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Ebook Politicas Educacionais Educacao Inclusiva e Curriculo Escolar

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POLÍTICAS EDUCACIONAIS, EDUCAÇÃO

INCLUSIVA E CURRÍCULO ESCOLAR:


FORTALECENDO REDES LATINO-AMERICANAS

1
2
MÁRCIA COSSETIN
JULIANA PASINI
JULIANA FRANZI
ANA PAULA ARAUJO FONSECA
(ORGANIZADORAS)

POLÍTICAS EDUCACIONAIS, EDUCAÇÃO


INCLUSIVA E CURRÍCULO ESCOLAR:
FORTALECENDO REDES LATINO-AMERICANAS

3
Copyright © Autoras e autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos
autores.

Márcia Cossetin; Juliana Pasini; Juliana Franzi; Ana Paula Araujo Fonseca
[Orgs.]

Políticas educacionais, educação inclusiva e currículo escolar:


fortalecendo redes Latino-Americanas. São Carlos: Pedro & João Editores,
2024. 324p. 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-265-1095-7 [Digital]

1. Políticas educacionais. 2. Políticas públicas. 3. Educação inclusiva. 4.


Currículo. I. Título.

CDD – 370

Capa: Luidi Belga Ignacio


Ficha Catalográfica: Hélio Márcio Pajeú – CRB - 8-8828
Revisão: Lourdes Kaminski
Diagramação: Diany Akiko Lee
Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Editorial da Pedro & João Editores:


Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Hélio
Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da
Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil);
Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida
(UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Mello
(UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luís Fernando Soares
Zuin (USP/Brasil).

Pedro & João Editores


www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2024

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9
Márcia Cossetin
Juliana Pasini
Juliana Franzi
Ana Paula Araujo Fonseca

EIXO I - POLÍTICAS EDUCACIONAIS E


CURRICULARES NA AMÉRICA LATINA

HACIA UN CURRÍCULUM DECOLONIAL: 29


REFLEXIONES SOBRE LA REALIDAD EDUCATIVA DE
LOS PUEBLOS INDÍGENAS DEL PARAGUAY
Derlis Ortiz Coronel

HACIA UNA EVALUACIÓN TRANSMODERNA E 47


INTERCULTURAL EN COLOMBIA RUMO A UMA
AVALIAÇÃO TRANSMODERNA E INTERCULTURAL
NA COLÔMBIA
José Pascual Mora García
José del Carmen Correa Alfonso
Julián Fernando Bonilla Real
Yenifer Beltran Sierra

O CAPITAL FINANCEIRO E O NEOLIBERALISMO: UM 65


NOVO MARCO NA EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR
NO BRASIL
Matheus de Oliveira
Juliana Fatima Serraglio Pasini

EDUCAÇÃO E ORDEM: UM ESTUDO DE CASO EM 95


UMA ESCOLA CÍVICO-MILITAR DO OESTE
PARANAENSE
Maria Carolina Vieira da Silva
Ana Paula Araujo Fonseca

5
REFORMA CURRICULAR EM CURSO NO BRASIL: 123
PARA ONDE APONTA A BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR (BNCC)?
Cláudia Valentina Assumpção Galian

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO 139


MÉDIO NO BRASIL: EM DEBATE A REFORMA Nº
13.415/2017
Daniel Alfonso Rusch
Márcia Cossetin
Lidiane Cossetin Alves

PROVA PARANÁ E OS DESDOBRAMENTOS DO 171


ENSINO DE HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL I
Maria Laura de Oliveira Machado
Juliana Fatima Serraglio Pasini

O ESTADO DO PARANÁ E A PRIVATIZAÇÃO DA 197


EDUCAÇÃO: O PROJETO PARCEIRO DA ESCOLA
Márcia Cossetin
Talita Larissa de Oliveira Aquino

EIXO II - EDUCAÇÃO INCLUSIVA: POLÍTICAS E AÇÕES

QUEM REIVINDICA INCLUSÃO? UM OLHAR 215


ANTROPOLÓGICO SOBRE A CONCRETIZAÇÃO DE
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL DE UMA RESIDÊNCIA
INCLUSIVA
Ana Carolina Pereira
Ana Paula Araujo Fonseca

REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO 235


ESPECIAL NA AMÉRICA LATINA E CARIBE: UM
OLHAR PARA A EXPERIÊNCIA DA VENEZUELA
Neide da Silveira Duarte de Matos
Lucia Terezinha Zanato Tureck
Jane Peruzo Iacono

6
Maria Lidia Sica Szymanski
Silvane dos Santos de Moura Macagnan

EDUCACIÓN Y CURRÍCULUM EN EL CONTEXTO DE 257


LA CULTURA NEOLIBERAL EN CHILE: HIPÓTESIS
PARA UNA REPARACIÓN
María Angélica Oliva

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E SEUS 279


DESAFIOS À EDUCAÇÃO BÁSICA: UM OLHAR SOBRE
A PRESENÇA DA TEMÁTICA DE GÊNERO NOS PPPS
DO ENSINO FUNDAMENTAL I DE FOZ DO IGUAÇU
(PR)
Maitê Pastorini Camargo
Juliana Franzi

IMPACTOS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA 299


NAS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL DO
MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU
Júlia Flores
Juliana Franzi
Ana Paula Araújo Fonseca

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES 313

7
8
APRESENTAÇÃO

Márcia Cossetin
Juliana Pasini
Juliana Franzi
Ana Paula Araujo Fonseca

Trabalho coletivo: esta tem sido a característica essencial que


une este grupo de docentes que se reúne no projeto de extensão:
“Rede de diálogo: a educação em debate”. Em seu terceiro ano, este
projeto de extensão contou com um período intenso de atividades
em 2023. Este livro resulta da articulação e movimentação –
nacional e internacional – que esta rede vem tecendo. Foram muitos
contatos, muitas aprendizagens e muitos esforços empreendidos
no sentido de fortalecer a luta em prol da educação de qualidade,
pública, obrigatória, laica, plural e diversa no Brasil e na América
Latina. A intensidade desta movimentação torna difícil a tarefa de
aqui sintetizar as distintas atividades que realizamos, e ainda mais
árdua a tarefa de resumir os anseios pelos trabalhos e pelas
conexões futuras.
No entanto, no intuito de seguir permitindo ao(à) leitor(a) que
deseja acompanhar nosso trabalho e as discussões que vimos
tecendo, fazemos uma vez mais o esforço de registrar, em forma de
livro, o trabalho de nossa rede. Este é o terceiro livro que resulta de
nosso trabalho coletivo. O primeiro deles foi publicado em 2022,
com o título Disputando narrativas: uma abordagem crítica sobre a Base
Nacional Comum Curricular (Franzi; Fonseca, 2022) e o segundo,
publicado em 2023, intitulado Políticas educacionais e currículo:
construindo redes latino-americanas (Fonseca; Pasini; Franzi;
Cossetin, 2023).
Uma das primeiras ações realizadas no ano de 2023, entre os
dias 20 e 25 de março, foi a IV Semana da Pessoa com Síndrome de
Down de Foz do Iguaçu, evento já com histórico de realização desde

9
o ano de 2016, mas incorporado às ações da Rede de Diálogo na
busca pelo fortalecimento da temática Educação Especial e inclusiva
junto aos professores da rede pública de Educação Básica, bem como
a estudantes dos cursos de licenciatura da UNILA, a familiares e
demais interessados nestes assuntos. Foram cinco dias de atividades
presenciais, com transmissão ao vivo pelo Youtube e registro no canal
do evento1. O evento contou com estudiosos e lideranças que
abordaram assuntos em perspectivas variadas. A abertura contou
com a presença da professora Dra. Carla Biancha Angelucci (USP-
SP), que tratou sobre “Educação Especial da Perspectiva da
Educação Inclusiva: uma história de luta por direitos”.
No segundo dia, a psicóloga Ms. Larissa Schelbauer, que já
atuou na Residência Inclusiva de Foz do Iguaçu, e atualmente é
servidora do CRAS do município de Guarapuava-PR, falou sobre
“Cultura de Institucionalização e interdição da pessoa com
deficiência intelectual: implicações psicossociais”. No terceiro dia
contamos com quatro participantes: Luiza Acosta – estudante de
publicidade e propaganda, diretora do grupo de autodefensores do
estado do Paraná e membro da Associação DownloAd de
Apucarana, que falou sobre “Quem disse que eu não posso”,
abordando sua própria vivência como pessoa com trissomia do 21
e suas realizações. Ela falou na companhia da professora da
professora Dra. Liana Lopes Bassi (UEL) – que também é vice-
presidente da Federação Paranaense de Associações de Síndrome
de Down - FEPASD e da Diretoria da Associação Download de
Apoio à Síndrome de Down, que abordou o tema “O controle social
e a luta por direitos pelas pessoas com deficiência”.
Além das duas convidadas, os presidentes do Conselho
Municipais de Educação - professor Ms. Edilson Carlos Balzan e do
Conselho Municipais de Saúde - artista plástico Dilson Paulo
Alves, de Foz do Iguaçu também fizeram exposições a respeito do

1 Disponível em: https://www.youtube.com/@semanadapessoacomsindrome


down/streams.

10
papel destes Conselhos na temática relativa à pessoa com
deficiência.
No dia seguinte, foi a vez da professora Dra. Neide da Silveira
Duarte de Matos (UNIOESTE, Cascavel), proferir palestra sobre
“Inclusão da pessoa com deficiência: fundamentos e alternativas
prático-sociais na educação de crianças e adolescentes com
Síndrome de Down”. Após a fala da professora, a vereadora da
Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, Yasmin Hachem – atual
presidente da Comissão Educação, Cultura, Esporte, Saúde,
Assistência Social e Defesa do Cidadão, fez uso da fala para
explicar sobre o papel de um/uma vereador/a e destacar os
trabalhos que ela vem desenvolvendo na pauta relacionada às
pessoas com deficiência, em especial, os surdos e pessoas autistas.
No último dia, contamos com a presença da jornalista,
educadora, fundadora do Instituto Cáue, mestranda em Educação
pela USP-SP, Mariana Rosa. Ela fez sua apresentação com o título
“Por que falar de educação especial na perspectiva inclusiva no
Brasil”. O evento foi finalizado com uma reunião envolvendo as
famílias da Associação de Famílias Unidas pela Trissomia do 21 de
Foz do Iguaçu, com o objetivo de organizar pautas de
reivindicações para garantia de direitos das pessoas com trissomia
do 21 na cidade e região.
Ainda, articulado às ações do Projeto, ocorreu o “I Congresso
Internacional de Estudos sobre as Políticas Educacionais (I CIPE)”,
realizado de 16 de maio de 2023 a 19 de maio de 2023,
presencialmente nas dependências da UNILA, coordenado pelas
professoras Márcia Cossetin e Juliana Pasini, e que contou com
palestrantes de Universidades brasileiras e de países latino-
americanos. Na programação do primeiro dia, 16/05/2023,
organizou-se mesa de abertura do evento com os professores Dr.ª
Isaura Monica Zanardini (UNIOESTE), e Dr. Sebastián Donoso
Díaz (Universidad de Talca - Chile), Instituto de Investigación y
Desarrollo Educacional (Chile), que abordou a temática: “As
políticas sociais e a definição das políticas educacionais:
determinações e possibilidades no contexto latino-americano".

11
No segundo dia, 17/05/2023, contamos com uma mesa de
debate, com as professoras Dr.ª Selma Venco (UNICAMP), e Dr.ª
Eloísa Bordoli (Instituto de Educación/Facultad de Humanidades y
Ciencias de la Educación/Universidad de la República/Uruguay),
que debateram sobre “Condições do trabalho docente na América
Latina: Panoramas Brasil e Uruguai”.
No dia 18/05/2023, terceiro dia do evento, tivemos a mesa
redonda que tematizou as “Políticas Educacionais em Rede:
tecendo novas experiências no contexto latino-americano”, com a
presença das professoras, Dr.ª Cassia A. Domiciano (UFPR), Dr.ª
Juliana Pasini (UFRGS), Dr.ª Ana Paula Araújo Fonseca, Dr.ª
Juliana Franzi e Dr.ª Márcia Cossetin, as três últimas da (UNILA) e,
por fim, no dia 19/05/2023, ocorreram as apresentações de trabalhos
em formato de comunicações orais de resumo expandido.
Desse modo, tivemos a participação entre mesa de abertura,
mesa de debate e mesa redonda de 9 professores/pesquisadores de
diferentes instituições (Universidade Estadual do Oeste do Paraná;
Universidad de Talca, Instituto de Investigación y Desarrollo
Educacional - Chile; Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp); Instituto de Educación/Facultad de Humanidades y
Ciencias de la Educación/Universidad de la República - Uruguay),
que se dedicam à temática das políticas educacionais e que
trouxeram o debate sobre o contexto latino-americano,
fortalecendo e enriquecendo a compreensão sobre a área.
A partir da apresentação de trabalhos no I CIPE, houve a
organização, pelas professoras Márcia Cossetin; Lidiane Cossetin
Alves; Juliana Pasini, do E-book intitulado Caderno de Trabalhos do
I Congresso Internacional de Estudos sobre Políticas Educacionais (I
CIPE), com os textos dos Anais do Evento -
(https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/7399). Além disso,
foi produzido um Dossiê temático, organizado pelas professoras
Márcia Cossetin, Juliana Pasini em conjunto com a professora
Myriam Feldfeber (Universidade de Buenos Aires -
UBA/Argentina), do qual participaram os palestrantes do evento e
demais pesquisadores convidados de instituições nacionais e

12
internacionais latino-americanas, totalizando 13 artigos. O Dossiê
foi intitulado Políticas Educacionais na América Latina: Retrocessos e
Perspectivas, publicado na Revista Debates em Educação [RDE],
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Alagoas (PPGE/UFAL)
(https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/issue/view/
686), no v. 15, n. 37/2023.
O projeto de extensão também seguiu com encontros
presenciais e on-line (Via plataforma Google Meet) que nos
permitiram maior aproximação com a Educação Básica de Foz do
Iguaçu (PR). Estes encontros costumam ter a duração de três horas
e são marcados pelo diálogo entre a equipe da Universidade e da
Educação Básica. As atividades presenciais foram realizadas na
Escola Municipal Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, do
município de Foz do Iguaçu-PR e contaram com o apoio do
Sindicato dos Profissionais de Educação de Foz do Iguaçu
(SINPREFI).
Entre os meses de julho e dezembro, foram realizados seis
encontros formativos, sendo três encontros on-line para debater
sobre políticas educacionais e impactos de avaliações em larga
escala e três encontros presenciais para tratar da temática da
privatização da educação. Estas atividades contaram com a
mediação das pesquisadoras Dra. Juliana Fatima Serraglio Pasini
(Colégio de Aplicação/UFSC) e Dra. Márcia Cossetin (UNILA).
Outra ação de grande importância foi a realização do I
Congresso Internacional de Educação e currículos latino-americanos:
construindo redes a partir de uma abordagem interdisciplinar, entre os
dias 11 a 15 de setembro de 2023. O evento contou com atividades
presenciais nos dias 11, 12 e 13 de setembro de 2023, na UNILA,
uma atividade virtual na noite do 11 de setembro e apresentações
de trabalhos que ocorreram na modalidade virtual, nos dias 14 e 15
de setembro. A realização deste evento tornou-se possível a partir
de recursos oportunizados pelo Instituto Mercosul de Estudos
Avançados (IMEA-UNILA), por meio do Edital nº 01 /2022/IMEA -
Apoio à Organização de Eventos Interdisciplinares ou

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Transdisciplinares e foi estratégico para avançar na consolidação
de uma rede de pesquisadores latino-americana.
Na mesa de abertura do Congresso, que debateu sobre os
desafios e potencialidades dos currículos chileno e paraguaio,
contamos com a presença da professora Dra. María Angélica Oliva,
professora e investigadora chilena em Política Educativa e Direito
à Educação e professor Dr. Derlis Ortiz Coronel – docente da
Universidad Nacional de Asunción. No mesmo dia, e em formato
virtual, contamos com a participação do professor Dr. José Pascual
Mora García - Docente do doutorado em Ciências da Educação, na
Universidade de Cundinamarca, falando sobre a avaliação
transmoderna e intercultural na Colômbia.
No dia seguinte foi momento de debater o currículo da tríplice
fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina), espaço em que está situada
a cidade de Foz do Iguaçu e a UNILA. Para este debate, estiveram
presentes o professor Carlos Clerici (FHyCS-UNaM - Universidad
Nacional de Misiones – Argentina), a professora María Gloria
Pereira, Especialista em Currículo, Educação Bilíngue e Educação
em Direitos Humanos, do Paraguai e a professora, Dra. Juliana
Fatima Serraglio Pasini, docente do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Santa Catarina-Brasil.
Em continuidade ao debate sobre currículo latino-americano,
no que diz respeito a obstáculos e proposições, foi possível contar
com a presença da professora Dra. Cláudia Valentina Assumpção
Galian (Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo-
Brasil), e do professor Javier Paredes (Instituto Internacional de
Integración-Convenio Andrés Bello, Bolívia).
O Congresso teve apresentações de trabalhos organizados em
quatro eixos, a saber:
(i) Currículo: história, políticas, concepções e legislações;
(ii) Currículo, inclusão, diversidade e direitos humanos;
(iii) Currículo contra hegemônico: um enfrentamento necessário;
(iv) Currículos latino-americanos: práticas pedagógicas e
possibilidades múltiplas de processo educativo.

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Os trabalhos aprovados foram registrados no Caderno de
Trabalhos do I Congresso Internacional de Educação e currículos latino-
americanos: construindo redes a partir de uma abordagem
interdisciplinar, disponível em: https://dspace.unila.edu.br/
handle/123456789/7650.
Este livro, portanto, constitui-se como a compilação de
diferentes debates vividos ao longo do ano de 2023, sendo um dos
resultados das atividades realizadas no Projeto de Extensão “Rede
de Diálogo: a educação em debate”, e também das orientações de
trabalhos de conclusão de cursos das professoras organizadoras da
obra. Os autores e autoras estiveram envolvidos(as) de alguma
maneira nas atividades realizadas, nesta Rede, e foram convidados
a registrar suas contribuições sobre as temáticas desenvolvidas. Há
textos escritos em português e textos em espanhol, pois desde o
início do projeto temos defendido a importância de preservar o
bilinguismo que também é marca da UNILA. Entendemos que o
livro precisa refletir a dinâmica e a riqueza que está sendo tecida
por este grupo de professores/as.
Os textos foram agrupados em dois amplos eixos
considerando-se as temáticas abordadas pelos(as) autores(as),
quais sejam: Eixo I - Políticas educacionais e currículos na
América Latina e Eixo II - Educação Inclusiva: políticas e ações.
Na sequência, faremos uma exposição sucinta de cada texto para
auxiliar na leitura dos capítulos.
Para abertura do Eixo I, temos o primeiro capítulo, de autoria
de Derlis Ortiz Coronel, intitulado “Hacia un currículum
decolonial: reflexiones sobre la realidad educativa de los pueblos
indígenas del Paraguay”. Coronel explica que os povos indígenas
do Paraguai estão em um processo de construção de seus próprios
currículos educativos, um currículo marcado notadamente pela
língua, pela cosmovisão, pelos valores e pela espiritualidade deste
povo. Neste sentido, destaca a Lei n° 3132/2007 que versa sobre a
Educação Escolar Indígena, tratando-se de um instrumento que
estabelece a autonomia na construção participativa deste
documento político e permite, a 20 povos do Paraguai, avanços na

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elaboração de seus próprios currículos. Esta tarefa pressupõe uma
redefinição dos fins, objetivos, valores e princípios, bem como
estimula uma ressignificação das fontes epistemológicas,
socioculturais, psicológicas e pedagógicas de cada proposta. Como
parte deste processo, Coronel reconhece a relevância de algumas
indagações, a saber: que? como? para que e por que ensinar e
avaliar a partir de uma perspectiva decolonial? O autor aponta que
as respostas a estas perguntas podem potencializar a identidade
cultural dos povos.
O segundo capítulo é de autoria de José Pascual Mora Garcia,
José Del Carmen Correa Alfonso, Julián Fernando Bonilla Real e
Yenifer Beltran Sierra. O capítulo intitula-se “Rumo a uma
avaliação transmoderna e intercultural na Colômbia”. A
compreensão de uma avaliação transmoderna visa potencializar o
desenvolvimento de ontologias regionais na compreensão do
mundo multidimensional, especialmente no contexto do Campo de
Aprendizagem Cultural Bagüe da Universidade de Cundinamarca.
Metodologicamente, é qualitativa, descritiva e multiversa,
inspirada nas epistemologias do Sul, para ressignificar a
desconstrução do eurocentrismo, da racionalidade cartesiana, da
avaliação para controle e da matematização do cotidiano. Os
autores concluem que o olhar intercultural da avaliação
transmoderna, descolonial e rizomática, com base no Desenho
Curricular Transmoderno, no Doutoramento em Ciências da
Educação da Universidade de Cundinamarca, conduz à
valorização de uma cultura da sensibilidade alternativa, do pathos
em oposição a logos.
O terceiro capítulo intitulado “O capital financeiro e o
neoliberalismo: um novo marco na expansão do ensino superior no
Brasil”, escrito por Matheus de Oliveira e Juliana Fatima Serraglio
Pasini, objetivou compreender as razões da expansão da educação
superior no Brasil, entre os anos de 1990 e 2010, retomando ao
período histórico anterior que gerou a crise capitalista e
desencadeou transformações na disputa entre capital e trabalho,
acarretando em reformas institucionais do Estado na educação, em

16
específico a do ensino superior. O Banco Mundial foi um dos
direcionadores dessas mudanças, sendo instrumentalizado por um
compromisso de desregulamentação e financeirização do Estado.
Realizado a partir de uma análise documental e estatística, os
impactos e desdobramentos de duas décadas de políticas
neoliberais na educação superior, na formação de oligopólios na
educação, como consequência da transferência de fundos públicos
ao setor privado, consolidam assim, um novo ethos educacional
subordinado pelas dinâmicas do capital financeiro.
O quarto capítulo denominado “Educação e ordem: um
estudo de caso em uma escola cívico-militar do Oeste paranaense”,
de autoria de Maria Carolina Vieira da Silva e Ana Paula Araujo
Fonseca, é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso da primeira
autora, que se graduou em História-licenciatura na UNILA. O
capítulo explora o fenômeno das escolas cívico-militares no Brasil,
com foco em um estudo de caso realizado em um colégio desse
modelo na região Oeste paranaense. A pesquisa é motivada pela
crescente adesão a esse modelo educacional nos últimos tempos,
como plataforma política para a área educacional de governos de
direita e de extrema direta no Brasil e no Paraná, e pela necessidade
de compreender suas implicações, buscando entender por que esse
modelo restritivo tem atraído educadores e a comunidade escolar.
Foram realizadas entrevistas com professores que atuam no sexto
ano do ensino fundamental e com a direção escolar, além da análise
do Projeto Político Pedagógico de uma escola. Tal análise revelou
características específicas de uma instituição militarizada, como a
ênfase na disciplina e hierarquia. Os resultados apontam para a
complexidade das percepções dos professores e para a necessidade
de considerar os impactos deste modelo tão restritivo e
disciplinador na vida de um adolescente em formação. Este estudo
contribui para o entendimento das escolas cívico-militares no
estado do Paraná, destacando questões relacionadas à adesão,
implementação e perspectivas dos educadores.
O quinto capítulo, de autoria de Cláudia Valentina
Assumpção Galian intitula-se “Reforma curricular em curso no

17
Brasil: para onde aponta a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC)?” A autora reporta-se ao debate sobre o currículo e sobre
as mudanças curriculares como elementos para a discussão sobre
os caminhos formativos que vêm sendo definidos para a Educação
Básica brasileira, em tempos recentes. Para tanto, a autora aborda,
inicialmente, as perspectivas de currículo e reforma curricular que
sustentam essa discussão – ligadas ao conceito de currículo em
processo. Na sequência, delineia o panorama de pressões nacionais
e internacionais que recaem sobre os elaboradores de propostas
curriculares desde a segunda metade da década de 1990, a fim de
reconhecer aspectos que ganham especial ênfase na reforma
curricular atual – como a importância conferida à aprendizagem
em detrimento do ensino e ao desenvolvimento de competências e
habilidades. Nessa reforma, é central o documento Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), tanto como prescrição a ser tomada
como fundamento obrigatório por estados e municípios brasileiros
na produção de suas propostas curriculares, como na condição de
eixo em torno do qual deve se dar o alinhamento das demais
políticas educacionais, dentre elas as que orientam a formação
inicial e continuada de professores, a elaboração de materiais
didáticos e as avaliações externas. Assim, busca-se ao longo do
texto reconhecer que o movimento em curso guarda semelhanças
com o que vem acontecendo – desde pelo menos os anos 1980 – em
outros países, que, como o Brasil, vêm sendo denominados “países
em desenvolvimento”. Na identificação dessas semelhanças
evidenciam-se as raízes de noções legitimadas e valorizadas na
BNCC, mas já presentes no cenário educacional brasileiro há muito
tempo, como é o caso das competências, e da associação entre
qualidade da educação e desempenhos dos estudantes em
avaliações de larga escala.
O texto do sexto capítulo, intitulado “As políticas educacionais
para o Ensino Médio no Brasil: em debate a Reforma nº
13.415/2017”, cuja autoria é de Daniel Alfonso Rusch, Márcia
Cossetin, ambos da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (UNILA), e de Lidiane Cossetin Alves, da Universidade

18
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), tem como objetivo,
discutir a Reforma do Ensino Médio no Brasil, instituída a partir da
Medida Provisória nº 746/2016 e da Lei nº 13.415/2017, e apresentar
alguns elementos para compreensão do proposto nessa legislação,
além de vislumbrar possíveis desdobramentos para a formação
ofertada no Ensino Médio a partir da Base Nacional Comum
Curricular para o Ensino Médio. Inicialmente o(as) autor(as)
trabalharam na apreensão da constituição histórica do Ensino
Médio no Brasil e, em seguida, apresentaram a discussão sobre a
Reforma do Ensino e seus elementos constitutivos,
problematizando-os. A partir dos estudos realizados, concluíram
como problemático o processo pelo qual se implementa a Reforma
do Ensino Médio, por meio de Medida Provisória, de forma
autoritária, e posteriormente da Base Nacional Comum Curricular
para essa etapa, medidas realizadas sem que houvesse o necessário
debate com os educadores, estudantes, movimentos sociais e
entidades. Por fim, demarcaram que a Reforma e a BNCC/EM,
alicerçada em alterações no conteúdo curricular e na carga horária,
remetem à uma formação limitadora que apresenta a centralidade
nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, indicando
vinculação com as avaliações externas, e que podem significar uma
formação voltada apenas para conhecimentos básicos relacionados
ao atendimento do mercado de trabalho. Refletem, ainda, sobre a
fragmentação do currículo, ao delimitar-se uma base geral e outra
diversificada denominada como itinerários formativos, reduzindo
a formação à precoce escolha do itinerário formativo. Todos esses
elementos são alicerçados por uma limitação analítica quanto aos
reais desafios a serem enfrentados nessa etapa, reduzindo-os à
definição de um currículo, não apresentando-se os diversos fatores
dentre os quais a crescente desigualdade social, que precarizam e
determinam o acesso e a permanência de diversos sujeitos também
na etapa do Ensino Médio.
O sétimo capítulo intitulado “Prova Paraná e os
desdobramentos do ensino de História no Ensino Fundamental I”,
escrito por Maria Laura de Oliveira Machado e Juliana Fatima

19
Serraglio Pasini, trata da Prova Paraná, uma avaliação diagnóstica,
de larga escala, aplicada trimestralmente em todos os componentes
curriculares, desde 2021, assim busca-se analisar a relação entre
Prova Paraná e os desdobramentos do ensino de história no ensino
fundamental I. A pesquisa busca responder às seguintes questões: as
avaliações de larga escala, em específico a Prova Paraná, seria
realmente uma forma de melhorar a qualidade do ensino? Ela
contribui para tornar os alunos mais críticos, ou está a serviço da
reprodução, classificação e competitividade entre os envolvidos? A
pesquisa apresenta um resgate histórico sobre o surgimento das
avaliações de larga escala, e apresenta a proposta do governo
paranaense para a Prova Paraná, com a inclusão desta avaliação no
trimestre, no componente curricular de História, tomando como
base o ano de 2022. Como resultado a pesquisa alerta para a
interferência do Estado na metodologia do professor polivalente,
indicando atividades e orientações para o ensino de História, com
vista a melhoria nos resultados da Prova Paraná, contribuindo para
a padronização curricular e retirada da autonomia docente. O
referencial teórico está ancorado em Cunha e Muller (2018); Savaris
(2022), Pasini e Soligo (2022); Finoccio (2012); Nadai (1993); Silva e
Silva (2018).
No oitavo capítulo, as autoras Márcia Cossetin e Talita Larissa
de Oliveira, com o texto denominado “O estado do Paraná e a
privatização da educação: o Projeto Parceiro da Escola”, têm por
objetivo problematizar os encaminhamentos políticos educacionais
que vêm sendo engendrados no âmbito da Rede Estadual de
Educação do estado do Paraná, sobretudo, dedicando-se ao “Projeto
Parceiro da Escola”, apresentado pelo Governo estadual em outubro
do ano de 2022. No texto, as autoras discutem os elementos
conjunturais que promovem os processos de privatização da
educação, em seguida, debatem o anúncio e o que propõe o referido
Projeto, como também, o conturbado processo de abertura do Edital,
a repercussão social, sobretudo, educacional, e, por fim, como o
Governo mesmo desistindo parcialmente de seu intento inicial, que
era passar a gestão administrativa de 27 escolas da Rede Estadual

20
Pública para o setor privado, mantém o Projeto em andamento em
duas escolas estaduais, denotando constituírem o Projeto Piloto que
pode significar o engendramento de sua ampliação.
No Eixo II, abre-se a discussão com o nono capítulo, escrito por
Ana Carolina Pereira e Ana Paula Araujo Fonseca, intitulado
“Quem reivindica inclusão? um olhar antropológico sobre a
concretização de políticas educacionais para pessoas com
deficiência intelectual de uma Residência Inclusiva”. Este texto é
derivado da pesquisa etnográfica para o trabalho de conclusão do
curso de Antropologia e Diversidade Cultural Latino-Americana
da UNILA, no qual as autoras se dedicaram a analisar a política de
assistência social para pessoas com deficiência intelectual, numa
Residência Inclusiva da cidade de Foz do Iguaçu. A investigação
apontou para a necessidade de análise da política educacional para
o público atendido naquele equipamento público. O foco da análise
recai, então, sobre a Residência Inclusiva (RI I), situada em Foz do
Iguaçu-PR, e as vivências sociais e educacionais como adjacentes e
sintomáticas enquanto representações das desumanidades
empregadas a residentes assistidas por essa política pública.
Buscou-se evidenciar as perpetuações de discursos que orientam as
práticas institucionais, mergulhando nas experiências educacionais
e contextuais de mulheres assistidas por uma política pública
destinada a pessoas com deficiência em situação de
vulnerabilidade social e econômica. A estrutura do capítulo é uma
intersecção entre a apresentação das características do trabalho
etnográfico, realizado entre o final de 2022 e o início de 2023, as
reflexões sobre a narrativa emergente do campo e a análise dessas
experiências, considerando os diversos caminhos de observação
trilhados, com foco especial às observações relacionadas à
escolarização das mulheres que moram na RI.
O capítulo seguinte, de autoria de Neide da Silveira Duarte de
Matos, Lucia Terezinha Zanato Tureck, Jane Peruzo Iacono, Maria
Lídia Sica Szymansk e Silvane dos Santos de Moura Macagnam
intitulado “Reflexões sobre a política de educação especial na
América Latina e Caribe: um olhar para a experiência da

21
Venezuela”, é um trabalho resultante do grupo de estudos
vinculado à pesquisa interinstitucional de diferentes Instituições de
Ensino Superior - IES brasileiras, cuja pesquisa geral teve como
objetivo a investigação das políticas públicas para a Educação
Especial na América Latina e no Caribe. Assim, neste trabalho,
delimitou-se a temática e análise contextual, política e histórica da
implementação de políticas públicas para a Educação Básica ao
ensino Superior, bem como para a Educação Especial na Venezuela.
Com o objetivo da coleta de dados sobre as políticas públicas deste
país, realizou-se a análise de documentos, subsidiada por
produções teóricas pesquisadas no Portal de Periódicos CAPES. A
partir disso, elaborou-se fundamentações teóricas da realidade
objetiva com apoio no Materialismo Histórico-Dialético e na Teoria
Histórico-Cultural. Assim, abordou-se as condições
socioeconômicas da Educação na Venezuela, determinadas
principalmente pelas ações do governo Chávez e, em consequência
das organizações (relações comerciais internas e externas) do
capital internacional. Destacou-se desde o movimento de ações de
integração educativas para as políticas públicas relacionadas à
pessoa com deficiência no ano de 1912 até o ano de 1980, com a Lei
Orgânica específica direcionada à Educação Especial. A partir de
1990, com o advento do neoliberalismo as políticas públicas para a
educação começaram a ser direcionadas por organismos
internacionais, os quais se apropriaram da problemática das
desigualdades sociais, causadas pelo próprio capital, para a
justificação e promoção de políticas públicas de inclusão escolar.
Nesse contexto, a Educação Especial na Venezuela se encontrava
um passo à frente em relação a outros países, sendo que no ano de
1999 foi implementada a Constituição Bolivariana, e no ano de
2009, a Lei Orgânica da Educação. Por volta do ano de 2015, inicia-
se o asfixiamento econômico e seus reflexos culminam diretamente
na Educação venezuelana. Durante o governo Maduro, o país
enfrentou graves problemas econômicos e sociais, acometendo
políticas públicas essenciais como as de saúde e educação. Com a
desvalorização da moeda nacional, o país obrigou-se a compactuar

22
cada vez mais com a lógica do capital mundial. Desse modo,
concluiu-se que houve esforços significativos de segmentos sociais,
executivos e legislativos para a implementação de políticas
públicas para a Educação Especial na Venezuela, porém com
eventuais lacunas e inconsistências.
O capítulo de María Angélica Oliva intitula-se "Educação e
currículo no contexto da cultura neoliberal no Chile: hipótese de
reparação". A autora aborda o texto e o contexto da cultura
neoliberal na educação e no currículo, no Chile, e a tensão entre
inclusão e exclusão, em que segundo uma lógica empresarial, de
empreendedorismo, individualismo, competição e de
responsabilização, se decide a favor da exclusão. São estudados os
dispositivos que dão forma a esta cultura neoliberal, como parte
das políticas hegemônicas adotadas e promovidas pela ditadura
chilena. A ambivalência de termos tais como “Reparar - advertir e
reavivar” – permite à autora, abordar a cultura neoliberal na
educação e no currículo da história recente do Chile, e descobrir
algumas chaves para promover o pensamento e a ação política.
Propõe-se uma hipótese textual e iconográfica ao longo de dois
eixos: Da antiga floresta da educação à árvore neoliberalizada do
currículo – a partir da obra “El desayuno largo” – e Recuperar a
educação e o currículo da devastação do neoliberalismo e desafios
(im)possíveis na Atelier de Reparação. Inspirada na filosofia dos
dispositivos, Oliva destaca os seguintes mecanismos: a
privatização, a normalização, o exame e a responsabilização que,
quando reunidos, maximizam o seu potencial disciplinar para
construir uma ordem neoliberal. A voz "Reparação" permite
descobrir algumas chaves por meio das quais a Reparação pode ser
confrontada como revivificação e reparação. A primeira chave,
refere-se à Política. Razão e Sentido da Reparação na Atelier e, em
segundo lugar, A Tríade dos Discursos, Políticas e Práticas.
Um dos principais traços da cultura neoliberal é a
desterritorialização da educação e do currículo, colonizados a
mando de determinados discursos, políticas e práticas da
economia, da engenharia, da neogestão, da estatística, da

23
psicometria, entre outros, expressões de uma racionalidade
técnico-instrumental; de uma lógica mecanicista, a serviço de
visões empresariais hegemônicas, que se desvinculam da educação
como prática histórica, ética, política e estética. Nesse contexto, a
Reparação é um imperativo de inclusão. Um dos principais traços
da cultura neoliberal é a desterritorialização da educação e do
currículo, colonizados a mando de determinados discursos,
políticas e práticas da economia, da engenharia, da neogestão, da
estatística, da psicometria, entre outros, expressões de uma
racionalidade técnico-instrumental; de uma lógica mecanicista, ao
serviço de visões empresariais hegemônicas, que se desvinculam
da educação como prática histórica, ética, política e estética. Nesse
contexto, a Reparação é um imperativo de inclusão.
O décimo segundo capítulo conta com a autoria de Maitê
Pastorini Camargo e Juliana Franzi, tendo como título “Base
Nacional Comum Curricular e seus desafios à Educação Básica: um
olhar sobre a presença da temática de gênero nos PPPs do ensino
fundamental I de Foz do Iguaçu (PR)”. Neste capítulo, as autoras
tomam como objetivo identificar e analisar como o Ensino
Fundamental I de Foz do Iguaçu está traduzindo a temática do
gênero nos Projetos Políticos Pedagógicos a partir das normativas
advindas da Base Nacional Comum Curricular. A análise dos PPPs
foi realizada a partir de uma amostra composta por doze escolas
municipais do referido município - sendo seis delas de maior e seis
de menor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
As autoras sinalizam que a investigação revelou um
negligenciamento da temática de “gênero” na Base Nacional
Comum Curricular e, de igual maneira, nos PPPs da rede
municipal de Foz do Iguaçu.
Por fim, o décimo terceiro capítulo, de Julia Pereira Flores da
Conceição, Juliana Franzi e Ana Paula Araujo Fonseca, conta com
o título “Impactos da BNCC na educação inclusiva nas escolas de
ensino fundamental do município de Foz do Iguaçu”. Neste
capítulo as autoras têm como objetivo, analisar a relação entre as
políticas curriculares presentes na Base Nacional Comum

24
Curricular e as propostas e encaminhamentos para a educação
inclusiva presentes em escolas do município de Foz do Iguaçu (PR).
Para tanto, dedicam-se a uma pesquisa documental, por meio da
análise dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) de catorze escolas
municipais, sendo escolhidas para compor a amostra, sete escolas
municipais, de maior Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB), e sete escolas municipais de menor Ideb. A pesquisa
revelou que o processo de criação dos PPPs passa por uma intensa
padronização, fazendo com que todos os textos analisados se
encontrassem extremamente semelhantes, quando não idênticos.
Sobre a educação inclusiva os documentos revelam a organização
de classes especiais no município analisado, contrariando
orientações já existentes no Brasil.
Convidamos aos(às) leitores(as) a desfrutarem da obra que
segue. Compreendemos que o material elaborado pode aportar de
modo expressivo para a formação de estudantes dos cursos de
licenciatura, professores(as) e demais profissionais e
pesquisadores(as) dedicados(as) à área da Educação, ou mesmo
pessoas que, embora não sejam diretamente da área, tenham
interesse nas temáticas tratadas. Em tempos de aposta deliberada
na mercantilização da Educação, urge somar forças que busquem a
contracorrente do sistema estabelecido. Esse livro é mais uma
aposta nesta direção!
Fica o convite à leitura!

REFERÊNCIAS

FRANZI, J.; FONSECA, A.P.A. (org.). (org.). Disputando


narrativas: Uma abordagem crítica sobre a Base Nacional Comum
Curricular. 1. ed. Foz do Iguaçu: CLAEC, 2022. 228p.
FONSECA, A. P. A.; PASINI, J. F. S.; FRANZI, J.; COSSETIN, M.
(org.). Políticas educacionais e currículo: construindo redes latino-
americanas. 1. ed. Foz do Iguaçu: CLAEC, 2023.160p.

25
26
EIXO I - POLÍTICAS EDUCACIONAIS E
CURRICULARES NA AMÉRICA LATINA

27
28
HACIA UN CURRÍCULUM DECOLONIAL: REFLEXIONES
SOBRE LA REALIDAD EDUCATIVA DE LOS PUEBLOS
INDÍGENAS DEL PARAGUAY

Derlis Ortiz Coronel (Universidad Nacional de Asunción)

INTRODUCCIÓN

Este trabajo aborda algunos puntos clave en la construcción


colectiva del currículum en Paraguay, basados principalmente en
experiencias de trabajo con los diversos pueblos existentes en el
país. Es importante destacar algunas precisiones conceptuales que
servirán para el análisis de las ideas expuestas en este capítulo del
libro, para abordar términos que conforman el mundo de las ideas
de los que procuramos reconfigurar el currículum como un
elemento no sólo educativo, sino como una posibilidad política
para respetar las diferentes cosmovisiones en ellas configuradas.
Desde la perspectiva intercultural, es importante posicionarse
como indica Walsh (2007, p. 32) en: “la atención puesta por ambos
en (re)construir y fortalecer pensamientos y conocimientos propios,
no como un saber folklórico local, sino como epistemología –
sistema de conocimientos -, lo que permite empezar a enfrentar la
colonialidad del saber y la geopolítica”.
Históricamente, la asimilación cultural se ha
institucionalizado en muchos países, donde la propuesta de un
currículum impuesto y hegemónico ha cobrado fuerza, en especial
en la educación indígena. Por eso, como indica Quijano “el sistema
educacional pasó a ocupar un lugar central en las relaciones entre
‘indio’ y no ‘indio’. La educación escolar fue inclusive mistificada
y mitificada en ambas partes” (Quijano, 2022, p. 720).
La lógica de la imaginación del currículum parte desde una
perspectiva donde la idea epistemológica y democrática recobra su
voz, como indica Sousa Santos (2022, p. 253) “a imaginação

29
epistemológica permite diversificar os saberes, as perspectivas e as
escalas de identificação, análise e avaliação das práticas. A
imaginação democrática permite o reconhecimento de diferentes
práticas e atores sociais”.
En síntesis, el currículum entendido como un camino a
recorrer tiene como misión en la coyuntura actual, reconocer cuatro
aspectos fundamentales, cuales son: las fuentes vivas, las del saber,
las pedagógicas y fuentes que aporten al sentipensar, donde la
escuela se constituye en parte integrante de esa dinámica
comunitaria y partícipes de la formación integral del estudiante
que reconoce y respeta los diferentes espacios de aprendizaje, tales
como: la comunidad, la familia, la naturaleza y el territorio.

CONTEXTUALICEMOS: LOS PUEBLOS INDÍGENAS DEL


PARAGUAY

En el territorio paraguayo se encuentra asentados 19 pueblos


indígenas [3], que pertenecen a cinco familias lingüísticas, según
datos del Instituto Nacional de Estadísticas (INE) del Paraguay, en
la actualidad existen 140.206 individuos, de los cuales 137.450
personas viven en comunidades ubicadas en 14 departamentos y
en la capital del país Asunción (INE, 2023)1.
Las familias linguísticas existentes en el Paraguay son: (i)
Guaraní (Aché, Avá Guaraní, Mbya Guaraní, Paĩ Tavyterã, Guaraní
Ñandéva, Guaraní Occidental); (ii)Lengua Maskoy (Toba Maskoy,
Enlhet Norte, Enxet Sur, Sanapaná, Angaité, Guaná); (iii) Mataco
Mataguayo (Nivaclé, Maká, Manjui); (iv) Zamuco (Ayoreo,
Ybytoso, Tomárãho); y (v)Guaicurú (Qom) (SPL, 2019, párr. 2).
Figura 1 - Población indígena por pueblo según censo del año 2022 en Paraguay

1 Con relación al último censo realizado en el año 2012 cuyos datos indicaron que
la población indígena fue de 117.150, existe un aumento 23.056 personas con
relación al año 2022, que representa un total de 137450 personas, teniendo un
aumento porcentual de 19.68%, aproximadamente.

30
Tomaraho 213
429
Guaná 512
2025
Ybytoso 2126
2129
Qom 2182
2199
Ayoreo 2394
2596
Guaraní Ñandeva 3133
3470
Angaité 6909
8070
Enlhet Norte 9222
15609
Nivaclé 17845
22235
Mbyá Guaraní 27835

Fuente: INE (2023)2

Esta diversidad de pueblos y de idiomas obliga a los


responsables de la planificación de las políticas públicas a
implementar estrategias para gestionar con más eficacia el
relacionamiento intercultural entre las naciones indígenas y la
paraguaya.
La población no indígena del Paraguay utiliza normalmente
una de las variables del guaraní llamado “guaraní paraguayo”, en
la cual Ortiz Coronel (2020, p.13), dentro de su análisis menciona:

El castellano no pudo extinguir al guaraní, a pesar de que el castellano


se presentaba un rol hegemónico en las culturas conquistadas. En este
caso el Paraguay mantiene viva su lengua vernácula, es el idioma
indígena más hablado por una población no indígena. Una de las
tesituras más sostenidas por los historiadores de la lengua guaraní,
atribuyen al mantenimiento gracias a las mujeres que hablaban a sus

2Nota: Con relación al último censo realizado en el año 2012 cuyos datos indicaron
que la población indígena fue de 117.150, existe un aumento 23.056 personas con
relación al año 2022 que representa un total de 137450 personas, teniendo un
aumento porcentual de 19.68% aproximadamente.

31
hijos en sus hogares, durante la crianza, en particular que las madres
eran en su gran mayoría indígenas.

Una de las peculiaridades del paraguayo no indígena es su


poco conocimiento de esta pluralidad de lenguas existentes en el
territorio, más aún desconoce en la mayoría de los casos de las
necesidades educativas y la autonomía curricular necesaria para
preservar, conservar y fortalecer la cultura.
Por ello, es fundamental pensar en el currículum como una
herramienta política y poderosa para conjugar dentro de sus
fundamentos el reconocimiento de las fuentes vivas, el análisis de
saberes, pedagógica y el sentipensar de la cosmovisión de los
pueblos es proceso urgente en la realidad histórica en la cual viven
en la actualidad (Sá; Coronel, 2023).
En este contexto, cada pueblo indígena cuenta con procesos
diferentes en la construcción de su propio currículum, algunos se
encuentran en un estadio incipiente de elaboración, debido a la
falta diagnóstico de las realidades socio comunitarias, la falta de un
equipo técnico encargado de la dinamización de las actividades, la
aparición de algunos conflictos de liderazgos en las comunidades,
la falta de recursos humanos y financieros para la estructuración de
un plan de trabajo, entre otros.
En otro grupo, existen pueblos con avances significativos
sobre preguntas básicas asociadas a la construcción del currículum:
qué enseñar, para qué enseñar, dónde enseñar. En este conjunto se
halla la mayoría de las comunidades, quienes están preparados
para dar el siguiente paso en la construcción del diseño curricular
que aglutine y organice las propuestas que respondan a los valores,
cosmovisiones, saberes y principios propios de la cultura de sus
comunidades y escuelas. Además, se pudo identificar
colaboraciones de pueblos indígenas hermanos de américa latina
en esta dinámica, especialmente de Argentina, Bolivia y Ecuador.
En un tercer grupo se ubican aquellos cuyos avances de la
elaboración del currículum se encuentran en una fase de cierre y
socialización del documento, cuyo principal objetivo es la validación

32
de las propuestas y la puesta en común de los lineamientos,
principios y mallas curriculares establecidos en dicho currículum.

¿QUIÉNES LIDERAN EL PROCESO DE CONSTRUCCIÓN


COLECTIVA DEL CURRÍCULUM?

La educación escolar indígena del Paraguay, como indica


Ortiz Coronel (2023) se encuentra en un proceso de resignificación
y desarrollo en miras, de estructurar sus propios fines, objetivos y
valores que apunten al diseño curricular de cada uno de los 19
pueblos existentes en el país (Franzi, 2023, p. 142).
El punto de inflexión fue la Ley n° 3231 del 26 de junio del 2007
que crea la Dirección General de Educación Escolar Indígena. Esta
ley es el resultado de años de lucha de los líderes, organizaciones y
las comunidades indígenas, cuyo objetivo principal se resume en
reconocer y garantizar el valor de los saberes existentes dentro del
proceso de formación en las comunidades indígenas. En sus
principios generales, en el artículo 1, menciona “que las
comunidades indígenas tienen garantizada una educación inicial,
escolar básica y media acordé a sus derechos, costumbres y
tradiciones”(Ley n° 3231,p.1).
Con la creación de la Dirección General de Educación Escolar
Indígena (DGEEI) se buscó instalar una política de respeto a los
procesos educativos, el reconocimiento y la defensa de sus intereses
y participación en la vida nacional. Por ende, dicha dependencia
del Ministerio de Educación y Ciencias ha trabajado con los
diferentes pueblos del país, principalmente con la intención de
organizar una estructura que velaría por el cumplimiento de dicho
marco legal.
Desde su creación de la DGEEI, uno de los hechos históricos
importantes fue el nombramiento como Directora General por
Decreto del Poder Ejecutivo n° 9156 una docente perteneciente al
pueblo Guaraní Occidental. Este nombramiento representa una
oportunidad de reimpulsar definitivamente la educación indígena
en el país (Ultima Hora, 2023).

33
En este contexto, desde la promulgación de la Ley la nueva
estructura organizativa de la Dirección General de Educación
Indígena, se conformaron varios estamentos, entre ellas: el Consejo
Nacional de Educación Indígena que busca establecer principios y
políticas de los procesos pedagógicos; y el Consejo de Área de
Educación Escolar Indígena por pueblo enfocada al aseguramiento
de los procesos de formulación y puesta en marcha de los diferentes
currículos de manera regional y local.
Por otra parte, otra de las dependencias administrativas de la
DGEEI es la novel Dirección de Área del Pueblo (DAP), donde
actualmente se encuentran 15 (quince) directores del pueblo. Sin
embargo, 4 (cuatro) pueblos aún no cuentan con esta figura,
además, existen las Supervisiones Educativas encargadas de
acompañar los procesos de gestión de los Directores de los centros
escolares que cuentan con Equipo de Gestión Comunitaria
Indígena (EGCI) (MEC, 2023, párr. 7).
En el proceso de construcción del currículum educativo, en la
cual la capacidad de liderazgo del Director de Área del pueblo
puede acelerar o no construcción y fundamentalmente, como una
alternativa para incorporar una perspectiva decolonial, como
indica, Ortiz Coronel, (2022, p. 62) en la cual:

El tipo de hombre y mujer que se debe formar en las escuelas


indígenas, respondiendo indefectiblemente, a la cosmovisión, el
fortalecimiento de su lengua y el respeto a los conocimientos
colectivos transmitidos oralmente durante siglos, donde la
educación indígena se observa como un proceso integral de todo su
ser con relación a la naturaleza y la vida en comunidad.

En todo este proceso, el liderazgo del Director de Área del


Pueblo y la colaboración de los Consejos de Área del Pueblo, donde
la comunidad se sienta partícipe, se identifique y considere el
fortalecimiento de la capacidad de comunicación, el razonamiento
lógico – matemático y el cuidado de la salud, es de vital

34
importancia para la concreción saberes que respondan a su
cosmovisión y desarrollo integral.
En este sentido, Dussel muestra el camino de la construcción
del currículum desde una mirada decolonial, donde afirma que
“los pueblos originarios tienen otra comprensión del mundo y es
justamente un pueblo que sabe vivir en otro sentido y por eso son
tan importantes” (Dussel, 2022, p. 32).

