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João Pessoa – PB
Agosto – 2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
GRUPO DE PESQUISA EM SAÚDE MENTAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA
João Pessoa – PB
Agosto – 2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
GRUPO DE PESQUISA EM SAÚDE MENTAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA
João Pessoa – PB
Agosto – 2018
Não
Mas,
explicação palpável.
À Deus por me permitir viver mais este desafio. E que venham tantos outros!
Aos meus pais, Florêncio e Dilma, por cada momento de apoio incondicional durante
Aos meus irmãos, Petruccio e Petróvisk, por sempre acreditarem na minha capacidade
de superação.
Aos meus sobrinhos Rafael e Lara, por serem fontes de inspiração de um mundo
melhor.
À avó paterna Anunciada (in Memoriam), que sempre vibrou com minhas conquistas.
À avó materna Adélia, por ser um sinônimo de mulher Forte. Fonte de amor,
Às amigas irmãs de vida Sabrina e Jordanna, o meu mais profundo agradecimento por
cada momento de apoio e cada palavra de incentivo. Não há quem chegue muito longe sem o
Aos mais que especiais amigos, Diogo, Aline, Dayane, Léo e Alécio, por estarem
Às amigas que a vida acadêmica me deu, Patricia e Juliana, por serem tão importantes
nos momentos mais difíceis e angustiantes. Vocês tiveram uma linda passagem durante esta
fase.
À professora Dra. Silvana Maciel, a qual fez parte de uma longa jornada durante toda
a minha vida acadêmica. Meus sinceros agradecimentos pelas orientações, pelos incentivos e,
Ao professor Dr. Carlos Eduardo, pela grandiosa ajuda e pelas valiosas trocas de
conhecimentos.
sanduíche.
À professora lusitana Dra. Joana Alexandre, por me receber com grande entusiasmo e
Aos participantes (estudantes universitários) que dedicaram seu tempo para contribuir
discriminação de gênero. Espero também contribuir com o meu fazer profissional, na busca de
The prejudice against women still remains as a phenomenon of impact on society, especially
when these are seen as "Swerve". Women to be viewed while drug users constitute a target
group of social exclusion, explained by the perception of threat, by moralizing and by gender
stereotypes. From a multimétodo approach, were conducted four studies whose overall
objective was to create an explanatory model of social exclusion of drug users based on
prejudice and gender stereotypes. In 1 Study, qualitative, two surveys were conducted; the
first, in the Brazilian context, using 100 college students, sought to know and compare the
stereotypes of women with those of women believed to be drug users, by means of the
technique of free association of Words (TALP) and analyzed with the assistance IRAMUTEQ
software, with the Woman-inducing stimulus which was associated with maternal-family
content, and stimulating Woman drug User-connected to the contents of abandonment and
isolation; and the second research, comparative and cross-cultural character Brazil-Portugal,
using 100 participants from each country and with use of TALP, sought to compare the
inductors Woman-which remained the maternal content in both countries, and drug-using
Women/ woman addict, describing expressiveness for the Brazilians, and the Portuguese,
pathological content. 2 study, correlational character and using of 208 students, aimed to
create the measure: female stereotypes against the Use of Drugs (EEFMUD); and adapt and
validate the following instruments: Perception of Threat to Women Drug Users (EPAMUD);
Scale of Moralization front women drug Users (EMMUD); Scale of intended Social contact
front women drug Users (EICSMUD); and scale of Social exclusion to Women Drug Users
(EESMUD). The results showed good indicators validity and accuracy. Already the 3 Study,
gathered evidence of acceptability of the measures employed in the previous study, using new
testing with 200 students. The results ensured good psychometric indicators. Already the
study 4, sought to scale the predictive effect of stereotypes, the perception of threat, of
moralizing and intention of social contact in social exclusion, using a sample of 400 students.
The results showed a simple mediation model statistically significant (λ = 0.55, 90% CI =
0.51/0.03 p < 0.01), through the prediction of Stereotypes λ = 0.21 (90% CI = 0.17/0.03) p
0.01, perception < Threat λ = 0.53 (90% CI = 0.50; 0.01 and 0.04 p < Moraliz λ = 0.15 action
(90% CI = 0.08; 0.02) 0.01, in variable < Social exclusion, from the intention to Contact
Social.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17
ENQUADRAMENTO TEÓRICO ........................................................................................... 13
CAPÍTULO 1. A Construção Social da Mulher: papéis sociais normativos e os discursos
acerca da perspectiva de gênero .............................................................................................. 20
1.1 A Construção Social da Mulher: historicidade e perspectivas sobre a feminilidade e seu
“ideal” ................................................................................................................................... 20
1.2 Os desdobramentos do Feminismo: mudanças na representação da Mulher e na sua
participação sociopolítica...................................................................................................... 31
1.3 A Perspectiva de Gênero: uma breve leitura analítica das estruturas hierárquicas de
poder ..................................................................................................................................... 35
CAPÍTULO 2. A Mulher e as Drogas: a perspectiva do desvio e as interfaces com a saúde
das usuárias ............................................................................................................................. 43
2.1 A Mulher e o uso de drogas enquanto comportamento transgressor .............................. 43
2.2 A Mulher no estigma da desviância e as interfaces com a saúde pública ....................... 52
CAPÍTULO 3. Estereótipos de gênero, Preconceito e suas implicações no processo de
Exclusão Social enfrentada pelas Usuárias de Drogas.......................................................... 58
3. 1 Sobre os Estereótipos ..................................................................................................... 59
3.1.1. O Conteúdo de gênero nos estereótipos e o controle normativo sobre o feminino . 66
3. 2 Sobre o Preconceito ....................................................................................................... 76
3.2.1 O Sexismo no Contexto do Uso de Drogas: hipóteses e articulações teóricas ........ 85
PARTE EMPÍRICA................................................................................................................. 91
CAPÍTULO 4. Apresentação dos Objetivos e dos Estudos Empíricos................................... 93
ESTUDO 1 ............................................................................................................................ 97
4.1.1 Pesquisa 1 – A Mulher e Mulher Usuária de Drogas: um estudo sobre os estereótipos
de gênero ............................................................................................................................... 97
Método .............................................................................................................................. 97
Resultados e Discussão Parcial ....................................................................................... 100
Considerações parciais .................................................................................................... 115
4.1.2 Pesquisa 2 – A Mulher e Mulher Toxicodependente: umv estudo comparativo dos
estereótipos de gênero no Brasil e em Portugal .................................................................. 116
Método ............................................................................................................................ 117
Resultados e Discussão Parcial ....................................................................................... 120
Considerações Parciais .................................................................................................... 127
ESTUDO 2 .......................................................................................................................... 130
4.2 Parâmetros psicométricos preliminares das medidas explícitas utilizadas ................... 130
4.2.1 Método ................................................................................................................... 131
4.2.2 Resultados .............................................................................................................. 134
4.2.3 Discussão Parcial.................................................................................................... 148
ESTUDO 3 .......................................................................................................................... 153
4.3 Análises confirmatórias das medidas psicométricas ..................................................... 153
4.3.1 Método ................................................................................................................... 153
4.3.2 Resultados .............................................................................................................. 156
4.3.3. Discussão parcial ................................................................................................... 167
ESTUDO 4 .......................................................................................................................... 171
4.4 Modelo Explicativo da Exclusão Social de Mulheres Usuárias de Drogas a partir das
medidas do preconceito e dos Estereótipos de Gênero ....................................................... 171
4.4.1 Método ................................................................................................................... 171
4.4.2 Resultados .............................................................................................................. 173
4.4.3 Discussão Geral ...................................................................................................... 179
CAPÍTULO 5. Considerações finais .................................................................................... 187
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 192
APÊNDICES.......................................................................................................................... 218
ANEXO .................................................................................................................................. 227
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Predição dos estereótipos a partir das combinações entre status e interdependência
.................................................................................................................................................. 70
Figura 10. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Percepção de ameaça
frente às Mulheres Usuárias de Drogas ................................................................................ 139
Figura 12. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Intenção de Contato
Social .................................................................................................................................... 143
Figura 13. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Exclusão Social frente às
Mulheres Usuárias de Drogas ............................................................................................... 146
Figura 16. Estrutura fatorial da Escala de Moralização frente às Mulheres Usuárias de Drogas
............................................................................................................................................... 162
Figura 17. Estrutura fatorial da Escala de Intenção de Contato Social frente às Mulheres
Usuárias de Drogas ............................................................................................................... 164
Figura 18. Estrutura fatorial da Escala de Exclusão Social frente às Mulheres Usuárias de
Drogas ................................................................................................................................... 166
Figura 19. Efeitos diretos dos Estereótipos, Percepção de Ameaça e Moralização na Exclusão
Social .................................................................................................................................... 177
Figura 20. Efeitos diretos e indiretos dos Estereótipos, da Percepção de Ameaça e da
Moralização na Exclusão Social mediada pela Intenção de Contato Social ........................ 178
Figura 21. Mediação parcial dos Estereótipos, da Percepção de Ameaça e da Moralização na
Exclusão Social por meio da Intenção de Contato Social .................................................... 179
LISTA DE TABELAS
Tabela 2. Distribuição dos fatores de acordo com o critério de Kaiser e análise paralela sobre
a Escala de Estereótipos Femininos frente à Mulher Usuária de Drogas ........................... 136
Tabela 6. Distribuição dos fatores de acordo com o critério de Kaiser e análise paralela sobre
a Escala de Intenção de Contato Social frente às Mulheres Usuárias de Drogas ................. 144
Tabela 8. Distribuição dos fatores de acordo com o critério de Kaiser e análise paralela sobre
a Escala de Exclusão Social .................................................................................................. 147
Tabela 12. Índices de Ajuste do Modelo Testado da Escala de Intenção de Contato Social .....
............................................................................................................................................... 163
Tabela 13. Índices de Ajustes de Modelo da Escala de Exclusão Social frente às Mulheres
Usuárias de Drogas ............................................................................................................... 165
Tabela 14. Estatísticas descritivas e correlações bivariadas entre as variáveis do Estudo 4 (N
= 400) ................................................................................................................................... 174
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________
P á g i n a | 13
O debate acerca das questões relativas a gênero é objeto de estudo consolidado nas
mais diversas áreas do conhecimento, recebendo ênfase da Psicologia Social, por propiciar
um campo fértil de análise das hierarquias sociais suscitadas por esta temática. Localizar a
exclusão.
social dos padrões normativos referentes aos homens e às mulheres, permitindo novas
República Federativa do Brasil, 2006; Relatório de Direitos Humanos, ONU, 2000). Não
obstante, embora se tenha atualmente uma interpretação valorativa e mais igualitária dos
direitos das mulheres, estas ainda se defrontam com o preconceito como seu maior adversário,
assim como o racismo e a homofobia, por exemplo, não se extinguiu, mas assumiu uma
grupo minoritário (Allport, 1954; Jones, 1972). Neste sentido, tem-se observado outros
mais disfarçada (Glick & Fiske, 1996; Mladinic et al., 1998; Pettigrew & Meertens, 1995).
do antipreconceito, que faz com que as pessoas camuflem os sentimentos hostis acerca dos
membros dos grupos sociais excluídos, no caso desse estudo, as mulheres, através de um
suposto discurso de igualdade, na qual as atitudes sexistas flagrantes a elas dirigidas, tem se
P á g i n a | 14
expressado também de forma simbólica ou indireta (Ferreira, 2004; Formiga, Gouveia &
Santos, 2002). Com isso, no contexto atual imperativo de inclusão social e de normas e leis
igualitárias entre homens e mulheres, algumas questões reflexivas se destacam com relação às
mulheres e, mais especificamente, ao envolvimento destas com o campo das drogas. Em face
A forma como se repercute a temática das mulheres no campo das drogas é minada
por crenças e representações negativas, uma vez que tal fenômeno incide sob, ora numa
condição de saúde indesejável ora numa perspectiva jurídica de ilegalidade e, em síntese, está
(Becker; 2008; Malheiro & Macrae, 2011; Ronzani & Furtado, 2010). Essa problemática se
amplifica por meio das “marcas” ou “impressões” de desaprovação social, que se associam a
materno-familiares (Medeiros et al., 2015; Medeiros, Maciel & Sousa, 2017). Nesse sentido, a
A literatura que trata sobre o tema do consumo abusivo de drogas, tem reunido
evidências de que esta é uma das condições de saúde mais moralizadas e estigmatizadas no
mundo (Gomide et al., 2010; Silveira et al., 2011; Soares et al., 2011). Ronzani e Furtado
(2010) destacam que a pertença ao grupo de usuários de drogas está associado a notáveis
consequências para os membros que o integram, podendo incluir uma coleção de atributos
inferência de uma ameaça voltada para a periculosidade dos usuários (Blascovich et al., 2001;
Maciel et al., 2017, no prelo); e a culpabilização voltada para a atribuição moral dos usuários
(Corrigan et al., 2003; Palm, 2006; Soares et al., 2011); além de aumento da vulnerabilidade a
determinadas condições de saúde alvo de preocupação mundial (Barney, Griffiths, Jorm, &
Christensen, 2006; Link, 1987; Link & Phelan, 1999; 2001; 2006).
Aliado a essas questões associadas aos indivíduos que compõe o grupo de usuários de
feminina, onde se torna visível uma “carga social” permeada pelas construções socioculturais
assimétricas acerca dos sexos, que se reflete nas edificações simbólicas construídas sobre o
feminino e em suas relações com outros grupos sociais (Amâncio, 2003; 2010; Ressel, 2009).
Nesse sentido, assume-se como pressupostos que, embora haja a saliência da norma
constituem um grupo alvo de exclusão social. Confundem-se com os grupos de estigma e/ou
presente trabalho é a de que as usuárias de drogas são alvos de exclusão social explicada pela
Em face dessa problemática, justifica-se este estudo por ser a exclusão social de
investigações que permitam dar subsídios para o enfrentamento de mulheres que se deparam
com atitudes preconceituosas e atos discriminatórios advindos das relações sociais de gênero,
drogas no Brasil.
problemática das drogas, configuram-se enquanto contextos que imprimem marcas ou traços
uma visão mais integrada desta problemática, essa discussão se localizará no campo teórico
Conteúdo dos Estereótipos (Fiske et al., 2002, 2007) e a Teoria do Preconceito numa leitura
mais societal (Camino, 1996; Doise, 1982). Este entrecruzamento teórico justifica-se, por
trabalho em duas partes principais. A primeira diz respeito ao seu marco teórico, o qual reúne
referente à construção social do sexo feminino e uma breve exposição narrativa acerca dos
interfaces com a saúde das usuárias traceja a construção social da desviância feminina a
partir do consumo de drogas. Com relação ao Capítulo III, este traz a apresentação do
objetivos e dos estudos empíricos, seguido da discussão geral e considerações finais. Neste
seguimento, é descrito o Capítulo IV, composto pela Apresentação dos Objetivos e dos
Estudos Empíricos (1, 2, 3 e 4). O Estudo 1 é composto por duas pesquisas, uma no contexto
brasileiro que introduz uma investigação inicial exploratória sobre os traços estereotípicos
sobre a Mulher e sobre a Mulher Usuária de Drogas; e a segunda pesquisa traz uma
preliminares das medidas utilizadas no presente trabalho. Referente ao Estudo 3, este reúne as
Estudo 4 cumpre a função de expor a descrição dos correlatos entre as medidas avaliadas,
bem como a testagem do modelo explicativo proposto. E por último, segue o Capítulo V, o
1
Este estudo integra parte de atividades desenvolvidas no estágio de doutorado sanduíche no exterior financiado
pela CAPES (PDSE - Edital nº 19/2016, 88881.131938/2016-01)
SEÇÃO I
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
CAPÍTULO. 1
__________________________________________
reflexões teóricas para uma leitura acerca do conceito de gênero enquanto contexto
sociedade atual.
seu “ideal”
A presente afirmação de Simone De Beauvoir, usada aqui como epígrafe para iniciar a
discussão que será apresentada, retrata as diferenças sexuais e, mais especificamente, como
dessa realidade, é preciso resgatar a historicidade com que se constituiu o universo feminino
fez presente, sendo fundamentado nos mais diversos discursos: filosófico, religioso,
biomédico, social, entre outros. Cada um, fundamentado por suas doutrinas ideológicas,
demarcou postos firmes, sólidos, e que por muito tempo se tornou verdades quase que
A filosofia por ser considerada a pioneira das ciências, teve notáveis contribuições
mulher como um homem incompleto, imperfeito, vista como um “desvio”, valendo-se da sua
ideia de que o corpo da mulher era mais fraco e, consequentemente, a alma também o seria.
Essa noção de inferioridade da alma feminina também foi concebida nas descrições de Platão.
As ideias propostas pela filosofia grega permearam a cultura ocidental, de forma que, é a
homem, fazendo-o persistir e radicalizar tais ideais ao longo de toda a idade média (Amâncio,
1998). No então período medieval, partia-se da ideia de que existia apenas um sexo, o
masculino. Este era descrito como perfeito e a distinção entre homem e mulher era feita pela
presença ou ausência do humor quente nos corpos, sendo que este estava presente no sexo
masculino e a ausência dele, no feminino. Exemplificando isto, Lycnh (2006, p.23) descreve
em seus textos: “haveria um sexo, mas dois pólos opostos: o masculino estaria ligado à ideia
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Ainda em decorrência desse período histórico, Estramiana e Ruiz (2006) afirmam que
tanto à imagem de reprodução e fertilidade com marca de defeitos e falhas, como também a
utilizaram como material de análise uma amostra de imagens femininas contidas na Biblioteca
destacam uma galeria de imagens em que o corpo feminino tem sido o elemento imagético do
qual se simboliza tudo o que é fora da norma; a mulher recebe por excelência a missão
materna de estimular e cuidar das crianças, mas também é descrita com a sexualidade temível,
desgraças e de perversões. Havia imagens em que o mal encarnado no corpo da mulher estava
presente nas raízes da mitologia grega – como a caixa de Pandora – a caixa entregue por Zeus
para Pandora, bloqueando todos os males, e esta movida por curiosidade abre a caixa,
deixando espalhar todos os males pelo mundo. Está presente também nas raízes bíblicas,
como o mal introduzido por Eva por ter partilhado com Adão o fruto da árvore proibida.
Pelas descrições dos textos bíblicos, segundo Melo (2013), durante séculos a igreja
pregou que a mulher era imperfeita, uma vez que foi derivada de uma costela defeituosa de
Adão e, como consequência disso, deveria submissão e obediência à figura masculina. Araújo
(2006) esclarece que era função das comunidades eclesiásticas adestrar a sexualidade das
mulheres por meio dos homens, que eram seus superiores e, portanto, cabia-lhes exercer a
autoridade. Ainda segundo a autora, concebia-se a mulher a partir de figuras ambíguas, tais
como: bruxa e santa, pura e mãe, e por essa razão, o ideal de Maria, virgem e mãe, era
Com o surgimento da filosofia Iluminista, cujo discurso irá dar origem à ciência
moderna, o domínio das crenças, dos mitos e da irracionalidade dará lugar à razão, à
Para os iluministas, o discurso sobre os sexos é pacífico, tinha-se a ideia de que as mulheres
ou não tem razão ou tem uma razão inferior; assumia-se o discurso da inferioridade intelectual
da mulher.
passam a serem vistos pela diferença sexual por meio dos aspectos biológicos (Araújo, 2006).
