O Lobo - J.R. Ward
O Lobo - J.R. Ward
O Lobo - J.R. Ward
J.R.
WARD
O LOBO
Revisão
João Rodrigues
Bia Bernardi
Arte
Renato Klisman
Diagramação
Vanúcia Santos
W259L Ward, J. R.
O lobo / J. R. Ward ; tradução de Cristina
Calderini Tognelli.
– São Paulo : Universo dos Livros, 2023.
448 p. (Irmandade da Adaga Negra - Prison
Camp ; v. 2)
e-ISBN 978-65-5609-594-3
Título original: The wolf
No chão do beco onde tinha sido atingida pelo carro, Rio tentava
aliviar a dor da perna esquerda esfregando-a – e pensou no filme
Casamento Grego. Windex. Se ao menos ela tivesse Windex ali.5
Talvez tivesse sofrido uma concussão também.
Quando o Charger avançou na sua direção, ela conseguira saltar
e rolar pouco antes do impacto, e seu timing poupara suas pernas
de serem completamente esmagadas na altura das canelas. Mas is-
so não significava que não tivesse fraturado alguma coisa ou que
não seria uma coleção de hematomas pela manhã – porque o corpo
humano não fora feito para agir como bola de squash.
– … talvez tenhamos que fazer um ménage à trois. Espera, isso
saiu do jeito errado.
Quando a voz masculina foi registrada, ela olhou para sua fonte.
Era o fornecedor com quem deveria se encontrar. Aquele que sal-
vara sua vida. Ele conversava com ela, mas, por algum motivo, ela
não conseguia entender o que ele dizia…
De repente, as palavras ouvidas foram adequadamente decifra-
das pelo seu cérebro.
– Não vou dormir com você – disparou.
Quando ele se levantou, acenou com as mãos, como quem diz
que era para esquecer.
– Como já disse, isso saiu errado. Precisa de um médico ou não?
– Não. Definitivamente não preciso.
Era uma surpresa que alguém do tráfico de drogas quisesse ligar
para a emergência para alguma ajuda, mas ele sabia que ela era do
alto comando de Mozart. Então, talvez só estivesse preservando
uma fonte de renda potencial. Se ela morresse ou saísse de circula-
ção, ele teria que conseguir outro contato.
Como Mickie.
Quando Rio tentou se levantar, preparou-se para sentir bastante
dor. Felizmente, não foi tão ruim quanto pensou que seria, apenas
sentiu algumas fisgadas nas pernas. Nesse ínterim, o fornecedor –
Luke era o nome que ele usava – olhava para ela como se esperas-
se que fosse cambalear de lado e desmaiar no asfalto. Quando ela
manteve o equilíbrio, ele assobiou baixinho.
– Você é realmente impressionante, dona.
E daí, ela pensou. Algumas toneladas de metal e vidro na sua di-
reção “te dão asas”.
Pensou no comercial da Red Bull.
Ela guardou isso para si.
– Então, vamos falar de preço.
– Hum, está vendo aquela bola de fogo logo ali? – Ele apontou
para o rio com a cabeça, onde o Charger tinha explodido após al-
gum tipo de colisão e onde o fogo laranja não dava sinais de se ex-
tinguir. Depois levou a mão para trás da orelha. – Está ouvindo as
sirenes? A situação vai ficar bem complicada por aqui, ainda mais
porque eu atirei no atirador, apesar de não ter atirado no xerife.6
Quer conversar, vamos para outro lugar.
Rio negou com a cabeça. Mas não porque estivesse machucada.
Precisava descobrir se o telefonema que recebera antes de a merda
atingir o ventilador estava ligado de alguma maneira ao que acabara
de acontecer. Teria sido ela um transeunte aleatório… ou um alvo?
– Tenho que ir. Nos encontramos amanhã.
Luke, muito provavelmente um nome falso, só a encarou.
– Se me dispensar, vou diretamente ao Mozart.
– Ah, boa sorte com isso. Ele não se encontra diretamente com
ninguém.
– Tenho habilidades especiais.
– Assim como muitas pessoas. – Seu tom entediado era um dis-
farce para todo o estresse sob a sua pele. – Entrarei em contato e
tentaremos de novo amanhã à noite.
E, como se as viaturas do Departamento de Polícia de Caldwell ti-
vessem lido a sua mente, as sirenes que o cara mencionara tinham
dobrado de volume, quer porque houvesse vinte carros mais vindo
naquela direção quer porque a meia dúzia que estivera a caminho
acabava de virar a última esquina.
– Faça o que achar melhor – disse o fornecedor. – Mas eu estava
disposto a fechar o negócio hoje à noite e vou atrás de outra pessoa
se você não pegar mais do que eu dei à sua organização na noite
passada. Sem falar que você me deve.
– Como que é?
– Salvei a sua vida, duas vezes. – Os olhos dourados dele se es-
treitaram. – Você me deve, Rio. E eu cobro as minhas dívidas.
– Não pedi que fizesse porra nenhuma.
– Preferia estar morta?
– Do que em débito com alguém? Pode acreditar nisso. E você
precisa de mim. Não pode fazer o tipo de negócio que quer com
qualquer outra pessoa a não ser comigo. A organização do Mozart é
a única que vai comprar nas quantidades que você deseja movimen-
tar.
– Então vamos fechar o negócio.
Rio olhou ao redor e ouviu o aviso que desconsiderou assombran-
do-a.
– Entro em contato pelo número que tenho…
O homem a segurou pelo braço.
– Não tenta me foder. Tenho opções que você nem sabe.
Antes que ela pudesse reagir, ele a soltou e saiu andando, as rou-
pas pretas ajudando-o a se mimetizar nas sombras.
– Maldição – Rio sussurrou ao se abaixar e desaparecer também.
Atendo-se à fachada da boate, sacou a arma e avaliou as janelas
do outro lado do beco, a ruazinha atrás dela, a da frente. As viaturas
berravam a um quarteirão de distância e ela vislumbrou a formação
com suas sirenes piscantes quando elas atravessaram um cruza-
mento que ela conseguia enxergar.
As pernas a matavam, a esquerda logo abaixo do joelho em espe-
cial.
Um raio lhe deu mais visibilidade do que os postes da cidade e
também a revelou. Quando ela se afundou numa soleira, franziu o
cenho e se inclinou para fora de novo. Um momento depois… mais
um raio.
– Pra onde você foi? – disse baixinho.
O fornecedor de algum modo… desaparecera. A menos que tives-
se se enfiado em um dos prédios. Talvez. Era a única explicação.
Na direção que ele tomara, distanciando-se do rio, não havia esqui-
nas, nenhuma travessa, nenhum outro lugar para ir a não ser adian-
te por duas quadras retas.
Talvez ele tivesse corrido…
Não podia se preocupar com isso. Não àquela hora.
Verificando a munição da arma, abaixou-a e seguiu em frente. En-
controu o corpo uns doze metros adiante, largado de cara para bai-
xo no asfalto atrás da lixeira. Era um homem, a julgar pelo físico e
cabelos, bem como pelo tamanho das botas. Quando ela se ajoe-
lhou ao lado dele, seu cérebro ligou os pontos.
A jaqueta. Reconheceu a jaqueta de couro preta por causa da
costura vermelha que atravessava os ombros e descia até a barra.
– Erie.
Um dos tenentes de Mozart.
Teria atirado nela? Ou no Charger?
Enquanto olhava para a poça que aumentava debaixo do homem,
pensou num homicídio em Manhattan no fim de semana anterior.
Johnny Two Shoes, que trabalhava com o maior concorrente de Mo-
zart no estado, fora executado e jogado no Rio Hudson. Havia boa-
tos nas ruas de que a vingança era iminente.
Talvez Erie a estivesse protegendo, protegendo a transação em
andamento. Será que o motorista do Charger quisera matá-la em re-
taliação?
Rio esticou o braço e encostou as pontas dos dedos no punho
ainda quente de Erie. Tateou… e não encontrou pulsação. Fazendo
o sinal da cruz, endireitou-se – e abandonou a área para ligar para o
QG de um lugar mais seguro a fim de passar os detalhes do tiroteio.
O fato de estar só manquejando era melhor do que ela poderia ter
desejado.
O que era bom, porque ela ainda não terminara a sua lista de coi-
sas a fazer naquela noite.
Nem era preciso dizer que, se Luke não tivesse aparecido quando
apareceu, Rio estaria morta àquela altura.
Foi esse o pensamento que ela usou para se distrair das ondas
de agonia ardente que atravessavam seus músculos e ossos. O tra-
jeto escada abaixo foi incrivelmente doloroso, cada passo apressa-
do um lembrete irritante de tudo pelo que passara.
No fim, Luke a salvara três vezes.
Mas quem sabe ela não era uma gata. E ainda tivesse quatro vi-
das restando.
Quando chegou ao fim da escada diante da porta da frente, Luke
fez uma pausa e olhou para a esquerda, para a direita. Segurava
com tanta firmeza o cabo da arma que o cano se virou na direção de
ambos os apartamentos abertos. Ninguém saiu da escuridão de ne-
nhum dos dois lados.
– Vamos sair pelos fundos – ele explicou.
A dor recomeçou quando as passadas longas os levaram pelo
corredor estreito que tinha papel de parede vinílico descascando do
teto e lixo espalhado em ambos os lados da passagem, um Mar de
Lixo apartado por aqueles que criaram o problema.
A porta dos fundos tinha uma janelinha a 1,5 metro do chão, um
vidro opaco coberto por tela de galinheiro. Luke a abriu com um chu-
te e logo adiante havia um velho sedan Cutlass de duas portas.
Azul-marinho. Com uma faixa branca.
Ele deu a volta e destrancou a porta do passageiro com a chave,
do jeito antigo. Depois, teve que incliná-la para baixo para puxar a
maçaneta, e houve um rangido de metal contra metal quando ele
abriu a porta.
– Vou tomar o máximo de cuidado que puder…
– Só me solte logo pra gente poder sair daqui.
Rio tentou não desmaiar quando ele a acomodou no banco, mas
seu corpo estava tão flexível quanto uma parede de tijolos – e pare-
ceu propenso a se partir ao meio sob pressão suficiente. Quando os
lábios deixaram à mostra os dentes da frente, ela fechou os olhos e
se inclinou para fora, para o caso de vomitar.
Talvez ainda houvesse drogas em seu corpo.
Sentiu a arma sendo retirada das suas mãos e ficou mais do que
à vontade com isso. Inspirando e expirando pela boca, tentou se
concentrar em algo para se manter consciente… para se manter vi-
va.
Aquele perfume dele. Rio concentrou toda a sua atenção no chei-
ro de Luke – e quer isso fosse um efeito placebo, quer houvesse
mesmo algum tipo de magia naquilo que ele usara como pós-barba,
por fim ela foi capaz de se afastar do precipício.
Como se soubesse que ela estava pronta para ser presa ao cinto,
Luke empurrou seus ombros com cuidado até que ela estivesse
bem apoiada no banco.
– Cuido do cinto de segurança. – A voz de Luke, tão grave, tão
impassível, estava bem junto do seu ouvido. – Só continue respiran-
do.
Bom conselho, ela pensou consigo.
Depois de correr o cinto sobre ela e ajustá-lo no lugar, Luke fe-
chou a porta e ela o seguiu com os olhos embaçados enquanto ele
dava a volta pela frente do carro. Quando ele fez uma pausa e girou
o molho de chaves na mão, ela tentou se esticar para abrir a trava
para ele. Mas não conseguiu erguer o braço.
No ritmo em que seu corpo voltava a se imobilizar na posição atu-
al, ela teria que ser removida cirurgicamente daquele carro.
Felizmente, Luke não tinha os mesmos problemas de mobilidade.
Ele praticamente se enterrou atrás do volante e o modo tranquilo co-
mo jogou a mochila no banco de trás, sem nenhum esforço, foi o ti-
po de coisa que ela jamais imaginou que invejaria. Assim que o mo-
tor foi ligado, ele engatou a ré e pisou no acelerador.
– Não se apresse – ela murmurou quando eles foram lançados
para trás. – Sem acidentes.
– Certo. – Ele manobrou o carro a uma velocidade mais razoável.
– Tente dormir. Temos um longo caminho pela frente.
– Onde... – Completar uma frase lhe parecia trabalhoso demais. –
Me sequestrando?
Ele negou com a cabeça.
