreender a medicina Ayurveda precisamos
conciliar os princípios e contextos filosóficos, espirituais e cosmológicos que
são encontrados nas escrituras sagradas hindus, como nos livros Vedas e os
Upanishads. Com uma visão holística sobre a vida, a saúde é vista como o
equilíbrio fisiológico e energético do corpo, mente, e espírito como um todo
para promover a saúde e o bem-estar.
A principal forma de promover a saúde, segundo a Ayurveda, vem da
prática da respiração. Ao inspirarmos estamos recebendo a energia vital
responsável pela vida, chamada de Prana (termo sânscrito).

A meditação Prânica é um método de meditação secular baseado nos


antigos ensinamentos védicos, que descrevem que o desequilíbrio
prânico afeta várias dimensões da saúde humana em termos físicos,
mentais e espirituais. Prana utiliza técnicas de meditação para
equilibrar as “energias sutis”. Esse equilíbrio energético é necessário
para manter e melhorar a saúde. (DEWI; UTAMI; AYU, 2002, p. 311)

Na filosofia hindu e medicina Ayurveda, Prana é considerada a energia


vital que permeia todo o universo e está presente em todos os seres vivos, é
uma energia vital que anima e sustenta a vida. Também é a primeira vibração
do sopro divino da Criação, o primeiro movimento que transformou o silêncio e
a inércia em manifestação da vida e criação do universo. Participa de todos os
processos vitais como a respiração, circulação, digestão, e de todas as funções
biológicas do corpo material e da mente no processo da construção de
conceitos, significados, emoções e reações do pensamento.
A energia flui pelos canais sutis, chamados de Nadis, concentrados em
pontos de energia chamados de Marmas, que “em sânscrito significa escondido
ou secreto” (GAUTAM, 2019, p.9, tradução nossa). Em pontos internos de
controle dos órgãos, estão interligados aos centros de energias localizados nas
principais glândulas endócrinas no corpo, chamados de chacras, são
responsáveis pelas “funções essenciais: a excreção, reprodução, digestão e
distribuição de todas as substâncias que são essenciais para a vida,
metabolismo, emoções, intelecto e percepção”. (SCHROTT, 2016, p.68,
tradução nossa).
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

Uma breve explicação de Schrott (2016) sobre a Terapia Marma:


A Terapia Marma, em sua essência, é um tratamento que envolve a
cura com as mãos. No entanto, não devemos nos considerar
curandeiros milagrosos, pois o poder de cura das mãos está latente
em todos nós. Essa energia sutil que flui da palma das mãos e dos
dedos é fisiológica, natural e essencial para a vida. Sem ela, a vida
não existiria. Na Ayurveda, chamamos essa energia especial de cura
de Prana. Prana é a primeira vibração, o primeiro movimento que
transforma o silêncio do universo em vida manifesta, e é aquilo que
existe como a respiração vital, uma expressão da consciência de
todos os seres vivos. Esse Prana flui por todos os Nadis, os canais de
energia mais sutis do corpo, e reside em forma concentrada em seus
pontos de energia, os Marmas.
Nossas mãos estão cheias de Marmas, grandes e pequenos, e eles
nos dão sensibilidade para sentir mental e fisicamente, informando a
maneira como movemos as mãos e a forma como tocamos. O Prana
nas mãos nos permite expressar o amor. É o poder pelo qual
tratamos e curamos naturalmente a nós mesmos e aos outros em
nossa vida cotidiana. (SCHROTT, 2016, p.7, tradução nossa).

A partir dessa noção sobre a energia vital do Prana, também, não


está restrita apenas a uma tradição religiosa específica, de fato, encontramos
em outras religiões significados muito próximos sobre a energia vital como
sendo o “sopro divino” que dá vida e anima toda a criação, inclusive a humana.
“Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas
narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.” (BÍBLIA, Gn
2:7, 2002).