Retomando as ideias de Platão sobre maternidade e desejo, o útero era tido como órgão
“perigoso”, que pode agir de forma independente ao resto do corpo da mulher, levando-a a
histeria. Neste período, o discurso médico acaba por confirmar superstições diante de fatos
científicos contraditórios e, por isso, parte da descrição do corpo feminino como uma cópia
defeituosa do corpo do homem, para a crença de uma natureza frágil, sujeita às desordens
Nos períodos posteriores, esse debate acerca das diferenças entre os sexos ocorreu
ainda que idelogicamente valorizados (mãe e esposa), tal pensamento supõe um ideal
de socialização e dos fatores culturais. Para Pereira (2004), essa abordagem considera o
caráter social e simbólico não apenas como determinantes para a categoria, mas como
diferenciados, os quais são atribuídos um status a cada sexo, e ao ser internalizado, serve
como orientação de conduta adequada à identidade de gênero e as expectativas que lhes são
teóricas no estudo das relações hierárquicas de gênero, que serão melhor detalhadas ao longo
do presente trabalho.
comportamentos, suscitadas pela variável sexo são diferentes, sejam estas motivadas ora por
fatores individuais ora questões sociais, mas pelo fato de que tais diferenças assumem um
estão interligados em representações e crenças que estabelecem uma assimetria entre os sexos,
e que essa forma de pensamento social, justifica e legitima posições específicas no sistema
social. Este pensamento é expresso de forma clara nos dizeres de Ferreira (2010, p. 75):
“A diversidade que envolve estes pares de opostos, mais do que uma diferença é um
propõe Formiga e Camino (2001). Existiu, e ainda existe em alguma medida, um modelo que
contempla uma visão polarizada acerca dos gêneros – o masculino versus o feminino, sendo
que a cada um destes lados do polo, atribuíram-lhes seus papéis de gênero e as suas
respectivas representações.
Esses conceitos ganham acentuada relevância quando se busca entender o que compõe
e o que naturaliza os papéis de gênero atribuídos a cada um dos sexos. Entende-se papéis de
gênero enquanto expectativas relacionadas com os papéis que os indivíduos de cada sexo
devem se comportar (Formiga & Camino, 2001); nesse sentido, pode-se encontrar um
identidade de gênero não se deve a um único fator; observam-se esforços de correntes teóricas
contexto social e político, que são capazes de desenvolver um esquema de gênero refletindo
características esperadas pela sociedade (Barros, Natividade & Hutz, 2013; Formiga &
Camino, 2013). Essa construção possui um dinamismo articulado e constante, que se faz
aspectos físicos dos sexos ou os traços de personalidade, ao longo do tempo direcionou-se aos
(Minayo, 2005). Ademais, suas características se fundamentaram num sexo forte, assertivo,
Ao passo que para o feminino, considerou-se o lado frágil desse contínuo, nos moldes
proteção da vida, a valorização da intimidade e do afetivo, daí, e com isso, são vistas como
mais aptas a exercerem atividades em que a sensibilidade e o cuidado pesem mais que a
meio da divisão dos papéis entre os sexos, se constituíram importantes conceitos os quais
mulheres tornaram-se essenciais nesse contexto em que a ausência masculina era constante.
Sua importância era tanta que, não raro, eram consultadas pelos maridos antes de tomadas de
grandes decisões sobre o espaço do lar, embora sua vida fosse controlada e vigiada pelos seus
esposos, como fica evidente no fragmento trazido por Pedro, 2006, p. 288): “O emigrante
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necessita do auxílio de uma mulher e boa dona de casa [...] uma esposa aqui é tão necessária
como o pão de cada dia”. Além disso, procurava alerta-los: [...] procurem trazer uma esposa
com prendas domésticas e que não seja muito habituada a cidades grandes”.
Em recorte de texto acima, o autor incide sobre a divisão sexual do trabalho e a sua
buscam amenizar as disparidades entre os sexos no que diz respeito às divisões de trabalho,
estudo realizado por Araújo e Scaflon (2005) em 2000 residências em 24 estados brasileiros,
apontaram que a maior parte do trabalho doméstico no país ainda continua sendo
Brasil nos últimos anos, esse crescimento não implicou numa divisão mais igualitária do
nomeadamente Portugal, dados do último Inquérito Nacional aos Usos do Tempo de Homens
e Mulheres em 2015 (Perista et al., 2016), apontou algumas evidências no sentido de uma
crescente participação dos homens na vida familiar, especialmente quando comparado aos
anos anteriores; no entanto, quando analisado o tempo médio gastos por homens e mulheres
nas atividades domésticas, há sobreposição do tempo médio diário das mulheres às atividades
desigual.
mulher se traduz por meio da maternidade. Tradicionalmente o fato de poder gerar filhos, e
assim dá continuidade ao processo da vida, sempre foi um aspecto intrínseco da mulher desde
P á g i n a | 28
a história da humanidade até os dias atuais, podendo ser observado algumas mudanças de
dádiva dos deuses às mulheres, ao passo que a infertilidade era vista como um castigo. Na
para isso eram realizados rituais; ao passo que mulheres grávidas e solteiras eram vistas como
impuras e sem dignidade. Em outras civilizações, como a grega, por exemplo, a residência em
que moravam mulheres grávidas era considerada um lugar inviolável, um santuário sagrado; e
na cultura romana, suspendiam-se grinaldas nas portas das casas onde residiam mulheres
grávidas como sinal de que não deveriam ser incomodadas. Em comunidades indígenas, a
gestação tinha toda uma conotação mística, concebiam-se as grávidas poderes mágicos, visto
como necessárias para o trabalho e como segurança para o futuro dos pais na velhice e na
parentais, onde as mulheres foram assumindo o controle sobre a criação dos filhos,
segundo Giddens (1993), consolidou-se em uma ideologia que passou a exaltar o papel
na sociedade.
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em raízes pré-históricas. A exploração do tema era aceita numa determinada fase histórica e
reprimida em outro período seguinte. Isso aconteceu tanto nas civilizações ocidentais quanto
sexuais era usada para reforçar uma identidade religiosa ou uma ideologia dominante.
Na Antiguidade, a sexualidade era tratada e vivida de uma forma mais livre, sem
grandes tabus. A civilização babilônica, considerada o nosso ancestral mais antigo, as práticas
sexuais eram tidas como atividade natural, retomada culturalmente com preces eróticas aos
deuses; reinava-se certa liberdade sexual em que eram proibidos o incesto, a violência sexual,
o desrespeito aos dias de jejum sexual previstos e a prática sexual com as sacerdotisas
Sabe-se por registros históricos e pela literatura que, com o advento do cristianismo,
ascético e o amor carnal condenado. Àquelas mulheres que mantivessem práticas sexuais
Nesse contexto, o casamento passa a ser associado à noção ritualizada, onde a noiva
deveria ser virgem e não poderia haver intercurso sexual prazeroso, sendo a perpetuação da
espécie o fim maior. O coito deveria acontecer à noite e nunca se deveria orar ou comungar
após sua consumação no mesmo dia, uma vez que o sexo tornara-se um ato pecaminoso e a
“desenfreados” das mulheres é o principal motivo pelo qual a vida íntima era vasculhada,
também formatou a sexualidade feminina nos moldes moralistas e práticas perversas. Por
influência jesuíta, no período colonial, a prática sexual era bastante marcada pela repressão
social. A mulher das classes dominantes era confinada no interior da casa, sob as ordens de
um marido ou a figura do pai autoritário, onde o seu papel principal era o de reprodutora. O
diversos períodos da história. Em épocas mais recentes, como final do século XX, ainda se via
patriarcal tradicional.
É certo que muitas modificações já podem ser observadas no cenário atual com
relação à mulher na sociedade, especialmente sobre a sua sexualidade. No século XX, uma
série de transformações sociais e culturais modificou o palco e as condutas dos atores sociais
ante suas ideias e vivências da sexualidade. Mudanças iniciadas com a Revolução Industrial e
realizadas somente por homens em vários setores de produção, e com isso houve uma
revolução no conceito e vivência do papel social e sexual feminino. Passaram a ser discutidas
que as fizeram assumir outra dinâmica social perante a figura do homem. Os maridos
das mulheres terminou por ser “aceita” socialmente, favorecendo maiores possibilidades de
P á g i n a | 31
ascensão social, além de romper, parcialmente, com a ideologia sexual dominante, mesmo
que ainda se faça presente uma clara diferença entre homens e mulheres em variados campos
Tais eventos sociais foram ponto de partida para um conjunto de mudanças que
atingem não só o âmbito sócio-político, mas também o contexto cultural das relações entre
constantes lutas das mulheres por igualdade de direitos e maiores possibilidades de inserção
social e política, que tinha como foco a resistência e a opressão causada da lógica da
masculinidade hegemônica enquanto estrutura ideológica de poder, tema que será discutido
no tópico da seguir.
participação sociopolítica
Desde as primeiras manifestações dos ideais feministas até os dias atuais, o objetivo
do movimento feminista e o foco das várias teorias sempre se deu de forma controversa, o que
originou diferentes posturas ou “feminismos” que ainda coexistem e que inclusive, por não
serem bem difundidas, confundem a população acerca do objetivo central. Para um melhor
conhecidas como “ondas do feminismo” (Nogueira, 2001). Essas diferentes fases ocorreram
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meados do século XX e configura-se o surgimento do movimento. Tem sua gênese nos ideais
liberais de luta das mulheres pela igualdade de direitos, pela emancipação de um estatuto civil
industrializado como cidadãs nos mesmos termos que os homens (Nogueira, 2001). Podem-se
feminismo, a revolução Industrial, num primeiro momento, e as duas grandes guerras num
segundo contexto.
assumir postos de importância na sociedade como, por exemplo, o corpo diretivo das escolas
importantes guerras mundiais; esse período foi marcado pela saída dos homens aos campos de
batalha, e como consequência disso, foi pedido às mulheres que desempenhassem muitas das
funções antes atribuídas aos homens, constituindo um dos fatores importantes para a luta da
Quando se fala da segunda fase do feminismo, esta se situou nas décadas de 1960 e se
estendeu até os anos iniciais da década de 1980, em especial nos Estados Unidos e na França.
eclosão dos ideais feministas neste segundo momento, como a euforia empresarial resultante
desempenhar atividades no mercado de trabalho, sendo que este momento difere do convite
feito durante a segunda guerra mundial, já que para aquela época era solicitado às mulheres
dessa fase é sobre a ideologia prevalente da família nuclear como instituição imutável, natural
acerca do valor do casamento como uma instituição, a formalização do amor, assim como as
reivindicações consequentes (divórcio, por exemplo), o que veio a dar origem a muitos
conflitos.
Foi, portanto, no auge da segunda fase que aconteceram diversos protestos visando
ativismos políticos tiveram grande visibilidade pelos meios de comunicação da época, como
por exemplo, a “queima dos sutiãs” em 1968 nos Estados Unidos; nome dado pela mídia para
manifestantes se aproveitaram do concurso de beleza que era tido como uma visão arbitrária e
de “tortura”: sapatos de salto alto, cílios postiços, maquiagens, espartilhos, cintas e, claro, os
sutiãs (Nogueira, 2001). Esses objetos foram reunidos e colocados em uma lata de lixo para
serem queimados, mas a prefeitura não autorizou o uso de fogo. O episódio tornou-se um
marco da luta feminista, e após essas manifestações, houve súbitas explosões de raiva,
movimento, assim como atos de desobediência civil a fim de reduzir a credibilidade de certas
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leis, como foi com a lei do aborto. Esses acontecimentos foram importantes, não só pelo o que
representaram o próprio movimento, mas também porque foi através deles que a opinião
pública avaliou, sendo aprovado por algumas pessoas e em outros casos, condenado por
outras.
Esse período foi marcado também pela produção literária como forma de protesto das
ativista política Simone de Beauvoir conhecida como “O segundo sexo”, de 1949, onde faz
uma análise detalhada da opressão das mulheres. Em sua célebre frase: “Não se nasce mulher,
torna-se mulher”, a autora evidenciou pela primeira vez, que ser mulher não é algo
naturalmente dado, mas uma construção social, histórica e cultural inscritos num dado sexo
(homem ou mulher). Essa obra tornou-se uma referência fundamental para o estudo da
Para Nogueira (2001), o feminismo pertenceu aos chamados “movimentos sociais do pós-
guerra”, que assim como os demais movimentos, questionavam o valor das hierarquias de
poder. Surge assim, o cenário propício para a terceira fase do movimento feminista nos anos
teóricos Micheal Foucault e Jacques Derrida, centrou seu foco na análise das diferenças, da
movimento político de luta das mulheres e o meio acadêmico, quando começam a ser criados
mulher, estudos de feminismos e de gênero (Louro, 1995; Scott, 1986). O desafio posto para
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De modo geral, resistir às normas opressoras é tarefa comum aos três períodos do
movimento feminista, no entanto, quer em seus aspectos políticos quer nos teórico-
epistemológicos, essas fases não podem ser entendidas numa perspectiva linear histórica. As
diferentes propostas, características de cada uma das fases do feminismo, sempre coexistiram
feminismo revisaram algumas categorias fixas e estáveis de gênero presentes nas gerações
anteriores do feminismo, e mobilizou uma serie de discussões que tiveram e ainda tem como
1.3 A Perspectiva de Gênero: uma breve leitura analítica das estruturas hierárquicas de
poder
mesmo opostas face das questões analisadas. Alguns utilizam o termo “gênero” em oposição a
“sexo” para distinguir o fato cultural do fator biológico; outros trocam um termo pelo outro,
tornando “gênero” como variável empírica e não como categoria de análise. É frequente
também o uso de “gênero” como substituto de “mulher”; ou, ainda, apenas para enfatizar a
central do conceito ainda bastante difundido na area, como propõe em Scott (1986).
Ainda que pouco difusa, sua utilidade conceitual pode ser empregada como uma
perspectiva interdisciplinar que visa contemplar uma análise narrativa e cultural dos valores
associados a masculinidade e feminilidade, mas também pode ser utilizada como uma
abordagem analítica que será inserida o debate sobre gênero que se segue.
do feminismo como algo renovador nos estudos feministas e vem sendo identificada como
uma poderosa ferramenta, a qual permite uma releitura da realidade que o determinismo
biológico impôs. Além disso, alcança a ideia de construção social da identidade dos sujeitos
nas relações sociais, nos mais variados campos de expressão de poder. Consiste numa
Nas primeiras articulações feministas, a noção de gênero como uma construção social
poder. A ideia foi que gênero aplicava-se a todos, que era um sistema de organização social,
que não havia ninguém fora disso (Scott, 1990). Gênero era sobre mulheres e homens e sobre
como os traços atribuídos para cada sexo justificavam os diferentes tratamentos que cada um
recebia, como eles naturalizavam o que era fato social, econômico e desigualdades políticas.
gênero, foi durante muito tempo realizadas quase que exclusivamente sobre mulheres. Nesta
perspectiva, assumia-se que homens ou o patriarcado era a fonte de maus-tratos das mulheres;
questão. Entre historiadores, gênero, referia-se a títulos de livros e artigos em que relatavam a
tais como as Nações Unidas e várias ONG’s (Organizações Não Governamentais), gênero se
A associação popular das palavras “gênero” e “mulher” foi por muito tempo, e ainda
hoje se faz presente em alguma medida. Contudo, em termos teóricos mais atuais, falar de
gênero não diz respeito apenas ao feminino, mas também ao masculino. A adoção dessas
concepções sobre gênero deu margem ao abandono das teorias essencialistas do sujeito, que
definem, entre outras, a categoria “mulher”. Não mais havendo sexo natural nem uma única
forma de ser mulher (ou de ser homem), Scott (1990) pontua que o termo “gênero”, além de
um substituto para o termo mulheres, é também utilizado para sugerir que qualquer
direitos reprodutivos e a saúde sexual destas, os estudos sobre gênero passaram a incorporar
entre os gêneros e assimétricas de poder – elemento central no conceito proposto por Joan
Scott (1986).
Em seu conceito clássico, Scott (1995, p. 86) afirma que o núcleo da definição repousa
numa conexão integral entre duas proposições: a primeira afirma que “o gênero é um
sexos” e a segunda repousa na questão de que o “gênero é uma forma primária de dar
feminino.
Desse modo, Osterne e Silveira (2012) parafraseando o conceito sobre gênero dado
por Scott, sugere que a primeira parte da definição do conceito se fundamenta a partir de
quatro elementos que não operam uns sem os outros. O primeiro diz respeito aos símbolos
culturais do que é ser homem ou ser mulher, e suas representações muitas vezes contraditórias
exercem o papel de coerção social reproduzindo normas assimétricas de gênero; e por último,
a identidade subjetiva, uma vez que homens e mulheres são educados para incorporar as
Scott (1995) apropria-se das reflexões do filósofo francês Michel Foucault, o qual aborda em
suas teorias a relação entre poder e conhecimento e como eles são usados como uma forma de
controle social por meio de instituições sociais. Para o filósofo, o poder não é considerado
algo unitário e global, mas sim como uma prática social construída historicamente. Os
poderes não estão localizados sem um ponto específico da estrutura social, uma vez que
funcionam como uma rede de dispositivos que engloba a tudo e a todos. Resulta daí a idéia de
que o poder não existe, o que existe são relações de poder nas quais todas as partes o exercem,
Influenciada por Foucault, Scott (1995) entende o gênero como um saber sobre as
diferenças sexuais. E, havendo uma relação inseparável entre saber e poder, gênero estaria
imbricando a relações de poder, sendo, nas suas palavras, uma primeira forma de dar sentido a
estas relações.
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teórica e epistemológica que busca delinear as relações de poder não apenas pela ótica do
sexo, mas articulando-se a outros marcadores sociais, por exemplo a raça e classe. A essa
ideia designou-se o termo “interseccionalidade” (Oliveira & Amâncio, 2017). Segundo Hirata
Guimarães e Britto, 2008) em buscar compreender as diferenças não apenas entre homens e
mulheres, mas para os dinstintos aspectos que se configuram entre homens brancos e negros e
mulheres brancas e negras, por exemplo, na tentativa de abarcar a complexidade e fazer uma
leitura dos elementos indissociáveis para uma luta unitária que envolve as desigualdades
Ao falar sobre sistemas de poder instituídos no seio das análises de gênero, convém
destacar o patriarcalismo. Definido como uma estrutura sobre as quais se assentam todas as
homem sobre as mulheres e filhos no ambiente familiar, estando presente em todos os espaços
sociais e se funda enquanto uma relação civil e não privada (Saffioti, 2004). Para a autora, ao
conceder direitos sexuais aos homens sobre as mulheres, o patriarcado ganha uma base
material e corporifica-se; e por ser uma estrutura de poder, tem por base a ideologia e a
violência.
Essa ideologia teria sido constituída para alimentar a estrutura de poder que situa os
privado do lar quanto no espaço público das relações civis, impregnando toda a sociedade e o
Estado (Saffioti, 2004). Nesta lógica, os homens se apropriam da maior parcela de poder que
lhes cabe nas relações sociais e para a manutenção dessa hierarquia, se apoiam em discursos
com base nas diferenças físicas, sexuais e biológicas (Osterne & Silveira, 2012).