– Mas que porra?
– Acho que eu estaria no porta-malas. – Ela tentou sorrir, mas só
conseguiu virar a cabeça na direção dele. – Certo?
– Isso não foi engraçado.
– Um pouquinho.
– Não, nem um pouco.
Seguiram em direção ao rio, um pouco abaixo do limite de 50
quilômetros por hora. Ela olhava para Luke em vez de olhar para a
rua. Ele forçava o volante como se quisesse arrancá-lo da coluna,
inclinava-se para a frente como se pudesse fazê-los chegar mais rá-
pido aonde quer que iam se o rosto estivesse mais próximo do para-
brisa.
Quando a dor aumentou e ela teve aquela terrível sensação de
enjoo ameaçando voltar pelo fundo da garganta, ela gemeu.
– Acho que… preciso de um médico.
– Eu sei. Vou cuidar disso.
Ela queria pedir que só a levasse para casa, mas não era seguro.
Mozart descobriria cedo ou tarde que seu assassino não só fracas-
sara como havia sido comido. E com apenas um corpo dilacerado
na cena, seu antigo “chefe” deduziria que ela ainda estava solta pelo
mundo, em algum lugar.
Com todo tipo de informação sobre ele.
– De onde veio o cachorro? – ouviu-se dizer.
Quando Luke não respondeu, Rio deduziu que, assim como ela,
ele não fazia ideia. Ou talvez ela não tivesse falado em voz alta? Ela
simplesmente não parecia capaz de se conectar com o mundo, a
agonia em seu corpo era do tipo que sobrepujava tão completamen-
te seus sentidos que era difícil atravessar aquele torpor para se co-
nectar com qualquer coisa fora de si mesma.
A rampa de acesso da Northway pela Rua Trade chegou rápido
demais – e ela suspeitou ter perdido a consciência por um ou dois
minutos, o ângulo do carro despertando-a quando chegaram à incli-
nação e aceleraram. Quando o carro nivelou e eles seguiram para o
norte, ela respirou com um tremor.
– Aonde… vamos?
Luke olhou para ela, o rosto sério no brilho do painel.
– É seguro, eu prometo. Tente descansar, está bem?
– Três vezes – disse ela.
– Heim?
– Me salvou… três vezes.
Ele voltou a olhar para a estrada adiante.
– E eu faria isso uma centena de vezes se fosse preciso.
As palavras foram ditas com tanta suavidade que ela não teve
certeza de tê-las ouvido direito. E se tivesse? Bem… Nesse caso,
ele seria um criminoso com pelo menos algum tipo de bússola mo-
ral, não?
CAPÍTULO 17
Lucan não sabia que porra dizia. Inferno, mal sabia onde estava.
Aquilo não era parte do plano.
Porém, ao se ajoelhar no chão ao lado do leito hospitalar, ficou se
perguntando que diabos pensou que iria acontecer? Rio estava ma-
chucada demais para continuar no frio daquela casa de fazenda so-
zinha o dia inteiro.
Claro que agora ele tinha grandes problemas – assim como ela,
piores do que os hematomas e os ferimentos. No campo de prisio-
neiros, a probabilidade de sobrevivência aumentava enormemente
quanto menos pessoas houvesse na sua lista de dependentes. Por
exemplo, se você só tivesse que se preocupar consigo mesmo, au-
tomaticamente sabia onde estavam todos com quem você se impor-
tava.
Graças ao seu reflexo de salvador, ele tinha a ela… e aquele seu
outro assuntinho.
Naquele ritmo, acabaria com uma lista à altura da agência de re-
censeamento.
A enfermeira, Nadya, voltou com uma panela rasa e algumas toa-
lhas macias.
– Preciso limpar o ferimento na parte de trás da cabeça. Por favor,
role-a na direção da parede.
Lucan olhou ao redor. O depósito grande onde estavam tinha todo
tipo de equipamento médico nas prateleiras e embalagens descarta-
das das mais diversas coisas no chão, além de latas repletas de coi-
sas que tinham que estar vencidas demais para serem usadas. De
alguma forma, a enfermeira também conseguira encontrar sete ca-
mas hospitalares em estado razoável. Duas estavam ocupadas no
momento.
Na ponta oposta da fila, o outro paciente estava escondido atrás
de lençóis pregados em painéis ao redor do colchão. Para dar priva-
cidade.
Porra, Lucan pensou. Desejou que aquilo fosse uma clínica de
verdade.
– Aguenta firme, Rio – murmurou. – Só vou movê-la um pouco.
Ela gemeu e ficou rija quando ele virou o peso dela para o lado.
Quando ele pôde dar uma boa olhada no ferimento da base do crâ-
nio, praguejou.
– Você tem que me dar espaço para que eu consiga cuidar dela.
Lucan se reposicionou na parte inferior do colchão. Quando a en-
fermeira se ajoelhou onde ele estivera, o manto se assomou ao seu
redor e ela inclinou a cabeça num instante de oração. Ele sentiu co-
mo se devesse se juntar a ela, mas não acreditava em nada.
Muito embora talvez o fato de que aquela fêmea estivesse dispos-
ta a ajudar parecesse prova de que a Loba Anciã existia. Mas quem
é que podia saber.
A água que Nadya trouxera era limpa, retirada do poço. A gaze
também estava limpa, tendo sido coletada das sobras dos suprimen-
tos. Desejou que houvesse uma máquina de raios-X. Cirurgiões. So-
ro e acesso intravenoso. Tudo de que Rio pudesse precisar…
Enquanto a enfermeira limpava o corte, Rio gemeu de dor.
– Estou aqui – Lucan disse apoiando a mão em sua perna.
– Muito bom – murmurou a enfermeira. – Não é preciso dar pon-
tos.
– Quanto tempo acha que levará até ela se recuperar?
– Veremos. – O capuz do manto com a tela na frente do rosto se
virou para ele. – Não sei muita coisa sobre a cicatrização dos huma-
nos, só que é muito mais lenta do que a nossa. Onde a encontrou?
– No centro da cidade. Em Caldwell.
– Você a atropelou com o seu carro?
Como se Rio fosse um cachorro de rua.
– Não. Eu só… tinha que ajudá-la.
– Você fez a coisa certa. Nunca é errado demonstrar compaixão,
pouco importando quem ou o que a criatura é.
Lucan não concordava em nada com aquilo, por isso, ficou de bo-
ca calada…
Na ponta oposta da fila de camas, os lençóis pendurados no teto
se moveram como se levados por uma leve brisa, a ondulação lem-
brando-o da chama de uma vela ancorada pelo pavio, oscilando nu-
ma corrente de ar.
O que apareceu por trás da cortina fina e improvisada não fez
sentido algum.
Apex saiu por uma abertura entre os painéis e, ao emergir, o ma-
cho não se deu ao trabalho de olhar ao redor ou à frente. O que foi
tão inusitado quanto se estivesse armando uma barraca do beijo:
um filho da puta paranoico, com instintos homicidas mais azeitados
do que o gatilho de um rifle de assalto, ele nunca deixava de exami-
nar o ambiente.
Em vez disso, nem pareceu notar Lucan. Ou a nova paciente, que
tinha cheiro de humana porque o aroma de incenso ainda não havia
se espalhado.
O prisioneiro só saiu do depósito, passando a mão no rosto como
se estivesse tentando apagar o que vira.
Ou enxugando lágrimas.
– Não entendo.
– O que disse? – murmurou a enfermeira.
– Nada.
– Vamos apoiá-la de lado assim, com alguma coisa para segurá-
la. Ela descansará melhor sem apoiar o peso na ferida.
Lucan se pôs rapidamente de pé porque estava desesperado para
ter alguma porra para fazer – no entanto, por uma fração de segun-
do, o depósito lhe pareceu uma confusão tamanha que seu cérebro
não conseguiu assimilar as seções reunidas. Mas, em seguida, foi
até uma mesa desmontável e apanhou uma pilha de tecidos dobra-
dos que só podiam ser lençóis. De alguma forma, estavam limpos.
Outro milagre.
– Que tal isto?
– Sim – disse Nadya. – Apoie nas costas dela. Ela está fraca de-
mais para se manter nessa posição sozinha. Eu aplicaria soro, mas
não confio naqueles frascos que encontrei. Esterilizarei mais água e
garantirei que ela beba mesmo que tenha que erguê-la.
Depois de se certificar de que Rio tinha o suporte de que precisa-
va, ele deu um passo para trás.
– Tenho que ir para a contagem.
O capuz se voltou para ele com rapidez.
– Sim, vá se deseja protegê-la. Não quero ser notada, e se forem
procurá-lo, podem vir para cá.
– E quanto a você? E se você precisar…
– Se posso cuidar dele – ela apontou com a cabeça para a fila de
leitos –, posso cuidar dela. E ninguém mais procura por mim nas
contagens. Terei que agradecer à Virgem Escriba pelas superstições
estranhas do Executor.
– Estou indo agora.
Mas levou ainda um tempo para ele começar a andar. Não conse-
guia se despedir de Rio.
Pense em premonições. Ele sentia como se, caso dissesse a pa-
lavra, poderia condená-la à morte. Ou algo assim.
De que porra sabia ele?
Depois de abrir caminho em meio a pilhas e prateleiras, empurrou
a porta que dava para o corredor do porão e arrastou uma mão pe-
los cabelos.
Havia muita coisa que ele não entendia sobre a sua situação e so-
bre si mesmo naquele momento. Uma parte do enigma era que,
aparentemente, ele e Apex tinham algo em comum.
Ambos estavam profundamente preocupados com alguém.
E isso era uma notícia muito ruim no campo de prisioneiros.
CAPÍTULO 20
Embora Rio dissesse para si mesma que deveria sair dali, explo-
rar o que pudesse, encontrar uma saída e voltar para Caldwell… ela
afastou as cortinas que pendiam do teto. Na cama, deitado de cos-
tas… um paciente com queimaduras estava numa condição terrível:
o rosto era uma ferida aberta, as feições estavam inchadas e bri-
lhantes, os olhos fechados por conta dos ferimentos. O restante do
tronco e dos braços estava em iguais condições, nada além de pele
inflamada sem curativos, muito provavelmente porque a gaze aca-
baria colada…
O homem que a atacara saltou da cadeira colocada ao lado da
cama.
Antes que fizesse algo, Rio mirou a arma no rosto dele.
– Senta aí, porra, não estou aqui por sua causa.
O paciente ao lado riu em meio à sua agonia.
– Sim, Apex. Sente-se.
Houve um momento de tensão. Em seguida, “Apex” voltou para a
cadeira.
Rio virou a cabeça para o pobre homem na cama. Seu único tra-
tamento, ao menos que ela pudesse ver, era um pequeno ventilador
em cima de uma caixa de papelão, que refrescava o ar que passava
pela pele destruída.
– Você está bem? – ela perguntou rouca.
Pergunta idiota.
– Minha cara – foi a resposta –, que gentileza sua perguntar.
Rio olhou para o tal de Apex. Ele a avaliava como se, em sua
mente, estivesse lhe arrancando os braços com as próprias mãos,
surrando-a com os membros. Mas não voltou a se mover. Era como
se ele fosse um predador e suas rédeas estivessem nas mãos do
paciente.
Rio se aproximou pelo outro lado da cama. Manteve a arma apon-
tada, só como garantia.
– A enfermeira não consegue ajudá-lo? Não podemos levá-lo a
um médico?
O paciente não se virou para ela. O rosto continuou num ângulo
reto em relação ao teto. Não que ele conseguisse enxergar alguma
coisa… Ela supôs que era doloroso demais para ele mover qualquer
coisa, mesmo que minimamente.
Sem dúvida, respirar já era um fardo.
– Estou tão bem quanto posso estar. – A voz rouca do paciente
saiu mais baixa, como se ele estivesse ficando sem forças. O tom e
o sotaque pareciam de alguém da classe alta. – Estou apenas
aguardando o fim de um processo que se iniciou há algumas sema-
nas. E você, como está? Foi atendida?
Olhando ao redor de novo – como se tivesse deixado de perceber
algo? –, Rio viu que não havia equipamentos de monitoramento, ne-
nhum acesso intravenoso, nenhum medicamento.
– Você precisa ir para um hospital.
O outro homem respondeu:
– Você não faz ideia de que porra está falando.