CONSTRUCCIÓN PARTICIPATIVA DEL CURRÍCULUM

En el debate sobre la participación en la construcción colectiva


se debe principalmente desestructurar o deconstruir la manera de
encarar las dinámicas de acercamiento a los saberes existentes en
las comunidades indígenas. En muchos países de américa latina,
Paraguay no es la excepción, el ocultamiento de los pueblos se
asocia además un creciente prejuicio social, donde los “pueblos
indígenas, por lo general, están invisibilizados en el seno de sus
propias sociedades, confundidos casi siempre con la población
campesina y rural” (Quijano, 2010, p. 32)
Es esencial reconocer la conexión del currículum con las
características socioeconómicas, filosóficas, lingüísticas,
antropológicas, sociológicas y pedagógicas con la comunidad, y
este proceso debe incorporar dinámicas participativas en su
diagnóstico, en donde la construcción colectiva del conocimiento
es el primer paso en la generación del saber.
La palabra “participación” proviene del latín participare: en
donde pars, partis significa “ser parte” y, del verbo capere cuya
traducción sería “tomar” o “agarrar”, siendo la traducción
etimológica de “ser parte de algo” (Anders, 2023). Esta mirada
exige a los responsables de organizar el currículum que desde el
primer momento los miembros de la comunidad puedan
apropiarse y ser partícipe de su concepción, diseño y desarrollo en
los diversos niveles de concreción (macro, meso y micro).
Cuando tomamos como referencia la participación, la primera
pregunta que debemos responder ¿quiénes deben participar?, y en

35
este sentido es claro, se debe oír todas las voces, donde involucre la
palabra de niños/as, adolescentes, padres/madres de familia,
líderes religiosos, líderes políticos, ancianos/as, sabios/as,
marginados, docentes, consejeros del pueblo, supervisores,
especialistas, organizaciones no gubernamentales, entre otros.
No todos los procesos participativos realmente cumplen su
objetivo, sino existentes distintos niveles que reflejan el grado de
interacción y compromiso en la elaboración del diseño curricular.
En este sentido, Expósito Verdejo, (2003), reconoce la existencia de
siete niveles en la construcción colectiva del conocimiento, entre las
cuales se pueden citar:
1) La pasividad, donde el constructor del currículum fija los
objetivos y toma decisiones sobre las acciones.
2) Fuente de información: donde el equipo técnico realiza el
diagnóstico, pero no deja decidir sobre las preguntas ni las acciones
futuras.
3) Consulta: toma la opinión de la comunidad, pero no tiene
injerencia en las decisiones.
- Participación con incentivos materiales: se propone una
dinámica de participación en base a insumos o financiamiento.
4) Participación funcional: el grupo participa en la toma de
decisiones y se independiza a lo largo del proyecto.
5) Participación interactiva: la comunidad se involucra desde
la fase inicial y participa en la toma de decisiones y la ejecución del
mismo.
6) Autoayuda: es donde la comunidad toma la iniciativa,
liderazgo y actúa independientemente.
Por ello, si el propio diagnóstico no se realiza con
características participativas es una premisa inicial que invalidaría
todo el proceso, o en pocas palabras, cambiar para no cambiar nada.
7) Formación Docente Intercultural
La formación docente en el ámbito indígena se erige sobre un
denominador común: la interculturalidad, esto exige al sistema de
formación inicial y continua del Ministerio de Educación y Ciencias
un compromiso para el fortalecimiento de las potencialidades de

36
los maestros donde “requiere de una educación que conozca y
reconozca a cada sujeto que está en el aula y a su contexto, con
docentes formados desde una perspectiva de derecho, inclusión e
interculturalidad” (Montiel, 2022, p. 177).
Esta exigencia implica no solo abordar aspectos pedagógicos
convencionales, sino también integrar una comprensión profunda
de la interculturalidad y el plurilingüismo, donde la capacitación
de fomentar el respeto, la valoración de las diversas contribuciones
de cada uno de los actores educativos. Otro punto fundamental “es
percibir como docentes la perspectiva diaria, desde el quehacer que
se ejercita comúnmente en el colegio, que de forma muy poco
visible se hace dominante, excluyente, avasallante, con una
colonialidad no concienciada, no percibida, no reconocida” (Arias
López; Ortiz Ocaña, 2019, p. 9).
Existen diversas experiencias de formación docente continua con
la especialización en Educación Intercultural Bilingüe, cuyo objetivo
fue formar a 100 docentes que pasaron a profesionalizar a otros 400
educadores en el contexto intercultural, el objetivo de dicha formación
es “responder a las exigencias educativas actuales de los docentes del
contexto educativo indígena y garantizar una educación escolar que
fortalezca la identidad y promueva la participación activa de los
Pueblos Indígenas en la sociedad nacional paraguaya en igualdad de
condiciones”(OEI, 2017, párr. 7).
En febrero del 2023 se aprobó la habilitación del programa de
Maestría en Educación Indígena e Intercultural en la Universidad
Nacional de Concepción (UNC) por el Consejo Nacional de
Educación Superior (CONES), siendo la primera formación de
postgrado ofrecida desde una iniciativa gubernamental dirigida a
docentes de diferentes puntos del país, con una carga horaria de
810 horas, que darán las herramientas necesarias para gestionar
curricularmente los espacios escolares y la generación de
investigaciones sobre la efectividad de los procesos adoptados
(Aula Pyahu, 2023)
Actualmente, en las escuelas indígenas se encuentran tres
tipos de docentes. El primero consiste docentes indígenas que, en

37
su mayoría, poseen la lengua materna del pueblo, el saber
colectivo, espiritual y la identificación con el territorio, elementos
necesarios para la concreción del currículum en un ambiente
intercultural.
El segundo es el docente no indígena formado generalmente
desde una perspectiva nacional, cuyo principal aporte es el
acercamiento a los saberes occidentales y el manejo de los idiomas
oficiales del currículum educativo (guaraní y castellano) y el
vínculo entre los pueblos originarios y la comunidad en general.
El tercer tipo son maestras y maestros tradicionales, referentes
comunitarios con un profundo conocimiento de la cultura indígena
poseedoras/es del arte culinario, manualidades, saberse naturales
y espirituales, que pertenecen a las comunidades de las
instituciones escolares. En este sentido, el Plan Nacional de Pueblos
Indígenas del Paraguay indica dentro de sus medidas centrales
existe la “incorporación del aprendizaje de las prácticas culturales
y espirituales de cada Pueblo en la educación escolar indígena”
(Indi, 2021, p.50).
La coexistencia de estos tres tipos de docentes en los
establecimientos educativos es variada, en algunos pueblos como
el Mbya Guaraní, más de la mitad de los docentes son no indígenas,
donde existe una disociación marcada por la poca o nula
preparación intercultural y el bajo conocimiento de los saberes
colectivos.
En el caso de los pueblos que se encuentran en la región del
chaco paraguayo, debido a la distancia de las comunidades de los
centros urbanos en muchos casos mantienen sus características de
cosmovisión, lingüísticas y espirituales y un contacto pleno con el
territorio donde la escuela es parte.
Además, la existencia de instituciones escolares multiétnicas
cual es el caso de Escuela y Colegio de la comunidad donde
interactúa los pueblos: Guaraní, Nivaclé y Manjuy en San Agustín,
en la localidad de Pedro P. Peña, Departamento de Boquerón,
Chaco (ONU, 2023). La realidad en estos espacios de aprendizaje
denota una riqueza intercultural en donde el docente debe

38
gestionar el currículum de manera a que ninguna de las mismas se
opaque una a otras, ni mucho menos cercenarse entre sí.
Un tema no menor son los desafíos geográficos y accesibilidad
en regiones del territorio paraguayo, donde la distancia de las
comunidades a los centros urbanos plantea desafíos adicionales,
principalmente cuando los docentes deben movilizarse para el
acceso de formación docente continua, donde la demanda de un
conocimiento profundo y respetuoso de estas prácticas debe
asegurar un equilibrio intercultural.

MATERIALES DIDÁCTICOS Y EDUCACIÓN INDÍGENA

Los materiales didácticos cumplen una función indispensable


en el desarrollo del currículum, en este sentido, existen esfuerzos
desde las instituciones gubernamentales y entidades
internacionales para el diseño de dichos recursos, la Dirección
General de Educación Escolar Indígena con la validación del
Consejo Nacional de Educación Indígena (CNEI), y la participación
de 18 pueblos.
Este proyecto, marcó un hito importante donde entregaron a
las escuelas indígenas “guías para educación inicial, materiales
didácticos para el primer y segundo ciclo de la educación escolar
indígena, en lenguas nativas y castellana, y podcasts que tratan
temas interculturales y de derechos humanos para el tercer ciclo y
la educación media” (UNICEF, 2022, párr. 3).
Aunque existe un avance, aun quedan por delante grandes
desafíos de manera a responder a las necesidades reales observadas
en las instituciones escolares, entre ellas, la reorganización de la
propuesta didáctica a través de los materiales didácticos donde
conviven algunos denominadores comunes principalmente a lo
que refiere a escuelas plurigrados.
La elaboración de materiales educativos puede ayudar a
preservar y promover las lenguas y culturas indígenas, especialmente,
sobre todo en contextos donde muchos idiomas están en riesgo de
desaparecer. La lengua materna puede facilitar la comprensión y

39
retención de conocimientos, pues en muchos casos, los estudiantes no
tienen que luchar con la barrera idiomática mientras aprenden nuevos
conceptos. Esto además da una relevancia a la cultura del pueblo,
fomentando un mayor interés y respeto por la cosmovisión indígena,
ayudando de esta manera a construir una conexión entre la educación
y la vida cotidiana del alumno.
En la mayoría de los casos, la situación en las escuelas
indígenas es crítica, pues en la actualidad muchas de ellas utilizan
los materiales didácticos proveídas del MEC en formatos no
indígena y poco interculturales, esto puede contribuir a la pérdida
de la identidad cultural y linguística de los estudiantes, al no
reflejar su herencia cultural que a largo plazo barrera para sus
tradiciones y lenguas.
Esta desconexión comunitaria crea una brecha y esa
exposición continua a valores, normas y comportamientos de la
cultura dominante y colonial, contribuyen negativamente y genera
una pérdida paulatina de todo aquello significativo para los
pueblos, en la espiritualidad y las cosmovisiones de estos.

CALENDARIOS ESCOLARES DIFERENCIADOS

Uno de los criterios establecidos dentro de la Ley n° 3231/2007


es la elaboración de calendarios escolares diferenciados, aspectos
fundamentales que dinamizan la escuela en la vida de la
comunidad.
En Paraguay la implementación de calendarios diferenciados
en los pueblos indígenas es muy incipiente o casi nula. Durante en
un panel de debate titulado “Educación: pasado, presente y futuro
– Diálogo con Mujeres Indígenas” cuando se consultó sobre la
conveniencia de adaptar el calendario escolar a la realidad
chaqueña, las respuestas fueron:

María Yarati: Desde nuestro punto de vista lo correcto sería tener un


calendario diferenciado, porque muchos de los pueblos indígenas
son cazadores y recolectores. Entonces, en ese periodo de

40
septiembre, ellos ya empiezan a irse a otros lugares, abandonan su
escuela y no llegan a culminarla. Nosotras creemos que lo correcto
sería que a partir de septiembre ellos tuvieran también un receso
hasta diciembre y pudieran retomar las clases desde enero.
Liz Sandra: Con mis alumnos de 5to y 6to grado ya estoy practicando
lo del calendario diferenciado. Como les comentaba, el MEC
desarrolla sus temas en la plataforma, pero de igual manera yo los
descargo y los reviso para luego adaptar los materiales otra vez a la
situación de la comunidad, de la casa y, sobre todo, a la situación
económica que estamos viviendo (OEC, 2022, p. 17).

Estas propuestas destacan la importancia de integrar de


manera más orgánica los calendarios en la vida de la comunidad,
este enfoque no es solo relevante y significativo para los
estudiantes, sino también facilitaría una mayor participación y
apoyo de la comunidad en el proceso educativo.
Actualmente, existe un desafío en la planificación e
implementación de los calendarios diferenciados, pues requieren:
una organización cuidadosa, recursos adecuados con un enfoque
flexible por parte de las autoridades educativas, debido a que las
comunidades indígenas suelen tener ciclos de vida y actividades
culturales que están profundamente arraigados en sus tradiciones
y entorno natural.

CONSIDERACIONES FINALES

El estudio del panorama educativo de los pueblos indígenas


del Paraguay plantea dentro de su realidad un momento histórico
fundamental en la redefinición y resignificación de sus procesos
educativos, donde la Ley n° 3231/2007 ha sido un paso significativo
hacia la autonomía y el reconocimiento de la diversidad cultural y
lingüística de las comunidades, donde la construcción participativa
de currículos que reflejen sus valores, cosmovisiones y
conocimientos ancestrales.
En este sentido, la disparidad de avances logrados en la
elaboración de currículos anticoloniales, aun existen desigualdades

41
entre los distintos pueblos, marcan un movimiento positivo haca el
respeto a la pluralidad cultural y lingüística, donde la formación
docente intercultural, los materiales didácticos, adaptación de
calendarios escolares son ejemplos de cómo la educación puede y
debe ser transformada para servir a las comunidades indígenas.
Sin embargo, enfrentamos grandes desafíos en los centros
escolares, incluyendo la escasez de recursos, barreras geográficas,
liderazgos efectivos y participativos, así como la desconexión entre
los materiales didácticos actuales y las realidades de los estudiantes
indígenas. En definitiva, el enfoque anticolonial en la educación no
implica sólo la elaboración del currículum educativo, sino también
una perspectiva de valoración de los conocimientos colectivos y
prácticas indígenas.

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45
46
HACIA UNA EVALUACIÓN TRANSMODERNA E
INTERCULTURAL EN COLOMBIA

RUMO A UMA AVALIAÇÃO TRANSMODERNA E


INTERCULTURAL NA COLÔMBIA

José Pascual Mora García


(Universidad Pedagógica y Tecnológica de Colombia -UPTC)1
José del Carmen Correa Alfonso
(Escuela Superior de Administración Pública -ESAP)
Julián Fernando Bonilla Real
(Universidad de Cundinamarca)
Yenifer Beltran Sierra
(Universidad de Cundinamarca)

INTRODUCCIÓN

Nuestro tiempo latinoamericano está revestido de realismo


mágico, desde América Latina y el Caribe la racionalidad se
inscribe en la lógica macondiana; entre las lógicas borrosas y
polisémicas que pueden ser analizadas desde las epistemologías
disidentes del sur. Por eso los criterios de la evaluación centrada en
el control, la homogeneización de los grupos, la colonización del
ser, la colonización del saber y la colonización del poder están en
declinación. Razón por la cual proponemos una metodología
alternativa entre las tendencias curriculares emergentes que
empoderan andamios mentales para una evaluación, entre las que
incorporamos: transmodernidad, rizoma, decolonialidad,
biocentrismo, y epistemologías del sur. De tal manera, que tenemos

1 Este capítulo aporta al proyecto de investigación titulado “La Universidad


Colombiana en la Formación de Educadores: Modernidad, Poder Político en la
Sociedad del Conocimiento (1992-2019)”, identificado con el código SGI 3366.

47
el reto de resignificar los criterios de la evaluación con un perfil
prospectivo que incorpora la relación con la naturaleza y los
animales cónsonos con los lineamientos de la carta de Escazú, 2021.
Y que sean correlativos para las representaciones sociales
latinoamericanas y caribeñas que empodera el Nuevo
constitucionalismo Latinoamericano (Estupiñán, 2019).
La evaluación emergente transmoderna es un modelo que se
fundamenta contextualmente desde el Modelo Educativo Digital
Transmoderno (Medit) de la Universidad de Cundinamarca,
Fusagasugá, Colombia, y que le apuesta a la Decolonización del
saber, al desmontar el modelo enciclopédico por un modelo
emergente del aprender a vivir juntos en paz; Decolonización del
ser, en tanto centra su formación en el Ser y no en el tener (Muñoz,
2019); y Decolonización del poder, para deconstruir los modelos
geopolíticos dominantes por una visión Translocal en la que todos
aprendemos de todos.
Igualmente, se retoma la categoría de la hermenéutica
diatópica (Sousa, 2008), para fortalecer la comprensión de la
interculturalidad, en el cual se amplía el concepto de que ninguna
cultura es superior por sí misma, por tanto, toda cultura es en algún
sentido una versión de la incompletud de otras. Se requiere
entonces el tener la disposición y proactividad de abrirse sin pre-
juicios a todas las culturas, con el fin de reconocer lo que tienen en
común y lo que puede enriquecerla en reciprocidad. Es oportuno
también incorporar la Altersofia (Ortiz; López, 2019, p. 89), como
estrategia intercultural, en la que se pueda “reconocer y visibilizar
el saber del otro colonizado y subalternizado, sus conocimientos
situados (Sofías), emergiendo así la altersofía como una
epistemología “otra”, una forma “otra” de conocer y amar”.

LA EVALUACIÓN TRANSMODERNA EMPODERADA EN EL


CAMPO DE APRENDIZAJE CULTURAL BAGÜE

Los valores de la Evaluación Transmoderna aluden a generar


actitudes a la construcción de subjetividades y una nueva

48
racionalidad transmoderna (Mora, 2020), que pueda empoderar los
principios de la tolerancia, el respeto a la diversidad y el
reconocimiento de la alteridad (Mora, 2019). Temas que no son
nuevos en la historia de la humanidad, pues ya en los libros
ancestrales, como el Bhagavad Gita, de la India; el I Ching, de la
China (Sadlers, 2000); o bien, el Popol Vuh, en la cultura Quiché; o
la filosofía Náhualt (Portilla, 1956), ya estaban interiorizados
culturalmente. Sin embargo, el cartesianismo deformó nuestra
ancestralidad e impuso una racionalidad decolonial en la que la
evaluación dejó de ser un acto para la admiración del otro y la
mejora. En su defecto matematizó la vida cotidiana y buscó
homogeneizar los saberes antes que comprender que la diversidad
de saberes enriquecía el buen vivir. La racionalidad occidental
minó esos saberes populares e impuso una mirada inquisidora que
fue alimentando las tendencias curriculares con criterios
positivistas, particularmente controladores heredados del
mecanicismo, el conductismo y la inducción al control signado por
el enfoque Tayloriano de la Organización Científica del Trabajo
(Taylor), en la que el ser humano son “dos manos que trabajan”
(Chiavenato, 2006).
En nuestro trabajo recuperamos para la evaluación
transmoderna los saberes ancestrales inspirados en el Sumak
Kawsay, para hacer de la evaluación un acto de creación de lo
sublime, en convivencia con los saberes míticos; en donde se
conjuga lo ideal, lo hermoso, lo bueno, la auto-realización y la
antifragilidad (Taleb, 2012). El kawsay nos remite al retorno a la
vida digna, del buen vivir en armonía y equilibrio con la naturaleza
sujeto de derechos, pero también con los animales sujeto de
derecho como no humanos, así como, la convivencia con el mundo
de creencias en la que lo esotérico y la teúrgia tengan su espacio.
Esta comprensión está apuntalada desde la comprensión
Transmoderna (Dussel, 2016), en la cual se distancia del modelo
hegemónico occidental, eurocéntrico, y aniquilador de las culturas
regionales. Preciso en los saberes populares se encuentra la esencia
y punto de partida de la construcción de una evaluación

49
transmoderna que retoma la raíz fundacional de la emergente
construcción de una racionalidad alternativa, intercultural,
resiliente, y más aún diríamos, revestida de la antifragilidad.
El modelo imperial con su visión eurocéntrica impuso como
criterio únicamente válido la cultura universal, amparada en el
concepto kantiano de una historia universal, que sirvió de correlato
a la construcción de un modelo ideal de educación universal. Y, por
ende, una evaluación igual y única para todas las culturas, medida
con el instrumento de que lo no occidental debía exterminarse y
abortarse. Fue así como terminamos siendo un remedo de
occidente, y resultado de una cultura abortada.
En el contexto en el cual se genera la investigación, se busca
presentar la recuperación de una evaluación transmoderna que
valore y recupere la ancestralidad en el páramo de Sumpaz, el
páramo más grande del mundo, en el departamento de
Cundinamarca, Colombia. Esta arqueologización de subjetividades
decoloniales se fundamenta en el reencuentro de los saberes
ancestrales de la Ontología Regional Paramera, que convenimos en
denominarla, Sumapaz-ontología (Mora, 2023). Es en este escenario
que nuestra propuesta se entronca con el aporte del Campo de
Aprendizaje Cultural Bagüe (Bonilla; Beltrán, 2023), desarrollado
en la Universidad de Cundinamarca:

El Campo Cultural de Aprendizaje del Instituto de Posgrados de la


Universidad de Cundinamarca, el cual es un espacio de intercambio de
experiencias en los territorios de la mano con las propuestas formativas
de los programas de posgrados y a la luz del Modelo Educativo Digital
Transmoderno MEDIT, Modelo Educativo de la Universidad. Estas
experiencias se enmarcan en un resultado de aprendizaje que evidencia
la transformación de los participantes y que busca integrar prácticas
socioculturales o agroecoturísticas a partir de inmersiones en campo y
análisis de caso en las regiones de influencia de la Universidad de
Cundinamarca (Bonilla; Beltrán, 2023).

Esta experiencia de campo se conecta con la propuesta de la


Sumapaz-ontología (Mora, 2023), al integrar e interiorizar el

50
reconocimiento con de la Pachamama en el territorio del Sumapaz.
Este escenario de la pachamama está personificada por Bagüe, la
Madre Abuela, que es reverenciada en el cerro Quininí, escenario
del trabajo de campo “Ecocienciando el territorio Cerro Quininí”,
centro de la cosmovisión del reconocimiento de la Naturaleza como
sujeto de derecho.
El CAC bagüe incorpora los andamios mentales de los secretos
ancestrales del cerro Quininí, en el municipio Tibacuy,
Cundinamarca. El proceso de formación de Evaluación en los
valores emergentes en el Quininí, nos enseña una “Otra” inmersión
del convivir con la Diosa Madre naturaleza (Mora, 2023), inspirada
en el realismo mágico.
En este sentido, el maestro Gabriel García Márquez, en Cien
años de Soledad (1967), logra emancipar una nueva construcción de
las subjetividades decoloniales en la que la racionalidad
eurocéntrica es puesta en entredicho. Y así recupera otros valores
veritativos, que superan la tradicional nomenclatura binaria, de lo
verdadero y falso. Es una nueva verdad sometida la que nos deja
la idea de que las representaciones macondianas están más allá
del principio de no contradicción aristotélico y las lógicas
binarias. En el contexto latinoamericano y caribeño, no aplica esa
relación de condición necesaria, porque en el realismo mágico se
pueda dar el caso de que ocurra al mismo tiempo que A y no A,
sin que dejen de ser válidas. Es la presencia de la cultura de la
sensibilidad, de las estéticas decoloniales que se maceran a partir
del sentimiento, que en términos de Leonardo Boff (1982), se
fundan en el Pathos. Por eso somos más hijos del sentimiento que
del frio racionalismo cartesiano.
La lógica de lo real maravilloso, opera en una lógica ancestral
en la que lo inverosímil se torna real; lo que nos hace pensar que
estamos en presencia de criterios valorativos que debe incorporar
la evaluación transmoderna y que no están contenidos en la lógica
de la evaluación occidental. Es así como los modelos heredados de
la comprensión del tiempo abrahánico que pensaba que el futuro
estaba solo adelante, terminan por ser simplistas frente a la

51
diversidad las culturas ancestrales, en donde el tiempo
antropológico (Mora, 2006), no se mide por la linealidad, ni por
universalidad, ni por el criterio excluyente de pensar que son
modelos únicos de leer la existencia humana.
Es así como el modelo clásico del silogismo se fractura, pues la
premisa de que Sócrates sea mortal, puede ser ambigua en la
comprensión ancestral; pues pudiera ser, y al mismo tiempo
inmortal. Por eso en algunas culturas ancestrales como los
Yanomami, las cenizas del difunto son consumidas como alimento
para que sea la esencia perpetuada en las siguientes generaciones.
En Cien años de Soledad, se puede dar el caso de que a Remedios, la
bella, se la llevaron al cielo, sin ser elegida como la virgen sagrada
de la tradición católica. Y que Mauricio Babilonia, estaba destinado
a convertirse en una mariposa amarilla; en esa recreación
maravillosa que el “Gabo” nos regala para significar que somos una
cadena que nos conecta con la naturaleza y los animales. Somos
definitivamente mancondianos, en una lógica que para occidente
suena a una lógica del absurdo, irreal. Pero, precisamente esa lógica
es la que nos salva de la ecodepredación; si seguimos dependientes
del antropocentrismo estaremos en la línea de la extinción junto a
la cadena biológica.
Esta relación con la naturaleza tiene sus implicaciones en la
Evaluación Transmoderna, pues en los contextos caribeños y
latinoamericanos, no se pueden diseñar criterios unívocos y
unilaterales que no respondan a los contextos mentales de los niños y
niñas que profesan una comprensión del mundo diferente no solo con
occidente, sino a veces enriquecida por una pluralidad de saberes
regionales en las que se pueden juntar en una misma clase o escuela,
varias visiones ancestrales. Es así como, en la Universidad de
Magdalena, Santa Marta, Colombia, me encontré en una clase del
doctorado a un estudiante de los Mamos, que son guías espirituales
de los pueblos Arhuaco y Kogui de la cultura de la Sierra Nevada de
Santa Marta, y fue una interesante experiencia, porque en vez de
llevarle saberes occidentales, recibimos sus aportes ancestrales.
También en ese mismo curso, pude encontrarme con otro estudiante

52
que se confiesa herederos del “hombre caimán.” Y, que reclama ser
hijo de una ontología anfibia; es el caso, del trabajo empoderado por
Habid Mejía (2023, p. 5), llevado como propuesta de investigación
doctoral, en la que apunta:

En lo atinente a la cultura anfibia es imprescindible destacar lo que


sobre ella expresa el entrañable maestro Orlando Fals Borda (1979)
cuando señala que, la cultura anfibia se entraña una serie de
manifestaciones de conductas y comportamientos de gran
complejidad social, psicológica, aptitudinales y actitudinales donde
desplegamos nuestra esencia arraigada las creencias, realidades y
supersticiones de nuestra cosmovisión.

Este es el reto de la Evaluación Transmoderna, pues no se trata


de imponer, ni negar, ni siquiera inducir otros saberes alternativos,
so pena de cometer el tradicional proceso de aculturación. La
paradoja es que mientras nos encontramos con esta riqueza
intercultural, desde las propuestas de las políticas de Estado
todavía hay quienes pretenden unilateralmente imponer la
obediencia a la hegemonía de los cánones de la Organización para
la Cooperación y Desarrollo Económico (OCDE). Los cuales tienen
impactos negativos, aguas abajo en la escolaridad colombiana. De
hecho, las pruebas estandarizadas, que pueden ser validadas para
la cultura anglosajona, no fueron igualmente validadas para la gran
diversidad contextual colombiana, que puede decantarse en más
de 69 lenguas ancestrales, con sus correspondientes culturas.
La nueva domesticación del pensamiento y las pretensiones de
homogeneización colonialista entran por las pruebas PISA, pues se
pretende medir con el mismo vernier las lógicas divergentes en el
contexto colombiano. Las PISA son pruebas del Ministerio de
Educación para la Evaluación Internacional de Alumnos (PISA, por
sus siglas en inglés): “evalúa el desarrollo de las habilidades y
conocimientos de los estudiantes de 15 años a través de tres
pruebas principales: lectura, matemáticas y ciencias. La OCDE
aplica este examen estandarizado cada tres años, desde el año 2000,

53
y en cada una de las aplicaciones profundiza en una de las tres
áreas mencionadas (ICFES, 2016).” (Ministerio de Educación de
Colombia, 2023). Es necesario que emerja una evaluación
alternativa en la que se incorporen los criterios transmodernos, en
la que no se busque homogenizar ni universalizar la educación en
las comunidades regionales, y se pueda respetar la racionalidad
ancestral, afrodescendiente, rom, entre otras. Porque ese criterio ha
demostrado ser incompleto y determinístico.
En ese sentido, Michel Foucault, en su obra Nietzsche, la
genealogía y la historia (1971), nos aclara que no hay un ideal universal
de la educación, y que tampoco hay una única comprensión del
tiempo, y menos, una cultura única. Lo que es verdad para un
estudiante de origen ancestral U´wa en Boyacá (Colombia), no es lo
mismo, para un Mamo en la Sierra Nevada de Santa Marta
(Colombia); o bien, lo que es el fin (teleología) de la vida, para un
heredero del “hombre caimán”, en la cultura anfibia (Mejía, 2023),
pudiera ser diferente para un heredero del Sumapaz en su visión de
la herencia ancestral Panche (Ortega; Martínez, 2020).
Estas muestras que presentamos son solo referentes de una
investigación en proceso pero que nos remiten a la necesidad de
pensar Otra evaluación, que sea consistente y que respete las
culturas regionales. Pretender mostrar que solo hay un ideal
universal de la educación ha sido el gran error. Es un error imponer
un solo criterio de evaluación en el currículum, pues cada pueblo
recrea sus imaginarios sociales y tiene sus propias
representaciones. No se trata, por otra parte, de negar la
posibilidad de integrar una mirada intercultural, y en ese sentido,
alertamos que sería simplista apostar por las culturas únicas; en
este punto no caben ni los universalismos radicales ni los
nacionalismos y regionalismos xenófobos.
En este estudio, si bien se deben retomar las experiencias de
las tendencias curriculares de occidente, también son necesarias las
generadas por las herencias ancestrales; en eso consiste la
propuesta de una Evaluación Transmoderna. Esta pluridiversidad
en la que caben los enfoques diversos. Cada vez está más definido

54
que educar no consiste en atiborrarse de datos o de información, no
se trata de saturar las tesis doctorales con indicadores booleanos
que en poco o nada, conectan a los estudiantes con sus contextos.
Los transmodernos quiebran la Razón Ilustrada, en tanto que
la organización de la vida no está sujeta irremediablemente al
eurocentrismo; son un Anti-Edipo, en el sentido que Deleuze
denomina la superación “distintiva entre el hombre y la naturaleza
[…] ya no existe la distinción hombre-naturaleza. La esencia
humana de la naturaleza y la esencia natural del hombre se
identifican en la naturaleza […]” (Deleuze; Guattari, 1985). Porque
la lógica lineal no puede ser determinada por la geopolítica, es
necesaria una deconstrucción de la colonización del poder, del
saber y del ser. Los límites geográficos son construcciones
arbitrarias que violentan las mentalidades, los imaginarios sociales
y las raíces fundadoras ancestrales se conectan con 8000 años de
historia de los pueblos Muiscas. La determinación de los Estados
nacionales, un invento de la Modernidad fracturó las raíces
fundacionales de poblaciones milenarias. Por eso razón nos
preguntamos ¿Qué son 200 años de historia nacional, frente a los
8000 años de las raíces ancestrales de los Muiscas?
La evaluación transmoderna no solo impacta los imaginarios
sociales, sino que recuperan los engramas cognitivos de la
diversidad en los derechos humanos emergentes, teniendo como
referencia la Carta de Escazú (2022). Esta comprensión, incluso ha
sido abordada para evidenciar el agotamiento del modelo en
occidente. En ese caso, Han Byung Chul ha señalado que la
sociedad actual, es una sociedad del Cansancio (2012), que
comienza cuando el hombre de la modernidad tardía es reducido a
un Prometeo cansado, un ser agotado que se consume a sí mismo,
es una víctima y un verdugo a la vez; enajenado por la producción
infinita, termina siendo una víctima, inmersa en un suicidio
sistemático en la que la condena es la autoexplotación.
Por tanto, la evaluación transmoderna construye una mirada
contrahegemónica, decolonial, anti-establishment, para la cual
hemos arriesgado los conceptos de Pedagogía Apofática (Mora, 2020),

55
y Pedagogía Transmoderna (Mora, 2021), en la que se revisa el modelo
de crecimiento indefinido de occidente. Son imaginarios que se
rencuentran con las tradiciones ancestrales que vivían en equilibrio
de la naturaleza, en donde no se desperdiciaba nada, la
ancestralidad nos heredó una cultura biocéntrica que hemos
perdido y que nos resta recuperar.
Nuestras sociedades ancestrales fueron modelos del reciclaje,
de convivencia amigable con la naturaleza, del trato cuidadoso con
la Pachamama. El tiempo lineal del currículum de la modernidad
que busca homogeneizar y alinear los pueblos en función de un
universal anglosajón eurocéntrico es un error que debemos
evidenciar, y que es inducido a través de la estandarización en la
producción de conocimientos, según los criterios de indización de
las llamadas revistas top.
El espíritu del currículum transmoderno recupera la
mentalidad mágico-religiosa de las culturas ancestrales, y que ha
sobre vivido en parte, en la llamada medicina tradicional. Cada
cultura tiene un tiempo antropológico (Mora, 2006). La
temporalidad es la forma como las culturas organizaban el tiempo
en su encuentro con los imaginarios ancestrales, con los criterios más
apegados a las cosmogonías. Los antepasados leían las
constelaciones para para observar el momento oportuno de la
siembra y la tala, pero también el momento de la vida o la muerte.
Lo propio debería acontecer para el ejercicio del acto pedagógico.
Porque la temporalidad no es uniforme en todas las culturas, como
nos impuso la modernidad. La teúrgia que fue eliminada al decretar
La muerte de la metafísica y sabiduría popular deben regresar al
contexto educativo; por eso en la posmodernidad regresan los brujos
pero también regresa Dios (Naisbit; Aburdene, 2000).
Hay tiempos para aprender y tiempos para desaprender, lo
cual desmonta el ideal de la uniformidad y unicidad del saber
universal. Con las imaginerías ancestrales se enseñaba que hasta el
agua podría ser sembrada, o bien, que en creciente no se castran los
animales, y que la siembra es en menguante; o, que los rezos de los

56
curanderos son más efectivos si se hacen con magia blanca
(Lámbarri; Flores; Berenzon, 2012).
La evaluación transmoderna le apuesta a una dimensión
teleológica antifinalística, en la cual no hay un solo camino para
llegar a la meta; por eso, proponemos en la Evaluación
Transmoderna la desaceleración de los modelos occidentales. Es
una nueva racionalidad que construye subjetividades a un ritmo
diferente, se nutre de la naturaleza, imitando el caminar de tortuga,
incluso hay una propuesta de la Pedagogía del Caracol (Zavalloni,
2011); efectivamente, podríamos estar en una nueva mirada de las
pedagogías que alimentan el currículum y que nos alertan de la
inminente necesidad de hacer una reingeniería de la evaluación.
En nuestro caso, el tema de la evaluación transmoderna la
incorporamos en la misma tradición del currículum machadiano
(en alusión al poeta Antonio Machado 1875- 1939) que propone
Caminante no hay camino:

Caminante, son tus huellas el camino y nada más; Caminante, no hay


camino, se hace camino al andar. Al andar se hace el camino, y al
volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino sino estelas en la mar (Machado, 1912)

Machado nos recuerda que la vida es un camino que no está


marcado y, que no necesariamente estamos irremediablemente
condenados a repetir la huella trashumante, que cada ser humano
debe construir su camino, haciendo renaceres con los pasos de
nuestra existencia, marcamos los pasos y el destino que tomará
nuestra vida. Contrario a un pensamiento determinista, Machado
nos invita a innovar. La meta la ponemos nosotros mismos. Ese
camino que se hace al andar, es aquel que busca incorporar las
miradas interculturales, y no simplemente reproducir las lógicas
lineales; es un poco aquello que plantea Elliot Eisner (1987); en
donde son indispensables las representaciones para la construcción
del currículum: “La creación de una forma de representación no
sólo sirve como un medio para transmitir a otros las concepciones

57
que sostiene el individuo, sino que también proporciona a ese
individuo una información sobre los resultados” (Eisner, 1987).
Eisner, lo retomamos en Mora (2008), para apuntalar que: “El
Currículum para que pueda tener un nivel de predecibilidad y
aplicabilidad debe tener en cuenta las Formas de Representación
de una comunidad educativa y de una sociedad, pues son
´dispositivos usados por los individuos para hacer públicas las
concepciones que tienen en privado´ (Eisner, 1987, p. 84). “[…] Hoy
por hoy, el docente debe ser un actor y productor de ideología; por
eso no está irremediablemente sometido a ser reproductor del
currículo […]” (Mora, 2008). El currículum oficial es un referente
que debe ser contextualizado por los contextos interculturales,
incluso, cada clase se convierte en un escenario en donde nacen y
construyen representaciones que yacen en el currículum oculto, y
son una oportunidad para retomar los andamios mentales que
anidan en la cultura de resistencia ancestral, afro, rom, y las
tendencias del nuevo constitucionalismo latinoamericano.
Por tanto, implica resignificar no sólo el diseño curricular sino
el compromiso social y la misma comprensión del mundo, pues
desde la transmodernidad, el tema tiene efectos de rizoma; “es una
Pedagogía que enseña al revés, desacelerando, repedagogizando la
vida cotidiana, enseñando el desconsumo; es anti-establishment.”
(Mora, 2021). Es un currículum transmoderno rizomático,
atravesado por el aprendizaje rizomático que: “admite la
complejidad de la experiencia humana, la proximidad de las
personas, el proceso de aprendizaje más puro que se puede tener.
En esto, no es tanto la teoría del aprendizaje sino que es una
metáfora inteligente y precisa que describe el aprendizaje como que
no tiene ni principio ni tampoco fin. Se postura que los alumnos
tienen necesidades diversas y diferentes y que se deben tener en
cuenta para satisfacerlas sin importar lo noble o difícil que suene
esto.” En ese sentido, el Currículum Transmoderno Rizomático se
propone desacelerar los ritmos de los modelos educativos signados
por la competencia, la descalificación del más débil, y sobre todo,

58
por la aplicación sistemática de la dialéctica de negación por ser
diferente, aquel que sataniza al otro por ser diferente.
En conclusión, enfatizando en el contexto colombiano y
latinoamericano, queremos resignificar los andamios mentales
para una evaluación transmoderna, rizomática, decolonial, y
signada por una ontología regional a fin de recuperar los valores
ancestrales que propician comportamientos de la convivencia,
como es el caso de la MINGA (Mora; Correa, 2020); que se
consolida como forma de solidaridad sin estar mediada por
intereses crematísticos.
Los modelos eurocéntricos en la producción de conocimientos
(Mora, 2023), han sido sembrados para los saberes colonialistas,
habitan entre nosotros, y han negado estas formas de resiliencia
social. Generando la reproducción de la dominación. Tipificada en
el inconsciente colectivo por el complejo de bastardía o inferioridad
empleado por primera vez por el filósofo mexicano Leopoldo ZEA
en su obra América Latina: largo viaje hacia sí misma (1977), hace
referencia a la identidad latinoamericana, identidad que se mira en
el espejo de su mezcla y no logra asimilarse como lo que es: una
mezcla de culturas, europea, indígena y africana.
Es esa forma de hacernos sentir vergüenza por las formas de
organización alternativas “Los pueblos indígenas son
particularmente vulnerables ante los efectos del desplazamiento,
puesto que su cultura es especialmente dependiente de la tierra.”
(Mora; Barrera; Correa, 2021). Ellos, están apegados a la tierra, al
lugar donde enterraron sus difuntos, territorios que sólo les fue
reconocidos con la Constitución de 1991, en el caso de Colombia.
La evaluación transmoderna, decolonial y rizomática debe
empoderar los metadiscursos de la paz y la tolerancia, pero también
debe superar la violencia estructural inmersas en las patologías
sociales, especialmente el conflicto armado, el desplazamiento, la
trata de personas, el tráfico de órganos, la infiltración de sus
comunidades por clanes que desvían el uso ancestral de sus
plantaciones. La criminalización de las comunidades es otra práctica
que se remonta a modelos educativos instaurados desde la década

59
del sesenta con la doctrina de Alianza para el Progreso, en donde
progreso significaba parecerse a los países de la Triada (Kenichi,
1992). De allí la necesidad de que los Imaginarios Sociales recuperen
la construcción de subjetividades decoloniales, porque esa
resistencia tiene más de 500 años, pero nos ha faltado incluir en los
diseños curriculares la Decolonización del Saber.

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63
64
O CAPITAL FINANCEIRO E O NEOLIBERALISMO:
UM NOVO MARCO NA EXPANSÃO DO
ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

Matheus de Oliveira (UNILA)


Juliana Fatima Serraglio Pasini (UFRGS)

INTRODUÇÃO

O presente texto é resultado da elaboração do trabalho de


conclusão de curso em História Licenciatura, pela Universidade
Federal da Integração Latino Americana (UNILA), o qual busca
analisar as causas da expansão das Instituições de Ensino Superior
(IES), ao longo das décadas de 1990 e 2010. Possuindo em formas
gerais, o objetivo de compreender as dinâmicas e causas
responsáveis dessa expansão, tendo em seu objetivo específico,
entender o papel do Estado nesse processo. Em grande medida,
motivado pela importância dos arranjos da reformulação
institucional da educação superior no Brasil, que foi ancorada por
transferências dos fundos públicos às instituições privadas e suas
mantenedoras, por meio de programas como o Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), criado em
1999 e o Programa Universidade para Todos (PROUNI),
inaugurado no ano de 2004.
Como marco metodológico deste trabalho, tomamos a análise
documental como uma das possibilidades de investigação. Aqui,
entende-se “documento” como materiais escritos ou iconográficos
produzidos por sujeitos que viveram no momento estudado (fonte
primária) ou ainda, que foram coletados por sujeitos que não se
encontravam durante certo tempo, mas que fizeram o esforço de
coleta de dados, posteriormente (fonte secundária), (Godoy apud
Junior et al., 2021). Entende-se também, que ao fazer a análise, é

65
imperativo levar em conta, além da escolha do documento em si, o
contexto, a utilização e a função do documento, já que todos são
fundamentais para compreender os processos ocorridos durante a
produção dele (Flick apud Junior et al., 2021).
Essa escolha documental está diretamente atrelada à escolha e
delimitação do problema a ser estudado e faz parte da pesquisa,
como um apoio teórico para uma hipótese e/ou para os objetivos do
trabalho (Kripka; Scheller; Bonotto apud Junior et al., 2021). Em
paralelo a isso, utilizamos da análise bibliográfica de documentos,
seguindo a definição de Godoy (1995), estudando também fontes
secundárias como direcionamento teórico para a análise
documental. Deve-se perceber que foi estabelecido um método de
análise de dados estatísticos descritivo (Silvestre, 2007), em que os
dados são recolhidos a partir dos documentos, neste caso, as fontes
primárias.
Portanto, em primeiro momento, carece realizar uma
contextualização histórica, partindo do marco da disputa entre
capital e trabalho (Antunes, 2009), entendendo alguns elementos
como a crise do Welfare State e a diminuição do acúmulo de capital,
como expressão fenomênica da crise estrutural do capitalismo. Em
tal cenário, surge um conjunto de ideias que, juntamente com um
novo padrão de acumulação, reconfiguram os termos da relação
capital e trabalho. O neoliberalismo, como é intitulado tal
movimento, carece ser compreendido dentro de suas múltiplas
determinações.
De forma paralela, também é necessário captar o movimento
da mundialização do capital (Chesnais, 2001), na sua esfera
financeira, sendo a manifestação material dos ideários neoliberais
e de sua relação como os organismos multilaterais, em específico o
Banco Mundial, que orientou, direcionou e transformou os
sistemas educacionais dos países “em desenvolvimento”1.

1 Tal forma de classificação é utilizada por organismos internacionais para


descrever o padrão de vida de um país, neste caso o exemplificado é o do Banco
Mundial, que utiliza da noção de “em desenvolvimento” para todos aqueles
países com uma renda média ou baixa.

66
É perante esse contexto que as mudanças econômicas e
institucionais da educação advêm, de como os anos 1990 são
marcados como período de adequações institucionais para o
florescimento, na década seguinte, de um novo ethos educacional
cujas transformações não demonstram nenhum sinal de
desaceleração, por isso, se torna imprescindível perceber a
profundidade desses acontecimentos e quais foram seus
desdobramentos.

A ASCENSÃO DO CAPITAL FINANCEIRO E A HEGEMONIA


DO PENSAMENTO NEOLIBERAL

Condicionantes históricas da formação do neoliberalismo

Para qualquer definição coerente sobre o neoliberalismo,


primeiro é necessário fazer uma digressão histórica ao período
entre o pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a década de
1970. Nos países da centralidade do capitalismo o padrão de
acumulação e reprodução da vida material se caracterizava, como
um modelo industrial que era centralizado pela produção e o
consumo de massas, acentuando a divisão do trabalho, este não
qualificado, que contava com o uso amplo da mecanização. Isto é,
uma fragmentação das tarefas do trabalho, reduzindo-o ao
conjunto repetitivo de atividades, das quais somados resultam no
trabalho coletivo. Encontrando seu dinamismo produtivo na
massificação do padrão operário-massa e em avanços tecnológicos
que ampliaram essa padronização.
Tal padrão, denominado fordista2, reproduzia um arranjo social
que relegou ao Estado, o papel de regulador da disputa entre capital
e trabalho, forjando uma sociabilidade baseada no compromisso do
Estado em garantir segurança social e ganho social para a classe

2O nome advém de Henry Ford, fundador da empresa Ford Motor Company, que
desenvolveu uma dinâmica produtiva baseada na produção em massa, se
tornando o modelo produtivo dominante na primeira metade do século XX.

67
trabalhadora, como medida apaziguadora dessas tensões. Tal
arranjo, conhecido como Welfare State, ou Estado de bem-estar social,
foi reflexo da centralidade do operário-massa nas economias de
escala humanas, e por sua vez, o elemento contraditório que gerou o
seu esgotamento (Antunes, 2009; Barom, 2018).
É na década de 1970 que os países centrais do capitalismo
começaram a mostrar sinais de desaceleração de suas economias e
do esgotamento do padrão de acumulação fordista, podendo ser
apontado três elementos centrais. O primeiro foi resultado da
queda de produtividade do capital, por conta das lutas sociais que
ampliaram o preço da força de trabalho nas potências centrais,
ampliando a queda tendencial da taxa de lucro (Antunes, 2009).
Essa diminuição da acumulação de capital, por sua vez, gerou um
decréscimo na produção e nas taxas de investimento, que
pressionaram de forma negativa o aumento dos salários e
ampliaram as taxas de desemprego (Brenner, 1999). Tendo na
ruptura dessa relação salarial a gestação do segundo elemento, a
crise do Welfare State, que se acentuou por uma contradição interna,
dado pela incapacidade do Estado, dentro do molde fordista, em
acentuar o desemprego estrutural que levou a uma crise
inflacionária, visto que não houve a capacidade de realização do
capital, ou seja: a diminuição do consumo em relação à produção.
Isso, somado ao impacto que seria gerado no sistema de
seguridade social, agravou a situação fiscal, visto que, já existia
uma necessidade de transferência de parte da riqueza pública ao
setor privado, em razão do estancamento econômico (Antunes,
2009). O terceiro elemento se deu no surgimento de novas
tendências que se apresentaram frente ao esgotamento do padrão
de acumulação fordista. Uma delas se deu na esfera financeira, que
apresentava crescente autonomia, já que mostrava sinais de
alcançar um aumento nas taxas de lucro, dado que se iniciava uma
internacionalização da produção. Outra tendência, decorrente
dessa internacionalização e da disputa intercapitalista, era a
formação de outros padrões de acumulação e de dominação de

68
classe que mostravam caminhos de mitigação da crise estrutural do
capitalismo (Brenner, 1999).

Mudança no Padrão de Acumulação e a Mundialização

Os novos arranjos que sinalizavam essa reestruturação surgem


na transferência de setores produtivos importantes para além das
fronteiras nacionais, como forma de recompor as taxas de
produtividade. É a partir desse movimento de internacionalização
do capital que ocorre a recomposição do capital a partir de outros
termos, o da mundialização do capital financeiro. Esse novo padrão
de acumulação que, assim dito por Chesnais (2001), citando Marx
(2017), a finança tem como dinâmica o valor que valoriza o próprio
valor, ou seja, dinheiro que produz dinheiro, sem nenhum processo
produtivo que faça intermédio entre essas duas partes. Os juros e os
dividendos são os elos que geram essa valorização. É um sistema que
procura a maior mobilidade do capital, a lógica do capital portador
de juros necessita da expansão de sua base de acumulação,
procurando a maior rentabilidade e se movendo sem nenhum ônus
sobre os investimentos - uma procura insaciável pela liquidez.
Com base nessa máxima da internacionalização se constitui a
mundialização do capital. Nesse sentido, surgem diferentes
arranjos de organização do trabalho, entre eles o padrão de
acumulação flexível japonês3, que dotava de uma maior
racionalização do trabalho, requerendo um trabalhador mais
qualificado, disciplinado e multifuncional, que respondia com
êxito à introdução das tecnologias da informação no processo
produtivo. A recomposição da produtividade do trabalho ocorre
na intensificação da forma e do tempo do trabalho com o advento
desse trabalhador polivalente (Antunes, 2009).

3Conhecido também como toyotismo, é um modelo industrial que se baseia na


maior eficiência produtiva, com uma produção ancorada na demanda e na
polivalência do operariado.

69
A potencialidade vista pela mobilidade do capital financeiro e
o desenvolvimento de novas formas de organização do trabalho,
encontraram no deslocamento de setores produtivos aos países
periféricos, a solução de recompor a rentabilidade do capital e
superar as limitações do Welfare State. Podendo ser averiguado no
aumento de multinacionais, durante os anos 1980, da busca nos
países periféricos de custos reduzidos da força de trabalho,
mercados consumidores e matérias primas (Baron, 2018; Brenner,
1999). É nesse cenário que o capital internacional começou a
influenciar o espaço político desses países, procurando reduzir os
entraves da mobilidade desse capital financeiro

O neoliberalismo e as suas definições

O neoliberalismo como um movimento político-ideológico,


surge de forma reativa às políticas econômicas adotadas no Welfare
State, do pacto social entre capital e trabalho e da regulação das
relações de mercado. Esses foram objeto de crítica dos principais
intérpretes do pensamento neoliberal, como Friedrich Hayek4, na
sua obra O caminho da Servidão (1944) e Milton Friedman5, em
Capitalismo e Liberdade (1962), que em linhas gerais, alegavam sobre
os perigos da limitação das estruturas de mercado por parte do
Estado, alertando sobre as consequências da restrição das
liberdades econômica e política. O modelo de controle societal
promovido pelo Welfare State, através desse “novo igualitarismo”,
retirava o ímpeto concorrencial que era responsável pela

4 Nascido no então Império Austro-Hungáro em 1899, foi um importante


economista e filósofo, sendo um dos principais representantes da escola de
pensamento econômico austríaca, a qual retoma o liberalismo clássico e o
reconfigura para o século XX.
5 Economista estadunidense, nascido em 1912 na cidade de Nova York, foi

marcado por liderar a escola de pensamento econômica de Chicago, a qual


também reivindicava a reapropriação do liberalismo clássico, afirmando a
centralidade dos mecanismos de mercado como reguladores da sociedade.

70
prosperidade de todos. Até nesse sentido, alegavam a importância
da desigualdade, como reflexo de uma sociedade positiva.
Tais proposições não ganharam fôlego durante a 'Era de Ouro’
do capitalismo, das décadas de 1950 e 1960, porém, é a partir do
estancamento econômico que eclodiu nos anos 1970 que isso se
inverte. As afirmações do pensamento neoliberal sobre as causas
da crise econômica, do aumento do custo da produção industrial e
do gasto público em questões sociais que deflagraram processos
inflacionários ao reduzir os níveis de lucros empresariais, teve nos
sindicatos e movimentos operários os seus principais
perpetradores, em razão da constante reivindicação por aumentos
salariais e o aumento do gasto social por parte do Estado, que
começaram a ganhar notoriedade frente a proposição de rearranjar
os termos entre capital e trabalho, uma vez que, esses termos já
vinham se deteriorando (Anderson, 1995).
É aqui que se apresenta outra dimensão do Neoliberalismo, de
formato econômico, que ganhou palco na década de 1970, quando
teve as condições de se apresentar como uma alternativa concreta
ao keynesianismo6. O crescimento da esfera financeira e a ascensão
do padrão de acumulação flexível japonês sinalizaram a
necessidade de um novo arranjo institucional que amarrasse a
disputa capital e trabalho aos moldes dessas novas tendências, de
um Estado que fosse forte na estabilização dos fluxos monetários,
que para atingir tais objetivos seria necessário um grande controle
orçamentário, alvejando principalmente os setores de maior gasto
público e de maior intervenção estatal. A reestruturação do Estado
se tornava um imperativo:

6Doutrina econômica formulada pelo economista britânico John M. Keynes, tendo


na obra A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), a fundamentação
basilar do seu pensamento, que em contraposição à visão liberal neoclássica, dá
ao Estado um papel central no desenvolvimento e controle da economia.
Utilizando da noção dos ciclos econômicos não serem autorreguláveis,
necessitando da intervenção de um ente externo, neste caso o Estado.

71
A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer
governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com
a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natural’
de desemprego, [...] reformas fiscais eram imprescindíveis, para
incentivar os agentes econômicos. [...] reduções de impostos sobre os
rendimentos mais altos e sobre as rendas (Anderson, 1995, p. 2).

Tal reformulação ganha concretude ao longo das décadas de 1970


e 1980, a experiência mais significativa, a primeira na centralidade do
capitalismo e ilustrativa do modelo neoliberal, foi na Inglaterra com a
ascensão de Margaret Thatcher ao cargo de primeira ministra no ano
de 1979. Um regime político marcado por grandes transformações que
alinhou a Inglaterra para a nova divisão internacional do trabalho, ou
seja, a destruição do compromisso do Estado na disputa entre capital
e trabalho. Agindo para reduzir o impacto do setor produtivo estatal,
através da privatização das empresas estatais e expansão do setor de
serviço privado, em mesmo sentido restringiu a emissão monetária,
ampliando as taxas de juros e retirando o controle sobre os fluxos
financeiros. A soma desses fatores acarretou em uma enorme massa
de desempregados e, com o processo de dissolução do Estado
regulador, foi preciso desenvolver legislações que desregulamentam
as condições de trabalho, flexibilizando os direitos sociais e criando
um conjunto de normativas que constrangiam as ações sindicais
(Antunes, 2009; Anderson, 1995).
Apesar do desmanche do tecido social, o neoliberalismo na
Inglaterra atingiu seus objetivos iniciais, como o controle da inflação e
aumentos das taxas de lucro empresariais, consequência direta do
aumento do desemprego. Todavia, não teve sucesso em atingir seu
resultado final, o aumento das taxas de desenvolvimento econômico,
em razão do impacto da abertura irrestrita dos fluxos financeiros que
geraram uma inversão de prioridades, a dimensão especulativa se
tornou mais interessante que a produtiva. Outro elemento é a carga
que a desestruturação da vida social gerou ao Estado inglês,
ampliando e não diminuindo, o gasto social, demonstrando que,
apesar dos ataques ao Welfare State, ele não teve uma grande redução

72
(Anderson, 1995). Com esses resultados econômicos não otimistas, os
ideólogos neoliberais continuavam a replicar que as causas desse
fracasso eram pelo "inchaço" do Estado. Portanto, o neoliberalismo só
há de florir nas ruínas do Welfare State - o Mercado tornando-se
regulador da relação capital e trabalho, relegando ao Estado a função
de observador.

Neoliberalismo na América Latina

O neoliberalismo como modelo econômico ganhou maior


relevância no governo de Thatcher, na Inglaterra, porém é no Chile
que ocorre a sua primeira experiência concreta, com a tomada do
poder pelo ditador Augusto Pinochet (1973), sendo replicada
posteriormente em terras britânicas. Nesse primeiro momento o
neoliberalismo surge com traços antagônicos ao socialismo,
representado pelo então presidente chileno Salvador Allende (1971-
1973), atrelado a uma política econômica que teve como principal
meta conter a hiperinflação, seguindo uma cartilha parecida de
aumento de desemprego, fruto da desregulamentação do trabalho,
repressão dos movimentos operários e privatização dos bens públicos
(Anderson, 1995). Porém, diferente dos países centrais do capitalismo,
não existia um sistema de seguridade social robusto como o do Welfare
State, deflagrando um desarranjo do tecido social muito mais intenso
do que o experienciado na Inglaterra.
Entretanto, é na virada da década de 1990, que o
neoliberalismo ganha dimensão continental na América Latina,
com a subida ao poder de diversos presidentes que assumiram
políticas econômicas neoliberais, como: Salinas (1988), no México;
Menem (1989), na Argentina; Pérez (1989), na Venezuela; Fujimori
(1990), no Peru; e Collor (1990), no Brasil (Anderson, 1995). Apesar
das mudanças presidenciais, em quase todos os casos, foram
mantidas as agendas neoliberais até os anos 2000 e seguintes. Uma
exceção, foi o caso venezuelano.
O resultado não foi muito diferente do constatado na experiência
inglesa, assim como aponta Baron (2018), parafraseando Freitas

73
(2003), o caso latino-americano foi marcado por um aumento da
desigualdade social, favelização das cidades, restrição dos direitos
trabalhistas e do aumento do investimento e consumo de bens
internacionais em detrimento dos nacionais. Mesmo que parecida a
dinâmica de fratura do tecido social, existiu um elemento que
agravava esse panorama: o da mundialização do capital financeiro
que corroeu as capacidades produtivas dos países periféricos, esse
avanço da competição intercapitalista, com o avançar da pesquisa e
do desenvolvimento tecnológico, tinha por tendência desmontar e
desestruturar essas capacidades, intensificando o grau de
subordinação desses países (Antunes, 2009).
O modelo neoliberal é marcado por uma intensificação das
desigualdades sociais e da doutrina do controle orçamentário como
forma de aumentar as taxas de lucro empresarial, no caso latino-
americano, parte desse montante vai para os fluxos de capital
internacional. Porém, apesar de resultados econômicos débeis, o
neoliberalismo mostra grande resistência no campo político e
ideológico como modelo de dominação de classe, de tal sorte que,
constituiu-se como a forma dominante na disputa entre capital e
trabalho, não tendo no horizonte próximo, nenhuma perspectiva
concreta que consiga impedir o seu avanço.