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movimento feminista acerca da conquista de direitos, dos espaços públicos e de uma divisão
de papéis mais igualitária e de inserção nos espaços sociais, a ideologia patriarcal continua
bastante enraizada no imaginário coletivo e nas práticas sociais. Por isso, muitos homens têm
âmbito público. A liberdade das mulheres de “ir” e “vir” não foi acompanhada pelo
passiva e submissa cria o espaço propício para o exercício da dominação simbólica enquanto
contexto das drogas se relaciona com o exercício da feminilidade e dos papéis sociais da
mulher na sociedade, causando um estranhamento social. Por fim, pretende-se abrir uma
malefícios ou à ilegalidade, tanto para homens quanto para mulheres (Bucher, 1992; Nunes &
Jólluskin, 2007; Toscano Jr., 2001). Considerando o caráter mutável das motivações e
droga não é uma tarefa fácil, sendo explorada por diversas áreas do conhecimento, cada qual
tendo uma visão distinta sobre o tema. Para a Organização Mundial de Saúde (2001), droga é
drogas é um sério agravante na vida das pessoas (Pratta & Santos, 2009). Sob essa lógica,
problema de saúde pública, ou seja, um fenômeno sobre o qual algo deve-se fazer para
controlar tal “epidemia” (Barroso, 2013). Esta conceituação contribuiu para que recaísse sobre
a questão das drogas, a conotação de doença “perigosa” ou mal indesejável pelas sociedades.
sobre a questão das drogas. O Estado, por meio do aparelho jurídico, o qual aciona aspectos
sociedade julga como “certo” ou “errado” para cada realidade social e cultural. No contexto
brasileiro, o entendimento acerca do uso de drogas se deve em grande medida pelas leis que
regem a questão das drogas no país. Umas das primeiras legislações, conhecida como lei de
diferenciação é regulamentada pela Lei Federal 11.343/2006 (Brasil, 2006), onde o usuário
passa a ser considerado “doente” por causa da dependência desencadeada pela doença e/ou
por problemas psíquicos; já o traficante, recebe a denominação de “criminoso”, que deve ser
autuado por suas ações malevolentes relativas aos lucros obtidos com a venda ilegal da
Portanto, ora por fatores de saúde ora por questões judiciais, para Mota (2008), o
usuário de drogas é visto como um agente que produz contínua desagregação à ordem social
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com significativas repercussões, especialmente, a nível familiar. Ainda segundo o autor, o uso
improdutivo segundo a lógica do capital; além disso, para o contexto feminino, a dependência
obstáculos impostos pelo controle social foi inaugurada no campo da sociologia, sobretudo,
pelos estudos desencadeados pela Escola de Chicago sobre a Teoria Interacionista do desvio e
a questão do uso de drogas e seus usuários, proposta pelo sociólogo norte-americano Howard
compreensão das dinâmicas de “coesão social” e da naturalização das regras para a produção
social das mesmas e os processos de imposição de rótulos sobre os que são designados como
termo “desvio”, que supõe uma relação social; do foco no indivíduo para o foco nas relações,
processos políticos, nos quais alguns grupos conseguem impor seus pontos de vista como
mais legítimos que outros. O desvio, nesse sentido, é visto como “produto de uma transação
que tem lugar entre algum grupo social e alguém que é visto por esse grupo como infrator de
sociais estabelecem o que é considerado infração às regras, Becker (2008), realizou seus
Outro notável teórico na área das Ciências Humanas e Sociais na década de 1960 e
que contribuiu no avanço da discussão sobre grupos desviantes foi o sociólogo Erving
refletindo sobre a formação dos estigmas sociais e a identidade social dos internados. O autor
faz uma reflexão simbólica do estigma enquanto “marca” ou atributo indesejável, constituído
e imposto por uma sociedade que estabelece um modelo de categorias e tenta catalogar as
categoria.
na pele ou ainda um corte no corpo e significava algo indesejável para o convívio social;
marca era concebida enquanto uma advertência ou um sinal para se evitar contatos íntimos no
divina” expressa através da pele; nessa época tais sinais podiam fazer referência à medicina,
aludindo a alterações físicas nas pessoas. Já na atualidade, estas marcas ou sinais ganharam
toda uma envoltura social em sua gênese, passando a referir-se “estigmas”, que representa
algo ruim, que deve ser evitado, uma ameaça à sociedade, isto é, uma identidade deteriorada
por uma ação social. O estigma é, portanto, um atributo que produz ampla desvalorização na
impondo a perda da identidade social e por determinar uma imagem deteriorada, de acordo
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com o modelo que convém à sociedade. O diferente passa a assumir a categoria de "nocivo",
"incapaz", fora do parâmetro que a sociedade toma como padrão, levando à rejeição, levando
Outro salto teórico nas Ciências Sociais ocorre nos anos 1970 a partir de alguns
indivíduo e sociedade.
Velho (2002) também apostou em uma crítica à patologia social através da discussão
desviante é um indivíduo que faz uma “leitura” divergente dentro da sua cultura, sendo
“normal” em outras áreas. A contribuição da análise feita por Velho (2002) para as Ciências
comportamento diferente do que é esperado para o feminino, desvio da norma social vigente,
considerado um sintoma de deficiência na saúde mental, uma vez que esta rotulação leva em
consideração o fato de que tais substâncias têm potencial para interferir na estabilidade, e
usuárias de drogas ameaçam os pontos de estabilidade social, e por isso são consideradas
outsiders, ou seja, aqueles que se desviam das regras estabelecidas pelos grupos.
Vargas (2011) acrescenta a essa discussão afirmando que, ao não permitir esses
categoria de “drogadas” ou “noiadas”, é dado um lugar para elas dentro dessa ordem, algo
similar a um “depósito”, não apenas de muros ou celas, mas mais caracterizado pela
Do ponto de vista social, essa vala comum, destinada às mulheres que fazem uso
abusivo de drogas, gera um perverso efeito – o preconceito – nos termos que se foi legado
pela lógica social e que está impregnado no pensamento da coletividade. Aliado a essa
sociais de perigo, vinculadas, sobretudo, pela mídia. Essa situação conduz a disseminação de
associa como responsáveis por essa onda de violência. Insere-se neste contexto os usuários de
Alguns estudiosos têm demonstrado que assim como outros grupos tidos como
Watson & Barr, 2006; Fortney, et al. 2005; Kulesza, Larimer & Rao, 2013). São comumente
vistos como perigosos, violentos e culpabilizados moralmente pela sua condição (Ronzani,
Noto & Silveira, 2014). Esta condenação social está relacionada, principalmente, a
criminalidade (Santos, Aciole Neto & Souza, 2012). Sob esta perspectiva, estariam as
indivíduos que são sempre vistos com desconfiança, e por isso, evitados socialmente.
desvalorização social podem ocasionar na vida dos indivíduos (Link & Phelan, 2006;
Corrigan, 2005; Maciel et al, 2008), alguns autores tem enfatizado o estudo acerca do
Norte, Nova Zelândia, Brasil e Etiópia. Os resultados apontaram que em comparação com as
pessoas que sofrem de outros distúrbios mentais não relacionados com substâncias, as pessoas
Observou-se ainda que despertam mais rejeições sociais e emoções negativas; somente em
Outro estudo realizado por Gomide et al. (2010) utilizando amostra de profissionais de
saúde de nível superior e técnico no Brasil (N=183), relatou que os participantes apresentaram
níveis altos significativos de estigmatização contra alcoolistas. Outro dado relevante desse
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apontam a estigmatização dos usuários de drogas por parte dos profissionais da saúde,
relatando também falta de preparo e dificuldade para lidar com o tema, assim como a
percepção de culpa do usuário sobre usa condição (Laport et al., 2016; Oliveira & Ronzani,
Martins et al., (2010) ao conduzir um estudo com universitários dos cursos de Enfermagem,
cocaína foram vistos como de maior responsabilidade dos indivíduos e sob seu controle, do
obtendo as médias de 94,04% e 39,5% respectivamente. Sobre esse aspecto, Corrigan et al.,
(2005) acrescenta que é mais provável que um grupo moralizado seja evitado em seu convívio
drogas é notório tamanha escassez de dados publicados. O que se sabe, sobre as mulheres
em grande medida pela mídia, tendo em conta o papel de propagação de informações e ideias.
Cabe destacar que tal protagonismo midiático está a serviço dos aparelhos normatizadores e
ideológicos do Estado. Tem-se diariamente as discussões sobre as drogas em cenários que ora
engendram do senso comum, ora em discursos científicos que situam as drogas como
problemas de segurança pública na esfera da justiça ora no âmbito da saúde pública (Santos,
Aciole Neto & Sousa, 2012). Em todos estes debates, percebe-se uma motivação ideológica
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tratamento dos transtornos mentais (Maciel, 2012; Maciel et al, 2009), área em que é inserida
(2009).
Há, portanto, uma variedade de motivos que levam à desvalorização de grupos sociais,
usuários de drogas, bem como a expressão do preconceito frente aos usuários, sejam estes
homens ou mulheres, idosos ou até mesmo crianças e adolescentes. No entanto, ainda que a
interpretação destes sujeitos tenha como pano de fundo a questão das drogas, as
Seguindo essa premissa, o presente trabalho pressupõe que o olhar social acerca da
mulher que consome drogas compõe um duplo desvio - seja pelo comportamento abusivo em
o feminino, cuja compreensão desse fenômeno pela sociedade é feita através da desconstrução
da usuária enquanto 'mulher boa e virtuosa', abrindo espaço para a estereotipagem negativa, a
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grupo social.
O fato de mulheres estarem presentes nos contextos de usos de drogas, antes tido
como majoritariamente masculino, abriga a complexidade do meio social e nos faz refletir
contemporânea.
devido a aspectos sociais e culturais que associam o sexo masculino com a virilidade, o desejo
de sentir prazer com comportamentos de risco, violência e transgressão, e por isso, uma
das habilidades masculinas para práticas que garantiam maior acesso às drogas, e por outro
porquê das mulheres consumirem menos drogas do que os homens ou de começarem ou não a
usar substâncias.
As aproximações dos papéis sociais de homens e mulheres têm sido apontadas pela
literatura como um dos fatores do aumento de mulheres que consomem drogas (Zilberman,
2003). No entanto, atualmente, ainda que a visibilidade social do feminino nesse contexto seja
Apesar de todas as conquistas das mulheres por direitos e espaços no meio social,
tornando-se donas de seus corpos e gerentes de seus comportamentos, o fenômeno das drogas
parece ser ainda um terreno minado por construções de gênero que deflagram hierarquias de
poder (Brasiliano, 2001; Hocgraf & Andrade, 2006). A condenação social da mulher que usa
drogas simbolizaria a submissão destas, sendo um modo de controle de seu corpo e seus
indesejáveis socialmente que poderia resultar da intoxicação, como por exemplo, o apetite
sexual aumentado ou diminuído e uma maior vulnerabilidade para o abuso sexual (Brasiliano
A mulher ao ser marcada pelos seus papéis sociais historicamente constituídos, como a
consigo uma carga muito grande, caracterizada por cobranças e imposições sociais,
vulnerabilização.
Sobre este aspecto, algumas pesquisas têm se dedicado a analisar o impacto dessa
estudo relata que as usuárias se vêem rotuladas pela sociedade enquanto mulher “sem valor”,
Medeiros et al. (2015) e Medeiros, Maciel e Sousa (2017) também evidenciaram que a figura
femininas. Esses dados também coincidem com a literatura internacional em estudo realizado
por Bungay et al. (2010), onde ressaltam usuárias vivendo em precárias condições,
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serviços de saúde.
Esse processo de invisibilidade das mulheres nesse contexto força a adequação destas
aos modelos tipicamente masculinos, de modo que o problema das drogas tem sido enfocado
pelos homens e para os homens, gerando maior ocultação sobre as questões da mulher e da
equidade nas relações de gênero é recente em diversos países (Luchese & Aguiar, 2002).
políticas sobre drogas destinadas ao gênero feminino, enseja preocupação, visto que a
seletividade negativa contribui para uma sociedade punitiva que reproduz hierarquias sociais,
ou seja, fazendo com que se endosse o preconceito frente à mulher usuária de drogas no
O foco do gênero na questão das drogas constitui um fenômeno social que tem
interfaces com a saúde pública, pois configura com uma contradição na vida das mulheres
luta pela ampliação dos espaços de liberdade e de produção social da vida das mulheres deve
ter como eixo norteador uma ruptura com a tradição do modelo de assistência hegemônico, de
modo que a superação dessa realidade implica em transformações e enfrentamento nos planos
políticos, ideológicos, técnicos, culturais e sociais (Ferreira, 2013; Medeiros et al., 2015).
protegido por um discurso de uma suposta valorização da mulher através dos aspectos
encara as mulheres como se estas tivessem fracassado no seu papel feminino. Essa mulher é
vista então como um duplo desvio, seja pelo descumprimento das funções maternos-
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Posto isso, neste estudo, pretende-se trabalhar com o conceito de “desvio”, visto que
este se torna muito útil para se compreender como a sociedade, especialmente em países
usuárias. Faz-se útil também para entendermos o cenário de desigualdades enfrentadas pelas
Desde que iniciamos as primeiras relações em sociedade, somos imersos num sistema
mulheres e homens, brancos e negros; já outras categorias, se diferenciam pelo valor social
que lhes são atribuídos ao longo da vida. À medida que crescemos, essas etiquetas
psicológicas vão se tornando uma forma mais cristalizada e funcionam como marcas sociais
que orientam a construção da noção do que somos e qual lugar ocupamos no universo social.
senso comum, crenças compartilhadas socialmente e que podem ser definidas como
negativo do sexo feminino, pode ser compreendido enquanto o primeiro passo para a
sociedade.
Social enfrentada pelas mulheres em contexto de abuso de drogas. Em sua primeira parte, os
feminino. Por fim, será contextualizada a perspectiva de Exclusão Social adotada no presente
3. 1 Sobre os Estereótipos
estereótipo vem do grego stereos que quer dizer sólido ou rígido, e túpus, significa traço.
impressão do francês Firmin Didot, em 1794, que consiste em duplicar um molde padrão de
uma imagem ou figura em uma única página (Gonzáles-Castro & Ubillos, 2011). A
psiquiatria do século XIX designava o termo estereotipia para se referir aos frequentes
precoce; e as ciências sociais usavam esporadicamente a palavra estereótipos para indicar algo
extrapolação tipográfica que confere a ideia de repetição, o primeiro teórico a estruturar uma
definição contemporânea dos estereótipos e suas funções psicossociais foi o jornalista Walter
Lippman, na década de 1920. Este adaptou e passou a utilizar o termo estereótipo para referir-
Lippmann investigou o poder dos rótulos e os seus efeitos na percepção das pessoas.
Segundo ele, quando um sistema de estereótipos é bem fixado, nossa atenção é voltada para
aqueles fatores que os apoiam e desviada daqueles fatores que os contradizem. Para Marques
e Paéz (2013), as ideias de Lippmann eram inovadoras numa época em que os estereótipos
eram vistos com uma forma inferior de pensamento, situada no campo do patológico. Deste
modo, as concepções desenvolvidas por este teórico foram postas de lado pela maioria das
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posteriormente.
estereótipos são um processo não apenas normal como também necessário para organizar o
mundo em categorias mais fáceis de manejar. Para o autor, os estereótipos geralmente estão
associados a características como raça, gênero, aparência física, origem geográfica ou social,
assim como também se referem a outros marcadores sociais como religião e política (Marques
& Paéz, 2000). De acordo com Fernandes et al. (2011), os estereótipos geralmente se referem
coletivo que, por mais que não represente o mundo tal qual ele é real, podem guiar nossos
acerca dos grupos humanos (Fiske & Taylor, 1984; Fiske, 1998).
aos conteúdos mentais de natureza simbólica, cuja influência na cognição é revelada através
dos esquemas perceptivos e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social
(Kruger, 2004). O autor ainda completa que existem dois vieses por meio dos quais as crenças
são conceituadas: o primeiro viés se refere que onde as crenças são pessoais e revelam um
se encontram os estereótipos.
O estudo dos estereótipos, assim como outros conceitos dentro da psicologia social,
individual tem foco nos processos intrapsíquicos e recebe orientação da teoria da Cognição
Social, a qual atribui ênfase ao conceito de mediadores cognitivos e a maneira pela qual esses
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(Marques & Paéz, 2000). Assim, considerando a base de conhecimento armazenado sobre
& Moya, 2011). Ainda que tenham o foco voltado para determinada área, as duas perspectivas
podem ser consideras complementares, uma vez que ao tentar explicar este fenômeno a partir
de uma única vertente, corre o risco de desembocar num reducionismo, como afirma Marques
e Paéz (2006).
(Tajfel, 1978). Para Marques e Paéz (2006), esses dois últimos processos se diferenciam do
primeiro por adotarem uma perspectiva de variabilidade nos grupos, enquanto a categorização
informações do meio social (Aronson, Wilson & Akert, 2002). Tajfel (1983) afirma que ao
categorizar qualquer objeto, seja ele físico, social ou abstrato, o indivíduo adota critérios
classificatórios e descritivos os quais irão orientar a diferenciação dos grupos distintos por
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meio de vários aspectos que se assemelham dentro de uma dada categoria. Esse processo
ajuda na ordenação, simplificação da informação precedente do meio social. Com base nisso,
sociais, o que assume não só a função de tornar a realidade social mais acessível, como
estereótipos sociais permitem, por meio das funções política e social, estabelecer e garantir o
distanciamento social perante indivíduos e grupos. Com isso, o fato de perceber um indivíduo
como membro do grupo de usuários de drogas, por exemplo, como pertencente ao exogrupo
No que concerne a identidade social esta ocupa um lugar de destaque nas discussões
sobre a conceituação de grupo no campo da psicologia social (Brown, 2000). Foi por meio de
importância associada a esta pertença (Tajfel & Turner, 1979; Tajfel, 1970; 1982), que a
categoria tendem a priorizar o próprio grupo, em detrimento a outros grupos aos quais não
pertencem em virtude da manutenção de um senso positivo, de uma alta estima grupal. Para
Tajfel (1970) e Tajfel e Turner (1979), essa identidade é construída a partir do sentimento de
pertença a um determinado grupo mais o valor desta pertença, o que leva os indivíduos a
negativos do grupo de comparação. A partir disso, é consenso entre diversos autores (Onorato
& Turner, 2004; Reynolds et al., 2007; Turner, 1980, 1988; Turner, Brown, & Tajfel, 1979;
Turner & Oakes, 1986), que a identidade social tem o papel primordial de dá realidade
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psicológica ao termo “grupo” para seus membros, e é o que permite àqueles membros
De acordo com Deaux (2000), a maioria das categorias de identidade não só existe
como um grupo ou o rótulo com que o indivíduo possa se identificar, mas também como um
compartilhados.
posicionamentos frente aos diversos grupos alcançados pela identidade social não operam
num vácuo social, distantes das implicações sociais e dos sentimentos associados a outros
preferência sobre o próprio grupo aporta às relações sociais, como também na formação dos
estereótipos.
A comparação social, por meio do seu princípio de diferenciação, tem suas primeiras
descrições a partir das citações de Tajfel (1982) sobre os estudos de Sumner sobre a temática
contexto das relações entre grupos sociais e através das funções a que serviriam as
comparações sociais. Tem a função, segundo Torres e Camino (2011), de aumentar a coesão
o exogrupo.
consequente preferência pelo seu grupo é um fenômeno frequente. Aliando a isso, a criação
de alta autoestima, preconizada nos estudos sobre a identidade social, a qual afirma que os
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indivíduos procuram obter uma imagem positiva de si e esta imagem é obtida por meio da
diferenciação positiva dos outros grupos durante o processo de comparação social. Contudo,
negativa do outro grupo, mas sim em uma tendência a avaliar mais positivamente o próprio
grupo.
relação aos grupos sociais e, em função dessa percepção, emitirem preferências ao próprio
grupo em virtude de sua pertença social. Não obstante, para se compreender os estereótipos,
se faz necessário entender quais as funções que estas crenças socialmente compartilhadas
Seguindo esse contexto, uma das perguntas mais frequentes entre estudiosos dessa
temática diz respeito a sua funcionalidade: para que servem os estereótipos? Quais as suas
funções? São vários os estudos que buscam dá resposta para esses questionamentos, e dentre
eles pode-se destacar os realizados por Tajfel (1981). Considerado um dos primeiros teóricos
a realizar análises sistemáticas sobre as funções dos estereótipos, Tajfel apontou que estes
2011). Outra função que os estereótipos desempenham seria a defesa dos valores individuais,
funcionando como proteção do “eu”, uma vez que os estereótipos ajudam que a pessoa se
sinta melhor acerca de si mesma e menos ameaça (Tajfel, 1981). Assim, os estereótipos em
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autoimagem positiva.
Atuando enquanto funções sociais, a teoria das relações intergrupais (Tajfel, 1981)
associados a elas.
associar, por exemplo, o fato de que os homens são ativos, agressivos e fortes, ao passo que as
determinados grupos é reforçada pelos estereótipos. Por exemplo, paga-se menos às mulheres
porque estariam menos motivadas para o trabalho, e por acreditarem que estas exercem
estereótipos dos grupos dominantes são positivos e nem os do grupo dominado são negativos;
quo. Nesse sentido, faz-se necessário analisar como se configuram os conteúdos atribuídos
interesses, papéis sociais e profissionais, etc., mas também podem ir além de como são vistos
implícitos ou explícitos de como são os grupos sociais, sobre seu comportamento, que traços
de personalidade compartilham seus membros e sua visão de mundo ou sua história. Para
Techio (2011), os atributos que caracterizam um grupo podem ser positivos ou negativos,
ênfase da justificação e das desigualdades sociais sempre foi interesse de boa parte dos
pesquisadores da área, desde estudos clássicos na década de 1990 aos mais recentes sobre as
O estudo clássico sobre o conteúdo dos estereótipos foi realizado por Katz e Braly
(1933) com estudantes da Universidade de Princeton. Neste, solicitou-se aos participantes que
dos traços atribuídos anteriormente pelos estudantes, solicitou-se que outro grupo de
estudantes apontassem os cinco traços que melhor caracterizassem cada grupo em questão.