– Como é? – Rio abaixou a arma. – Ah, quer dizer que o estado
dele é totalmente compatível com a vida? Claro. Fico feliz que tenha
esclarecido isso para mim, porque cá estava eu pensando que ele
precisa de cuidados médicos…
– Era disso que precisávamos, uma humana com complexo de
salvadora…
– Ao contrário de você, que só fica aqui sentado enquanto ele…
– Isso não é da sua conta…
– Basta – disse o paciente, exausto.
Rio fechou os olhos e percebeu que tinha ultrapassado um limite
ao falar das circunstâncias precárias em que ele estava.
Pigarreou.
– Sofreu um acidente de carro?
De novo, os ferimentos pareciam consistentes com queimaduras
severas e, enquanto ela juntava as ideias, tentava descobrir o que
as poderia ter causado…
Ah, que idiota ela era. Um laboratório de metanfetamina. Claro.
Não era provável que fabricassem cookies ali.
– Precisamos conseguir ajuda para você – ouviu-se dizer.
O paciente respirou lentamente. Depois, falou junto com uma exa-
lação lenta e agonizante:
– Você é gentil, mas já está suficientemente em apuros. Lucan
tem um plano para levá-la de volta ao lugar a que pertence?
– Eu mesma faço isso.
O riso do babaca na cadeira sem dúvida foi uma observação
chauvinista no tocante às suas habilidades – mas ela já não ouvira
isso antes? Ademais, ela podia ter um ferimento na cabeça, mas pe-
lo menos conseguia ficar de pé e – bônus – tinha essa belezinha de
nove milímetros que não deixava seu traseiro gordo e ressaltava o
vai se foder que estava logo abaixo da superfície dos seus olhinhos
castanhos.
– Eu não a subestimaria, Apex.
Isso mesmo, pensou junto com o paciente.
Em seguida, acalmou-se e baixou o olhar para a cama.
– Temos que fazer alguma coisa por você – ela murmurou ao no-
tar as mãos dele pela primeira vez. Uma delas não tinha nenhum
dos dedos.
Quando não houve resposta, ela mirou o rosto. Os lábios haviam
sido cortados para ele poder respirar e as respirações espaçadas
eram aceleradas. Em seguida, um gemido – e, então, um ritmo um
pouco mais calmo.
Ele provavelmente tinha desmaiado.
– Você está sofrendo – sussurrou para ele de todo modo. – Deus,
não estão tratado a sua dor?
– Não, estamos deixando que ele se afogue nela de propósito – o
outro homem (qual era mesmo seu nome? Apex?) resmungou. –
Porque adoramos ver um macho de valor sofrendo.
Rio fechou os olhos.
– Não consigo imaginar o quanto deve estar doendo.
– Ele é mais forte do que todos nós juntos.
Ela olhou para a cadeira. Apex estava sentado à frente, com a
mão na cama junto à mão destruída do paciente, mas sem tocá-la.
Porque isso seria insuportável, sem dúvida.
– Não há nada aqui que possa ajudá-lo?
– Temos sorte de ter uma cama para ele – disse o homem entre
dentes. – A maior parte da medicação está com a validade expirada
há duas décadas e estragada. Não há nada que possamos fazer.
– Quanto tempo mais você acha que ele tem?
Olhos escuros como as profundezas do inferno se viraram para
ela.
– Dá pra você sair daqui, porra? Eu te mataria agora, mas ele não
deixa. Mas eu juro que no segundo em que o coração dele parar de
bater, eu vou atrás de você.
– Que medo – ela disse num tom entediado.
Ignorando o cara, Rio caminhou pelo espaço acortinado – o que
equivalia a três passos num sentido e três no outro.
Não era um verso de uma canção do Bruce Springsteen?, ela
pensou.
Quando uma imagem do seu irmão lhe veio à mente, ela parou na
peseira da cama – e tentou não ficar confusa entre o passado e o
presente. Mas a imobilidade do paciente… a fazia se lembrar do que
vira quando derrubara a porta do quarto de Luis. Jamais se esque-
ceria do irmão deitado de costas, recostado no travesseiro mancha-
do com seu vômito, o rosto azulado… virado para o teto, como se
ele estivesse observando a mão da morte vindo atrás dele.
Esfregando os olhos, encarou o paciente de novo. Mesmo incons-
ciente, ele tinha o rosto crispado e uma tensão no corpo.
Não havia alívio para ele. Em parte alguma.
Pensou no irmão. E ficou enjoada.
– Há drogas aqui – disse rouca.
– O quê? – Apex retrucou.
– Isto é uma porra de uma fábrica de drogas, não é? Há drogas
aqui.
Apex abriu a boca como se tivesse a mania de lhe mandar ir se
foder e estivesse cedendo a ela novamente.
Ela balançou a cabeça para ele e disse rapidamente, embora ain-
da enxergasse o rosto do irmão morto entre uma piscada dos olhos
e outra.
– Há heroína. Aqui, neste lugar. Eu a vi nas ruas com o símbolo
da cruz de ferro. Vocês não vendem só cocaína, e opiáceos são
opiáceos. Eles fazem a dor ir embora. Podemos dar a ele uma pe-
quena dose de heroína, pelo menos assim ficará mais confortável.
Piscada. Seu irmão. Piscada. Seu irmão…
– Essa coisa mata pessoas.
Jura?, pensou ela.
– Só em excesso – disse ela. – E eu sei… como dosá-la. Eu não
vou dar demais para ele. – Rio deu a volta pela peseira da cama e
parou na frente do homem. – Leve-me até onde ela é preparada.
Posso testá-la. E depois voltamos para cá para ajudar o seu amigo.
Parceiro. Marido, o que quer que ele seja para você.
Apex lentamente se pôs de pé. Deus, ele era imenso, um cartaz
enorme anunciando uma surra, mas de carne e osso.
Ele a cutucou com força no ombro.
– Não preciso que você faça merda nenhuma.
Por que estou fazendo isto?, Rio se perguntou.
Bem… Porque poderia ver outras partes do prédio. Ele devia sa-
ber como se locomover por ali, onde as drogas eram processadas.
Ajudar o paciente seria de ajuda para si mesma.
– Não precisa de mim? – ela retrucou. – Sério? Bem, primeiro, vo-
cê está sentado a alguns cômodos de distância da solução para o
sofrimento dele e, evidentemente, nem pensou nisso. Segundo, sa-
be a dose? A dose necessária para aliviá-lo sem matá-lo? A respira-
ção dele já está comprometida, e imagino que a pressão esteja bai-
xa. Você não sabe qual é o limite, sabe?
– Você é enfermeira?
Ela se lembrou de todas as conversas com os médicos do pronto-
socorro na época da morte do seu irmão. Ela tivera que saber exata-
mente o que acontecera, desde o nível molecular, passando pelo
peso do irmão, até o corte da droga e o que mais havia no corpo de-
le. Ela tivera que…
– Não, mas sei muita coisa a respeito de overdoses.
O homem fitou o paciente.
– Ele sente dor o tempo todo – ela disse rouca, visualizando o
rosto do irmão toda vez que ele achava que ninguém estava olhan-
do para ele.
Apex passou uma mão sobre os olhos.
– Nunca. Ele sofre constantemente.
– Mostre-me onde estão as drogas. E, então, eu assumo.
Houve uma longa pausa. Então, Apex meneou a cabeça.
– Você não precisa vir comigo. Eu trago para cá. Do que precisa?
Quando ele a encarou, seu olhar estava vazio.
Rio franziu o cenho.
– Você sabe a diferença entre heroína, cocaína e metanfetamina?
Sabe diferenciar os adjuntos? E o fentanil?
– Claro. Do que precisa?
Ele estava mentindo, ela pensou.
– Sabe disso com certeza suficiente para arriscar matá-lo?
– E desde quando você é perita nisso?
– Estou apostando a minha vida no meu conhecimento, não es-
tou? – disse ela. – Se ele morrer, você vai dar cabo de mim, corre-
to?
Quando ela só o encarou, ele deu de ombros.
– Diga-me do que precisa.
Um traficante que não conhecia seus produtos. Inacreditável.
– O que você faz por aqui além de cuidar do seu parceiro? – mur-
murou.
– Ele não é meu parceiro.
– Irmão.
– Não.
– Amigo, então.
O paciente deu uma tossida de leve. Quando ambos se viraram
para o homem, um ligeiro sorriso distorcia a sua boca.
– Você deve perdoá-lo – disse o paciente. – Ele não sabe o que é
um amigo.
Rio se inclinou por cima da cama.
– Nós vamos buscar alguma coisa para aliviar a sua dor.
Houve uma respiração tremida.
– Faço o que posso para suportar. Mas estou cansado… e ficando
cada vez mais cansado.
Ela esticou a mão para dar um tapinha em seu braço, mas se con-
teve.
– Vamos cuidar disso.
Erguendo o olhar, ela cravou olhos sérios em Apex.
– Não vamos?
Enquanto esperava pela resposta, ela viu seu irmão parado perto
da cortina, vestindo calças jeans e a camiseta do Nirvana que usava
quando ela o encontrara morto.
Luis era tão real que ela sentia que poderia esticar a mão e tocar
nele.
E foi então que ela se viu forçada a reconhecer o real motivo pelo
qual estava fazendo aquilo, sua verdadeira motivação.
Ela estava revisitando a overdose do irmão e usando o que apren-
dera. Como se, ao aliviar o sofrimento do paciente… de alguma for-
ma isso recalibrasse o tanto que o irmão enfiara nas veias todos
aqueles anos atrás.
Era uma espécie de álgebra emocional que não fazia muito senti-
do.
Nada traria o seu morto de volta. Nem tornaria certas todas as
coisas erradas que aconteceram depois.
Aqueles eram eventos que não se relacionavam, e não importava
o resultado daquilo ali, pois não mudaria nada do que acontecera
antes.
– Não vamos? – repetiu.
Rio não sabia quem ficara mais surpreso. Os quatro homens que
se apressaram para dentro de sabe lá onde estava ela… ou o ho-
mem que ela acabara de matar com duas balas no coração.
Os tiros aconteceram num piscar de olhos. Ela fora levada para
aquele cômodo e o cara de preto de cabeça raspada se levantara
da mesa logo ali – e olhara para ela como se ela fosse um pedaço
de carne fresca.
A alegria fria no rosto dele fora algo a ser lembrado. Ainda mais
depois que ele pegou uma faca com uma lâmina tão longa quanto o
seu braço.
Depois de ser informado que ela tinha sido encontrada, dispensa-
ra os dois guardas, e o som da tranca sendo virada foi como um cai-
xão sendo fechado sobre seu corpo.
Tão seguro de si, tão completamente no controle. E, a despeito da
confusão mental, ela soube que só teria uma oportunidade, como
não deixava dúvidas aquela arma impressionante como uma espada
na mão dele.
Sacou a arma. Dois disparos, como se estivesse praticando num
estande de tiros: bem no meio do peito.
De fato, tudo aconteceu num piscar de olhos.
Na sequência, ele cambaleou para trás, olhando para seu esterno
como se estivesse aturdido com o fato de as balas não terem rico-
cheteado ou algo assim. Ela não se interessou pelos espasmos de
agonia, a não ser para monitorá-lo e se certificar de que não sacaria
outra arma nos seus três segundos e meio restantes de vida. Depois
de uns dois últimos repuxões, ele ficou parado, e bem quando ela
começava a se perguntar que diabos faria em seguida…
O comitê de recepção invadiu.
Luke deu um salto à frente.
– Você está bem?
Rio foi, em seguida, para os braços dele.
Ficou sem saber quem se dirigira para quem primeiro. Não se im-
portou com isso. Enquanto apertava os olhos, só ficou se segurando
àquele corpo forte e quente, inspirando o perfume dele, sentindo-se
grata por estar viva.
Não que ele usasse perfume. Deus do céu, o cheiro dele era aco-
lhedor como estar em casa…
Vagamente, ela tomou ciência de um som estalado e estranho. E
mais um. Seguido por duas sacolas sendo largadas no chão. Ele e
Apex tinham trazido bagagem?
Quem ligava? Naquele momento, só Luke importava.
– Temos que tirá-la daqui – disse ele.
Ela recuou e tocou no rosto dele. Em seguida, voltou a pensar.
– Ainda não. Preciso ajudar…
Rio não concluiu o pensamento quando algo ao fundo chamou
sua atenção. Olhando ao redor do braço musculoso de Luke, ela
piscou. Algumas vezes.