2.7 Teologia Prática: as religiões e tradições espirituais no Brasil

No Brasil, existem diversas religiões e vertentes que incorporam a


prática da imposição de mãos como parte integrante de sua liturgia. Essa
prática é entendida dentro do contexto específico de cada religião,
fundamentada em um conjunto de rituais, cerimônias e práticas religiosas
realizadas como forma de culto ou adoração. A imposição de mãos torna-se
assim uma tradição religiosa, desempenhando um papel significativo na
expressão da fé e no estabelecimento de conexões espirituais entre os
praticantes e o divino. É uma manifestação de crença e uma forma de canalizar
energia espiritual para o benefício dos indivíduos envolvidos no contexto
religioso em questão.
No Cristianismo e em diversas denominações cristãs, como o
catolicismo, protestantismo, pentecostalismo e neopentecostalismo, a prática
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

da imposição das mãos desempenha um papel significativo em várias


ocasiões. Os sacerdotes ou ministros religiosos utilizam esse gesto para
abençoar pessoas, interceder em orações, realizar curas espirituais, transmitir
os dons do Espírito Santo e participar de ritos sacramentais, como a
consagração do batismo, do casamento, da ordenação dos ministros religiosos
e de objetos sagrados. A imposição das mãos é considerada um meio pelo
qual a graça divina é transmitida aos fiéis e desempenha um papel importante
na vida religiosa e sacramental das comunidades cristãs.
No Espiritismo Kardecista e suas vertentes, de modo geral, a prática
ocorre em sessões públicas, começando por uma palestra relacionada à
doutrina de Allan Kardec, e em seguida realizam a prece para iniciar os
trabalhos espirituais gratuitos de imposição das mãos de forma fixa ou na
forma de passes, isto é, quando há o movimento das mãos do médium ao
aplicar em movimentos longitudinais ou rotatórios sobre o paciente. (TEIXEIRA,
2009).
Nas religiões afro-brasileiras, como na Umbanda ou Candomblé,
cada terreiro tem uma tradição religiosa de como proceder a imposição de
mãos nos consulentes. De modo geral, os médiuns de Umbanda realizam uma
prece inicial para que os trabalhos daquele dia sejam abençoados e tenham a
permissão para acontecer. Há o processo de incorporação das entidades
espirituais chamadas de guias, que atuam conforme a sua falange hierárquica
de vibração espiritual ou linha de trabalho, e diferenciam-se nos modos de
realizar a imposição das mãos. No Candomblé, os adeptos recebem não
apenas a energização da casa, mas também o equilíbrio energético por meio
dos passes ou toques realizados pelos sacerdotes ou sacerdotisas. Esses
passes são parte integrante dos rituais e cerimônias da religião, nos quais os
sacerdotes, com sua conexão espiritual e conhecimento dos fundamentos do
culto, aplicam toques específicos em pontos do corpo dos adeptos. Esses
toques têm o propósito de harmonizar e reequilibrar as energias pessoais dos
adeptos, fortalecendo sua conexão com as divindades e promovendo bem-
estar físico, emocional e espiritual.

Os “passes” ministrados por médiuns magnetizadores e doadores de


energias têm como função descarregar este campo dos acúmulos de
energias negativas nele formados no decorrer do tempo.
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

E por isso que os passes magnéticos são fundamentais num


tratamento espiritual, pois os mentores curadores precisam ter em
seus pacientes este campo totalmente limpo, quando então começam
a operar no corpo energético, onde realizam cirurgias corretivas ou
desobstrutoras, chegando mesmo a retirar “tumores” formados
unicamente por energias negativas internalizadas pelo corpo
energético.
Só depois de equilibrarem o campo eletromagnético e o corpo
energético dos seres é que os mentores curadores atuam no corpo
físico de seus pacientes encarnados, que a eles recorrem porque
realizam curas maravilhosas.
É fundamental que saibam disso, pois só assim entenderão o porquê
dos passes realizados em todos os centros espíritas ou de Umbanda:
é para fazer a limpeza dos campos mediúnicos de seus
frequentadores. (SARACENI, 2014, p.41).