AS DETERMINAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA O


ENSINO SUPERIOR NOS PAÍSES “EM
DESENVOLVIMENTO”, E SUAS INSERÇÕES NO BRASIL
(1990-2010)

Os organismos multilaterais agem como alavanca para esse


modelo econômico e político-ideológico. Um deles é o Banco
Mundial, fundado em 1944 na Conferência de Bretton Woods7, que

7Conjunto de acordos que criaram as bases para a comercialização de mercadorias


e ativos financeiros em âmbito internacional no período posterior à segunda
guerra mundial até os anos de 1970, procurando estabelecer um equilíbrio entre
as moedas de cada país, além de criar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Mundial (BM).

74
teve como função inicial a reestruturação das economias dos países
afetados pela Segunda Guerra Mundial na Europa, e que
posteriormente, no crescimento das tensões com o bloco soviético,
foi usado como instrumento de incorporação do Terceiro Mundo
para o bloco capitalista (Silva; Azzi; Bock, 2008). Nos anos 1950 a
1970, o Banco Mundial se tornou um sustentáculo do
desenvolvimento econômico desses países através de empréstimos,
incentivando políticas industriais, a entrada no sistema de
comércio mundial e em investimentos nos setores sociais. Todavia,
é nos anos 1980, com a crise do endividamento dos países terceiro
mundistas que o Banco Mundial aumenta sua influência, quando
se coloca como negociador e garantidor do pagamento das dívidas
externas a partir de certas concessões políticas e ajustes estruturais
nas economias desses países. Indo desde a abertura comercial, as
privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho e
reforma do sistema educacional (Silva; Azzi; Bock, 2008), tendo
neste último elemento, a concessão que nos cabe maior foco, da
necessidade de um organismo multilateral em definir os
direcionamentos da Educação de um país, cuja premissa é ser
autodeterminado, e se colocando como instrumento de uma
introdução forçosa a essa internacionalização.
Por quais razões se torna necessário uma reforma educacional
e quais seriam os argumentos elencados pelo Banco Mundial?
Podemos encontrar pistas nos seus relatórios que tangem a questão
educacional nos países “em desenvolvimento”. Um deles é o
Financing Education in Developing: A Exploration of Policy Options
Countries (1986), que traz a crítica sobre os métodos de
financiamento do sistema educacional, que está vinculado à
capacidade orçamentária do Estado de contar com um ambiente
macroeconômico favorável para sua expansão. Essa argumentação
surge, segundo o Banco Mundial, na diminuição do gasto público
em resposta às recessões econômicas mundiais, no qual a educação
perdeu relevância na disputa orçamentária, em um cenário de
aumento das demandas de serviços educacionais. De forma
paralela, tal situação é agravada pelo uso ineficiente desses

75
recursos, questionando a divisão de gasto entre a educação
primária, secundária e terciária.
Visto que, o ensino superior possui muito peso no orçamento
e detém um número baixo de estudantes, configurando um uso
ineficiente desses recursos. Em um ambiente de escassez é preciso
mudar a forma do gasto público, priorizando setores que geram
mais retorno social e uma administração pautada na eficiência da
alocação de recursos, tornando-se necessário retirar as assimetrias
do sistema educacional, buscando maior equidade e outros
métodos de financiamento.
Nesse sentido, é proposto um pacote de mudanças centrado
em premissas como a realocação de recursos e a recuperação
parcial dos gastos, expressas nessas medidas: a recuperação do
custo investido no ensino superior; priorizar níveis educacionais
que geram maior retorno social; o desenvolver de um mercado de
crédito e um sistema de bolsas estudantis, preferencialmente no
ensino superior; e o último, a descentralização do controle estatal
nas instituições de ensino e no incentivo do crescimento de
instituições privadas (World Bank, 1986).
Já no primeiro relatório é possível observar a importância
dada pelo Banco Mundial ao ensino superior para a reformulação
do sistema educacional. É por meio da abertura dos seus modelos
de financiamento que foi possível retirar do Estado, parte da carga
orçamentária e realocar para níveis da educação que geram maior
retorno social.
O segundo relatório, Higher Education: Lessons of Experience
(1994), delineia quais políticas devem ser exploradas e fundamenta
alguns direcionamentos norteadores:

(i) Encouraging greater differentiation of institutions, including the


development of private institutions
(ii) Providing incentives for public institutions to diversify sources
of funding, including cost-sharing with students, and linking
government funding closely to performance
(iii) Redefining the role of government in higher education

76
(iv)Introducing policies explicitly designed to give priority to quality
and equity objectives (World Bank, 1994, p. 26).

Em síntese, todos esses apontamentos sinalizam uma


reconfiguração do ensino superior, estruturado pela relação
autônoma entre estudantes e as IES, recaindo a eles a capacidade
decisória de seus rumos. É a agudização de ideais mercantis, dos
quais emulam a dinâmica entre “consumidor” e “fornecedor”,
cabendo às IES o anseio da competitividade interinstitucional para
atrair esses novos “consumidores” e dos estudantes de decidirem
em quais instituições podem estudar. Porém, para que haja
sustentação é necessário criar estruturas que garantam a autonomia
de escolha dos estudantes e das instituições. Surge assim, a
fundamentação por trás desses norteamentos, a alternância dos
esquemas de financiamento é o marco fundamental para que
ocorra essa reformulação, representado pela máxima: liberdade
econômica é geradora de autonomia.
Essa constatação pode se dar de formas distintas, por exemplo,
para as IES públicas é de mobilizar maiores recursos privados,
através do compartilhamento de custo com os estudantes, cobrança
de mensalidades, doações dos graduandos e atividades geradoras
de renda, como pesquisa e consultoria. No entanto, para não gerar
uma distorção no acesso, e desenvolver a autonomia dos
estudantes, é preciso desenvolver um sistema de bolsas, baseando-
se no mérito e na condição socioeconômica, e em esquema de
empréstimos estudantis para alunos carentes. Todos esses
mecanismos, segundo o Banco Mundial, são para corrigir os
problemas do financiamento centralizado na figura do Estado, que
cria distorções e privilegia o acesso a um grupo restrito da
população. Essas novas formas de financiamento buscam superar
a desigualdade do acesso, dando maior equidade ao sistema.
Em linhas gerais, os relatórios repensam o papel do Estado na
sua relação com a educação, a tal ponto que, retira a sua
centralidade e propõe outra sistematização, essa orientada pelos
mecanismos de mercado. Junto a essa transformação, também

77
surge uma nova perspectiva de Educação, assim como aponta
Laval (2003), é crescente a orientação do conhecimento na atividade
econômica, portanto se desenvolve um modelo educacional que
renega a importância do conhecimento cultural, político e social
para uma que valoriza apenas a dimensão econômica. Em essência
esse projeto de reforma é a adequação do Estado e da Educação aos
moldes da mundialização do capital, que usa da formatação
ideológica do Neoliberalismo como motor de propagação desses
ideais. Nesse sentido, na mercadorização de todas as dimensões da
vida, a educação, nesse arranjo, se torna mais um bem privado.
Cabendo a nós descobrirmos como essas dinâmicas adentram o
território brasileiro e quais são seus impactos no sistema
educacional, em específico, no ensino superior.

A década de 1990 como período de conformação de uma nova


institucionalidade educacional no Brasil (1990-2000)

A entrada dos ideais neoliberais em território brasileiro está


relacionada com a movimentação de reforma do Estado8, visto que
essa surgiu como medida para acabar com as crises inflacionárias,
que assolavam o Brasil, desde os anos 1980, e prosseguiram para a
década de 1990. Para isso, era preciso repensar o papel do Estado,
colocando na mundialização a possibilidade de superação desse
quadro. Portanto, na década de 1990 inicia-se um processo de
adequação do Brasil às mudanças internacionais, da mundialização
do capital na formatação de reforma do Estado.
Isso nos dá a possibilidade de repensar os termos usados para
compreender esse período transitório entre os anos 1980 e 1990, a
primeira década como um período transitório entre o modelo
desenvolvimentista latino-americano, tendo nesse período sua
maior crise, conhecido como a “Década Perdida”, a segunda que é

8Tal mobilização é apresentada no documento Plano Diretor da Reforma do Aparelho


do Estado (1995), encabeçada pelo então Ministro da Administração Federal e
Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira.

78
o momento de preparação para a modernização, seguindo a
“tendência global” - do arcaico e ultrapassado, para o moderno
(Baron, 2018). Apesar do neoliberalismo já ganhar projeção com a
eleição Collor (1990-1992), ocorrem algumas transformações, a que
cabe atenção, aqui, a abertura de fluxo de capitais internacionais e
a desregulamentação financeira promulgada pelo Banco Central
em 1992. Sendo com a subida de Fernando Henrique Cardoso
(FHC) ao cargo da presidência em 1995, marcando um dos
principais eventos na guinada das políticas neoliberais no Brasil,
declarando a sua principal volição a da “modernização”
institucional, privatizações e abertura parcial da economia
(Paulani, 2006). Sinalizou-se assim, um importante momento de
mudanças nos rumos da educação brasileira.
Porém, a década de 1990 não inaugura o ideal de Educação
como um bem privado, isso foi herança da lógica educacional pós-
secundária do período da ditadura empresarial-militar (1964-1988),
que já se encontrava em “um avançado processo de
mercantilização do ensino” (Seki, 2021, p.3). O que ela representa é
a intensificação desse processo e que a sua realização foi pensada
nos termos da financeirização. Assim, a abertura democrática
brasileira efetivada pela formação da Constituição Federal
Brasileira (CF) de 1988, não tocou na trajetória elitista do ensino
superior e até mesmo a continuou, como apontado por Chaves e
Amaral (2019), a CF de 1988 vincula o financiamento da educação
como um dever do Estado, com recurso dos fundos públicos, das
famílias, no pagamento de mensalidades, e na colaboração da
sociedade, na interação com empresas e indústria. No caso do
ensino superior, afirmam um grau maior de subjetividade, pois ela
apresenta que o acesso a níveis maiores da educação é dado a partir
da capacidade de cada sujeito.
O cenário que se apresenta entre os anos 1990-95 das IES é,
segundo o documento de Evolução do Ensino Superior - graduação
1980-1998 (INEP, 2000), de um crescimento modesto dos números
de matrículas, com uma taxa média anual de 2,8%, numa divisão
entre matrículas das IES públicas de 37,5% e das IES privadas de

79
62,5% no ano de 1990, porém 5 anos depois é aferível o aumento
das matrículas das IES públicas em 3% quando comparada às das
IES privadas. Isso ocorre, em grande medida, pelo crescimento
negativo das IES privadas nos anos de 1991-92, chegando a -5,5%
quando comparado ao ano de 1990. Ainda que advindo de um
quadro econômico complicado, o ensino superior privado compõe
a maior parte desse nível da educação, não demonstrando
nenhuma mudança nesse cenário, visto que, já em 1994 ocorre a
retomada de seu crescimento.
Entretanto, isso alcança novas projeções com a aprovação da
Lei nº 9.394/1996, definidora das diretrizes e bases da educação
nacional (LDB), indo a favor das diretrizes internacionais,
promovendo medidas como: aumento do crédito estudantil,
incentivo ao crescimento de instituições privadas, estímulo às IES
públicas a procura de financiamentos no setor privado, junto com
um contingenciamento em seus recursos do setor público e de
transformação dos seus processos de gestão e regulação. A
LDB/96 propulsionou o crescimento do setor privado ao legalizar
instituições educacionais com fins lucrativos, liberalizando a
oferta educacional para a iniciativa privada (Chaves, 2010). Ao se
deparar com o crescimento das IES privadas no período pós-LDB
é possível ver seus impactos: enquanto a taxa de crescimento das
matrículas chegou a 10% entre os anos de 1990-95 a das
instituições privadas foi de -1,7%. Quando comparado ao período
entre 1996-00, as matrículas tiveram um acréscimo de 59,5% e as
instituições privadas, um aumento de 41,2% (INEP, 2000; INEP,
2001). Em termos gerais, essa explosão de IES privadas é
resultante da inserção de uma nova perspectiva educacional, da
relação mercantil do ensino. Entretanto, esses resultados são uma
relação da LDB/96 com outros decretos e leis que intensificaram
esse cenário.
Logo, três legislações complementares levaram destaque nessa
expansão: o decreto nº 2.306/97, que aumenta a flexibilidade das
instituições superiores, deflagrando uma brecha do princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (Dourado,

80
2002), uma das premissas reconhecidas pela CF de 88; a Lei nº
9.870/1999, que libera “a abertura de capital e operação na bolsa de
valores de empresas do setor de educação superior” (Brettas, 2019,
p. 12), por último, a criação do FIES através da Medida Provisória
nº 1.827/1999, que mudava o funcionamento do crédito estudantil,
atrelando os pagamentos as IES por certificados federais de dívida
contra o Tesouro Nacional, que eram contabilizados diretamente
nos caixas, de forma líquida, dessas instituições (Seki, 2020). Em
outros termos, foi o uso da dívida pública como garantia de ganhos
que possibilitou a expansão do ensino superior privado.
Mesmo com a participação direta do Estado brasileiro na
expansão das IES privadas, é possível pensar que essa pulsão foi
igualmente intensa no crescimento das IES públicas. No entanto, o
cenário se apresenta como outro, isso porque não houve uma
política de ampliação do financiamento público, de forma contrária
houve um recrudescimento dos recursos públicos, em específico
para Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), isso foi em
razão da falta de elaboração de um Plano Nacional da Educação
(PNE) pós-LDB, que vinculasse despesas das instituições ao da
arrecadação da União, algo que é evidenciado pela dissincronia
desses dois elementos em relação à distribuição dos recursos
públicos (Chaves; Amaral, 2019), implicando a falta de uma política
pública que alinhasse o crescimento econômico do país com a
expansão da oferta do ensino superior público.
Nesse sentido, o processo de mercantilização é acelerado por
outro direcionamento da União, na forma de instaurar uma nova
institucionalidade na educação, pautada pela racionalização de
recursos. Nessa articulação, o Estado passou a ser um ente
regulador e controlador dos serviços educacionais, através da
criação de instrumentos avaliativos e de credenciamento. Todavia,
já era possível ver implementações dessa sistematização em
momentos anteriores à aprovação da LDB/96, exemplificado:

[...] Lei nº 9.131/95, que regulamentou o Conselho Nacional de


Educação e instituiu avaliações periódicas nas instituições e nos

81
cursos superiores, resultando, desde a edição da Portaria nº 249/96
do MEC, nos exames nacionais de cursos (ENC-Provão); o Decreto
nº 2.026/96, definindo os procedimentos para avaliação das
instituições de ensino superior e dos cursos (Dourado, 2002, p. 242).

Tais processos avaliativos e a configuração arbitrária de seus


critérios fomentam a competitividade entre as IES, inserindo um
mecanismo capaz de alterar os processos administrativos das
instituições e realinhando seus horizontes. Isso é dado na
reconfiguração da cultura institucional norteada por critérios
mercadológicos de disputa e do aumento da produtividade, uma
forma do Estado mediar essas concorrências e controlar os
processos de gestão e regulação das instituições, visto que é ele que
define os padrões de qualidade e os “vencedores” dessas disputas
interinstitucionais.
A década de 1990, em particular o período pós-LDB,
configurou um alinhamento do Estado brasileiro com as diretrizes
internacionais promulgadas pelos organismos multilaterais.
Consequência de uma conjuntura que uniu elementos históricos,
políticos e econômicos, que permitiram uma maior capilarização de
discursos de “mudança das coisas”, que assumiram nesse contexto,
a forma de Reforma do Estado e da Educação, lançando para a
próxima década um panorama que aponta para a continuidade da
expansão do setor privado no nível terciário da educação.

A primeira década do milênio e a continuação do projeto


neoliberal (2001-2010)

A primeira década do novo milênio começou em ritmo


acelerado, uma nova era que trazia consigo novas possibilidades,
marcada por disputas antagônicas de visão de Mundo, porém na
prática não se mostraram fortes o suficiente para romper com as
tendências que surgiram na década passada. O milênio começava
em meio ao segundo mandato de FHC (1999-2002), que continuou
sua agenda de reforma do Estado, recrudescendo as metas de

82
inflação e fiscais. Logo em seguida, viria a eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva (2003-2010), que sinalizava a retomada de outra
perspectiva educacional, pautada em uma formação cidadã, visto
que sua eleição foi fruto de movimentações populares e do campo
intelectual da esquerda. Entretanto, no que tange às políticas
educacionais do nível superior, sua ação foi de continuidade e
manutenção das políticas neoliberais.
Retomando ao começo da primeira década, a LDB/96
determinou a necessidade de criação de uma PNE pela União,
indicando diretrizes e metas a serem alcançadas, com elaboração da
sociedade civil e órgãos governamentais, como o Ministério da
Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (Dourado, 2002). Porém sua
efetivação ocorreu apenas com a Lei nº 10.172/01 e seu prazo de
vigência foi entre os anos 2001 a 2011, um marco para essa década
de manutenção das políticas neoliberais, reafirmando as diretrizes
da LDB/96 e lançando metas inalcançáveis, se expressando na meta
estabelecida pelo PNE (2001), de alcançar uma oferta de 30% para as
faixas etárias de 18 a 24 até 2010. Um objetivo difícil de ser alcançado,
visto que, em 2000, segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) (2014), chegava apenas a 9,1%.
A falta de direcionamento e de incremento dos esquemas de
financiamento educacional questiona a possibilidade de alcançar
tais objetivos, afirmado no veto ocorrido no governo de FHC em
vincular 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para o financiamento
da educação, veto esse, que não foi discutido pelo governo Lula. O
recurso gasto com o ensino superior era de 0,8% do PIB em 2010,
mantendo essa média de gasto desde os anos 2000 (Chaves;
Amaral, 2019), apresentando um cenário pouco provável do
financiamento público alcançar a meta prevista até o final da
vigência do PNE.
É nesse cenário, de estagnação do investimento público, que
políticas como o FIES e o PROUNI se apresentam como modelos
capazes de expandir o acesso ao ensino superior, em meio à junção
da iniciativa privada e dos fundos públicos. O PROUNI é um

83
programa de concessão de bolsas de estudos integrais e parciais
criado por meio da Medida Provisória nº 213, no ano de 2004,
idealizado pelo governo federal no primeiro mandato do
presidente Lula (2003-2006). Sua articulação visa a isenção fiscal
das IES privadas como mecanismo de estímulo para a criação de
bolsas e também como modo de preencher as vagas ociosas nas IES
privadas, por conta da insuficiência do crédito estudantil (Seki,
2020; Bretas, 2019).
A convergência de uma política de crédito estudantil (FIES),
que garantiu as mantenedoras e as IES privadas balanços contábeis
positivos, por meio de certificados da dívida pública, que por
definição da União deveriam ser usados apenas para fins
previdenciários e de tributos federais, e uma política de criação de
bolsas de estudo (PROUNI), realizada a partir de isenções
tributárias, aparentam ser políticas dissonantes, ambas focadas no
mesmo princípio, o de incentivo fiscal. Ainda mais quando
contrastado que o FIES começou a conceder financiamento aos
estudantes que recebiam bolsas parciais (50%) do PROUNI
(Gemaque; Chaves, 2010), a partir de 2005. Entretanto, o que, em
primeiro momento, aparenta ser uma incongruência, é na realidade
um cenário mais complexo com um planejamento mais elaborado,
precisamente quando relacionada com a abertura, entre os anos de
2007 e 2010, da comercialização dos títulos da dívida pública,
advindos do FIES, em praças financeiras. A união dessas duas
políticas gerou, em seu duplo movimento de acúmulos e
desonerações, um panorama na qual as IES privadas conseguiram
crescer seus montantes de certificados da dívida pública, os
inserindo como indexadores de seus valores no mercado, ou seja,
um crescimento de seus valores de mercado por meio dos fundos e
subsídios públicos (Seki, 2020).
Nesse sentido, o direcionamento das políticas educacionais
apontam a ampliação do setor privado como objeto central para o
alcance das metas propostas pela PNE, embora tenham ocorrido
medidas do Estado brasileiro como o de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais (REUNI), criado em 2007, pelo Decreto

84
nº 6.096/07, sendo um programa de expansão e reestruturação da
educação superior federal, que incrementou o orçamento de forma
considerável, usando a premissa de melhorar o aproveitamento
dos recursos humanos e das estruturas físicas já existentes, foi ao
mesmo tempo, um reforço do princípio de reforma das lógicas
administrativas de adentraram a educação terciária na década
passada (Gemaque; Chaves, 2010).
Dentro desses múltiplos movimentos, o incentivo ao setor
público se torna pálido em comparação ao do setor privado, isso é
corroborado na continuação do crescimento das matrículas e da
criação de novas instituições privadas ao longo da década de 2010.
Comparando às taxas de matrículas e a ampliação de IES entre os
anos 2001 e 2010, as IES privadas tiveram um aumento de 126,5%
das taxas de matrículas e de 73,8% em relação a quantidade de
instituições, que quando comparada ao setor público, para cada 1
IES pública, existem 7,5 IES privadas. Isso implica em um aumento
da capilarização da esfera privada na educação superior, enquanto
que nos anos 2001 a proporção de matrículas era de 31,1% para as
públicas e 68,9% para as privadas, em 2010 essa diferença se
estendeu em mais de 5%, fazendo com que as IES particulares
representassem 74,2% do número total de matrículas neste ano.
Mesmo com programas como o REUNI, que expandiram o número
de IES públicas, um acréscimo de 51,9% (2001-10), com uma
expansão considerável de suas matrículas, em volta de 75% (2001-
10), não foi possível reverter esse cenário (INEP, 2012).
Em grande medida, o perpetrador desse processo de
ampliação da dimensão privada no ensino superior é o Estado
brasileiro, mesmo atravessado por governos presidenciais com
visões antagônicas, essa dinâmica não teve nenhuma
desaceleração, pelo contrário, são claras as evidências de seu
ímpeto e momentum. A reversão desse quadro se mostra bastante
difícil, uma vez que, é ainda necessário compreender os impactos
dessa proliferação, saindo de métricas como o número de
matrículas e instituições, buscando outras perspectivas que
mostram com mais clareza outras dimensões afetadas por essas

85
políticas educacionais. Em suma, um balanço dos impactos de
quase 20 anos sobre o regime neoliberal e quais legados ele deixou
para o Brasil.

OS RESULTADOS DE 20 ANOS DE POLÍTICAS NEOLIBERAIS


NO ENSINO SUPERIOR

A mercantilização da educação pode ser pensada como o


principal motor dessas transformações que ocorreram ao longo de
duas décadas, o resultado de conexões mais profundas vinculadas
às transformações estruturais do capitalismo. Em momentos de
crises, o Capital apresentou uma resiliência e capacidade de
transformação impressionante, não obstante, as mudanças nessas
décadas foram pautadas pela intensificação da exploração da força
de trabalho e de um rearranjo institucional do Estado para
comportar a expansão do capital, que entrou em sua forma
mundializada. Nesse processo, estruturas de pensamento voltadas
ao desenvolvimento nacional se transformaram em obsoletas,
trazendo à tona uma necessidade de se encaixar nesse mundo
agora mundializado.
Esse movimento transmuta todos os aspectos da vida material,
subjugada pela dinâmica do capital financeiro, em que a Educação
como princípio e ação não saiu ilesa. Se os anos 1990 foram o
período de nascimento de um novo ethos educacional, a década de
2010 foi o período em que ele amadureceu. O modelo neoliberal de
ensino é objetivado por transformações baseadas na produtividade
e na competitividade, centrada numa gestão educacional de
controles e objetivos padronizados (Laval, 2003). Ou seja, um
padrão educacional voltado para formar uma classe trabalhadora
que esteja alinhada com o regime de acumulação flexível, do
trabalhador polivalente, responsável por suas próprias decisões,
com competências comunicacionais e adaptativas. Portanto, uma
Educação pautada exclusivamente na existência da vida humana
subordinada à vida profissional. Não é indiferente que, a expansão
das IES tenha focado apenas na dimensão do ensino, com as

86
faculdades compondo 85,2% do número total de instituições no ano
de 2010 (INEP, 2012), e relegando as áreas de pesquisa e extensão.
De tal sorte, que a negação dessas outras dimensões deu aos
estudantes um processo educacional débil, restringindo o ensino
superior ao papel de garantidor de uma profissão. Entretanto, tal
formação débil não impactou apenas os estudantes; aos docentes,
lhe são atribuídos outra gama de desafios no exercício de suas
profissões. Ao longo da década de 2010, foi possível observar uma
degradação das condições de trabalho dos professores no nível
superior. Isso ocorreu por meio da expansão do setor privado que
prioriza um regime de contratação de tempo parcial e por hora,
intensificado pelo aumento da relação docente/aluno. No ano de
2001, para cada 1 professor existiam 13,8 alunos, no entanto, esse
número chegou a 18,5, em 2010 (INEP, 2012). A intensificação da
exploração do trabalho docente se vincula à crescente privatização
da esfera educacional e da transformação do professorado em
apenas “componentes abstratos dos dados de eficiência e de
performance sobre os capitais investidos” (Seki, 2021, p. 52). Nesse
sentido, os professores se tornam ativos financeiros que são
valorados na sua capacidade de retenção do alunato.
A mera compreensão da mercantilização da educação também
não consegue nos apresentar o panorama geral, nela está inserida a
dinâmica da financeirização, conectando as IES privadas e suas
mantenedoras às instituições financeiras. O capital portador de juros
busca rentabilidade como sua máxima, em termos práticos, ele impõe
uma nova temporalidade à educação, colocando à disposição dos
calendários contábeis (Seki, 2021). Porém, dentro dessa dinâmica,
ocorre de forma paralela a acumulação e centralização de capital, que
no setor educacional, se apresenta com o surgimento de oligopólios
de ensino, com a possibilidade de captação de recursos e abertura de
seus capitais nas praças financeiras. A partir de 2007, ocorre uma
“explosão” no movimento de fusões e aquisições, formando
verdadeiros gigantes da educação, marcado pelo surgimento de
quatro grandes empresas educacionais:

87
[...] a Anhanguera Educacional S.A., com sede em São Paulo; a
Estácio Participações, controladora da Universidade Estácio de Sá,
do Rio de Janeiro; a Kroton Educacional, da Rede Pitágoras, com
sede em Minas Gerais; e a empresa SEB S.A., também conhecida
como ‘Sistema COC de Educação e Comunicação’, com sede em São
Paulo (Chaves, 2010, p. 491).

Ao conseguirem adentrar as praças financeiras e absorver


grandes montantes de capital, em sua grande maioria estrangeiros,
iniciam um processo de “bola de neve” na compra de IES menores,
acentuando a centralização desse segmento. Em razão desse
crescimento, os oligopólios de ensino conseguem operacionalizar
em uma escala ampliada, reduzindo o custeio de materiais e
equipamentos. Com essa centralização, é ampliado o poder de
barganha dos oligopólios sobre os salários, restringindo a
capacidade de negociação dos trabalhadores, fruto de sua extensão
no mercado educacional. Tal redução de custo causa a redução do
preço das mensalidades, o que inviabiliza a operação de
instituições menores que posteriormente são absorvidas pela
incapacidade de competir com essas empresas maiores (Chaves,
2010; Seki, 2021).
A padronização da esfera financeira condiciona uma extensão
da acumulação de capital, a níveis outrora nunca visto, no caso de
sua entrada do nível terciário da educação, o ponto inicial é dado
na vinculação da dívida pública e as desonerações fiscais
promulgadas pelo Estado. Um mecanismo um tanto característico
da década de 1990, a vinculação desse passivo público em ativos na
forma de crédito e juros do setor privado (Chenais, 2001). Logo, a
expansão do mundo financeiro ocorre em relação direta com o
endividamento dos governos, isso pode ser observado em
mecanismos como o FIES e o PROUNI, que garantiram balanços
contábeis positivos às IES e suas mantenedoras, que por meio dos
títulos públicos tornou viável a sua fusão com os fundos de
investimentos e bancos (Seki, 2021). Que logo depois se fundiu com

88
os fundos de investimento internacionais, realizando o passo final
para a mundialização do capital.
Por detrás de todas as relações de transferência de riqueza
pública para os capitais privados, se encontra o endividamento dos
estudantes e suas famílias, num vislumbre que a formação superior
pode acarretar em uma melhoria das suas condições de vida. O
lema da ‘democratização do ensino superior’, hasteado com vigor
tanto pelo governo de FHC, quanto no governo de Lula, criaram a
narrativa que a fusão entre a dimensão pública e privada
concretizaria a ampliação do acesso, o que de fato o fez, todavia,
suas consequências foram o controle econômico e político da
educação terciária por um grupo limitado de grandes corporações,
que agora atreladas ao capital internacional, ganham dimensões
difíceis de serem mensuradas. Mas uma coisa é certa, a
mercantilização do ensino agora chegou em seu estágio de
maturação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este capítulo buscou-se compreender as razões da


expansão do ensino superior nas décadas de 1990 e 2010. Nesta
trajetória foi preciso retroceder, historicamente, aos anos 1980,
abarcando a ruína do Welfare State e o surgimento de novas formas
de organização do trabalho, vinculadas ao processo de
mundialização do capital financeiro. Ocorre assim, a conformação
de um novo arranjo internacional, pautada no alastramento da
financeirização e do entranhamento de tal dinâmica em todas as
dimensões da vida. Tal forma de reprodução social, incutiu ao
Estado, o papel de reconfigurar os termos entre capital e trabalho.
Com esse rearranjo, o ideal político-ideológico neoliberal
encontrou um cenário favorável para o seu alastramento, a
simbiose entre o capital financeiro e o neoliberalismo adotou na
reforma do Estado, principalmente na desregulamentação
financeira e do trabalho, os pontos de mediação dessa transição,
usando de uma conjuntura de crises econômicas e altas

89
inflacionárias, um processo estruturante do capitalismo, para
alavancar a execução dessas reformas. No Brasil, os anos 1990
foram marcados por tal dinâmica, podendo ser observado um
agravamento de políticas institucionais que sinalizavam para uma
desregulamentação da educação, proporcionando e induzindo um
crescimento das IES privadas.
Tendo nos primeiros anos do milênio a ampliação desse
quadro, no qual o Estado foi indutor direto do crescimento, por
meio do fisco e desonerações atreladas à dívida pública, que
proporcionaram em primeiro momento a centralização dos capitais
de ensino em âmbito nacional e, posteriormente, com a eliminação
das restrições de investimento estrangeiro, as fusões com o capital
internacional, potencializando ainda mais a centralização desse
segmento. O conjunto dessas medidas ocorreram em detrimento do
endividamento público e das famílias dos estudantes.
Entretanto, essas transformações são o reflexo da
mundialização do capital, um movimento mais amplo que adentra
o cenário educacional brasileiro, agregando-o de forma
compulsória ao seu metabolismo. Segundo Brenner (1999), tal
reação, encabeçada pelas políticas neoliberais, são mecanismos que
garantem e expandem o lucro do capital financeiro, facilitando a
mobilidade do capital e diminuindo a possibilidade de
investimentos mais duradouros. Resultado da constante
necessidade de expansão desse modelo econômico (Chesnais,
2001), o qual salienta o papel do Estado de propulsor dessa
dinâmica no Brasil.
Com isso, os próximos anos apresentam uma conjuntura não
muito favorável, os sinais indicam a continuidade da
neoliberalização da educação. Entretanto, tal dinâmica não está
alheia à luta de classes, pelo contrário, é uma constatação desse
fenômeno. O Estado aqui se apresenta como um instrumento de
dominação da classe detentora dos meios de produção sobre aquela
que vive do salário. A organização da classe trabalhadora se torna
o único instrumento capaz de conter essa tendência, o horizonte

90
não parece muito promissor, mas o sol há de brilhar no nascer de
um novo mundo - livre da sociedade de classes.

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93
94
EDUCAÇÃO E ORDEM: UM ESTUDO DE CASO EM UMA
ESCOLA CÍVICO-MILITAR DO OESTE PARANAENSE

Maria Carolina Vieira da Silva (UNILA)


Ana Paula Araujo Fonseca (UNILA)

INTRODUÇÃO

A educação é um pilar vital para a formação de cidadãos


conscientes e participativos em uma sociedade democrática,
contudo, nos últimos anos, observamos a ascensão de modelos de
ensino cívico-militares, uma educação que integra elementos civis
com valores militares.
O capítulo a seguir explora o fenômeno das escolas cívico-
militares no Brasil, utilizando um estudo de caso realizado em um
colégio cívico-militar na região Oeste do Paraná. Tal pesquisa é
motivada pela crescente adesão a essa modalidade de ensino e pela
necessidade de compreender suas implicações, buscando entender
a razão pela qual esse modelo restritivo tem atraído, tanto
educadores quanto a comunidade escolar. A análise do Projeto
Político Pedagógico da escola revelou características específicas de
uma instituição cívico-militar, como a ênfase na disciplina e na
hierarquia. Os resultados apontam para a complexidade das
percepções dos professores e para a necessidade de considerar os
impactos deste modelo tão restritivo e disciplinador na vida de
crianças e adolescentes. Este estudo contribui para o entendimento
dos colégios cívico-militares no Paraná, destacando questões
relacionadas à adesão, à implementação e às perspectivas dos
educadores.
Este capítulo é derivado do Trabalho de Conclusão de Curso
de História – Licenciatura, da primeira autora, sob orientação da
segunda, apresentado na (UNILA). A relevância deste estudo
emerge dos debates polarizados em torno do modelo cívico-militar:

95
enquanto alguns advogam por melhorias na disciplina e no
ambiente escolar, outros expressam preocupações quanto às
possíveis implicações na liberdade acadêmica e no
desenvolvimento crítico dos alunos, questionando a própria
essência da educação democrática. Nessa exploração do fenômeno
das escolas cívico-militares, procuramos proporcionar uma base
sólida para reflexões informadas sobre o impacto desse modelo
educacional.
Partindo da hipótese e da percepção pessoal da primeira
autora de que o modelo cívico-militar é atrativo aos professores e
familiares, a pesquisa de campo teve como objetivo investigar se as
percepções de outros professores eram semelhantes,
compreendendo os possíveis fatores que tornam esse modelo
atrativo. O estudo de caso auxilia numa visão mais aprofundada
das dinâmicas práticas dessa modalidade acadêmica, contribuindo
para debates informados sobre o papel da educação na construção
de uma sociedade justa, democrática e preparada para os desafios
do século XXI.

METODOLOGIA DE PESQUISA

A metodologia adotada compreendeu uma revisão


bibliográfica com foco em palavras-chave como "cívico-militar",
"Paraná" e "escolas cívico-militares", além de uma pesquisa
documental utilizando o Projeto Político-Pedagógico (PPP) de uma
escola e entrevistas com professores do sexto ano e com o diretor
da instituição.
As questões de caracterização dos professores seguiram o
modelo do IBGE de 2022, abordando aspectos demográficos e
sociais dos participantes. Posteriormente, o questionário trouxe
cinco perguntas com o objetivo de captar as perspectivas desses
profissionais em relação às escolas militares e cívico-militares, bem
como identificar possíveis diferenças entre ambas. Além disso,
buscou-se entender como os docentes percebiam o papel dos
militares no ambiente escolar, se possuíam preferência por

96
trabalhar em instituições de ensino militarizadas ou não, sua
avaliação em relação à escola objeto de estudo e sua definição da
função da escola no processo de desenvolvimento e aprendizagem
dos estudantes.

SOBRE A ENTREVISTA

A comunicação com a direção escolar foi estabelecida


inicialmente via e-mail, embora a maior parte da interação tenha
ocorrido por meio do WhatsApp, conforme escolha do próprio
diretor da escola. A direção autorizou que as entrevistas fossem
realizadas nas dependências da instituição.
Durante as entrevistas com os professores, observou-se certo
desconforto por parte deles quanto à gravação em áudio, ao
conteúdo das perguntas e à garantia de anonimato, que foi
formalizada por meio do termo de consentimento. Durante a
gravação das entrevistas, os professores pareciam adotar uma
postura mais cautelosa, provavelmente para preservar uma
imagem positiva da escola e dos colegas de trabalho. Após o
desligamento dos gravadores, os professores demonstraram maior
abertura e conforto para expressar suas opiniões. Vale mencionar
que apenas uma docente recusou-se a participar das entrevistas.
Quanto à entrevista com o diretor, ele também manifestou
relutância em relação à exposição da escola. Foi solicitado que o
nome da instituição e do município fossem mantidos em
anonimato, com o intuito de proteger os docentes e a equipe
pedagógica, e para, nas palavras dele, "evitar retaliações por parte
da Secretaria de Educação" (informação verbal).

PROCESSO DE CRIAÇÃO DAS ESCOLAS MILITARIZADAS


NO BRASIL

A militarização das escolas no Brasil, um fenômeno complexo


e objeto de intensos debates, requer uma análise histórica
aprofundada para uma compreensão abrangente. Este texto se

97
fundamenta principalmente no artigo "Pedagogia de Quartel", de
Joselita Romualdo da Silva e na Dissertação intitulada "Restauração
Conservadora na Educação: Um Estudo sobre o Projeto das Escolas
Cívico-Militares no Brasil", de Thayane Ellen Machado da Silva.
Essas fontes são complementadas por diversos outros artigos
acadêmicos, dissertações, notícias e documentos oficiais, incluindo
o Programa de Ensino Cívico-Militar (PECIM) e Editais de
contratação de militares, assim como as leis que fundamentaram o
modelo cívico-militar no Brasil e no Paraná.
A militarização escolar teve início historicamente em Goiás,
em 1998, com atividades educativas implementadas em 1999,
durante o mandato do ex-governador Marconi Perillo (PSDB).
Importante notar que a Lei nº 8.125, que respalda a gestão
compartilhada nas escolas, foi promulgada em 1976, remontando
ao período da Ditadura Militar (Silva, 2021). A criação da
Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (SECIM) no
início do governo Bolsonaro, em 2 de janeiro de 2019, evidenciou a
prioridade do modelo cívico-militar na agenda educacional. Essa
ênfase foi consolidada com a instituição do Programa de Ensino
Cívico-Militar (PECIM) pelo Decreto nº 10.004/2019, no mesmo
ano, visando a transição de 216 escolas públicas em todo o país para
o modelo cívico-militar (Sousa, 2023).
A popularização do modelo cívico-militar na educação pública
brasileira, solidificada por iniciativas como o Programa de Ensino
Cívico-Militar (PECIM), é vista por muitos como uma alternativa
para impor controle disciplinar e disseminar valores patrióticos e
militares nas escolas. No entanto, para educadores e pesquisadores
como Barros; Fernandes da Silva (2023), Almeida Santos; Alves;
Mello Lacé (2023) e Oliveira (2016), essa abordagem tem gerado
preocupações significativas, sendo percebida como contrária aos
princípios fundamentais da educação.
"Pedagogia de Quartel", termo introduzido por Joselita
Romualdo da Silva em 2022, aborda a influência militar nas
escolas, misturando disciplina, hierarquia e controle com
uniformes e rotinas rígidas, afetando tanto a mentalidade quanto

98
a dinâmica educacional. Paralelamente, o Programa de Ensino
Cívico-Militar (PECIM) busca aprimorar a educação e diminuir a
violência escolar, unindo Forças Armadas e escolas públicas.
Thayane Ellen Machado da Silva analisa o PECIM, como um
reflexo da tendência conservadora na educação brasileira, com
ênfase em disciplina e ordem, alterando as rotinas escolares para
um modelo mais militarizado, impactando a interação entre
alunos, professores e funcionários.
Enquanto as escolas militares concentram-se em treinamento
militar e preparação para carreiras nas Forças Armadas, com uma
abordagem rigorosa e valores militares, as escolas cívico-militares
combinam aspectos militares com educação convencional,
priorizando valores cívicos e disciplina, mas sem foco específico no
serviço militar.
Resumindo, a principal diferença, segundo Silva (2021), entre
uma escola militar e uma escola cívico-militar está na ênfase do
adestramento dos alunos e na preparação para carreiras nas
Forças Armadas, que é mais acentuada nas primeiras. Já as escolas
cívico-militares buscam incorporar valores de disciplina e moral
cívica, mas sem a mesma orientação estrita para a formação
militar que é característica das escolas que estão submetidas ao
ministério da defesa.

MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS NO PARANÁ

No estado do Paraná, as escolas cívico-militares têm se


estabelecido como uma realidade cada vez mais proeminente na
paisagem educacional. Para entender plenamente essa tendência, é
crucial traçar um contexto histórico, tanto em relação à presença
desse modelo de escola no estado quanto na região Oeste
paranaense.
Após a aceitação do programa de Escolas Cívico-Militares, o
governador Ratinho Jr. propôs um projeto de lei em 2020 para
implementar escolas militarizadas no Paraná. Com a Lei Estadual
n° 20.338/2020, o objetivo era militarizar 215 escolas em 117

99
municípios, seguindo critérios como melhores índices escolares,
como o IDEB, ausência de aulas noturnas e localização em
municípios com mais de 10 mil habitantes e pelo menos duas
escolas estaduais urbanas.
O modelo cívico-militar paranaense envolve uma gestão
compartilhada entre diretores civis e militares, sendo este último
um militar aposentado. A escolha das escolas seguiu critérios
semelhantes ao modelo nacional, focando em áreas vulneráveis
socialmente e com baixo desempenho acadêmico. Um aspecto
distintivo é a exclusão das aulas noturnas, afetando estudantes que
trabalham durante o dia. Um levantamento realizado pela APP-
Sindicato em 20201 indicou que aproximadamente 117 escolas, que
ofereciam aulas noturnas, foram selecionadas, levantando
preocupações sobre o acesso à educação. Estima-se que pelo menos
54% das escolas selecionadas não atendiam aos requisitos exigidos
pela legislação. A votação em 216 escolas estaduais indicou que 186
optaram pelo modelo cívico-militar, 25 mantiveram o modelo
tradicional, e em 5, a votação não atingiu a maioria, permanecendo
no modelo tradicional2.
O Paraná possui 194 colégios cívico-militares, incluindo 12
federais e 30 estaduais na região Oeste. Em julho de 2023, o governo
de Lula anunciou o fim gradual do Programa Nacional das Escolas
Cívico-Militares. O governador Ratinho Jr. decidiu integrar as 12
escolas federais ao programa estadual, mantendo os colégios
cívico-militares no estado. Essa decisão gerou debate sobre os
custos e a polarização política na educação.3

1 APP-Sindicato. “117 colégios selecionados para militarização não atendem


requisitos exigidos pela lei”. APP-Sindicato, 28 de out. 2020. Disponível em:
https://appsindicato.org.br/117-colegios-selecionados-para-militarizacao-nao-
atendem-requisitos-exigidos-pela-lei/
2 Érica Aragão. “APP-Sindicato não reconhece processo de militarização de escolas

no Paraná”. CUT Brasil, 06 de nov. 2020. Disponível em: https://www.cut.org.br/


noticias/app-sindicato-nao-reconhece-processo-de-militarizacao-de-escolas-no-
parana-ba90
3 Assessoria Parlamentar. “Paraná vai assumir as 12 escolas cívico-militares

tocadas hoje pelas forças armadas”, anuncia deputado Hussein Bakri (PSD).

100
UM ESTUDO DE CASO NA REGIÃO OESTE DO PARANÁ

Este tópico discute um estudo de caso em um colégio cívico-


militar no Oeste do Paraná, parte do programa estadual de Colégios
Cívico-Militares. Para garantir o anonimato, os professores
entrevistados foram identificados com nomes fictícios, auxiliando na
análise do Projeto Político Pedagógico e das entrevistas realizadas.

CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA E DOS PROFESSORES

Localizada em uma pequena cidade no Oeste do Paraná, a escola


é uma das 28 da região, oferecendo ensino fundamental, médio e
técnico para cerca de 800 alunos4. Dos 46 professores, 14 atuam nos
sextos anos, dos quais nove participaram das entrevistas. Esses
professores, com idades entre 30 e 50 anos, são todos brancos e
cristãos, com experiência em outras escolas da área. Trabalham em
regime efetivo ou por contrato temporário. O estudo foca na análise
do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, conectando-o com os
resultados das entrevistas com professores e diretor.

Assembleia Legislativa do Paraná, 12 de jul. 2023. Disponível em:


https://www.assembleia.pr.leg.br/comunicacao/noticias/parana-vai-assumir-as-
12-escolas-civico-militares-tocadas-hoje-pelas-forcas-armadas
4 Dados extraídos do Projeto Político Pedagógico da instituição. Não será feita a

referência conforme normas da ABNT para preservar o anonimato dos envolvidos


na pesquisa.

101
Quadro 1 - Principais tópicos presentes no Projeto Político Pedagógico do
colégio, evidenciando as principais características e princípios que regem
a instituição.
Informações Básicas

- A participação da comunidade escolar na consulta para aprovação


atingiu 57,73%, sendo aprovado por 93,95% dos envolvidos: pais ou
responsáveis, professores, funcionários e estudantes maiores de 18
anos.
- Gestão das atividades cívico-militares conduzida por militares do
Corpo de Militares Inativos Voluntários (CMEIV) da SSP-PR.
- 6 aulas diárias de 50 minutos, 30 horas-aula semanais.
- Média de 756 alunos em 2022 (535 no ensino fundamental e 221 no
médio, sendo 30 no ensino técnico).
- A crença das pessoas está descrita apenas como as manifestadas
através de uma instituição, são elas: Católica, Evangélica, Assembleia
de Deus, Pentecostal “Deus é Amor”, Adventista do 7º dia, Metodista,
Protestante, Centros Espíritas e Congregação Cristã do Brasil.

Gestão Escolar

- Gestão compartilhada entre civis e militares, composta por um


Diretor-geral e um Diretor militar.
- O atual Diretor geral é o primeiro do colégio, no formato cívico-
militar.
- Democracia escolar só faz sentido se estiver vinculada a uma
percepção de democratização da sociedade.

Especificidades da Escola

- Até 2020, o colégio ofertava ensino médio matutino e noturno.


Extinção do ensino médio noturno em 2021, a partir do novo formato
Cívico-Militar.
- O noturno possuía menos vagas e a maioria dos estudantes eram
trabalhadores, geralmente, fora da faixa etária. Neste período, se
concentrava o maior índice de evasão e repetência escolar.
- Os alunos do período noturno foram realocados nos demais colégios
estaduais do município que possuem aulas noturnas.

102
- Fluxo de estudantes, muitos oriundos do Paraguai.
- O alto índice de vulnerabilidade social, baixos índices de fluxo escolar
e baixo rendimento escolar são algumas das características descritas no
PPP para justificar a escolha da escola, para o modelo de Colégios
Cívico-Militares do Paraná.

Monitores

- As funções atribuídas aos monitores no PPP são: atender responsáveis


quando solicitados, assegurar o cumprimento das Normas de Condutas
e Atitudes; lançar ocorrências dos estudantes no sistema; acompanhar
a conduta do estudante e atuar preventivamente na correção de
comportamento inadequado; apurar falta; desenvolver nos estudantes
o civismo e patriotismo, estimulando o culto a símbolos nacionais;
conduzir e auxiliar na preparação das formaturas diárias; ensinar
movimentos de ordem, sinais de respeito e a forma correta de usar
uniformes; ensinar o hino nacional e o hino à bandeira aos estudantes;
orientar e acompanhar os chefes de turma; elogiar as atitudes positivas
dos estudantes sem desmerecer os demais.

Modelo Cívico-Militar

- Compete à Direção geral, a condução da instituição em relação à


organização e ao acompanhamento das ações burocráticas e
pedagógicas.
- As tarefas do Corpo de Militares são descritas como complementares
às dos docentes e não concorrentes. São fortes aliados às ações
pedagógicas e devem atuar fortemente nas dimensões afetiva, ética,
social, moral e simbólica que integram a formação e desenvolvimento
global humano.
- Atribuições específicas do Diretor geral, Diretor militar e monitores
são apresentados no Regimento da Instituição (Manuais CCM/PR).

Principais Atribuições do Diretor Cívico-Militar

- Zelar pela disciplina escolar, pela ordem e pelo cumprimento da


justiça, de acordo com as Normas de Conduta e Atitudes dos CCM-PR.

103
- Planejar, organizar e coordenar o apoio às atividades de ensino que
estiverem sob sua responsabilidade, orientar as ações dos monitores em
relação ao respeito e relacionamento com o corpo discente, respeitando
ECA e demais legislações, participar da apuração e aplicação de medida
educativa dentro de sua competência, exigir uso correto de uniformes
e boa apresentação pessoal dos monitores, liderar os monitores pelo
exemplo e orientar a se portarem sempre como referências positivas, e
manter a direção escolar informada sobre as atividades da gestão
educacional, principalmente, a situação disciplinar dos estudantes.

Concepção de Educação

- Nesta parte do Projeto Político Pedagógico (PPP), é notável a


influência significativa de Saviani nas concepções educacionais
supostamente adotadas pela escola. O autor é mencionado em várias
ocasiões, assim como sua tese sobre pedagogia histórico-crítica. Isso
sugere que as perspectivas da escola sobre educação, seus desafios e
como superá-los estão em sintonia com as ideias do autor.

Concepção de Sociedade

- Nesta seção, as principais referências são Marx e Engels, com suas


respectivas teses e noções sobre sociedade, classe e relações de poder.
- O sistema de ensino é entendido, então, como uma concreta
qualificação da força de trabalho que alcançará seu aproveitamento
máximo se conseguir também o ajuste e a integração dos indivíduos ao
sistema. E, por vezes, como forma de garantir a hegemonia da classe
dominante, ao mesmo tempo em que a educação prepara para o
trabalho reproduz também no trabalhador sua ideologia, garantindo a
submissão do trabalhador ao capital, utilizando todos os meios que
possui para isso e entre eles, a escola de forma particular atingindo
assim, os trabalhadores e os filhos destes, difundindo sua ideologia de
todos os modos para garantir maior eficácia.
- Enquanto a sociedade dividida em classes não desaparecer, a escola
continuará sendo um simples aparato dentro do sistema geral de
exploração, e o corpo de professores será um regimento, que, como os
outros, defende os interesses do Estado.

104
-Os educadores então devem trabalhar a educação na perspectiva da
emancipação humana, ou seja, democratizando o conhecimento
científico a escola torna-se democrática, o que se constitui na primeira
condição para a superação, do ponto de vista pedagógico, do sistema
econômico vigente. Cabe à educação devolver ao trabalhador
expropriado, o conhecimento do conjunto do processo produtivo, e
extinguir a divisão do trabalho em intelectual e manual, e,
consequentemente, a alienação.

Para compreender o funcionamento e os propósitos


educacionais da escola cívico-militar, além de avaliar sua eficácia à
luz dos objetivos delineados no PPP, a opção será apresentar no
próximo tópico os resultados das entrevistas realizadas com os
professores, buscando relacioná-las com os princípios e diretrizes
do projeto político pedagógico, identificando convergências e
eventuais desafios na implementação prática.
Essa análise cruzada proporcionará uma visão abrangente
sobre o impacto do PPP na rotina escolar, no desempenho dos
estudantes e na atuação dos profissionais. Optou-se por categorias
amplas nas falas dos entrevistados e no PPP, fundamentadas nos
referenciais teóricos sobre militarização escolar.

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E DO PROJETO POLÍTICO


PEDAGÓGICO CULTURA DA PAZ

A militarização de escolas amplia o controle social, um fator


preocupante em uma sociedade insegura na qual o ódio e o medo
visam grupos vulneráveis (Oliveira, 2016). No PPP do colégio, é
destacado que a implementação e organização do CCM/PR são
regidos pela legislação estadual, estabelecendo no Art. 3° como um
dos objetivos do Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, o
"enfrentamento da violência e promoção da cultura da paz no
ambiente escolar".
Oliveira (2016) destaca que discursos baseados no medo,
mesmo sem compromisso com a verdade, necessitam de um "bode

105
expiatório" para os problemas sociais. Nessa perspectiva, o autor
sugere que os jovens são apontados como bodes expiatórios de
nossa sociedade e que "da cultura do medo nasce o apoio às
propostas pedagógicas de mais controle e mais repressão"
(Oliveira, 2016, p.48). Essa abordagem gera preocupações sobre a
promoção de controle e repressão nas escolas.
Oliveira (2016) destaca que o medo e a violência são usados
para justificar a militarização escolar, com foco na juventude no
discurso do medo. A militarização é vista como forma de aumentar
a segurança e combater violência, culminando na ideia de
"transformar a escola em um quartel" para eficácia em segurança
pública (Oliveira, 2016, p. 42).
Contudo, essa justificativa para a militarização escolar é
questionável, pois ignora princípios de justiça social e educação
democrática. Ela promove controle e repressão ao invés de
segurança construída coletivamente. Tal abordagem, mais do que
uma solução, é uma estratégia política que desvia a atenção de
métodos mais complexos e eficazes para lidar com problemas
educacionais e sociais.