Os dois sons que ela pensou serem de bolsas batendo no chão
não eram do tipo Samsonite. Apex fizera algo dramático com os dois
guardas. Os dois homens estavam deitados de cara no chão – não,
espere, os corpos estavam de barriga para baixo; os rostos estavam
virados para cima.
E, agora, ele andava tranquilamente para a porta aberta para fe-
chá-la. Trancá-la.
– Temos problemas agora.
– Mais – ela o corrigiu atordoada. – Temos mais problemas.
Enquanto ela declarava o óbvio, uma série de regras e regula-
mentos do Departamento de Polícia de Caldwell abriu caminho ao
redor dos pontos-chave de tudo o que acabara de acontecer com o
homem e sua faca grande e da arma que ela ainda trazia nas mãos.
Estava afundada até as orelhas naquela história. De verdade. E
seus aliados naquela situação eram dois assassinos traficantes de
drogas.
– Muito bem – disse Luke ao começar a andar ao redor como se
estivesse pensando.
Quando chegou ao mostruário de rifles na parede, ele assentiu,
como se tivesse pedido o conselho deles e decidido fazer o que eles
lhe disseram.
– Temos que agir como se tivéssemos assumido o comando.
Apex, você e Mayhem ficarão de guarda aqui na frente até o cair da
noite. Ninguém questionará isso. Depois, assim que anoitecer, eu a
tiro daqui…
– Prepare-se para os guardas. – Apex se aproximou para dar uma
olhada no careca. – Eles vêm querendo achar uma brecha desde
sempre e interpretarão este corpo como um desafio, não como algo
sacramentado. E você quer mesmo controlar esse lugar?
– Lidaremos com isso quando for a hora. – Luke olhou para a por-
ta fechada. – Enquanto isso, faremos com que a morte dele se torne
óbvia para todos. Penduramos o corpo do lado de fora, na parede.
Demos um golpe. Estamos no comando agora.
Apex balançou a cabeça.
– Isso não vai durar. Os guardas vão atacar.
– Não precisa durar. Só precisamos resistir até o anoitecer.
Enquanto eles falavam, Rio caminhou pelos arredores, o conteú-
do daquele espaço enorme finalmente sendo percebido. Tudo esta-
va disposto como num posto de comando militar; a cama e o antigo
armário da década de 1940 eram a única mobília civil, o resto era
uma coletânea de rifles e armas, e havia também explosivos e mais
suprimentos, incluindo alimentos, água e equipamento de acampa-
mento, como se o homem estivesse preparado para sair dali sem
sobreaviso.
Chegando a uma mesa de reuniões rudimentar, tentou disfarçar
enquanto verificava os documentos repletos de colunas. Tudo era
escrito à mão – o que fazia sentido, já que não havia nenhum com-
putador nem nada eletrônico que ela pudesse identificar – e os da-
dos estavam organizados por data, peso e dólares. Espere, também
havia uma lista de nomes e horas.
Ela precisava copiar aquilo de alguma maneira, embora fosse lou-
cura.
E onde está o dinheiro?, ela ficou se perguntando.
Com uma operação daquelas, deveria haver montanhas de di-
nheiro guardado em algum lugar no local, e isso representava tanto
uma segurança quanto um desafio de estocagem.
Quando ela se virou, viu um celular. Era de um modelo novo, sem
capinha de proteção, nada a não ser uma superfície plana de vidro
por meio da qual se obtém acesso ao mundo. Relanceando para Lu-
ke e Apex, esticou a mão e apanhou o aparelho escorregadio com
uma das mãos.
Não cabia no seu bolso lateral. Era grande demais.
Deu as costas para os dois e o guardou dentro da calcinha.
Quando se virou novamente, Apex apanhara o cara do chão; a fa-
ca que estivera naquela mão deslizou e bateu no chão com um ba-
que.
– Vou cuidar disto – disse ele. – E procurar Mayhem.
Sem se incomodar com a situação, como se estivesse apenas
movendo um saco de batatas, ele se aproximou do teclado, inseriu
uma série de números e abriu a porta.
Assim, ela e Luke ficaram sozinhos.
Bem, desde que desconsiderasse os dois mortos no chão. Mas,
sério, eles não iriam interromper nada, iriam?
– Também preciso levar esses dois para fora – Luke disse num
tom de desculpas.
Como se os dois fossem hóspedes que abusaram da estadia.
– Posso ajudar. – Ela olhou para ele. – Faremos isso juntos.
– Capitão?
Quando José de la Cruz chegou à porta aberta do escritório, ba-
teu no batente.
– Está com visitas, Capitão? Willie não está na mesa dela.
Do lado de dentro do banheiro fechado, no outro canto, uma voz
abafada respondeu o que poderia ter sido qualquer coisa: Oi. Agora
não. Entre. Felizmente, um segundo depois, Stan emergiu do seu
cagadouro predileto, como ele mesmo dizia. Sua carranca parecia
tão profunda quanto uma caverna e, ao redor do pescoço, uma gra-
vata estava no processo de ser amarrada. Ou de o nó ser desfeito.
Difícil saber qual das opções.
– Vai tirar isso ou dar um jeito para que fique no lugar? – pergun-
tou José.
– Eu bem que queria não ter que usá-la de jeito nenhum. Mas a
que vesti hoje cedo sujou de mostarda na hora do almoço. Bem,
também caiu molho no casaco. – Stan apontou para o sofá onde
uma pilha azul-marinho tinha sido largada sobre as almofadas. –
Que bom que tenho peças extras de tudo no meu cagadouro predi-
leto.
Na mosca, José pensou.
– Seu lugar particular sagrado, uma alegria a contemplar. – Ele
entrou e parou diante do assento duro oposto à porta. – Onde nin-
guém a não ser o chefe entra.
– É o único trono que tenho. O que posso dizer?
José assentiu.
– Eu também o protegeria e teria ciúme dele se fosse você. Ainda
mais pela quantidade de policiais que comem dos food trucks na ho-
ra do almoço.
– Foi num desses que eu fui mostardizado, pra falar a verdade.
Não posso aparecer na casa de Stephan Fontaine com parte de um
sanduíche de presunto e queijo no peito. Bem ao lado da plaquinha
com o meu nome.
– Uau. Na casa do Fontaine. Que chique.
– Só mais um jantar de frango borrachudo.
Enquanto eles conversavam, os olhos de José passaram pela sa-
la. Passara tanto tempo atualizando Stan sobre os casos e proble-
mas no departamento que conhecia cada foto emoldurada nas pare-
des, bem como a janela que dava para o estacionamento dos fun-
dos, a bagunça eterna sobre a mesa e a bandeira americana dobra-
da ao estilo militar numa caixa triangular em uma das prateleiras.
Fechando os olhos, aquilo era como um videogame que tivesse jo-
gado vezes demais durante sua infância, os detalhes projetados por
trás das pálpebras.
Sentiria falta daquilo?, ficou se perguntando.
Não. Resolveu que achava que não.
– Eu ficaria surpreso se servissem frango – murmurou –, ainda
mais do borrachudo, na casa do Fontaine.
– Você deve ter razão. – Stan terminou de dar o nó na gravata e
abaixou o colarinho. – Mas, no fim das contas, é um evento como
qualquer outro. Você sabe como é. Algum idiota riquinho dando di-
nheiro para as organizações sem fins lucrativos da cidade e nós te-
mos aquele Fundo Benevolente da Polícia. Não me importaria se
parte dessa benevolência viesse na nossa direção.
– Você sempre pensou nos soldados rasos, Stan.
– Falando nisso, em que pé estamos em relação à policial desa-
parecida? – O capitão se acomodou em sua poltrona de couro. – Al-
guma pista do paradeiro de Hernandez-Guerrero?
– Não, lamento informar.
Stan praguejou e alisou a gravata limpa. Que parecia exatamente
igual a todas as suas outras.
– Meu Deus, José. O que vai contar à família dela?
– Ela não tem família.
– Espera, eu já sabia disso? Acho que sabia. E nenhum namora-
do, marido, esse tipo de coisa, certo?
– Não, ela morava sozinha. Há alguns primos fora da cidade, e
estamos esperando ter notícias deles.
Balançando a cabeça, os olhos de Stan se distanciaram.
– Você tem sorte de estar se aposentando. Não sei o quanto mais
aguento dessa merda. E quanto ao policial Roberts? Como está a
família?
– Arrasada. Foi horrível.
– Maldição. Pelo menos ele não tinha esposa e filhos, e se é só
isso que podemos dizer de bom dessa situação, é uma merda.
Enquanto Stan olhava para o vazio, ficaram em silêncio por um
minuto, não mais capitão e subordinado, apenas dois homens que
se conheciam há mais de vinte anos num contexto que podia ser
bem difícil às vezes.
– Você sabe – disse Stan –, a minha Ruby costumava ser ótima
em situações como esta. Aquela mulher faria de tudo pela família de
qualquer policial morto. Prepararia comida para elas, deixando tudo
congelado e pronto pra esquentar, o pacote completo. Faria visitas e
ajudaria nas tarefas domésticas. Pegaria as crianças na escola, se
fosse preciso. Ela era ótima, uma extensão do departamento.
– Verdade. Como ela está?
– Bem. O segundo casamento está indo muito melhor do que o
primeiro. Que surpresa, hein? – Stan esfregou o rosto e olhou para
a mesa bagunçada com uma expressão de desesperança que não
tinha nada a ver com toda aquela papelada. – Ela fez bem em me
deixar. Pedidos demais para congelar as refeições, e isso nem co-
bre a metade da questão. Você tem sorte de ainda estar casado.
– Tenho mesmo. – José relanceou pela janela e quis mudar de as-
sunto, como se sentisse uma espécie de culpa de sobrevivente em
relação a casamentos. – Está escurecendo cedo agora.
– O inverno está chegando. De todo modo, chega de ex-mulheres
e de falar do tempo. Conte-me o que descobriu até agora a respeito
do policial Roberts.
– Bem, o médico-legista priorizou a autópsia dele e a realizou esta
tarde. Estou com o resultado. Temos a bala.
– Muito bom. A balística está trabalhando nisso?
– Está. Nesse meio-tempo, Treyvon e eu fomos ao apartamento
do Roberts.
– Encontraram alguma coisa?
– Nada que não esperássemos. Comida velha na geladeira. Latas
de cerveja no lixo reciclável. Nenhum sinal de luta ou furto. Não en-
contramos nenhuma chave de carro, mas pode ter caído do bolso
quando ele estava no rio. A mesma coisa com a carteira dele.
– E quanto ao carro?
– Ainda não o localizamos. Mas ele vai aparecer.
– Essa cidade está ficando violenta demais. – Stan praguejou de
novo. – Talvez eu só precise de férias pra recarregar. Ou me apo-
sentar, como você.
– Você tem uma boa reserva.
– Não, o que eu tenho é uma boa dívida. Tive que fazer uma se-
gunda hipoteca para pagar a parte da Ruby. Pra ela poder bancar
aquele outro vestido de noiva dela. De todo modo… a vida normal
custa caro. – Deu de ombros. – Pensando bem, eu sempre posso
arrumar outro emprego depois que este acabar. Talvez eu abra um
food truck. Ou dirija um, na verdade.
– Você sabe cozinhar?
– Tá bom, talvez outra coisa. – O capitão gesticulou ao redor da
mesa. – Convenhamos, estou velho demais para este tipo de traba-
lho. Olha só pra toda essa merda. Tudo é computadorizado, e tem
sido pela última década. Talvez mais. Sou praticamente inútil.
– Você é amado pelos policiais. Tem a lealdade do pessoal de bai-
xo.
– Mas aquela prefeita… Ela vai acabar comigo. – Stan deu de om-
bros. – Talvez eu precise de um barco a vela.
– Para relaxar?
– Para fugir.
– Você já velejou antes? Sabe nadar?
– Você vai continuar encontrando problemas nos meus planos? E
só estou falando de velejar na direção do pôr do sol. Ei, o que você
vai fazer com todo o seu tempo livre?
José riu de leve.
– Vou começar com uma semana inteira sem ser acordado no
meio da noite.
– O seu padrão é bem baixo, meu amigo.
– É justo. – José se pôs de pé. – Divirta-se no Fontaine.
– Ei, precisa de mais recursos para esses dois casos?
