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º 1, 2022
RESUMO
Este texto serviu de base a uma intervenção que o autor realizou no âmbito do
“V Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares”, sobre Currículo,
saberes e culturas num século em desafios: reexistências e(m) formação, que
decorreu na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, no Brasil.
Uma vez que participámos num painel que pretendia refletir sobre as “Políticas
de Currículo e Formação em Portugal e no Brasil”, decidimos abordar algumas das
políticas educativas implementadas recentemente no nosso País e que, dado o seu
carácter integrador e as mudanças que têm protagonizado, merecem uma
referência particular.
Introdução
As políticas educativas e curriculares e o seu impacto, quer no modelo educativo que
prevalece em Portugal, quer na formação de professores, continuam a ser temáticas cuja
centralidade é bem visível nos debates que, quer em termos académicos, quer em termos
sociais, quer, ainda, em termos políticos, se têm desenvolvido nos tempos mais recentes.
Em termos académicos, constatamos que se intensificou a produção de estudos sobre
um conjunto de temáticas – a ascensão das políticas neoliberais, as novas filosofias
educacionais, o impacto da globalização, a transformação dos atuais modelos de ensino, o
envelhecimento da classe docente e, mais recentemente, a importância das tecnologias em
termos educativos – que têm contribuído para configurar o atual campo curricular e envolvido
compromissos e conflitos com perspetivas divergentes a esse respeito.
Em termos sociais, as discussões têm privilegiado temas como o desempenho dos
professores, o desajustamento dos programas, o declínio dos níveis de formação, a
necessidade de delinear novas áreas curriculares, a inevitabilidade de preparar os alunos para
utilizarem as tecnologias da informação e comunicação, a indisciplina, entre outros, que se
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jmorgado@ie.uminho.pt
Este trabalho é financiado pelo Centro de Investigação em Educação (CIEd), Instituto de Educação, Universidade
do Minho, projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.
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julga estarem a afetar a escola e a formação que aí se desenvolve, impedindo-a de concretizar
os mandatos que lhe têm sido consignados.
Em ambos os casos, procuram inventariar-se alguns dos problemas com que os
sistemas educativos – em particular os professores, os estudantes e as famílias – se deparam
e que têm estado na base de dois tipos de reações distintas: por um lado, o aumento, por
vezes desmesurado e injusto, de críticas à instituição educativa por se revelar incapaz de
acompanhar as mudanças que a rodeiam e de responder com eficiência aos desafios que a
sociedade lhe coloca, chegando mesmo a questionar-se a sua utilidade; por outro, a
preocupação de reabilitar a escola e de melhorar, de forma substantiva, a qualidade do serviço
que propicia, o que revela a importância que continua a ser consignada ao fenómeno
educativo como catalisador de desenvolvimento, individual e coletivo, e como esteio de
melhoria da sociedade futura.
Em termos políticos, e pese embora o protagonismo conseguido pela postura
centralista que caracterizou o Estado ao longo de uma boa parte do século passado, o que se
verifica é que, por contingências diversas, o Estado foi mergulhando numa crise de
legitimação, passando a ser visto por alguns como um entrave ao desenvolvimento social e
tecnológico. Na opinião de Fernandes (1993), essa crise do Estado não pode dissociar-se da
sua incapacidade de satisfazer as necessidades de uma sociedade que rapidamente cresceu e
se encontra numa situação de progressivo envelhecimento, o que contribuiu para que o
Estado entrasse em “sobrecarga”. Assim se compreende que essa situação estivesse na base
de sucessivas reclamações e nos múltiplos apelos à implementação de novas políticas tanto
ao nível da educação, da saúde e da economia, como da própria segurança social.
Por outro lado, não podemos esquecer que, em termos educativos, a rápida evolução
científica e tecnológica contribuiu para “a descaracterização ou esterilização da escola, e do
saber por ela produzido”, perante uma sociedade que rapidamente evoluiu e se transformou
numa “sociedade altamente tecnológica, assente em pressupostos de conhecimento e
eficácia”, bem como em dispositivos que permitem criar, usar e comunicar informação,
“potencialmente geradora de conhecimento” (Roldão, 2011, p. 31).
Para tentar ultrapassar a situação, assistimos, já em pleno Século XXI, à implementação
de políticas educativas e curriculares mais descentralizadas, tentando mobilizar as estruturas
locais, dinamizar lógicas de inovação e de eficácia e realçar o papel da escola, passando a
considerá-la como espaço privilegiado de decisão e ação educativas. Procura-se, assim,
(re)conceptualizar o papel da instituição educativa, assente num maior grau de autonomia e
numa lógica de compromisso com os atores educativos, favorecendo o desenvolvimento
curricular e a inovação centrados na escola.
Além disso, pretende-se que a escola se assuma como uma esfera de ação pública, isto
é, um espaço aberto a todos os interessados no processo educativo, concedendo-lhe um certo
grau de autonomia para conceber e/ou adaptar os currículos que veicula em função de cada
contexto educativo, para diferenciar as aprendizagens em função das características e
interesses dos alunos que a frequentam e para construir respostas inovadoras tanto aos
reptos com que atualmente se confronta, como às exigências do futuro. No fundo, uma
Em suma, as quatro medidas que referi têm vindo a ser implementadas com o intuito
de envolver as escolas, os pais, os professores e os estudantes num processo inevitável de
mudança. Uma decisão compreensível se tivermos em conta que a escola não pode ficar
imune às mudanças que eclodem no seu exterior, sob pena de se tornar rapidamente
obsoleta, sem sentido e mesmo sem utilidade. Além disso, as medidas referidas enquadram-
se em objetivos maiores, que podem fazer a diferença em termos educativos e sociais: a
promoção do sucesso escolar, a consecução de melhores aprendizagens e a consolidação de
uma escola mais inclusiva e mais cidadã, num cenário de transformações inéditas e de
incertezas radicais.
