Moda e Masculinidade No 20 e 21
Moda e Masculinidade No 20 e 21
Moda e Masculinidade No 20 e 21
E-ISSN: 1982-615X
modapalavra@gmail.com
Universidade do Estado de Santa
Catarina
Brasil
Taísa Vieira-Sena
Kathia Castilho
1
No decorrer do trabalho o termo moda será utilizado de duas formas: Quando construído com “M”
maiúsculo, o termo moda, é entendido como fenômeno social; moda com “m” minúsculo, expressa a
renovação cíclica de tendências de vestuário.
De acordo com Joan Scott (1990), o gênero, bem como a masculinidade são
representações culturais construídas pelos discursos sociais, que determinam os papéis
que devem ser seguidos por homens e mulheres. Desta forma também podem ser
modificados dentro de um contexto social vigente.
Assim, a Moda como agente, é mediadora das transformações de tais
representações. Apresenta-se tanto como meio de expressão, como intercessora de
relações de aparência entre os sujeitos. Relações estas que se dão sobre o corpo e pelo
corpo, que se torna lugar de significações através das diversas formas de configuração
do vestuário e da Moda nos espaços sociais.
A Moda e O Masculino
2
Liliane Carvalho é historiadora e professora de História da Moda.
XVIII, sofrendo uma grande alteração por volta de 1760, quando houve uma ênfase
maior na corte francesa em adotar as roupas inglesas de campo.
No mesmo século, a Revolução Francesa proporcionou a ascendência da classe
burguesa, e consequentemente, a erradicação das roupas faustosas do Antigo Regime.
Nestes tempos revolucionários ser confundido com a aristocracia, com suas roupas
bordadas a ouro e prata, poderia resultar em guilhotina. Desta forma a austeridade,
traduzida pela simplicidade e praticidade do estilo das roupas aristocráticas inglesas
virou referência para o vestuário masculino. E o valor e a moral do homem passaram a
ser o trabalho.
No início século XIX, o dândi Beau Brummell, foi o responsável por um estilo
“less is more” [menos é mais], que reforçou a discrição na moda masculina
direcionando-a para alfaiataria. Os dândis, que com sua anti-estética, em contraposição
à nobreza da época com a idéia de eliminar por completo o elemento de mudança da
moda, elegeram o preto como cor oficial das vestimentas. Criava-se então o estilo chic
urbano para os homens.
Wilson (1989) diz que o dândi inaugurou a antimoda e criou o estilo de
oposição, podia ser caracterizado como uma versão do herói romântico, na sua posição
de revolta. A sua dedicação a um ideal de vestuário que idealizava a sutileza, iniciou
uma época que punha em destaque o tecido, o corte e o caimento do traje. Este estilo de
vestir, com corte retilíneo clássico e cores sóbrias fazia oposição direta a e ostentação
do rebuscado traje barroco e rococó. A autora afirma ainda que o dândi, narcisista por
natureza, trouxe uma nova masculinidade, sem perucas ou maquiagem, mas com calças
muito apertadas e altamente eróticas.
O dândi, em sua grande maioria, não tinha profissão ou nome de família,
aparentemente sem nenhum meio de sustento econômico, criou o arquétipo do novo
homem urbano, que praticava o flaneur, ou flanar, a arte de circular pela sociedade se
impondo pelo bom gosto e elegância. Os primeiros representantes do dandismo foram,
na Inglaterra Beau Brummell, seu criador e na França o escritor Charles Baudelaire.
A moda se torna mais austera no período vitoriano. A Revolução Industrial, no
século XIX, editou um burguês rico e cordato, a sua mulher, ou amantes, vestidas com
roupas ricas, criadas por estilistas, usando muitas jóias, que davam o seu aval de
poderoso, mas discretíssimo em sues trajes pessoais. Nesta época o contraste visual
entre a moda feminina e masculina ficou muito evidente. Ele se dava nos volumes (traje
masculino reto e junto ao corpo versus feminino volumoso), cor (masculino cores
identidade cultural. Hall (2001, p.7) afirma que a crise de identidade “é vista como parte
de um processo mais amplo de mudança, que esta deslocando as estruturas e processos
centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos
indivíduos uma ancoragem estável do mundo social.” Observamos também uma
fragmentação dos sujeitos em diversas identidades criadas a partir de objetos e
elementos simbólicos.
O consumo passa a se configurar como ponte de integração com o sistema de
interpretação do mundo, onde os sujeitos se utilizam de fichas simbólicas3 para a
construção de um ser apto à modernidade. O princípio é o de tentar modelares as
relações a partir da aparência.
Lembrando Foucault (2003), que diz que o discurso só existe por que se torna
prática. Faz-se necessário deixar claro que o que entendemos por tipicamente feminino
e tipicamente masculino não são imagens que correspondem a qualquer valor essencial,
universal e atemporal, mas a imagens construídas historicamente e que, desde a
modernidade, vêm sendo profundamente alteradas graças à simulação de confusão entre
fronteiras simbólicas do masculino e do feminino.
No contexto das sociedades pós-modernas onde as relações são mediadas pela
aparência e as identidades tornam-se fragmentadas, proporcionando diversas
identificações, Davi (2005) descreve até há bem pouco tempo, o conceito de
masculinidade era considerado óbvio. Salienta, que na cultura brasileira, vemos
freqüentemente o uso da virilidade: na violência conjugal, na homofobia, nas brigas de
torcida. Contudo, devemos perceber também, que não só os (as) homossexuais e as
mulheres são vítimas do machismo, mas os próprios homens se tornam prisioneiros
dessas representações e valores.