José meneou a cabeça.
– Treyvon e eu cuidamos disso. E todos no departamento estão
ajudando.
– Maravilha. É assim que tem que ser. – Stan calibrou o peso so-
bre os sapatos sociais e ergueu um dedo. – Escuta, antes que eu
esqueça: pode me dar uma cópia do relatório mais recente sobre
Roberts? Sou perseguido por câmeras onde quer que eu vá e preci-
so estar preparado para as perguntas com todos os detalhes rele-
vantes. Controlar a expressão quando jogam merda em você é mais
difícil do que você pensa, e a imprensa parece sempre saber de tu-
do.
– Cara, fico feliz por não ter o seu emprego.
– Eu só quero estar preparado.
– Claro. E eu trago tudo antes de ir embora à noite.
– Odeio ter que pedir que fique até mais tarde.
– É o meu trabalho. Pelo menos pelas próximas quatro semanas.
Depois das despedidas, José fechou a porta atrás de si e acenou
para Willie, a assistente executiva do capitão que estava de volta à
sua mesa na recepção.
A divisão de homicídios ficava no fim do corredor da sala do chefe
e, quando ele se aproximou, conseguiu ouvir o burburinho das vo-
zes saindo das baias para o corredor. Entrando na sala de leiaute
aberto, com seus cubículos e detetives falando rápido, ele sentiu
uma descarga conhecida e antiga atravessando-o. Não era agradá-
vel em si, mas ele tampouco desgostava dela.
A ideia de nunca mais vivenciar aquela descarga de adrenalina
fez com que ele sentisse estar vivendo uma espécie de luto.
Tentando se impedir de pensar demais na situação, ele seguiu na
direção da mesa de Trey e trouxe à mente a situação de chefe do
Stan – e ficou contente porque a força policial não tinha colocado
um burocrata indiferente naquela cadeira.
Se o homem estivesse mesmo falando sério quanto a se aposen-
tar também, José tinha mais um motivo para ficar feliz com a sua
própria aposentadoria.
As coisas mudariam bastante no Departamento de Polícia de
Caldwell se Stan deixasse de ser o encarregado.
E não para melhor.
CAPÍTULO 38
Rio ficou ao lado de Luke por… bem, ela não sabia exatamente
por quanto tempo. Havia um banheiro por trás de uma divisória num
canto e, de tempos em tempos, ela se levantava para encher um co-
po de água, certificando-se de que, quando ele despertasse, ela es-
tivesse ali para ajudá-lo a erguer a cabeça e sorver uns goles. Ele
se recusara a comer o pão e o queijo que Mayhem trouxera e colo-
cara sobre a mesa junto a todos aqueles papéis escritos à mão. E
Luke não parecia estar descansando quando estava inconsciente –
mais parecia que desmaiava e recobrava a consciência num ciclo
que dificilmente poderia ser considerado tranquilo.
Isso a fez lembrar-se de Kane.
E, falando no outro paciente com queimaduras, Apex, junto a
Mayhem, estava do lado de fora, montando guarda diante da porta
fechada, perto do corpo frio do Executor…
Luke produziu um som no fundo da garganta como, se estivesse
tossindo, e ela se inclinou para mais perto dele. Passara bastante
tempo encarando o seu rosto, rastreando com os olhos os ângulos e
planos do malar, do maxilar, da testa. Parecia incrivelmente íntimo
olhar para ele assim, sem que ele tivesse ciência do que ela fazia,
como se estivessem separados por uma multidão e ela estivesse
num canto escuro, admirando-o.
Especular sobre a vida dele era inevitável, e ela ficou se pergun-
tando como ele fora parar naquilo, no tráfico de drogas, num lugar
que tinha sua pseudoforça policial. Quem foram seus pais? Onde
ele fora criado?
O que ele faria depois que esse período da sua vida tivesse termi-
nado?
Se o fim daquilo não fosse uma cova.
Pensando bem, a única saída para ele seria a morte. Pessoas en-
volvidas demais no tráfico como ele não saíam daquilo vivas. E elas
eram mortas de modo brutal.
Pensou no Charger daquele beco, no motorista alvejado. E se
lembrou do cara morto junto à escada de incêndio.
E, por fim, o assassino contratado daquele apartamento – e quem
é que poderia ter antecipado a entrada daquele cão enorme?
E, ah, também havia o Executor, em quem ela atirara.
Não, Luke não viveria tempo bastante para se aposentar: ele era
apenas mais uma engrenagem na máquina que matara não somen-
te o irmão de Rio, mas sua família inteira.
– Eu deveria odiá-lo – sussurrou para Luke.
Deveria odiá-lo por vender as mesmas drogas que arruinaram não
só Luis, mas a sua mãe e depois o pai. Porque quando se trata de
narcóticos ilegais é assim mesmo: você não tem que usá-los para
se perder neles.
Às vezes, só é preciso que um filho seja usuário, e morra por cau-
sa disso, para levar consigo uma família inteira.
Incapaz de continuar parada, levantou-se do colchão e caminhou
pelos arredores. Seu vagar inocente a levou até a mesa dobrável.
Quando ela olhou para as colunas de números e cifrões, foi um alí-
vio poder se concentrar em algo.
Eram provas inestimáveis, pensou. A questão era como tirá-las
dali…
O telefone. Ela tinha aquele telefone.
Olhou para Luke e se certificou de que ele ainda estivesse dor-
mindo. Em seguida, pegou o aparelho do bolso. Claro que estava
travado, mas era um iPhone, portanto, ela deslizou o dedo pela par-
te de baixo da tela.
E acessou a câmera.
Desligando o som para garantir que ninguém ouvisse nada, ela
puxou algumas das páginas e as ajeitou. A primeira foto que tirou
saiu borrada porque sua mão tremia. Tentou de novo. Melhor.
Sentando-se, passou a fotografar cada página de cada pilha, ten-
tando captar tudo o que podia em cada imagem. Depois de ter ter-
minado, partiu para algumas folhas soltas, que tratavam de coisas
como funcionários e grade de horários para os guardas. Havia tam-
bém formulários de pedidos de alimentos. Em grande quantidade.
– É preciso alimentar todo mundo – ela murmurou. – Claro que
sim.
Farinha. Açúcar. Produtos enlatados.
Uma imagem repentina da cozinha do filme O Iluminado lhe veio à
mente: Wendy e Danny Torrance sendo conduzidos por Dick Hallo-
ran pelo depósito de alimentos, repleto de imensas latas de vege-
tais, caixas de cereal e jarros de molho perfilados.
Devia haver um refeitório em algum lugar ali, pensou. E equipe de
apoio, com funcionários cujo trabalho consistia em alimentar os ou-
tros. A logística era enorme…
A batida na porta junto à parede foi alta e, quando ela se assus-
tou, derrubou o telefone. Felizmente, o aparelho aterrissou em seu
colo, mas, quando a porta foi aberta, ela não conseguiu colocar o
celular no bolso sem ser muito evidente a respeito. Deslizou-o para
baixo da coxa e depois fez que se espreguiçava, esticando os bra-
ços acima da cabeça.
– Ele ainda está dormindo – disse a Mayhem. – Isso tudo é pra
gente? Não terminamos nem o que veio da primeira vez.
O cara trazia outra bandeja grande nas mãos, com mais pão e
mais do mesmo queijo, junto com latas de Coca e Sprite.
– Imaginei que gostaria de levar um pouco de comida quando fos-
se embora. – Ele deixou a bandeja na mesa, em cima dos documen-
tos. – Não é muita coisa, mas vai encher a barriga. Também trouxe
uma bolsa onde você pode colocar tudo.
– Obrigada.
Quando Mayhem se virou para ver o amigo, ela descobriu o pão
com uma mão e empurrou o celular para dentro do bolso com a ou-
tra.
– Não sou exigente – ela disse ao tirar um pedaço e colocar na
boca. – Hum… Ainda está quente.
– Recém-saído do forno.
– Cara, vocês têm de tudo por aqui, não?
– O suficiente para seguir em frente, pelo menos. – Mayhem sor-
riu. – Você é uma excelente enfermeira. Ele já está com uma apa-
rência melhor.
– Está?
– Sim. Não está, Lucan?
– É esse o nome inteiro dele? – ela perguntou quando não houve
resposta. Quando o cara só deu de ombros, ela relanceou para a
porta de trás. – Você sabe que não vou embora até ele melhorar.
Mayhem assentiu.
– Imaginei. E ele vai querer se despedir de você.
– Como estão as coisas lá fora? Está tudo… bem?
– Descobriremos logo. O sol já se pôs e tudo está começando a
se agitar. Não se preocupe, manteremos todos fora daqui. Além do
mais, você sabe a senha da porta dos fundos. Eu vi que prestou
atenção quando eu a digitei. Se der merda, você sai e corre como
se a sua vida dependesse disso. Porque vai depender.
Ela pigarreou e abriu uma das Cocas.
– Está gelada. Engraçado como essas coisas podem parecer
gourmet, não?
– Os padrões mudam dependendo de onde você está. Bem, pre-
ciso voltar pra lá. – O homem dirigiu-se para a porta e depois olhou
por cima do ombro para ela. – Grite se precisar da gente.
– Na verdade, eu estava pensando em dar uma olhada lá fora pa-
ra ver se a fogueira já apagou. Qual é mesmo a senha para entrar?
Os olhos de Mayhem se ergueram um pouco, ainda virados na di-
reção dela, mas não mais para os olhos. Então, ela sentiu uma dor
de cabeça chegando – ou talvez fosse a de antes voltando. De todo
modo, praguejou e esfregou as têmporas.
– Pois é, deixa que eu me preocupo com isso – Mayhem disse nu-
ma voz baixa e séria.
– Mas o fogo pode chamar atenção – ela murmurou em seu des-
conforto. – Quer dizer, a questão de não trabalhar durante o dia é
pra garantir que não haja nenhuma atividade, certo?
– Está tudo bem. Isso não é um problema.
– Eu só pensei que poderia ajud…
– Escuta, eu agradeço muito o que está fazendo por Lucan. E por
Kane também. Sério, foi incrível. Além do mais, está na cara que vo-
cê tem coragem e nos fez um favor com o Exibicionista. Mas não
vou te dar a senha pra entrar no prédio. Sinto muito. Não posso fa-
zer isso.
– Tá tudo bem. – Ela ergueu as mãos. – Eu só estou inquieta e
procurando alguma coisa pra fazer até ele acordar de vez. Está tudo
bem.
Mayhem assentiu mais uma vez.
– E, lembre-se, não importa o que aconteça, as pessoas deste
prédio não têm como entrar aqui. Tampouco podem incendiar este
lugar. A parede é resistente a chamas. A mesma coisa nos fundos.
Este lugar foi projetado para ser uma fortaleza.
– Obrigada.
Houve um instante de silêncio.
– Rio. Esse é o seu nome, certo?
– Sim.
– Nome legal.
Quando ele desapareceu pela porta, um tremor a trespassou. Al-
guma coisa estava errada naquilo, ela pensou. Alguma coisa…
Chacoalhando-se, ela olhou para Luke na cama.
– Paranoia não vai ajudar em nada aqui.
Com isso em mente, comeu um pouco do queijo. Tinha gosto for-
te, mas não desagradável. Junto ao pão? Bem, basicamente a me-
lhor coisa que já colocara na boca – embora isso se devesse mais
àquela coisa que as mães sempre disseram do que com a comida
em si.
Que a fome é o melhor tempero. Ou algo desse tipo.
Levantando-se da mesa, pegou seu sanduíche improvisado e,
sem se dar conta, analisou sistematicamente o local como se ele
fosse a cena de um crime…
Bem, porque era mesmo. Três homens tinham morrido ali. Um de-
les – aquele pendurado na parede do lado de fora – por causa das
suas próprias ações.
Inspecionou tudo, desde o banheiro até a parte reservada para a
troca de roupa, a prateleira de armas…
Rio encontrou a chave do carro pendurada num gancho junto aos
rifles.
Chrysler. Um controle com uma única chave de cabeça preta. En-
fiando-a no outro bolso, virou-se para Luke. Lucan. Qualquer que
fosse o nome dele. Sua respiração estava melhor agora, embora is-
so fosse algo relativo. Ainda parecia sentir dor, pois as sobrancelhas
estavam unidas acima do nariz.