TRANSFORMAÇÕES NO REGIME CIVIL PARA O CÍVICO-


MILITAR

A implementação desse modelo foi aprovada por 93,95% em


uma consulta pública, segundo o PPP da instituição. Contudo, a
participação efetiva da comunidade escolar foi apenas 57,73%,
sugerindo que as opiniões de muitos não foram adequadamente
consideradas.
Segundo a Lei n° 20.338/2020, as instituições que migram para
este modelo ficam sob responsabilidade da Secretaria de Estado da
Segurança Pública (SSP/PR) e da Secretaria de Educação (SEED). É
nesta lei que encontramos as funções específicas do Diretor Cívico-
Militar da forma como estão descritas no PPP analisado. Essa divisão
de responsabilidades dentro da gestão escolar é alvo de críticas
devido à sua natureza centralizadora e ao desequilíbrio de poder

106
entre as partes. Tal como Silva (2022) aponta “o processo da
administração escolar é um todo integrado, construído por todos os
sujeitos da comunidade escolar e que o administrativo, neste
processo, decorre do pedagógico e não o contrário, como foi
proposto nas escolas militarizadas no Paraná”. Dessa forma, a
administração escolar é vista como um processo integrado, no qual
a gestão administrativa realiza-se por meio do pedagógico, mas o
modelo cívico-militar parece inverter essa lógica, privilegiando a
vertente militar em detrimento do caráter educacional e pedagógico.
As alterações na Lei de 2021, visando a eliminação do cargo de
Diretor Cívico-Militar refletem questionamentos jurídicos e
dúvidas sobre a capacidade administrativa dos militares. Apesar
dessas mudanças, o PPP do colégio ainda não as incorporou. Além
disso, há dificuldades em preencher os cargos militares necessários
nas escolas, afetando a eficácia do modelo.
O déficit de militares, com apenas um monitor e um diretor
cívico-militar em atuação no colégio, e a baixa quantidade de
candidatos aptos a atuarem no programa em todo o Estado,
conforme exposto pela Rede Paranaense de Comunicação, em que
o Edital n° 002/2020 – SESP/SEED abriu 806 vagas destinadas ao
Corpo de Militares Estaduais Inativos Voluntários (CMEIV), e teve
ao total 989 inscritos, porém, apenas 369 foram aprovados,
demonstrando que a militarização das escolas enfrenta problemas
de implementação e sustentação. Essa falta de adesão e interesse
por parte dos militares pode indicar questões relacionadas aos
supostos baixos salários, ao desinteresse e à falta de competências
necessárias para desempenhar essas funções no ambiente
educacional.
Em suma, a adoção do modelo cívico-militar no Paraná
enfrenta críticas por ser centralizador e problemático na
implementação. Fatores como baixo engajamento da comunidade,
divisão de responsabilidades e falta de militares questionam sua
efetividade prática.

107
PROCESSO DE SELEÇÃO DOS MONITORES E DIRETORES
CÍVICO-MILITARES

A seleção de monitores e diretores cívico-militares, crucial no


modelo cívico-militar, mas não detalhada no PPP, requer análise.
O edital de seleção exige saúde física e mental, histórico funcional
e social limpo, ausência de condenações, e porte de arma vigente.
Contudo, a capacitação, segundo o Edital de 2021, é de apenas 20
horas, preocupante pela formação desses profissionais focada em
segurança, não em educação (Silva apud Horn; Machado, 2022).
A capacitação insuficiente dos profissionais no modelo cívico-
militar paranaense é problemática. Ela pode prejudicar a qualidade
educacional e a abordagem pedagógica, favorecendo uma
perspectiva militar em detrimento do desenvolvimento integral
dos alunos. A falta de formação pedagógica adequada afeta a
interação com estudantes e a promoção de uma cultura escolar
democrática e inclusiva. Portanto, é vital questionar a adequação
desses requisitos de capacitação para assegurar que o modelo não
sobreponha segurança e controle à essência educacional.

FUNÇÃO DA ESCOLA

Muitos professores, como Luana e Silmara, veem a escola


primordialmente como um local para transmitir conhecimento
científico, não para "educar", uma tarefa atribuída às famílias.
Luana afirma: “Transmitir o conhecimento, o papel da escola é esse.
E não educar”. Silmara concorda: “Acredito que o papel da escola
seja realmente de trabalhar o conhecimento científico... ela não
pode carregar com ela outros fatos, outros compromissos...”
(Professora Silmara). Essas opiniões contrastam com a visão do PPP
do colégio, que defende a educação para a emancipação humana,
democratizando o conhecimento científico e vinculando-o à
democratização da sociedade. Isso levanta questões sobre os
motivos para uma educação excessivamente disciplinar e
conteudista.

108
O conceito de ensino e educação que acompanha esse regime
disciplinar é baseado em valores que segundo Apple (apud Silva,
2022, p. 22) pertencem a matrizes neoconservadoras e neoliberais,
que privilegiam a eficiência do ensino que seria mensurado pelo
desempenho em avaliações feitas dentro dessa lógica escolar, que é
nutrido também de um ensino teoricamente “neutro” em currículo
e provas que garantiria bons profissionais. Porém, o mesmo autor
se preocupa com a pobreza qualitativa que esse ensino
proporciona, pois ele ignora questões como a desigualdade racial,
de gênero e social, descartando que não se adaptar a esse sistema
(Silva, 2022, p. 22).
Ao analisar a concepção de educação descrita no PPP,
observamos que essas noções são baseadas na pedagogia histórico-
crítica. De acordo com Saviani (1991) “para que a teoria histórico-
crítica possa se constituir em pedagogia histórico-crítica ela precisa
assumir um posicionamento sobre o que é a educação e o que
significa educar seres humanos” (Saviani, 1991, p.103). No entanto,
o que se pode constatar é que falta uma noção real sobre o que é
educar e o que é educação para muitos dos docentes entrevistados,
uma vez que estes expressaram incômodo com relação ao processo
de educar estudantes, e afirmaram que a função da escola é
simplesmente a transmissão de conhecimento científico. Esta é uma
visão reducionista e simplista sobre as funções que a escola tem.
Saviani (1991) defende que o saber objetivo é matéria-prima para a
atividade educacional, porém não se pode restringir educação
somente a isso, é preciso estar ciente das noções políticas e sociais
que os atos educacionais exercem, a visão destes docentes vai em
desencontro com os fundamentos defendidos pela instituição em
seu próprio PPP e nas teorias educacionais mais adotadas
atualmente, incluindo a que embasa o currículo da Associação dos
Municípios do Oeste do Paraná (AMOP).

109
VISÃO DISCIPLINADORA

Todos os entrevistados apresentam uma visão disciplinadora,


enfatizando a função dos militares como disciplinadores e a escola
focada apenas na transmissão de conhecimento científico. O
professor de história, João, destaca: “A questão da disciplina acho
que é o maior destaque... isso faz total diferença”. Além disso,
professores associam os militares com a imposição de respeito,
limites e manutenção da ordem, sugerindo uma lógica militar
restritiva e silenciadora. Isso levanta dúvidas sobre os objetivos da
instituição, especialmente, considerando que os jovens em
desenvolvimento estão formando suas identidades, pensamento
crítico e controle emocional, e deveriam encontrar na escola um
ambiente seguro para crescimento e desenvolvimento pleno.
Uma fala que merece destaque especial é a do professor de
Educação Física, Jair. No entanto, é necessário ter em mente que
esse não é um pensamento isolado, mas resultado de um conjunto
de ideais dos quais todos os entrevistados manifestaram em suas
respostas: “os militares têm contribuído bastante na questão da
disciplina, mas assim, eles também não podem fazer coisas que às
vezes seria importante fazer, como atribuir algum castigo, hoje eles
não podem, entendeu?”.
Esta fala expõe problemas seríssimos encontrados nos
ambientes escolares militarizados, uma vez que o governo estadual
reconhece e aprova oficialmente a participação dos militares em
instituições de ensino, diversas ocorrências de denúncias de
violência e agressão envolvendo militares ou outros profissionais
foram divulgadas pela mídia, evidenciando violações aos
princípios de garantia do direito à educação e dos direitos
humanos. Como é exposto no capítulo I, art. 232 do Estatuto da
Criança e do Adolescente “Submeter criança ou adolescente sob sua
autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento:
Pena - detenção de seis meses a dois anos”.

110
Para ilustrar uma situação real, o caso do Colégio Cívico-
Militar de Imbituva5, onde dois policiais militares aposentados que
atuavam como monitor e diretor militar foram denunciados por
crimes como ameaça, vias de fato, violência arbitrária, submissão
de adolescente a constrangimento, entre outros, no qual o monitor
retirou um estudante de sala, o ameaçou e, segundo denúncias,
desferiu um soco na nuca do aluno, e, após o ocorrido, tanto o
monitor quanto o diretor militar do colégio em questão tentaram
evitar que as denúncias fossem levadas ao Ministério Público. Este
caso apresenta um exemplo, entre vários expostos pela mídia,
desde a implantação de escolas cívico-militares no Estado, de como
é potencialmente danoso e perigoso, que questões disciplinares
fiquem a encargo de profissionais que seguem uma lógica militar,
e pouco preparados para atuarem em ambiente escolar, como
policiais militares aposentados.
É importante ressaltar que mesmo que a escola em análise não
tenha caso de denúncia por parte dos militares que compõem o
corpo de funcionários, faz-se necessário analisar os riscos e as
falhas dentro deste sistema, no qual o Estado encarrega policiais a
atuarem em conflitos entre os jovens. A relação do caso de Imbituva
à fala do professor de Educação Física entrevistado expõe uma
lógica punitivista aflorada nas instituições militarizadas, nas quais,
por vezes, são vistos exemplos em que os direitos desses estudantes
ficam em segundo plano e o adestramento do aluno vira o objetivo
principal, sufocando a individualidade, diversidade e liberdade de
expressão do adolescente.

UMA SUPOSTA EXCELÊNCIA

Outro ponto de intersecção entre as respostas dos


entrevistados é o caráter “diferenciado” que esta escola apresenta,

5Redação Plural.jor.br: “Policial socou aluno e ameaçou matá-lo em escola cívico-


militar do Paraná, aponta MP”, Plural. Curitiba, 10 de setembro de 2021.
Disponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/policial-socou-
aluno-e-ameacou-mata-lo-em-escola-civico-militar-do-parana-aponta-mp/>

111
quando questionados se existia diferenças entre um colégio civil e
um cívico-militar, a resposta unânime dos entrevistados era que
sim, existem diferenças. Foi observado que diferentes pessoas
passavam a mesma ideia em suas respostas, de que esta escola seria
diferente das demais, não só pelo caráter cívico-militar, mas que,
até dentro deste nicho, ela se mostrava “melhor”.

No colégio cívico-militar ele é, ele funciona através de regras já


impostas. E no colégio civil não, são particularidades dos alunos, que
são, é…, como que eu vou dizer… as particularidades desses alunos,
eles independem de regras, pode chegar atrasado, em um colégio
cívico não pode, precisa cantar o hino no cívico, no outro é opcional
(Professora Janice).

Aqui, a professora Janice enfatiza que nas escolas cívico-


militares não há uma flexibilização dos horários que atendem as
necessidades dos alunos, obrigando-os a seguirem de maneira
rígida todos os procedimentos internos do colégio. Nesse sentido,
a professora enxerga uma espécie de “desordem” dos colégios civis
em relação ao cívico-militar, atribuindo-lhe então um sentido de
“positividade”.
Já no depoimento do professor João, podemos observar que
ele atribui um papel de destaque ao colégio, ao dizer que o daria
uma nota “nove”, mas que tem ciência de que este encontra-se em
um estágio de consolidação mais avançado que os demais colégios
cívico-militares (Professor João).
Já o Professor Jair encontra na rigidez disciplinar, a
característica mais destacada da escola, com o “cívico-militar
prezando bastante pela disciplina, pelo comportamento, pelo
respeito”, enquanto que o civil ainda não possui esses valores
internos (Professor Jair).

Eu gosto do cívico-militar, mas este colégio só. Porque aqui


funciona, o cívico-militar funciona aqui, como eu moro em outra
cidade e lá tem, trabalhei em uma escola cívico-militar e lá só tinha
cívico-militar no nome, mas dentro da escola não funcionava nada,

112
era indiferente ter militares ou não na escola, aqui tem militares e
eles ajudam e eu acho que mudou a principalmente a parte de
indisciplina dos alunos (Professora Thainá).

A professora Thainá, semelhante ao professor João, destaca o


colégio específico da pesquisa dos demais colégios cívico-militares
da região com o mesmo argumento de que “este é o que melhor (ou
o mais consolidado) impõe as normas que um colégio militar
teoricamente exigiria, afirmando que em outros lugares, o ‘cívico-
militar ficava apenas no nome’”.
Trazendo esses exemplos entre os depoimentos a respeito da
excelência desta escola, em específico, em detrimento das outras,
podemos abrir a reflexão a respeito da atribuição positiva da escola
baseada na sua excelência disciplinar. Enquanto outras escolas
cívico-militares não conseguem (ainda) consolidar seu caráter
disciplinar rígido, essa seria “bem-sucedida”. Esse tipo de
percepção, segundo Maguire e Braun (apud Silva, 2022, p. 28) leva
em consideração a seguinte percepção: a forma como é vista a
disciplina pelos diferentes professores entrevistados dentro da
instituição em questão, que não se preocupam com a qualidade do
ensino, e sim com os indicadores educacionais, que
consequentemente seriam altos devido ao nível elevado do
comportamento e disciplina. Por isso eles priorizariam esse
aspecto, segundo Silva:

Nas escolas militarizadas, mais do que em qualquer outra, a política


de comportamento é vista como algo sagrado, sendo mais almejado
que a efetivação dos processos de aprendizagens, ao ponto de
militares andarem armados nas escolas para garantirem a ordem e o
disciplinamento dos estudantes (Silva, 2022, p. 28).

Neste contexto, entende-se que a excelência da escola


mencionada pelos professores reside na sua eficiência em
consolidar práticas disciplinares comparativamente a outras. A
transformação de escolas em cívico-militares ocorreu
simultaneamente no Paraná em 2020, parte do programa do

113
governador Ratinho Júnior para militarizar 200 escolas estaduais,
conforme o projeto de Lei n°543/2020 (Silva, 2022). No entanto,
apesar dessa implementação uniforme, os professores observam
que nem todos os colégios tiveram o mesmo sucesso em estabelecer
as práticas disciplinares que, segundo eles, diferenciam os colégios
cívico-militares dos civis.

POLÍTICA DE COMPORTAMENTO APLICADA A


DOCENTES

Como conseguimos observar nos tópicos anteriores, esta


“política de comportamento” (Silva, 2022) é mais valorizada em
instituições militarizadas do que nas demais, porém, essa política
não se restringe apenas aos estudantes, intervindo na forma de se
portar de todos os funcionários do colégio, incluindo os
professores. Tal conduta é sustentada pela fala do diretor civil do
colégio, Marcelo, que diz gostar do modelo cívico-militar pois ele
“influencia não só os militares, mas a equipe que constitui o
colégio”. O fato curioso é que, todos os professores entrevistados
manifestaram em suas respostas uma visão positiva do modelo, o
que nos dá a entender que estes profissionais, apesar de
experimentarem as consequências desta política de
comportamento, estão entregues ao modelo e, por vezes, não se
veem afetados por ela. Para Silva (2022, p. 82):

Nesse modelo educacional temos também a violação do princípio da


valorização dos profissionais da educação, já que estes ficam
vinculados ao regime militar, sujeitando-se às regras estabelecidas
por estes, inclusive com situações nas quais é proibida a liberdade de
associação e expressão desses profissionais.

Conseguimos compreender que em ambientes marcados pela


disciplina militar, as práticas educacionais do profissional da
educação ficam comprometidas devido aos valores disciplinadores
de respeito à hierarquia e as normas estabelecidas no Manual do

114
Estudante, o que pode ser considerada uma doutrina que vai na
contramão das estratégias docentes de se exercer o papel de
lecionar, pois nesse caso específico, é indispensável a liberdade de
associação e expressão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após uma análise aprofundada das escolas cívico-militares no


Brasil, focando especialmente em um estudo de caso em uma escola
da região Oeste do Paraná, emerge a complexidade desse modelo
educacional. A pesquisa buscou compreender não apenas o
crescente interesse por esse tipo de ensino e suas implicações, mas
também as razões subjacentes que atraem tanto educadores quanto
a comunidade escolar para essa abordagem. As entrevistas
realizadas com professores e a análise do Projeto Político
Pedagógico da escola destacaram as características distintivas
desse modelo cívico-militar, ressaltando a ênfase na disciplina e
hierarquia, por vezes, em detrimento da função social mais ampla
da escola e da democratização do conhecimento.
Os resultados revelam uma percepção complexa dos educadores
em relação ao modelo. Todos os entrevistados enxergam a
militarização como algo benéfico e facilitador do trabalho docente. No
entanto, isso ressalta a necessidade de considerar de maneira mais
profunda os impactos dessa abordagem restritiva e disciplinadora na
vida dos adolescentes em formação. Além disso, é fundamental
compreender o impacto dessa disciplina nos próprios docentes e,
consequentemente, em seu desempenho profissional. Isso levanta a
questão para se pensar por quais motivos, apesar das tensões e
desafios envolvidos, os professores mantêm uma visão favorável em
relação ao modelo militar.
Os obstáculos vivenciados para a execução desta pesquisa, que
impediram a realização de entrevistas com as famílias dos
estudantes, colocam em destaque as complexas relações e as
dinâmicas de poder que permeiam as escolas cívico-militares.
Além disso, ela evidencia as restrições impostas à condução de

115
pesquisas acadêmicas nas escolas paranaenses. Esse aspecto é
notável, considerando que, de acordo com os princípios
fundamentais da educação, uma escola deveria ser um espaço
aberto, democrático e fomentador do conhecimento. Portanto, é
necessário questionar qual é o cerne do temor expressado pelo
diretor quanto a autorizar uma pesquisa sem o aval do Núcleo
Regional de Educação (NRE), e as razões de tantas imposições
apresentadas pelo Núcleo. Esses obstáculos podem estar
relacionados à possível projeção de uma imagem negativa desse
modelo educacional, que é uma das principais iniciativas do
governador Ratinho Jr. na área da educação? Essas indagações nos
conduzem a uma reflexão mais profunda sobre as dinâmicas
políticas e de poder que podem influenciar as escolas cívico-
militares, lançando luz sobre os desafios de realizar pesquisas
críticas e imparciais dentro desse contexto educacional.
Este estudo contribui para o entendimento das escolas cívico-
militares no Paraná, com foco nas questões de adesão,
implementação e nas perspectivas dos educadores. Em meio aos
debates sobre o sistema educacional brasileiro, oferece uma visão
aprofundada de um modelo em crescimento no país. No entanto, a
pesquisa também evidencia desafios e tensões relacionados a esse
modelo, incluindo o potencial comprometimento da prática
pedagógica, a negligência de questões sociais e a marginalização de
estudantes que não se encaixam nesse sistema.
Assim, é crucial repensar a implementação e o
desenvolvimento das escolas cívico-militares, buscando criar um
ambiente educacional que respeite a diversidade, valorize a
liberdade de pensamento e associação, além de fornecer uma
educação de alta qualidade para todos os estudantes. A
militarização das escolas no Brasil é um fenômeno complexo que se
insere no contexto histórico do país e tem impacto direto nas
estruturas educacionais e sociais. Compreender essas
complexidades é fundamental para delinear políticas educacionais
que promovam uma educação de qualidade, inclusiva e
democrática para todos os estudantes brasileiros.

116
Assim, esta pesquisa contribui para o debate sobre o futuro da
educação no Brasil, realçando a necessidade de considerar
criticamente os modelos educacionais propostos e os impactos que
eles podem ter na formação das futuras gerações. A compreensão
das complexidades das escolas cívico-militares é fundamental para
que as políticas educacionais sejam projetadas de maneira a
garantir uma educação de qualidade, inclusiva e democrática para
todos os estudantes brasileiros.

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retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/1678

121
122
REFORMA CURRICULAR EM CURSO NO BRASIL:
PARA ONDE APONTA A BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR (BNCC)?

Cláudia Valentina Assumpção Galian (USP- Faculdade de


Educação)

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, toma-se o debate sobre o currículo e as


mudanças curriculares como elementos para a discussão sobre os
caminhos formativos que vêm sendo definidos para a Educação
Básica brasileira em tempos recentes. Para isso, abordam-se
inicialmente as perspectivas de currículo e reforma curricular que
sustentam essa discussão – ligadas ao conceito de currículo em
processo. Na sequência, delineia-se o panorama de pressões
nacionais e internacionais que recaem sobre os elaboradores de
propostas curriculares desde a segunda metade da década de 1990,
a fim de reconhecer aspectos que ganham especial ênfase na
reforma curricular atual – como a importância conferida à
aprendizagem em detrimento do ensino e ao desenvolvimento de
competências e habilidades.
Nessa reforma, é central o documento Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (Brasil, 2017a), tanto como prescrição a ser
tomada como fundamento obrigatório por estados e municípios
brasileiros na produção de suas propostas curriculares, como na
condição de eixo em torno do qual deve se dar o alinhamento das
demais políticas educacionais, dentre elas as que orientam a
formação inicial e continuada de professores, a elaboração de
materiais didáticos e as avaliações externas.
Assim, busca-se ao longo do texto reconhecer que o
movimento em curso guarda semelhanças com o que vem
acontecendo – desde pelo menos os anos 1980 – em outros países,

123
que, como o Brasil, vêm sendo denominados “países em
desenvolvimento”. Na identificação dessas semelhanças
evidenciam-se as raízes de noções legitimadas e valorizadas na
BNCC, mas já presentes no cenário educacional brasileiro há muito
tempo, como é o caso das competências, e da associação entre
qualidade da educação e desempenhos dos estudantes em
avaliações de larga escala.

CURRÍCULO E REFORMA CURRICULAR

É preciso deixar claro, inicialmente, que, ao tratar de currículo,


este texto recusa-se a reduzi-lo ao que se estabelece em documentos
ou propostas curriculares. Em outros termos, não se considera que
a análise de um texto curricular qualquer, por mais rigorosa,
permita esgotar o que é o currículo que de fato se desenvolve nas
escolas brasileiras. Na verdade, toma-se essa definição
materializada em documentos oficiais como uma dimensão do
currículo real. Trata-se de uma dimensão muito relevante, que se
desdobra em ações e discursos que sustentam material e
simbolicamente o processo que constrói o currículo real, como
define Gimeno Sacristán (2000). Para o autor, essas prescrições
estabelecidas nos documentos oficiais são filtradas pelas condições
objetivas nas quais se desenvolve o processo curricular.
Ressalta-se assim a importância de se discutir as prescrições
curriculares sem perder de vista que esta dimensão se articula a
muitas outras ao longo do processo – da produção de materiais
didáticos, da organização do currículo no tempo e espaço da escola,
do encontro pedagógico de sala de aula, dos processos de avaliação
internos e externos à escola etc. –, assim delineando o currículo real.
Nesse sentido, uma reforma curricular lança mão de diversas
iniciativas que se voltam a modificar o currículo em
desenvolvimento nas escolas de Educação Básica – a BNCC é uma
dessas iniciativas. Um exemplo dessas iniciativas são as Resoluções
CNE/CP 02 de 2019 (Brasil, 2019) e Resolução CNE/CP 01 de 2020
(Brasil, 2020), que instituem, respectivamente a Base Nacional

124
Comum para a Formação inicial de Professores e a Base Nacional
Comum para a Formação Continuada de Professores, ambas em
diálogo direto com o que se estabelece na BNCC.
As mudanças propostas nas reformas curriculares são
justificadas, via de regra, pela recusa, integral ou parcial, do que se
tinha até então como princípios ou metas a serem atingidas no
processo de escolarização das novas gerações. Nesse processo, é
comum a busca por apresentar as iniciativas como novidades,
embora nem sempre o sejam.
A legitimação de uma reforma curricular se sustenta na
negação do passado e na aliança com o que se apresenta como
futuro inexorável. É nesse sentido que Kramer (1997) define uma
proposta curricular como uma aposta; e, como qualquer aposta,
também aqui ela vislumbra ganhos ao final das mudanças. Cabe ao
campo do currículo destrinchar essas apostas, lançando luz aos
interesses envolvidos nos embates para definir “novos” rumos
para a Educação Básica.

AS APOSTAS DA BNCC

A construção das apostas que resultaram na publicação da


BNCC volta a tempos anteriores ao segundo semestre de 2015,
quando o Ministério da Educação apresentou à sociedade uma
primeira versão do documento. Portanto, o processo de elaboração
desse documento se iniciou durante a gestão presidencial de Dilma
Roussef, do Partido dos Trabalhadores (PT). A primeira versão foi
submetida a uma consulta pública, por meio digital, que se
estendeu até o primeiro semestre de 2016. Neste mesmo ano, a
presidenta Dilma Roussef sofreu impeachment, num processo
vergonhoso no qual nunca se comprovou qualquer desvio de sua
parte – o que permite identificar no acontecido um golpe de caráter
midiático –, tendo sido substituída por seu vice-presidente, Michel
Temer. Durante sua gestão (e mesmo depois), o grupo de autores
envolvidos na produção da primeira versão da BNCC foi
amplamente modificado – no caso de algumas disciplinas

125
escolares, de forma muito significativa –, o que resultou em
mudanças de rumo que constituíram a segunda e a terceira versão
do documento.
Vale dizer que o MEC e os apoiadores da BNCC –
especialmente o Movimento Todos pela Base1, majoritariamente
formado por empresários que tiveram e têm ainda hoje forte
influência sobre o “espírito” da BNCC – afirmam que a segunda
versão considerou muito seriamente os apontamentos realizados
durante a consulta pública. Entretanto é preciso lembrar que essa
consulta foi guiada por um instrumento bastante rígido na forma
de coletar as sugestões da sociedade. Não cabia, por exemplo,
indicar mudanças substantivas ou propor a inclusão/exclusão de
quaisquer tópicos. O instrumento permitia pouco mais do que um
posicionamento do tipo “concordo” / “não concordo”. Ademais,
em nenhum momento foram apresentados relatos suficientemente
claros sobre como a consulta pública de fato teria influenciado na
reescrita do texto em análise.
Apresentada a segunda versão da BNCC, ela foi objeto de
discussão em audiências públicas desenvolvidas em todas as
regiões do país – uma audiência em cada uma das regiões. Essas
audiências foram marcadas com pouca antecedência e realizadas
em locais que não comportavam todas as pessoas interessadas no
debate – o que também permite questionar o alegado processo
participativo na construção da BNCC. Ainda, foram realizadas
leituras críticas por especialistas convidados pelo MEC, antes da
publicação, em 2017, da terceira e última versão do documento (que
incluía apenas a educação infantil e o ensino fundamental);

1 No site do Movimento pela Base (https://movimentopelabase.org.br/quem-


somos/) encontra-se a seguinte auto definição: “Uma rede não governamental e
apartidária de pessoas e instituições que, desde 2013, se dedica a apoiar e
monitorar a construção e a implementação de qualidade da BNCC (Base Nacional
Comum Curricular) e do Novo Ensino Médio”. Dentre as organizações parceiras,
constam: Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto Ayrton Senna, Itaú
Social, Todos pela Educação, Instituto Singularidades, Fundação Roberto
Marinho, dentre outras.

126
também não se tem clareza sobre como essas leituras críticas teriam
sido consideradas na versão final.
Outro aspecto que precisa ser trazido para contar a história da
BNCC é a cisão que se operou na sua produção com relação ao
ensino médio. Desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) nº 9.394, de 1996 (Brasil, 1996), a Educação
Básica foi assumida como a articulação de três etapas: educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio. Porém, depois da
publicação da primeira versão da BNCC, o trecho do documento
referente ao ensino médio foi desenvolvido à parte, tendo sido
finalizado no ano seguinte, em 2018.
Nesse processo, em 22 de setembro de 2016, no governo de
Michel Temer, o país tem, instituída, por Medida Provisória (MP),
uma reforma curricular para esse segmento da escolarização básica
(MP nº 746) (Brasil, 2016). Em 2017, essa MP foi transformada na
Lei nº 13.415/2017 (Brasil, 2017b), que define a Reforma do Ensino
Médio, altamente criticada no campo da educação, por seu caráter
instrumental e pelo empobrecimento curricular que opera em
nome do que se define como a possibilidade de os(as) estudantes
fazerem escolhas para definir seus percursos formativos na escola
– sendo que quem de fato poderá fazer escolhas são os(as) jovens
das camadas mais favorecidas, como historicamente acontece no
Brasil, só que agora com o estabelecimento desta condição em lei.
Desde a publicação da primeira versão da BNCC, um grande
número de iniciativas tem se voltado a apoiar a sua implementação,
especialmente por parte do empresariado brasileiro, e muitos vêm
se manifestado em seu favor (Costin, 2018; Castro, 2019; Melo,
2018). Seus argumentos, segundo Carvalho e Galian (2021, p. 2),
giram em torno da defesa de que o documento poderia ser
considerado:

Um instrumento para garantir a equidade, promovendo ao mesmo


tempo uma ação mais integrada das políticas educacionais em direção
a uma educação de qualidade. Além disso, por não se apresentar como

127
o currículo, o documento poderia deixar espaço para a expressão das
especificidades das distintas regiões, escolas e sujeitos.

Porém, somam-se vários artigos publicados em periódicos


científicos, desde a publicação da primeira versão da BNCC
compondo um quadro de críticas contundentes às apostas nela
expressas (Alves, 2014; Macedo, 2015, 2019; Ribeiro, 2019; Ribeiro,
Craveiro, 2017). Galian e Silva (2019, p. 526) sintetizam esses
posicionamentos e classificando-os em

tipos de críticas elaboradas [que] podem ser reunidos em três frentes:


a) debate epistemológico acerca do conhecimento e da recusa à busca
de um currículo nacional; b) crítica política dos direcionamentos
neoliberais e neoconservadores orientadores da BNCC; c) efeitos das
definições constantes da Base sobre as práticas curriculares nas es-
colas e no âmbito da formação de professores.

Reconhece-se, portanto, que está em curso acirrados embates


em torno da BNCC, desde o começo de sua história, com as(os)
apoiadores principalmente situados no campo empresarial e os(a)
críticas(os), no campo acadêmico. Entre estes, incomoda
sobremaneira três apostas: a que assume a possibilidade de adoção
de uma base comum para um país tão diverso, a que relaciona
univocamente qualidade da educação com resultados dos(as)
estudantes nas grandes avaliações e a que confere centralidade às
competências na organização do currículo. Sobre essas apostas, é
preciso lembrar que especialmente as duas últimas não constituem
absoluta novidade no Brasil e vêm se constituindo em um consenso
mundial na atualidade. É deste aspecto que trata o item a seguir.

TENDÊNCIAS CURRICULARES RECENTES

Hoadley e Muller (2023, p. 97) consideram, em coerência com


o que se está desenvolvendo neste texto, que a análise de propostas
curriculares é relevante porque

128
o conhecimento oficial da escola, […] – o que é para ser ensinado, como
se organiza, a quem se destina – em outras palavras, o currículo, é de
preocupação crucial quando se pensa sobre o desenvolvimento
humano e o papel da educação na formação das pessoas.

Nesse sentido, a reflexão sobre as posições que se apresentam


em determinado contexto e os consensos possíveis em cada
situação, contribui para o reconhecimento e a construção de críticas
às escolhas pedagógicas e curriculares que dificultem a criação de
condições para o desenvolvimento de uma educação pública de
qualidade para todos(as) que chegam às escolas.
Ao definirem textos oficiais de currículo como objeto de
estudo, Hoadley e Muller (2023) ressaltam as semelhanças entre
reformas curriculares recentes desenvolvidas em um conjunto de
países em desenvolvimento. Para os autores, expressam-se nesses
textos mudanças globais nas políticas curriculares, promotoras de
concepções específicas de desenvolvimento humano e que buscam
moldar as identidades dos(as) estudantes e de professores.
Hoadley e Muller (2023) reconhecem três grandes mudanças
globais nas reformas curriculares analisadas. A primeira, que
denominam de “progressivista”, dominou as reformas em países
com baixa ou média renda nos anos 1990. Nelas, as

Mudanças nos currículos e nos métodos de ensino foram propostas,


e as propostas geralmente foram para promover pedagogias
centradas nos aprendizes (ou nas crianças – ou estudantes) e
métodos ou currículos construtivistas. O construtivismo, a teoria
dominante chamada a sustentar essas pedagogias, propõe a
aprendizagem ‘ativa’, onde os aprendizes constroem o
conhecimento, na relação com conhecimentos prévios e com o
contexto imediato (Hoadley; Muller, 2023, p. 102).

A partir dos anos1990, enquanto em muitos desses países as


pressões por pedagogias centradas nos estudantes eram
paulatinamente incorporadas às novas propostas curriculares,
outra mudança começou a se consolidar, apostando em currículos

129
baseados em resultados. Nesse caso, “a preocupação era com o
desenvolvimento do capital humano e com os mercados de
trabalho, e a intenção em quase todos os casos era substituir um
currículo baseado em conteúdos por um baseado em objetivos,
orientado para processos ou baseado em resultados” (Hoadley,
Muller, 2023, p. 103). Nessa perspectiva, o(a) estudante é
definido(a) como um consumidor que deve desenvolver habilidade
para escolher, acumular e transferir os resultados da
aprendizagem. Dessa forma, em uma complexa combinação, a
defesa de metodologias centradas nos(as) estudantes foi-se
combinando com uma ênfase em currículos centrados em
demandas externas à escola. Como resultado dessa combinação,
para os autores,

O estudante se tornou ‘a unidade mensurável’, [...] um indicador do


nível de desenvolvimento e da viabilidade econômica de um país.
Um contingente de países africanos, europeus e asiáticos começou a
revisar seus sistemas educacionais de acordo com as linhas
estabelecidas pelos sistemas baseados em resultados no contexto dos
Quadros Nacionais de Qualificação (ver Young e Allais, 2016). Em
outros países, reformas baseadas em padrões colocaram ênfase
semelhante em habilidades e conteúdos mensuráveis na relação com
o seu uso direto (Ibidem 2023, p. 104).

O terceiro e último movimento global das reformas


curriculares, identificado por Hoadley e Muller (2023), vem como
reação ao que se passa a identificar como uma “crise da
aprendizagem”. Os autores afirmam que

A despeito de radicais revisões de sistemas curriculares pelos


países, entre 2000 e 2019, muitas delas alinhadas com a pedagogia
centrada nos estudantes e com uma educação baseada em
resultados, o Relatório de Desenvolvimento Humano (2019) [do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] detalhou
grandes e crescentes lacunas na formação de capacidades
elaboradas, [...]. [O Relatório] confirmou uma ‘crise da

130
aprendizagem’: a ‘grande expansão da educação’ não se
transformou em ganhos expressivos em aprendizagem onde
grandes desigualdades existiam (Ibidem, p. 105).

A identificação dessa “crise da aprendizagem” gerou o


acirramento da busca por definir habilidades genéricas que todos(as)
os(as) estudantes deveriam desenvolver. Nesse processo, um dos
focos “foi a mensuração da aprendizagem, com o propósito de
quantificar a crise acuradamente e, então, enfrentá-la, por meio do
estabelecimento de benchmarks” (Ibidem, p. 105).
Do ponto de vista do trabalho do professor, a ênfase nos
resultados da aprendizagem, segundo Hoadley e Muller (2023),
citando Barret e colaboradores, ignorou a forma pela qual esses
resultados poderiam ser obtidos – desprezou o ensino, portanto.
Em outros termos, a atenção se deslocou das questões pedagógicas
e da competência do professor para os resultados e níveis atingidos
pelos estudantes – do ensino para os resultados nas grandes
avaliações –, com impactos sobre a atribuição de papéis para esses
sujeitos, bem como para a relação entre currículo e pedagogia.
No Brasil, a produção de propostas curriculares por estados e
municípios tem por objetivo orientar o trabalho das escolas que
compõem suas redes de ensino, e está ligada às diretrizes ou
orientações elaboradas em nível federal. Essa vinculação, que
representa uma tradição no contexto brasileiro, assumia caráter não
obrigatório, antes da publicação da BNCC, em 2017. Ou seja, os
entes federativos não tinham necessariamente que adotar as
prescrições federais como referência para a produção de suas
propostas curriculares, até então – havendo casos de estados e
municípios que delas se afastavam em alguma medida e de outros
que assumiam total desconsideração dos textos federais (Brasil,
2010). Com a BNCC, entretanto, estados e municípios passam a ter
que adotá-la como referência obrigatória para compor suas
propostas curriculares.
Tomando as propostas elaboradas na década de 1980 e no
começo da década de 1990, Barretto (2000) identifica um

131
alheamento das escolas em relação às prescrições curriculares. Para
a autora, isso se devia mais ao desconhecimento desses textos do
que a um aprofundado trabalho de leitura e crítica às suas
premissas. Nesse sentido, em alguns estados e/ou municípios nos
quais as condições estruturais e humanas se mostravam mais
favoráveis para o trabalho escolar, configurava-se um cenário
propício à produção de propostas curriculares construídas de
forma mais dialogada e participativa, e ainda mais cuidadosa com
relação a aspectos específicos da região/local em que se situavam
as escolas. Em outros, esse processo podia ser caracterizado como
uma reprodução das mesmas propostas curriculares ao longo de
extensos períodos, com uma ou outra mudança pontual.
Para além das restrições impostas pelas condições objetivas, o
espaço para leituras próprias acerca dos caminhos a serem
desenvolvidos para responder ao que se reconhecia como formação
escolar almejada estava garantido do ponto de vista legal. Dessa
forma, as diferenças entre as redes de ensino resultavam em
propostas muito distintas, bem como em condições de
implementação igualmente diferenciadas.
Nesse cenário, um caminho também tradicional no país, adotado
para a produção de aproximações entre os currículos desenvolvidos
nas diferentes redes de ensino, foi a produção de livros didáticos. Na
elaboração desses recursos, leituras específicas das prescrições
curriculares federais vão tomando formas também específicas,
operando uma espécie de “tradução” das prescrições federais que as
aproximam do fazer cotidiano de professores e estudantes nas escolas,
constituindo dimensão importante de recontextualização desses
documentos, nos termos de Bernstein (2000).
Assim, como ressalta Barretto (2000), o papel central assumido
pelos livros didáticos na leitura das prescrições curriculares
federais vem constituindo via importante para tornar o currículo
real, aquele que se materializa nos encontros pedagógicos nas salas
de aula, muito menos homogêneo do que o que resulta da
liberdade que o arcabouço legal garante a estados e municípios
para elaborarem suas propostas.

132
No campo do currículo, duas correntes de pensamento tinham
expressão como fundamentação das reformas desenvolvidas no
período: a pedagogia crítico-social dos conteúdos, de um lado, e a
educação popular, de outro. Tendo como principal referência, no
caso da primeira, Dermeval Saviani, e, no da segunda, Paulo Freire,
essas correntes foram vistas como em oposição. A primeira,
caracterizada pela defesa dos conhecimentos tradicionalmente
selecionados para o ensino escolar; a segunda, pela centralidade
atribuída à cultura popular. Para Moreira, essa oposição por vezes
prejudicou a compreensão de que, na verdade, ambas as correntes
de pensamento tinham como primordial a defesa da escola pública
e da qualidade da educação oferecida às camadas empobrecidas da
população.
Na década de 1990, outros fatores se somam a esse cenário.
Assim, sob a égide da LDBEN nº 9394/1996, a ordenação das etapas
do ensino básico, em sua organização sequencial e no interior de
cada etapa estabelecida, é acompanhada da elaboração dos
primeiros documentos de referência curricular de abrangência
nacional pelo MEC, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
(Brasil, 1997), produzidos com o objetivo de orientar a construção
dos currículos estaduais e municipais, mas, também, para ser
empregado como referência para a concepção e elaboração de
livros didáticos a serem adquiridos e distribuídos pela MEC às
escolas do país, por intermédio do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD).
As críticas inicialmente dirigidas aos PCN foram enfrentadas
em uma complexa equação que reunia diferentes bases teóricas,
uma vez que o documento foi lido e discutido por pesquisadores e
professores atuantes nas universidades do país. Ainda, a noção de
competência se promoveu por meio de políticas de divulgação dos
PCN aos professores; isto, aliado à sua rápida assimilação na
produção dos livros didáticos contribuíram decisivamente para sua
incorporação como elementos de orientação curricular.
Entre os anos de 2003 e 2014, governos federais de caráter
popular promoveram políticas públicas de inclusão econômica e

133
participação social. Durante esse período, no entanto, não houve de
fato ampla reformulação dos referenciais curriculares federativos
para os demais níveis da escolarização, permanecendo os PCN
como os documentos empregados para orientar as políticas
públicas de formação docente continuada e de produção e
distribuição de livros didáticos pelo Estado brasileiro, o que
evidencia um movimento de descompromisso nas políticas de
então com relação aos princípios que orientavam os processos
educacionais.
O descompromisso resultante da concorrência de forças
ideológicas no período compôs o contexto em que a ordenação de
grupos financeiros e políticos, em associação com setores de
interesse na sociedade, como a mídia comercial, o poder judiciário
e as forças militares, preocupadas em impedir a revisão de seus atos
no período da ditadura, promoveu o golpe que depôs a presidente
Dilma Roussef e estabeleceu nova governança para a
implementação das reformas de base neoliberal, até então ainda
não plenamente realizadas no Estado brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, as políticas públicas de parametrização curricular,


embora tardias, constituíram tradição a partir da publicação dos
PCNs e, agora, chegam a uma condição de atrelamento obrigatório
das propostas curriculares de estados e municípios, com a BNCC.
Nesse processo, a progressiva perda de força dos conhecimentos,
em detrimento das competências, do ensino em função da
aprendizagem e das proposições de caráter histórico-cultural para
a educação, sensíveis às desigualdades da realidade
socioeconômica do país, se consolidou pela implementação de
repetidas reformas de caráter neoliberal, que contaram e contam
com suporte crescente do empresariado organizado em
movimentos que pautam, inclusive, os debates midiáticos sobre a
educação brasileira.

134
Esse tipo de política, que suprime direitos e conforma as
políticas de Estado aos interesses do capital, necessita de regimes
autoritários para poder se efetivar (Foucault, 2008). Nesse sentido,
o deslocamento dos debates curriculares para uma visão
economicista da educação se expressa em muitas frentes, como
alertam diversos autores do campo (Barretto, 2000; Hoadley,
Muller, 2023; Young, 2011) e demanda a centralização das
definições sobre o currículo, num cenário de desconsideração das
condições reais nas quais trabalham os profissionais das escolas
com descentralização e das experiências reais aí desenvolvidas. É
assim que desponta a BNCC, cuja implementação demanda do
campo do currículo atenção e enfrentamento das difíceis discussões
sobre o que a sociedade brasileira espera da escola – e para quem.

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135
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BRASIL. Presidência da República. Lei 13.415, de 16 de fevereiro
de 2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de
20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e
o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº
11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
2017a.
BRASIL. Presidência da República. Lei 9.394, de 20 de dezembro
de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996.
BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória nº 746, de
22 de setembro de 2016. Institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral,
altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de
junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, e dá outras providências. 2016.
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138
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO
NO BRASIL: EM DEBATE A REFORMA Nº 13.415/20171

Daniel Alfonso Rusch (UNILA)


Márcia Cossetin (UNILA)
Lidiane Cossetin Alves (UNIOESTE)

INTRODUÇÃO

Ao estudarmos historicamente as políticas educacionais no


Brasil, sobretudo a etapa denominada na atualidade de Ensino Médio,
observamos que foram e são reflexo das disputas que se dão na busca
por ampliação de direitos e, por outro lado, de definição de que tipo
de formação seria oferecida por parte do Estado, especialmente à
classe trabalhadora; este fato destaca-se ainda na década de 1930 e
perdura até os dias atuais (Ramos; Frigotto, 2017).
Apreendendo-se tal problemática, no presente texto temos
como objetivo discutir a Reforma do Ensino Médio no Brasil,
instituída a partir da Medida Provisória n. 746/2016 e da Lei n.
13.415/2017, após ter sido aprovada pelo Congresso Nacional
(Câmara de Deputados e Senado Federal) e apresentar elementos
para compreensão do proposto nessa legislação, além de
vislumbrar possíveis desdobramentos para a formação ofertada no
Ensino Médio a partir da Base Nacional Comum Curricular para o
Ensino Médio, publicada logo em seguida.

1A discussão proposta para esse capítulo é parte de pesquisa desenvolvida para o


Trabalho de Conclusão de Curso apresentado, no de 2022, ao Instituto Latino-
Americano de Arte, Cultura e História da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura em
História pelo autor Daniel Alfonso Rusch, orientado pela Profa. Dra. Márcia
Cossetin. O texto foi atualizado para essa publicação contando com a colaboração
da autora Lidiane Cossetin Alves.

139
Os objetivos apresentados são provenientes das seguintes
indagações: “Como se constitui historicamente o EM no Brasil?”;
“Como se deu o processo de promulgação da Reforma do Ensino
Médio no ano de 2017?”; e “Como se organiza o Ensino Médio a
partir da Reforma e da BNCC/EM (2018) e quais os possíveis
impactos para a formação nessa etapa da Educação Básica?”.
Sabemos que tais questões não podem ser facilmente respondidas
e, por este motivo, traremos determinados elementos para o debate,
tendo claro os limites impostos tanto pela especificidade deste
capítulo, como também pelo processo de implantação da Reforma,
ainda inicial. Ademais, na busca pela resposta aos questionamentos
e para atender aos objetivos delimitados, metodologicamente
realizamos pesquisa exploratória de tipo documental e
bibliográfica e fundamentando-nos em autores que pesquisam a
temática, tais como: Cury (1982); Saviani (2008, 2011, 2018);
Romanelli (1984); Nagle (2001); Ramos e Frigotto (2017); Ferreti
(2018), dentre outros.
Nessa direção, considerando a educação e, nela, a escola como
um espaço de constantes disputas e mudanças, trazemos alguns
marcos históricos delimitadores do Ensino Médio no Brasil, os
quais apresentamos no primeiro subtítulo deste capítulo. Em
seguida, fazemos a discussão sobre as mudanças ocorridas na
atualidade, sobretudo no que se refere ao processo de promulgação
e implantação da Reforma do Ensino Médio do ano de 2017, da
BNCC/EM (2018) e seus elementos constitutivos, problematizando-
os. Por fim, apresentamos considerações e conclusões possíveis
acerca da organização e formação a ser ofertada nesta etapa da
Educação Básica.

A CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL


NO PERÍODO PRÉ-DITADURA MILITAR DE 1964:
APROXIMAÇÕES

Para atendermos aos objetivos propostos no capítulo, é


necessário que conheçamos, mesmo que de forma sucinta, dada a

140
especificidade do texto ora apresentado, os elementos constituintes
da educação no Brasil. Nesse sentido, delimitamos para o princípio
de nossa incursão o início do século XX: a delimitação se dá em
função de que, conforme indica Saviani (2008), é a partir da década
de 1930 que ocorre um crescimento acelerado emergindo a escola
para as massas (Saviani, 2008).
Nesse período, o Brasil era majoritariamente agroexportador;
por essa posição, o país encontrava-se em grande atraso quando
comparado aos países mais industrializados; nesse sentido, os
conflitos entre o ramo agropecuário e a recente organização
político-econômica de setores urbano-industriais eram intensos,
sendo os últimos consolidados vencedores dessa disputa
(Nascimento, 2007). No contexto, em que o foco dos meios de
produção estava voltado para o abastecimento interno do país, com
visão nacional-desenvolvimentista, era necessário que houvesse
qualificação da população que serviria como mão de obra para esse
setor, o que pressupunha pensar no papel da educação no contexto.
Um dos movimentos referentes à educação no período é o
chamado “Entusiasmo pela Educação”2, que visava a erradicação
do analfabetismo no Brasil como uma maneira de superar os
desafios impostos pelo processo de inserir o país entre os “países
civilizados” promovendo ainda o seu desenvolvimento econômico.
Nessa perspectiva, em 1909 foi publicado o Decreto Presidencial
n. 7.566/1909, do presidente da época, Nilo Peçanha, para a criação de
19 Escolas de Artífices Aprendizes, formando assim a
institucionalização do modelo de ensino voltado ao trabalho. Vale
ressaltar que tal idealização de escola voltada para o trabalho era
concebida com o objetivo de profissionalização das camadas mais
pobres do país, sendo que a educação formativa e preparatória para o

2 Aspirava-se, no período, erradicar o analfabetismo, problema importante


identificado como empecilho para o desenvolvimento do país e sua inserção no
mundo considerado como civilizado. Nesse sentido, Nagle (2001) identifica o
surgimento de movimentos que denominou como “entusiasmo pela educação” e
“otimismo pedagógico” (Nagle, 2001). Para maior aprofundamento, ver: NAGLE,
J. Educação e Sociedade. Na primeira república. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

141
ingresso no ensino superior estava sendo pensada para as elites
econômicas da época (Cossetin; Gregol; Pieniak, 2018).
As iniciativas de organização educacional, que incluíam também
o Ensino Secundário, ficavam restritas aos estados e, como assinala
Fagundes (2011), “[...] durante as primeiras décadas do século XX não
se efetivou a construção de um regime uniforme de Ensino
Secundário para todo o país” (Fagundes, 2011, p. 331). Apesar de se
anunciar a educação escolar como propulsora do desenvolvimento,
conforme assevera Fagundes (2011): “[...] a escola sempre foi
identificada pelos republicanos como sendo o espaço propício e
adequado para, como observa, se desenvolverem e transmitir as ideias
de ‘Ordem e Progresso’” Mas, o ensino permaneceria inalterado
mesmo com a mudança para a República, a educação continuaria com
exclusividade da minoria (Fagundes, 2011, p. 331).
De acordo com Saviani (2008, p. 2),

[...] apesar do entusiasmo que marcou o início do período


republicano com a criação dos grupos escolares, até o final da
Primeira República o ensino escolar permaneceu praticamente
estagnado, como se vê pelo número de analfabetos em relação à
população total, que se manteve no índice de 65% entre 1900 e 1920.

Na década de 1930, o desenvolvimento da industrialização e


da organização social capitalista começaram a demandar um
sistema de ensino que abastecesse a necessidade de mão de obra
para os setores industriais, resultando na formalização do Ensino
Secundário no país. No mesmo período, o movimento dos
“Pioneiros da Educação Nova” pretendia formar uma escola única,
laica, gratuita e aberta para a educação conjunta de ambos os sexos
e que indicava, como assevera Saviani (2014), a construção de
sistema nacional de educação. Na contramão destas aspirações, que
de fato não têm êxito, manteve-se o ensino limitado e voltado ao
trabalho para as camadas mais pobres enquanto as classes mais
abastadas usufruíam da educação privada (Santos; Carvalho;
Oliveira, 2019).

142
Todavia, não indiferente aos movimentos que aliavam
desenvolvimento do país com a educação da população
majoritariamente analfabeta, é também em 1930 que se institui, no
Governo de Getúlio Vargas, em 14 de novembro, por meio do
decreto n. 19.402, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde
Pública, sob o comando de Francisco Campos. De acordo com
Saviani (2014), é partir de então que começa a ser reconhecida,
também no plano institucional, como uma questão pertinente ao
nível nacional.
Uma das medidas implantadas por Francisco de Campos à
frente do novo Ministério foi, em 1931, a chamada Reforma
Francisco Campos3. Pela Reforma, unificou-se o ensino do país em
duas etapas: o fundamental com 5 anos e uma complementar com 2
anos – a primeira oferecia uma formação geral e, a segunda uma
formação propedêutica. Foi uma política de ensino que procurou
homogeneizar o sistema de ensino no país e tornou a educação uma
pauta para o governo da época, pois sofria a pressão popular, sendo
que a camada da classe média compreendia o Ensino Secundário
como uma forma de ascensão social. Conforme assinala Romanelli
(1984), a Reforma apresentava o mérito de proporcionar maior
organização para o Ensino Secundário, “[...] estabelecendo
definitivamente o currículo seriado, a frequência obrigatória, dois
ciclos, um fundamental e outro complementar e a exigência de
habilitação neles para o ingresso no ensino superior” (Romanelli,
1984, p. 135). Desse modo, a Reforma apresentou uma estrutura
orgânica ao Ensino Secundário, que foi imposta à organização
educacional do país, dando início a uma ação que podemos entender
como mais objetiva do Estado na educação (Romanelli, 1984).

3 Dentre as medidas: Decreto n° 19.850 – 11 de abril de 1931: cria o Conselho


Nacional de Educação; Decreto n° 19.890 – 18 de abril de 1931: dispõe sobre a
organização do Ensino Secundário; Decreto n° 20.158 – 30 de junho de 1931:
organiza o Ensino Comercial, regulamenta a profissão de Contador e dá outras
providências; Decreto n° 21.241 – 14 de abril de 1932: consolida as disposições
sobre a organização do Ensino Secundário.

143
Ainda, a Reforma instituiu novas estratégias, como a
frequência obrigatória, seriação do currículo e a avaliação dos
alunos; no entanto, não previa a destinação de recursos suficientes
e era vista como um modelo comercial – por possuir um formato
fortemente enciclopédico e seu método de avaliação para ingresso
no ensino superior –, favorecendo as elites nacionais com um
ensino de modelo propedêutico, capaz de suprir as necessidades
de conhecimento dos ramos de letras, ciências e humanidade, áreas
as quais se faziam necessárias para o processo seletivo ao ingresso
no ensino superior.
Posteriormente, tais avanços na área da educação,
formalizadas pela Constituição Federal de 1934, foram apagados
pela Constituição Federal de 1937: o Estado se posicionou com
papel secundário para prover a educação e se eximiu da obrigação
de ofertá-la à população, sendo que o dever de promoção à
educação passou a ser obrigação dos pais e responsáveis.
Conforme indicam Cossetin, Gregol e Pieniak (2018), a partir
disso, em 1942, a educação foi reorganizada por meio de oito
Decretos-leis4, que corresponderam à Reforma Capanema, sendo
que o Decreto-lei n. 4.244/1942 tratou do Ensino Secundário. Nesse
sentido, Krawczyk (2011) indica que a questão educacional passou
a expressar evidentemente a dicotomia: formação geral versus
formação profissional; ainda instaurou a possibilidade de
compartilhamento da responsabilidade de oferta do Ensino
Secundário com a iniciativa privada – a partir da implantação e
manutenção das escolas técnicas, na década de 1940, a fim de
atender à indústria em desenvolvimento. Ainda mais, as

4“a) Decreto-lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que criou o SENAI; b) Decreto-lei


n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942: Lei Orgânica do Ensino Industrial; c) Decreto-lei
n. 4.244, de 9 de abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino Secundário; d) Decreto-lei n.
6.141, de 28 de dezembro de 1943: Lei Orgânica do Ensino Comercial; e) Decreto- -
lei n. 8.529, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Primário; f ) Decreto-lei
n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Normal; g) Decreto-lei n.
8.621, de 10 de janeiro de 1946, que criou o SENAC; h) Decreto-lei n. 9.613, de 20 de
agosto de 1946: – Lei Orgânica do Ensino Agrícola” (Saviani, 2011, p. 269).