Após concluir esse estudo, os pesquisadores observaram que havia um grau elevado de
concordância entre os estudantes no que se referia aos dez grupos-alvo, principalmente para o
entre os participantes.
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Contudo, esse estudo foi alvo de diversas críticas, apesar de sua notável importância.
As críticas se centraram no método utilizado, havia um viés na lista de atributos que não
contemplava certos adjetivos que normalmente caracterizam os grupos, e por ser uma amostra
que fazia parte de um discurso de universitários, homens brancos e de classe social média,
estaria enviesado.
para o estudo dos conteúdos dos estereótipos, Niemann et al. (1994), conduziram dois estudos
utilizando o método da associação livre de palavras. Com esses estudos, percebeu-se que a
associação livre é um método válido e por ser sensível ao momento, permite detectar a
exemplo disso, observou-se que a categoria “afro-americano” era descrita como sendo um
grupo que fala alto, hostil, atlético e composto por pessoas de pele escura, ao passo que ao
traços do tipo musculosos e criminosos, enquanto para as mulheres foram atribuídos traços do
Outras pesquisas têm indicado certa constância e estabilidade dos traços no decorrer
do tempo (Cuddy, et al, 2009). Observa-se que algumas categorias sociais, como os idosos e
inutilidade, porém são concebidos como sociáveis e pouco ameaçantes; os europeus são vistos
como capazes, competentes e frios, quando comparados com os latinos; as mulheres donas de
casa recebem traços de dóceis, inofensivas e sociáveis. E apesar de haver certa estabilidade no
conteúdo dos estereótipos, é possível observar algumas mudanças em alguns traços grupais.
Isso de deve, em grande medida, a dinâmica sociocultural de inserção dos grupos e o modo
como as relações sociais estão sendo estruturadas. Com o passar dos anos, observa-se
entanto, parece demonstrar pouca alteração nos crivos que os separam do grupo majoritário,
classificam o próprio grupo eram em sua maioria traços positivos, enquanto os traços
atribuídos aos exogrupos apresentavam aspectos negativos, que serviam de indicadores para
atual tem revelado que o conteúdo negativo dos estereótipos atribuídos ao exogrupo tem
diminuído, e tem-se observado também uma atribuição de traços positivos a estes; esse fato se
deve, em grande medida, às pressões sociais e lutas pela igualdade e pelos direitos humanos
trabalhos de Allport (1954). Para este autor, alguns adjetivos positivos associados a
eram percebidos como incompetentes ainda que fossem vistos como sensuais e sociáveis, e já
os judeus eram tidos enquanto competentes ainda que ambiciosos e orgulhosos. Apesar de ter
uma aparente caracterização positiva, segundo Allport (1954), o conteúdo dos estereótipos
Outro teórico que contribuiu com temática dos estereótipos afirmando a existência de
traços positivos e negativos ao exogrupo foi Solomon Asch. Em seus experimentos sobre
competência para as atitudes intergrupais. Por exemplo, ele observou que variando um dos
adjetivos utilizados para descrever uma pessoa, sendo fria ou calorosa, era suficiente para
É com base na orientação dos estudos conduzidos por Allport (1954) e Asch (1946),
que se tem centrado o estudo do conteúdo dos estereótipos em duas dimensões: Competência
e Sociabilidade. No que diz respeito a primeira dimensão, esta reúne aspectos como poder,
semântica dos estereótipos, o que aponta para o seu caráter ambivalente. Esta dicotomia foi
melhor estrutura pelos estudos realizados por Fiske et al. (2002, 2007) ao proporem o Modelo
De acordo com esta teoria, os grupos com baixo status são caracterizados com
(Techio, 2011). Fiske et al. (2007) apontam que os conteúdos dos estereótipos são produzidos
cooperação. Esta teoria enfatiza que o status global prediz a competência, enquanto que a
sentido, os grupos de alto status são cobiçados, mas não queridos, e os grupos de alta
sociabilidade por terem baixo status, são queridos, mas não cobiçados, como é o caso das
mulheres dona de casa, por exemplo. Techio (2011) destaca que para a ameaça percebida na
Figura 1. Predição dos estereótipos a partir das combinações entre status e interdependência
sociabilidade levaria a uma relação social de admiração e que tal combinação dificilmente
seria encontrada nos grupos sociais; enquanto que a combinação de baixa competência e baixa
sociedade teve impacto potencial nos estudos sobro o sexismo em diversos países. Mais
A terminologia desse modelo pode ser utilizada para referir-se a características que
diferenciam diversos categoriais grupais, como por exemplo, para investigar os estereótipos
de gênero, que se referem aos traços atribuídos às mulheres na dinâmica sociocultural, bem
humanos em duas categorias distintas – homens e mulheres – foi assentado nas diferenças
biológicas, o que determinou claramente uma normatização de como esses dois grupos
deveriam se relacionar. Desta maneira, a existência das diferenças a respeito dos sexos
masculino e do feminino.
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como “conjunto de crenças acerca dos atributos pessoais adequados a homens e mulheres,
Estudos acerca dos estereótipos de gênero tem sido por muito tempo o interesse de
diversos pesquisadores nas mais distintas localidades geográficas. Tais pesquisas têm
revelado certa estabilidade nos traços estereotípicos atribuídos aos gêneros, apesar de ser
verificado que em alguns contextos essas crenças perderam intensidade ou mesmo tiveram
al., 2009).
Em estudo sobre estereótipos de gênero na década de 1950 nos Estados Unidos com
universitários, Sherriffs e Mckee (1957) encontraram que os homens poderiam ser descritos
como assertivos, racionais, vigorosos e eficientes. As mulheres eram vistas como competentes
de papéis masculinos.
femininos. Goldberg (1968) realizou um estudo onde solicitava a alunas universitárias que
avaliassem artigos acadêmicos em termos de competência, estilo, profundidade, etc. Para uma
parte da amostra foi fornecida a informação de que o autor dos artigos era um homem (John
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T. Mckay), ao passo que para a outra metade, se tratava de uma autora mulher (Joan T.
McKay). Apesar de o artigo ser o mesmo para ambos os grupos, àquele assinado por uma
mulher era invariavelmente menos elogiado que o supostamente escrito por um homem,
Sobre essa questão, alguns psicólogos sociais (Deaux, 1984; Deaux & Emsweiler,
atores do sexo masculino e feminino, atribui-se explicações internas para o sucesso dos
atribuir o sucesso da mulher a uma dose suplementar de motivação, ou ainda a “sorte”, nas
palavras dos autores (Deaux & Emsweiler, 1974), para supostas deficiências internas. Esses
fatores, segundo Rodrigues, Assmar & Jablonsky (2009), tem o poder de cristalizar os
estereótipos de inferioridade, ao ponto que ate o público alvo, como no caso as mulheres,
também incorporam tais ideias e se comportam de forma a endossá-las nas relações sociais.
mesmo sexo e uma pessoa de sexo oposto. Os resultados confirmaram a associação dos traços
Com base nesses dados, a autora conduziu outro estudo a partir do campo semântico
obtido nesse primeiro estudo. Neste, selecionou-se 94 adjetivos em ordem alfabética que
representavam a variedade das palavras ditas por homens e mulheres. A lista dos traços foi
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apresentada aos participantes, também estudantes universitários, sendo que foi solicitada a
com o conhecimento que julgavam ser o da sociedade portuguesa acerca dos caracteres
sexuais; a outra metade da amostra foi pedido que classificassem os traços em positivos ou
que se concluiu nessa investigação é que houve menos características tipicamente femininas
categoria a qual se refere “feminina” e inclui também um traço orientado para função social
“maternal” – dado que não foi observado no estereótipo masculino. Ademais, os estereótipos
femininos englobaram traços físicos e afetivos, que apontam para o papel das mulheres na
surgiram e foram avaliados enquanto negativos, e por último, traços relacionados às emoções
mulheres. Os homens foram descritos como responsáveis pelo sustento, com disposição para
exercer o comando e para trabalhos pesados e com gosto por veículos e por jogos; e as
mulheres foram caracterizadas como responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos, como
relações com as dinâmicas de poder exercido por um sexo em detrimento de outro. Nesse
Por meio de diversos estudos realizados sobre os estereótipos de gênero ao longo dos
também serve como fonte de interpretação para descrever estereótipos sobre diversos grupos
(Fiske, Cuddy, & Glick, 2007; Fiske, Xu, Cuddy, & Glick, 1999), que em geral o grupo com
maior status é visto como mais competente e o de menor como mais afetuoso. Fiske et al.
(2007) atribuem essa tendência encontrada em estudos sobre estereótipos a uma característica
adaptativa humana de perceber traços que indiquem possibilidade de ajuda e facilidade para
formar coalizões. No caso específico, as mulheres seriam menos instrumentais e mais afetivas
compartilhadas servem para manter privilégios dos grupos dominantes (homens), enquanto
que os grupos tidos como de alto status, classificados como competentes e pouco sociáveis,
crenças, atitudes, ideias pré-concebidas, políticas ou até interesses escusos, que revelam o que
se pensa e em que se acredita, e muitas vezes revelam tensões e conflitos sociais subjacentes –
características de um povo, uma raça, um gênero, uma classe social ou um “grupo desviante”
a alguns poucos atributos essenciais, tais como: traços de personalidade, as vestes, linguagem
Tonificam a autoestima e facilitam a união de todos “nós” que somos normais, em uma
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simbólico tudo aquilo que não se encaixa, tudo aquilo que é diferente, desviante (Freire Filho,
2004).
Sob essa ótica do desvio se colocam o grupo de pessoas tidas como usuárias de drogas,
relação a um padrão específico (Ronzani & Furtado, 2010). Em estudo realizado por Melo e
Maciel (2016) com usuários de drogas lícitas e ilícitas internos em hospitais psiquiátricos e
CAPSad, revelou que estes se veem rotulados por estereótipos de “drogado”, “viciado”, “não
frente esse cenário é também bastante negativa. A mulher é considerada mais imoral, com
funções materno-familiares (Medeiros et al., 2015; Oliveira et al., 2012). Alguns estudos
estereotípicos pejorativos, como a pesquisa realizada por Leal (2009), onde verificou que as
Noutro estudo conduzido por Cruz (2012), as mulheres relataram serem rotuladas pela
sociedade como mulher “sem valor”, “prostituta” e “irresponsável”, sofrendo com situações
Esses estudos revelam que a mulher usuária de drogas é vista como problema de
Para Medin (1989), a essencialização é tida enquanto processo psicológico, que de modo
geral, seria a tendência a agir e pensar como se todas as coisas possuíssem algo intrínseco que
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as tornam o que são, como, por exemplo, atribuir a maternidade como algo inerente a tidas as
mulheres. Assim, o grupo dos “outros” (mulheres usuárias de drogas) seria estereotipado de
acordo com a essência que lhe fosse atribuída. É assim que os estereótipos se tornam um dos
suportes cognitivos do preconceito (Tajfel, 1978) e da exclusão social, temas que serão
3. 2 Sobre o Preconceito
Segundo Duckitt (1992), antes desse período não se estudava o tema, partindo-se do princípio
de que as diferenças entre os grupos eras vistas simplesmente como diferenças naturais entre
2014). A partir de então, os estudos que trataram do comportamento aversivo contra alguns
movimento negro nos Estados Unidos, o preconceito passou a ser interpretado enquanto um
problema social; neste período, passou-se a se interpretar a categoria “raça” sem fundamento
científico devido ao avanço da biologia e, com isso, o preconceito deixou de ser uma questão
holocausto, o preconceito passou a ser se visto a partir das diferenças individuais, explicado
por meio dos transtornos de personalidade. Já a partir da década de 1960 até o final da década
a transmissão social do preconceito, assim como a sua dinâmica intergrupal. E após a década
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da Psicologia Social, na sua vertente psicológica onde tem como foco as características
automáticos do processo de categorização, e na sua vertente social, que tem o seu interesse
pelos processos sociais de exclusão e inclusão social; a partir deste viés social, a
sociais, ao longo do tempo coexistiram diversas teorias que tentam explicar a expressão do
preconceito. Essas perspectivas teóricas podem ser entendidas e organizadas a partir dos
níveis de análise das explicações dos fatos sociais propostos pelo psicólogo social Willem
Doise (2002), que são: o nível intraindividual, interindividual, intergrupal e societal; é por
meio destes níveis de análise que serão apresentadas as principais teorias desenvolvidas sobre
o preconceito.
(Dollard et al., 1939), a Teoria da Personalidade Autoritária (Adorno et a., 1950) e a Teoria do
resultado da relação causal entre a frustração e a agressão (Álvaro & Garrido, 2006). O
preconceito contra o alvo adequado, os indivíduos deslocariam a raiva em direção àqueles que
estão na base da escala social, conhecidos como “bodes expiatórios” (Pereira, 2004). O
esses grupos.
Segundo essa teoria, os aspectos relacionados à primeira infância, tais como repressões, pais
autoritários, rigidez, disciplina hierárquica, etc., estariam na base do preconceito, e assim, este
(Pereira, 2004).
Segundo Rokeach (1981), o preconceito pode também ser explicado através da sua
teoria do espírito fechado, a qual afirma que as diferenças entre os valores culturais estariam
subjacentes ao preconceito (Falcão et. al., 2004). Sendo assim, Rokeach (1981) centra-se na
hipótese de que as diferenças nas crenças entre os indivíduos são mais determinantes de
preconceito do que diferenças raciais e étnicas. Tem-se, por exemplo, que as pessoas tendem a
congruência com os seus próprios sistemas de crenças; além disso, as pessoas valorizam as
outras na proporção do grau em que essas outras apresentam crenças, subsistemas ou sistemas
de crenças congruentes com os seus (Rokeach & Rothman, 1965). Em função disso, o
Cabe mencionar que a teoria do espírito fechado pode ser situada tanto no nível
sistema de crenças e valores sociais como fatores explicativos do preconceito (Duckitt, 1992).
princípios explicativos das dinâmicas sociais. Insere-se neste nível a teoria da categorização
Allport (1954) foi um dos grandes teóricos da psicologia social a se dedicar aos
estudos do preconceito a partir da sua influente obra “The Nature of Prejudice”. Neste
trabalho, o autor define o preconceito como “uma atitude aversiva ou hostil dirigida a uma
pessoa que pertence a um grupo, simplesmente porque ela pertence àquele grupo, e se
presume que possua as qualidades desagradáveis desse grupo” (Allport, 1954, p.7). A
minoritários. A categorização para Allport (1962) seria um processo natural que nos permite
organizar as informações do dia a dia, e segundo o autor, esta se daria a partir de cinco
guias para realizar ajustes diários na classificação dos objetos sociais. Outro conceito é o
economia de energia cognitiva oferecida pela categorização, uma vez que este processo
permite a identificação rápida de um objeto por meio de seus traços comuns previamente
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conceituais e afetivos (gostar ou não gostar). E por último, a quinta característica concerne a
Allport (1962) afirme que categorias “irracionais” podem se formar com a mesma facilidade.
acentuação de características e traços entre membros de uma categoria social. Dessa forma, a
membros (Allport, 1962, Falcão, et. al., 2004). Essa conceituação construída por Allport ainda
continua sendo uma das mais utilizadas, e que apesar de centrar seu foco de análise nos
contato intergrupal na dinâmica entre os grupos sociais, influenciando outras perspectivas que
intentam explicar o fenômeno do preconceito (Fleury & Torres, 2007; Lima & Vala, 2004).
contexto norte americano e do sul da África. A tentativa de explicar o preconceito apenas por
meio da dinâmica da personalidade do indivíduo não dava conta de explicar contextos onde
boa parte da sociedade era considerada racista; essa perspectiva que considera diferenças
ambiente propício para outras teorias que buscavam explicar esse fenômeno a partir do viés
do preconceito.
sociocultural, as quais são expressas nas diferentes posições que os indivíduos ocupam nas
relações sociais e por meio da forma com que esses desníveis influenciam a dinâmica social.
As teorias que representam esse nível de análise são: a teoria do conflito real descrita por
Sherif et al. (1961) e a teoria da identidade social, proposta por Tajfel (1970, 1981) e Tajfel,
crítica aos estudos experimentais de grupos que eram conduzidos em condições artificiais por
Garrido, 2006).
Sob orientação da cognição social, a teoria da identidade social proposta por Tajfel
(1970, 1981) afirma que a simples consciência da pertença a grupos sociais, mesmo em
situações em que a interação entre os membros é mínima, seria o suficiente para despertar
essa premissa foi demonstrada num conjunto de estudos realizados por Tajfel e seus
identidade social e o processo de categorização social, uma vez que esta produz uma
acentuação nas diferenças entre grupos, através da formação dos estereótipos, favorecendo o
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endogrupo e desfavorecendo o exogrupo (Tajfel, Billig, Bundy & Flament, 1971). Assim, a
social tem sido alvo de críticas por desembocar num reducionismo psicológico semelhante ao
políticos na dinâmica social. Por tal motivo, essa perspectiva de base cognitivista foi
considerada insuficiente para a explicação das relações entre o endogrupo e exogrupo, e por
isso não fornece explicações completas para o preconceito, como propõe Duckitt (1992).
para análise do preconceito tem seu foco de análise nos sistemas de crenças, representações,
avaliações e normas sociais como produtos ideológicos e culturais de uma sociedade que dão
a base e o suporte para as atitudes individuais, como também para as diferenciações entre os
endogrupal, o qual é justificado por ideologias que asseguram as assimetrias sociais existentes
(Lacerda, Pereira & Camino, 2002). Assim, a compreensão do preconceito para essa
abordagem exige uma análise mais politizada da dinâmica social, como sendo produto do
dominantes.
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Com base nisso, tem sido proposta uma teoria do preconceito que situa as noções
subjetiva dos conflitos reais de poder entre grupos e evolui, principalmente, no interior dos
grupos majoritários, podendo ser definido como “forma de relação intergrupal onde, no
aos membros de grupos minoritários por serem membros desses grupos” (Camino & Pereira,
2000, p.52).
Segundo essa teoria, o preconceito não seria uma tendência psicológica universal, mas
representações sociais que são expressas por meio dos estereótipos e das crenças
essencialistas sobre a natureza dos grupos sociais, os quais são ancorados em ideologias dos
A ideologia pode ser interpretada como uma forma específica do imaginário social
desigualdades intergrupais nos planos econômico, social e político (Camino et al., 2001).
dominação. Além disso, também segue o conjunto de leis psicológicas que regem os
estereótipos (Camino et al., 2001; Lacerda et al., 2002). A ideologia enquanto construção
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preconceito decorrente da condição de gênero, que será detalhado mais adiante no presente
trabalho.