A Igreja Messiânica Mundial do Brasil, fundada em 1970, tem como


principal pilar de sua fé a administração da imposição das mãos. A primeira
igreja oficial foi a Igreja de Pinheiros contando com inúmeras filiais espalhadas
pelo Brasil. Para os messiânicos, o principal pilar de sua fé é a administração
da imposição das mãos, em que o membro canaliza a luz divina recebida com
a autorização e permissão de Deus, recebida na cerimônia de outorga da
medalha Ohikari (que simboliza o ideograma da palavra “Luz”).

Para compreender a atuação do Johrei, é importante esclarecer que,


segundo a antropologia messiânica, o ser humano é constituído de
duas naturezas: a divina e a animal. A natureza divina se caracteriza
pela partícula divina outorgada pelo Criador, enquanto a natureza
animal é agregada após o nascimento.
Com o recebimento de Johrei, a atuação da natureza divina do ser
humano se amplia naturalmente e os sermões enfadonhos se tornam
desnecessários, pois “a alma é purificada, faz despertar na pessoa a
vontade de salvar o próximo e ela mesma se torna feliz” (IMMB, 2003,
v. 2, p. 83 apud TOMITA, 2014, p. 62).
Conforme a teologia messiânica, o Johrei desperta a alma
adormecida por meio do sopro do milagre. O milagre é, pois, uma
chave fundamental para a compreensão da existência de Deus. O
milagre não é o fim, mas o próprio caminho para despertar a alma.
(TOMITA, 2014, p. 62).

Em cada religião, encontramos indivíduos que buscam a cura


espiritual como uma forma de aliviar a dor e o sofrimento, a busca da cura pelo
milagre. Para muitos, essa busca espiritual representa um meio de enfrentar as
adversidades e diminuir as mazelas que enfrentam. Muitas pessoas recorrem à
cura espiritual em busca de alívio, especialmente quando se sentem
desiludidas e sem esperança com os tratamentos recebidos ou disponibilizados
pelo sistema de saúde convencional. Encontram na cura espiritual uma fonte
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

de esperança, quando se sentem frustradas com os resultados ou limitações


dos métodos indicados de tratamento médico.
A materialidade espiritual ocorre de maneira diferenciada em cada
religião. A fé pertence ao processo de individuação, “a individuação aparece
como um processo que só ocorrerá se houver unidade entre a consciência e o
inconsciente”. (VERGUEIRO, 2008, p.133). Religar-se, em um sentido
polissêmico da palavra “religiosidade”, mas, muito próximo a um sentido onde
cada ser ao escolher uma determinada religião, encontra as suas afinidades
espirituais ao se aproximar do Sagrado.
Para que o desenvolvimento espiritual ocorrer, requer adotar uma
vida em ação altruísta. Um processo de autoconhecimento profundo, no qual
uma pessoa explora e confronta os seus próprios aspectos ocultos de si
mesmo (o inconsciente), tanto positivos quanto negativos, e não desenvolvidos
conscientemente, para alcançar a totalidade da autorrealização. Ao viver de
acordo com a verdadeira natureza espiritual, onde a fé estará em constante
teste para o desvelar da espiritualidade na materialidade. E, encontrará um
possível caminho (segundo a sua fé e crença no pós-vida) para chegar a um
dos inúmeros Reinos Divinos.
A imposição de mãos para a cura espiritual é uma prática que vai
além dos limites perceptíveis pelos sentidos humanos, e adentra os mistérios
do pós-vida e do oculto. O segredo de como essa cura ocorre reside na
preservação da integralidade do Sagrado, uma força transcendente que vai
além dos interesses egoístas daqueles que buscam apenas a prosperidade
material acumulando riquezas para si. É um chamado para explorar as
dimensões mais profundas da existência e conectar-se com o divino, buscando
uma harmonia entre o mundo espiritual e o mundo material, para assim
enriquecer a alma e promover o bem-estar integral.