144
instituições privadas de ensino também supriram uma demanda
educacional, em razão do baixo atendimento e da baixa qualidade
da educação pública proveniente, sobretudo, da falta de
investimentos do poder público (Krawczyk, 2011).
Assim, no ano de 1942, com a Reforma conhecida como Lei
Orgânica do Ensino Secundário, o então ministro da educação,
Gustavo Capanema, redefiniu o Ensino Secundário, em que se
instituiu a mesma dicotomia no Ensino Secundário, onde uma era
dirigida à formação geral e outra para a formação
profissionalizante. Juntamente, se instituiu os convênios com as
iniciativas privadas de ensino, alegando a falta de qualidade do
setor público em contrapartida à grande demanda do setor
industrial aquecido. Então, o ensino profissionalizante, destinado
aos filhos dos trabalhadores, abrangia as áreas industriais,
agrícolas, comerciais e normais; enquanto o modelo propedêutico
formava as elites sociais, sendo o conteúdo que se necessitava
domínio para acesso ao ensino superior, o qual não era ofertado
para o ensino profissional – impossibilitando, assim, seu domínio e
chance de ingresso no próximo passo da caminhada educacional
(Santos; Carvalho; Oliveira, 2019).
Tal realidade se prolongou até 1961, quando houve a primeira
Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional no país, a LDB n.
4.024/1961. Apesar de ter regulamentado o Ensino Secundário
como parte da educação nacional, conforme indicam Ramos e
Frigotto (2017), não alterou substancialmente a dicotomia
anteriormente apresentada, ainda não atendendo as demandas
mais populares. Em suma, estabeleceu o ensino em ginasial, com
duração de quatro anos, e o colegial, com duração de 3 anos, além
de convênios com o ensino privado para ampliação da rede, com
concessão de bolsas de estudos.
Durante o período de ditadura militar (1964-1985), ocorreram
duas importantes Reformas na Lei de Diretrizes e Bases de 1961: as
Leis n. 5.540/1968 e n. 5.692/1971. A Lei n. 5.540/1968 tratava da
reformulação do ensino superior; já a Lei n. 5.692/1971, alterava os
ensinos de 1º e 2º graus. Com amplos investimentos nos setores

145
industriais por parte do governo militar, houve a necessidade da
formação de mão de obra que atendesse essa demanda de
trabalhadores e, para isso, o ensino básico foi reestruturado em
1971, sendo o ginásio adaptado como 1º Grau e colegial para 2º
Grau, introduzindo no segundo a compulsória profissionalização
do ensino.
Com as novas legislações do período – Leis n. 5.540/68 e
5.692/71 – pretendendo-se conter a pressão sobre a universidade e,
ainda, “[...] cumprir esse papel de controlador do fluxo da
demanda pelo nível superior, o ensino de 2º grau não poderia ser
discriminatório. E, assim, aprovou-se o a profissionalização
universal e obrigatória [...]” (Cury et al., 1982, p. 21-22).
Entretanto, não houve muito êxito no projeto, pois nem as
estruturas físicas nem as pedagógicas dos colégios conseguiam
atender a proposta compulsória na profissionalização, onde os
estudantes não recebiam a instrução adequada; enquanto o ensino
propedêutico, com a finalidade de ingresso na universidade, ao não
apresentar capacidade adequada de atender a tal demanda. Para
além disso, “A principal contradição [...], foi a crescente função
propedêutica do ensino técnico contrapondo-se ao propósito da lei
de conter o acesso dos filhos da classe trabalhadora ao Ensino
Superior (Ramos; Frigotto, 2017, p. 31), em que, inclusive,
idealizou-se o ensino profissional como uma maneira de barrar o
acesso de trabalhadores nas universidades, justificando que a
instrução técnica seria o suficiente para essa camada social (Santos;
Carvalho; Oliveira, 2019).
Todavia, o argumento não se alinhava ao projeto proveniente
da classe média, que buscava a ascensão social, e que não aceitou a
função contenedora do ensino técnico; nesse sentido, foram
engendrados “[...] ajustes curriculares nos cursos profissionais –
oficialmente reconhecidas nos pareceres do Conselho Federal de
Educação – e, finalmente, a extinção da profissionalização
obrigatória no 2º grau” (Ramos; Frigotto, 2017, p. 32).
Leher (2016) indica que a Lei n. 5.692/1971 tinha como
objetivo central, formar recursos humanos com a perspectiva de

146
trabalho simples com baixos os salários; essa tarefa seria
executada por meio da profissionalização precoce, todavia, o
projeto fracassou. Assim, por dificuldades na implementação do
ensino técnico no país, em 1982, a partir da Lei n. 7.044/1982, foi
retirada a obrigatoriedade da profissionalização do 2º Grau,
retomando a dicotomia histórica na divisão da última etapa da
educação básica (Cossetin; Gregol; Pieniak, 2018).

REDEMOCRATIZAÇAO E OS RUMOS DA EDUCAÇÃO PARA


OS JOVENS

O processo de redemocratização do Brasil, iniciado ainda nos


anos de 1970, se dá em um contexto de movimentações e
organização dos educadores em torno das pautas relacionadas à
educação da classe trabalhadora. Conforme asseveram diferentes
autores, tais como Saviani (2018), Ramos e Frigotto (2017), dentre
outros, o final da década de 1970 e toda a década de 1980 são
períodos históricos de aglutinação de forças políticas, sindicais,
movimentos sociais, entidades científicas e culturais em resistência5
à Ditadura Militar e seus projetos.
Em que pese a importância da redemocratização do Brasil,
ocorrida em 1985, há de se vislumbrar que a chamada “transição
democrática”, se concretiza como uma “[...] estratégia da
conciliação pelo alto, visando a garantir a continuidade da ordem
socioeconômica em consonância, portanto, com a visão dos grupos
dominantes, à frente a burguesia, que interpretam a ‘transição

5 ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação),


fundada em 1977; CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade), cuja
fundação foi articulada em 1978 e formalizada em março de 1979; ANDE
(Associação Nacional de Educação), fundada em 1979; CPB (Confederação dos
Professores do Brasil), constituída em 1979 a partir da CPPB (Confederação dos
Professores Primários do Brasil), criada em 1960); CNTE (Confederação Nacional
dos Trabalhadores da Educação), na qual se transformou a CPB em 1989; ANDES
(Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior), criada em 1981;
FASUBRA (Federação das Associações de Servidores das Universidades
Públicas), criada em 1978 (Saviani, 2018).

147
democrática’. Assim, seguiu-se a estratégia da conciliação que
reproduz e preserva os privilégios da burguesia com o
consentimento dos dominados que buscavam a democratização
(Saviani, 2018, p. 292).
Em um contexto de redefinição do Estado brasileiro ao mesmo
tempo em que se firmavam os preceitos neoliberais6 no Brasil, as
políticas educacionais foram marcadas pelo denominado “Estado
Mínimo”, sobretudo a partir da década de 1990, considerando-se
que na “[...] Nova República presidida por José Sarney com a
instalação de um governo civil, em 1985, nas eleições do Colégio
Eleitoral, caracterizou-se pelo democratismo, indefinições e
ambiguidades” (Saviani, 2018, p. 294), que é sentido também no
âmbito das definições de políticas educacionais.
De acordo com o mesmo autor, o grande marco da educação
após a redemocratização foi a criação da atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, a LDB n. 9.394/1996. Assim, na nova
Diretriz, ao tratar-se da Educação Básica, o ensino é dividido em:
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Então, a
LDB orientava a progressiva extensão da obrigatoriedade do Ensino
Médio, todavia seu desenvolvimento ocorre, como demarcamos, em
um período de implantação de políticas neoliberais por parte dos
governos brasileiros – tendo seu ápice na década de 1990, no
Governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).

6 “A nova ordem socioeconômica então instaurada recebeu o nome de


‘neoliberalismo’ que remete ao ‘Consenso de Washington’. [...] No que se refere à
América Latina o consenso implicava, em primeiro lugar, um programa de
rigoroso equilíbrio fiscal a ser conseguido por meio de reformas administrativas,
trabalhistas e previdenciárias tendo como vetor um corte profundo nos gastos
públicos. Em segundo lugar, impunha-se uma rígida política monetária, visando
à estabilização. Em terceiro lugar, a desregulação dos mercados tanto financeiro
como do trabalho, privatização radical e abertura comercial. Essas políticas que
inicialmente tiveram que ser, de algum modo, impostas pelas agências
internacionais de financiamento mediante as chamadas condicionalidades, em
seguida perdem o caráter de imposição, pois são assumidas pelas próprias elites
econômicas e políticas dos países latino-americanos” (Saviani, 2018, p. 292-293).

148
Neste ínterim, apresenta-se a justificativa da necessidade de
aprimorar e qualificar o jovem para as novas diretrizes no trabalho,
influenciadas ainda pelas orientações provenientes dos
Organismos Internacionais, dentre eles o Banco Mundial, que vem
com o discurso e palavras-chave, tais como: excelência,
profissionalização, qualificação e outras que no senso comum soam
como positivas. A LDB, então, estruturaria o Ensino Médio para o
final da educação básica alegando que é a formação de cidadania
para o jovem poder exercer o trabalho com dignidade e
competência (Santos; Martins, 2021).
No ano de 1997, o então presidente do Brasil, FHC, assinou o
Decreto n. 2.208/1997, que regulamentava a Educação profissional
para, segundo o ideário do momento, atender a necessidade do
mercado. Assim, a formação técnica se daria em processo rápido e
fragmentado, concomitantemente ou subsequente ao ensino médio,
sendo mais uma maneira de produzir o capital humano em um
sistema fordista-taylorista de formação de indivíduos visados à mão
de obra, sem qualquer desenvolvimento do ensino crítico para
situar-se acerca da realidade, alienando-o e prendendo-o aos meios
tradicionais de produção capitalista (Santos; Martins, 2021).
Em 2003, Luís Inácio Lula da Silva assume a presidência do
país e, no ano de 2004, é sancionado o Decreto n. 5.154/2004,
definindo a unificação do ensino técnico ao ensino geral, de forma
concomitante ou subsequente. De acordo com Ramos e Frigotto
(2017), era necessário

[...] retomar a construção interrompida em 1997 quando especialmente


a rede federal procurou fundamentar seu projeto político-pedagógico
no conceito de educação tecnológica com perspectiva politécnica. Com
isto, mais importante do que a conquista jurídica era a conquista ético-
política de se debater sob que princípios se guiaria a integração entre os
cursos ou a formação integrada, os quais se condensaram no que
passamos a designar como a proposta do Ensino Médio Integrado
(Ramos; Frigotto, 2017, p. 42).

149
A ideia seria a criação de um currículo unificado entre
profissionalizante e propedêutico, oportunizando para o jovem da
classe trabalhadora uma base cientifica, técnica e cultural, de
maneira conjunta, procurando a superação entre a antiga dicotomia
entre a formação geral e propedêutica observada desde a formação
da última etapa do ensino básico (Santos; Carvalho; Oliveira, 2019).
No ano de 2008, ainda no contexto da presidência de Lula, a Lei
n. 11.892/2008 é aprovada, criando os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia. Nesse projeto, são formadas como
instituições de ensino superior, básica e profissional,
pluricurriculares, especializada em educação profissional desde o
ensino médio, Educação de Jovens e Adultos (EJA), ao doutorado.
Logo, tal política de educação leva o ensino de qualidade (com
investimento) às áreas interioranas do país, tornando-se um
processo de aprendizado politécnico que combina com educação
profissional, cientifica e cultural, ofertando a educação de
constituição social e humana juntamente com a profissional, além de
possuírem autarquia e autonomia para desenvolvimento didático-
pedagógico, incluindo a gestão própria de recursos e patrimônios
(Santos; Carvalho; Oliveira, 2019).
No entanto, o lobby empresarial se mantinha forte nas esferas
políticas também durante o governo do Partido dos Trabalhadores,
sendo os setores privados7 os principais interessados em políticas
públicas de educação que visam o ensino profissionalizante, os
convênios público-privado e promover a educação propriamente
voltada ao trabalho. A Lei n. 11.079/2004, que institui e renova as
normas gerais para licitação e contratação de parceria público-
privada no âmbito da administração pública, é uma amostra de tal
desejo de inserção do âmbito privado juntamente ao meio público

7 Para saber mais sobre a atuação dos atores privados no âmbito da educação
pública, a partir da década de 1990, ver: COSSETIN, M. As políticas educacionais no
Brasil e o movimento todos pela educação: parcerias público-privadas e as
intencionalidades para a educação infantil. 2017. Tese (Doutorado em Educação)
– Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2017.

150
e governamental, sendo essa lei a conciliadora dos convênios da
esfera pública e empresarial.
Neste contexto, o Ensino Médio passa a ser anunciado como
universalizado e disponibilizado de forma gratuita, considerando-
se sua obrigatoriedade, conforme a Lei n. 12.061/2009, que altera o
disposto II do artigo 4º da LDB n. 9.394/1996: onde lia-se
anteriormente “progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade ao ensino médio” passou a ser “universalização do
Ensino Médio gratuito”; assim como, ao estabelecer a
obrigatoriedade e gratuidade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos
de idade, a partir da Lei n. 12.796/2013, apresentou o Ensino Médio
como parte da Educação Básica e como dever do Estado, o que
indica a perspectiva dos

[...] Governos do período que, mesmo com limitações no sentido de


busca da superação da sociedade atual em sua essência, implantam
ações que demonstram preocupação com o estabelecimento de
políticas sociais, entre elas as ligadas à educação e, especificamente,
à formação da classe trabalhadora em nível de EM (Cossetin; Gregol;
Pieniak, 2018, p. 686).

Todavia, mesmo em tal período, havia, conforme


demarcamos, influência empresarial no Governo Federal,
conforme já ocorria em governos anteriores. Ainda mais, essa
influência dá-se também no âmbito da definição das políticas
educacionais, inclusive curriculares. As justificativas para tais
interlocuções seriam os baixos índices de avaliação do ensino nas
avaliações externas, a evasão, dentre outros, sobretudo ao tratar-se
do ensino médio, e demandariam uma Reforma8. Como aponta
Ferreti (2018, p. 27), insiste-se

8Cabe observar que as avaliações aplicadas apresentam resultados tecnicistas, de


cunho neoliberais, que avaliam as áreas insuficientemente, como Língua
Portuguesa e Matemática apenas, de modo generalizado, sem avaliar contextos e
realidades distintas de cada vida e comunidade escolar, evidenciando apenas
números, que, no entanto, não conseguem demonstrar reais amostras de ensino

151
[...] na perspectiva de que o conjunto dos problemas presentes no
Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração
curricular, contrariando, de um lado, as experiências vividas por
governos anteriores que já trabalharam com semelhante tipo de
abordagem e, de outro, com a própria secundarização do que a
literatura educacional entende por currículo, ou seja, o conjunto de
ações e atividades realizadas pela escola tendo em vista a formação
de seus alunos, as quais são, obviamente, afetadas pelo acima
indicado, assim como pelo clima das relações existentes
interiormente à unidade escolar e desta com seu entorno e com as
famílias dos educandos.

Neste contexto, o governo de Michel Temer, no ano de 2016,


apresenta, por meio de Medida Provisória de n. 746/2016, a
denominada Reforma do Ensino Médio. De acordo com Cossetin,
Gregol e Pieniak (2017, p. 686),

A apresentação da MP nº 746, pelo executivo Federal, deu-se no dia


22 de setembro do ano de 2016, logo após a sua pose que ocorreu no
dia 31 de agosto do mesmo ano, tendo assumido definitivamente o
cargo depois da decisão do Senado Federal de cassar o mandato da
Presidenta eleita em outubro de 2014. Michel Temer já havia
assumido interinamente a Presidência no dia 13 de maio de 2016.

Assim, em 2016, após o golpe contra a presidenta Dilma


Rousseff, Michel Temer, então empossado, assumiu o
compromisso de apresentar a Reforma do Ensino Médio tão
aguardada pelo mercado. Então, realiza uma ação empresarial
coordenada com os setores públicos, sob a argumentação de
urgência em melhorar a qualidade da educação, motivada pelos
baixos resultados em Língua Portuguesa e Matemática pelo Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), por possuir

ou qualidade da educação ofertada. Sendo assim, são avaliações tendenciosas, que


procuram evidenciar falhas no sistema de ensino e justificar as demandas, em
principal das elites empresariais. Para saber mais consultar, especialmente, os
estudos do professor Luiz Carlos de Freitas.

152
grades de muitas disciplinas – 13, no geral – e, ainda, que a
quantidade de disciplinas seria o motivo pelo grande desinteresse
do estudante; ademais, também sob a justificativa de que a
proposta de flexibilizar o currículo seria de experiências conforme
países com altos índices no Programa Internacional de Avaliação
de Alunos (PISA) – organizada pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No entanto, a partir do último argumento – sobre a evasão por
conta da grade obrigatória –, é sabido que não ocorre com esse fator
determinante. Para o estudante na faixa etária de Ensino Médio,
outros fatores podem incidir para o aumento da evasão: pode ser
ocasionada por gravidez precoce, violência doméstica, por vezes
violências dentro dos muros da escola entre estudantes ou mesmo
dos profissionais escolares e, principalmente, pela necessidade de
trabalhar para a complementação de renda familiar e também para
atender as necessidade atreladas à idade e meio em que está
inserido, com influência midiática para o consumo e aquisição de
bens materiais e imateriais (Santos; Martins, 2021).
É necessário demarcar que a Reforma já vinha sendo
construída por meio do Projeto de Lei n. 6.840/2013, apresentado
por uma Comissão Especial da Comissão de Educação da Câmara
dos Deputados, em que se exibia uma reformulação do Ensino
Médio, sendo a proposta de integralização do ensino deixando-o
com carga horária mínima de sete horas diárias, em uma
progressão de universalização em 20 anos com prazo para
adequação de 50 % em 10 anos; a proibição do ensino noturno para
menores de 18 anos, minando a população jovem que já trabalha
para o complemento de renda familiar; a separação em quatro áreas
de conhecimento, que seriam português, matemática, ciências da
natureza e ciências sociais; além da profissionalização nos anos
finais com a escolha focalizada em área de estudo ou área de
tecnologia (PL n. 6840/2013). Assim sendo, portava a mesma
justificativa atual, de que a grade curricular era muito extensa e não
havia necessidade de ser abordado todo conteúdo, dentre demais
justificativas. O projeto foi discutido e arquivado em 2015; no

153
entanto, é uma das bases para a Medida Provisória n. 746/2016,
constituída por Michel Temer após o impeachment de Dilma
Rousseff da Presidência da República. Assim, com Michel Temer
no poder, o novo texto foi rapidamente aprovado por meio da já
mencionada MP.
A MP n. 746/2016 é originadora da Lei n. 13.415/2017. Michel
Temer estava como presidente interino do país há apenas 133 dias,
sendo um período de tempo muito curto para que seja formulada
uma decisão com força de lei a respeito de uma área tão importante
como é a educação, mais ainda pensando em uma reformulação
completa de uma etapa de ensino básico. Pode-se afirmar com tal
celeridade de formação dessa nova política pública de educação é
que o projeto já estava sendo articulado antes da saída da
presidenta Dilma Rousseff. Articulação tal que ocorreu sem
nenhuma consultoria com a sociedade civil, pois setores de
profissionais da educação, pesquisadores ligados à área de atuação
e estudantes não possuíram voz e não foram consultados para a
formação dessa política educacional, conforme indicam Ferreti
(2016; 2018), dentre outros.
A proposta foi levada ao Congresso Nacional e aprovada
rapidamente pelos parlamentares em 16 de dezembro de 2016,
aprovada pelo Senado Federal em 08 de fevereiro de 2017 e
sancionada pelo Presidente da República em 16 de fevereiro de
2017. Em que pese, ocorreram muitos protestos em todo o país, que
envolveram professores e, sobretudo, estudantes mobilizados
contra a nova lei.
Em consulta pública realizada pelo site do Senado, foi apurado
uma expressiva contrariedade da população em relação à Reforma
com uma votação de 73.565 votos contra a lei e apenas 4.551 votos
a favor. Desse modo, um percentual de 94,17% dos participantes da
pesquisa manifestou-se contra o projeto de lei, mas as mobilizações
populares não surtiram efeito. O Fórum Nacional da Educação
(FNE), que participa das concepções, implementações e avaliações
das políticas educacionais, não fora consultado, se pôs contra a
formulação rápida sem a consultoria devida; logo, a conduta por

154
parte dos poderes executivo e legislativo foi vista como
antidemocrática (Cossetin; Gregol; Pieniak, 2018).
O Governo Federal, via Ministério da Educação e Cultura
(MEC), justificou o processo acelerado em virtude dos baixos
resultados nas avaliações externas no ensino, afirmando que os
debates sobre a Reforma já ocorreriam desde a LDB n. 9.394/1996 e,
por essas razões, já haveria o projeto pronto para a implementação.
Todavia, demarca-se que Governo não apresentou dados concretos
e não foram abertos às discussões pertinentes ao projeto. Conforme
Ferreti (2018, p. 25) aponta,

[...] as políticas referidas ao Ensino Médio, como, de resto, as políticas


governamentais em geral, atendem e mobilizam interesses de
natureza diversa, não necessariamente congruentes, em torno da
educação destinada aos jovens, ainda que, aparentemente, a leitura
dos objetivos gerais da LDB relativos a essa etapa sugira a existência
de consensos a respeito. Por isso, encontram respaldo por parte de
alguns setores da sociedade, ao mesmo tempo que despertam críticas
por parte de outros.

Nesse contexto, em que pesem as forças em disputa, é


importante apreendermos a forma autoritária com que a Reforma
foi promulgada e apresentada às escolas. Nesse sentido, denota,
ainda, a preocupação com sua implementação e a formação dela
proveniente, que discutiremos em seguida.

A LEI N.º 13.415/2017: ORGANIZAÇÃO E FORMAÇÃO A SER


OFERTADA

A Reforma do Ensino Médio (Lei n. 13.415/2017), alicerçada


em alterações no conteúdo curricular e na carga horária, prevê
uma formação geral e uma parte diversificada – itinerários
formativos –; ainda, demarca que no ano de 2022 a oferta do Ensino
Médio deveria ser de no mínimo 1.000 horas anuais de carga
horária, chegando a 1.400 horas, conforme parágrafo 1º, do artigo

155
1º da referida lei, que altera o artigo 24 da LDB 9.394/96: “A carga
horária mínima anual [...] deverá ser ampliada de forma
progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas,
devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco
anos, pelo menos mil horas anuais” (Brasil, 2017).
Então, os itinerários formam 40% do currículo, enquanto os
outros 60% constituem-se pela formação da base geral comum,
sendo apenas obrigatórias as disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática, segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
do Ensino Médio, publicada em 2018, após a emissão do Parecer do
Conselho Nacional de Educação CNE/CP n. 15/2018, de 4 de
dezembro, pelo qual se institui a Base Nacional Comum Curricular
do Ensino Médio (BNCC-EM) e orientação aos sistemas de ensino
e às instituições e redes escolares para sua implementação, a fim de
atender a especificidade da Reforma promulgada no ano de 2017.
De acordo com o documento, a formação geral básica
obrigatória e as chamadas competências específicas e habilidades
devem ser organizadas em quatro áreas de conhecimento –
Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas:

Art. 35 A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e


objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do
Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do
conhecimento: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e
suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV -
ciências humanas e sociais aplicadas. § 1º A parte diversificada dos
currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema
de ensino, deverá estar harmonizada à Base Nacional Comum
Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico,
social, ambiental e cultural (Brasil, 2017).

Assim, demarca que disciplinas como Educação Física, Artes,


Sociologia e Filosofia passaram a ser diluídas nas mencionadas
áreas: “§ 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao Ensino

156
Médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação
física, arte, sociologia e filosofia” (Brasil, 2017). Então, ao considerar
tal prerrogativa como um entendimento heterogêneo ao delimitar-
se a formação dos estudantes, definir disciplinas, tais como
“Estudos e práticas” pode gerar desdobramentos de anulação das
disciplinas e seus conhecimentos pertinentes no currículo.
Ferreti (2018) explicita que o significado de “estudos e
práticas” teria sido explicado por Maria Helena Guimarães de
Castro – uma das principais responsáveis pela Reforma do Ensino
Médio –, para Revista Nova Escola em 2017, ao afirmar que não é o
componente curricular dessas disciplinas que é obrigatório e, sim,
o ensino de Sociologia, Filosofia, Educação Física e Arte, que seriam
contemplados na composição de uma disciplina ou em um projeto
interdisciplinar.
Percebe-se que a anulação da oferta de disciplinas como
Educação Física, Arte, Filosofia e Sociologia no currículo, de suma
importância para a formação humana e de caráter social do
indivíduo, privilegiando o ensino voltado ao mercado de trabalho.
Ademais, os proponentes da Reforma justificam que essas
disciplinas não são obrigatórias pela LDB n. 9.9394/96, mas
conteúdos obrigatórios, que serão abordados de forma integrada às
quatro áreas de formação da BNCC/EM (2018) e, não, em
disciplinas separadas, com autonomia.
Em contraposição, evidenciamos as disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática, de acordo com parágrafo 3º do artigo 35ª:
“§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será
obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às
comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas
línguas maternas” (Brasil, 2017). Portanto, são entendidas como
conhecimentos basilares, conforme aponta o documento produzido
pelo Movimento Todos pela Educação (TPE, 2019), um dos
idealizadores do Movimento Todos pela Base, que tiveram
participação ativa e definitiva na elaboração da BNCC/EM (2018).
Assim, a obrigatoriedade da oferta de Matemática e Língua
Portuguesa ocorre com a finalidade de contemplar as avaliações

157
externas, como Sistema Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), sendo
apenas para fins de melhoria nos índices avaliativos não
vinculados às outras observâncias do sistema educacional.
Ao utilizar como justificativa a crítica à LDB n. 9.9394/96 – de
que seria muito extensa e engessada – a proposta estabelecida é a
de que o estudante poderia aprofundar-se na área de ensino que
elegesse, de maior afinidade. Assim, apresentam a diluição das
disciplinas em meio ao currículo, tornando-as não objetivas, sem
autonomia e profundidade. No entanto, a LDB n. 9.9394/96 não
privava as áreas de conhecimento – diferentemente da proposta da
Reforma, onde os conteúdos são negados e o itinerário formativo
torna-se isolado e fragmentado.
Logo, conforme texto do documento da Lei n. 13.415/2017, em
seu artigo 36, os itinerários formativos

[...] deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes


arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas
tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da
natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais
aplicadas; V - formação técnica e profissional. § 1º A organização das
áreas de que trata o caput e das respectivas competências e
habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada
sistema de ensino (Brasil, 2017).

Assim, a formação e escolha pelos itinerários se torna um


obstáculo para as redes estaduais, pois devido às precarizações do
sistema público de ensino não será possível ofertar todas as
possibilidades de itinerários aos estudantes, mas ofertará
obrigatoriamente um dos itinerários. Os demais itinerários, então,
seriam ofertados conforme a disponibilidade de recursos, elemento
problemático ao considerar-se que na maioria dos municípios do
interior possuem estrutura e investimento precários. Sendo assim,
o jovem como “ator ativo”, conforme indica a BNCC/EM (2018),

158
não dispõe das devidas possibilidades de atuação. Conforme
Andrade e Motta (2022, p. 57-58),

[...] a afirmação de que os jovens terão “liberdade de escolha”.


Primeiramente, deve-se reparar a omissão de que, embora sejam
cinco itinerários formativos previstos, a lei obriga o oferecimento de,
no mínimo, dois itinerários. Em sendo assim, a dita escolha entre
cinco opções pode ser entre apenas duas, três ou quatro. Ademais,
omite-se também que as possibilidades de escolha provavelmente
refletirão as conhecidas desigualdades regionais: pensando em
termos de estrutura, não parece crível que nos tantos municípios que
têm apenas uma única escola de Ensino Médio [...] seja possível
oferecer tantas possibilidades. Isto sem contar aqueles municípios
que não têm sequer uma escola de nível médio, como é o caso de
Barro Preto (Bahia).

Apreendemos, portanto, que na perspectiva neoliberal é


necessário remodelar a subjetividade de “fracasso”, que passa a
culpar o indivíduo por não atingir seus objetivos, ao invés de
procurar a melhoria do conjunto sistêmico em si. Assim, com a
Reforma, tal discurso se intensifica, uma vez que se aponta o
protagonismo do estudante, culpando-o caso fracasse e, ainda,
também culpabilizando a escola por não atender as demandas com
qualidade, pois é pública.
Além disso, o projeto não busca promover o estudo das
desigualdades sociais, evidentemente apagando o ensino crítico e
social; pincela sobre o ensino de diversidade; entretanto,
oportuniza a formação para o desenvolvimento cognitivo e
socioemocional dos jovens, para melhor lidarem com as
adversidades que podem encontrar no mundo do trabalho após o
término do ensino. Aponta, também, uma formação sustentável,
apenas delimitando termos como “ecológicos” e “tecnológicos”,
sem destacar o desenvolvimento do pensamento crítico às políticas
de meio-ambiente e meios de produção.
Podemos notar que a pedagogia de competências é voltada ao
estudo de uma adequação do jovem às especificidades

159
profissionais, utilizando-se da conversão do currículo para atender
às demandas daquela ou de outra área de atuação técnica.
Compreende-se, então, que a adequação ocorre em virtude da
lógica do trabalho, já que a BNCC/EM (2018) evidencia atender as
demandas do mercado – pois em seu corpus documental apresenta
atributos de um trabalhador exemplar, citando que o currículo
busca o desenvolvimento de estudantes proativos, capacitados e
atualizados nos contextos de tecnologia e trabalho da atualidade,
sendo esse o ponto amplamente evidenciado no novo currículo: a
qualificação para o trabalho. Outrossim, compreende-se que o
discurso e a política de formação focalizada unicamente para o
trabalho originam-se na década de 1970 pelo Banco Mundial – a
ideia de profissionalização da sociedade e discurso oferecendo a
mudança de realidade por meio do trabalho, conquistada pela
qualificação adquirida pelo trabalhador. Tal discurso hegemônico
visa transformar o ideário popular sobre a educação qualificada;
apresenta garantir postos de trabalho mais rentáveis e
oportunidades para ascensão, uma saída de postos mais abaixo da
cadeia econômica-social (Ferretti, 2018).
Ainda mais, o programa destaca o protagonismo juvenil,
indicando a concepção de que os jovens possam superar as
dificuldades de suas próprias realidades, adquirindo resiliência
por meio da absorção das experiências ruins, convergindo-as em
habilidades para contornar as dificuldades e superá-las. Em geral o
discurso é voltado para a juventude mais pobre e periférica, que
necessita que suas realidades sejam alteradas para uma vida mais
digna; no entanto, o discurso adota uma exclusão do poder público
sobre as necessidades da comunidade em que o jovem está
inserido, dando à própria população o dever de mudar as situações
de precariedade em que vive (Santos; Martins, 2021).
Destarte, tais enunciações discursivas também se encaixam
com o intitulado Projeto de Vida, inserido na BNCC/EM (2018): se
torna uma ideia mascarada de humanismo, solidariedade e
construção de respeito e diálogo. O projeto visa uma projeção do
jovem para uma vida sustentável e saudável, formação cidadã

160
mesclada ao protagonismo juvenil, que está amarrada às
concepções neoliberais ao conduzir o jovem como unicamente
responsável sobre a alteração da realidade, diminuindo as
obrigatoriedades do Estado.
Logo, determinados termos e palavras-chave são inseridos no
discurso para a legitimação das medidas, como: habilidades,
competências, aprendizagem e reponsabilidade; são expressão da
formação cidadã com direitos e deveres formadas pelo capitalismo;
no entanto, os direitos são pouco respeitados pelo
desmantelamento do Estado. São, portanto, recorrentes no discurso
neoliberal, trazendo cargas de positividade aos termos utilizados e
coerência para com a realidade, pois com esses aspectos o
estudante com tal formação se tornaria um agente ativo na
sociedade, fazendo seu próprio caminho que independe de suas
possibilidades reais, mas apenas de sua vontade (Ferretti, 2018). De
acordo com Andrade e Motta (2022, p. 56):

[...] a estrutura dos itinerários formativos, amplamente voltados para


‘processos criativos’, ‘empreendedorismo’ e ‘economia criativa’, bem
como a robusta educação socioemocional voltada para a resiliência,
para a volatilidade e para as incertezas, o novo modelo, realmente,
preparará esses jovens para adentrarem ao mercado. Uma vez mais,
não se trata de uma proposta enganosa; ao contrário, ela oferece
exatamente aquilo a que se propõe.

Neste ínterim, com a Reforma, é previsto que seja ofertado o


ensino em tempo integral para as escolas públicas. Segundo o Plano
Nacional de Educação (PNE), Lei n. 13.005/2014, o objetivo é de que
50% das escolas públicas ofertem o ensino em tempo integral e,
ainda, que ao menos 25% dos estudantes estejam inseridos nesse
sistema até o ano de 2024. Com isso, a evasão deve ser observada,
pois a jornada integral impede que o estudante possa trabalhar em
horários de contraturno, realidade que atinge muitas famílias que
necessitam prover renda nas camadas populares da sociedade
(Ferretti, 2018).

161
Ademais, para que possa ser implementada tal jornada diária
de estudos, deve-se observar a disposição de um grande aporte de
recursos, melhorias de estruturais nas escolas, aumento do corpo
docente e número de funcionários, dentre outros; em
contraposição, o que observamos no contexto de políticas
neoliberais são medidas que buscavam (e buscam) precarizar e
cortar os investimentos na educação – tais como a Emenda
Constitucional n. 95, de teto de gastos.
As perspectivas, conforme demarcam Cossetin, Gregol e
Pieniak (2018), a partir dessas primeiras aproximações com a
Reforma do Ensino Médio e seus elementos constitutivos, indica-se
a precarização na formação a ser ofertada: deixam-nos alerta para
o desmonte daquilo que ainda estava em processo de construção –
que seria uma formação integral (não entendida como tempo
integral), que proporcione o acesso aos bens culturais,
principalmente para a classe trabalhadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos sobre as políticas educacionais para os


jovens, em princípio no Ensino Secundário e, posteriormente no
Ensino Médio, ao longo do século XX e início do século XXI,
compreendemos que estão articuladas à formação exigida para o
mercado de trabalho, sobretudo quando se analisa a formação
destinada à classe trabalhadora. Desse modo, conforme indicam
diferentes estudos, uma das características centrais presentes na
formação dos jovens é a dualidade formativa, isto é, um tipo de
formação para a classe trabalhadora e outra destinada à classe
detentora do poder econômico – tal dualidade se reflete, influencia
e determina as políticas educacionais, inclusive as curriculares.
Ao considerarmos a constituição histórica da educação no
Brasil, sobretudo na etapa do Ensino Médio, demarcamos avanços
significativos em relação ao acesso gratuito e, até mesmo, de
permanência ao defini-lo como parte da Educação Básica, em
contraposição aos períodos anteriores em que se delimitava a

162
educação de qualidade como privilégio para poucos. Neste ínterim,
é a partir da Lei n. 12.796/2013 que o Ensino Médio passa a fazer
parte da Educação Básica e se torna obrigatória dos 4 aos 17 anos
de idade; não obstante, sabemos que apenas a previsão legal não
assegura a universalização, mas é um importante elemento para
que se busque a efetivação desse direito.
Neste sentido, em que pesem os avanços, apreendemos a
persistência de muitos desafios relacionados ao Ensino Médio, que
se evidenciam com a Reforma do Ensino Médio, provenientes da
Lei n. 13.415/2017 e da BNCC/EM (2018). Dentre eles,
problematizamos no texto, especialmente: o Processo autoritário
com que a Reforma é promulgada, sem o debate necessário com
educadores, estudantes e diferentes movimentos e entidades; a
centralidade nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, o
que denota a preocupação com o saber pragmático a ser aferido nas
avaliações externas, presentes e definidoras da Educação no Brasil
desde a década de 1990 – que podem significar uma formação
voltada apenas para conhecimentos básicos relacionados aos
saberes próprios para a possibilidade de atendimento do mercado
de trabalho; a fragmentação do currículo, ao delimitar-se uma base
geral e os denominados itinerários formativos; o reducionismo da
formação, ao simplificá-la à precoce escolha do itinerário
formativo; a limitação analítica em relação aos desafios dessa etapa
de formação à definição de um currículo, não apresentando os
diversos fatores como a crescente desigualdade social, que
precarizam e determinam o acesso e a permanência de diversos
sujeitos também na etapa do Ensino Médio. Assim, não basta um
documento curricular para assegurar “direitos de aprendizagem”,
nem mesmo uma base de educação quando as questões estruturais
inviabilizam o acesso a tais elementos.
Ademais, com a explicitação e as aproximações possíveis a
partir dessa pesquisa, estabelece-se a percepção da necessidade de
novos estudos para apreendermos como tem se dado a
implementação da Reforma de 2017 e da BNCC/EM (2018) nos
estados brasileiros, considerando-se a heterogeneidade dos

163
desafios educacionais. Por fim, demarcamos, ainda, a intenção de
aprofundar os estudos no que se refere à área de conhecimento da
História para buscar compreender o espaço dispensado à disciplina
na BNCC/EM (2018) e as concepções teórico-metodológicas
orientadoras da formação nessa área de conhecimento, elemento
formativo que consideramos de extrema importância.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, M. C.; MOTTA, V. C. A mídia e a produção do


consenso em torno das políticas educacionais: o caso do novo
Ensino Médio. Revista de Políticas Públicas, v. 26, n. 1, p. 46-61,
jul. 2022.
BRASIL. Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930. Cria uma
Secretária de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios
da Educação e Saúde Pública. Diário Oficial da União, Poder
Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 18 nov. 1930, seção 1, p. 20883.
BRASIL. Decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931. Cria o Conselho
Nacional de Educação. Diário Official, Poder Executivo, Rio de
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organização do ensino secundário. Diário Official, Poder
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2 º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 18
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ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras
providências. Diário Official, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ,
13 fev. 1932, seção 1, p. 2625.
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disposições sobre a organização do ensino secundário e dá outras

164
providências. Diário Official, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ,
9 abr. 1932, seção 1, p. 6666.
BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o §
2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
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Cria nas capitães dos Estados da República Escolas de Aprendizes
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Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para
instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 dez. 2016, seção
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gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no
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BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 30 dez. 2008, seção 1, p. 1.
BRASIL. Lei nº 12.061, de 27 de outubro de 2009. Altera o inciso II
do art. 4o e o inciso VI do art. 10 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, para assegurar o acesso de todos os interessados ao ensino
médio público. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 28 out. 2009, seção 1, p. 1.

165
BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais
da educação e dar outras providências. Diário Oficial da União,
Poder Executivo, Brasília, DF, 05 abr. 2013, seção 1, seção 1, p. 1.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano
Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 jun. 2014, seção
1. p. 1. Edição Extra.
BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis n º
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-
Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de
fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e
institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Poder
Executivo, Brasília, DF, 17 fev. 2017. Ano CLIV, n. 35, Seção 1, p. 1.
BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial, Poder Executivo,
Brasília, DF, 27 dez. 1961, seção 1, p. 11429.
BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de
organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação
com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Poder Executivo, Brasília, DF, 29 nov. 1968, seção 1, p. 10369.
BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e
Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 ago.
1971, seção 1, p. 6377.
BRASIL. Lei nº 7.044, de 18 de outubro de 1982. Altera dispositivos
da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, referentes a
profissionalização do ensino de 2º grau. Diário Oficial da União,
Poder Executivo, Brasília, DF, 19 out. 1982, seção 1, p. 19539.

166
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
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Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
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BRASIL. Parecer CNE/CP nº 15/2018, aprovado em 4 de dezembro
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Médio (BNCC-EM) e orientação aos sistemas de ensino e às
instituições e redes escolares para sua implementação, em regime
de colaboração entre os sistemas de ensino, nos termos do Art. 211
da Constituição Federal e Art. 8 º da Lei nº 9.394/1996 (LDB). Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 04 dez. 2018, p. 33.
BRASIL. Projeto de Lei nº 6840, de 27 de novembro de 2013. Altera
a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para instituir a jornada em
tempo integral no ensino médio, dispor sobre a organização dos
currículos do ensino médio em áreas do conhecimento e dá outras
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169
170
PROVA PARANÁ E OS DESDOBRAMENTOS DO ENSINO
DE HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL I

Maria Laura de Oliveira Machado (UNILA)


Juliana Fatima Serraglio Pasini (UFRGS)

INTRODUÇÃO

A Prova Paraná (PP) é uma avaliação diagnóstica aplicada


anualmente em três edições, vinculado ao trimestre escolar,
correlacionando com os conteúdos elencados no Currículo da Rede
Paranaense/Referencial Curricular do Paraná, (CREP), surge após
a publicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no ano
de 2017. Esta propiciou a padronização dos conteúdos da Educação
Básica em todo país, tendo em vista que as avaliações de larga
escala possuem uma matriz de referência e essa passa a ser
atualizada no ano de 2019, alinhando-se aos conteúdos cobrados
nas avaliações de larga escala nacionais como Prova Brasil, a PP é
implementada como forma de diagnosticar a rede de ensino no
estado a fim de contribuir com melhoras significativas para os
resultados da Prova Brasil e IDEB.
No entanto, ao longo desta pesquisa, de caráter bibliográfico e
qualitativa, identificamos que a PP foi implementada, como um
método ou instrumento de controle e averiguação do ensino no
estado do Paraná. Outra questão refere-se à incorporação dos
conteúdos cobrados na PP estarem alinhados a BNCC e ao
Referencial Curricular do Paraná (CREP), publicado em 2019, que
passa a determinar quais conteúdos devem ser trabalhados em
cada trimestre pelos professores. Ainda há poucas pesquisas sobre
a temática, tornando-se importante analisar os desdobramentos da
Prova Paraná no currículo de história e a interferência na
metodologia do professor.

171
O problema da pesquisa busca responder se avaliações de
larga escala, em específico a Prova Paraná, seria realmente uma
forma de melhorar a qualidade do ensino? Ela contribui para tornar
os alunos mais críticos, ou está a serviço da reprodução,
classificação e competitividade entre os envolvidos?
A presente pesquisa apresenta os aspectos históricos das
avaliações em larga escala no Brasil, está embasado nos (as) autores
(as) Juliana Fatima Serraglio Pasini (2022), Valdecir Soligo (2022),
Eduardo Carlos Souza Cunha (2018), Eucinéia Regina Muller
(2018), que apresentam considerações significativas sobre o aspecto
histórico das Avaliações em Larga Escala. Em seguida, trataremos
das características da PP, implementação e sua relação com o
currículo de história na turma do 5º ano do ensino fundamental I.
E por fim analisaremos os conteúdos abordados na prova Paraná
2022 e a interferência do Estado na metodologia do Professor, com
a contribuição de Sonia Bratifich Savaris (2022), através de sua
pesquisa, dissertação de mestrado sobre os impactos da Prova
Paraná em escolas das redes municipal e estadual de Educação
Básica. Os quatro capítulos possuem comparações ao descrito nos
sites oficiais do governo federal e estadual. Elza Nadai (1993),
Edson Silva (2018) e Maria da Penha da Silva (2018) contribuem
com a análise dos desdobramentos do ensino de História através
da Lei 11.645/2008 e das avaliações.
Esse capítulo está organizado da seguinte forma: parte
introdutória, que apresenta a pesquisa realizada, além de três
subtítulos: “aspectos históricos das avaliações em larga escala no
Brasil”, apresenta um breve panorama das avaliações em larga
escala no Brasil; “Prova Paraná: desdobramentos no currículo e no
ensino no Estado do Paraná”, que trata dos desdobramentos da
Prova Paraná, em especial após a publicação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC); “Conteúdos abordados na Prova
Paraná 2022 e desdobramentos no currículo de história”, no qual
são apresentadas como a Prova Paraná tem contribuído para o
direcionamento dos conteúdos curriculares da BNCC e de controle
destes, a partir da sua aplicação trimestral.

172
As considerações de Silva Finoccio (2012) corroboram com a
conclusão de que as políticas de avaliação em larga escala e a PP
não estão a serviço da aprendizagem dos alunos, mas configura-se
de forma velada em uma política de controle do Estado no Brasil e
na América Latina.

ASPECTO HISTÓRICO DAS AVALIAÇÕES EM LARGA


ESCALA NO BRASIL

Segundo o site oficial do Sistema de Avaliação da Educação


Básica (SAEB)1, este sistema governamental possui um conjunto de
avaliações externas em larga escala que permite ao Instituto
Nacional de Estudo e Pesquisas (INEP), realizar um diagnóstico da
Educação Básica, bem como analisa fatores que podem interferir no
desempenho dos estudantes, mas em nenhum momento cita que o
resultado deste diagnóstico irá influenciar diretamente nos
investimentos do governo federal.
A grande problemática das avaliações em larga escala é o
ranqueamento dos municípios e a relação com o investimento, pois
os dados, por muitas vezes não apresentam um real diagnóstico da
escola como apontam as pesquisas de Pasini e Soligo (2022), Pasini
(2020), Gatti (2009, 2013), Dossena (2022), Werle (2014).
As avaliações de larga escala geralmente avaliam os
componentes curriculares de Português e Matemática, com
questões de múltipla escolha, esquecendo que o ensino é composto
por outras áreas do conhecimento e os alunos avaliados
constantemente demonstram seu conhecimento de outras
maneiras.

É fundamental refletir no âmbito da escola quais ações pedagógicas


podem ser realizadas a fim de que os dados possam ser utilizados para
um real diagnóstico da escola e utilizados como a finalidade de olhar
para a própria rede, além de lutar contra a prática meritocrática e de

1 Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-


exames-educacionais/saeb – SAEB.

173
responsabilização docente dos resultados insatisfatórios e satisfatórios
nas avaliações em larga escala (Pasini, Soligo, 2022, p.96).

Para exemplificarmos esse sistema complexo de avaliação e


esta problemática iniciamos, apresentando um histórico sobre as
avaliações em larga escala para compreender o surgimento da
Prova Paraná, no estado do Paraná.
Pasini e Soligo (2022) destacam que a partir da década de 1930,
o setor educacional já apontava para um modelo de avaliação,
impulsionando a ― ciência e a "técnica” de quantificar a
educação, surgindo também, nesta década, o INEP, e em 1938, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Com o ideal do Estado Novo, no período de 1937-1945, ganha
destaque a necessidade de planificar as ações governamentais, para
instaurar uma ― ordem social integral, a partir disto temos o
crescimento de pesquisas e investigações do governo interessado
em dados sobre reprovação, evasão escolar, repetência, de que
maneira se ensina, dentre outros.
Segundo Cunha e Muller (2018), a crise econômica de 1970
resulta em mudanças na reorganização do Estado, cunhadas por
ideais neoliberais, Banco Mundial, Unesco, e nos acordos
transnacionais que acabam exigindo e orientando as políticas
públicas no Brasil, inclusive na área educacional.

No campo legal a publicação da segunda Lei de Diretrizes e Bases


para Educação Nacional - LDBEN, com a lei 5.692/1971, estabeleceu
a avaliação como um dos componentes da assistência técnica da
União e aos sistemas estaduais de ensino e Distrito Federal,
determinada pela Constituição Federal de 1967 (Brasil, 1967). (Pasini,
Soligo, p. 89, 2022).

No ano de 1988, quando a constituição federal é publicada e a


Educação se torna um direito, tem início o movimento para
reformular a Lei que regulamenta o Ensino, e em 1996, a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) é promulgada. Em seu texto traz a garantia
do padrão de qualidade, a partir daí propõe uma nova reforma no

174
ensino e para a verificação/constatação das políticas implementadas
pelos municípios regulamenta-se o sistema de avaliação.
Cunha e Muller (2018) realizam um cronograma histórico das
primeiras aplicações deste sistema de avaliação, evidenciando o
início antes da LDB, em 1988, o Ministério da Educação e Cultura -
MEC, com o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público
(SAEP), um projeto piloto aplicado nos estados do Paraná e Rio
Grande do Norte, e em 1990 passa a ser nacional, em seu princípio
descentralizado dos estados e municípios.
Em 1991, com reajustes, o SAEP passou a denominar-se:
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB),
realizado a cada dois anos. Frisamos que as avaliações iniciam
como amostra, com adesão de alguns municípios e posteriormente
se tornam censitárias, quando a maioria está envolvida, sendo que,
a partir disto, conseguem tabular os dados/resultados. Na rede
particular de ensino, não tem esta modificação, sendo todas em
caráter de amostra.
No site oficial do SAEB, na aba histórico, a primeira avaliação
data do ano de 1990, com a intenção de ser uma ―Nova Avaliação
de caráter amostral para as escolas públicas, para os alunos da 1ª,
3ª, 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental, áreas avaliadas foram a
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais e Redação.
Em 1993, a segunda edição da prova piloto permite o
aprimoramento do projeto, também para os alunos da 1ª, 3ª, 5ª e 7ª
séries do Ensino Fundamental, áreas avaliadas foram a Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais e Redação.
Em 1995, uma nova metodologia é adotada e também, uma
nova formulação e análise de resultados, a Teoria de Resposta ao
Item - TRI, torna possível comparar os resultados das avaliações ao
longo do tempo. Também passa a realizar o levantamento de dados
contextuais por meio de questionários. Desta vez, o público alvo
são os alunos da 4ª e 8ª série do Ensino Fundamental e 3ª série do
Ensino Médio, para as escolas públicas e privadas, em formato
amostral nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática.

175
Em 1997, cria-se a Matriz de Referência do SAEB, especialistas
das disciplinas avaliadas estabeleceram os desempenhos mínimos
ou básicos a que os alunos deveriam corresponder, por meio dos
níveis e escalas de proficiência de escala elaboradas por estes. Para
alunos da 4ª e 8ª série do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino
Médio, para as escolas públicas e privadas, em formato amostral,
nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais
(Física, Química e Biologia).
Em 1999, a novidade desta edição foi a inclusão da área de
ciências humanas (História e Geografia), porém não houve a
divulgação do resultado, seguindo o mesmo público alvo, também
para as escolas públicas e privadas em formato amostral, tal como o
ano de 1997.
Em 2005, a Avaliação foi reestruturada, através da Portaria
ministerial n.°931, o sistema passou a ser composto por duas
avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica - ANEB e
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar - ANRESC, mais
conhecida como Prova Brasil. A ANEB manteve o formato já
consolidado sendo que a ANRESC avaliou de forma censitária, as
escolas que atendiam aos critérios de no mínimo 30 estudantes
matriculados na última etapa dos anos iniciais (4ª série/5° ano), ou
dos anos finais (8ª série/9° ano) do ensino fundamental de escolas
públicas, permitindo gerar resultados por escola. As áreas foram
Língua Portuguesa e Matemática.
A partir da reestruturação da avaliação externa para Educação
Básica em 2005, em 2007 tivemos a criação do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica “IDEB”, que é a combinação
das médias de desempenho dos estudantes nas áreas de Língua
Portuguesa e Matemática, com as taxas de aprovação, reprovação
e abandono escolar, apuradas pelo Censo Escolar. O sistema faz
uma análise retroativa no ano 2005, e em 2009, 2011 seguem o
mesmo formato.
Em 2013, aplicação das avaliações já consolidadas, com a
inclusão em caráter experimental das áreas de Ciências Humanas e
da Natureza para os estudantes do 9° ano do ensino fundamental e

176
alfabetização entra em foco, através da Portaria ministerial n.°482,
outra avaliação externa é promulgada, Avaliação Nacional da
Alfabetização (ANA), prevista no Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa - PNAIC, com o público alvo
estudantes do 3° ano do Ensino Fundamental I, na área de Leitura,
Escrita e Matemática, porém, ao contrário das outras avaliações que
acontecem a cada dois anos, a prova ANA seria uma avaliação
anual, a primeira edição ocorreu em 2014; em 2015 sem aplicação,
e em 2016, teve sua última aplicação.
Em 2015, além da aplicação das avaliações para os alunos do
5° e 9° do Ensino Fundamental, e 3ª e 4ª série do Ensino Médio, é
apresentada uma plataforma de devolutivas pedagógicas que
tornam os dados coletados mais relevantes para o aprendizado dos
alunos, a partir da disponibilização dos itens utilizados (conteúdos
abordados) descritos e comentados por especialistas, além disso
traz diversas funcionalidades para auxiliar professores e gestores
no planejamento de ações para aprimorar o aprendizado dos
estudantes. Veremos no próximo tópico que o estado do Paraná,
elabora sua metodologia de avaliação a partir desta característica.
Até 2015, as avaliações para o Ensino Médio eram no formato
amostral, sendo que a partir de 2017, tornam-se censitárias para as
escolas públicas, sendo que as redes privadas podem aderir, antes,
só uma parte dos alunos eram destinados para a realização, com
isso, ambas passaram ter os resultados no SAEB, como os alunos
do Ensino Fundamental.
Em 2019 e 2021, as avaliações denominadas pelas siglas ANEB
e ANRESC passam a ser identificadas novamente por SAEB,
continuando com as mesmas características para o 5° e 9° ano para
o Ensino Fundamental e 3ª e 5ª série do Ensino Médio. Inclui-se a
Creche, Pré-escola da Educação Infantil, 2° ano do Ensino
Fundamental, área de Língua Portuguesa e Matemática, e 9° ano
para o Ensino Fundamental, com a inclusão das áreas de Ciências
Humanas e da Natureza vinculadas à Base Nacional Comum
Curricular – BNCC, publicada em 2017.

177
Como vimos o SAEB consolidou-se na década de 90, e as
avaliações são permanentes até hoje, os estados acabam utilizando
desta metodologia para preparar os alunos e familiarizá-los com
este processo, colaborando com os municípios através de
diagnóstico de aprendizagem para futuras ações pedagógicas e
aprimoramento da gestão. Na atualidade, no estado do Paraná,
temos a iniciativa da avaliação diagnóstica denominada Prova
Paraná, que demonstraremos na próxima seção.