Quanto às normas sociais, estas, segundo Lima e Vala (2004), têm o papel de designar
o funcionamento da sociedade em cada contexto por meio das crenças acerca dos grupos
sociais. É por meio da cultura que determinadas crenças são introjetadas na sociedade,
fornecendo uma versão social para os processos automáticos e intrapsíquicos e, assim, podem
agir como facilitadores ou inibidores de atitudes preconceituosas frente aos grupos alvos.
papel na definição do conteúdo do preconceito, bem como na forma como este se expressa
numa sociedade. Especialmente em relação às normas, segundo Lima et al. (2006), cabe a
social de outros. Como exemplo disso, com o término da Segunda Guerra Mundial e como os
movimentos pela igualdade dos civis nas décadas posteriores, houve uma suposta diminuição
autores apontam que, desde aquele período, ocorreram mudanças nas formas de expressão do
preconceito do que a sua diminuição propriamente dita (Gaertner & Dovidio, 1986; Pettigrew
Com base no exposto, a presente tese de doutorado se insere numa perspectiva societal
preconceito como uma forma de relação intergrupal organizada em volta das relações de
dominante (pessoas tidas como não usuárias de drogas). Nessa abordagem, a relação
Essa relação de poder é fundamentada tanto nas questões de gênero, que se traduz
viabilizada e naturalizada por ideologias que incorpora os indivíduos usuários de drogas numa
sociedade. Com isso, as mulheres usuárias ao fazerem parte desse grupo social minoritário,
dona do lar, dócil, frágil e afetuosa. Este imaginário social, é, portanto, impregnado por um
prestígio social, tornando-se cenário propício para a expressão do sexismo na sua forma mais
aberta e hostilizante.
subjugação real ou imaginária (Mesquista Filho, Eufrásio & Batista, 2011). O sexismo seria
gênero social, legitimando a violência contra aqueles que são reconhecidos como tendo uma
posição inferior na dinâmica social. Entretanto, com base na situação diferenciada vivenciada
por homens e mulheres na maioria das sociedades, com um claro privilégio dos homens em
negativas em relação à mulher (Amâncio, 1994; Expósito, Moya & Glick, 1998; Glick &
Em uma abordagem mais societal e também a visão adotada para a presente análise, o
ideológico utilizado pelo homem para garantir as diferenças de gênero que se legitima através
das atitudes de desvalorização do sexo feminino que vão se estruturando ao longo do curso do
desenvolvimento, apoiadas pelo poder estrutural como grupo dominante e mantidas por um
pensamento essencialista que atribui qualidades e defeitos que seriam inerentes e específicos
as diferenças entre os gêneros e a luta das mulheres pela igualdade de direitos. Tendo como
recorte histórico, o século XIX foi palco de diversas mudanças ocorridas na economia e na
que defendem a igualdade dos direitos civis e políticos da mulher, como o feminismo
(Giddens, 1993), o qual proporcionou certa abertura das mulheres a diversos espaços sociais.
individuais e coletivos, figura no artigo 5º do parágrafo 1º que homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações (Formiga, Gouveia & Santos, 2002). Esse fato simboliza um marco
tomando-a como princípio geral, é possível perceber um avanço sim, mas não uma superação
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pode deixar de crer que elas também estão impregnadas de ideologias capazes de guiarem e
de base para que homens e mulheres adotem esquemas psicológicos e ideologias que reflitam
Echebarría, 1990).
Ressalta-se, neste domínio, que devido às mudanças sociais decorrentes da luta pela
a expressões mais sutis. Frente a esse aspecto, um conjunto de teorias emergiu no contexto do
moderno na Austrália e nos EUA (Pedersen & Walker, 1997), o racismo simbólico nos EUA
(Kinder & Sears, 1981), o racismo aversivo também nos EUA (Gaertner & Dovidio, 1986), o
racismo ambivalente nos EUA (Katz & Hass, 1988), o racismo sutil na Europa (Pettigrew &
Meertens, 1995) e o racismo cordial no Brasil (Turra & Venturi, 1995), conforme aponta
Lima e Vala (2004). Para Camino et al., (2001), tais teorias trazem a ideia de que a
e o distanciamento social para com os membros do grupo excluído, estão sendo substituídas
Em relação às novas formas de sexismo, este construto foi proposto por Glick e Fiske
justamente por estas não serem tão diretas quando se considera sua prática e expressão
obra de Allport (1954), a qual impede apreender a verdadeira essência desse construto
(Mladinic et al., 1998), mas busca diferenciar de outras formas de intolerância social (por
uma suposta proteção em relação às mulheres (Glick; Diebold; & Bailey-Werner, 1997).
Segundo Glick e Fiske (1996), essas duas formas de preconceito se fundem no que se conhece
rejeição ou antipatia, e evidencia crenças e práticas que consideram as mulheres inferiores aos
Allport (1994). Neste sentido, segundo Formiga et al (2002, p. 241), o sexismo hostil “prima
por uma orientação vertical, com obediência aos padrões morais tradicionais que situam a
através de atitudes de admiração e proteção e, na maioria das vezes, não são consideradas
como uma forma de discriminação contra a mulher por produzirem de forma subjetiva a
paternalista que descreve a mulher como “pessoa frágil, que necessita de atenção, mas que
Glick e Fiske (1996) propõe que essas duas formas principais, hostil e benévola, estão
sentido em que um pai se relaciona com o seu filho, podendo ter um matiz tanto de domínio
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corresponde ao sexismo hostil, caracterizando a mulher como uma pessoa geralmente incapaz,
que por isso necessita de uma figura masculina superior; o segundo cobre a expressão do
sexismo benévolo, assumindo que a mulher é um ser débil que necessita ser protegido e
são necessários para dirigir as instituições sociais mais importantes. No caso do sexismo
benévolo, tem lugar uma diferenciação complementar, onde são identificados atributos
positivos na mulher, mas que são complementares aos que possuem os homens.
- Heterossexualidade: destaca-se por um lado que a mulher usa seu atrativo e poder sexual
para dominar o homem, e a motivação sexual deste está associada a um desejo de intimidade
com a mulher (sexismo hostil); por outro lado, reconhece-se que tanto o homem como a
mulher não podem ser completamente felizes em suas vidas se carecem um do outro. A
crença, neste caso, válida principalmente para a mulher, é que sem um companheiro a pessoa
De acordo com Belo et al. (2005), as formas de sexismo, tanto o sexismo hostil quanto
mulher em contextos tidos até pouco tempo como tipicamente masculinos, e, sobretudo,
P á g i n a | 90
equilíbrio social, como por exemplo, o uso abusivo de drogas, pode gerar atitudes declaradas
mais hostil, expressas por meio da rejeição ao contato social, pela percepção de ameaça e
também pela culpabilização dos comportamentos. Assim, acredita-se que tais fatores
pressupostos, que embora as usuárias de drogas não sejam um grupo social formalmente
excluído de direitos, suas diferenças não são aceitas, e, por vezes, não toleradas. Confundem-
baixo status e poder, com traços de baixa competência e baixa sociabilidade, o qual
Neste sentido, a seção subsequente, irá delinear os estudos empíricos que subsidiarão a
discussão dos elementos trabalhados no aporte teórico e, nesta oportunidade, decidiu-se pela
Para alcançar o objetivo geral, o qual propõe criar um modelo explicativo da exclusão
social de usuárias de drogas com base no preconceito e nos estereótipos de gênero, assume-se
o quantitativo de quatro estudos empíricos, tendo cada um, os objetivos específicos que serão
detalhados a seguir:
utilizadas;
Qualitativo Quantitativo
ESTUDO I
este capítulo cumpre ainda função de apresentar os resultados e as discussões parciais dos
ESTUDO 1
Este primeiro estudo foi composto por duas pesquisas de caráter exploratório. A
estereótipos de gênero
Método
Tipo de Estudo
Para este estudo, optou-se por utilizar o delineamento de pesquisa segundo o plano
fatos coletivos e nos processos particulares e específicos de grupos sociais (Minayo, 2012).
Além disso, consistiu ainda numa pesquisa de imersão em campo e de natureza exploratória,
descritiva e transversal.
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Participantes e local
A seleção dos participantes foi possibilitada por meio da amostragem do tipo não
dos participantes eram mulheres (67%), com idades entre 18 e 33 anos (M = 22,21; DP =
3,06) e provenientes dos cursos alocados nos seguintes centros: Ciências Humanas (42),
Ciências da Saúde (17) e Ciências Exatas (41) de uma Universidade pública na cidade de João
Pessoa- PB.
Instrumentos
Para obtenção dos dados utilizou-se como instrumentos: (a) Técnica de Associação
No que concerne a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), esta tem sua
gênese nos trabalhos desenvolvidos por Jung em 1905 e, posteriormente, adaptado por Di
Giacomo (1981) para a área da psicologia social (Coutinho, 2017). Tem sua validação
Representações Sociais (TRS), por ser considerado um instrumento projetivo que favorece os
baseado numa produção verbal espontânea. Além disso, na medida em que se apoia em um
repertório conceitual, essa técnica permite a unificação dos universos semânticos e a saliência
(Fiske & Glick, 2002), pode favorecer a apreensão de conteúdos estereotipados que poderiam
ser mascarados pela desejabilidade social, e assim permitirem, por meio das evocações, que
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exemplos de estímulos indutores neutros, como por exemplo, “quais são as primeiras ideias
ou pensamentos que vem a sua mente quando você ouve a expressão “sala de aula”? A
pesquisadora então exemplificava alguns termos relacionados ao estímulo dito, como por
exemplo, as palavras “quadro”, “alunos” e “carteiras”. Feito isso, deu-se início a apresentação
dos dois estímulos indutores utilizados no presente estudo, os quais foram: “Mulher” e,
palavras as quais viessem à mente ao ser proferido cada estímulo. O tempo máximo para a
evocação das palavras associadas a cada estímulo indutor foi estipulado em um minuto,
O tratamento dos dados obtidos pela TALP foi realizado por meio do software para
Palavras, a qual permite a visualização das palavras mais frequentemente evocadas, e também
2
O IRAMUTEQ 0.7 Alpha 2 (Interface de R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de
Questionneires) consiste num software gratuito e de fonte aberta desenvolvido por Pierre Ratinaud. (Ratinaud &
Marchand, 2012).
P á g i n a | 100
pela Análise de Similitude. Essa última técnica de análise, a Análise de Similitude, é baseada
na teoria dos grafos de Ramsey, na qual onde é possível identificar as coocorrências existentes
entre as palavras, indicando suas conexidades, onde o tamanho das palavras é proporcional à
sua frequência e as arestas indicam a força da coocorrência (ligação entre dois elementos
Considerações éticas
estudo procurou seguir com rigor os cuidados éticos de pesquisa envolvendo seres humanos,
nº 0232/14 (Anexo 1). Logo após ser estabelecido o rapport, como também ser clarificado o
fornecidas.
aqueles que obtiveram uma evocação mais frequente, visando diminuir a dispersão dos termos
presentes nos discursos dos universitários. Com o propósito de expor os resultados registrados
pelo programa IRAMUTEQ face aos dois estímulos “Mulher” e “Mulher Usuária de Drogas”,
será apresentada inicialmente uma leitura visual acerca das palavras mais fortemente evocadas
P á g i n a | 101
evocadas conjuntamente, identificadas por meio de um índice, isto é, quantas vezes houve a
co-ocorrência através de números escritos junto às arestas que conectam os vértices, nos
Para o estímulo indutor “Mulher” foram contabilizadas 270 palavras, destas 115
graficamente numa nuvem de palavras em função da sua frequência. Com isso, pode-se
Nesta análise é possível ter acesso de forma visual a centralidade dos elementos em
categorias de acordo com proximidades semânticas, o que tornou possível a identificação dos
“mulher” (Figura 4), pode-se observar a ocorrência de um diagrama contendo sete ilhas no
seu total, sendo que a ilha localizada ao centro da figura revelou-se enquanto eixo organizador
trabalhadora. Esses léxicos foram os mais frequentes nas evocações e também estão
associados aos contextos tipicamente ligados ao feminino, os quais estão interligados aos
Merece destaque a palavra – mãe – uma vez que esta obteve a maior frequência e
diagrama. Junto a este termo e ainda presente na ilha central do diagrama, percebe-se o
predomínio dos elementos ligados aos papéis sociais femininos mais representativos, como as
“alegre”, “carinho” e “amigável”. Houve ainda léxicos antagônicos os quais estão associados
constituição dos papéis sociais e dos espaços ocupados pela mulher na sociedade.
Sobre este aspecto, a narrativa histórica tem mostrado que ao longo do tempo e da
social, um lugar feminino por excelência. A forte evocação da palavra “mãe” demonstra haver
a mulher e sua função reprodutora. Na direção destes achados, pesquisa conduzida por Barros,
P á g i n a | 104
femininas que perpassam o cuidado com os filhos, ressaltando o papel doméstico e reforçando
Outra ramificação que apareceu fortemente associada ao conteúdo maternal foi a ilha
que tem como termo organizador a palavra – forte. Nesta, observou-se conteúdos
conteúdos que retomam os ideais dos movimentos políticos e militantes em prol dos direitos
femininos, como também as relações entre os dois gêneros enquanto categoria de análise
política sobre a resistência à ideologia patricarcal. Ressalta-se ainda, conteúdos que revelam
participante nas esferas públicas e privadas (Silva, 2010). Estão presentes também nesta ilha,
encontra-se outra ilha do diagrama que tem enquanto termo organizador o léxico – guerreira.
desvalorização do outro ou da concepção de que esse outro, por algum motivo, é alguém
inferior, de menos valia, e, portanto, possui menos direitos, é justificado pela cristalização de
diversos conceitos; no caso das mulheres, a ideia de que o direito deveria estar a serviço dos
homens, denominado os mais fortes e mais aptos para exercer cargos de dominância, serviu
para construir falsas ideias e moldar muitos preconceitos contra o sexo feminino presentes até
os dias atuais. Mais recentemente, diversos estudos têm reportado que essa ideia de
inferioridade do gênero feminino tem dado espaço também, para outra forma de discriminar
numa perspectiva mais sutil, baseado numa suposta necessidade de “proteção” às mulheres
por serem mais frágeis. Esse aspecto é evidente na evocação “delicada”, a qual revela
conectando-se aos termos “moda” e “filho”. A vaidade do ponto de vista social, engloba
conquistas na vida das mulheres (Durvasula, Lysonski & Watson, 2001; Strehlau, Claro &
Laban Neto, 2015). Ligado a essas questões, os léxicos “beleza” e “bonita”, que também
apareceram na ilha central vinculados ao papel materno, trazem à tona conteúdos que revelam
aceitos socialmente (Souza, Oliveira, nascimento & Carvalho, 2013). Para Iannelli e Novaes
P á g i n a | 106
(2016) “ser bela” é indicativo de estar em consonância com o perfil estético vigente na
sociedade, vindo a ser fonte de inclusão ou exclusão, à medida que aponta para uma
Campana e Tavares (2013), estes termos revelam conteúdos tidos como indissociáveis da
autores tem apontado a beleza enquanto um capital erótico baseado na interação social e na
tornando-se assim, expressões qualificantes da feminilidade (Hakim, 2010; Strehlau, Claro &
social e emocional, fatores estes reforçados por produções discursivas que afirmam ser as
sobretudo, quando designado para o cuidado do outro da esfera doméstica (Araújo, 2005;
também representado por meio do termo – casamento, o qual se associa aos elementos “sexo”
e “sensualidade”. A evocação desse termo identifica uma complexa teia de relações montadas
esposa” evidencia alguns traços ainda presentes na estrutura social e cultural brasileira, como
a dimensão formal da instituição “família” e a definição feminina a partir de sua relação com
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o homem, assumindo a figura de esposa. Sobre esse aspecto, cabe destacar que, apesar de se
familiar nos últimos anos, o casamento reflete um componente de socialização que tem papéis
bem definidos destinados à mulher, sendo destinada a esta o lugar legítimo e normativo para a
Outra ramificação da árvore pode ser observada por meio do termo – trabalhadora.
barreiras sociais, sendo representada pelo léxico “batalhadora”; destaca-se ainda a ligação
com a palavra “maturidade”, a qual reforça o conteúdo de que as mulheres seriam hábeis e
competentes para exercer funções instrumentais, antes vinculadas com ênfase aos homens.
instrumentalidade, ainda que de maneira mais periférica nas evocações, é possível afirmar que
este resultado difere de outros estudos sobre estereótipos de gênero (Fiske et al., 2002; 2007;
Natividade et al., 2014), uma vez que de acordo com o quadro das grandes dimensões de
diferenciações de traços estereotípicos dos sexos, as mulheres sempre foram mais associadas
modelo de “feminilidade”.
Prentice & Carranza, 2014). No que concerne a acentuação do papel social materno e
doméstico observado neste estudo, refletem a internalização dos padrões e normas culturais
relacionados à feminilidade, sendo justificado socialmente por crenças que mantém uma
P á g i n a | 108
orientação ideológica tradicional dos papéis de gênero e uma visão essencialista referente à
2007), o qual propõe uma estrutura que descreve e tenta predizer como os grupos são
ordenados em uma dada sociedade tendo por base as duas dimensões: sociabilidade e
atribuídas a este grupo alvo revelaram uma avaliação aparentemente positiva e que recai sobre
se traços estereotípicos também positivos, porém em menor quantidade, como o exemplo das
mobilidade desse grupo de ultrapassar uma imagem social cristalizada em torno dos seus
membros.
consideradas distintas, sendo que se considerou àquelas que tiveram uma frequência igual ou
da conexidade e coocorrência com que foram evocados os termos, resultando num diagrama
identificar cinco ilhas organizadas ao redor da ilha central, demonstrando haver um conteúdo
mais forte e agregador ao centro e a existência de conexões entre as demais ilhas nas
extremidades.
P á g i n a | 111
com maior conexidade, os quais foram entre os termos triste – sofredora, triste –
triste – aparece com maior centralidade e ainda apresenta relações importantes com
mais frequente nas evocações e também o léxico mais agregador e organizador da árvore de
Indo ao encontro destes dados, Silva, Pereira e Penna (2018), ao realizarem um estudo
comparativo com profissionais de saúde (N = 17) sobre os atributos distintivos para usuários e
usuários, concluíram que as mulheres foram caracterizadas como mais sensíveis, carentes,
que aparece como um dos eixos do desta ilha e apresenta uma perspectiva negativa e se
relaciona com experiências aversivas ligadas a situações que causam dor e sofrimento; neste
caso, destaca-se o consumo de drogas como a causa desse padecimento. Ainda nesta ilha do
caracterizam a mulher usuária de drogas enquanto agente causador de transtornos, e por isso,
pela sua condição, devido a uma falha moral ou fraqueza de caráter, ao mesmo tempo em que
P á g i n a | 112
presença do termo “desvio”, onde é possível identificar conteúdos que remetem a quebra de
padrões normativos esperados para a mulher. A partir disso, percebe-se que a concepção das
funcionalidade da sociedade, assim como propõe o estudo realizado por Medeiros et al.
(2017). Essa concepção compreende que a dependência de drogas é uma ameaça concreta aos
“valores sociais”, e por isso, visto como um “desvio”, ou seja, agente que produz contínua
perspectiva social da questão das drogas, uma vez que se conecta aos termos “pobreza”,
opiniões coletivas que convergem com a associação das drogas à vulnerabilidade social. E
esteotípicos associados á mulher usuária de drogas; sua similitude com os termos que o ligam
como moralmente divergentes e que não apresentam conformidade com as normas sociais na
sociedade atual. Alguns autores reportam que o uso abusivo de drogas está intimamente
exclusão social (Aciole Neto & Santos, 2016; Maciel & Medeiros, 2017).
Ainda neste contexto de exclusão, situa-se uma importante conexão encontrada a partir
situação desfavorável das usuárias que faz alusão a situação de marginalização sofrida por
P á g i n a | 113
estas. Nesta ilha encontram-se os termos “feia”, “sexo”, “doenças”, “crime”, “perigosa”,
tanto ao contexto patológico quanto de ilegalidade; cabe mencionar ainda que a associação
questões importantes sobre a forma como a sociedade encara a problemática das drogas no
Brasil. Essa forma coletiva de pensar e representar as mulheres que consomem drogas no
crivo da periculosidade, cria espaço propício para a desvalorização social desse grupo, e
do estudo desenvolvido por Medeiros et al. (2015) e Medeiros et al. (2017) sobre os
palavras evocadas carregam conteúdos que expressam a saliência de uma realidade retratada,
reportam uma imagem de mulher destoante com as propostas estéticas e as expectativas dos
papéis de gênero propagadas enquanto socialmente desejáveis. É importante destacar que tais
conteúdos reforçam a noção de culpabilização das usuárias pela sua condição, cristalizando a
Sobre o processo de culpabilização das usuárias por parte da população, e em especial por
parte dos profissionais de saúde, como tem revelado vários estudos (Martins et al., 2010;
Silva, Pereira & Penna, 2018), podem criar barreiras na qualidade do cuidado em saúde
desta população.
P á g i n a | 114
drogas, revelou-se uma acentuação nos significados associados a mulher imersa no contexto
específico das drogas, traduzidos por meio de orientações de traços negativos sobre a
expressividade, além da rejeição de uma identidade feminina. Esse achado aponta para a
ausência de sociabilidade do grupo e também para uma baixa competência, segundo o modelo
perceptivo, mas exprime uma hierarquização, tanto a nível dos sexos, quanto a nível de grupo
os grupos enquanto “normais” versus “desviantes”, somado ao fato das mulheres possuírem
uma identidade de grupo socialmente estigmatizado, e por isso, considerado a patir do viés de
dominação dentro do quadro do universo simbólico de poder entre os grupos sociais. O peso
dos siginificados associados a mulher usuária de drogas, neste estudo, encontra, portanto,
suporte na realidade brasileira, a qual faz alusão indiscriminadamente a questão das drogas
A discussão articulada dos resultados dos dois estímulos indutores, mulher e mulher
usuária de drogas, permite mostrar que a construção social dos modos de “ser mulher” e “ser
desigualdade, seja ela pela dominação em que coloca homens e mulheres em posições
diferentes, ou seja pelo fato de que para ambos os sexos não há relação de aproximação ou
P á g i n a | 115
adimiração frente ao grupo socialmente indesejável (Amâncio, 2010; Oliveira & Amâncio,
construir uma imagem positiva de si e um distanciamento por “qualquer uma” que carregue
esses predicados.