3. Considerações finais

Em suma, as abordagens das práticas de cura espiritual e imposição


das mãos nas diversas religiões e tradições espirituais revelam a busca
humana por alívio do sofrimento e o encontro com a conexão com o divino.
Essas práticas são encontradas em diferentes contextos religiosos, como o
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

Cristianismo, Espiritismo Kardecista, religiões afro-brasileiras, Igreja


Messiânica Mundial do Brasil, e outras. Cada uma dessas tradições enfatizam
a importância do equilíbrio físico, mental e espiritual, e possuem seus
fundamentos, crenças próprias, rituais e entendimentos sobre a cura espiritual.
É importante ressaltar que algumas tradições espirituais se focam na
prosperidade material como meio de receber uma “graça divina” e perdão pelos
pecados e dívidas recebidas por más ações na vida. E, no exagero apontam
que há um trabalho espiritual realizado para prejudicar a pessoa ou a vida
familiar, que no Brasil chamam de “macumbas”.
No entanto, não podemos generalizar nem estereotipar as práticas
religiosas, pois cada tradição possui suas próprias nuances e abordagens,
mas, nem todas as tradições religiosas possuem seus capelães no pós-vida.
A espiritualidade desempenha um papel fundamental nesse
processo, permitindo que os indivíduos se reconectem com o Sagrado e
busquem o autoconhecimento para alcançar a autorrealização. A fé e a crença
são testadas e aprofundadas, a cada grau da espiritualidade atingida. Todavia,
há forças contrárias à essa evolução e podem criar ilusões que nos levam à
crise e à dúvida sobre a existência da espiritualidade. Na materialização da
espiritualidade espera-se que ocorram os milagres em meio às experiências
cotidianas, como confirmação de sua existência.
No entanto, podemos destacar que a busca pela cura espiritual não
deve ser um substituto para a assistência médica profissional. Ademais, é um
meio essencial ao ser considerado como Prática Integrativa e Complementar
(uma abordagem holística), ao combinar os cuidados médicos com as práticas
espirituais para promover uma saúde integral.
Em última análise, cada pessoa encontra seu próprio caminho
espiritual e suas afinidades religiosas, buscando a totalidade e a harmonia
consigo mesma e com o Divino (seu Senhor ou Senhora). Independentemente
da tradição religiosa escolhida, a jornada espiritual visa o desenvolvimento
pessoal e a conexão com os reinos divinos, oferecendo uma perspectiva de
esperança e transcendência. Ao ocorrer uma troca de roupa, uma roupa nova
ao deixar o passado e atitudes negativas perante si e aos demais para trás,
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

segundo Jesus Cristo, de acordo com o evangelho de Mateus (BÍBLIA, Mt,


9:16, 2002).
Portanto, a cura espiritual, permeada pela fé, busca trazer conforto,
cura e bem-estar àqueles que buscam uma vida plena e significativa,
reconhecendo a importância do equilíbrio entre o material e o espiritual.
Para futuros temas de estudo seria interessante compreender se o
sopro divino tem relações com a Mecânica Quântica enquanto energia
primordial que anima e sustenta toda a criação de Deus.

Referências

BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e


Complementares no SUS. Disponível em:
<https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/pics> Acesso em:
26/05/2023.

______. Ministério da Saúde. Portaria n° 702, de 21 de março de 2018. Altera


a Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para
incluir novas práticas na Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares – PNPIC. Diário Oficial da União. 22 Mar 2018. Disponível
em:
<
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt0702_22_03_2018.html>.
Acesso em: 26/05/2023.
______. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 849, de 27 de março 2017.
Inclui a Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação,
Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki,
Shantala, Terapia Comunitária Integrativa e Yoga à Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares. Diário Oficial da União, Brasília, DF
(2017 Mar. 28);Sec. 1:68. Disponível em:
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017
.html>. Acesso em: 26/05/2023.

______. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Atenção à


Saúde. Glossário temático: práticas integrativas e complementares em
saúde / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Secretaria de Atenção à
Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 180p., 2018.
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

CROUZEL, Henri; HANSON, Richard Patrick Crosland. Origeniana Tertia: The


Third International Colloquium for Origen Studies, University of Manchester
September 7th-11th, 1981: Papers. Edizioni dell'Ateneo, 1985.