Talvez ele precisasse de um pouco daquilo que dera a Kane, em-
bora não estivesse tão gravemente ferido quanto o outro.
De volta à cama, ajoelhou-se e olhou para o dorso da mão dele,
aquela tão seriamente queimada. E franziu a testa. A pele parecia…
bem menos vermelha e inflamada, como se estivesse no meio do
processo de cura, mas num ritmo muito mais acelerado do que seria
considerado normal.
Pensou na aparência da queimadura quando eles estavam fora
do prédio, no estacionamento de trás, junto ao fogo. Não que ela ti-
vesse qualquer treinamento médico além das manobras básicas de
ressuscitação e noções básicas de primeiros socorros, mas o feri-
mento lhe parecera ser de terceiro grau, com bolhas se assomando
da manga na altura do punho até os dedos. Agora? Pareciam ape-
nas queimaduras de sol, nada mais que isso.
Milagroso.
No fundo da mente, um sino de alerta que a salvara vezes demais
começou a tocar de fato. Ele vinha ameaçando fazê-lo desde que
ela e Apex se apressaram por aquele corredor no andar de cima – e
do nada ele se envergou e teve que lutar para avançar por aquele
lugar sem nada de errado como se participasse de uma corrida de
obstáculos cujas barreiras eram produtos químicos radioativos.
Rio praguejou baixo e pensou no transe estranho em que o guar-
da a colocara naquela sala de trabalho, como a sua mão armada se
abaixara por vontade própria.
Mas aquilo não podia ter acontecido, certo?
Afinal, quantas pancadas na cabeça levara nos últimos dias? Era
mais provável que a sua mente estivesse funcionando mal do que
algo místico estivesse acontecendo.
E mesmo assim ela não conseguia se livrar da sensação de que
nem tudo era como parecia ser.
Rio permaneceu um pouco mais ao lado da cama, no chão, e de-
pois disse a si mesma que precisava usar o seu tempo com sabedo-
ria. Voltando para a mesa, pegou um pedaço de papel e um lápis do
meio daquela bagunça. E se sentou de costas para a porta para o
caso de ter que encobrir o que fazia.
Fechando os olhos, visualizou a clínica. A escada. A sala de tra-
balho com suas mesas e aquelas duas escrivaninhas e o engradado
com quilos de drogas no canto.
Quando reabriu os olhos, começou a esboçar uma planta de tudo
o que podia se lembrar naquela instalação. O esforço não só era in-
formação que pretendia passar aos seus superiores… mas também
lhe pareceu um teste de cognição das suas habilidades.
Se ela as perdesse naquela situação?
Seria uma mulher morta.
CAPÍTULO 40
Sentada ao lado de Luke, a Rio parecia uma loucura que não esti-
vesse conseguindo se conter. Depois de tudo o que acontecera nos
últimos… Quanto tempo tinha sido? Cinco anos? Vinte e cinco? Um
século? E agora, depois de ter sido atropelada por um carro, se-
questrada, atacada, acolhida pelos traficantes de drogas que ela
tentava prender, agora ela estava se descontrolando?
Mas algo tinha acontecido quando Luke acordou e olhou para ela.
E depois que segurou a sua lata de refrigerante. E depois que pediu
por outra. A humanidade do sofrimento e da recuperação dele fizera
com que ela se esquecesse de toda aquela coisa de tira/criminoso.
Eles eram apenas duas pessoas numa situação de merda, tentando
sobreviver, e ela estava contente por ele não…
– Eu pensei que você ia morrer – deixou escapar.
Ela cobriu a boca com uma mão, e foi um alívio quando ele riu.
– Eu também pensei.
Assentindo, ela voltou a abaixar o braço e olhou para… o peito…
extraordinariamente nu… dele. E para os ombros. E…
Tá, aquele abdômen tinha sido esculpido.
– Abra-se para mim, Rio – ele sussurrou. Depois, deu de ombros.
– Se está preocupada com a sua privacidade, o que realmente pode
acontecer? Sou só a porra de um traficante preso a essa vida, e não
vou a parte alguma tão cedo. Não tenho ninguém, nenhuma família,
nenhum amigo, por isso, não falo com ninguém a respeito de nada.
Eu não conto. Sou um buraco negro sem importância.
– Não diga isso. – Ela enxugou os olhos que estavam marejados
novamente. – Como pode dizer isso…
– É a verdade, e não há nada de errado em se admitir a verdade.
Ela a libertará mesmo quando estiver no inferno. – Ele esticou um
indicador. – Acredite em mim quando digo isso.
– Qual é a sua verdade? – ela perguntou.
– Acabei de contar.
Rio meneou a cabeça.
– Você não é um buraco negro. E eu posso provar.
Ele deu uma risada breve.
– Se usar uma longa equação matemática, vou ficar perdido. Nú-
meros não são pra mim.
– Nem pra mim. Sou péssima em matemática.
No silêncio que se seguiu, ela o avaliou cuidadosamente – e sou-
be que tentava memorizar como ele era. Queria guardar todos os
detalhes dele pelo tempo que vivesse, desde os cabelos loiros e
castanhos que se curvavam na testa até o modo como os lábios se
entreabriam e o fato de que os seus olhos a meio mastro ganhavam
uma cor ainda mais intensa.
Havia tantos motivos para se lembrar de que ela era policial e ele
fazia parte de um empreendimento criminoso, e eles jamais ficariam
do mesmo lado.
E jamais fariam amor.
Ou, pior, jamais se apaixonariam.
Ainda assim, ela esticou a mão pelo espaço que os separava e
seus dedos tremeram sutilmente quando fizeram contato com um
ponto bem acima do coração dele. A pele estava quente, mas não
como quando ela a tocara para acordá-lo e ter certeza de que ainda
estava vivo. Ele estava com febre, mas agora a temperatura tinha
baixado.
– Eu sinto você – sussurrou. – Portanto, você existe… E isso não
é ser nada.
Luke baixou o olhar para a mão em seu esterno, como se não
conseguisse entender o que havia ali – ou talvez não conseguisse
acreditar. E, na pausa que se seguiu, ela supôs que havia muitas
coisas que ele poderia fazer agora: ele poderia beijá-la, poderia se
afastar, poderia fazer piada e tentar diminuir a súbita intensidade
que tomava conta dela e parecia estar tomando conta dele.
Em vez disso, ele fechou os olhos. E pôs uma mão sobre a dela.
– No que está pensando com os seus olhos tão fechados?
– Que fazia muito, muito tempo que o meio do meu peito não
doía.
CAPÍTULO 42
Aquela boca.
Aqueles lábios.
Aqueles dois dedos entrando e saindo daquela boca e daqueles
lábios, entrando e saindo, entrando e saindo – e depois foi a vez da
língua. Enquanto Rio lambia os dedos molhados, a sua língua rosa-
da e habilidosa…
Lucan despencou do penhasco e lançou uma combinação de síla-
bas. Ele não soube bem o que disse, mas “POR FAVOR” foi a parte
principal.
Exatamente como ela queria que fosse.
E, inferno, no ritmo em que ela estava, ele teria lhe dito qualquer
coisa que ela quisesse – as capitais dos estados, nomes de países.
Uma maldita lista de compras.
– Muito bem – murmurou ela –, já que está pedindo com tanta
educação.
Os braços dela se estenderam novamente e ele sentiu as mãos
dela deslizarem por trás das suas coxas uma vez mais.
– Me dá – sussurrou ela. – Me deixa sentir o seu gosto.
Com uma sensação de irrealidade, Lucan afastou as pernas e
conduziu a ereção latejante na direção da…
A língua veio primeiro. Ela lambeu a ponta, tilintando-a e provo-
cando um pouco mais até que as pernas dele tremessem. Em segui-
da, quando ele estava para se descontrolar, quando seu braço intei-
ro tremia, quando o jorro estava para acontecer…
Rio abriu a boca e o engoliu.
O choque de receber exatamente aquilo que mais desejara o dei-
xou momentaneamente entorpecido – e esse foi o único motivo de
não ter gozado de pronto. E então houve a visão incompreensível
da sua largura esticando os lábios dela, do branco dos seus dentes
inferiores aparecendo, da profundidade da sua garganta tão expos-
ta…
Tão tentadora para as suas presas.
Quando elas tiniram e se alongaram, uma rajada fria de alerta o
trespassou. Não, não podia pensar nisso. Não podia deixar aquela
fantasia de mordê-la, de sugar algo dela em seu íntimo, fosse tão
longe assim.
Ele já estava perto de perder o controle e não a machucaria, não
poderia machucá-la de maneira nenhuma – nem colocar a vida dela
em perigo ao chupar todo o seu sangue.
– Hummmm – ela gemeu ao engoli-lo de novo.
– Preciso tocar em você – ele grunhiu. Ou algo assim. Mas que
porra estava saindo da sua boca?
Inclinando-se sobre ela, concentrou-se nas calças, atacando o zí-
per com mãos atrapalhadas, muito atrapalhadas. Nesse meio-tem-
po, ela assumiu o controle de onde ele estivera segurando, mãos
apertadas, bem apertadas ao redor dele, começando a bombeá-lo
enquanto o chupava.
Desceu o que lhe cobria a parte de baixo do corpo e ela o ajudou
na tarefa, chutando as botas para fora dos pés, descendo o tecido
com os dedos dos pés…
Tudo bem, ele quebrou a sua regra de nada de mordidas quando
se inclinou mais para baixo e arrancou com as presas a faixa lateral
da calcinha. E, para deixar tudo igual, porque o que é justo é justo,
ele arrancou a outra lateral que estava do outro lado do quadril com
as mãos.
Lucan partiu logo com a boca. Afastando bem as coxas, ele co-
meçou com os lábios, atiçando-lhe o sexo enquanto ela o chupava,
o prazer se tornando nuclear…
Quando ela gritou, ele só percebeu por causa da respiração quen-
te dela e da inalada fria, que o levaram ao limite.
Ou não. Talvez fosse o gosto dela. A sensação de deslizar dentro
dela. O modo como ela se virava de lado enquanto se retorcia em
êxtase, ele sendo forçado a voltá-la para a posição.
Ou… pode ter sido o modo como ela girou o quadril contra o rosto
dele enquanto gozava. Ao mesmo tempo que ele gozou.
Foi o sexo mais perfeito da sua vida.
E ele nem a tinha possuído ainda.
Deus, por que não tinham mais tempo?
– Alô?
Quando a terceira chamada ao seu contato direto, Leon Roberts,
finalmente foi atendida, Rio sentiu-se aliviada por uma fração de se-
gundo. Porque o homem que atendeu repetiu a saudação e ela sou-
be que não era Leon.
– Alô…?
Sem conseguir ordenar os pensamentos, ela pisou no freio. Os
pneus do SVU se agarraram de imediato ao asfalto e a fizeram pa-
rar ruidosamente na pista estreita da estradinha. Quando uma onda
de medo se apossou dela, sua visão periférica se aguçou, os pinhei-
ros em ambos os lados do acostamento surgindo quase que com
uma clareza dolorosa no brilho dos faróis.
Roberts nunca ficava sem o seu celular. E ela telefonara para ele
tantas vezes nos últimos três anos que reconheceria seu número e
sua voz em qualquer lugar.
– Consigo ouvi-la respirando – o homem do outro lado disse. –
Sei que não desligou.
Não, ela não tinha desligado. Mas onde estava Roberts?
– E eu acho… eu acho que sei quem é. Embora o número não es-
teja na lista de contatos do Roberts.
Rio cobriu a boca com a mão livre. Deus, ela conhecia aquela
voz. Sabia quem era.
Lágrimas brotaram em seus olhos e ela piscou rápido.
– Se eu estiver certo e você for mesmo quem eu penso que seja –
continuou o homem –, precisa ouvir com muita atenção. Não… não
volte para casa. Onde quer que esteja, se for seguro, fique. As coi-
sas não estão boas aqui… em casa. Entende o que estou dizendo?
Acho que sei quem você é e isso significa que você sabe o que es-
tou dizendo e por que estou dizendo.
Afastando o celular do ouvido, Rio olhou para a contagem dos se-
gundos que se moviam rapidamente.
Depois, voltou a colocar o aparelho onde devia. Abaixando a voz
para disfarçá-la, disse:
– Detetive José de la Cruz.
Houve uma breve pausa.
– Sim. E imagino que possa adivinhar por que fui eu que atendi o
telefone.