Considerações parciais
Por meio dos achados ora apresentados, pode-se concluir que as imagens eleitas para
representar as categorias Mulher e Mulher Usuária de Drogas, foram, e ainda são escolhidas
como homens e mulheres devem ser e se comportarem. Nesta linha de pensamento, Prentice e
Carranza (2002) defendem que os estereótipos de género não são apenas prescritivos, mas
mas também às não adequadas ou proibidas; a como “devem ser” e como “não devem ser”
homens e mulheres.
não está unicamente restrita ao consumo de substância per si, seja esta lícita ou ilícita, mas à
difundindo-as através da cultura. É por meio dessas relações de classificação social que se
Neste sentido, é interessante pensar que o estudo sobre a forma como são
estereotipadas as minorias, neste caso as mulheres usuárias de drogas, não deve restringir-se
destas imagens social e ideologicamente motivadas, e o porquê que elas perduram e são
produzidas, e, por fim, como estas vem se articulando com a expressão do preconceito e a
transculturais sobre a temática das drogas, esta pesquisa buscou conhecer os conteúdos
Método
Tipo de estudo
Além disso, consiste numa pesquisa de imersão em campo e de natureza transcultural, o que
acerca das normas, crenças, valores e representações que caracterizam uma determinada
praticados entre membros de uma dada cultura, ao passo que em outra sociedade pode haver
Local e participantes
A seleção dos participantes deste estudo se deu por meio da amostragem do tipo não
brasileira localizada na cidade de João Pessoa – PB, e os outros 100 participantes estavam
Lisboa, Portugal. A faixa etária dos brasileiros compreendeu entre 18 e 33 anos (M = 22,21;
DP = 3,06), provenientes dos centros: Ciências Humanas (42%), Ciências Exatas (41%) e
Ciências da Saúde (17%), e a maioria eram mulheres (67%). Quanto aos universitários
portugueses, 59% eram do sexo masculino, variando entre 18 a 59 anos de idades (M= 22,46;
DP=5,55), distribuídos entre as áreas: Ciências Humanas (40%), Ciências da Saúde (32%) e
Ciências Exatas (28%). A inclusão dos participantes foi feita por conveniência e não houve
conhecimentos (Ciências humanas; Ciências Exatas; e Ciências da Saúde), com alunos com
idades iguais ou superiores a 18 anos. No Brasil a coleta ocorreu com aqueles que estavam em
online para o acesso dos discentes e também por meio da coleta presencial (lápis e papel).
Instrumentos
Para obtenção dos dados, utilizou-se como instrumentos: (a) Técnica de Associação
sexo, idade, curso e localidade dos participantes para fins de caracterização da amostra.
desenvolvidos por Jung em 1905, e posteriormente foi adaptado por Di Giacomo (1981) para
um determinado objeto, baseado numa produção verbal espontânea. Além disso, na medida
em que se apoia em um repertório conceitual, essa técnica permite a unificação dos universos
e/ou traços estereotípicos face ao objeto social em investigação (Rodrigues & Cruz, 2008).
Por meio da configuração dos elementos que constituem a rede associativa dos
conteúdos evocados em relação a estímulos indutores, para este estudo a utilização da TALP
será ancorada no Modelo do Conteúdo dos Estereótipos proposto por Fiske et al. (2002), que
pode ser de grande relevância para o estudo das crenças e dos conteúdos estereotípicos, pois
pode favorecer a apreensão de conceitos que poderiam ser mascarados pela desejabilidade
social e, por meio das evocações, permite-se ter acesso a ideias ou pensamentos frente ao
ambos os participantes: O que lhe vem à mente quando ouve a expressão “Mulher” (estímulo
fim de realizar a equivalência cultural dos termos, foram consultados documentos oficiais
sobre a temática, como também, sites e blogs que divulgam matérias jornalísticas sobre
agosto a dezembro de 2016 nas salas de aula da referida universidade, com aqueles que
Portugal, a recolha de dados ocorreu de forma individual e virtual nos meses de maio a
outubro de 2017, possibilitada pelo Qualtrics Research Suite3, o qual consiste num
questionário online de baixo custo, rapidez e que permite o monitoramento dos dados
Para análise dos dados, procedeu-se a junção do material coletado oriundo dos dois
3
O Qualtrics é uma da ferramenta online e gratuita da Web 2.0 e está disponível em http://www.qualtrics.com/
P á g i n a | 120
indiciando a força com que os elementos se ligam aos outros. Além disso, baseia-se na teoria
Considerações éticas
Respeitaram-se todos os cuidados éticos com pesquisa que envolve seres humanos,
qualquer momento.
sociodemográficos.
P á g i n a | 121
possível visualizar uma homogeinização dos universitários provenientes das duas localidades.
Sobre a procedência dos cursos, a área de humanas obteve maior expressividade entre os luso-
brasileiros. Nessse sentido, pode-se concluir que o grupo estudado, considerado na sua
conhecimento em que permite aproximação teórica e prática com a temática das drogas.
Sobre as evocações apreendidas pela TALP acerca dos dois países (Brasil-Portugal)
duas localidades. Para o contexto brasileiro, sobre o estímulo Mulher, foram consideradas 115
palavras distintas, tal como mencionado na Pesquisa 1 deste Estudo. No entanto, a fim de
tornarem ainda mais homogêneos os conteúdos expressos, considerou-se para este estudo a
permanecendo a frequência mímina de quatro repetições dos termos, o banco foi composto
P á g i n a | 122
por 39 palavras analisadas, de um total de 145 vocábulos distintos. Esta análise comparativa
brasileiros, as palavras mais fortemente evocadas foram: mãe (51); forte (32); guerreira (26);
vaidade (18); beleza (17); bonita (14); amável (14); casamento (10); e trabalhadora (9). No
que concerne aos resultados referentes aos universitários portugueses, observou-se enquanto
P á g i n a | 123
palavras mais frequentemente evocadas os seguintes termos: mãe (45); forte (28); beleza (23);
independente (19); moda (18); poder (15); inteligência (15); decisão (14); trabalhadora (13); e
vaidade (12).
estereótipos sobre a mulher, como por exemplo, os temos: mãe, forte, vaidade, beleza e
trabalhadora. Assim, sobre o conteúdo das palavras evocadas, sugere-se uma imagem do
sociabilidade sobre o grupo feminino (Amâncio, 2010; Fiske et al., 1999; Fiske & Glick,
poder, decisão e trabalhadora. Cabe acrescentar que estes termos, os quais expressam
habilidades instrumentais, são comumente associados aos homens. Esse dado difere de outros
tracos destinados aos homens e mulheres na presente nacionalidade. Em estudo conduzido por
torna obrigatória a execução de políticas públicas ligadas aos direitos humanos e à igualdade
P á g i n a | 124
brasileira, o debate sobre a as questões de gênero vem recebendo pouca atenção na agenda
tratamento ao abuso de drogas (Souza, Oliveira & Nascimento, 2014). Sugere-se por meio dos
universitários.
respeito a forma como os universitários caracterizam o objeto social em questão. Com relação
aos brasileiros, foram relatados um total de 489 termos, e destes, 222 foram classificados
como distintos. Para esta análise, selecionou-se as palavras com frequência igual ou superior a
quatro, o que resultou um total de 42 termos analisados, destacando as seguintes: Triste (27);
Dependente (18); problemática (18); sofredora (17); fragilizada (13); descuidada (10). Já no
contexto português, 128 palavras foram consideradas distintas, de um total de 498 evocações.
(19); vício (19); magra (18); doença (17); seringa (15); fraqueza (15); e ajuda (13).
drogas, se construiu uma concepção parcialmente consensual, onde emergiu apenas o termo
composta por traços de passividade. De modo particular, tendo com mente a saliência da
instabilidade social, como propõe os estudos realizados por Medeiros et al. (2017) e Bungay
et al. (2010).
Quanto às evocações referentes aos portugueses, estas podem ser visualizadas tendo
mencionar a evocação do termo “ajuda” enquanto reflexo do avanço das políticas públicas de
Por meio de classificações orientadas pela categoria primitiva “sexo” e também por
meio de uma categoria ligada à artefatos humanos, como o uso de drogas, foi possível
dizem respeito a forma como cada grupo, brasileiros e portugueses, simplificam o pensamento
social acerca da mulher e sua relação com o “mundo do desvio”. Este processo implica num
processo de generalização, que não raras vezes, pode incorrer em certo nível de distorção
informativa, uma vez que opera através de filtragens, exacerbações e coisificações (Techio,
Esse dado, sugere que o paradigma da segurança pública está associado ao contexto
produtor de estigmatização e exclusão social das usuárias, uma vez que esse contexto acentua
o caráter de “desviância”. Nesse sentido, a experiência de Portugal, ainda que longe de ser a
Considerações Parciais
relativo a esta temática e fornecer material para ser utilizado em investigações subsequentes.
e também com a saliência do consumo de drogas. Em segundo lugar, contemplam uma análise
comparativa das questões de gênero e como vem sendo estruturado o pensamento social
pois ficou evidente que o contexto sócio-cultural presente nas sociedades brasileira e
sendo um crime, ao passo que Portugal, a pessoa detida consumindo drogas é levada para uma
comissão formada por pessoas habilitadas tecnicamente para identificar os problemas dos
relacionadas às drogas no país, o Brasil ainda focaliza o uso de drogas com base no paradigma
da segurança pública, não priorizando ações mais efetivas de saúde pública que atendam o
P á g i n a | 128
ESTUDO 2
mulheres usuárias de drogas, tem sido pouco explorado em estudos nacionais e também no
acerca dos instrumentos psicométricos que permitam mensurar tais contrutos supracitados.
Deste modo, faz necessário dispor de medidas que reúnam evidências de validade e
(Dancey & Reidy, 2013; Pasquali, 2003). A fim de estabelecer tais medidas padronizadas que
preliminares das medidas para o contexto univeristário, com o propósito de avaliar a estrutura
instrumentos que permitissem a mensuração dos estereótipos para o contexto foco do presente
trabalho. Ademais, buscou-se adaptar e validar para o contexto feminino de uso de drogas os
frente aos Usuários de Drogas (EPAUD); a Escala de Moralização sobre o Uso de Drogas
(EMUD); a Escala de Exclusão Social para contexto da Saúde Mental (EESSM); e adaptar
4.2.1 Método
Tipo de estudo
Participantes e local
Campina Grande no Estado da Paraíba. As idades variaram de 18 a 45 anos (M= 23,32; DP=
4,76), a maioria mulheres (68%) e provenientes das áreas de Humanas (39%), de Saúde (20%)
e de Exatas (41%). Do total da amostra, 15% afirmou ser usuário/usuária de drogas e entre as
drogas relatadas foram: álcool (11%) e maconha (2%). Outro dado relevante foi quanto a
convivência com usuários e/ou usuárias de drogas, o que revelou que 28% dos participantes
afirmou conviver com usuário/usuária de drogas, destes, 50% relataram ser os amigos,
Instrumentos
afirmativo, qual substância de maior consumo; também foram perguntados se conviviam com
(EEFMUD) – Este instrumento foi desenvolvido pelas autoras do presente estudo, e avalia os
P á g i n a | 132
estereótipos frente à mulher no contexto de uso de drogas, composta por 14 itens por meio da
escala foi elaborada por Maciel et al. (2016, no prelo) e avalia a percepção de ameaça frente
aos usuários de drogas por meio do fator de periculosidade. Composto por 12 itens, o
instrumento possui escala de resposta do tipo likert variando de (1) “Discordo totalmente” a
da Escala Marcus, desenvolvida para avaliar crenças e estereótipos sobre usuários de álcool
(Babor et al., 1986). Foi adaptada para o contexto brasileiro por Ronzani, Furtado e Higgins
(Biddle, 2009) e apresenta pontuação de 5 a 35, contendo variação de respostas do tipo Likert,
d) Escala de Intenção de Contato Social (EICS) – Este instrumento foi elaborado por
Martínez e Vera (1994) no contexto espanhol para avaliar a intenção em manter contato social
superficial ou relações íntimas com imigrantes. Possui escala de resposta do tipo Likert que
e) Escala de Exclusão Social frente à Doença Mental – Essa escala foi desenvolvida
por Maciel et al., (2016, no prelo) para avaliar a exclusão social no contexto de tratamento da
doença mental. A escala de resposta é do tipo likert, variando de (1) “Discordo totalmente” a
contexto de Uso de Drogas), teve seus itens elaborados a partir do primeiro estudo (Estudo 1)
drogas. Além disso, buscou-se dados na literatura que tratam sobre a temática dos estereótipos
Inicialmente, foi criada uma lista de adjetivos os quais caracterizam mais fortemente o
construto a ser avaliado (com base na maior frequência e coocorrência nas evocações livres
do Estudo 1). A escala foi composta por 14 itens que traduziam adjetivos opostos do tipo
diferencial semântico, onde é colocado um adjetivo positivo de um lado e o outro polar oposto
um negativo, por meio dos quais os sujeitos avaliam o conceito colocando uma marca na
posição que mais se aproxima de sua percepção em relação às mulheres usuárias de drogas. A
etapa seguinte consistiu numa análise teórica da escala por três profissionais pós-graduandos
seguida, a escala foi apresentada a uma amostra de conveniência composta por dez
entendimento e a clareza dos itens. Nessa fase, foram feitas modificações de algumas palavras
instrumento.
administrados de forma coletiva e nas salas de aula, mediante o acordo com as datas e
Para a análise dos instrumentos, utilizou-se o Pacote Estatístico para Ciências Sociais
(SPSS-PASW) para Windows na sua versão 21. Inicialmente, foram realizadas análises
seguida, foram realizadas análises fatoriais exploratórias por meio do método dos eixos
principais, sendo esta técnica considerada mais criteriosa e a rotação do tipo oblíqua (direct
oblimin) a qual permite que seja verificada a correlação entre os fatores (Field, 2009).
4.2.2 Resultados
(EESMUD).
tendo sido observados os seguintes índices adequados: KMO = 0,91 e o Teste de Esfericidade
de Bartlett, χ² (91) = 1465,39; p < 0,001. Deste modo, a fim de conhecer o número de fatores da
extrair, bem como o tipo de rotação. Os resultados apontaram a presença de dois fatores com
constatar na Figura 9.
.
P á g i n a | 136
Com base nos indicadores relatados acima, entre o Critério de Kaiser e o Critério de
extração dos fatores, foi realizada a Análise de Horn (preponderância dos valores próprios
observados em relação aos simulados; comumente conhecida por Análise Paralela). Esta
ao valor simulado, o qual nos sugere que há apenas um componente na estrutura fatorial da
presente escala. Realizou-se novamente uma análise exploratória com o método dos eixos
principais, fixando-se desta vez um fator a extrair. Utilizou-se o ponto de saturação 0,40 para
que o item pudesse compor o fator. Estes valores estão explicitados na Tabela 3.
Fator h2
Itens
único
1. Bonita/Feia 0,60 0,36
2. Forte/ Frágil 0,48 0,23
3. Afetuosa/ Fria 0,73 0,53
4. Alegre/Triste 0,51 0,26
5. Confiável/ Não confiável 0,79 0,63
6. Impulsiva/ Não impulsiva 0,60 0,37
7. Competente/ Incompetente 0,76 0,58
8. Responsável/ Irresponsável 0,79 0,63
9. Dócil/ Agressiva 0,79 0,62
10. Feminina/Não Feminina 0,55 0,31
11. Recatada/ Promíscua 0,63 0,40
12. Maternal/ Não maternal 0,67 0,45
13. Independente/ Submissa 0,52 0,27
14. Familiar/ Não familiar 0,69 0,48
Número de itens 14
Valor próprio 6,181
Variância explicada (%) 44
Alfa de Cronbach (α) 0,91
.
De acordo com a Tabela 3, o fator único visualizado explica 44% da variância total e
foi interpretado de acordo com as cargas fatoriais dos itens, os quais apresentaram valores
superiores a 0,40. Por meio do coeficiente de consistência interna (Alfa de Cronbach) pode-se
afirmar que o valor obtido é considerado aceitável, assumindo valor superior ao preconizado
agrupando todos os quatorze itens num componente geral (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 12,
13, e 14). O fator geral da escala avalia os estereótipos relacionados à mulher no contexto de
considerados negativos.
replicabilidade da estrutura fatorial aqui proposta, a fim de testar em uma outra amostra
similar a adequação unifatorial ora apresentada. Esta validação será descrita no estudo
O primeiro trabalha com as correlações parciais das variáveis, devendo ter índices iguais ou
fatoriais.
Seguiu-se com a análise fatorial com o método dos eixos principais, sem estabelecer, a
componente com valor próprio igual ou superior a 1 (Critério de Kaiser), assumindo o valor
de 6,928 e explicando 53% da variância total. A estrutura unifatorial também foi sugerida pela
distribuição gráfica dos valores próprios (scree plot) observada na Figura 10:
P á g i n a | 139
.
A partir da distribuição gráfica, se visualiza claramente a solução unifatorial da
referida medida. Em seguida, utilizou-se como ponto de saturação para o item fazer parte do
Itens Cargas h²
Fatoriais
1. As mulheres usuárias de drogas oferecem perigo à sociedade. 0,71 0,60
2. Prefiro manter distância de uma mulher usuária de drogas. 0,71 0,59
3. A mulher usuária de drogas é uma marginal. 0,75 0,60
4. Tenho medo das mulheres usuárias de drogas. 0,76 0,61
5. A mulher usuária de drogas é capaz de cometer qualquer ato 0,63 0,43
para manter o vício.
6. Quando uma mulher usuária de drogas se aproxima tenho 0,73 0,58
vontade de fugir.
7. As mulheres usuárias de drogas são pessoas perigosas. 0,82 0,67
8. As mulheres usuárias de drogas não merecem confiança 0,76 0,62
9. As mulheres usuárias de drogas oferecem risco para a 0,79 0,70
sociedade.
10. É perigoso conviver com mulheres usuárias de drogas. 0,77 0,62
11. As mulheres usuárias de drogas podem agir agressivamente a 0,65 0,52
P á g i n a | 140
qualquer momento.
12. As mulheres usuárias de drogas roubam para manter o vício. 0,67 0,57
Número de itens 12
Valor próprio 6,928
Variância explicada (%) 53%
Alfa de Cronbach (α) 0,93
Drogas, agrupando todos os itens num mesmo fator, os quais se referem a ideia de ameaça
voltada para a periculosidade atribuída às mulheres que fazem uso de drogas. A presente
análise mostrou-se similar a escala original proposta para o contexto de usuários de drogas
sem especificação do gênero, proposta por Maciel et al. (2016, no prelo), a qual também
Portanto, fazendo uso dos indicadores da análise fatorial exploratória relatados acima,
fatorial resultante, na qual espera-se que este indicador seja de ao menos 0,70 para que o
o estudo seguinte (Estudo 3) terá como foco a validação confirmatória deste instrumento em
matriz de correlações entre os itens do instrumento em questão, por meio do KMO (Kaiser-
prosseguir a uma análise fatorial, observando os seguintes índices: KMO = 0,80 e Teste de
Neste sentido, optou-se por efetuar uma análise com método dos eixos principais, sem
fixar rotação ou número de dimensões a extrair. Foi identificado um fator com valor próprio
unifatorial deste instrumento, conforme pode ser observado na distribuição gráfica (scree
Cattell, é possível haver uma concordância entre tais indicadores, não restando dúvidas
quanto a interpretação de uma estrutura unifatorial da presente escala. Com base nisso,
P á g i n a | 142
realizou-se uma nova análise fatorial com método dos eixos principais, desta vez fixando-se
um fator e elegendo o ponto de saturação de 0,40 para que o item faça parte do componente.