PROVA PARANÁ: DESDOBRAMENTOS NO CURRÍCULO E


NO ENSINO NO ESTADO DO PARANÁ

Realizando uma pesquisa em todo o site da Secretaria da


Educação e do Esporte - SEED2 e do Núcleo Regional da Educação
- NRE de Foz do Iguaçu, cidade que resido, para buscar o decreto
que oficializa a Prova Paraná, não obtivemos êxito, no site
específico para a Prova Paraná encontramos alguns ofícios de
orientação (Ofício Circular n. 07 de 2019 e n.01 de 2020,
DEDUC/SEED).
Buscamos respostas na pesquisa de mestrado de Sônia
Bratifich Savaris (2022), que apresenta uma análise documental. A
autora descreve que o estado do Paraná, assim como o Brasil, tem
financiamentos específicos para a implementação de sistema
próprio de avaliação, o qual é financiado pelo Banco Mundial. De
acordo com Savaris (2022), a SEED desenvolveu entre 1995 a 2002
o Programa de Avaliação do Sistema Educacional do Paraná -
SAEP, aliado com o SAEB, - O SAEP evidência alinhamento com as
proposições do BM ao enfatizar que o sistema de avaliação do
Paraná objetiva cumprir a tarefa complexa de avaliar (Savaris
(2022, p. 66).
Em 2012 a SEED, em parceria com o Centro de Avaliação da
Educação da Universidade Federal de Juiz Fora - CAEd/UFJF,

2Disponível em: https://www.educacao.pr.gov.br/ - Secretaria da Educação e do


Esporte.

178
retomam o SAEP, as provas foram aplicadas em 2012 e 2013,
ocorrendo uma interrupção nas aplicações em 2014, 2015 e 2016.
Não houve uma justificativa oficial para a descontinuidade das
aplicações e sua retomada deu-se em 2017 (Savaris, 2022, p. 68).
O estado do Paraná é pioneiro na implementação de políticas
de avaliação em larga escala, não apenas por aderir aos programas
nacionais de avaliação em larga escala, mas por criar e implementar
seus próprios programas. Em âmbito federal, podemos citar o
SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) em 1995, a Prova
Brasil em 2005, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica) no ano de 2007, e a ANA (Avaliação Nacional da
Alfabetização) em 2016. Já na esfera estadual cita-se o AVA
(Programa de Avaliação), em 1995, o SAEP (Sistema de Avaliação
da Educação Básica do Paraná), em 2012 e a Prova Paraná no ano
de 2019 (Pasini, 2020).
A partir de 2019, o Sistema de Avaliação da Educação Básica do
Paraná (SAEP) passa a ser redesenhado. A Prova Paraná é parte do
processo de reestruturação do SAEP, que passa a ser composto pela
Prova Paraná, Prova Paraná Mais e Prova Paraná de Fluência
(Savaris, 2022, p.72). De acordo com o site governamental do
Programa Educa Juntos a PP está correlacionada, desenvolve outras
ações e algumas correlatas a PP, instituído pelo Decreto n. 5857, de
05 de outubro de 2020. Esta é uma parceria entre o Governo do
Estado do Paraná e as Prefeituras Municipais. Entre os objetivos está
o suporte técnico pedagógico, promovendo ações colaborativas na
educação, a fim de melhoria da qualidade e oferta do ensino a todos
os estudantes das redes públicas de ensino do Paraná, bem como
disponibilizar material de apoio pedagógico e o Sistema de
Avaliação da Educação Básica - SAEB para as redes municipais.
Segundo Savaris (2022, p. 19),

A Prova Paraná foi apresentada no contexto pós 2016, quando


ocorrem mudanças na condução das políticas públicas no Brasil que
impactam no campo educacional. A exemplo, a PEC 241 ou PEC 55,
que impõe um teto para os gastos públicos com despesas primárias

179
e acaba por comprometer o que diz a legislação brasileira sobre
Educação (Constituição Federal, 1988; LDB, 1996; PNE, 2014), no que
se refere à garantia da qualidade.

No site oficial da Prova3, no campo objetivos, a primeira


aplicação aconteceu no ano de 2019, em três edições, uma em cada
trimestre, com o objetivo de identificar as dificuldades e as
habilidades já apropriadas pelos educandos durante o processo de
ensino e aprendizagem, neste primeiro momento, os conteúdos
avaliados foram referentes aos componentes curriculares de
Português e Matemática.
Em 2020, houve a inclusão de mais conteúdos nos
componentes curriculares de Ciência da Natureza, História e
Geografia para o ensino fundamental, porém, a aplicação só
ocorreu no ano de 2021, em uma edição, devido a pandemia. No
ano de 2022, nosso foco de estudo, houve aplicação das três edições,
com ênfase nos componentes curriculares de Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências da Natureza, Geografia e História.
De acordo com a SEED, a prova é uma ferramenta para
professores, equipe gestora da escola, secretário municipal de
educação e sua equipe elaborarem evidências e ações para melhoria
do ensino/aprendizagem.
Porém, segundo Savaris (2022, p. 78) as aplicações trimestrais
da Prova Paraná geram alterações no trabalho da escola
comprometendo o ensino, a organização do trabalho pedagógico e
de gestão escolar.
Ressaltamos que a distribuição das provas, organização da
aplicação e correção para os municípios ficam a cargo da Secretaria
Municipal da Educação. A SEED disponibiliza a prova impressa,
orientações para aplicação e o aplicativo para correção, sendo
assim, o professor e a equipe gestora assumem esta
responsabilidade.

3 Disponível em: https://www.provaparana.pr.gov.br/ - Prova Paraná

180
Savaris (2022) destaca a sobrecarga para os municípios,
professores e gestores para aplicação e organização da Prova
Paraná, os verbos mais utilizados para designar as ações foram:
como ler, organizar, orientar, aplicar, explicar; para o uso do
aplicativo: baixar, acessar, instalar, executar, consultar, focalizar,
corrigir. Desse modo, cabe analisar os desdobramentos da PP no
currículo de História.

CONTEÚDOS ABORDADOS NA PROVA PARANÁ 2022 E


DESDOBRAMENTOS NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA

A primeira edição da Prova Paraná de 2022 foi instituída


através do Ofício Circular n. 04/2022, o mês estipulado para
aplicação foi abril, em dois dias, aplicada somente no mês de maio,
um para o Caderno de Linguagens e Ciências Humanas e outro
para aplicação do Caderno de Matemática e Ciências da Natureza.
Neste capítulo optamos por analisar o Caderno 01, que aborda os
conteúdos de História.
Foram elaboradas 11 questões, apresentamos uma tabela com
os descritores, o número da questão que estes foram abordados e
seus objetivos:

Tabela 1 - Descritores, número da questão e objetivos


DESCRITOR Nº DA OBJETIVOS
QUESTÃO
D07 34,35 e 36 Identificar as contribuições de
diferentes grupos sociais na formação
do povo brasileiro.
D21 37 e 38 Identificar as manifestações artísticas e
culturais dos diferentes grupos, povos e
nações em diferentes temporalidades.
D11 39 e 40 Reconhecer a diversidade Cultural dos
diferentes povos indígenas, africanos
escravizados, afro-brasileiros, asiáticos e
europeus no processo histórico de
formação da sociedade brasileira.

181
D10 41 e 42 Reconhecer o significado histórico dos
patrimônios culturais, materiais e
imateriais como forma de expressão das
sociedades em diferentes contextos.
D22 43 e 44 Relacionar as representações
socioculturais com a formação da
identidade de diferentes povos e
nações.
Fonte: Autoras (2022).

Percebemos o cumprimento da Lei n. 11645/2008, no D11, lei


que trata da inclusão no currículo oficial da rede de ensino e a
obrigatoriedade da temática ―História e Cultura Afro- Brasileira e
Indígena:

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir desses dois grupos
étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a
luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e
indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

Silva e Silva (2020, p. 43) compartilham que,

É preciso considerar que a referida lei é fruto de conquistas e representa


sem dúvida, um avanço, entretanto, por si só não é garantia de
resolução das questões que dificultam o ensino da História Indígena. A
simples existência dela não implica na exclusão das lacunas e das
distorções que cercam a história desses povos.

O ponto positivo da Prova Paraná é a inclusão/retorno de


outros componentes curriculares na avaliação, que a difere das
avaliações aplicadas em âmbito nacional. Pontos que corroboram
para que o currículo enfatize as disciplinas e conteúdos cobrados
nas avaliações voltados para Língua Portuguesa e Matemática.

182
Porém, destacamos que a forma como é abordada se torna rasa e
reforça estereótipos, pois ao incorporar todos os componentes
curriculares e alinhar a mesma, a padronização de conteúdos como
proposto na BNCC, coloca-se como um desafio aos docentes para
desenvolver o planejamento de suas aulas, com viés de análise
crítica dos conteúdos, contribuindo para que a ação docente se
limite a trabalhar os conteúdos da PP em cada trimestre.
Segundo Savaris (2022, p. 114), “dentre as semelhanças e
diferenças entre o SAEB e a Prova Paraná, destaca-se a forma mais
acessível de divulgação dos resultados da Prova Paraná, porém
sem orientações sobre como utilizar os seus resultados” (grifos
nossos).
O quadro elaborado por Savaris (2022) apresenta as
semelhanças entre o SAEB e a Prova Paraná, a mesma utiliza como
fonte, o relatório de Amostragem do SAEB, 2019 e os documentos
orientadores da Prova Paraná:

Quadro 1-Prova Paraná e Saeb

Fonte: Savaris (2022, p.106).

Como podemos observar a PP e o SAEB possuem mais


semelhanças que diferenças, destaca-se que a PP possui aplicação
constante, sua base de referência é o SAEB. Complementamos o
quadro de Savaris (2022) com a incorporação da PP de outros

183
componentes curriculares, e ainda os materiais disponibilizados
para suporte ao docente para apropriação do conteúdo.
Ao buscar no site da PP encontramos um guia pedagógico4 para
o professor, com os descritores que serão cobrados na prova e
sugestões de aulas, atividades para os mesmos desenvolverem com
alunos, com isso o professor acaba perdendo a autonomia de suas
aulas ficando restrito e amarrado a sugestões e orientações do Estado.
Em algumas Lives sobre a prova Paraná5, mediadas pelo
Núcleo Regional da Educação, percebemos como envolvem os
professores para ensinar os demais sobre as metodologias mais
apropriadas para a assimilação do conteúdo cobrado. Destaca-se
que os conteúdos abordados nas avaliações externas e prova
Paraná, seguem a BNCC, as mesmas afunilam o trabalho
estruturado para Educação Brasileira, pensado, influenciado, como
vimos no início do capítulo pelo neoliberalismo, Banco Mundial,
Unesco e acordos transnacionais.

Visto que a qualidade da educação está para além dos testes de


rendimentos e fluxos escolares, há que se considerar as condições de
infraestrutura, condições materiais em que o trabalho docente
ocorre, programas e políticas que incidem sobre a ação da gestão,
docentes, condições socioeconômicas, características da comunidade
escolar, entre outros (Pasini; Soligo, 2022. p. 91).

Ainda, segundo Savaris (2022, p. 56),

[...] qualidade da Educação na BNCC está associada à competência e


pode ser gerenciada, o que amplia a regulação da autonomia

4 Guia Pedagógico. Disponível em: <https://www.provaparana.pr.gov.br/


sites/prova/arquivos_restritos/files/documento/2022-
04/professor_guia_historia.pdf> Acesso em: dez. 2022.
5 Prova Paraná, Orientações Gerais, Canal do Professor - Formação Continuada

SEED – PR. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gYGYoulYpZI>;


Prova Paraná, Núcleo Regional de Educação de Curitiba - Gestão da Ação -Foco
dos Diretores e Professores. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=CgAv1J-cmgE>Acesso em: dez. 2022.

184
docente. Esta noção de qualidade possui relação direta com o
conhecimento considerado prático para o mercado de trabalho, não
ao conhecimento científico.

Cremos que a avaliação diagnóstica é necessária para a


construção da aprendizagem, porém quando esta é classificatória e
não tem objetivos da emancipação do educando, acaba por excluir
os alunos que não se enquadram neste processo, pois não permite
conhecer a individualidade de cada um, não considera as outras
habilidades, e gera a condição de competitividade.
Colaborando com essa afirmação Cunha e Muller (2018, p. 2)
afirmam:

A avaliação, em sentido amplo, não deve ser classificatória,


excludente e padronizadora, mas uma prática pedagógica que
possibilite a análise e reflexão do processo de ensino-aprendizagem,
instigando novas e múltiplas possibilidades de ensinar aprender,
perfazendo-se, assim, em um importante instrumento para a
potencialização das relações entre os diversos saberes que ocupam e
que permeiam o espaço e o cotidiano escolar.

Sendo que dificilmente o professor consegue retornar para as


questões das avaliações externas, ou de conteúdos não apropriados
pelos alunos, por conta da aula ser realizada apenas uma vez na
semana, com carga horária reduzida. Colaborando com esta
reflexão, Savaris (2022, p. 59) destaca a necessidade permanente da
reflexão coletiva:

[...] ponto em que muitas escolas deixam a desejar por vários fatores,
dentre eles, a falta de tempo que gera a falta de preparo para esse
tipo de avaliação. A não reflexão sobre os processos avaliativos e
sobre os índices gerados pelas avaliações prejudica a avaliação em si
e impacta na qualidade da Educação.

É importante frisar que na maioria dos municípios do estado


do Paraná, o professor dos anos iniciais é o professor polivalente,

185
que ministra vários componentes curriculares, sendo que, muitas
vezes, sua formação inicial é o nível médio na formação de
docentes. Geralmente, os professores que possuem graduação, tal
formação é voltada para a área de pedagogia, por consequência o
Estado acaba direcionando ainda mais os conteúdos e a maneira de
abordá-los.
Segundo Savaris (2022, p. 111), como política de incentivo a
participação dos municípios e professores, houve:

A oferta de cursos de formação aos profissionais, materiais


impressos às escolas, bem como a premiação de escolas municipais
com índices considerados satisfatórios foram utilizados como forma
de persuasão para a adesão das escolas municipais. Os documentos
evidenciam um aumento significativo de ações gerencialistas
direcionadas aos profissionais das escolas.

A precarização do investimento na formação continuada dos


professores, e/ou no incentivo para primeira ou segunda
licenciatura acaba colaborando para a aceitação do educando, nos
modelos institucionalizados.

Por detrás de todo esse processo e tentativa de inviabilização do


cotidiano e das suas possibilidades, devires e potencialidades estão
às políticas neoliberais que tentam ganhar espaço ordenando e
impondo formas de selecionar, controlar e uniformizar as práticas
escolares. Esse processo se dá de várias maneiras, dentre as quais se
destaca a implementação de um sistema de avaliação em larga escala
e de padronização de testes (Cunha; Muller, 2018, p.03).

Observamos essa questão no Guia Pedagógico e nos modelos


das questões abordadas, pelo estado do Paraná, que acabam por
trabalhar um currículo em prol da preparação dos alunos para as
avaliações externas, em atividades restritas a questões de múltipla
escolha.

186
O Guia é composto por 46 páginas, sem mencionar os autores
de sua elaboração, cita como fontes sites de pesquisa, metodologias
a serem desenvolvidas com alunos e atividades de fixação.
Segue a descrição do objetivo e o link de acesso ao Guia
Pedagógico6 para professor de História, por meio das
possibilidades de encaminhamentos metodológicos e dos itens
elaborados e comentados. O Guia objetiva subsidiar o trabalho
pedagógico do professor em sala de aula, na perspectiva de auxiliar
na melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dos
estudantes, considerando a educação integral de forma
humanizada, mas da forma que nos é apresentada não colabora
para uma formação humanizada do ser, e sim como destacam
Cleudes e Muller (2018) correlacionando a Foucault na
disciplinarização dos corpos, preparam para submissão e não para
a emancipação e crítica social.

REFLEXÕES DO ENSINO DE HISTÓRIA E SUA RELAÇÃO


COM A PP

No artigo “O Ensino de História no Brasil: trajetória e


perspectiva” (1993), de Elza Nadai, a autora expressa, através de
uma citação do autor Murilo Mendes, que a história que ensinamos
é realmente odiosa, pois os alunos acabam decorando fatos, datas
e nomes para passar nos testes finais, o que nos faz refletir sobre
este ensino que, muitas vezes, foi utilizado para referenciar
histórias que não se correlacionam e não envolvem a vida dos
estudantes, o ensino de História que a Prova Paraná, apresenta
também é esvaziado de sentido.
É sabido que a história é uma construção carregada de tensões,
em seu princípio necessitava estabelecer as histórias que iriam ser
deixada de fora, Elza Nadai exemplifica que o Ensino de História

6Disponível em: https://www.provaparana.pr.gov.br/sites/prova/arquivos_r


estritos/files/documento/2022-04/professor_guia_historia.pdf - Guia Pedagógico.

187
como disciplina inicia-se na França no século XIX, influenciando o
Brasil a partir de 1822.
A história inicialmente estudada no país foi a História da
Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira História da
Civilização. A História pátria surgia como seu apêndice, sem um
corpo autônomo e ocupando papel extremamente secundário
(Nadai, 1993, p.146), o que nos entristece é a não valorização da
História dos povos indígenas, africanos e de outras culturas que
aqui existem.
O ensino de História implementado em todo território
nacional estava sintetizado em uma ideia nação embasada em uma
identidade comum de seus variados grupos étnicos e classes sociais
constitutivos, centralizando-se no colonizador português, no
imigrante europeu e pouco tratando das contribuições dos
africanos e indígenas. “A dominação social (interna) do branco
colonizador sobre africanos e indígenas bem como a sujeição
(externa) do país-colônia à metrópole não foram explicitadas”
(Ibidem, p.149). A ruptura desta visão levou anos, mas, ainda é
apresentada em alguns currículos e materiais didáticos, visto que
carregamos ainda em nosso cotidiano, reflexos de uma visão
preconceituosa e racista.

O conceito de História que flui dos programas e dos currículos é,


assim, basicamente aquele que a identifica ao passado e, portanto, à
realidade vivida, negando sua qualidade de representação do real,
produzida, reelaborada, na maioria das vezes, anos, décadas ou
séculos depois do acontecido. Essa forma de ensino, determinada
desde sua origem como disciplina escolar, foi espaço da história
oficial da qual os únicos agentes visíveis do movimento social eram
o Estado e as elites (Nadai, 1993, p.152).

As informações destacadas sobre o início do ensino de História


do Brasil, nos leva a perceber que, os conteúdos abordados no Guia
Pedagógico, p.07 e na 1ª edição da Prova Paraná, são semelhantes,
descritores D07, D21, D11 e D22.

188
Segue a sugestão de encaminhamento apresentado na p.07 do
referido Guia:

Quadro 2 - Sugestões

Fonte: Guia Pedagógico (2022).

A sugestão deste encaminhamento reforça a passividade e a


tentativa de criar um ideal de identidade nacional, composta pelos
povos indígenas, portugueses e africanos, porém sempre os povos
indígenas e africanos subordinados aos europeus, criando uma
falsa afirmação de que os imigrantes se destacam na contribuição
para a construção da sociedade brasileira.

A nossa sociedade, como resultado da organização e mobilizações


dos movimentos sociais, se descobriu plural, repensando seu
desenho: o Brasil não tem uma identidade nacional única! Somos
um país de muitos rostos, expressões socioculturais, étnicas,
religiosas, etc. As minorias (maiorias) sejam mulheres, ciganos,
pessoas negras, idosas, crianças, portadoras de necessidades
especiais, etc. reivindicam o reconhecimento e o respeito aos seus
direitos (Silva; Silva, 2018, p. 10).

Citamos como exemplo a questão 39 cobrada no Caderno 01,


quando a mesma aborda um texto, uma lenda indígena, (como

189
diríamos nós eurocêntricos), porém não destaca de qual povo
surgiu, não traz a escrita dos povos indígenas, e sim um texto
adaptado, cuja fonte direciona para um site7, relacionando-a com
lendas folclóricas, sendo assim reforça estereótipo e ainda é
descrita por uma pessoa que não possui relação com o povo.
Silva e Silva (2020) destacam que a construção de políticas
indigenistas força uma orientação nacionalista para o projeto
civilizatório do indígena, cujo resultado é o apagamento da
presença deste povo. Oliveira et al. (2009, p. 39) chama a atenção
para o fato de que este esquecimento, longe de ser um ato único e
explícito, de evidente materialidade, é algo cujos efeitos se
encontram dispersos numa multiplicidade de narrativas, lendas e
imagens. Observa-se que o Guia Pedagógico e a Prova Paraná
reforçam estas visões.
Observamos a falta de conteúdo sistematizado que contemple
as questões históricas e sociais, de modo mais crítico e reflexivo que
contribuía com a formação humana dos sujeitos. Os conteúdos
cobrados pela Prova Paraná e as questões postas no Guia
Pedagógico têm servido para orientar a prática docente e avaliar a
aprendizagem dos alunos quanto aos conteúdos cobrados, tonando
o processo pedagógico um repasse de conteúdos que precisam ser
aprendidos para realizar a prova. O embasamento teórico do Guia,
tem como fonte páginas da Internet e livro didático, como apontam
as referências nas atividades desses materiais, no entanto,
precisamos ficar atentos à interferência do Estado nas ações diretas
do que e como ensinar nas instituições de ensino, dos investimentos
do dinheiro público voltado para elaboração de materiais e uma
avaliação que torna o processo de ensino e aprendizagem alienante.
É preciso ter consciência que esta prática não é para a humanização
dos nossos alunos, é a reprodução de um imagético, construído ao
longo dos anos, embasada na [...] perspectiva da interculturalidade
funcional, a qual está vinculada à lógica neoliberal, que diz

7 Disponível em: https://www.todamateria.com.br/lendas-indigenas/ - Lendas


Indígenas, Marcia Fernandes – Professora Licenciada em Letras.

190
reconhecer e respeitar a diversidade sociocultural, a partir de uma
visão folclorizada das manifestações socioculturais do/a outro/a
(Silva; Silva, 2020 p. 53).
O Quadro 3 apresenta o comparativo dos descritores cobrados
na PP com os objetivos e aprendizagens abordados no Currículo da
Rede Estadual Paranaense.

Quadro 3 - Relação entre Objetivos de aprendizagem do CREP com os


descritores e objetivos da PP para o 1º trimestre.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM DO DESCRITORES E
CREP DO 1º TRIMESTRE
8 OBJETIVOS DA PP

Identificar os processos de formação das D07 - Identificar as


culturas e dos povos, relacionando-os com contribuições de
o espaço geográfico ocupado. diferentes grupos sociais
Diferenciar os processos de nomadismo e na formação do povo
sedentarismo. brasileiro.
Entender a migração como deslocamento D21 - Identificar as
populacional pelo espaço geográfico, manifestações artísticas
identificando a importância da mobilidade e culturais dos diferentes
e da fixação para a sobrevivência do ser grupos, povos e nações
humano. em diferentes
Reconhecer os povos indígenas como temporalidades.
primeiros habitantes do território brasileiro D11 - Reconhecer a
e as relações de trabalho que se diversidade Cultural dos
estabeleceram com chegada dos diferentes povos
portugueses. indígenas, africanos
Conhecer o processo de colonização das escravizados, afro-
terras brasileiras, especialmente do brasileiros, asiáticos e
território paranaense. europeus no processo
Identificar os mecanismos de organização histórico de formação da
do poder político com vistas à compreensão sociedade brasileira.

8 Disponível em: https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_res


tritos/files/documento/2021-05/crep2021_historia_seriesiniciais.pdf - CREP de
História

191
da ideia de Estado e/ou de outras formas de D10 - Reconhecer o
ordenação social. significado histórico dos
Relacionar a disputa por terras férteis à patrimônios culturais,
garantia de sobrevivência e poder de um materiais e imateriais
grupo sobre outro, originando o governo de como forma de
um território. expressão das
Discutir e compreender a necessidade de sociedades em
regras e leis para vivermos em sociedade. diferentes contextos.
Entender como se deu a chegada dos D22 -Relacionar as
portugueses ao Brasil e a organização do representações
sistema de governo durante o período socioculturais com a
colonial brasileiro. formação da identidade
Conhecer as primeiras formas de de diferentes povos e
exploração econômica no território nações.
brasileiro: extração do pau-brasil, cana-de-
açúcar, mineração e mão-de-obra
escravizada.
Analisar a história do Brasil em diferentes
períodos, destacando relações de poder,
cultura e trabalho a partir de fontes
históricas e da articulação entre o contexto
local e/ou regional.
Fonte: Autoras (2022).

Nota-se o ensejo do Estado em influenciar na prática


pedagógica, pois adequa a PP ao CREP e disponibiliza um guia
pedagógico para o professor trabalhar com os alunos buscando
eficiência nos resultados.
Ressaltamos que uma prática pedagógica desconexa com a
realidade do educando, sem pesquisa historiográfica através das
diversas fontes orais e escritas, dificilmente, irá contribuir para uma
emancipação dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frisamos que esta pesquisa não se esgota nestas páginas, pois


o tema apresenta uma complexidade de fatores que exige a

192
continuação de estudos. Diante disso, sugere-se pesquisa com os
professores polivalentes, relacionando-se com os métodos e as
técnicas de ensino, a utilização do Guia como manual e suas
consequências, compreensão dos dados a partir do resultado da
Prova Paraná e também, estudo das políticas públicas municipais
após a aplicação.
Silvia Finocchio (2012), no artigo “América Latina: Nuevos
Rumbos em los saberes educativos”, nos demonstra que o Estado é
o grande influenciador e ditador dos conteúdos e da maneira como
educamos, digamos que ele influencia os pais, as crianças e os
servidores, por meio de imposições curriculares. Estas são aceitas
sem muitas discussões e, muitas vezes, com poucas contribuições
sociais. Para Finocchio (2012, p.02) “de la mano más del Estado que
de la sociedad, y com muchas ausências También - para no
exagerar el papel modernizador del Estado en América latina -, la
escuela se convirtió em casiel único medio que permitió expandir
la civilización occidental". Constatamos isto, também, na política
das avaliações externas, pois estas se constituem discurso auxiliar
na gestão das aprendizagens dos alunos.
As avaliações externas também fazem parte do sistema
educacional de outros países da América Latina, a exemplo do Chile,
Venezuela, Bolivia, Paraguay, Uruguay e Argentina, tal como
demonstra Finocchio “El énfasis en la cuestión evaluativa y la
proliferación de información sobre los resultados de los aprendizajes
que alcanzan los alumnos en las pruebas standarizadas lanzóun alerta
en términos de cuestión social fundamental que los países de
Latinoamérica debían atender enfunción de lacalidad de una serie de
aprendizajes básicos” (Finocchio, 2012, p. 02).
Bem como “La educación se entendió desde entonces como un
factor de producción y los organismos internacionales se
encargaron de establecer rangos educativos ligados a la
competitividad entre países” (Ibidem 2012 p. 03). Nesse sentido, o
conceito de qualidade de educação, neoliberal, com foco nas
práticas gerencialistas “[...] se apresenta como hegemônico, seus
saberes visam qualificar os estudantes, futuros trabalhadores, para

193
um mercado de trabalho, cujas vagas estão cada vez mais
reduzidas, produzindo, portanto, o aumento da competitividade”
(Savaris, 2022, p. 36).

Nesse sentido reforçamos a necessidade de debate no interior da


escola, sobre o uso e formas que a Prova Paraná e seus resultados
têm direcionado a prática pedagógica e os conteúdos curriculares.
Evidencia-se necessidade da construção coletiva de formas de
resistência ao uso das avaliações para o ranqueamento das
instituições de ensino. ‘Tal atitude gera não apenas a
responsabilização de professores e diretores, mas o adoecimento dos
profissionais por trabalhar sob pressão e com sobrecarga de
atividades. É preciso debater o uso pedagógico das ALE’ (Ibidem).

Uma das funções das avaliações em larga escala é a verificação


se está sendo seguido o currículo, o currículo é um campo que gera
várias tensões e discussões sobre sua função e aplicabilidade,
demonstramos a correlação no quadro dos descritores da PP e dos
objetivos de aprendizagem do CREP, mas não se pode permitir que
a organização da prática escolar fique em função das avaliações
externas, em busca de resultados.
Nesse sentido o ensino de História assim como o CREP e a PP
estão permeados de relações de poder. Necessitamos, como
docentes, estar cientes destas relações e compreender que a
aprendizagem só se efetiva se faz sentido, se utilizarmos uma aula
pronta, como o Guia Pedagógico, elaborada para desenvolver os
conteúdos cobrados na PP, dificilmente os conteúdos serão
apropriados e assimilado pelos estudantes.
Concluímos que o exercício de ser professores envolve a
constante necessidade de pesquisar, estudar incessantemente, e
compreender que somos sujeitos ativos no processo político e
pedagógico, em especial nas tomadas de decisão colegiada da
instituição escolar, espaço onde as políticas educacionais têm
diferentes efeitos e desdobramentos. É por meio da coletividade,
que conseguiremos uma aprendizagem mais efetiva, mais

194
significativa, pois infelizmente o Estado tenta e tentará
constantemente nos envolver na máquina de padronização do ser.

REFERÊNCIAS

BRASIL, LEI 11.645/ 10 março de 2008. Disponível em: <http://ww


w.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>.
CUNHA, E. C. S.; MULLER, E. R. Avaliações em larga escala: uma
tentativa de controle, regulação, captura e padronização do
cotidiano escolar. Cadernos da Fucamp, v.17, n.29, p. 143 –
163/2018. Disponível em: https://revistas.fucamp.edu.br/
index.php/cadernos/article/view/1317
DOSSENA, G. A. Prova Paraná Fluência 2019: Reflexões e
desdobramentos. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa
de Pós-Graduação em Educação, Unioeste, Cascavel, 2022.
EDUCA JUNTOS. Programa Educa Juntos. Disponível em:
<https://www.educacao.pr.gov.br/programa_educa_juntos>.
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196
O ESTADO DO PARANÁ E A PRIVATIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO: O PROJETO PARCEIRO DA ESCOLA

Márcia Cossetin (UNILA)


Talita Larissa de Oliveira Aquino (UNILA)

INTRODUÇÃO

O presente texto tem por objetivo problematizar os


encaminhamentos políticos educacionais que vêm sendo
engendrados no âmbito da Rede Estadual de Educação do Paraná,
sobretudo, nos dedicamos ao intitulado “Projeto Parceiro da
Escola”, apresentado pelo Governo estadual no ano de 2022. Desse
modo, nosso recorte temporal é recente, tendo como foco os anos
de 2022 e 2023 e o texto ora apresentado denota os estudos
introdutórios sobre a temática específica.
A partir desses elementos, metodologicamente para tratarmos
da temática, realizamos pesquisa de abordagem qualitativa, de tipo
documental. Foram feitas buscas no site oficial da Secretaria de
Estado da Educação, como também, nos utilizamos de
reportagens/notícias presentes nas mídias que anunciam e trazem
elementos sobre o Projeto, tais como o site oficial da Associação dos
Professores do Paraná (APP). Fundamentamo-nos no aporte
teórico crítico, sobretudo, em estudos e pesquisas que tematizam
as políticas educacionais e os processos de privatização que
permeiam historicamente a educação pública.
Organizamos o texto em dois subtítulos, no primeiro
intitulado de “Privatização educacional: considerações
introdutórias” apresentamos alguns elementos fundantes das
empreendidas pelo Governo estadual nas quais procura sustentar-
se para propor e implementar políticas como o Projeto Parceiro da
Escola. Em seguida, no segundo subtítulo intitulado de “O Projeto
Parceiro da Escola: a busca pela entrega das escolas estaduais para

197
o setor privado” problematizamos a proposição do referido
Projeto, como também, o anúncio da abertura do edital, a
repercussão social, sobretudo, na área educacional, os objetivos
anunciados e, por fim, como o Governo, mesmo sem conseguir
efetivar seu intento inicial, mantém o Projeto em andamento em
duas escolas estaduais, denotando um Projeto Piloto que pode
significar o engendramento da ampliação da privatização
educacional.

PRIVATIZAÇÃO EDUCACIONAL: CONSIDERAÇÕES


INTRODUTÓRIAS

A discussão sobre as políticas educacionais públicas é uma


temática prioritária para a compreensão da constituição da
educação, tanto em um contexto mais amplo, como também ao
tratar-se dos engendramentos que se fazem nos estados e
municípios brasileiros, como é o caso do estado do Paraná,
especialmente quando se trata de possíveis processos de
privatização da educação que tem se constituído
contemporaneamente por meio de diferentes estratégias e são
permeados pelo debate da relação entre o público e o privado em
que, em primeira instância, estão as disputas que remetem a
determinado projeto societário.
Evangelista e Shiroma (2007) evidenciam que tal processo, no
Brasil esteve amparado, ainda nos anos de 1990, no anúncio da
necessidade da reforma do Estado que deveria responder ao seu
fracasso, à ineficiência, precariedade, negligência, ou seja, à suposta
incapacidade de governar do Estado. Nessa perspectiva, é na
década de 1990 que, no Brasil, se identifica a disseminação dos
argumentos econômicos e político-ideológicos para realização da
reforma do Estado e da educação, sustentados na suposta crise de
eficiência do Estado e, por isso, a reforma significaria a busca pela
ampliação da capacidade de regulação a fim de rever a sua
incapacidade de governar devido à falta de controle público sobre
a máquina estatal (Zanardini, 2007).

198
Tais estratégias, remetem ao constituído por meio do Plano
Diretor da Reforma do Estado (PDRAE) do ano de 1995. Alicerçado
em um modelo da Administração Pública Gerencial o Estado seria
o regulador e não, necessariamente, executor das políticas públicas.
Sendo que a privatização da educação, uns fundamentos básicos da
reforma do Estado encontravam-se nos processos de privatização,
de publicização e de terceirização (Cossetin, 2017).
Em que pese a continuidade da lógica neoliberal como
orientadora das políticas, no período de 2003 a 2016 o Brasil
vivenciou a implementação de políticas sociais importantes que se
refletiram também nas políticas educacionais empreendidas, tais
como o acesso ao ensino superior e ampliação da faixa etária da
Educação Básica, como também, instrumentos que buscavam
viabilizar a permanência dos sujeitos nos espaços educacionais. De
acordo com Peroni (2020, p. 13):

Se, por um lado, o Brasil avançou na materialização de direitos em


políticas, por outro avançou também no processo de privatização do
público, tanto pela execução como pela direção das políticas
educacionais. Não temos um histórico democrático e a privatização
do público é naturalizada em nossa cultura. [...] no período pós-
ditadura, em um contexto de correlação de forças com essa lógica
historicamente instaurada, no período de democratização […].

Com o processo de reorganização das forças econômicas e


políticas e, no caso específico do Brasil, com emergência do Golpe
político midiático sofrido1, no ano de 2016, pela presidenta

1Durante o segundo mandato da presidenta Dilma Vana Rousseff, eleita para o


primeiro mandato a presidência do Brasil tomando posse em 1º de janeiro de 2011.
Dilma foi a 36º Presidente da República e a primeira mulher no cargo. Nas eleições
à presidência para um segundo mandato, em 2014, Dilma foi reeleita para mais
um mandato de 4 anos, entretanto, sofreu um impeachment, conturbado e
contraditório, no dia 31 de agosto de 2016. Para saber mais: BOITO JR., A. Os
atores e o enredo da crise política. In: JINKINGS, I.; KIM, D. Por que gritamos Golpe?
Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Coleção tinta
Vermelha. Boitempo, 2016. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/a

199
democraticamente eleita se recrudescem as políticas orientadas
pelo ideário neoliberal com refrações importantes para as políticas
educacionais. Isso se dá tanto em nível nacional como também nos
estados e municípios, como é o caso do estado do Paraná. Ou seja,
o projeto privatista, em consonância com a perspectiva reformista
tem se mostrado fortemente tanto em nível Federal, como também,
no âmbito dos estados e municípios, sobretudo ao delimitar-se o
alinhamento ao ideário do neoliberalismo.
O Estado, ao respaldar as iniciativas privadas de prestação de
serviços sociais, possibilitou a atuação do setor privado, que
conforme aponta Adrião (2018), ao tratar-se da educação pode
ocorrer abrangendo as dimensões educacionais da gestão, oferta e
currículo. Peroni (2020) complementa que os processos de
privatização do público, inclusive da educação, […] podem ocorrer
via execução e direção, quando o setor privado atua diretamente na
oferta da educação, ou na direção das políticas públicas ou das
escolas, sendo que a propriedade permanece pública” (Peroni,
2020, p. 2). Esta última possibilidade é a que compreendemos
constituída no estado do Paraná, por meio do Projeto Parceiros da
Escola, que detalhamos na próxima seção.
O que ocorre no estado do Paraná remete às políticas
constituídas ainda no contexto da década de 1990, sob a perspectiva
do ideário neoliberal2, que afetou diferentes países na América
Latina e que teve repercussões no Brasil e, mais especificamente,
nos estados e municípios brasileiros que passaram a seguir as
alterações nas políticas, inclusive educacionais, tendo como

r/libros//caeta/PIICdos.pdf. Acesso em: 12 mar. 2023.


2 O neoliberalismo seria uma suposta solução para as crises do próprio

capitalismo, anunciado como ‘[...] antídoto para ameaças à ordem social capitalista
e como solução para as mazelas do capitalismo que havia muito se achava oculto
sob as asas da política pública’ (Harvey, 2013, p. 29). O neoliberalismo é, então,
uma teoria das práticas político-econômicas que, a partir da premissa do bem-
estar da população, enalteceu as liberdades e capacidades empreendedoras
individuais, no âmbito de uma estrutura sólida quanto aos direitos de
propriedade (Harvey, 2013).

200
fundamento o que vinha sendo proposto mais amplamente ao país
e em contexto mundial.
No contexto apresentado o estado do Paraná que já vinha de
um histórico anterior de políticas orientadas pelo ideário que se
pode identificar como neoliberal3, que tem prosseguimento e se
intensifica relacionando-se com as mudanças políticas em nível
nacional. Assim, chega à governadoria do estado, no ano de 2019,
o senhor Roberto Carlos Massa, conhecido como “Ratinho Júnior”,
reeleito para segundo mandato no ano de 2022, pelo Partido Social
Democrático (PSD). É ao final do primeiro mandato do Governo
Ratinho Júnior, já reeleito, que se apresenta o Edital de
credenciamento para o Projeto Parceiros da Escola, que
entendemos como um processo de privatização das escolas da Rede
Estadual de Ensino, sobretudo incidindo sobre a gestão
educacional.
Nesse sentido, é necessário esclarecer o que demarca Adrião
(2018), ao indicar que o uso do termo privatização é o mais
adequado para designar as relações entre o público e o privado, em
que estão situados os processos de ‘mercantilização, parceria
público-privada, comoditização’. Isso porque privatização abarca
de forma mais precisa o que vem ocorrendo na área da educação,
que tem sido subordinada, de forma direta e indireta, “[...] aos
interesses de corporações ou de organizações a estas associadas” e
de tal modo, assevera que ao adotar-se expressões tais como
parceria público-privada, promove-se o acobertamento “[…] dos
processos em análise do que a explicá-los. A começar pelo fato de
não se tratar de relação colaborativa entre setores que atuariam
horizontalmente, como à primeira vista o termo ‘parceria’ pode
indicar” (Adrião, 2018, p. 9).
A partir desses pressupostos iniciais trataremos, na próxima
seção, da apresentação do Projeto Parceiros da Escola e como esse

3No ano de 2011 chega à governadoria do estado do Paraná, por dois mandatos
consecutivos, de 2011 a 2018, o senhor Carlos Alberto Richa, do Partido da Social-
Democracia Brasileira (PSDB).

201
projeto denota um processo de disputas de diferentes forças sociais
em que o setor privado recebe ainda mais espaço para incidir na
educação pública paranaense, pela dimensão da gestão escolar.

O PROJETO PARCEIRO DA ESCOLA: A BUSCA PELA


ENTREGA DAS ESCOLAS ESTADUAIS PARA O SETOR
PRIVADO

Para tratarmos do Projeto Parceiros da Escola e


problematizarmos seu significado para a educação pública
estadual é necessário retomarmos o processo de sua apresentação.
Nesse sentido, o governo do estado do Paraná divulgou, em 11 de
outubro do ano de 2022, o Edital de Credenciamento nº 02/2022 –
“Credenciamento para Prestação de Serviço de Assistência
Gerencial das Unidades Escolares do Sistema Educacional do
Estado do Paraná – Projeto Parceiro da Escola”, com o objetivo de
repassar à iniciativa privada a administração de 27 escolas da rede
pública do estado. Destacando-se o objeto do Projeto como:

[…] o credenciamento de pessoas jurídicas, legalmente constituídas


da área da educação, especializadas na assistência gerencial de
Instituições de Ensino do Estado do Paraná (‘Instituições de Ensino’),
objetivando a execução da gestão administrativa – recursos materiais
e financeiros, incluindo a infraestrutura da unidade, bem como, o
desenvolvimento e acompanhamento acadêmico e pessoal dos
alunos e professores (Paraná, 2022a, p. 4).

Ao publicar o segundo edital, nº 03/2022, após repercussões de


diferentes movimentos ligados à educação, tratando do mesmo
objeto e tendo como propósito o mesmo Projeto, há, contudo, uma
mudança na designação do objeto do edital:

A presente convocação tem como objeto o credenciamento de


pessoas jurídicas, legalmente constituídas da área da educação,
especializadas na assistência gerencial de Instituições de Ensino
(‘Instituições de Ensino’), objetivando a execução da gestão

202
administrativa de unidades escolares, para atender as demandas das
Instituições […] (Paraná, 2022b, p. 4).

Observamos que o objeto do edital que remete ao Projeto


denota com nitidez a gestão administrativa a ser realizada pelo ente
privado selecionado abrange com amplitude o fazer educativo das
escolas, mesmo após o enxugamento no enunciado presente no
Edital nº 03/2022 em relação ao primeiro edital.
No quadro 1 apresentamos as escolas que estavam previstas
nos editais de credenciamento.

Quadro 1 - Escolas inicialmente previstas para o Projeto Parceiro da


Escola
27 ESCOLAS DO PROJETO PARCEIRO DA ESCOLA
Escola Localização
Colégio Estadual Professor Almirante Tamandaré
Alberto Krause Almirante
Colégio Estadual Papa João Paulo Almirante Tamandaré
I
Colégio Estadual Helena Kolody Colombo
Colégio Estadual Heráclito Colombo
Fontoura Sobral Pinto
Colégio Estadual Zumbi Dos Colombo
Palmares
Colégio Estadual Professor Curitiba
Alcyone Moraes de Castro
Vellozo
Colégio Estadual Gelvira Corrêa Curitiba
Pacheco
Colégio Estadual Padre João Curitiba
Wislinski
Colégio Estadual Natalia Reginato Curitiba
Colégio Estadual Deputado Curitiba
Olivio Belich
Colégio Estadual Dom Orione Curitiba
Colégio Estadual Santo Agostinho Curitiba
Colégio Estadual Anital Canet São José dos Pinhais

203
Colégio Estadual Anibal Khury Curitiba
Colégio Estadual Silveira Da São José Dos Pinhais
Motta
Colégio Estadual Ipê São José Dos Pinhais
Colégio Estadual Padre Arnaldo São José Dos Pinhais
Jansen
Colégio Estadual Anita Canet São José Dos Pinhais
Colégio Estadual Osório Ponta Grossa
Colégio Estadual Nossa Senhora Ponta Grossa
da Glória
Colégio Estadual Francisco Pires Ponta Grossa
Machado
Colégio Estadual Leocádia Braga Pinhais
Ramos
Colégio Estadual Professora Londrina
Roseli Piotto Roehrig
Colégio Estadual Professora Rina Londrina
Maria de Jesus Francovig
Colégio Estadual Professora Londrina
Olympia Morais de Tormenta
Colégio Estadual Professora Lúcia Londrina
Barros Lisboa
Colégio Estadual Lucy Requião de Fazenda Rio Grande
Melo e Silva
Fonte: Elaboração das autoras (2024), a partir do Edital nº 02/2022.

A partir do quadro, observamos que, em um contexto em que


a Rede Estadual de Ensino do estado do Paraná conta com 2.1044,
1,28% das escolas estaduais estariam disponíveis para que o setor
privado administrasse. No Edital nº 2/2022 evidencia-se que a
contratação se justifica

[…] pela necessidade de implementação de um projeto piloto


denominado PARCEIRO DA ESCOLA, cujo objetivo é selecionar

4 Disponível em: http://www4.pr.gov.br/escolas/numeros/frame_geralest.jsp.


Acesso em: 10 jan. 2024.

204
interessados com know-how em gestão educacional para apoiar na
assistência gerencial de algumas unidades escolares do Sistema
Estadual de Educação (Parana, 2022a, p. 27).

Ou seja, esse seria um processo que, obtendo os resultados


esperados pelo Governo estadual, poderia abrir possibilidades de
ampliação no número de escolas cuja administração seria ofertada
ao setor privado.
No anúncio do Projeto Parceiro da Escola indica-se como
objetivo implementar melhorias nas escolas do estado do Paraná
por meio da contratação de empresas em gerenciamento de
instituição de ensino. Anuncia-se, ainda, que o Projeto seria
“inovador” sob responsabilidade do PARANAEDUCAÇÃO
(PREDUC), sendo que a empresa a ser contratada teria a
responsabilidade pela gestão administrativa, incluindo recursos
materiais como a infraestrutura da escola. Sendo que, em acordo
com o Governo do estado, os diretores escolares das escolas
inseridas no Projeto poderiam concentrar-se mais na área da
educação, enquanto a área de gerenciamento ficaria sob
responsabilidade da empresa contratada (Paraná, 2022). Todavia,
nas especificações técnicas apresentadas no edital explicita-se:
“Caberá à CREDENCIADA prestar serviços ao
PARANAEDUCAÇÃO, envolvendo o gerenciamento da área
administrativa, financeira e estrutural, supervisão e apoio na
gestão pedagógica das Instituições de Ensino” (Paraná, 2022a, p. 6,
negritos nossos).
É de fundamental relevância constatar que não houve no período
conhecimento população em geral sobre o Projeto Parceiro da Escola.
O debate só vem a público ao se estabelecer a disputa de forças que
envolveu diferentes agentes políticos e educacionais, buscando
explicitar do que realmente tratava o edital: privatização da educação
em nível estadual. Sendo assim, o Deputado Estadual pelo Paraná
José Rodrigues Lemos, o Professor Lemos (PT), licenciado do Colégio
Estadual Cataratas de Cascavel PR e Ex-presidente da APP/Sindicato.
Preocupado com a terceirização da educação (Contratação de

205
empresa para a realização de serviços) organizou, em conjunto com
outros agentes, uma Audiência Pública, no dia 07/11/20225, para
discussão do Projeto proposto pelo Governo do estado do Paraná.
Participaram da audiência pública representantes da educação
pública (Básica e Superior), Sindicatos, Ministério Público, dentre
outros. “Não podemos aceitar isso que o governo está querendo fazer
com a Educação no Paraná. Estão querendo tirar uma
responsabilidade que é do governo e deixar na mão da iniciativa
privada que busca apenas o lucro” (Lemos, 2022, s/p).
A repercussão e pressão gerada trouxeram a público a
intenção do Governo do estado, tal elemento foi importante na
medida em que o Edital nº 2/2022 previa a realização de consulta à
comunidade escolar para adesão da escola ao Projeto. A consulta
ocorreu por meio de votação da comunidade6, no dia 07/12/2023.
Estavam aptos a votar professores e funcionários que trabalhavam
nas instituições de ensino e não terceirizados, responsáveis por
alunos menores de dezoito anos e alunos com mais de dezoito anos.
O resultado da consulta, certamente, não foi o que o Governo
do estado almejava, das 27 escolas habilitadas nos Editais nº 02 e
03, 2022, apenas duas aderiram à proposta. Demarca-se que houve
baixa participação da comunidade na votação, em 13 das escolas
não houve quórum mínimo7, em 12 escolas a maioria votou “não”
à proposta. Tal fato, pode revelar ausência e/ou necessidade de
ampliação do debate no contexto das escolas.

5 Para mais informações sobre a Audiência Pública: https://www.assembleia.


pr.leg.br/comunicacao/noticias/audiencia-publica-discute-projeto-parceiro-da-
escola-no-parana.
6 Especificação de regras sobre o quórum: a. O quórum para a validade da consulta

será de maioria absoluta dos integrantes da comunidade escolar; b. O quórum


para a aprovação da proposta será de maioria simples dos presentes; c. Em caso
de quórum insuficiente, para validar a proposta, a consulta deverá ser repetida
quantas vezes forem necessárias para atingir a maioria absoluta de participantes
(Paraná, 2022b, p. 13).
7 Conforme documento: https://www.paranaeducacao.pr.gov.br/sites/parana-

educacao/arquivos_restritos/files/documento/2022-12/resultado_votacao.pdf.

206
Desse modo, o Projeto teve início no ano de 2023 em duas
escolas, no Colégio Estadual Anibal Kury Neto, localizado no
bairro Uberaba em Curitiba e no Colégio Estadual Anita Canet, em
São José dos Pinhais, sendo que as empresas que foram habilitadas
para as duas escolas, respectivamente, foram a Rede de Ensino
Apogeu (Consórcio Espaço Mágico/Sudeste) e a Rede Decisão
(Consórcio Insígnia Social), por meio do edital de credenciamento
nº 03/2023.
Ao nos atentarmos para as empresas habilitadas, em acordo
com informações disponíveis no site oficial da Rede de Ensino
Apogeu, anuncia-se que a Rede foi criada no ano 2000 “[...] por três
jovens empreendedores e ex-alunos do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA)” (Rede de Ensino Apogeu, 2024). Apresenta
“Filosofia educacional baseada na excelência, na disciplina, no
ensino de alto nível e no atendimento individualizado; proposta de
ensino inovadora; projetos educacionais exclusivos; equipe de
professores especializada; e foco total nos alunos” (Rede de Ensino
Apogeu, 2024). A seguir apresentamos no quadro 2 as unidades
privadas pertencentes à Rede, nos estados de Minas Gerais e do Rio
de Janeiro.

Quadro 2 - Rede Apogeu: escolas privadas


Rede de Ensino Apogeu
Unidades Localização
Santo Antônio I Juiz de Fora – MG
Santo Antônio II Juiz de Fora – MG
Jardim Norte Juiz de Fora – MG
Espaço Mágico Juiz de Fora – MG
Cidade Alta Juiz de Fora – MG
Benfica Juiz de Fora – MG
Arco-Íris Santos Dumont – MG
Cemap I Ponte Nova – MG
Cemap II Ponte Nova – MG
Colégio Padrão Três Corações – MG
Divinópolis Divinópolis – MG
Instituto Piaget de Ensino Lima Duarte – MG

207
Pará de Minas Pará de Minas – MG
Pouso Alegre Pouso Alegre – MG
Recrear Matias Barbosas – MG
Ubá I Ubá – MG
Ubá II Ubá – MG
Apogeu Petrópolis Petrópolis – RJ
Colégio Universo do Saber Petrópolis – RJ
MB Cursos Parapeúna – RJ
Fonte: Elaboração das autoras (2023), a partir de informações presentes no
site oficial da Rede Apogeu8.

A Rede de Ensino Apogeu é uma empresa privada, oferecendo


Educação Básica (do ensino fundamental ao pré-vestibular). Um
dos elementos destacados no site oficial da Rede de Ensino Apogeu
são as turmas preparatórias específicas para concursos militares
(ITA, IME, EPCAR, EsPCEx, AFA, Escola Naval e Colégio Naval).
A Rede de Ensino Apogeu assumiu a gestão administrativa do
Colégio Estadual Anita Carnet, em São José dos Pinhais,
interessante demarcar que não encontramos no site da Rede a
menção a essa informação.
Por outro lado, a Rede Decisão possui unidades nos estados de
São Paulo e de Minas Gerais, conforme vemos o quadro a seguir.

Quadro 3 - Rede Decisão (Consórcio Insígnia Social): escolas privadas


Rede Decisão (Consórcio Insígnia Socia)
Unidades Localização
Unidade Objetivo Vinhedo São Paulo – SP
Unidade Objetivo São Bernardo São Paulo – SP
Unidade Jardim Prudência São Paulo – SP
Unidade Monte Virgem São Paulo - SP
Unidade Terramar São Paulo – SP
Unidade Anália Franco São Paulo – SP
Unidade de Saúde São Paulo - SP
Unidade Pop São Paulo – SP

8 Disponível em: https://apogeu.com.br/quem-somos/. Acesso em: 10 jan. 2024.

208
Unidade União São Paulo – SP
Unidade Fátima São Paulo – SP
Unidade Mascote São Paulo – SP
Unidade Santa Branca Belo Horizonte – MG
Unidade São Paulo São Paulo – SP
Unidade Lourdes Belo Horizonte – MG
Unidade Guarulhos Guarulhos – SP
Unidade Grajaú Grajaú - SP
Unidade Nova Era São Paulo – SP
Unidade Renovação I São Paulo – SP
Unidade Anglo Hortolândia Hortolândia – SP
Unidade Anglo - Center Ville Campinas – SP
Unidade Objetivo Vila Industrial Campinas – SP
Unidade Objetivo Vinhedo São Paulo – SP
Unidade Objetivo São Bernardo Campinas – SP
Unidade Jardim Prudência São Paulo – SP
Fonte: Elaboração das autoras (2023), a partir de informações presentes no
site oficial da Rede Decisão (Consórcio Insígnia Socia)9.

A Rede Decisão é também uma empresa privada e atua na


Educação Básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio). Não encontramos no site oficial o ano de criação da
empresa, somente, que

Tudo começou com o Instituto Pequerrucho’s, onde Tia Regina


embarcou em sua jornada, levando educação e afeto às crianças. A
confiança e a satisfação diante da qualidade do ensino abriram portas
para um novo capítulo nessa trajetória de sucesso. Foi assim que surgiu
a Rede Decisão, criada pelas mãos de Tia Regina e Tio Betinho [...] o que
era um pequeno colégio de bairro se transformou em uma instituição
moderna. Foi preciso crescer e traçar uma estratégia vitoriosa. Gabriel
Alves, formado na Rede Decisão, aceitou o desafio, ao lado de sua mãe,
Tia Regina, ele embarcou em uma missão nobre de transformar o país
por meio da educação, trazendo processos inovadores e uma cultura de
ensino e aprendizagem sólida e definida, mantendo a essência do

9 Disponível em: https://rededecisao.com.br/. Acesso em: 10 jan. 2024.

209
acolhimento, da segurança e da autonomia que sempre permearam
nossa história (Rede Decisão, 2024).