De uma vez só, ela estava de volta ao centro da cidade, apres-
sando-se para se encontrar com Luke pela primeira vez, aceitando a
chamada em seu celular. Claro como água, ela escutou a voz de
Roberts em seu ouvido, contando que sua identidade estava com-
prometida. E também houve outra coisa, enquanto ela falava por ci-
ma dele. Ele tinha dito que lhe enviara alguma coisa. Não foi?
O que ele teria lhe enviado?
De repente, não havia mais ar no SUV, por isso, ela abriu a janela
um pouquinho, deixando que o ar frio entrasse.
– Casa – disse num falso tom grave. – Vá para casa.
E rapidamente encerrou a ligação.
Talvez ele entendesse o que ela tentara lhe dizer. Talvez não.
Mas, de todo modo, o detetive José de la Cruz, da homicídios,
acabara de salvar a sua vida.
Alguém de dentro estava atrás dela. E matara seu colega, seu
amigo, por causa disso.
Segurando o celular junto ao peito, ela tentou respirar, tentou pen-
sar. E, algum tempo depois, percebeu que tinha parado ao lado de
uma placa verde e branca.
Norte do estado. Ela estava muito ao norte do estado.
A ideia de que não poderia voltar ao seu apartamento fez com
que se sentisse num país estranho e não falasse o idioma. Pensan-
do bem, ela não fazia ideia de para onde ir e com quem poderia fa-
lar. Do que era seguro. Do que deveria fazer…
Outro par de faróis fez a curva, vindo na sua direção.
Voltando a prestar atenção, jogou o celular pela janela do outro la-
do da pista e pisou no acelerador, seguindo em frente. Estava num
SUV roubado, que pertencia a traficantes de drogas, com um celular
que surrupiara de um cara em quem atirara e matara, presa num vá-
cuo de informações em que um movimento errado poderia levá-la
ao mesmo lugar onde Roberts estava.
Onde quer que o túmulo dele estivesse.
Rio continuou dirigindo até chegar a uma pequena vila, uma com-
binação de lanchonete/vendinha, um banco e um posto de gasolina.
Não estava com fome, e também não tinha dinheiro.
Pelo menos o tanque estava cheio.
Aquela gasolina e aquele veículo, do qual não era a dona, eram
basicamente todos os seus bens.
Deus, o que estava fazendo? Imaginara que, se conseguisse se
manter afastada do caminho de Mozart até chegar à delegacia, fica-
ria bem. Mas agora isso não era uma opção.
Tinha que encontrar um lugar seguro para organizar seus pensa-
mentos e descobrir o que precisava fazer. Mas e ela lá conhecia
aquela região?
Quando Lucan saiu pela porta da frente do Willow Hills, a sensa-
ção de que as coisas estavam se fechando e começavam a exauri-
lo, sufocá-lo, tornara-se um perseguidor tangível, que já alcançava
os seus calcanhares. Sabia o que tinha que fazer, sabia onde tinha
que fazer, sabia o que tinha que conseguir para ser bem-sucedido.
Mas na curta distância entre os aposentos privativos do Executor
e aquela saída imensa e decrépita, ele tomou uma decisão: Rio não
seria envolvida no que aconteceria em seguida. Trataria diretamente
com Mozart. Dessa forma, ele se certificaria de que Kane continua-
ria vivo sem colocá-la em perigo. Depois, ele poderia…
Ficar completamente louco bem calma e tranquilamente.
Excelente plano.
Porém, convenhamos. Ela sabia que estava em perigo. Ele a res-
gatara, pelo amor de Deus. A conversa deveria ter sido sobre tirá-la
da vida das drogas, e não a ele, mas estava distraído demais pelas
emoções para ser esperto e lógico como deveria ter sido. E não era
sempre assim?
Fechando os olhos com uma imprecação, desacelerou a respira-
ção e aprontou-se para se desmaterializar. Só desaparecer dali. Sair
em moléculas dispersas…
Quando nada remotamente parecido aconteceu, ele reabriu os
olhos e olhou de volta para o sanatório.
Todas aquelas vidas presas ali, sofrendo até a morte, quando seri-
am jogadas pelo duto de cadáveres para assar até virarem cinzas
ao sol. Ninguém para lamentar suas mortes, ninguém para dar por
sua falta. Esquecidas.
Pelo amor de Deus, a maioria das pessoas dali nem sequer se
lembrava por que e como tinha sido detida.
Mas teriam que esperar pela chegada de outro salvador. Que não
seria ele. Ele não era nenhum herói. Nunca tinha sido.
Uma vez mais, ele fechou os olhos. Controlou a respiração. Pro-
funda… lenta. Tranquila…
Quando permaneceu grudado ao chão, quando seu corpo conti-
nuou pesado e cheio dentro da pele e o cenário se manteve imutá-
vel, ele perdeu a calma e começou a andar. Mais uma centena de
metros e ele tentou se desmaterializar de novo. E outra vez mais lo-
go depois, após andar outra centena de metros.
Sua cabeça estava fodida demais para ele se concentrar como
deveria para virar fantasma.
Seria uma caminhada longa pra cacete até Caldwell.
Cara, aquela noite ficava cada vez melhor.
Subindo o zíper da jaqueta, entrou na mata de pinheiros, afastan-
do do rosto os galhos desprovidos de folhagem, abrindo caminho
até a cerca de metal. Foi forçado a subir se agarrando a ela, balan-
çando o corpo até o outro lado. Quando aterrissou com uma impre-
cação, seguiu em frente.
Provavelmente teria que “pegar emprestado” o carro de algum hu-
mano naquela estradinha.
Claro, porque havia muitas pessoas vagando por lá àquela hora
da noite. Era mais provável que acabasse atropelado por um ôni-
bus…
Monte Carlo.
Maldito Monte Carlo, ele pensou ao começar a trotar.
CAPÍTULO 49
Lucan teria deixado seu lobo sair se não precisasse manter in-
tactas as suas roupas. Por isso, ele entrou na floresta andando tão
rápido quando sua forma bípede permitia, embora, debaixo da pele
seu outro lado quisesse a todo custo se libertar para cobrir o terreno
com as quatro patas.
Mas não era hora para isso.
E aquela casa de fazenda abandonada só ficava a uma distância
de três a cinco quilômetros, no máximo.
Estava a cerca de duzentos metros da propriedade, passando por
cima de uma árvore caída que obstruía o caminho, quando o cheiro
o atingiu pela primeira vez. Desacelerando, teve que se certificar do
que era mesmo aquele cheiro.
Gasolina. No meio da floresta?
E era recente – seguido de cheiro de óleo e fumaça. O buquê era
sutil, mas inconfundível.
Rastreando o cheiro, mudou de direção, movendo-se lateralmente
sobre o terreno para garantir que não chamaria a atenção de nin-
guém…
Lá estava. Enfiado numa densa moita de arbustos espinhosos, o
SUV prata poderia muito bem ter sido coberto por uma lona de ve-
getação perene.
Seria possível?, pensou quando o coração acelerou.
– Rio? – sussurrou ao se aproximar do veículo.
Circundando as janelas escurecidas, não conseguiu enxergar
muita coisa no interior, mas o carro estava trancado.
Lucan se virou e olhou através dos galhos entrelaçados da moita.
A casa de fazenda estava logo ali – mas ele sentiu como se estives-
se do outro lado do país. Movendo-se à frente, ele se lançou como
uma bola de canhão ao correr para a porta da frente. Quando agar-
rou a maçaneta, parou e se certificou de que seus instintos não cap-
tavam nada.
– Rio – ele chamou em voz alta. – Sou eu. Não atire.
Lucan bateu à porta. Algumas vezes. Chamou-a uma vez mais.
A porta rangeu quando ele a abriu, dizendo num tom de voz mais
alto ao se esgueirar para dentro da cozinha.
– Rio. Não atire.
Sua voz ecoou pelos cômodos abandonados.
– Rio? – Ele entrou. Fechou a porta. – Sou eu.
E se ela estiver machucada?, ele pensou.
Do outro lado, a porta que dava para o porão se entreabriu e ele
ergueu as mãos para o ar.
– Sou só eu. Ninguém mais…
Ele não teve a chance de terminar a frase. Rio correu e se lançou
sobre ele. Quando seus braços a envolveram, ele a abraçou com
tanta força que teve que afrouxar a pegada por medo de esmagá-la.
– Pensei que você fosse para Caldwell – disse ele.
Ela se afastou.
– Eu não posso.
– Por que não?
Quando ela só balançou a cabeça, ele sentiu as presas formiga-
rem.
– O que está acontecendo?
Rio saiu dos braços dele e caminhou em meio aos pedaços de
gesso caídos, aos montes de lixo largado, ao que sobrara de uma
cadeira da cozinha que estava mais para virar lenha do que algo em
que alguém pudesse de fato se sentar.
– Não é seguro para mim agora. Vim para cá porque precisava de
um lugar para pensar por um minuto.
Havia a tentação de entrar na mente dela, de descobrir todos os
seus segredos e consumi-los porque estava impaciente e frustrado.
Mas isso seria uma violação, tão certa como se ele a tocasse quan-
do ela não queria ou a espiasse quando estivesse nua e ela não
soubesse da sua presença.
Era totalmente inapropriado.
– Mozart veio atrás de você, não foi? – Quando ela o fitou de
pronto, ele soube que estava certo. – Você não precisa dizer nada
se não quiser. Mas não pode fingir que não salvei a sua vida na
merda daquele apartamento. Só pode ter sido ele.
– Ele é um homem poderoso.
– O que deu errado? Pensei que você fosse o braço direito dele.
– Acredite, quanto menos você souber, melhor. – Levantou as
mãos. – E talvez seja melhor você não negociar mais comigo.
– Mas Mickie está morto. A quem devo procurar?
– O próprio Mozart – ela disse com uma risada áspera. Em segui-
da, meneou a cabeça. – Não, isso foi uma piada. Não tente procurá-
lo…
– O que você sabe sobre o homem?
Ela nem sequer hesitou.
– Nada. Ele é impossível de se encontrar. Um fantasma.
– Ninguém é tão bom assim em se esconder. Ninguém.
Rio voltou para perto dele, com os olhos suplicantes.
– Ele vai te matar. Aquele homem é um monstro sem alma.
Ele pensou nos esboços que ela fizera do prédio e soube que a
chefe dos guardas estava certa. Não eram lembranças da estadia
dela; eram plantas feitas para preparar uma invasão.
Ela o usava. No entanto… o corpo dela não tinha como fingir exci-
tação.
E ele lá era melhor do que ela, com tudo o que não lhe contava?
– Não estou preocupado com o Mozart, tenho alguns truques es-
condidos na manga. – Lucan resvalou a lateral do rosto dela. E pa-
rou quando tudo assumiu uma intensidade diferente. – Sabe de uma
coisa? Eu adoro quando você olha pra mim assim.
– Assim como?
– Como quem quer que eu a toque.
O que ele percebeu em seguida foi que as mãos dela estavam
nos seus ombros. E que ele se inclinava sobre ela.
– Rio… – Não havia tempo para eles. Não havia futuro. Tudo o
que tinham era o presente. – Rio.
– Me beija – ela gemeu, como se tivesse lido a sua mente.
Lucan abaixou a cabeça e encontrou os lábios dela, como se ela
fosse o ar de que ele precisava, a comida por que ansiava, a luz do
sol sob a qual já não podia mais ficar. E, ao contato com a sua, a
boca dela manifestou a mesma voracidade, o contato desesperado,
ansioso.
Sem um pensamento racional e com todos os instintos sexuais no
corpo rugindo, ele os conduziu para a porta da qual ela emergira.
– Vem – ele disse, pegando-a pela mão.
Quando desceram a escada para o porão, ele se voltou e virou a
tranca. Não era de cobre, portanto, não adiantaria de nada para
manter vampiros afastados, mas pelo menos os humanos teriam o
acesso negado.
Pelo tempo necessário até que o hipotético invasor arrombasse a
maldita porta.
Mas, pensando bem, tanto ele quanto Rio estavam armados.
No piso inferior, ele não teve como não beijá-la de novo. Ela tinha
acendido uma vela no castiçal grosso e corroído, e a luz frágil era
como uma estrela distante na noite junto às pilhas de tecido que ele
anteriormente ajeitara para ela quando não tivera nenhum outro lu-
gar para levá-la.