DEWI, Valentina Tjandra; UTAMI, Desak Ketut Indrasari ; AYU, Ketut. Pranic
Healing as a Complementary Therapy for Insomnia. International Journal of
Research and Review. Vol. 9; Issue: 9; September 2022.

FORSHAW, Roger. Before Hippocrates: Healing practices in ancient Egypt.


In: MEDICINE, HEALING AND PERFORMANCE, Philadelphia: Oxbow Books,
p. 25-41, 2014.

GAUTAM, Vijay Laxmi. Effect of yoga asanas on marma points. Ayush


Darpan Journal, Volume 10, Issue 2, p. 9-14, 2019.

IMMB – Igreja Messiânica Mundial do Brasil. Comissão Editorial (coord).


Reminiscências sobre Meishu-Sama. v. 2 e 3. São Paulo: FMO, 2003.

KELLY, Joseph. F. The Ecumenical Councils of the Catholic Church: A


History.Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 2009.

PERCIVAL, Henry Robert. The Seven Ecumenical Council of the undivided


church, vol XIV of Nicene and Post Nicene Fathers, 2nd series, Grand Rapids,
Michigan: William B. Eerdmans Publishing Co., 1956.
SARACENI, Rubens. Doutrina e teologia de Umbanda Sagrada: a religião
dos mistérios um hino de amor a vida. São Paulo: Madras, 2014

SCHAFF, Philip. Introdução. In: ORIGEN. The Complete Works of Origen (8


Books): Cross-Linked to the Bible (English Edition). Philip Schaff (Tradutor).
Canadá, Toronto, Ontário, 2016.

SCHROTT, Ernst; RAJU, J. Ramanuja; SCHROTT, Stefan. Marma Therapy:


The Healing Power of Ayurvedic Vital Point Massage. Primeira edição Munich,
Germany: Mosaik Veriag, 2009. Marek Lorys (tradutor para o inglês). London
and Philadelphia: Singing Dragon, 2016.

SILVA, Fabíola Feitosa da. CONCÍLIO DE NICÉIA: TRANSFORMAÇÃO E


ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO SÉCULO IV. Orientador: Prof. Me.
Macário Lopes De Carvalho Júnior. 2017. Trabalho de conclusão de curso em
Licenciatura em História. Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Centro
de Estudos Superiores de Tefé (CEST). 2017.
Guilherme Palacios – A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS COMO PRÁTICA TEOLÓGICA: UMA
ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL PARA COMPREENDER A CURA ESPIRITUAL

TEIXEIRA, Francisca Niédja Barros. Imposição de mãos: um estudo de


religiões comparadas. Orientador Gilbraz de Souza Aragão. Dissertação de
mestrado, Universidade Católica de Pernambuco. Pró-reitoria Acadêmica.
Programa de Mestrado em Ciências da Religião, 2009.

THIESEN, Ana Beatriz Tavares; THIESEN, Letícia de Cássia Tavares; MAIA,


Tatiane Peres de Assis. Revisão sistemática sobre a busca e a efetividade
das práticas de medicina integrativa e complementar em diferentes áreas
da medicina convencional. In: ANAIS DO 19º ENCONTRO CIENTÍFICO
CULTURAL INTERINSTITUCIONAL, 2021, Cascavel. Anais. Cascavel: Centro
Universitário Fundação Assis Gurgacz – FAG, 2021. Disponível em:
https://www2.fag.edu.br/coopex/inscricao/arquivos/ecci_2021/08-10-2021--20-
02-42.pdf . Acesso em: 25 mai. 2023.

TOMITA, Andréa Gomes Santiago. Johrei & Saúde: desafios conceituais para
uma Teologia Messiânica. Saberes em Ação. Revista de Estudos da Faculdade
Messiânica. Vol. 03, ano 2, 2014. pág. 56-70.

VERGUEIRO, Paola Vieitas. Jung, entrelinhas: reflexões sobre os


fundamentos da teoria junguiana com base no estudo do tema individuação em
Cartas. Psicol. teor. prat., São Paulo, v. 10, n. 1, p. 125-143, jun. 2008.
Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1516-36872008000100010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso
em: 16 jun. 2023.

Você também pode gostar