A Rede Decisão assumiu o Colégio Aníbal Khury Neto, em


Curitiba. No dia 25/08/2023, o APP/Sindicato10 divulgou que a
escola, após oito meses, está enfrentando problemas após a entrega
da gestão. Foram feitas denúncias sobre a falta de professores e
funcionários, aumento de violência dentro e fora da escola e a
estrutura escolar precária. Fica cada vez mais evidente que a
privatização promovida não melhorou trabalho a ser realizado na
escola e sim transforma a educação em uma mercadoria.
Constitui-se, conforme assevera Rikowsky (2017) “[...] a
tomada de controle sobre a educação por parte das empresas” e não
mais, ou não mais nesse momento histórico, à sua privatização
direta (Rikowsky, 2017, p. 400). O mesmo autor assevera que o fato
de não ser uma privatização direta, nesse momento, não significa
que não estejamos cimentando o caminho para a privatização
completa ou clássica/direta:

É claro que isso pode ser um estágio no caminho da privatização


completa ou clássica e direta. A tomada de controle sobre a educação
por parte das empresas está baseada no contrato. Isso pode ser entre
governos locais, regionais ou nacionais e suas agências e prestadores
privados de educação. Tais contratos estipularão diversos objetivos
a serem cumpridos (com sanções em caso de não cumprimento), os
lucros podem ser limitados (ou ilimitados), e estes contratos podem
estar vinculados a várias iniciativas ou prioridades de políticas
governamentais e podem sancionar várias formas de
desregulamentação (por exemplo, salário dos professores,
procedimentos de recrutamento, contra o reconhecimento de
sindicatos, patrimônio e imóveis e assim por diante) (Rikowsky,
2017, p. 400).

10 Disponível em: https://appsindicato.org.br/colegio-anibal-khury-enfrenta-


problemas-apos-entrega-para-gestao-privada/. Acesso em: 12 dez. 2023.

210
Compreendermos que no estado do Paraná o Governo de
Ratinho Jr. procura preparar o caminho, inicialmente e
contrariamente ao que propunha o Governo do estado em apenas
duas escolas, para que se possa engendrar a privatização e sua
ampliação.
Desse modo, encerramos esse texto, com a apresentação dessa
análise introdutória, demarcando um contexto que pode agravar-
se para a educação pública no estado do Paraná. O que remete à
necessidade de que estejamos atentos e, para além disso,
consigamos, por meio de pesquisas e sua divulgação e das lutas
empreendidas nos movimentos sociais, sindicatos e outros
coletivos, desvelar os propósitos e as estratégias que indicam a
privatização da educação, sua transformação em mercadoria, e que,
lamentavelmente, não se encerrara no estado do Paraná,
considerando-se que os contratos com as empresas foram
novamente assinados no ano de 2024. Pesquisas se fazem
necessárias para desvelar e construir instrumentos para a luta por
uma educação pública desvinculada de sua objetivação como
mercadoria, geradora de lucro, mas, alinhada aos interesses da
classe que frequenta a escola pública, a classe trabalhadora.

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Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 21, p. 393-413, jul./dez.
2017.

212
EIXO II - EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
POLÍTICAS E AÇÕES

213
214
QUEM REIVINDICA INCLUSÃO? UM OLHAR
ANTROPOLÓGICO SOBRE A CONCRETIZAÇÃO DE
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL DE UMA RESIDÊNCIA
INCLUSIVA

Ana Carolina Pereira (UNILA)


Ana Paula Araujo Fonseca (UNILA)

Este capítulo emerge de uma pesquisa etnográfica para o


trabalho de conclusão de curso em Antropologia e Diversidade
Cultural Latino-Americana, pela Universidade Federal da
Integração Latino-Americana (UNILA), com o objetivo de dar
visibilidade e repensar os métodos de um serviço fundamentado
na lógica antimanicomial. O foco de nossa análise recai então sobre
a Residência Inclusiva (RI I) situada em Foz do Iguaçu-PR e as
vivências sociais e educacionais como adjacentes e sintomáticas
enquanto representações das desumanidades empregadas a
residentes assistidas por essa política pública.
Com base nisso, exploraremos as perpetuações de discursos que
orientam as práticas institucionais, mergulhando nas experiências
educacionais e contextuais de mulheres assistidas por uma política
pública destinada a pessoas com deficiência em situação de
vulnerabilidade social e econômica. A estrutura deste capítulo será
uma interseção entre a apresentação das características do trabalho
etnográfico realizado entre o final de 2022 e o início de 2023, as
reflexões sobre a narrativa emergente do campo e a análise dessas
experiências, considerando os diversos caminhos de observação
trilhados, com foco especial às observações relacionadas à
escolarização das mulheres que moram na RI.

215
RECORTES DO CAMPO E RELATO ETNOGRÁFICO

Um dos instrumentos fundamentais para a realização de


estudos antropológicos é a prática de visitas a campo, sendo a
técnica conhecida como etnografia. Dentre as abordagens
disponíveis, optou-se pela etnografia-participante. Em termos
simples, essa abordagem reconhece que a presença da
pesquisadora dentro de uma narrativa que não é a sua própria gera
mudanças dinâmicas. Assim, a pesquisa não pode ser considerada
neutra, já que suas participações ocorrem respeitando o espaço
observado, mas também contribuindo de maneira ativa (Mattos;
Castro, 2011). Portanto, o lugar no campo é de uma pesquisadora
da área da Antropologia que possui formação em Psicologia, com
contato com movimentos sociais há bastante tempo e que parte da
leitura antimanicomial e anticapacitista em conjunto com suas
reverberações no que diz respeito aos Direitos Humanos e as
vivências dissidentes da norma.
A descrição da etnografia realizada está no trabalho de
conclusão de curso, sendo apresentado neste capítulo apenas um
recorte. Nesse momento nosso debate será sobre a educação escolar
das pessoas com deficiência da Residência Inclusiva, abordando
passagens da visita a campo em que o assunto foi suscitado e
comentado por uma ou mais pessoas.
Inaugurada em 2014, a Residência Inclusiva, como serviço
público municipal de Foz do Iguaçu, conta atualmente com duas
unidades em bairros próximos. A etnografia e sua análise
concentram-se nas mulheres que habitam a Residência Inclusiva I,
na qual tive a oportunidade não apenas de conhecer, mas também
de realizar visitas à casa em que moram. Esta abordagem
proporcionou uma imersão no significado que o cotidiano emana
nessas mulheres, permitindo uma compreensão de suas
experiências, dificuldades e da dinâmica que caracteriza esse
ambiente que pretende ser inclusivo.
A Residência Inclusiva I, está descrita no documento produzido
pela Secretaria Municipal da Assistência Social de Foz do Iguaçu

216
(SMAS), intitulado Plano de Organização de Cotidiano (POC): “A RI
I possui 05 quartos, 02 banheiros, 01 lavabo, cozinha, copa, sala de
estar, lavanderia, pequena sala para assuntos administrativos,
churrasqueira, varanda ampla e quintal” (SMAS, 2022).
A casa é habitada por 10 pessoas, sendo 7 mulheres e 3
homens, uma mulher e um homem estão na faixa acima dos 40
anos, o restante tem em torno de 20 anos. A RI I opera com a
presença de duas cuidadoras em cada período de 12 horas,
seguindo uma escala 12/36. Nessa dinâmica, a profissional exerce
suas funções por 12 horas consecutivas e, em seguida, desfruta de
um período de folga de 36 horas. Além disso, há uma profissional
na cozinha que trabalha nos dias úteis até as 15 horas. A escala da
profissional de limpeza não foi pautada em nenhum momento, mas
ela esteve presente durante todas as visitas à residência.
A mediação do contato inicial com as moradoras foi através de
uma das técnicas do serviço, fora da residência delas, com a
proposta efetiva da saída desse ambiente para o convívio social. O
primeiro encontro aconteceu então em um passeio para um antigo
restaurante da cidade e após reunião com a coordenação da RI para
formalização de autorização para realização da pesquisa, foram
realizadas cinco visitas à casa. Nessas visitas foram estabelecidos
contatos de diferentes ordens com todas as pessoas que são
assistidas e moram na RI- I, cinco cuidadoras do quadro diurno, a
funcionária responsável pela alimentação e a funcionária
responsável pela limpeza, faltando somente contato com as pessoas
correspondentes ao cargo de educador social.
Não será possível afirmar sobre a frequência das moradoras
em escolas regulares em algum momento de sua vida ou enquanto
estavam acolhidas em outra camada da Assistência Social, mas
possuem materiais escolares completos destinados à primeira
infância: tesoura, lápis de cor, canetinha, cola, lápis de escrever
rosas e com glitter assim como mochilas e estojos de princesas ou
com referências infantis.
No dia da primeira visita à casa delas, época de férias escolares,
ao ser convidada a conhecer seus quartos e ser apresentada aos seus

217
materiais didáticos, a conversa foi sobre a expectativa para voltar às
aulas e sobre as compras de materiais que fizeram. Elas
apresentaram os materiais comprados com orgulho, indicando
compromisso e afeição com a instituição escolar, mas também como
preenchimento do tempo ocioso que experimentam quando estão de
férias, afinal, não há passeios ou outros ambientes a se frequentar.
Não tive acesso ao histórico escolar anterior à institucionalização,
portanto não há uma afirmação sobre o direito, garantido ou negado,
de frequência em uma escola regular. Nos pautamos na vivência
atual com alguma regressão temporal. Com o desenrolar de algumas
conversas foi relatado que ao longo do ano elas não carregam seus
materiais na mochila, estes em sua maioria ficam na instituição de
ensino e quem decide quando usá-los são as professoras.
Residência Inclusiva é uma política pública encaixada no
serviço de alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) e está, portanto, na área da Secretaria Municipal da
Assistência Social (SMAS) de Foz do Iguaçu. Mesmo pertencendo ao
SUAS, sua efetivação precisaria ser transversalizada com o SUS e
todos os dispositivos da rede pública que influenciam na conquista
do objetivo a ser alcançado por suas moradoras, a emancipação.
Como parte de uma política anti-asilar, é previsto que suas
trabalhadoras invistam em estratégias para com as residentes
baseadas na tomada de decisões, habilidades para a vida como
fomento para a conquista da independência. Em contrapartida, é
preciso que haja estímulo do entorno como caminho de
aproximação, geração e fortalecimento de vínculos. A
transversalização do serviço público implica na motivação de
pertencer da pessoa cuja vivência está pautada no distanciamento,
que pelo seu diagnóstico, a diferença é que acaba sendo evidenciada
Para acessar essa política pública, conforme estabelecido na
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI-PCD), e
reiterado pelo POC, é necessário ser uma pessoa com deficiência
em condições de dependência e vulnerabilidade, sem a
possibilidade de acolhimento familiar, preferencialmente, como
critério, ser uma pessoa beneficiária do BPC (Benefício de Prestação

218
Continuada). A institucionalização, conforme previsto, visa
planejar estratégias de cuidados que fortaleçam a individuação
(habilidades para vida) e ampliem a independência da residente. O
objetivo é que a Residência Inclusiva seja um período transitório na
vida dessa pessoa, permitindo, por meio da autossustentabilidade
e da reaproximação com a família ou inserção em outra rede de
apoio e cuidado, que a residente seja incluída de maneira
satisfatória no seu ciclo social de origem e/ou conforto.
A Residência Inclusiva (RI) foi estabelecida pela Resolução
190/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),
abrangendo os Serviços de Proteção Social Especial de Alta
Complexidade, conforme delineado no Artigo 1º, item III. Sua
inclusão no Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(Decreto N7612 de 2011) a posiciona atualmente sob a competência
do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), embora essa não
deva ser sua única esfera de atuação. A RI também é prevista na Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI-PCD), no
Capítulo I, parágrafo terceiro, inciso X, como uma oferta do Serviço
de Acolhimento de Alta Complexidade.
Como política prevista no Plano Viver Sem Limites I e LBI-
PCD, é de realização nacional aplicada pela esfera municipal, tendo
em sua implementação, especificidades que incidem no território.
No caso, em Foz do Iguaçu - Paraná, cidade tri-fronteiriça, acaba
por assistir também residentes de países vizinhos. Como é o caso
de um dos moradores que apesar de brasileiro se constituiu como
paraguaio e após sofrer um acidente que o tornou uma pessoa com
deficiência com necessidade de cuidados específicos e cuja família
não pôde oferecer, passou a ser assistido pela RI.
Dito isso, é possível perceber a importância da elaboração de
um Plano Institucional específico por demanda no território e todas
as implicações negativas que sua falta impôs à realização eficaz das
RIs em Foz do Iguaçu até o ano de 2022. A união entre a falta das
diretrizes específicas com o olhar das trabalhadoras, através de
modelos tradicionalistas, que tendem a evadir seu público
socialmente, implica em um serviço cujas bases teóricas se

219
localizam em um ponto e sua prática em outro, perpetuando ou
potencializando a dificuldade em atingir os objetivos descritos nas
normativas federais. Seu público em Foz do Iguaçu é de mulheres
que carregam o diagnóstico de deficiência intelectual e que foram
institucionalizadas na infância por diversos motivos que
perpassam as vulnerabilidades sociais e econômicas além dos
contextos de violência de variadas ordens. Poucas possuem contato
direto com a família ou algum membro familiar.
A Residência Inclusiva deve ser concebida como um ambiente
construído especificamente para atender às demandas inerentes a
uma casa. Não se espera que seja adaptada de um ambiente com
outras destinações anteriores, como uma loja ou consultório, por
exemplo. Idealmente localizada em um bairro residencial, a
residência deve contar com as adaptações necessárias para atender
às exigências das pessoas que a habitam. Está previsto que até 10
pessoas com diferentes gêneros, preferencialmente com
deficiências e/ou necessidades distintas, vivam no local. Essa
abordagem busca promover a diversidade, afastando-se da
segregação ou, no mínimo, evitando alimentá-la. Isso é crucial,
considerando a própria lógica que impulsiona o serviço, visando
evitar o retorno a institucionalizações direcionadas que segmentam
indivíduos com base em suas características distintas.
A ideia inicial era que essa casa, designada como uma
Residência Inclusiva, não se transformasse em uma instituição,
sendo previsto inclusive no Plano de Organização de Cotidiano -
POC desenvolvido entre 2021 e 2022 pela coordenação, equipe
técnica e apoio técnico, conforme segue:

O aspecto residencial deve ser preservado, tanto objetivamente


(questões de estrutura física, ausência de placas de identificação na
parede) quanto subjetivamente, sendo que o serviço precisa funcionar
similarmente à moradia de qualquer família (SMAS, 2022. p 4).

No entanto, as observações das práticas diárias indicam uma


tendência à institucionalização.

220
Apesar dessa trajetória normativa, que garante sua existência,
ainda não foram estabelecidos parâmetros federais detalhados
quanto às suas condições, localização, entorno e os serviços
oferecidos. Uma fonte informativa até aqui foi a cartilha do Plano
Viver Sem Limite I fornecida pelo SUAS, cujo lançamento de suas
atualizações se deu recentemente e, portanto, ainda não culminou
na capacitação dos trabalhadores da área. A cartilha, todavia, está
destinada a oferecer orientações sobre as Residências Inclusivas,
intitulada "Orientações sobre o Serviço de Acolhimento
Institucional para Jovens e Adultos com Deficiência em Residências
Inclusivas - Perguntas e Respostas", de 2014. No entanto, é
importante notar que essa fonte, apesar de informativa, ainda
carece de detalhamento específico em alguns aspectos.
O Plano de Organização de Cotidianos (POC) municipal para
a Residência Inclusiva, documento realizado pela SMAS de Foz do
Iguaçu em 2022, cita a cartilha do Plano Viver Sem Limites I, como
fonte de suas diretrizes, se propondo à implementação e às
métricas do serviço, posiciona a ordem temporária do acolhimento,
a necessidade do trabalho quanto ao fortalecimento de vínculos
anteriores e o trabalho que precisa ser individualizado e
personalizado para que seja efetivo. É preciso evidenciar a
distância temporal entre a inauguração do serviço em Foz e a
estruturação de um documento base para seu funcionamento, uma
diferença de 8 anos.

ENTRELACES DE TEORIAS QUE PENSAM A PRÁTICA

A partir do contexto social, o foco da discussão será sobre


educação inclusiva e a concepção da educação formal como um
meio para o desenvolvimento social. Além disso, abordaremos a
tentativa de superar a barreira limitante quando a abordagem da
educação é restrita aos ambientes escolares, com a
responsabilidade recaída exclusivamente sobre os profissionais da
educação. É contundente examinar o movimento histórico da
Reforma Psiquiátrica e os modelos de leitura da deficiência para

221
compreender a trajetória inicial da narrativa que será explorada,
trajetória essa caracterizada pela discriminação, exclusão
influenciada por conceitos eugenistas.
A RI representa mudança, surge para incluir o cotidiano do
que é estar em sociedade fortalecendo vínculos com pessoas que
não estão ligadas diretamente a esse serviço, assim como inclui no
cotidiano pessoas que anteriormente eram destinadas apenas a
marginalização e invisibilização. É um reconhecimento político da
necessidade de mudança na cultura que ao ser destacada reconhece
a importância de remodelar as normas, valores e práticas
arraigadas, visando promover o bem-estar de indivíduos que
reflitam a inclusão e a justiça social.
A Reforma Psiquiátrica veio como resposta à luta
antimanicomial frente a uma realidade preocupante: instituições
hospitalares manicomiais que, por décadas, perpetuaram práticas
asilares, segregacionistas e desumanas como principal modelo de
tratamento. O movimento, portanto, almejava a
desinstitucionalização asilar em massa, um processo ambicioso e
complexo que visa retirar os indivíduos de instituições como
hospitais psiquiátricos e integrá-los novamente à sociedade,
respeitando e fomentando suas potencialidades.
O Movimento buscou não apenas a desconstrução das
instituições tradicionais de saúde, mas também a promoção das
competências e habilidades de cada indivíduo como ser social,
evadindo do Modelo Biomédico e se unindo com o Modelo Social
da Deficiência, que rejeita tal olhar tradicional direcionado a
pessoas dissidentes da norma e coloca o foco na sociedade e em
suas barreiras, ao invés de considerar a deficiência como uma
característica intrínseca do sujeito a considera uma característica
faltante da sociedade (França, 2013).
Representando o olhar às normas eugênicas, aliando através
dos modelos que as deficiências são entendidas (Biomédico e
Caritativo) é perceptível que há em sua tradução como prática de
preconceito, chegando na conceituação do capacitismo que
segundo Mello pode ser compreendido por “[...] uma postura

222
preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função da
adequação dos seus corpos à corponormatividade. É uma categoria
que define a forma como as pessoas com deficiência são tratadas de
modo generalizado como incapazes […]” (Mello, 2016)
Quando falamos de inclusão, nos referenciamos ao modo de
filtrar e se dirigir aos impasses acerca da diferença. O debate da
educação inclusiva surge para referendar o direito de todas as
pessoas à educação, independentemente de quais suas
características, abrangendo também a necessidade de promover
uma sociedade adaptativa e não excludente. A educação inclusiva
vai além da integração de alunos com realidades distintas, ela
busca transformar todo o contexto social para que pessoas com
diferentes habilidades e características estejam plenamente
inseridas e tenham oportunidades equitativas. O movimento de
pessoas com deficiência lutou para construir a Convenção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006), tratado
internacional assinado por 182 países que se comprometem a
efetivar os direitos dessa população e baseado no modelo social da
deficiência. Dentre eles, temos o direito à educação em sistema
inclusivo, que em seu artigo 24, prevê que “medidas de apoio
individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que
maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com
a meta de inclusão plena”.
A construção de ambientes que entendem demandas para
além das estigmatizações de diagnósticos e que buscam criar as
condições de acessibilidade para permitir efetiva participação
social contribuem para a luta anticapacitista. As conquistas da
reforma antimanicomial, pelo olhar do modelo social da deficiência
e da educação inclusiva, representam avanços quanto aos direitos
das pessoas com deficiência de conviverem em todos os espaços em
igualdade de condições. O sujeito que está inserido em seu meio
como voz ativa é um sujeito que se reconhece e que precisa de
atendimentos de saúde, de educação e de lazer que o reconheçam
como conhecedor de suas próprias necessidades e vontades.

223
Além do critério de vulnerabilidade, para residir em uma RI
é preciso ter idade igual ou superior a 18 anos. Na pesquisa em
questão, apesar de todas as residentes estarem na faixa etária dos
20 anos, o que significa que já ultrapassaram a idade típica de
escolarização no sistema educacional regular, continuam sendo
referenciadas pelo ambiente assistencialista da escola de educação
básica - modalidade educação especial. Suas aulas não estão no
contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e não objetivam
a certificação por competência, como a conquista do diploma
escolar, convertendo o objetivo dessa educação um tanto quanto
difuso ao original.
Em um dos momentos de conversa coletiva sobre o assunto de
frequentar a escola, a residente mais velha contou que decidiu
parar de frequentar a escola, pois nunca iria parar de ir e que fazer
sempre as mesmas atividades não a incentiva. Seu relato é um
desabafo e demonstra a falta de expectativa na evolução
escolar/pedagógica ao frequentar esse espaço. A escolarização para
as moradoras da RI-I é baseada em pinturas com lápis de cor,
recorte e cola e talvez encontrar amigas e amigos da escola, mas
esse assunto sobre amizade fora da RI nunca foi levantado.
Das 10 pessoas que moram na Residência, apenas 3 são
homens. Desses 3 homens um está na mesma faixa etária dos 20
anos que a maioria das mulheres também residentes, mas apenas
as residentes mulheres da RI-I ainda frequentam instituições
educacionais assistencialistas e caritativas, mesmo não sendo
todas, são a maioria. Somente 2 dessas 7 mulheres não frequentam
tal ambiente. Cabe considerar, ainda que não seja possível
aprofundar neste capítulo, os entrelaçamentos nítidos de gênero e
raça, assim como outras interseccionalidades.
A dependência é reforçada pelo ambiente escolar na forma de
desestímulo da autonomia como percebido com os relatos de não
poder carregar os próprios materiais gráficos no caminho da escola
para casa ou na falta de vontade em frequentar tal ambiente por
serem sempre as mesmas atividades gráficas. Estas práticas
demonstram a modulação caritativa e quais são as expectativas que

224
essas escolas na modalidade da educação especial desempenham.
O estado do Paraná, onde se localiza o município de Foz do Iguaçu,
possui uma legislação peculiar e na contramão da Política de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva -
PNEEPEI (2008). Neste estado há orientação a respeito do
funcionamento curricular das escolas de modalidade educação
especial, com um percurso de 10 anos de escolarização que é
compatível com o currículo de primeiro e segundo anos de ensino
fundamental das escolas regulares. Estas escolas, segundo as
normativas estaduais (Paraná, 2014), deveriam oferecer a educação
de jovens e adultos destinada a alunos maiores de 15 anos, pessoas
com deficiência intelectual, múltiplas deficiências e transtornos
globais de desenvolvimento, que por alguma razão não foram
incluídos na escola regular, mas que ainda sim tem o direito à
educação voltada minimamente ao ensino de língua portuguesa,
matemática e estudos da sociedade e da natureza e que tais
conteúdos passarão por um momento de mediação das
aprendizagens para a conquista da certificação.
Como continuação está prevista a Educação Profissional com
o intuito de mediar a preparação para o mundo do trabalho dentro
de três esferas: Unidade Ocupacional de Qualidade de Vida;
Unidade Ocupacional de Produção; e Unidade Ocupacional de
Formação Inicial. Sendo que:

[...] a proposta incorpora as dificuldades que os alunos com


Deficiência Intelectual, Deficiência Múltipla e Transtornos Globais
do Desenvolvimento tem de inserção no mundo do trabalho e atribui
às Escolas de Educação Especial, Modalidade Educação Especial, a
interlocução entre as instituições qualificadoras e de estágios, e a
Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária,
entre outras para a inserção no mercado do trabalho ou como apoio
à iniciativas e/ou implantação de programas de qualificação (Paraná,
2014, p. 16).

Logo, a infantilização que é perceptível em alguns momentos,


mas que fica evidente quando nos deparamos com as estampas dos

225
materiais escolares e as atividades que elas pedem para fazer, como
desenhar, está atrelada a controvérsia do embasamento legal que
ampara essas instituições educacionais segregadas.
A influência do sistema educacional na vida das pessoas com
deficiência permeia diversas áreas, gerando lugares sociais
subjetivos que tendem a apagar suas próprias potencialidades.
Quando a escolarização sai do contexto da escola regular e entra
nas escolas de modalidade da educação especial, esse percurso
educacional foge do objetivo primeiro, se tornando uma espécie de
fardo que mesmo que essa estudante atinja novos estágios de
desenvolvimento nunca será o suficiente para que ela se gradue e
passe para uma nova etapa convivendo e entrando em contato com
novos estímulos. As moradoras que narramos frequentam em sua
maioria a APAE ou outras instituições similares, elas não
expressaram em nossas conversas precisamente sobre gostarem ou
não gostarem de ir à escola, sobre ter amizades ou professoras que
possuem afeto.
A conversa, como a maioria que tivemos sobre gostos
individuais, se baseou em fazer parte da rotina e ter que cumpri-la,
pegar ônibus sozinha também foi relatado como parte do interesse
nessa frequência. Considerando essa realidade, o papel da escola
passa da educação formal para um ambiente reforçador de
estereótipos e esse fenômeno resulta em um sistema de
dependência, alimentado pela incapacidade dos profissionais da
educação que atuam nessa modalidade em ampliar as perspectivas
e habilidades, limitando a capacidade de indivíduos com
deficiência se tornarem agentes sociais ativos.
Saber ler ou escrever não é uma recorrência dentro dessas
escolas, afinal o foco não está precisamente na alfabetização,
embora a legislação destas instituições indique que o currículo seria
compatível com o segundo ano do ensino fundamental, em que a
alfabetização é prevista. Pelo que foi possível obter de informação,
apenas uma desenvolveu essa habilidade e isso no período em que
ela não estava no sistema SUAS como uma pessoa abrigada.
Quando se trata de habilidades para a alfabetização, como leitura e

226
escrita, ainda existe um obstáculo significativo. Foi possível
perceber que a expectativa na volta às aulas era destinada à
ocupação do tempo e ao uso do material comprado, afinal, todo o
tempo fora desse ambiente, ou do ambiente clínico que elas
também frequentam, é desocupado.
Adquirir conhecimento da educação formal, desenvolver
progressões motoras e cognitivas individuais, e ter a capacidade de
reconhecer nomes ou informações pessoais são habilidades
consideradas essenciais para aqueles cujo pertencimento se
estabelece no âmbito familiar e dentro dos parâmetros da
normatividade biomédica. No entanto, para as mulheres que
estamos discutindo, que foram institucionalizadas desde a infância,
percebemos que suas vidas não foram documentadas em fotos ou
relatórios, pelo menos de acordo com a abordagem das
trabalhadoras sobre o assunto.
No caso das mulheres acolhidas com deficiência intelectual:
são cidadãs de pleno direito, indivíduos sociais com o poder de se
perceberem e se autodenominarem como tais? A resposta inicial
parece desanimadora. A primeira impressão sugere uma negativa,
e a primeira leitura reforça essa percepção. No entanto, é crucial
agir com cautela para evitar interpretações superficiais. Devemos
aprofundar nossa análise, garantindo que não seja desprovida de
esperança para orientar futuras práticas e transformações.
O analfabetismo impõe inúmeras limitações e transcorre por
toda discussão e questões levantadas, entrelaçando-se com
preocupações mais profundas relacionadas à identidade,
dignidade e pertencimento. Quando consideramos o direito à
aprendizagem e à educação, observamos quem sempre teve acesso
garantido à frequência escolar, levando em conta fatores como cor,
classe, status e as normas que essas crianças carregavam consigo.
Remontamos às influências eugenistas, assim como várias outras
enraizadas na educação brasileira tradicional que são
predominantemente percebidas no cotidiano como normativas e
estão naturalizadas a ponto de não serem facilmente questionadas.
O ato de tornar a escolarização um momento de reprodução de

227
conteúdo a ser memorizado para que cada criança se estabeleça
como jovem capaz de produzir e reabastecer o mercado trabalhista
induz a uma existência capitalista e versa o capitalismo com o
capacitismo, fundado na eugenia.
Durante o início e meados do século XX, diversas nações
implementaram programas eugênicos, embora esses tenham sido
amplamente controversos e criticados devido a razões éticas,
morais e sociais. A abordagem eugenista não apenas marginalizou
as pessoas com deficiência, mas também perpetuou estigmas e
preconceitos que persistem até os dias atuais (Lima et al., 2020). A
lógica eugenista, mesmo que muitas vezes de forma subliminar,
está profundamente enraizada em diversos conceitos e práticas
sociais contemporâneas, influenciando também na cultura
educacional que tanto resiste em se atualizar para uma prática não
segregacionista e com foco produtivo.
Pensando em seus reflexos na cultura educacional,
encontramos a estrutura da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), cujo intuito controverso a essa tradicionalidade
histórica, vai ao encontro da proposta da Residência Inclusiva. A
LDBEN prevê um ponto que está ligado às bases do serviço da
Residência, no artigo 59 sobre Educação Especial diz que:

IV - Educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva


integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas
para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho
competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem
como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas
áreas artística, intelectual ou psicomotora (Brasil, 2023).

O sistema educacional tem sido progressivamente moldado de


acordo com as demandas do mercado (Primo; Fernandes, 2020).
Transformar a escolarização em um mero processo de
memorização de conteúdos, ao invés de promover um ambiente de
aprendizado crítico e criativo é um processo histórico. O principal
objetivo é preparar crianças e adolescentes para se tornarem jovens

228
aptos a integrar e sustentar o mercado de trabalho. Esse foco
direcionado limita a amplitude e profundidade da educação,
reduzindo-a a uma fábrica de mão-de-obra qualificada (nem tanto)
para os setores econômicos.
Esta leitura reforça uma perspectiva capitalista, onde o valor
do indivíduo é medido pela sua capacidade de produção e
contribuição econômica. Unindo as ideias de produção para o
capital (capitalismo) e a reprodução para representação da nação
(eugenia), surge uma das leituras do que identificamos hoje como
capacitismo, um conceito que destaca a discriminação e a
desvalorização de indivíduos com base em suas habilidades ou
incapacidades percebidas (Bock; Nuernberg, 2018). Ao priorizar
apenas as habilidades que são economicamente rentáveis, o sistema
educacional, inadvertidamente, marginaliza e/ou ignora outras
habilidades e talentos que não se encaixam no molde tradicional de
produtividade.
As leituras feitas sobre a deficiência influenciam
objetivamente na concepção das pessoas marcadas por essa
diferenciação, logo, quando estamos analisando o serviço oferecido
para elas encontramos as formulações de tal oferta. Bock e
Nuernberg (2018) discutem as concepções de deficiência,
abordando o modelo caritativo que, inspirado no olhar cristão,
incorpora a perspectiva de piedade e reparação para com os
"menos favorecidos". Este modelo sugere que essas pessoas são
percebidas como beneficiárias de cuidado, sem a oportunidade de
conquistar independência:

Na educação, percebe-se a presença desse modelo quando pessoas


com deficiência são menos desafiadas nas tarefas cotidianas por
alguns profissionais, e estes tendem a agir de maneira
superprotetora, ou ainda, com a criação de classes ou escolas
especiais, filantrópicas (Bock; Nuernberg, 2018, p. 2).

Voltando para as instituições e contatos que as moradoras da


RI exercem no decorrer de suas vidas, encontramos exatamente a

229
prática através do modelo caritativo sendo legitimado pelo modelo
biomédico:

Portanto, nessa concepção há uma comparação constante com os


critérios estabelecidos como norma, tudo que dele se distanciar é
considerado anormal, abjeto. Reside no sujeito com o diagnóstico de
lesão a necessidade de se adequar para viver em sociedade (Ibidem).

O debate em torno da educação formal é abrangente e


complexo, e a escolarização, permeada pelos vieses que a
envolvem, muitas vezes adquire valores que inicialmente não
refletem adequadamente seus princípios fundamentais. A
influência que o sistema de educação tem sobre a vida das pessoas
com deficiência é transversal e gerador de lugares sociais subjetivos
de apagamento das próprias potencialidades e de um sistema de
dependência alimentado pela falta de capacidade dos profissionais
da educação em tornar outras possibilidades humanas em seres
sociais ativos.
A política da Residência Inclusiva, pautada teoricamente pelo
movimento antimanicomial e pelo modelo social da deficiência
entra em contato com todas as esferas da vida em sociedade, por
isso precisa de trabalhadoras com o devido preparo sobre o
significado de inclusão. Pela pesquisa, depreende-se que tanto a
Residência quanto a instituição escolar entendem a deficiência
pelos modelos biomédico e caritativo. No entanto, a instituição
escolar, além de um direito social básico, também é extensão da
vida dessas mulheres que são pessoas com deficiência intelectual,
mas que frequentam modelos de escolas como a APAE, que parece
ter baixo compromisso com a emancipação dessas mulheres.
Sendo assim, quem reivindica a inclusão para elas, por elas e com
elas? É difícil determinar pontos conclusivos entre a vivência das
mulheres residentes da Residência Inclusiva e as diretrizes que a
cercam e deveriam ser implementadas em seus cotidianos a fim do
fortalecimento de suas identidades. Frequentar esse espaço como local

230
de segregação e marginalização representa um movimento contrário
às expectativas originais do seu contexto de moradia.
Por fim, cabe enfatizar a importância do papel da escola
inclusiva, com garantia de direito à educação e à aprendizagem a
todas as pessoas. De igual maneira, é necessário que a
operacionalização de políticas públicas aconteça em rede. Para que a
implementação da política da Residência Inclusiva seja bem sucedida,
é preciso articulação com todas as demais políticas, em especial a de
educação, com olhar baseado no modelo social da deficiência e numa
perspectiva entrelaçada com os direitos humanos.

REFERÊNCIAS

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e as implicações nas práticas pedagógicas. CEB -VII Congresso de
Educação Básica: docência na sociedade multitelas, 2018.
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Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
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2015, n. 182, p. 2, 6 julho 2015. Disponível em: https://www.
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BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União:
seção 1, Brasília, DF, ano 1996, p. 27833, 23 dezembro 1996.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis
/l9394.htm. Acesso em: 02 dez. 2023.
BRASIL. Resolução nº190, de 11 de novembro de 2009. Aprova a
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial

231
da União: seção 1, Brasília, DF, ano 2009. n. 225. Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/public/resolucao_
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BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência: Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência: Decreto Legislativo nº 186, de 09 de
julho de 2008: Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. [Declaração
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sobre o Serviço de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos
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Janeiro, v. 21, n. 10, p. 3265-3276, 2016.
PARANÁ. Parecer CEE/CEIF/CEMEP 07/14, Pedido de Análise e
Parecer da Proposta de Ajustes na Organização das Escolas de
Educação Básica, na Modalidade Educação Especial, para oferta da
Educação Infantil, do Ensino Fundamental – Anos iniciais (1º e 2º
anos), da Educação de Jovens e Adultos – Fase I e da Educação
Profissional, aprovada pelo Parecer CEE/CEB nº 108/10, de
11/02/10. Curitiba-PR, 2014.

232
PARANÁ. Secretaria Municipal da Assistência Social (SMAS).
Plano de Organização de Cotidiano – POC. Residências Inclusivas
I e II - Foz do Iguaçu/PR. Foz do Iguaçu, 2022.
PRIMO, P., FERNANDES, T. da C. A gestão da educação na
sociedade capitalista: influências do gerencialismo no processo de
humanização. Nuances: estudos sobre Educação, Presidente
Prudente, SP, v. 31, pc82020, p.295-309, jan./dez. 2020, ISSN: 2236-
0441. DOI: 10.32930/nuances.v31i0.8328

233
234
REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
NA AMÉRICA LATINA E CARIBE: UM OLHAR PARA A
EXPERIÊNCIA DA VENEZUELA

Neide da Silveira Duarte de Matos (UNIOESTE)


Lucia Terezinha Zanato Tureck (UNIOESTE)
Jane Peruzo Iacono (UNIOESTE)
Maria Lidia Sica Szymanski (UNIOESTE)
Silvane dos Santos de Moura Macagnan (UNIOESTE)

INTRODUÇÃO

Na atual conjuntura, diversas situações impedem o avanço das


políticas educacionais, tais como a retração dos recursos para a área
da Educação e o fomento à pesquisa científica, em meio à ascensão
recente de um pensamento conservador e obscurantista. Nesse
contexto, apresentar resultados de uma pesquisa interinstitucional
torna-se legítima demonstração de resistência teórica.
Mediante estratégia de trabalho coletivo, esta ampla pesquisa
envolveu oito Instituições de Ensino Superior (IES) de diferentes
regiões do Brasil e reuniu o mapeamento de políticas em Educação
Especial produzidas por países da América Latina e Caribe com o
posicionamento político e teórico de pesquisadores dedicados à
produção de estudos nesse campo. Busca aporte relevante ao
avanço das políticas de Educação Inclusiva na América Latina,
difundindo o conhecimento em Educação Especial produzido na
Venezuela, e sua relação com as políticas educacionais dos países
vizinhos, por ele se mostrar importante estratégia de luta pela
educação para todos.
O presente trabalho objetiva expor dados de políticas
educacionais na Venezuela, sobretudo os relacionados à Educação
Especial e Inclusiva na Educação Básica e Superior. Adota os
fundamentos do Materialismo Histórico-Dialético e da Teoria

235
Histórico-Cultural, visando compreender as condições objetivas do
desenvolvimento histórico da formação social do país, supondo a
educação ofertada como dependente do grau de riqueza material e
cultural que logrou atingir, sobretudo, as formas de sua produção,
reprodução e distribuição na sociedade, considerando suas
diferentes etapas.
As condições objetivas da América Latina e Caribe
atravessaram diferentes etapas em seu desenvolvimento histórico,
resultando em algumas dezenas de formações sociais. Em que pese
que estas sempre guardam uma certa peculiaridade, há entre todas
uma inegável semelhança tanto fundacional quanto processual.
Seu povoamento ancestral e sua integração mundial são em si os
mesmos, compartilhados por todos os países em que atualmente se
apresenta dividida a região. No entanto, cada um deles não
percorreu aquelas diferentes etapas em comum da mesma forma, o
que acabou por implicar em distintos graus de riqueza material e
cultural. Nessas nações, as formas de produção, reprodução,
distribuição social e de consumo, atingiram uma configuração e
uma composição orgânica dos produtos do trabalho bastante
peculiar, sem que deixassem de guardar entre si consideráveis
semelhanças. E, é nesse variado contexto que a Educação se insere
e da qual depende.
Assim, esta pesquisa possibilita ver os diferentes caminhos de
construção e implementação da Educação Especial venezuelana ao
recuperar: a) as políticas públicas mais relevantes para o
atendimento educacional às pessoas com deficiências e/ou
necessidades educativas especiais; b) os dados da constituição
historiográfica da Educação Especial e Inclusiva na Educação
Básica e no Ensino Superior; e as propostas governamentais, com
suas pertinências e limitações ante as condições objetivas do país.
A metodologia contou com a análise de documentos,
subsidiada por produções teóricas pesquisadas no Portal de
Periódicos CAPES, que permitem compreender a temática.
Destaca-se que, na Venezuela, a consulta em páginas oficiais por
propostas governamentais e/ou documentos foi prejudicada pelo

236
bloqueio ao acesso externo. Além dessa dificuldade, a pesquisa
constatou que vários sítios e portais, onde deveria haver
informações sobre a Venezuela, traziam ataques difamatórios,
dados falsos, distorcidos e até ofensivos. Isso motivou sua exclusão
e a seleção de fontes fidedignas, constituídas por textos produzidos
por pesquisadores venezuelanos ou brasileiros.
Desse modo, elegeu-se o banco de dados do Grupo de
Pesquisa em Políticas Sociais da UNIOESTE – GPPS, grupo de
histórico intercâmbio com pesquisadores na América Latina,
inclusive da Venezuela, e dois documentos em especial foram a
base do estudo: o Relatório de livre docência da Professora Doutora
Francis Mari Nogueira, Os impactos da crise econômica promovida
pelas sanções e bloqueios nas universidades públicas da república
bolivariana da Venezuela (2020); e a dissertação de mestrado de sua
orientanda Vandiana Borba, Estudo comparado da política da Educação
Especial no Brasil e na Venezuela: uma análise a partir da emergência do
neoliberalismo (2010).
Buscaram-se, ainda, produções sobre Educação Especial no
Portal de Periódicos da CAPES, aplicando inicialmente os
seguintes critérios:
- Descritores de busca: Educación Especial AND Venezuela –
Inclusión Educativa AND Venezuela – Inclusión Escolar AND
Venezuela.
- Recorte temporal (1990 a 2018); idioma espanhol e artigos
revisados por pares.
Com essa busca o total de produções pesquisadas na base de
dados Portal Periódicos CAPES, aplicando o critério ‘qualquer’, foi
de 2776 trabalhos.
Ao incorporar o critério “é exato”, encontrou-se 96 artigos
científicos, sendo apenas quatro no primeiro descritor e um no
último. Devido ao número de dados, considerou-se a pertinência
de oito textos selecionados na primeira busca, manter suas
informações e aplicar critérios de elegibilidade.
Selecionaram-se, então, onze artigos para análise e
sistematização de dados, alinhados à análise conjuntural, a saber:

237
Necesidades de capacitación de los docentes de educación inicial sobre las
altas capacidades intelectuales (Villegas, 2018); La escuela inclusiva:
desafíos y oportunidades del psicólogo escolar (Mogollón; Falla, 2014);
Educación para la salud en personas con necesidades especiales en el area
visual. Caso Instituto de Educación Especial "Mevorah Florentin".
Caracas. Venezuela 1995-1996 (Romero, 2000); Tendencias
investigativas sobre la narración oral en la escuela (2009-2014). (Parra;
Ramirez; Calderon, 2015); Material multimedia sobre autismo como
medio instruccional para la enseñanza de dichos contenidos entre
estudiantes del Instituto Pedagógico de Caracas (García, 2011); La
alteridad en la atención especial del autismo (González, 2005);
Orientaciones pedagógicas para la inclusión de niños con autismo en el
aula regular. Un apoyo para el docente (Rangel, 2017); Una
aproximación a los fundamentos de la evaluación de la comprensión de la
lectura en sordos: el caso venezolano (Garnica; González, 2014); Modelo
integral de alfabetización para personas sordas (MIDAS) (Zambrano,
2008); Actitud del docente de educación inicial y primaria ante la
inclusión escolar de las personas con discapacidad motora (Acosta;
Arráez, 2014); Estado y desafíos de la inclusión educativa en las regiones
andina y cono sur (Claro, 2007).
Da leitura prévia dos resumos dos textos, todos artigos
científicos publicados em revistas científicas on-line, constatou-se
que dez deles abordam temas relativos à área da Educação e um à
área da Saúde. Este último, pesquisa realizada entre 1995 e 1996,
descreve como ocorre a educação para a saúde das pessoas com
deficiência visual, indicando existir apenas um instituto público
especializado em deficiência visual em Caracas, na Venezuela.
Dentre os dez artigos educacionais, três relacionam-se à
formação de professores para a inclusão escolar e discutem a
necessidade de aperfeiçoar a compreensão do trabalho educativo
de alunos com altas habilidades e/ou transtorno do espectro
autista. Um deles aborda a função do psicólogo, a relevância do
trabalho interdisciplinar e o papel desse profissional para a
transformação social no processo de inclusão escolar das pessoas
com deficiência nas instituições de ensino da Venezuela.

238
Quatro artigos destacam o ensino e a alfabetização de alunos com
deficiência na Educação Básica na Venezuela, referindo-se: um ao
cuidado no ensino do aluno autista, com base teórica na Psicologia
Histórico-Cultural; dois a alunos surdos, um voltado ao
desenvolvimento e compreensão da leitura e, outro, propondo um
modelo integral ao processo de alfabetização para a sua educação; e o
quarto à inclusão escolar do aluno com deficiência física, ao trabalho
pedagógico do professor e às carências no seu processo escolar.
Dos três textos restantes, dois tratam especificamente da
Educação Especial na Venezuela, um deles sobre a narração oral
como recurso didático utilizado em escolas de diversos países,
apontando que Venezuela, Colômbia e Espanha apresentam a
maior quantidade de trabalhos científicos nas áreas de investigação
de narração oral e Educação Especial. O décimo artigo reflete sobre
os desafios comuns enfrentados na inclusão escolar em países do
Cone Sul e região Andina, indicando quais ações políticas podem
ser planejadas para diminuir e superar seus incidentes.
Vale ressaltar que as questões educacionais apresentadas
nesse texto são integrantes dos mecanismos econômicos, sociais e
culturais historicamente produzidos na Venezuela, dadas as
condições de vida de sua população e de desenvolvimento
econômico de uma nação dependente.

AS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E A EDUCAÇÃO NA


VENEZUELA

No período entre o final de 1950 e 1970, anterior à produção


de uma política mais específica de atendimento educacional
especializado, o país viveu uma fase de expansão fácil da educação,
resultante dos altos lucros da extração de petróleo e revertidos em
Políticas Sociais, como as da educação pública. Antes do governo
Chávez, porém, problemas de infraestrutura e disparidade na
distribuição dos serviços educacionais públicos e expansão do
ensino privado, acarretaram desequilíbrios territoriais, afetando
principalmente a população fronteiriça, indígena e rural,

239
justamente a que apresentava índices mais altos de pobreza e
grande desigualdade educativa.
A economia venezuelana gira em torno do petróleo, considerado
o grande determinante do PIB nacional, colocando a Venezuela como
um dos principais países no mercado energético internacional. Assim,
o capitalismo na Venezuela é classificado como rentista, por não
apresentar atividade produtiva, mantendo-se pela renda do petróleo, o
que estimula a especulação financeira e a corrupção, além de promover
a concentração do poder (Vieira, 2016).
No período de 1958 a 1990, foi se instalando um contexto político
e econômico de descontentamento popular, como consequência da
“democracia do Punto Fijo” que consistiu em um “pacto entre a AD
(Acción Democrática) e o COPEI (Comité de Organización Política
Electoral Independiente)”, que se alternavam no governo, buscando
definir uma postura política a favor dos Estados Unidos baseada
economicamente no petróleo (Vieira, 2016).
A política puntofijista objetivava conter as lutas sociais, assim,
vários trabalhadores que faziam parte da CTV (Confederación de
Trabajadores de Venezuela) foram integrados ao governo por meio
de cargos burocráticos. Nesse período os militares foram afastados
da vida política direta, gerando uma insatisfação no exército, na
marinha e na aeronáutica. Todo esse movimento culminou com um
golpe de estado em 1992 (Vieira, 2016).
A política neoliberal das últimas décadas do século XX foi
impulsionada por organismos internacionais (ONU, UNESCO,
Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial etc.), através de
recomendações em relatórios, num conjunto de reformas
econômicas e políticas. Seu conteúdo, questões como qualidade,
eficiência e equidade, apresentava-se como solução a problemas
enfrentados principalmente pelos países periféricos do capitalismo,
no entanto, como expõe Wilhelm (2010, p. 14), “[...] essas reformas
agravaram a pobreza no país”.
Com a eleição de Chávez, em 1999, as polêmicas políticas em
relação aos privilégios da classe dominante, tanto na disputa por
cargos burocráticos quanto na manutenção de políticas públicas,

240
foram se alterando. Com relação às classes dominadas, o governo
buscou investir em áreas sociais como saúde, educação e habitação.
Para isso, retomou o controle estatal da PDVSA (Petróleo de
Venezuela S/A), reorientando os lucros da exportação do petróleo
para a diversificação da atividade produtiva e para os programas
sociais (Vieira, 2016).
Dessa forma, a administração de Chaves caminhou na direção
oposta à dos demais países latino-americanos, que buscavam
privatizar empresas estratégicas e reduzir direitos dos
trabalhadores. Com a frustração dos representantes da democracia
puntofijista que estavam sendo excluídos, o país ficou dividido.
Mas, várias vezes durante seu governo, convocaram-se assembleias
e referendos buscando uma democracia mais participativa.
O sistema educacional da Venezuela, regulados pela Lei
Orgânica da Educação nº 5929/2009 e pelo Decreto nº 1414/2014, é
constituído pelo subsistema da educação básica, o subsistema da
educação universitária e o subsistema bolivariano de formação e
autoformação coletiva, integral, continuada e permanente.
Também há oferta de educação em modalidade especial, de jovens
e adultos, de fronteira, rural, para as artes, militar, intercultural e
educação intercultural bilíngue.
Por meio de Programas e Planos econômicos, o Governo
Chávez implantou Políticas Educacionais, planos, programas e
projetos para dar respostas ao novo modelo político e social do
país, buscando assegurar a inclusão, a permanência e a conclusão
dos estudos as pessoas com deficiência em todos os níveis
educativos.
Entre 1990 e 2015, o período médio de escolaridade aumentou
para 4.8 anos. Já a proporção de jovens entre 18 e 24 anos matriculados
na educação superior dobrou no período de 2005-2011. Em 2011,
19,7% dos jovens com essas idades frequentavam o nível superior
(Siteal, 2019). Além de manter as universidades anteriores, públicas e
privadas, para democratizar o acesso foram criadas Universidades
Públicas da Revolução Bolivariana Venezuelana como as
Universidades Politécnicas Territoriais e as Universidades

241
denominadas especializadas em determinados saberes. Conforme
dados do Instituto Internacional de Planeamiento de la Educación
(IIPE), órgão da UNESCO, em 2019 a gestão universitária estatal
passou a ser constituída por 6 colégios universitários, 13 institutos
universitários, 47 universidades experimentais, 5 universidades
nacionais, 8 institutos de estudos avançados e a “Misión Sucre”1.
Contudo, o peso do setor privado na distribuição de matrículas nas
IES é superior na maior parte dos países latinos, com exceção de Cuba,
Argentina e Equador (Siteal, 2019).
Para demonstrar os avanços na área da Educação Especial,
recuperam-se aspectos históricos a respeito da atenção educacional
a pessoas com deficiência em documento de 1997, intitulado
“Conceptualización y Política de la Integración Social de las
Personas con Necessidades Especiales: Programa de Integración
Social”:
1912 – Código de Instrução Pública: presença de termos como
“ciegos, mudos, sordos y anormales”;
1915 – estabelece-se que, para os grupos citados, “se plantea la
necessidad de que esta población assista a escuelas especiales [...]”;
instituições não estatais;
1935 – “Asociación Venezoelana de Ciegos”;
1936 – “Instituto Venezoelano de Ciegos e Sordomudos”;
1936 – Primeira Convenção Nacional do Magistério
Venezuelano, base para a Política de Integração com o documento
dela resultante: “Tabela dos Direitos da Criança Venezuelana”;
1948 – “la Ley Orgánica de Educación faculta al Ministerio de
Educación para crear, organizar y administrar establecimientos de
Educación Especial”;
1960 – o Ministério de Educação cria a primeira escola para
surdos, em Caracas; é consolidada a Educação Especial oficial, com
a criação de escolas especiais em quase todos os estados;

1A “Misión Sucre” é uma modalidade de educação superior baseada na interação dos


estudantes com o meio ambiente e a comunidade. É constituída por programas
nacionais de formação voltados a aumentar o nível educacional da população e igualar
as oportunidades de acesso à educação superior (Siteal, 2019).

242
1967 – criado, no Ministério de Educação, o Serviço de
Educação Especial (ainda com concepção médico/terapêutica e
classificação por teste, sendo secundarizada a perspectiva
pedagógica);
1974 – criado, pelo Ministério da Educação, o primeiro
Instituto de Educação Especial para atenção a crianças e jovens com
impedimentos motores, anexo ao Hospital Ortopédico Infantil, em
Caracas, com “la finalidade de iniciar, mantener la continuidade
educativa y garantizar la prosecución escolar de los niños
hospitalizados[...]”;
1975 – novo órgão no Ministério da Educação, “Dirección
Nacional de Educación Especial”, torna a Educação Especial em
política de Estado;
1976 – publicação do documento: “Conceptualización y
Política de Educación Especial em Venezuela” – com os mesmos
princípios de democratização e de modernização que regiam o
ensino ministrado nas escolas comuns, sendo os princípios de
prevenção, normalização e integração mais direcionados à área da
Educação Especial;
1980 – Lei Orgânica de Educação (LOE), cujo Capítulo VI
refere-se à Educação Especial, garante adaptações didático-
pedagógicas, define quem é o público da Educação Especial, a
formação de professores, a preparação da família e da sociedade
para contribuir no processo de integração das pessoas com
deficiência, e Educação Especial enquanto modalidade de ensino.
Observa-se algumas situações similares ao ocorrido no Brasil,
como: a criação de institutos para cegos e surdos, que se
difundiram pelo país; direitos das crianças assegurados para seu
desenvolvimento e socialização; Educação Especial realizada no
modelo de integração e enquanto modalidade de ensino.
Próximo ao final da década de 1990, a escolarização de pessoas
cegas e das com deficiência física passou a realizar-se no ensino
regular.
O Quadro 1 apresenta, em perspectiva cronológica, as políticas
públicas voltadas ao atendimento em Educação Especial na

243
Venezuela, um dos objetivos deste estudo, revelando um período
de intensificação das medidas propostas desde 1996, até culminar
com a Constituição Bolivariana de 1999.

Quadro 1 - Políticas para Educação Especial: panorama internacional e


nacional
Políticas nacionais –
Políticas internacionais – Educação Educação Especial,
Especial, Inclusão, Direitos Humanos Inclusão, Direitos
Humanos
Declaração Mundial de Educação
1990
para Todos.
Lei n° 4623 – para
Normas sobre igualdad de
integração das
oportunidades para personas con 1993
pessoas
1993 discapacidad;
“discapacitadas”.
Declaração de Nova Delhi sobre
Educação para Todos.
1994 Declaração de Salamanca. Resolução 2005 –
normas para
Declaração e Plano de Ação
integração escolar
Integrado sobre Educação para a 1996
1995 da população com
Paz, os Direitos Humanos e a
necessidades
Democracia.
educativas.
Conceitualização e
Declaração sobre as política de
Responsabilidades das Gerações integração social
1997 1997
Presentes em Relação às Gerações das pessoas com
Futuras. necessidades
especiais.
Conceitualização e
política de
1998 prevenção e atenção
integral
“temprana”.
Carta para o terceiro milênio; Constituição
1999 Convenção Interamericana para a 1999 Bolivariana; e
Eliminação de todas as formas de Resolução n°

244
Discriminação contra as Pessoas 179/1999.
Portadoras de Deficiência.
Educação para Todos: o
compromisso de Dakar;
2000 Declaração das ONGs – Educação
para Todos: Consulta
Internacional de ONGS.
Declaração Internacional de
Montreal sobre inclusão;
2001 Declaração de Cochabamba;
Educação para Todos: cumprindo Lei n° 38.598/2007 –
nossos compromissos coletivos. normas para as
2002 Declaração de Caracas. 2007 pessoas com
Edição Especial: Salamanca – dez “245obrecarrega245
2004
anos depois. ”.
Orientação para a inclusão:
2006 garantindo o acesso à educação
para todos.
Convention on the Rights of
Persons with Disabilities (CRPD); Lei Orgânica da
2009 2009
Directrices sobre políticas de Educação (LOE).
inclusión en la educación.
Conclusões da conferência
internacional “educação
2010
inclusiva: um meio para
promover a coesão social”.
Relatório mundial sobre a
deficiência (ONU; Banco
Mundial)
Aprendizagem para todos.
Estratégia 2020 para a Educação
2011
do Grupo Banco Mundial;
Learning for All: Investing in
People’s Knowledge; and Skills to
Promote Development: education
strategy 2020.