Lisboa (1998) analisa o Primeiro Simpósio do Homem (outubro de 1985)
organizado por homens para homens, para discutir a condição do homem. No qual
concluíram que os homens estavam em crise por conta das mudanças do
comportamento feminino e pelo que eles chamaram de “peso da coroa” – “A Coroa
Pesa”.
3
Em seu livro Teoria de Moda: sociedade, imagem e consumo, Mara Rubia Sant‟Anna, fala sobre como o
correto uso ou manipulação das fichas simbólicas (elementos simbólicos) torna o sujeito apto a
modernidade, muito mais do que a simples aquisição de objetos. Ver SANT‟ANNA, Mara Rúbia. Teoria
da Moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das Letras, 2007. p. 51.
Lula Rodrigues4 (2008) coloca a Moda como uma forma de introduzir novas
imagens do masculino. Podemos dizer que a moda masculina, também lida com
identidades de tribos e sexual, dentro de um processo de mudança que é, no entanto,
irreversível. Através da moda podemos mostrar ao homem que ele pode ser alegre sem
que isso macule seus temores de identidade sexual.
As razões para a implosão do modelo patriarcal de masculinidade são
numerosos, indo bem além das questões de especificidade de gênero. Passam pelas
mudanças nos papéis e nas condições de vida, e nos modos de produção que afetam os
homens e mulheres de diversas maneiras. Giannino Malossi (2000) afirma que pelo
menos uma razão para o declínio geral representação do “homem de verdade” está
implícita na dinâmica interna da comunicação e consumo de Moda, e na economia do
espetáculo, em que as relações entre as pessoas são moderadas por objetos. Onde a
“metamorfose do macho” pode ser formulada, começando com as considerações do
valor imaterial dos bens e da imagem de masculinidade associada a ele.
Atualmente existem masculinidades plurais, ou seja, não há mais apenas um
modelo a ser seguido. O homem contemporâneo constrói novos significados sobre o seu
corpo e começa a manipular muito mais elementos para sua constituição visual corporal.
Mas, há de se questionar: O que são estas masculinidades?
4
Jornalista e escritor sobre moda masculina.
substituída por uma identidade múltipla, cria-se a necessidade diferentes e a moda com
sua diversidade pode oferecer diferentes opções para corresponder a cada uma das
novas identidades possíveis.
As práticas de consumo de vestuário no mercado expressam um conjunto de
valores, hábitos, construções visuais corporais e preferências que definem e colocam em
prática as formas específicas de cada cultura vestir os gêneros, ou apresentar seus
corpos sexuados, mostrando como os padrões de masculino e feminino podem ser
reforçados ou modificados.
Neste contexto vemos uma fragmentação do homens em perfis traçados de
acordo com suas escolhas de consumo que vão do resgate do homem „macho‟, que faz
questão de ressaltar a masculinidade hegemônica da sociedade patriarcal ao crescimento
do homem „sensível‟, que usa cosméticos, perfumaria, roupas com estilo e é mais gentil.
Camilo Vannuchi e Lena Castellón (2006) observam que se complexidade e
inconstância comumente foram características ligadas às mulheres, trabalhos
reveladores começam a identificar perfis de homens com facetas tão múltiplas quanto às
delas. E apresentam um estudo feito pelo grupo Leo Burnett que identifica os perfis
atuais do novo homem, em metrossexuais, retrossexuais, übersexuais, neopatriarcas e
power-seekers.
Tantos rótulos mostram que é necessário conhecer cada uma dessas divisões
para entender o universo masculino atual. De um modo geral, todos têm algum grau de
vaidade. Os mais conhecidos são os metrossexuais, termo proposto em 1994 pelo
jornalista inglês Mark Simpson, proveniente da junção das palavras metropolitano e
sexual. Este grupo é constituido pelo homem urbano excessivamente preocupado com a
aparência, que gasta grande parte do seu tempo e dinheiro em cosméticos, acessórios,
roupas e tem suas contudas pautadas pela moda.
Em oposição aos metrossexuais, surgiram os retrosessuais. O termo retossexual
também foi criado por Mark Simpson, porém em 2003, e foi usado para rotular homens
com idéias conservadoras e não permite que duvidem da sua masculinidade5. Este é o
perfil de homens que são formais e conservadores também na forma de consumir.
Como um meio termo, surgiram os überssexuais. Dentre estes perfis, o
übersexual se apresenta como o tipo masculino que conseguiu conciliar moda e beleza
sem perder a virilidade, a autoconfiança e a personalidade assertiva, elementos
5
O modelo de masculidade caracterizado pelo retrossexual é o da masculinidade hegemônica da
sociedade patriarcal.
cultural, atuando como principal mediadora das relações sociais que se dão pela
aparência.As intervenções entre a Moda, seu tempo e espaço dialogam com os
acontecimentos mais marcantes da época, caracterizando uma visão holística, por uma
mudança nos padrões sociais e no questionamento dos valores pregados pelas gerações
anteriores.
Em uma época em que a Moda se caracteriza por sua diversidade e
permissividade do consumo, não só nas peças de roupas ou acessórios, mas seu
conteúdo imaterial e o próprio corpo são manipulados de tantas maneiras dentro de seu
contexto de imagem. Imagens estas, que produzem a aproximação pela aparência dos
sujeitos, formando uma paisagem humana cujo consumo pode permitir a discussão dos
modelos estabelecidos em nossa sociedade.
REFEÊNCIAS
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa . São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
MALOSSI, Giannino. Material Man: masculinity, sexuality, style. New York: Harry
N. Abrams. 2000.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de analise histórica. In: Educação e
realidade. Porto Alegre, 16 (2): 5-22, jul/dez. 1990.