Cargas
Itens h2
Fatoriais
1. O consumo de drogas é um sinal de fraqueza de caráter. 0,72 0,44
2. As mulheres usuárias de drogas não se preocupam com seus 0,68
problemas; 0,38
3. As mulheres usuárias de drogas são pessoas moralmente 0,80
fracas. 0,53
4. As mulheres usuárias de drogas são pessoas sem 0,72 0,45
determinação.
5. As mulheres usuárias não querem parar de consumir drogas.
0,45 0,18
Número de itens 5
Valor próprio 2,868
Variância explicada (%) 47
Alfa de Cronbach (α) 0,81
.
Alfa de Cronbach, que este instrumento apresenta evidências de validade fatorial e bons
47% e altas pontuações de cargas fatoriais presentes nos cinco itens do componente geral,
proposta, por meio de uma nova análise com fins confirmatórios, que será exposta no Estudo
3.
P á g i n a | 143
(EICSMUD)
exploratória, tendo sido observados os seguintes índices que se mostraram adequados: KMO
Realizou-se uma análise com o método dos eixos principais sem fixar, a priori, o
número de componentes a extrair ou o tipo de rotação; dessa forma, foram identificados três
variância total com os seguintes valores: 5,064, 1,449 e 1,237. Porém, considerando o
Critério de Cattell, pode-se observar uma estrutura fatorial ambígua, conforme a distribuição
Figura 12. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Intenção de Contato
Social.
P á g i n a | 144
Tendo em vista essa ambiguidade, realizou-se a análise paralela visando não deixar
dúvidas quanto ao número de fatores a extrair; nesta análise, foram assumidos os mesmos
parâmetros do banco de dados original, isto é, 208 participantes e quatorze variáveis (ver
Tabela 6).
Tabela 6. Distribuição dos fatores de acordo com o critério de Kaiser e análise paralela sobre
a Escala de Intenção de Contato Social frente às Mulheres Usuárias de Drogas
que o critério de Kaiser apresentou valores superiores aos simulados, permitindo assim, a
identificação de apenas um fator pertencente a medida. Desse modo, optou-se por realizar
nova análise fatorial exploratória com o método dos eixos principais e dessa vez fixando-se
um único fator, tendo como ponto de saturação 0,40 para o item fazer parte do fator. Os
Itens Cargas h²
Fatoriais
1. Penso que o desemprego não se agravaria pela presença das 0,39 0,25
usuárias de drogas no Brasil.
2. Teria dificuldade em admitir como chefe de trabalho uma 0,63 0,41
usuária de drogas.
3. De modo geral, eu gosto do jeito de ser das mulheres usuárias 0,67 0,41
de drogas.
4. Ainda que não se fale, a presença de uma usuária de drogas 0,49 0,26
produz medo.
5. Acredito que os mesmos direitos que nós temos, as usuárias 0,28 0,09
de drogas também possuem
6. Por certas razões, não é aconselhado manter relacionamentos 0,61 0,38
com usuárias de drogas.
7. Teria amiga usuária de drogas. 0,63 0,37
8. No meu negócio, não contrataria mulheres usuárias de drogas. 0,74 0,54
9. Eu não gostaria que alguém da minha família se casasse com 0,76 0,59
P á g i n a | 145
A partir dessa solução unifatorial, percebe-se que o item 1 (Penso que o desemprego
não se agravaria pela presença das usuárias de drogas no Brasil), o item 5 (Acredito que os
mesmos direitos que nós temos, as usuárias de drogas também possuem), o item 10 (Acho
desnecessário o gasto de dinheiro público com mulheres usuárias de drogas) e por último o
drogas), foram excluídos da escala por não atingir a carga fatorial de 0,40, indicando que há
3, 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13 e 14) com saturações variando entre 0,40 a 0,76, sendo que os itens 3, 7
e 14 são invertidos. O presente fator geral foi denominado de Intenção de Contato Social
contexto universitário.
empregada. Com isso, optou-se pela realização de uma nova análise de caráter confirmatório
exploratória, tendo sido observados os seguintes índices que se mostraram adequados: KMO
Primeiramente, realizou-se uma análise com o método dos Eixos Principais sem fixar
com valor próprio superior a 1 (Critério de Kaiser), explicando 40% da variância total e com
critério de Cattell confirma a solução bifatorial, conforme a distribuição gráfica (scree plot)
Figura 13. Representação gráfica dos valores próprios da Escala de Exclusão Social frente às
Mulheres Usuárias de Drogas
P á g i n a | 147
paralela visando não deixar dúvidas quanto ao número de fatores a extrair; nesta análise foram
assumidos os mesmos parâmetros do banco de dados original, isto é, 208 participantes e nove
Tabela 8. Distribuição dos fatores de acordo com o critério de Kaiser e análise paralela
sobre a Escala de Exclusão Social frente às Mulheres Usuárias de Drogas
que o critério de Kaiser apresentou valores superiores aos simulados, identificando-se apenas
um fator pertencente a escala. Desse modo, optou-se pela realização de uma nova análise
fatorial exploratória com o método dos eixos principais e dessa vez fixando-se um fator, tendo
como ponto de saturação para o item fazer parte do fator 0,40. Os resultados são apresentados
na Tabela 9.
Itens Cargas h²
Fatoriais
1. A mulher usuária de drogas deve ser afastada da sociedade 0,59 0,35
2. As mulheres usuárias de drogas precisam ser tratadas em 0,72 0,52
hospitais fechados
3. As mulheres usuárias de drogas devem conviver livremente 0,66 0,38
na comunidade
4. As mulheres usuárias de drogas devem ser tratadas nos 0,40 0,25
serviços de saúde da comunidade
5. A internação em hospitais fechados deve ser o tratamento 0,59 0,35
priorizado para as usuárias de drogas.
6. Doentes mentais devem ser tratados em hospitais gerais. 0,42 0,17
7. As mulheres usuárias de drogas precisam viver com suas 0,56 0,33
famílias, em casa.
8. As mulheres usuárias de drogas devem ser internadas 0,60 0,30
P á g i n a | 148
compulsoriamente.
9. Os serviços substitutivos de saúde na comunidade CAPSad- 0,09 0,07
Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas são os
mais adequados para tratar as mulheres usuárias de drogas.
Número de itens 9
Valor próprio 3,338
Variância explicada (%) 37%
Alfa de Cronbach (α) 0,76
Nota: Elaborada pela pesquisadora.
Como pode ser observado na Tabela 8, o item 9 (Os serviços substitutivos de saúde na
comunidade CAPSad- Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e drogas, são os mais
adequados para tratar as mulheres usuárias de drogas) foi desconsiderado da escala, por não
atingir o ponto de saturação mínima de 0,40. A solução unifatorial da medida agrupou oito
itens com cargas fatoriais variando de 0,40 a 0,72, explicando 37% da variância total. Além
disso, o fator geral apresentou consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,76 e foi
áreas, a exemplo da psicologia social, esta entendida enquanto referencial legítimo à análise
dos graves problemas sociais que assola a vida em sociedade (Álvaro & Garrido, 2006;
Ferreira, 2010). Imerso num contexto a nível macrossocial, vale destacar o consumo abusivo
de drogas por mulheres enquanto um fenômeno que carrega em suas entranhas signos e
P á g i n a | 149
símbolos que denotam relações de poder e hierarquias sociais; no entanto, o estudo acerca
preconceito e dos estereótipos de gênero frente a este grupo social. Neste sentido, este estudo
buscou de modo preliminar, reunir evidências de validade e precisão das medidas ora
empregadas, para que possam ser utilizadas no estudo subsequente e, assim, comprovar as
revelaram uma dimensão unifatorial da medida, tendo esta obtido índices psicométricos
superiores ao preconizado pela literatura, como por exemplo, o alfa de Cronbach superior a
0,70 e todas as cargas fatoriais superiores a 0,40 (Pasquali, 2003). Em face desses resultados,
sugere-se que tal instrumento concentra critérios adequados de utilização, no que visa
acrescentar que, ainda que o presente instrumento não tenha sido desenvolvido levando-se em
próximos da realidade brasileira, considerando que o conteúdo destes itens pode variar entre
culturas diferentes.
P á g i n a | 150
variância total das respostas aos itens e apresentou índices de consistência interna acima do
ponto de corte preconizado pela literatura (Pasquali, 2010). Com relação a EICSMUD, a
presente adaptação admitiu uma estrutura unifatorial, indicando haver apenas uma dimensão
para mensurar a intenção em manter contato social frente às mulheres usuárias de drogas.
contendo 10 itens, mostram-se como aceitáveis para fins de pesquisa com universitários, com
cargas superiores a 0,40, explicando quase um terço da variância total (33%) e valor de Alfa
aceitáveis, como o cálculo da consistência interna (α = 0,76) atingindo pouco mais que o
limite considerado adequado pela literatura. Além disso, verificou-se um único fator
explicando 37% da variância, sendo a versão adaptada proposta composta por oito itens.
Embora alguns desses coeficientes não possam ser tidos enquanto ideais, segundo Nunnally
(1991), estes indicadores podem ser considerados adequados para fins de pesquisa, devido a
natureza “ampla” do construto avaliado e também pelo reduzido número de itens utilizados
validade satisfatórias, onde observou-se altas correlações entre os escores das medidas
P á g i n a | 151
ESTUDO 3
das medidas empregas no presente trabalho, este estudo subsequente propõe comprovar tais
estruturas fatoriais encontradas. Com isso, objetiva-se testar as versões propostas dos
seguir.
4.3.1 Método
Tipo de estudo
(Estudo 2), objetivou-se nesta pesquisa, reunir evidências mais robustas sobre os parâmentros
Participantes e local
Paraíba. A idade dos participantes variou entre 17 e 51 anos (M= 21,98; DP= 4,76), sendo a
P á g i n a | 154
maioria do sexo feminino (59%). Os graduandos eram provenientes dos cursos de Ciências
Instrumentos
Este estudo contou com cinco instrumentos psicométricos os quais foram detalhados
no estudo anterior:
(EEFMUD);
(EPAMUD);
(EICSMUD);
Além disso, solicitou-se os dados dos universitários acerca do sexo, idade, curso e se
consideravam ou não usuários de algum tipo de droga (lícita ou ilícita), e ainda se conviviam
com pessoas próximas usuárias de drogas. Tais perguntas foram somente para caracterizar a
amostra do estudo.
descritos no Estudo 2.
P á g i n a | 155
As análises foram possibilitadas por meio dos programas estatísticos SPSS - PASW
(Pacote Estatístico para Ciências Sociais) para Windows versão 21.0, para o cálculo de
qual foi empregado para realizar análises fatoriais confirmatórias, tendo em conta a matriz de
omissos (missing data) foram substituídos pela média das respostas obtidas em cada item.
alternativos, tiveram-se em conta os seguintes indicadores (Pilati & Laros, 2007; Tabachnick
quanto maior este valor, pior o ajustamento. Este, por ser sensível ao tamanho da amostra
(amostras grandes, isto é, n>200, podem favorecer descartar um modelo adequado), deve ser
interpretado com alguma reserva, valendo-se de sua razão em relação aos graus de liberdade
- Goodness-of-Fit Index (GFI) = Este indicador, como sua versão ponderada (Adjusted
representando o quanto da matriz de variância-covariância dos dados pode ser explicada pelo
modelo teórico testado. Seus valores oscilam entre 0 (zero; ajuste nulo) e 1 (um; ajuste
ajuste do modelo. Seus valores variam de 0 (zero; ajuste nulo) e 1 (um; ajuste perfeito), sendo
admitidos os que são próximos ou superiores a 0,95 como indicativo de ajuste aceitável.
de confiança de 90% (IC90%), referindo-se aos residuais entre o modelo teórico estimado e os
P á g i n a | 156
dados empíricos obtidos. Valores altos são indicativos de um modelo não ajustado,
Criterion) e ECVI (Expected Cross Validation Index); valores menores de CAIC e ECVI
4.3.2 Resultados
Estes dados dizem respeito aos achados obtidos a partir das Análises Fatoriais Confirmatórias
(AFC), além da testagem de diferentes modelos alternativos na intenção de propor versões das
Usuárias de Drogas (EESMUD). Além disso, será apresentada uma discussão parcial acerca
destes resultados complementares para então dar seguimento ao Estudo 4, no qual serão
Usuárias de Drogas foi submetida a uma Análise Fatorial Confirmatória (AFC) pelo método
Exploratória (AFE) do Estudo 2 (Modelo 1), sendo observado índices de ajustes considerados
não aceitáveis, o que motivou a testagem com outro modelo alternativo, comparando-o ao
modelo de referência. Tal modelo foi testado mantendo-se a estrutura unifatorial conhecida
Modelo 2, composto por 10 itens; o critério usado para exclusão dos itens foi a menor carga
fatorial apresentada na análise fatorial exploratória (Tabachnick & Fidell, 2013). Essas
comparação com o modelo principal sugerido pela análise exploratória (Modelo 1), o Modelo
2 apresentou melhores indicadores de ajuste que os demais [χ²/gl = 2,77, GFI = 0,91, AGFI =
0,86, CFI = 0,93 e RMSEA = 0,09 (IC90% = 0,07 – 0,11)]. Cabe acrescentar que os índices
complementares ECVI e CAIC, cuja literatura aponta que menores valores denotam melhor ajuste
P á g i n a | 158
do modelo aos dados (Tabachnick & Fidell, 2013), também foram considerados aceitáveis para
fins de pesquisa.
obtidos ∆χ² (1) = 115,17, (p<0,01) na comparação dos modelos 1 e 2 evidenciam uma
modelo.
zero (λ≠ 0; z>1,96, p<0,05), variando de 0,55 a 0,83, com uma saturação média de 0,69.
aceitável quando atinge pelo menos o ponto de corte de 0,70 (> 0,70) (Hair et al., 2009). O
valor CC obtido foi superior ao mínimo proposto o qual foi 0,90, indicando uma boa
confiabilidade do construto.
procedeu-se uma análise fatorial confirmatória, com vistas a dirimir dúvidas quanto a
com outros modelos alternativos. Optou-se por comparar com um modelo contendo 10 itens
(Modelo 2), excluindo-se dois itens de menor carga fatorial: o item 5 (A mulher usuária de
drogas é capaz de cometer qualquer ato para manter o vício) e o item 12 (As mulheres
usuárias de drogas roubam para manter o vício). Comparou-se ainda com o Modelo 3,
entre os itens 4 (Tenho medo das mulheres usuárias de drogas) e 6 (Quando uma mulher
P á g i n a | 160
usuária de drogas se aproxima tenho vontade de fugir). Estas análises estão dispostas de
Tomando como base os índices visualizados na Tabela 11, o Modelo 3 foi o que
apresentou melhor adequação de ajuste de bondade para a presente medida: χ² (34) = 101,7 p
< 0,05, χ²/gl = 2,99, GFI = 0,90, AGFI = 0,85; CFI = 0,93; RMSEA = 0,10 (IC90% = 0,07 -
z>1,96, p<0,05), variando de 0,57 a 0,80, com uma saturação média de λ = 0,70. Ademais, foi
alfa de Cronbach α = 0,91. Outro indicador de validade de construto foi verificado por meio
do cálculo da confiabilidade composta, onde o índice observado (= 0,91) foi superior ao valor
mínimo aceito pela literatura, comprovando haver qualidade na medida ora analisada. Diante
Com base nos achados da análise exploratória descrita anteriormente (Estudo 2),
apresentados pelo modelo unifatorial não deixou dúvidas quanto à adequabilidade da estrutura
fatorial proposta, evidenciando os seguintes índices: χ² (10) = 7,595 p < 0,05, χ²/gl = 1,51;
GFI = 0,98; AGFI = 0,95; CFI = 0,99; RMSEA = 0,05 (IC90% = 0,000-0,119),]. Um resumo
escala obtendo saturações (peso fatorial, λ) estatisticamente diferentes de zero (λ≠ 0; z>1,96,
p<0,05), variando entre 0,54 a 0,82 (média de λ = 0,74). Ademais, os indicadores de validade
acima do índice mínimo preconizado (> 0,70) (Hair et al., 2009). Estes achados nos permitem
universitário.
saturações abaixo do preconizado pela literatura (Bichler-Robertson et al., 2003). Para fins de
comparação, optou-se pela testagem do modelo sugerido retirando os itens 3 e 12, chamado
de Modelo 2. Os índices de ajuste para os dois modelos testados são apresentados na Tabela
12.
para o Modelo 2, tendo obtido resultados superiores ao modelo de referência: χ² (20) = 52,90
p < 0,05, χ²/gl = 2,64, GFI = 0,93, AGFI = 0,88; CFI = 0,94; RMSEA = 0,09 (IC90% = 0,061
- 0,121), ECVI = 0,425 e CAIC = 153,75; sendo ainda significativa a diferença de qui-
quadrado entre os modelos (Δχ² (1) = 51; p < 0,001). A estrutura fatorial referente a este
Figura 17. Estrutura fatorial da Escala de Intenção de Contato Social frente às Mulheres
Usuárias de Drogas
composta por oito itens, tendo as saturações (λ, lambdas) variando entre 0,48 à 0,82, ambas
acordo com o valor preconizado pela literatura. Um segundo indicador de validade foi
revelou superioridade ao ponto de corte estabelecido pela literatura, o qual propõem valores
acima de 0,70 (Hair et al., 2009). Neste sentido, conclui-se o presente instrumento satisfaz os
consistência interna.
P á g i n a | 165
insatisfatórios, o que motivo a comparação com outro modelo alternativo. Para o Modelo 2,
optou-se pela retirada do item 4 (As mulheres usuárias de drogas devem ser tratadas nos
comparação dos indicadores de ajustes para os dois modelos está disposta na Tabela 13.
Tabela 13. Índices de ajuste do modelo testado da Escala de Exclusão Social frente às
Mulheres Usuárias de Drogas
Como observado nos dados relatados na Tabela 13, o Modelo 2 mostrou-se superior ao
sete itens, sendo os itens 3, 6 e 7 são invertidos. Além disso, todos os itens saturaram
0,40 a 0,75, com coeficiente médio de 0,59. Os lambdas ou as saturações dos valores podem
Figura 18. Estrutura fatorial da Escala de Exclusão Social frente às Mulheres Usuárias de
Drogas
De acordo com estes achados, parece existir evidências favoráveis para se aceitar a
apresentados pela presente análise (por exemplo, χ² (14) = 41,95 p < 0,05, χ²/gl = 2,99, GFI =
0,93, AGFI = 0,87; CFI = 0,91; RMSEA = 0,10 (IC90% = 0,066 - 0,135). Teve-se em conta
ainda os indicadores ECVI = 0,350 e CAIC = 130,19, cuja literatura aponta que os menores
valores denotam melhor ajuste do modelo aos dados (Tabachnick & Fidell, 2013), sendo
modelos (Δχ² (1) = 25,4; p < 0,001), compravando a superioridade do segundo modelo.
confiabilidade composta (= 0,79) também aceitável pela literatura (Hair et al., 2009). De
posse destes dados, conclui-se, que a EESMUD consiste numa medida psicometricamente
P á g i n a | 167
adequada para avaliação da exclusão social frente às mulheres usuárias de drogas no contexto
universitário paraibano.
Este estudo teve como objetivo principal replicar os achados descritos no Estudo 2,
Mulheres Usuárias de Drogas (EICSMUD); e por último a Escala de Exclusão Social frente
às Mulheres Usuárias de Drogas (EESMUD). Estes resultados dizem respeito aos dados
medida. O instrumento composto por 10 itens, culminou numa versão mais parcimoniosa,
diminuição da lacuna existente acerca da temática dos estereótipos sobre a mulher no contexto
de uso de drogas. Além disso, constitui-se enquanto um contributo importante nos estudos da
(Amâncio, 2010; Natividade et al., 2014), e por isso podem influenciar de maneira
na imagem que se tem dessas mulheres, relativamente à sua incapacidade para assumir os seus
comparado com a versão original da medida, proposta por Maciel et al. (2016, no prelo),
periculosidade das pessoas usuárias de drogas, tem sido alvo de diversos estudiosos da área
(Fortney et al., 2004; Shomerus et. Al., 2010). Sobre esse aspecto, cabe destacar que a
composto por cinco itens, mostrando-se consistentes com a versão original da escala proposta
para o contexto de moralização ao uso de álcool (Ronzani, Furtado & Higgins Biddle, 2009).