Ele a ajudou a se esticar, segurando-a pela mão para equilibrá-la
quando ela se ajoelhou e se deitou de costas. Juntou-se a ela, e
quando Rio arqueou o corpo e ele a beijou um pouco mais, suas
mãos encontraram o caminho por baixo da camiseta que ele lhe de-
ra.
As camadas que a cobriam desapareceram, derretendo-se en-
quanto ele abria botões, descia zíperes, tirava a camiseta, as cal-
ças, o sutiã.
Nada de calcinha. Ele a tinha destruído antes.
– Você é tão linda.
– Você sempre diz isso. – Ela sorriu. – Estou achando que você é
parcial por algum motivo.
É porque eu te amo, ele pensou consigo.
Lucan a beijou de um jeito demorado. Em seguida, sentou-se so-
bre os calcanhares e só observou a luz da vela brincando com os
seios de bicos rosados, o abdômen, a curva graciosa do quadril. En-
quanto seus olhos passeavam pelo seu corpo, ela juntou as pernas,
as coxas se mexendo inquietas, como se estivesse molhada, ansio-
sa.
Levando o tempo de que precisava, ele seguiu com as mãos o ca-
minho do seu olhar, afagando-a pelo pescoço, detendo-se na claví-
cula. Os seios empinaram quando ela se arqueou, mas ele a provo-
cou, deixando as pontas dos dedos resvalarem as costelas e a cur-
va do esterno.
Ele fez um círculo ao redor de um dos mamilos e, quando ela ar-
fou, ele a beliscou de leve. Em seguida, a acariciou por completo,
deliciando-se com a maciez, com a firmeza, com a seda que ela era
– até não se aguentar mais. Abaixou a cabeça e a saboreou, um
mamilo, depois o outro.
Quando a mão desceu mais, ela abriu as pernas.
Ela estava tão entregue a ele, tão vulnerável e poderosa ao mes-
mo tempo. Era antiga e novidade, um mistério e uma resposta, um
segredo e uma verdade. As contradições o deixavam desesperado,
o que o tornava agressivo – mas ele se deleitou ao manter o auto-
controle. Apreciou a tortura que era se manter sob controle.
Deslizando a mão entre as coxas dela, encontrou o seu calor úmi-
do. E quando ele a acariciou e a penetrou, observou-a se contorcer
sob a luz da vela. Com um gemido erótico, ela levou as mãos ao
rosto, mordeu alguns dedos e então ergueu os braços acima da ca-
beça, revirando-se, contorcendo-se.
Ela fechou as pernas e começou a gozar, cruzando os joelhos
com força e prendendo a mão dele no lugar onde estava.
As contrações ritmadas do orgasmo comprimiam seus dedos e
ele imaginou seu pau dentro dela.
Como se lesse sua mente, ela abriu os olhos.
– Quero você dentro de mim. Agora.
– Stephan Fontaine.
Quando Rio falou em voz alta, Lucan desviou o olhar da sucessão
de lojinhas bonitinhas vendendo tortas e de restaurantes bem cuida-
dos pela qual passavam.
– De quem você está falando?
– Stephan Fontaine. As colunas. – Ela apontou para a colina. – Si-
ga por ali. Acho que conheço a casa.
– Entendido.
Ele não fazia ideia de onde estavam, mas Rio era a encarregada,
apontando sem hesitação que curvas fazer, para onde ir. E ele sa-
bia, mesmo sem ter visto nenhum casarão ainda, que ela o levara
para o bairro certo. Dos postes de luz com seus arcos graciosos às
árvores plantadas ao longo das calçadas, sem falar da completa au-
sência de lixo nas ruas, era óbvio que estavam no território dos ri-
cos.
Enquanto ele dirigia o velho Monte Carlo ladeira acima, as propri-
edades começaram a surgir, e elas eram exatamente do mesmo es-
tilo bolo de aniversário com cobertura branca que identificara no
banco de memórias daquele traficante.
– Quem é Stephan Fontaine? – perguntou.
– Um filantropo que se mudou para a cidade há alguns anos. Ele
sempre aparece nos jornais e na TV devido à suas ações beneficen-
tes. Seu nome até batiza uma ala do hospital St. Francis, assim co-
mo uma cadeira na faculdade de Economia da SUNY Caldwell. –
Ela olhou na direção dele. – Mas ele mora numa casa com colunas.
Seis colunas. Escreveram um artigo no Caldwell Courier Journal so-
bre a reforma que ele fez na mansão que comprou. E a casa fica
aqui em cima.
Com isso Lucan seguiu em frente. À medida que avançavam, ele
já sentia saudades dela.
Parecia-lhe ridículo lamentar a perda de Rio mesmo ela estando
sentada ao seu lado. Pelo amor de Deus, ele podia esticar a mão e
tocar nela… Não que fosse fazer isso. Ele já a aterrorizara o bastan-
te.
Que tremendo bom partido ele era.
– Aqui! Para!
Ele freou e olhou através do vidro do carro velho.
– É isso. Essa é a casa.
A mansão ficava nos fundos de um gramado, atrás de portões
imensos e de um muro de pedras digno de uma penitenciária fede-
ral. De fato, havia seis colunas, bem na frente, altas como árvores e
mais do que capazes de sustentar o frontão triangular e o telhado de
ardósia acima delas.
Era exatamente como a lembrança daquele traficante a descreve-
ra.
– Entrada de serviço – informou Lucan. – Vamos dar a volta. É as-
sim que o cara entrava na propriedade quando vinha visitar.
Levaram um tempinho para encontrar a viela que cortava a rua e,
depois, ele passou diante dos fundos de várias casas, encarando as
árvores e imaginando quantas câmeras de segurança acompanha-
vam aquela peça de ferro velho que violava as ruas do bairro imacu-
lado.
– É aqui? – Rio perguntou ao se inclinar na direção do para-brisa.
– A entrada é aqui?
– Isso.
Lucan parou numa porta de serviço do lado mais distante do por-
tão de trás. Havia uma garagem fechada junto ao muro de pedras e,
através das grades de ferro, ele conseguia ver parte da piscina e,
mais além, os fundos da mansão.
– Como entramos? – murmurou ela.
– Isso não vai ser um problema.
– Mas como… – Ela se deteve, lembrando-se de como o trafican-
te no centro da cidade fora tratado. – Tá bem, vamos em frente.
Depois que ele desligou o motor, saíram e se encontraram na
frente do para-choque – e ele pôs as chaves nas mãos dela.
– Fique com isso. Se alguma coisa der errado, quero que entre no
carro e saia daqui. Não se preocupe comigo.
Os olhos dela se enterraram nos seus, e ele teve a impressão de
que ela tinha perguntas, tantas perguntas. Mas aquela não era a ho-
ra para isso. Nunca seria.
– Tudo bem – ela disse depois de um momento. – Eu faço isso.
Lucan fez um movimento para beijá-la, mas se deteve a tempo.
Recuando, ele assentiu.
E se desmaterializou. Bem na frente dela.
Quando ele se reformou do outro lado do portão fechado, ela es-
tava cobrindo a boca com as duas mãos. Ele odiou o fato de tê-la
assustado de novo, mas precisavam entrar e isso não demorava na-
da para ele…
Dois pastores alemães vieram com tudo pelo lado da casinha da
piscina, treinados para não latir quando fossem atacar. Contudo,
seus cheiros os denunciaram, pois ele estava a favor do vento, além
do som das patas batendo no chão.
Lucan se virou e agachou. O grunhido que saiu da sua garganta
não era dele. Era o seu outro lado falando.
A dupla de assassinos muito bem treinados parou, como se esti-
vessem prestes a saltar da beirada de um precipício.
Movendo-se à frente, ele os fez recuar, o seu rosnado subjugan-
do-os, seu contato visual uma promessa do que aconteceria caso
eles se comportassem mal: ele os disciplinaria como se fossem fi-
lhotinhos, e não machos adultos de quase 40 quilos.
Depois de obrigar os cachorros a recuar até a casa da piscina, ele
se virou e trotou para perto do portão – e foi nessa hora que o guar-
da saiu de uma porta lateral do chalé. O cara estava puto e sem uni-
forme. Ou talvez ele fosse só um caseiro.
O homem notou Rio e o Monte Carlo de imediato.
Nesse meio-tempo, Lucan aproximou-se sorrateiramente por trás
do humano, exatamente quando o homem dizia:
– Posso ajudá-la…?
Subjugá-lo só demorou um momento. Lucan apenas passou um
braço por aquele pescoço e ergueu o tronco dele contra o seu.
E neste momento ele descobriu que o “caseiro” estava, de fato,
armado.
Lucan pegou a arma e, calmamente, encostou o cano na têmpora
do homem.
– Você vai deixá-la entrar agora.
Havia coisas demais na sua cabeça para que conseguisse entrar
na mente do guarda e obter as senhas de acesso e coisas assim.
Portanto, a Smith & Wesson era uma boa alternativa. Ou deveria
ser.
Quando houve certa resistência, Lucan arreganhou as presas…
– Não! – disse Rio. – Não o mate! Todas as pessoas que encon-
trarmos nesta propriedade serão levadas vivas e depois presas. To-
das podem estar metidas nos negócios. Todas vão viver.
Que chato. E inconveniente.
Porém, assim como ocorria com todos os machos vinculados, ele
fez o que a sua fêmea mandou – e guardou as pontas brilhantes
dentro da boca.
Merda, uma bela luta sangrenta bem que viria a calhar para aca-
bar com um pouco da sua tensão.
O portão começou a se abrir e Rio passou por ele assim que hou-
ve espaço suficiente. Do outro lado, ela encarou os olhos arregala-
dos do guarda e soube que aquilo era loucura. Mas não recuaria
agora.
– Vamos – disse.
Luke levou o guarda consigo, manipulando o homem como se ele
não pesasse nada, e quando passaram pela casa da piscina, ela re-
lanceou ao redor, perguntando-se para onde teriam ido os cães.
Deus, lembrou-se do ataque que atingira o assassino de aluguel no
prédio do Mickie; a ferocidade de tudo fora chocante demais, desde
os dentes arreganhados até a mandíbula travada, o focinho verme-
lho de sangue, o tronco da vítima destroçado, a garganta, uma feri-
da aberta.
De repente, lembrou-se de ter recobrado os sentidos bem quando
tudo tinha acabado. O lobo tinha se virado na direção dela.
Lágrimas escorreram pelos seus olhos, tanto pelo que vira…
quanto pelo que estava para acontecer com ela.
O lobo se aproximara dela, o corpo imenso se movendo num an-
dar coordenado. Mas, em vez de atacá-la, ele choramingou. Mexeu
em suas pernas com o focinho, como se quisesse soltá-la, caso pu-
desse. Em seguida, ele se deitara ao lado dela, como se a estivesse
protegendo, a cabeça imponente erguida, os olhos voltados para a
porta, o focinho testando o ar à procura dos cheiros dos inimigos.
Evidentemente, ela desmaiara de novo àquela altura. Porque só
lembrava de ter visto em seguida Luke soltando-a de todas as amar-
ras.
– Você tirou as roupas do agressor – disse ela. – Quando me sal-
vou… você precisava de algo para vestir, e é por isso que tudo esta-
va pequeno demais em você.
Luke olhou para ela. Assim como o guarda – que, ela percebeu de
repente, usava as calças de um pijama de flanela e uma camiseta
da SUNY Caldwell.
– Sim – Luke confirmou com um aceno. – Eu não queria que você
soubesse o que eu era.
Em seguida, eles chegaram à parte de trás da mansão. Havia um
terraço que corria por toda a casa, mas não havia nenhuma mobília
nela. Evidentemente, tudo tinha sido guardado por causa do inver-
no.
Do lado de dentro, tudo tinha sido trancado para a noite: todos os
cômodos estavam escuros, nenhuma luz acesa no andar de baixo.
No segundo, contudo, avistaram uma fila de luzes ainda acesas.
– Para onde vamos? – Luke perguntou ao guarda. – Como entra-
mos?
– Não posso contar.
– Ah, pode sim.
O guarda então jogou a toalha.
– Você vai ter que me matar agora. Porque, se eu deixar que en-
trem na casa, ele vai fazer coisa muito pior comigo. Só… atira em
mim de uma vez.
Bem, Rio pensou, pelo menos agora sabiam que estavam no lu-
gar certo.
CAPÍTULO 57