Se esses objetivos não conseguirem concretizar-se, então a educação e, em particular,
a escola não estarão a cumprir a sua promessa de nos ajudar a moldar um futuro mais pacífico,
mais justo e mais sustentável. Ora, ao longo da História, a educação assumiu sempre um claro
protagonismo na transformação das sociedades humanas, interligando-nos com o mundo e
com os outros, expondo-nos a novas oportunidades e fortalecendo as nossas capacidades de
diálogo e de ação.
Só que, para conseguir moldar um futuro pacífico, justo e sustentável, a Comissão
Internacional da Educação da UNESCO considera que a própria educação tem de ser
transformada, propondo, para o efeito, um novo contrato social para a educação, uma vez
que se acredita que promoverá uma efetiva cooperação e gerará benefícios comuns (UNESCO,
Considerações finais
Em jeito de conclusão, não posso deixar de lembrar Harari (2018), quando refere que
as transformações e incertezas referidas contribuem para que muito do que os alunos
aprendem hoje nas escolas se torne ultrapassado em muito poucos anos. Hoje ainda há muitas
escolas a enfatizar a memorização da informação. E se isso tinha sentido há algum tempo
atrás, porque a informação era escassa, hoje isso não é possível porque a produção explosiva
de informação e a sua intensa disseminação colocam outros desafios às escolas e geram
alguns perigos, dos quais se destacam “a desinformação” e a “irrelevância”. Estas, sim, duas
possibilidades com que mais nos confrontamos nos tempos atuais e que causam sofrimento
e desigualdade.
Ora, num mundo com estas características, o que os professores menos precisam é de
dar mais informação aos alunos. Em vez disso, precisam de os ajudar a desenvolver
capacidades para “discernir a informação, perceber a diferença entre o que é importante e o
que é irrelevante, e, acima de tudo, combinar os vários pedaços de informação para obter um
retrato” (Harari, 2018, p. 301) o mais completo possível do contexto em que se inserem e o
mais abrangente possível do mundo. Além disso, considera que as decisões que tomarmos
nos tempos mais próximos influenciarão o nosso próprio futuro, embora não se consigam ter
certezas quanto às especificidades desse futuro, sendo a mudança e a transformação as únicas
garantias desse devir.
Por isso, para sobrevivermos de forma equilibrada num mundo destes, precisamos de
muita flexibilidade mental e de reservas substantivas de equilíbrio emocional, o que nos
permitirá, de forma equilibrada, familiarizarmo-nos com o desconhecido. Somos seres
emocionais e essa característica tem vindo a ter um “peso” cada vez mais significativo no
nosso dia-a-dia. E é, precisamente, pelo facto de estarmos perante um novo contexto social,
desconhecido ainda em grande parte, que as emoções passaram a ter um peso significativo
nas nossas decisões. Os mecanismos de resposta emocional são muito mais fortes do que os
mecanismos de resposta racional, o que não é negativo uma vez que são muito mais rápidos
e, por isso, tendem a proteger-nos de forma mais eficiente.
As respostas emocionais são importantes, sobretudo para lidar com o volume de
informação com que nos confrontamos diariamente. Além disso, as redes sociais estão
pejadas de subjetividades, o que contribui para a valorização que fazemos das competências
socioemocionais, sobretudo porque interferem na forma como reagimos perante as
adversidades. Só que, ao mesmo tempo, as respostas emocionais são, também, mais
automáticas e, por isso, mais sujeitas a erros. Daí a necessidade de as instituições de educação
e formação adotaram modelos educativos mais inclusivos e apostarem no desenvolvimento
de competências socioemocionais, a par das competências cognitivas.
Referências Bibliográficas
UNESCO (2022). Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação.
Relatório da Comissão Internacional sobre os futuros da educação. Comissão
Internacional sobre os Futuros da Educação – UNESCO (Brasília).
Referências Legislativas
Decreto-Lei nº 54/2018, de 6 de julho – Estabelece o regime jurídico da educação inclusiva.
RESUMEN
Este texto sirvió de base para una intervención que el autor realizó en el ámbito
del “V Coloquio Luso-Afro-Brasileño de Cuestiones Curriculares”, sobre
Currículum, conocimientos y culturas en un siglo de desafíos: re-existencia e
(in)formación, que tuvo lugar en la Facultad de Educación de la Universidad
Federal de Bahía, en Brasil.
Una vez que participamos en un panel de discusión que pretendía reflexionar
sobre las Políticas Curriculares y de Formación en Portugal y Brasil, decidimos
abordar algunas de las políticas educativas implementadas recientemente en
nuestro país y que, dado su carácter integrador y los cambios que están
provocando, merecen una referencia particular.
ABSTRACT
This text served as the basis for an intervention that the author carried out within
the scope of the “V Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares”, on
Curriculum, knowledge and cultures in a century of challenges: reexistence and
(in)formation, which took place at the Faculty of Education from the Federal
University of Bahia, in Brazil.
Since we participated in a panel that intended to reflect on Curriculum and
Training Policies in Portugal and Brazil, we decided to address some of the
educational policies implemented recently in our country and which, given their
integrative nature and the changes they have been leading to, deserve a particular
reference.