Neste sentido, o presente instrumento apresenta índices psicométricos satisfatórios para fins
de pesquisa, e além disso, mostra-se em consonância com outros estudos que apontam para
evidência de que o uso de drogas é uma das condições mais moralizadas, quando comparada a
Outra medida alvo de testagem confirmatória no que confere a validade fatorial foi a
contexto universitário. Não obstante, embora os autores originais da escala (Martínez & Vera,
1994) tenham criado os itens tendo por base dois fatores distintos, inspirados na Escala de
íntimas no contexto da imigração, a presente adaptação para o contexto das mulheres usuárias
mensuram de modo geral a intenção de manter contato frente este grupo social.
frente às mulheres usuárias de drogas, uma vez que originalmente esta medida foi
desenvolvida por Maciel et al., (2016, no prelo) para avaliar a exclusão social no contexto da
doença mental. A versão ora adaptada apontou um modelo mais parcimonioso, com reduzido
pesquisa.
precisão das medidas empregadas, e de posse desses achados, o Estudo 4 permitirá conhecer
ESTUDO 4
4.4 Modelo Explicativo da Exclusão Social de Mulheres Usuárias de Drogas a partir das
Ainda que significativos estudos evidenciem uma clara associação entre consumo de
drogas por mulheres e uma produção massiva de categorias que hostilizam, por meio de
insultos e estigmas (Bungay et al., 2010; Cardoso & Manita, 2004; Marangoni & Oliveira,
2013; Medeiros et al., 2015; Medeiros et al., 2017), é escasso o conhecimento sobre os fatores
toxicodependentes, processo esse concebido como exclusão social. Neste sentido, a rejeiço
social frente este grupo social parece ter um papel preponderante nesse processo, amplificada
pelas imagens pouco positivas veiculadas. Portanto, torna-se pertinente conhecer a relação
intenção de contato social e com o contruto da exclusão social. Por sua vez, objetiva-se
por meio dessas associações, propor um modelo explicativo da exclusão social de mulheres
4.4.1 Método
Delineamento e Hipóteses
medidas ex post facto. Considerou-se enquanto variável critério as atitudes frente à exclusão
teórico deste trabalho de tese, foram formuladas duas principais hipóteses de pesquisa:
exclusão social;
Participantes e local
Paraíba. A idade dos participantes variou entre 18 e 51 anos (M= 22,20; DP= 5,22), sendo a
maioria do sexo feminino (61,5%). Os graduandos eram provenientes dos cursos de Humanas
(70,8%), Exatas (16,8%) e Saúde (14,3%). 17% se auto considera usuário de drogas e deste
10% afirma ser o álcool a substância de uso; ademais, 34,5% afirmou conviver com parentes
Instrumentos
idade, sexo, curso e se auto consideravam usuários de algum tipo de droga, lícita ou ilícita).
(EEFMUD);
(EPAMUD);
(EICSMUD);
As análises foram possibilitadas por meio dos programas estatísticos PASW para
Windows versão 21.0, o qual permitiu calcular estatísticas descritivas (média, desvio padrão,
versão 18.0, o qual permitiu realizar Path Analysis (análise de caminhos) a fim de testar os
4.4.2 Resultados
Os resultados são apresentados seguindo a ordem das análises realizadas, bem como a
ordem das hipóteses levantadas neste estudo. Inicialmente seguem os dados referentes a
social
presente estudo (médias e desvios padrão), sendo os dados reportados na Tabela 14. Como
foram, respectivamente, as variáveis que obtiveram maior pontuação média dos respondentes,
enquanto que a Exclusão Social (M=2,52; DP= 0,75) foi a menos endossada pelos
participantes.
Variáveis M DP 1 2 3 4 5
1. Estereótipos femininos 4,96 0,98 1
2. Percepção de ameaça 2,87 0,84 0,58** 1
3. Moralização 3,35 1,39 0,49** 0,62** 1
4. Intenção de contato social 3,16 0,80 0,59** 0,74** 0,58** 1
5. Exclusão social 2,52 0,75 0,46** 0,62** 0,62** 0,55** 1
Nota. ** p < 0,01. Identificação das variáveis: 1 = Estereótipos Femininos; 2= Percepção de ameaça; 3=
Moralização; 4= Intenção de Contato Social; 5= Exclusão Social.
No que diz respeito aos dados da Tabela 14, como preconizado a partir das teorias
com ambas as variáveis preditoras: estereótipos femininos (r = 0,46; p< 0,01); a percepção de
ameaça (r = 0,62; p< 0,01); a moralização (r = 0,62; p< 0,01); e a intenção de contato social (r
= 0,55; p< 0,01); ademais, a força das correlações observadas foi considerada de moderada a
que medida tais variáveis preditoras explicaria a exclusão social das mulheres usuárias de
drogas. Deste modo, procedeu-se uma análise de regressão múltipla, tendo como variáveis
contato social, e como variável critério, a exclusão social. A propósito, tal modelo preditivo
variabilidade explicada pelas variáveis antecedentes [F (3, 126) = 0,48, p < 0,01], apresentado
revelaram correlações moderadas da variável intenção de contato social com todas as demais
variável mencionada, com vistas a testar o melhor modelo preditivo da Exclusão Social frente
Com base nas hipóteses formuladas, é possível pensar num modelo explicativo da
exclusão social frente mulheres usuárias de drogas com base nas evidências levantadas
anteriormente no presente estudo, por meio do método Path Analysis (Análises de caminho).
testagem de três alternativas explicativas: (1) Efeitos diretos dos Estereótipos, da Moralização
mediadora Intenção de Contato Social; e (3) Efeito de mediação simples dos Estereótipos, da
de Ameaça λ = 0,35 (IC 90% = 0,31/ 0,04) p< 0,001 e da Moralização λ = 0,37 (IC 90% =
Figura 19. Efeitos diretos dos Estereótipos femininos, Percepção de Ameaça e Moralização
na Exclusão Social das Usuárias de Drogas
Contato Social. Com relação aos efeitos diretos na exclusão social, foram estatisticamente
significativos o efeito da Percepção de Ameaça λ = 0,32 (IC 90% = 0,28; 0,05) p< 0,001 e da
moralização λ = 0,36 (IC 90% = 0,19; 0,02) p< 0,001. Posteriormente, verificou-se
inserindo a variável mediadora (Intenção de Contato Social), não sendo observado valor
Contato Social como mediadora dos efeitos dos Estereótipos, da Percepção de Ameaça e da
método de Bootstrap com 5000 re-amostragens, verificou-se que todos os valores foram
90% = 0,51/ 0,03, p < 0,01; observou-se ainda os seguintes valores de efeitos direto
estatisticamente significativos dos Estereótipos (λ = 0,21, IC 90% = 0,17/ 0,03, p < 0,01); da
Percepção de Ameaça (λ = 0,53, IC 90% = 0,50/ 0,04, p < 0,01); e da Moralização (λ = 0,15,
IC 90% = 0,08/ 0,02, p < 0,01). Além disso, o efeito da mediadora – Intenção de Contato
Social – na variável critério foi λ = 0,55, IC 90% = 0,51/ 0,03, p < 0,001. Estes valores podem
modelo de mediação simples (Modelo 3) teve o melhor ajustamento, pois se deu na direção
esperada, expressando alta aptidão e compatibilidade com as relações que foram elaboradas
baseadas na teoria, o que pode ser considerada uma explicação plausível para as relações
Contato Social.
Como todos os assuntos que exigem imersão na realidade social, o tema da exclusão
social vivenciada pelas mulheres usuárias de drogas, para ser compreensível do modo mais
P á g i n a | 180
mulheres, tem-se acrescida uma outra forma de perceber e sentir o feminino na questão das
entre a lógica de “mulher boa e virtuosa” e àquela considerada “desviante”. Este arcabouço
(2016) chama de “hierarquia moral” – que diz respeito a forma como a sociedade organiza os
indivíduos em grupos, não por aptidões individuais, mas por serem enquadrados em grupos
Becker (2008), consiste numa importante ferramenta de análise das formulações arquetípicas
produzidas pelo senso comum sobre o grupo de mulheres usuárias de drogas, atribuindo-lhes
então uma valoração negativa. Tal valoração tenderia a encontrar o seu nincho privilegiado de
sociedade.
num saber prático que reconhece o primado de uma “patologia social” que aflinge estas
mulheres, que a partir de uma concepção individualizante e moralizante, atribui culpa às más
escolhas destas. Nesta oportunidade, e tendo em conta o objetivo da presente tese, o qual
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propõe criar um modelo explicativo da exclusão social de mulheres usuárias de drogas a partir
satisfatoriamente alcançados.
Na dimensão das crenças estereotípicas cotidianas, que não se guiam pelo rigor
quando aplicado às mulheres que consomem drogas, este conteúdo tornou-se ressignificado
marginalidade e vulnerabilização.
2002, 2007), está vinculada a visualização das mulheres usuárias de drogas enquanto um
grupo de baixa sociabilidade e baixa competência, e por isso percebidas como grupo
social desse grupo. Esse resultado difere, por exemplo, dos estudos que comparam as
dimensões estereotípicas de homens e mulheres, que de acordo com diversos autores (Cuddy,
Fiske & Glick, 2007; Cuddy et al., 2009; Garaigordobil & Aliri, 2013; Fiske et al., 2002,
2009; Formiga, Araújo & Cavalcante, 2007; Jost, Banaji & Nosek, 2004), há um consenso de
que as mulheres são visualizadas como pertencentes aos grupos subordinados e incompetentes
ou de baixo status, ao mesmo tempo em que são atribuídos altos valores em sociabilidade, tais
como os sentimentos de ternura, compaixão, simpatia e defesa dos direitos, devido à sua
atitude de cooperação calorosa. Verificou-se, então, que o fato das mulheres consumir drogas,
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Por conta dessa visão dominante de que as mulheres têm uma “natureza” demarcada
pela fragilidade, há influência direta na relação no acesso que estas mulheres possuem a
psicossocial frente às usuárias de cocaína e crack, como também o estudo realizado por
Bungay et al. (2010) no contexto canadense, no qual também aponta a dificuldade de acesso
das usuárias aos serviços de reabilitação. Cabe mencionar que indivíduos atingidos pela
reconhecer-se como cidadãos e correm riscos de serem mais afetados pelos efeitos físico-
químicos destrutivos proporcionados pelo uso abusivo de drogas (Dutra & Henrique, 2016).
Assim, ressalta-se que tais conteúdos estereotípicos observados neste estudo, possui
implicações na subjetividade destas mulheres usuárias, nas formas que refletem sobre si
mesmas e na sua relação com o mundo, tal como reportam os estudos realizados com usuárias
permitindo assim, corroborar a hipótese de que tais variáveis estariam associadas ao contexto
alvo de investigação – a exclusão social (H1). No entanto, esses dados apenas trouxeram
indicativos favoráveis de se pensar então num modelo preditivo, o qual foi testado num passo
posterior.
modelo, o que permitiu corroborar particalmente a segunda hipótese de pesquisa (H2). Com
meio da técnica Path Analysis usando os efeitos de mediação (Maroco, 2010). Neste aspecto,
modelo de mediação simples (Modelo 3) foi considerado o que melhor obteve adequação dos
dados ao modelo teórico, o qual propõe que a intenção de contato medeia a relação das
intenção de contato social afeta a relação das três medidas (estereótipos de gênero, percepção
substancialmente importante, na medida que abre caminhos para o entendimento dos fatores
exclusão social de usuárias de drogas. A comparação dos resultados ora obtidos entre os
alcançados por outros estudiosos, confirma a relação das atitudes enquanto mediadoras na
predição de comportamentos específicos, como por exemplo, o estudo realizado por Medeiros
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et al. (2015), no qual buscou conhecer a relação entre os valores enquanto preditores do
consumo declarado de álcool por meio do papel mediador das atitudes frente ao álcool. Em
outro estudo realizado por Maciel et al. (2017, no prelo) sobre os doentes mentais, revelou
que a exclusão é motivada pelo preconceito contra o doente mental, sendo o impacto do
Neste sentido, o modelo supracitado neste trabalho postula que existem influências dos
preciso que este seja percebido enquanto possuidor de traços ou características que o
diferenciam enquanto “divergente” da norma social vigente ou tido ainda como “perigoso” ao
convívio sadio em sociedade, tal qual reportam os estudos sobre as algumas categorias, como
por exemplo, os ciganos (Lima & Santos, 2016), os skinheads (Macrae, Milne, &
Bodenhausen, 1994) e os doentes mentais (Maciel et al., 2008; Rusch et al., 2005).
normais versus os desviantes. Por isso, a “rotulação social” envolve não apenas apontar esta
ou aquela mulher como usuária de drogas, mas, além disso, indica dentro da dinâmica social
um lugar para estas mulheres, o da anormalidade. Sobre esse aspecto, segundo Velho (2002),
sobre esta “patologia social” designada para as mulheres usuárias de drogas se amplifica
devido a associação com determinadas práticas de comportamento que põe em risco a vida
instabilidade social seriam culpabilizadas por estarem nesta condição, escapam, portanto, do
Este estudo dá apoio empírico à Teoria do Precocneito (Camino & Pereira, 2000), a
qual permite se pensar que a exclusão social é construída em processos políticos, nos quais
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alguns grupos conseguem impor seus pontos de vista como mais legítimos que outros,
necessariamente sociais – as quais estas mulheres são submetidas. E ainda que o “sexo” seja a
forma primária de percebê-las, o dado fundamental da presente pesquisa é que estas mulheres
passaram a ser visualizadas como uma classe sem condições emocionais e morais de
subetividade feminina.
toxicodependência feminina. Cabe mencionar, portanto, que são muitos os obstáculos que as
ampla magnitude destes construtos sociais. Verificou-se, o uso problemático de drogas por
mulheres, enquanto fenômeno socialmente expressivo, tem sua gênese nas trajetórias
descendentes de exclusão social que incide sobre a grande maioria das mulheres afetadas por
traduzem hierarquias de poder, e não raras vezes, servem para ocultar o problema da
Considerações finais
_____________________________________________________________________
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mulheres usuárias de drogas com base no preconceito e nos estereótipos de gênero. Neste
estudo, a exclusão social frente às mulheres usuárias de drogas foi mensurada por meio da
percepção de ameaça, da moralização, da intenção de contato social e também por meio dos
estereótipos de gênero negativos, baseados nas imagens construídas sobre esta categoria
social.
por meio de evocações livres sobre a Mulher e também sobre a Mulher Usuária de Drogas,
concepções normativas que incidem sobre a identidade social das mulheres. A análise
dimensional sobre os conteúdos evocados sobre a Mulher foi ao encontro da literatura, no que
considerar, de forma periférica, alguns conteúdos que remetem a uma possível mobilidade
para alguns conteúdos instrumentais. Ao passo que, referente à categoria Mulher Usuária de
Drogas, ocorreu uma desconstrução da imagem de mulher “boa” e “amável”, tornando visível
social dentro da própria categoria; além disso, buscou-se conhecer quais os estereótipos
estereótipos são baseados nos processos de desvalorização social desse grupo, sobretudo pelo
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“divergente” da norma social. Saleinta-se que em futuros estudos buscar-se-á utilizar uma
nível acadêmico e profissional, por meio de leituras, diálogos e trocas de saberes, quanto a
culturais e sociais que só uma experiência antropológica como esta pode proporcionar.
Ademais, cabe mencionar que inserção cultural propriciou o despertar de novos horizontes
nos que confere a outras inquietações e futuros desdobramentos os quais farão parte de uma
paraibano. A despeito disso, parece justificável a validação futura destes instrumentos com
outras amostras e em outros países para melhor verificação da consistência dos fatores e da
validade preditiva.
proposto (Estudo 4), pode-se comprovar que o preconceito e os estereótipos estão na base de
exclusão social frente às mulheres usuárias de drogas é demonstrada por meio da atribuição
de estereótipos de gênero negativos, pela percepção de ameaça e pela moralização, sendo esta
grupo social (mulheres usuárias de drogas) impõe uma ameaça à sociedade, devido a sua
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que re refere ao consumo de drogas. Sobre esse aspecto, salienta-se que a injunção de
nas Ciências Sociais e para o campo da Saúde, especialmente no contexto das políticas
públicas de reabilitação e inclusão social de mulheres dependentes químicas. Uma vez que a
iniquidade do abandono social que polariza a questão das drogas. Um dos primeiros passos
que acredito ser de grande valia, é insistir na crítica sobre a patologização e criminalização
atravessamentos dos diversos elementos que fazem parte deste complexo comportamento
É indispensável referir, no entanto, que esta pesquisa como qualquer outra, não se
questão. Alguns pontos merecem ser enfatizados, como por exemplo, o fato das amostras dos
da qual foi retirada, restringindo quaisquer possibilidades de generalizações. Além disso, não
identificarem ou não como usuários ou usuárias de drogas, apesar de ter sido questionado esse
dado apenas para caracterização da amostra. Esse aspecto em especial, talvez possa vir a gerar
Existe um ponto que não se configura exatamente como uma limitação, mas que ainda
assim precisa ser ressaltado devido à complexidade ao abordar o tema das drogas. Trata-se da
discriminatórias, mas pelo menos oferecerão base para se conhecer a extensão desta
problemática e antecipar consequências futuras, o que vem a ser útil nos estudos que tratam
química.
Por isso, torna-se imperativo que a psicologia social revele as assimetrias entre os
gêneros referente à distribuição das chances de inclusão social, que foram e são construídas e
reconstruídas incessantemente pela sociedade ao longo do tempo, para que não recorramos a
E por fim, conclui-se que esta pesquisa alcançou sua relevância científica e social,
devido não só ao arcabouço teórico e metodológico a qual se insere, mas principalmente por
produzir novos conhecimentos. Acredita-se ter alcançado os objetivos ora prospostos, mas
com a plena clareza de que não se esgotam neles mesmos, e, portanto, considera-se a
possibilidade de avançar nos estudos futuros sobre o preconceito frente às mulheres usuárias
de drogas.
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APÊNDICES
APÊNDICES
APÊNDICE 1
____________________________________________
_________________________________________________
Assinatura do participante
APÊNDICE 2
INSTRUMENTOS – ESTUDO 1
Curso:_______________________ Período:_______
MULHER
1. ____________________________
2. ____________________________
3. ____________________________
4. ____________________________
5. ____________________________
1. ____________________________
2. ____________________________
3. ____________________________
4. ____________________________
5. ____________________________
Curso:_______________________ Período:_______
MULHER
1. _____________________________
2. _____________________________
3. _____________________________
4. _____________________________
5. _____________________________
MULHER TOXICODEPENDENTE
1. ____________________________
2. ____________________________
3. ____________________________
4. ____________________________
5. ____________________________
INSTRUÇÃO: Em relação aos pares de palavras abaixo, você deve marcar para cada linha de
características, apenas com um X o espaço que melhor correspondente à sua opinião acerca da
mulher usuária de drogas dentro dos dois polos.
+ +
3 2 1 0 1 2 3
Bonita ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Feia
Forte ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Frágil
Afetuosa ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Fria
Alegre ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Triste
Confiável ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Não confiável
Não impulsiva ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Impulsiva
Competente ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Incompetente
Responsável ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Irresponsável
Dócil ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Agressiva
Feminina ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Não feminina
Recatada ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Promíscua
Maternal ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Não maternal
Independente ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Submissa
Familiar ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Não familiar
b) Escala de Intenção de Contato Social frente às Mulheres Usuárias de Drogas
(ICSMUD)
Nem
Discordo Discordo concordo Concordo Concordo
totalmente parcialmente Discordo nem Concordo parcialmente totalmente
discordo
1 2 3 4 5 6 7
INSTRUÇÕES: Agora circule o número que melhor representa a sua resposta para cada uma
das frases abaixo, variando de “discorda totalmente” a “concorda totalmente”.
Com a finalidade de obter uma descrição sociodemográfica dos (as) participantes da pesquisa,
solicitamos que responda as perguntas a seguir.
SIM NÃO
IDADE: ____________
SEXO: F M F
CURSO: _____________________________________
PERÍODO: __________________
SIM NÃO