245
Educação 2030: Declaração de
Incheon; e Marco de Ação da
Educação: Rumo a uma educação
2015
de qualidade inclusiva e
equitativa e à educação ao longo
da vida para todos.
The Price of Exclusion: Disability
and Education, Disability Gaps in
Educational Attainment and
2017 Literacy;
Educação para os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável –
objetivos de aprendizagem.
Inclusive Disability:
2018
Development in UNDP.
Fonte: organizado pelas autoras.

É a partir da Constituição Bolivariana de 1999 que a inclusão


escolar se apresentou, regulamentada pela Lei nº 38.598 de 2007,
que também criou o Conselho Nacional para as Pessoas com
Incapacidades – CONAPDIS. A Nova Carta Magna, em seu Art. 3º,
afirma a centralidade da educação escolar e do trabalho, efetivada
na Ley Orgánica de la Educación de agosto de 2009, que revogou sua
versão anterior de 1980 e organizou uma nova estrutura legal para
funcionamento que retoma a educação escolar pública, gratuita e
obrigatória em todos os níveis de ensino, incluindo serviços
próprios com normas para a integração escolar da Educação
Especial em todos os estados. A Carta Magna também assegurou o
direito pleno do exercício da autonomia e de capacidades das
pessoas com deficiência, além de sua integração social, com
garantia da seguridade social como um direito público.
Acompanhando o recrudescimento do movimento neoliberal
na década de 1980 a 1990, a Educação Especial na Venezuela sofreu
os impactos das reformas da década, na direção do

246
desmantelamento do ensino público e expansão do ensino privado,
mantendo concepção filantrópico-assistencial.
Com a Constituição Bolivariana de 1999, houve o resgate da
educação pública, gratuita e obrigatória, escolarização no ensino
regular, havendo serviços próprios com normas para a integração
escolar em todos os Estados.
Através de programas e planos econômicos, a gestão Chávez
implantou políticas educacionais, planos, programas e projetos,
para dar respostas ao novo modelo político e social do país,
buscando assegurar a inclusão, e não apenas permanência e
conclusão dos estudos em todos os níveis educativos.
As Missões Educativas 2006/2008 permitiram formação em
massa e presencial, em todos os níveis. Na história da educação da
América Latina e Caribe ainda não havia ocorrido formação
semelhante: presencial, abrangente a toda a população, em todos
os níveis de escolaridade: da alfabetização à universidade.
Em 2005, a UNESCO declarou o país livre do analfabetismo,
de fato uma vitória, tendo em vista, sobretudo, as precárias
condições da população indígena fronteiriça. Em paralelo às
Missões Educativas, projetos-bandeira em escolas-piloto,
transformaram-se em rede regular em 2009 com a nova Ley
Orgánica Educativa (LOE), visando a democratizar o acesso ao
conhecimento.
Além de oficializar as várias iniciativas educacionais já
constituídas no país, a nova LOE (2009) ratificou a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York em 30 de março de 2007 e, a
seguir, regulamentou níveis e modalidades de ensino.
Aprovada na Assembleia Nacional em agosto de 2009, a LOE
expressa novo ordenamento jurídico para a Educação Pública. O
conceito de “Estado Docente” envolve a noção de “Estado Rector”,
que direciona e assume a responsabilidade da educação como um
dever. O ensino privado continua existindo, mas ficou muito
reduzido com a oferta maciça de educação pelo Estado.

247
O ASFIXIAMENTO ECONÔMICO E SEUS REFLEXOS NA
EDUCAÇÃO

Ao explicar o interesse de pesquisadores brasileiros sobre a


Venezuela, Nogueira (2020, p. 5-6) afirma que:

[...] grande parte do establishment da academia, de diversas áreas do


conhecimento, no Brasil, se interessou por pesquisar a Venezuela
pela moda do momento, em que se destacavam o polêmico tema do
socialismo do Século XXI, as peculiaridades do novo “populista”
latino-americano, e pelo amplo acesso à educação escolar,
particularmente ao livre ingresso, sem nenhum tipo de seleção e
classificação, ao ensino universitário do sistema de Universidades
criadas por Chávez.

Segundo Nogueira, a partir de 2015 a conjuntura


socioeconômica e política da Venezuela tornou-se muito grave.
Segundo o relatório da ONU de 2016, sobre evolução do IDH, o
desenvolvimento humano da Venezuela (1990-2015) cresceu de
0,634 para 0,767, ou seja, 20,9%, enquanto a esperança de vida ao
nascer subiu para 4,6 anos e o Rendimento Nacional Bruto (RNB)
per capita avançou cerca de 5,4%. Contudo, a situação tornou-se
praticamente insustentável após 2017 a 2019. A conjuntura
econômica levou a um dramático momento histórico. Porém,
análises simplificadoras desprezaram a raiz central e principal do
problema: o cerco econômico, financeiro, monetário e midiático.
Para Nogueira, as análises simplificadoras do real desafio da
Venezuela supunham: cultura parasitária do petróleo e corrupção
(como se esta não fosse inerente à lógica e dinâmica interna do
Capital); centralidade do partido único; morte de Chávez;
violência; desabastecimento estrutural e incapacidade de gestão
de Maduro; hiperinflação induzida pela quantidade imensa de
dólares subsidiados, comprados baratos e vendidos a valores
exorbitantes no mercado negro; baixa do petróleo no mercado
internacional, gerada por EUA e Arábia Saudita ao orientarem o
mercado negro interno do dólar (chamado obre today, publicado e

248
controlado fora do país), dinâmica cambial que deteriorou
salários. A internacionalização dos capitais e fechamento de todas
as portas do mercado financeiro mundial, sem precedentes na
história do capitalismo, não permitiram ao Governo Maduro
romper com essa lógica.
Nogueira (2020) aponta que sanções econômicas, a partir de
2015, acarretaram pobreza e miséria, retornando-se à dura
realidade do período anterior a 1999, à profunda deterioração das
condições econômicas e sociais da população e da vida pública em
todos os seus setores. Em agosto de 2018, a moeda perdeu cinco
zeros, numa grande desvalorização para tentar segurar a
hiperinflação. Houve políticas paliativas buscando resguardar as
condições de segurança alimentar para grande parte da população,
como o Carnet de la Patria (2016), cartão digital criado pelo governo,
visando a garantir proteção social, assistência alimentar popular e
recebimento de diversos tipos de bônus.
Como diz Nogueira (2020), o estopim das sanções e bloqueios
iniciou-se com Obama em 2015, 2016 e 2017, seguido por Trump e
pela União Europeia, contudo não era lícito aos países tal iniciativa
unilateral contra a Venezuela, daí tentar-se “autorização do
Conselho de Segurança” da ONU, sendo derrotada. A geopolítica
do Governo Trump, em agosto de 2019, pressionou e incentivou o
mundo por “sanção econômica total”. Em 11 de novembro de 2019,
a União Europeia atualizou suas sanções (iniciadas em 13 de
novembro de 2017) até 13 de novembro de 2020, isolando cada vez
mais a Venezuela.
Toda política pública de inclusão em saúde, artes (música,
cinema e dança), transportes, turismo, educação escolar, causava
sempre estrondosas críticas das elites e da classe média
venezuelana, que haviam usufruído das benesses das diversas
cadeias do rentismo petroleiro e, além de perdê-las, estavam com
seus bens bloqueados pelas sanções internacionais.
Essas sanções econômicas de toda ordem, que asfixiaram a
Venezuela, envolveram e envolvem blocos econômicos, o NAFTA
(Canadá, EUA, México), a União Europeia e o Grupo de Lima

249
(Brasil, Chile, Colômbia), responsáveis pela crise econômica e
institucional. Tanto bens de pessoas em contas bancárias nos EUA
e na Europa, como os do Estado foram confiscados,
correspondendo (até abril de 2019) a cerca de 5,5 bilhões de dólares
bloqueados em 41 bancos e instituições financeiras, ao redor do
mundo. Ao afetar a área acadêmica, como as demais cadeias
econômicas, os salários perderam totalmente o poder de compra,
acarretando sérios problemas a professores e funcionários das
universidades públicas venezuelanas.
O NAFTA, com apoio incondicional do Grupo de Lima e OEA,
mediante forjada ajuda humanitária em janeiro de 2019, tentou
concretizar a invasão das forças militares de EUA, Colômbia e
Brasil em solo venezuelano, para impor pelas armas o
autoproclamado “novo” ou “encargado” presidente Juan Guaidó.
Em 10 de março de 2019, com o fracasso da invasão militar,
assumido internacionalmente, formas internas de desestabilização
começaram a eclodir na Venezuela, como a sabotagem na energia
elétrica. O apagão, que assolou todo o país, agravou a escassez de
água e piorou seu racionamento, que já ocorria desde 2018.
Segundo Nogueira, isso penalizou ainda mais a grande maioria da
população, que já experimentava um martírio constante.
Houve, ainda, o envio de suprimentos à Venezuela, quando o
país vivia intensa escassez, ação articulada pela USAID (Agência
Estadunidense para o Desenvolvimento Internacional) em
conjunto com o opositor de Maduro, Juan Guaidó, reconhecido
como “presidente interino” por Donald Trump, assim como pelos
governos brasileiro, colombiano e chileno, entre outros, operação
que, à época, Maduro considerou que feria a soberania da nação
(Globo, 2021). Em 16 de abril de 2021, a agência Associated Press
esclareceu em nota que “a diretriz para posicionar bens
humanitários não foi orientada por conhecimentos técnicos ou
totalmente alinhada com os princípios humanitários de
neutralidade, independência e nem com base em avaliações de
necessidades.” (Globo, 2021), ratificando a posição de Maduro.

250
Trump impôs Sanção Econômica Total em agosto de 2019, que
pressionou e incentivou ao mesmo tempo o anúncio da União
Europeia, a qual ampliou para 2020 suas sanções. As decisões
políticas das sanções da EU iniciaram em 13 de novembro de 2017
e, no dia 11 de novembro de 2019, foram atualizadas, estendendo-
se até 13 de novembro de 2020, alinhando-se ao governo Trump e
isolando cada vez mais a Venezuela.
Eis as cinco sanções da EU: exportar armas; congelar ativos e
proibir disponibilização de fundos; restringir entrada ou trânsito
em seu território de participantes do Governo Maduro; exportar
equipamentos que pudessem ser utilizados para a repressão
interna; exportar equipamentos, tecnologia ou software destinados
principalmente ao uso no monitoramento e interceptação da
Internet e de comunicações telefônicas em redes móveis ou fixas
pelo regime venezuelano (Nogueira, 2020). Em outubro de 2019, o
Governo Maduro admitiu a utilização da moeda norte-americana
no mercado interno, o que, na verdade, já era uma realidade, pois
a economia já estava dolarizada.
Em suma, para Nogueira (2020) tais pronunciamentos ou
análises veiculadas nos diversos meios de comunicação, inclusive
artigos científicos, não tomavam as sanções econômicas impostas
como as causas concretas da situação da “grande maioria do povo
venezuelano” (Ibidem, p. 9), lembrando as Muitas Maneiras de Matar
(Many ways of killing), de Bertold Brecht (2016), o qual, “[...] na
década de 1940, antecipa o que o povo venezuelano vive hoje”:

There are many ways of killing. You can stick a knife in someone’s
stomach, take someone’s bread away, not cure someone’s illness,
put someone in poor accommodation, work someone to death,
drive someone to suicide, take someone to war and so on. In our
country some of this is forbidden2 (Brecht, 2016, p. 99).

2 Há muitas maneiras de matar. Tu podes enfiar uma faca na barriga de alguém,


tirar-lhe o pão, não lhe curar a doença, colocá-lo numa moradia miserável,
sobrecarregá-lo de trabalho até a morte, impeli-lo ao suicídio, enviá-lo à guerra, e
assim por diante. Só umas poucas destas coisas são proibidas em nosso Estado

251
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Com décadas de crises e reestruturação do sistema capitalista,


o pensamento político conservador avança em vários países no
mundo. Por isso, ao analisar as políticas para a Educação Especial
na América Latina é preciso relacioná-las à educação em sentido
mais amplo, sobretudo às condições econômicas, sociais e
educacionais em países de capitalismo dependente.
Na Venezuela, a inclusão como acesso à educação aparece com
maior visibilidade nas ações do governo após a Constituição
Bolivariana em 1999. Percebe-se tal prioridade ao se investir em
programas e projetos educativos que atendam crianças e
adolescentes, alcançando níveis de universalização da educação na
Educação Básica.
Contudo, não se pode desconsiderar que na virada do século
XXI, o discurso consoante dos organismos internacionais como
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), Banco Mundial (BM) e a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) se fez atinar
para a necessidade de políticas sociais inclusivas como estratégias
de combate à pobreza.
De todo modo, mapear políticas de Educação Especial na
Venezuela permitiu perceber os esforços legislativos e executivos
voltados a pessoas com deficiência em outro contexto, atentar para
as metas de luta de grupos e segmentos sociais diretamente
interessados e, ainda, elucidar fundamentos teóricos envolvidos,
sua interpretação pelos agentes políticos diretamente responsáveis
pela formulação e implementação, além de localizar eventuais
lacunas e inconsistências. Embora haja uma possibilidade de serem
descobertas soluções criativas quanto à legislação e
encaminhamento de políticas públicas inclusivas em geral, e
particularmente nas de Educação Especial, e talvez mais atrasos do
que avanços, cabe verificar certo grau de similaridade e até de

(Brecht, 2016, p. 99, tradução nossa).

252
emparelhamento entre os países latino-americanos e caribenhos no
que tange ao “estado da arte” dos direitos civis de pessoas com
deficiência.

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http://www.indteca.com/ojs/index.php/Revista_
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254
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emergência do neoliberalismo. 2010. 203 p. Dissertação. (Mestrado
em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação.
Unioeste Cascavel, Paraná. Disponível em: http://tede.unioeste.
br/handle/tede/916 Acesso em: 26 ago. 2020.
ZAMBRANO, L. Modelo integral de alfabetización para personas
sordas (MIDAS). In: Investigación y Postgrado. V.23 n.2, 2008.
Disponível em: http://ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttex
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gral%20de%20Alfabetizaci%C3%B3n,un%20contexto%20de%2
0aprendizaje%20significativo. Accesso em: 21 jul. 2020.

Sites consultados:

Sitio: https://eduvenezuela.wordpress.com/sintese/
Sitío: https://siteal.iiep.unesco.org/eje/educacion_superior

255
256
EDUCACIÓN Y CURRÍCULUM EN EL CONTEXTO
DE LA CULTURA NEOLIBERAL EN CHILE:
HIPÓTESIS PARA UNA REPARACIÓN1

María Angélica Oliva2 (Chile)

A
Víctor Jara
In memoriam

Yo no canto por cantar


Ni por tener buena voz
Canto porque la guitarra
Tiene sentido y razón
(Víctor Jara, 1973).

INTROITO

Este trabajo, inspirado en una política del lugar y de la memoria


(Harvey, 2017) recuerda, dolorosamente, que hace 50 años, en mi
país, Chile, el Palacio de Gobierno fue Bombardeado y el Estadio
Nacional fue convertido en centro de detención, hechos fatídicos que
inauguraron 17 años de una sangrienta dictadura civil-militar; para
el caso de la educación y el currículum, instauraron una cultura

1 Una primera versión de este trabajo correspondió al texto preparatorio de mi


participación en la mesa de apertura del I Congreso Internacional de Educación y
Currículo Latinoamericano, Projeto de extensão - Rede de diálogo - a educação
em debate, de la Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA), Foz do Iguaçu, Brasil, el 11 de septiembre de 2023.
2 Agradezco a Juliana Franzi, Juliana Pasini, Márcia Cossetin y Ana Paula Araujo,

integrantes del Proyecto Red de Diálogo, por la organización del presente libro,
así como, del I Congreso Congreso Internacional de Educación y Currículo
Latinoamericano. A su comprometido afán de no cejar en el empeño de
emplazar a la educación en un debate latinoamericano mediante una Red de
Diálogo.

257
neoliberal entretejida a una cultura del dolor y el horror, en el curso
normal de los acontecimientos (Marcuse, 1977). Dentro de la pléyade
de sus víctimas destaca el profesor Víctor Jara, músico, cantautor,
escritor, y director de teatro. Secuestrado en su lugar de trabajo, la
Universidad Técnica del Estado, hoy Universidad de Santiago de
Chile, torturado, asesinado y rematado con 44 impactos de bala. Los
despojos de su cuerpo fueron arrojados en un terreno aledaño al
Cementerio Metropolitano en Santiago de Chile. Todo lugar es
memoria, tiene sentido y razón, cantó Víctor Jara (1973), en su
Manifiesto, en una voz que anticipa la tesis de la Reparación que
anima a estas letras.
Este trabajo es, también, una voz de esperanza, recientemente
la Corte Suprema chilena, dictó la sentencia definitiva por el
homicidio de Víctor Jara, condenando a siete militares en retiro a
penas de presidio efectivo de hasta 25 años. Repárese, “Ahí donde
llega todo y donde todo comienza, canto que ha sido valiente
siempre será canción nueva, siempre será canción nueva, siempre
será canción nueva” (Jara, 1973, p.1).
El capítulo se titula Educación y currículum en el contexto de
la cultura neoliberal en Chile. Hipótesis para una Reparación y
piensa las palabras y las cosas que ellas nominan, en compañía de
Michel Foucault (1999), como dispositivos que, desarrollados y
ensamblados por el neoliberalismo, van conformando una cultura
neoliberal. Su propósito es mostrar los principales dispositivos de
este proceso, ninguno de los cuales es de creación chilena, a
contrario sensu, corresponden a políticas hegemónicas que
encuentran en la dictadura chilena un caldo de cultivo para su
pleno desenvolvimiento.
El libro que nos convoca es Políticas educativas, educación
inclusiva y currículo escolar: fortaleciendo las redes
latinoamericanas; la hipótesis para una Reparación que inspira a
este trabajo se articula con esa convocatoria, en especial, por las
posibilidades que la Política de Reparación puede proporcionar
para resituar la educación inclusiva en el currículum escolar. Baste
observar la tensión inclusión/exclusión presente en la política

258
educativa y en nuestro currículum escolar, según un cierto orden
en el tiempo.
Se propone la siguiente hipótesis con la finalidad de establecer
el lugar de la enunciación: Supongo que la ambivalencia del
término Reparar – advertir y reanimar- permite encarar el texto y
contexto de la cultura neoliberal en la educación y el currículum en
la historia reciente de Chile, así como, descubrir ciertas claves
para un pensamiento y acción política tendiente a su reanimación.
Toda hipótesis es compleja, no es en vano, que se sitúe en el centro
del hacer científico donde lo decisivo es la hipótesis y no el
experimento, tal como sostuvo Galileo (1632). Ésta hipótesis es
compleja, de modo superlativo, al situarse en el desafío (im)posible
de la Reparación. Situación, que podría ser salvada mediante la
presencia de una hipótesis iconográfica que permita construir
poderosos significados sobre la idea de Reparación, expandir su
inteligibilidad y, a su través, su capacidad epistemológica y
creativa. Para esta empresa, el artista visual chileno Fulvio
Fernández Muñoz, generosamente, nos ha abierto su Taller. Así,
Hipótesis para una Reparación despliega en su esplendor la
anfibología de la Reparación, en dos de sus obras: El Desayuno
Largo 1 y un conjunto de sus xilografías expuestas en su Taller. Su
carácter de fuente iconográfica constituye una invitación a la
Reparación, pues, en la voz del artista “Creo que el Arte asegura la
existencia de la memoria desde un espacio abierto a las ideas e
interpretaciones, del mismo modo en un lenguaje innovador”
(Fernández Muñoz, 2023). En ese orden de cosas, la obra de arte
como fuente iconográfica, reclama un método crítico-iconográfico,
en sus fases denotativa o descriptiva y connotativa o interpretativo
en el desafío im(posible) hacia la Reparación.
La Reparación es el lugar de enunciación de la hipótesis
textual e iconográfica y la perspectiva de este trabajo. ¿Qué
Reparación? La búsqueda de la razón y el sentido de la idea de
Reparación forma parte de mi propio Manifiesto. En efecto, hace ya
algunos años, al calor de la investigación doctoral, descubrí ciertos
dispositivos explícitos y larvados que estaban configurando un

259
orden neoliberal en la política educativa chilena; ante ese estado de
cosas, inquirí ¿Cómo reparar? Acompañada de Paulo Freire escribí
unas Cartas Pedagógicas, donde formulé una Pedagogía de la
Reparación, que luego devino en una Política de Reparación (Oliva,
2011). La anfibología de la voz Reparación, constituye una
oportunidad para encarar los desafíos (im)posibles que, a la
Reparación, reclama este trabajo. En efecto, Reparar es darse cuenta
y también es actuar en consecuencia; hacerse cargo de la situación
malograda para intentar restituir el derecho vulnerado, el perjuicio
causado, en fin, suturar la dignidad fracturada. Reparar, en un
primer sentido, es indagar para advertir, esto es, tomar conciencia
radical de la forma cómo se construye la matriz que disciplina un
determinado orden, los dispositivos que participan y se acoplan,
aumentando su capacidad disciplinaria. Por su parte, frente a la
Reparación como denuncia, aparece la Reparación, en su segundo
sentido, del imperativo por hacerse cargo o intentar remediar la
situación, es la Reparación como desagravio, reanimación,
restablecimiento o reconstrucción (Oliva, 2022).
El texto está organizado en 2 partes, la primera, titulada Del
otrora bosque de la educación al árbol neoliberalizado del
currículum. El desayuno largo del horror; y, la segunda, bajo el
epígrafe Recuperar la educación y currículum de los estragos del
neoliberalismo. Desafíos (im)posibles en el Taller de la Reparación.
Abrigo esperanzas en este canto que, en realidad, es una polifonía
que busca, inspirada en el coraje de Víctor Jara, la razón y el sentido
de la Reparación.

260
DEL OTRORA BOSQUE DE LA EDUCACIÓN AL ÁRBOL
NEOLIBERALIZADO DEL CURRÍCULUM. EL DESAYUNO
LARGO DEL HORROR

Figura 1 - El desayuno largo 1. Xilografía de la serie El desayuno largo,


realizada en Alemania. Rincón Literario (uned.es)

Fuente: Fulvio Fernández Muñoz (1997-1998).

¿Cómo germina y se disemina el neoliberalismo? El estudio de


la pregunta permite asociar los conceptos de metáfora y
dispositivo; el dispositivo refiere a un conjunto multilineal dotado
de 3 dimensiones: visibilidad, enunciación y poder, siguiendo a
Foucault (1994). La sinonimia permite comprender el dispositivo
como mecanismo (Sainz de Robles, 1959). Todo dispositivo posee
líneas de visibilidad, curvas de enunciación, líneas de fuerza,
subjetivación, rupturas, fisuras, fracturas que se entrecruzan y se
mezclan, mientras unas suscitan otras, a través de variaciones o
hasta de mutaciones de disposición; también sus curvas de
(in)visibilidad y enunciación, traspasando su historicidad, su

261
régimen de luz, en fin, su arquitectura (Foucault, 1994). Comprende
una red de relaciones que se pueden establecer entre elementos
heterogéneos, tales como: discursos, instituciones, arquitectura,
reglamentos, leyes, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposiciones filosóficas, entre otras (Foucault, 1994).
La metáfora, por su parte, posee una función nominativa
unida a una capacidad para hacer comprensible el pensamiento, en
especial, sus aspectos complejos, como la hipótesis que inspira a
este texto. También, permite describir un campo menos conocido
pero real, en función de las relaciones con otro campo de ficción,
más conocido; revela lo implícito, subyacente o encubierto,
mediante lo real; en síntesis, su función, así, es epistemológica,
creativa y estética (Ricoeur, 1975).
En este trabajo, el ejercicio de una metáfora viva, en un guiño
a Ricoeur (1975), permite pensar en la educación como un bosque
y en el currículum como cada uno de sus árboles, considerando la
complejidad e imbricación entre ambos.
La xilografía presenta un árbol cuyo tronco, ramas y follaje han
sido talados, no obstante, conservar sus raíces que constituyen el
primer órgano embrionario que se desarrolla durante la
germinación junto al tallo; son el eje de la planta, con sus funciones
de absorción del agua, los nutrientes y anclaje de la planta al suelo
(Acosta, 2023). Esto permite advertir la importancia de las raíces -
primarias o secundarias- para cualquier planta y, a su paso, mostrar
por qué la botánica puede ser un buen derrotero para representar
en la díada dispositivo-metáfora, el problema que nos ocupa.
Repárese que la germinación también comprende el proceso
mediante el cual un embrión se desarrolla hasta convertirse en una
planta, cuyas semillas se diseminan, es decir, se expanden.
Para el análisis, es revelador que las raíces estén siendo
devoradas por hombres y mujeres que ocupan singulares
posiciones, ¿De qué se trata este singular proceso de devoración?
Nótese en cuatro definiciones de la palabra devorar: dicho de un
animal: comer su presa; comer algo con ansia y
apresuradamente; consumir (destruir); apremiar violentamente

262
a alguien (Rae, 2001, p.811), todas las cuales se relacionan con
nuestra hipótesis. De tal suerte que, la hipótesis iconográfica,
permite adjetivar la mentada obra como El Desayuno Largo del
Horror. En efecto, el proceso de devoración representa un
desayuno del horror, donde los comensales engrullen las raíces del
árbol del currículum, que ya ha sido talado, como parte de la tala
del bosque de la educación; mediante lo cual se intenta trastocar las
bases de la tradición educativa y curricular, como prácticas éticas y
políticas, tendientes a construir una buena educación, para una
buena sociedad, sustentados en la igualdad, los derechos sociales,
la justicia social, la ciudadanía y el espacio público, dirá Tomaz
Tadeu da Silva (1998). La educación, así pensada “no es un
instrumento de metas económicas, productivistas, empresariales,
financieras […] se halla estrechamente vinculada con la
construcción de una sociedad donde estén mejor distribuidas la
riqueza, los recursos materiales y simbólicos, la <<buena>> vida
(Silva, 1998, p. 75).
Raíces primarias y secundarias, así devoradas, por sujetos que
promueven una metamorfosis hacia las raíces de una educación y
un currículum neoliberalizado, donde es posible identificar cuatro
dispositivos principales: privatización, estandarización,
examinación y accountability (Oliva, 2023).
La privatización, como raíz de la neoliberalización de la
educación y el currículum chileno, se fundamenta en la idea de
subsidiariedad enunciada en 1974, en la institución de la dictadura
civil-militar. Con un sustento en el ius naturalismo que postula la
existencia de una ley que no emana de la voluntad humana, sino
que procede de algo superior que algunos piensan que es dios,
otros la naturaleza humana, otros la razón, y que es superior al
derecho positivo y fundamenta sus normas (Pacheco Gómez, 1988).
En este contexto, ninguna sociedad superior puede arrogarse el
campo que respecto a su fin específico puedan satisfacer entidades
menores, de manera especial, la familia (Chile, 1974, p.17).
La perspectiva señalada, configura un rol subsidiario del
Estado, que determina una serie de mudanzas en la educación, por

263
ejemplo: (i) desde una democracia liberal con un Estado
intervencionista, a una dictadura con un Estado subsidiario
propio de una economía neoliberal; (ii) sistema de financiamiento
de la educación, desde un modelo que subsidia la oferta a otro que
subsidia la demanda; (iii) municipalización de la educación o
traspaso de la gestión de los establecimientos escolares, desde una
dependencia ministerial centralizada, a una municipal-ministerial;
la gestión municipal controla los aspectos administrativos
(recursos humanos, presupuesto y equipamiento) y del Ministerio
de Educación, los asuntos curriculares, pedagógicos y de
evaluación, incluyendo el control de la asistencia mensual de los
estudiantes; (iv) profesores y profesoras que pierden su condición
de funcionarios públicos y ven debilitada su profesionalidad
docente (Almonacid, 2001; Oliva, 2017).
Las mudanzas indicadas, evidencian que las políticas de
privatización promueven la expansión de las escuelas privadas,
junto a la creación de diversos mecanismos, directos e indirectos de
privatización del sector público, por ejemplo: subsidios estatales a
escuelas privadas, sistema de financiamiento competitivo por
alumno, libre elección de los padres, descentralización, autonomía
escolar, introducción de lógicas tecnocráticas, publicación de
pruebas nacionales comparativas con resultados por escuelas, y
flexibilización de las condiciones laborales de los profesores, entre
otras (Ball, 2007).
La estandarización, como raíz de la neoliberalización de la
educación y el currículum chileno, es tributaria de las políticas
educativas transnacionales; su marco normativo se inscribe en la
lógica técnica instrumental de las políticas educativas de la
dictadura, que mantienen su vigencia en la promulgación de la Ley
20.370, Ley General de Educación [LGE] (2009), que deriva de la
Constitución de 1980, de la dictadura civil-militar. En 2011 se
promulga la Ley 20.529 Sistema Nacional de Aseguramiento de la
Calidad de la Educación Parvularia, Básica y Media y su
Fiscalización. El artículo 37 de la LGE regula “Le corresponderá a
la Agencia de Calidad de la Educación diseñar e implementar el

264
sistema nacional de evaluación de logro de aprendizajes. Esta
medición verificará el grado de cumplimiento de los objetivos
generales a través de la medición de estándares de aprendizaje
referidos a las Bases Curriculares Nacionales de Educación Básica
y Media” (s/p). Para cumplir con las exigencias de la LGE, los
niveles de logro SIMCE se reformulan y se denominan,
explícitamente, estándares de aprendizaje.
De esta manera, la Ley General de la Educación y su Sistema
Nacional de Aseguramiento de la Calidad, determinan la matriz de
estandarización mediante las Bases Curriculares Nacionales,
instrumento principal de un modelo curricular centrado en los
resultados del aprendizaje.
La examinación, como raíz de la neoliberalización de la
educación y el currículum chileno, posee su máxima expresión en el
Sistema de Medición de la Calidad de la Educación [SIMCE],
dispositivo que transversaliza la política educativa chilena reciente;
responde a una examinación estandarizada, conducida centralmente,
cuyos objetivos son medir el desempeño para fines de
responsabilidad pública (Falabella y Ramos, 2019). ¿Cómo se instala
tal dispositivo en la política educativa chilena? A lo dicho, es necesario
agregar que la Ley Orgánica Constitucional de Enseñanza [LOCE],
promulgada en 1990, predecesora de la LGE, promulgada en el año
2009, que regula el Marco Curricular Nacional y determina un sistema
nacional de evaluación periódica para la Enseñanza Básica y la
Enseñanza Media, diseñado y aplicado por el Ministerio de Educación
que, además, es responsable de la elaboración de las estadísticas de
sus resultados (Ministerio de Educación,1990). La Ley mandata al
Ministerio de Educación evaluar el logro de los objetivos curriculares
escolares, configurando un Estado evaluador o hipervigilante
(Falabella, 2020).
El SIMCE es un eslabón en el nexo entre un currículum
estandarizado que debe cumplirse, su examinación vinculante y
las sanciones de su incumplimiento, posee una función pivotal
para el funcionamiento de los otros dispositivos: privatización
(información a los padres como motor de la competencia entre

265
escuelas), estandarización (auditar el cumplimiento del
currículum empaquetado) y accountability (hacer vinculante,
individualizar, responsabilizar, sancionar a los agentes
educacionales) (Carrasco, 2013).
La accountability, como raíz de la neoliberalización de la
educación y el currículum chileno, queda bien representada en su
función aglutinadora de los dispositivos precedentes, es decir,
privatización, estandarización y examinación, configurando un
accountability de altas consecuencias o performativo (Falabella,
2016), regulado por el Sistema de Aseguramiento de la Calidad
[SAC], cuya Agencia de la Calidad de la Educación, ampliando lo
dicho, diseña, implementa y aplica tres sistemas de medición de:
(i) resultados de aprendizaje de los estudiantes; (ii) indicadores de
calidad de la educación; (iii) evaluación de desempeño de los
establecimientos educacionales subvencionados o que reciben
aportes del Estado y de sus sostenedores. Evaluación que incluye
la elaboración de informes educativos, de carácter público, con los
resultados educativos, lo que permite ver el radio de acción de la
Agencia de la Calidad de la Educación y del SAC (Ley 20.529/2011).
En síntesis, la accountability consolida el modelo de rendición
de cuentas por desempeño, también llamado responsabilización
por desempeño que, como se ha señalado, queda expresado en los
resultados del desempeño de los estudiantes, medidos por el
SIMCE, evaluación estandarizada censal nacional; publicidad de
esos resultados por escuela; clasificación de los establecimientos
por su desempeño; asociado a un sistema de incentivos. Por su
parte, la escuela es responsable por el desempeño de los
estudiantes en las pruebas estandarizadas; está sujeta a
inspecciones externas y posee el imperativo de satisfacer a las
demandas de las familias; rinde cuentas al Estado y a las familias;
los resultados son públicos, se envían a las escuelas, las familias y
los medios de comunicación, también, son utilizados por el Estado
en términos de financiamiento, asignación de recursos,
intervenciones, incentivos, rankings y clasificación (Falabella, 2020,
Carrasco, 2013, Oliva,2023).

266
Del otrora bosque de la educación al árbol neoliberalizado del
currículum: El desayuno largo del horror, ha permitido esclarecer,
mediante la díada dispositivo-metáfora, mecanismos principales en la
germinación y diseminación de la cultura neoliberalizada en la
educación y el currículum en la política chilena reciente. Tales
dispositivos, privatización, estandarización, examinación y
accountability, configuran una verdadera trama donde se entretejen
los dispositivos maximizando su poder disciplinario en una carrera,
frenética y ascendente de configuración del orden neoliberal.

RECUPERAR LA EDUCACIÓN Y EL CURRÍCULUM DE LOS


ESTRAGOS DEL NEOLIBERALISMO. DESAFÍOS
(IM)POSIBLES PARA EN EL TALLER DE LA REPARACIÓN

Figura 2 - Xilografías en creación en el Taller. Fotografía del artista.

Fuente: Fulvio Fernández Muñoz (2023).

La sección se aventura en la complejidad del desafío


(im)posible, cuyo carácter aparece enlazado a la idea de Reparación
que, precisamente, entraña un potencial para su resolución. Salta a
la vista, entonces, su valor para encarar algunos estragos que el
neoliberalismo ha provocado en la educación y el currículum,

267
algunos de cuyos dispositivos fueron desvelados a través de El
desayuno largo del horror. ¿Existe alguna posibilidad de Reparar?
El Taller es el lugar del pensamiento y la acción política, para
ello el Taller del Artista ha devenido en el Taller para la Reparación,
destacando el peculiar sentido que allí puede adquirir la
Reparación para vivificar un desafío im(posible).
Un bosquejo crítico-iconográfico permite observar un trazo de
la vida en el Taller, donde la obra, se encuentra en un proceso de
su creación, en efecto, las xilografías de tinta roja sobre telas de
algodón (lona) de color blanco, sujetadas con ‘perros-pinzas’ a una
cuerda que atraviesa, de un extremo a otro el Taller dejando ver, a
su paso, otras telas, papeles y materiales, en general, que
constituyen la caja de herramientas del artista. La cuerda del Taller
del Artista, inspira la Cordada del Taller de la Reparación, lugar
donde un grupo de sujetos aparecen unidos por una misma cuerda,
que intenta denunciar el agravio -darse cuenta- y promover el
desagravio, la reanimación, es decir, la Reparación como un
imperativo. El Taller del Artista enseña cómo la obra germina y se
disemina y permite situar, en la anfibología de la Reparación, la
germinación y la diseminación, proporcionando una poderosa
clave para la hipótesis que este trabajo propone. Los cuatro
dispositivos desvelados podrían ser encarados colectivamente en
el Taller de la Reparación, mediante 2 claves que muestran, ahora,
la otra vertiente de la Reparación, como desagravio.

PRIMERA CLAVE. LA POLÍTICA. RAZÓN Y SENTIDO DE


REPARAR DESDE EL TALLER

La pregunta por los desafíos im(posibles) de la Reparación


realizada en el Taller del Artista, tiene razón y sentido por el
carácter ético y político de recuperar la educación y el currículum,
cuya simple enunciación reclama a la política y es reclamada por
ella. Recuérdese que la política es una necesidad ineludible para la
vida humana, tanto individual como social; el hombre no es
autárquico, depende de los otros. La vida en común y la formación

268
de una comunidad, constituye la clave maestra de la política, que
remite al sentido más propio de lo humano (Arendt,1997; 2016). La
pluralidad es el envés de la comunidad, los que están presentes en
el mundo común ocupan posiciones diferentes y “Ser visto y ser
oído por otros deriva su significado del hecho que todos ven y oyen
desde una posición diferente” (Arendt, 2016, p.66). Esta idea de lo
público, aparece enlazada con lo común comprende dos fenómenos
relacionados: todo lo que aparece en público puede verlo y oírlo
todo el mundo y tiene la más amplia publicidad posible [...]; el
término “público” significa el propio mundo, en cuanto es común
a todos nosotros y diferenciado de nuestro lugar poseído en él
(Arendt, 2016). En esta perspectiva, la política como lugar de la
enunciación constituye el régimen donde la esfera pública se hace
real y, efectivamente pública, es de todos y está abierta a la
participación de todos (Castoriadis, 1995).

SEGUNDA CLAVE. EN LA TRÍADE PARA LA REPARACIÓN


DE LA EDUCACIÓN Y EN CURRÍCULUM: DISCURSOS,
POLÍTICAS Y PRÁCTICAS

Uno de los rasgos principales de la cultura neoliberal es la


desterritorialización de la educación y el currículum, colonizados
a instancias de determinados discursos, políticas y prácticas
provenientes de la economía, la ingeniería, la neogestión, la
estadística, la psicometría, entre otras, expresiones de una
racionalidad técnica-instrumental; una lógica mecanicista, al
servicio de visiones hegemónicas, que se desmarcan de lo que es la
educación como una práctica histórica, ética, política y estética
mediante la cual se reproduce, traduce, y transforma la cultura en
los sistemas educativos, que responde a dos funciones, en
apariencia, contradictorias, la reproducción y el cambio; debe
mantener sus funciones elementales en relación con el sistema
social global (reproducción), así como, favorecer las condiciones
para su renovación y, transformación (resistencia, oposición,
cambio) (Granados, 2003; Fernández, 1997).

269
Si bien los elementos de la Tríade de la Reparación, es decir,
discursos o narrativas, políticas y prácticas aparecen imbricados, se
ejemplifica su modus operandi, en una de sus manifestaciones de
la cultura neoliberal.
Discursos. Para comenzar, el discurso hegemónico de la
calidad de la educación, ¿Refiere a la educación? ¿Responde a la
tradición educativa y a su construcción disciplinaria? Su condición
de discurso hegemónico significa, por un lado, que está constituido
por un sistema de creencias, de marcos de referencia y narrativas
objetivadas y dominantes para normalizar, es decir, ordenar,
homogeneizar, en fin, someter (González-Ramella, 2003; Oliva,
2021). Por otro lado, permite atender a la tensión entre el discurso
dominante (instituido), y el discurso alternativo u oponente
(instituyente). El discurso que se le opone o instituyente, busca
instituirse como discurso dominante. El discurso hegemónico de la
calidad de la educación, se sustenta en la ciencia hipotético-
deductiva, su medición y el fenómeno de la estandarización
funcional a una racionalidad técnico- instrumental; una lógica
mecanicista, que intenta conformar las instituciones educativas al
modelo empresarial (Oliva, 2021).
¿Cuáles son algunos aspectos en la trayectoria que une calidad
y educación que, finalmente, desterritorializa la función educativa
de la ética, la historia y la política y la instala en una función
económica?
El estudio de la pregunta deja ver la centralidad de la teoría
del capital humano que, a fines de la década de los 50, une las ideas
de calidad y educación e introduce en la idea de calidad la función
económica y su concepto de eficiencia (Beltrán, 2000). En este
contexto, los conocimientos y calificaciones laborales que poseen
los sujetos se asocian a la idea de capital; recurso productivo clave
para generar productos (riqueza), resultado de la inversión de la
persona y la sociedad (Schultz, 1961). La función económica está en
el núcleo semántico de la calidad, mide logros y resultados, unido a
cuestiones de eficacia, eficiencia y accountability (Cassasus, 2010).
La calidad es ponderada por los resultados del funcionamiento de

270
los sistemas que esa racionalidad tiende a maximizar, para ello, se
define y operacionaliza factores, estándares, medidas (indicadores
de calidad) y funciones de productividad. Todo lo cual, conduce a
la asimilación de la calidad a su medición (Blaug, 1968, Beltrán,
2000). La señalada trayectoria muestra indicios del modus
operandi de la cultura neoliberal en la educación y el currículum.
Políticas. Un segundo elemento de la Tríade de la Reparación,
es el análisis del marco normativo de las políticas educativas
oficiales, al hilo de lo cual surgen algunas interrogantes: ¿Cómo se
sanciona y se estructura este marco? ¿Qué se enmarca? ¿Qué es lo
que resulta enmarcado? La perspectiva de la tridimensionalidad
del derecho proporciona un buen punto de apoyo al considerar que
el derecho; es un producto histórico-cultural; la persona posee un
valor en sí misma y es fuente de todos los valores; es de naturaleza
triádica (Reale y Mateo, 1997). Así, hecho, valor y norma son las
tres dimensiones esenciales e inseparables de la experiencia
jurídica. Por su parte, el análisis de la matriz normativa que es
posible establecer entre sus normas y su organización en: macro,
meso y micropolíticas (Oliva, 2022), resulta pertinente en este
segundo elemento. Todo lo cual permite atender al orden que se
desprende de la matriz de las políticas educativas.
Prácticas. El tercer elemento propuesto de la Tríade de la
Reparación es la resignificación de las prácticas escolares, para ello
se considera dos tópicos. El primero, plantea que dado que los
dispositivos de la neoliberalización de la educación y el currículum
están vinculados al enfoque tecnicista o naturalista de la teoría y la
práctica educativa y curricular, se alerta sobre la necesidad de
analizar críticamente este modelo tecnicista sustentado en el
positivismo, la ciencia hipotética-deductiva, el conductismo, el
eficientismo social y el utilitarismo, entre otros, funcionales a la
reproducción social y los enfoques comprensivos, críticos y
poscríticos atendiendo a posibilidad, así como, para recuperar la
educación para la educación y la práctica para la práctica educativa
con su sustento en la historia, la política, en fin, la ética. El segundo,
considera la perspectiva de lo escolar y la escolarización, desde la

271
micropolítica profundizando el papel de la práctica educativa y sus
practicantes, la noción de la puesta en el acto de las políticas como
si estuviésemos en una obra teatro, lo que da cuenta de cómo las
políticas son vividas o ajustadas en la institución escolar y en la
micropolítica que allí acontece (Ball, Maguire, Braun,2012). En
síntesis, la teoría de puesta en el acto define la política como
texto, como discurso y como enactment (Ball, Maguire,
Braun,2012) y destaca las posibilidades de la perspectiva
micropolítica y sus políticas basadas en enactment, para la
construcción de discursos, políticas y prácticas alternativas
(destituyentes - instituyentes).

A MODO DE CONCLUSIÓN

Bajo el epígrafe Educación y currículum en el contexto de la


cultura neoliberal en Chile. Hipótesis para una Reparación, este texto
tuvo como propósito mostrar los principales dispositivos que han
contribuido a configurar el texto de la cultura neoliberal en la
educación y el currículum en Chile. En su contexto, se advirtió su
carácter transnacional, luego, exógeno a la realidad chilena. Este
carácter enseña su correspondencia con políticas hegemónicas que
encuentran en la dictadura chilena un caldo de cultivo para su
desenvolvimiento. El concepto de calidad de la educación, dispositivo
neoliberalizador par excellence, es una evidencia de ello.
La Reparación, puesta en el centro de la hipótesis fue
configurada en dos ejes Del otrora bosque de la educación al árbol
neoliberalizado del currículum: El desayuno largo del horror y
Recuperar la educación y el currículum de los estragos del
neoliberalismo. Desafíos (im)posibles en el Taller de la Reparación.
La primera, inspirada en la filosofía de los dispositivos,
determinó cuatro mecanismos imbricados que contribuyen a la
formación de una cultura neoliberal en la educación y el
currículum en Chile. Estos mecanismos son: privatización,
estandarización, examinación y accountability que
ensamblados aumentan su capacidad disciplinaria para

272
construir un orden disciplinado, es decir, el orden neoliberal. La
Reparación como denuncia, permitió descubrir los mecanismos
larvados y explícitos mediante los cuales se desarrolla el proceso
de neoliberalización. La propia Reparación permite descubrir
determinadas claves mediante las cuales podría enfrentarse este
proceso animado por un interés de revivificación, reanimación
y desagravio. Primera Clave refiere a la Política. Razón y Sentido
de Reparar en el Taller y, la segunda, La Tríade Discursos, Políticas
y Prácticas. Efectivamente, uno de los rasgos principales de la
cultura neoliberal es la desterritorialización de la educación y el
currículum, colonizados a instancias de determinados discursos,
políticas y prácticas provenientes de la economía, la ingeniería, la
neogestión, la estadística, la psicometría, entre otras, expresiones
de una racionalidad técnica-instrumental; una lógica mecanicista,
al servicio de visiones hegemónicas, que se desmarcan de lo que es
la educación como una práctica histórica, ética, política y estética.
Al hilo de lo dicho, surgen interrogantes en la perspectiva
de la Reparación, una de ellas posee una relevancia principal:
¿Qué vinculación permite establecer la filosofía de los
dispositivos abordados (díada metáfora-dispositivo), entre el
desarrollo y diseminación de una cultura neoliberalizada y la
génesis, consolidación y profundización de la desigualdad
educativa en Chile? ¿En qué medida el discurso hegemónico de
la calidad de la educación es responsable de una educación que
genera desigualdad, de una sociedad extremadamente
segmentada y con escasa movilidad social?
Este trabajo invita a proveerse de una cuerda para construir,
colectivamente, la Cordada de la Reparación fundada en una
política del lugar y de la memoria, donde denuncia y anuncio
vivifiquen la tesis de la Reparación desiderátum de este capítulo.

273
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A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E SEUS
DESAFIOS À EDUCAÇÃO BÁSICA: UM OLHAR SOBRE A
PRESENÇA DA TEMÁTICA DE GÊNERO NOS PPPS DO
ENSINO FUNDAMENTAL I DE FOZ DO IGUAÇU (PR)

Maitê Pastorini Camargo (UNILA)


Juliana Franzi (UNILA)

INTRODUÇÃO

Este trabalho resulta de uma Iniciação Científica, realizada na


Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA – e
financiada pela Fundação Araucária1. No presente capítulo de livro
partimos da seguinte pergunta: como o Ensino Fundamental I de Foz
está traduzindo o tema gênero nos PPPs escolares sob a luz da Base
Nacional Comum Curricular? Para responder a esta questão
buscamos dialogar com a bibliografia vigente, sobretudo aquelas que
se posicionam como críticas, para traçar um panorama do recorte de
gênero na BNCC, posteriormente analisamos como o capítulo que
trata sobre diversidade sexual está representado nos PPPs e por fim
propomos pensar possíveis causas e soluções da questão.
Conforme nos debruçamos sobre os Projeto Político-
Pedagógicos - PPPs das escolas municipais de Foz do Iguaçu, uma
questão chamou a atenção: em todos os documentos, dois
capítulos específicos, os de Diversidade Sexual e História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena, se encontravam repetidos em
todo os dozes PPPs. Tal questão nos levou a analisar com especial

1 Agradecemos à Fundação Araucária, que financiou, em forma de bolsa para a


primeira autora deste capítulo, o desenvolvimento da presente pesquisa. A bolsa
foi concedida a partir da participação no Edital UNILA - 09/2022/PRPPG -
Processo Seletivo PIBIC, PIBIT, PIVICTI 2022/2023.

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destaque a temática de gênero nos documentos que compuseram
nossa amostra.
Selecionamos doze Projetos Político-Pedagógicos de Escolas
Municipais do Município de Foz do Iguaçu (PR), utilizando como
critério o desempenho destas escolas no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2021, a fim de
analisar seus capítulos de Diversidade Sexual e a Caracterização da
Comunidade Escolar.
Cumpre destacar que nos encontramos em um momento
político de grandes debates levantados pelos movimentos sociais,
assim como de disputas de narrativas na educação brasileira, onde
novas perspectivas constantemente surgem na literatura e
substituem e/ou complementam as anteriores. Cada vez mais a
compreensão do gênero como categoria fundamental para a
produção e expressão da identidade está se tornando um consenso
nos estudos feministas.
Como Letícia Nascimento (2021), uma das porta-vozes do
transfeminismo no Brasil, afirma: o conceito de gênero se constitui
em uma ferramenta para entender como a construção da
identidade perpassa por um processo histórico e cultural e produz
mudanças tanto no âmbito social quanto como ferramenta teórico-
política. Também consideramos as colocações de Sueli Carneiro
(2003), importante nome do feminismo negro, que considera o
gênero como uma categoria social e histórica que define as relações
de poder entre homens e mulheres, mas que também é atravessada
por outras variáveis, como raça e classe. Considerando essas
colocações, a aprendizagem sobre sexualidade e gênero na
trajetória escolar desde cedo se torna essencial.
Por ser construído através da história e da sociedade, é
possível existirem várias interpretações do conceito a depender da
localidade e da época a que se refere, de tal forma que a discussão
sobre gênero e sexualidade se constituem como elemento
fundamental para a compreensão e valorização da diversidade
humana. Mas para além disso, a escolha por esse caminho se deu,
pois, a primeira autora deste capítulo se conecta ao tema: sendo

280
uma travesti que não pôde experienciar uma educação voltada à
desmistificação de preconceitos e encarou, assim como muitas
outras pessoas, uma infância imersa em dúvidas e estigma sobre o
próprio corpo e que considera que a escola, na condição de espaço
de conhecimento, poderia ter ajudado a problematizar e ter
oportunizado o rompimento com esta lógica.
Ademais, as reflexões deste capítulo mostram-se relevantes
pois revelam que análises sobre a educação municipal em Foz do
Iguaçu na perspectiva dos estudos de gênero e sexualidade ainda
são escassas.
Desse modo, nos assentamos na hipótese de que as
características vistas na BNCC, como o esvaziamento de conteúdos
ditos “polêmicos” durante sua construção, especialmente de
gênero e sexualidade, assim como a ausência de problematizações
sobre esses assuntos foram refletidas nas páginas dos Projetos
Político-Pedagógicos do Ensino Fundamental I de Foz, causando
grandes lacunas na educação ofertada pelo município.
Como considerações finais podemos inferir que os Projetos
Político-Pedagógicos do Ensino Fundamental, dos anos iniciais de Foz
do Iguaçu se constituem em documentos que refletem as ausências da
BNCC no tocante aos debates de gênero e sexualidade, muito por
influência do contexto histórico-político conservador no Brasil que
marcou a conjuntura de homologação da base.

GÊNERO E SEXUALIDADE NA BASE

Considerada como sucessora dos Parâmetros Curriculares


Nacionais - PCNs (Silva; Brancaleoni; Oliveira, 2019), a BNCC teve
em sua trajetória diversas modificações desde a primeira versão
lançada em 2015, até sua homologação final em 2017 e 2018,
respectivamente das etapas de Ensino Fundamental e Infantil e
finalmente do Ensino Médio.
Essa trajetória foi permeada por intensas movimentações de
resistência por parte da comunidade escolar e de especialistas em
educação. Eles argumentavam sobre o esvaziamento do caráter

281
crítico da educação visto na última versão da BNCC, e
principalmente, sobre as intenções por trás deste projeto, que de
forma oculta, pretendia atender os interesses do grande
empresariado brasileiro e internacional, que visava lucrar com a
educação pública.
É importante destacar, que tanto o termo “orientação sexual”
quanto às discussões sobre a categoria gênero foram suprimidas
na versão final do documento em relação à sua segunda versão,
lançada em maio de 2016 ainda no governo da ex-presidenta Dilma
Rousseff (2011-2016). Já a terceira e última versão, com as
supressões, foi lançada durante o governo Temer (2016-2018), sob
o comando do Ministro da Educação Mendonça Filho.
Neste momento, o Brasil se encontrava em um contexto
político de ascensão do neoliberalismo e neoconservadorismo
causados pelo impeachment da ex-presidenta (Lima; Maciel, 2018),
onde estes setores sociais, agora com influência no governo,
aproveitaram o momento para legislar a favor de si mesmos. Nesse
sentido, é preciso destacar o apontamento de Alves e Oliveira
(2022), “é importante levar em consideração como as concepções de
diferentes governos influenciam na construção dos textos oficiais,
bem como os interesses e as agendas dos diversos atores
envolvidos nessa construção” (Alves; Oliveira, 2022, p. 3).
Mudança de paradigmas ideológicos advindas de troca de
governo, de modo geral, podem impactar profundamente o modo
como políticas públicas são geridas, principalmente considerando
a grande polarização ideológica que se construiu no Brasil durante
e após o impeachment da ex-presidenta.
Na última versão da BNCC são utilizadas genericamente as
expressões “preconceitos de qualquer natureza” e “desigualdades”
em substituição ao termo gênero. Essa ausência demonstra uma
desvalorização de diversas bandeiras sociais diferentes e
universaliza o conceito de discriminação, apagando algumas lutas,
como a das feministas. Ademais, a supressão destes termos na
BNCC abre brechas para que o assunto não seja discutido no
documento e, portanto, nas escolas também.

282
A mesma situação é vista no âmbito de dois outros termos, é
possível notar que a diversidade e a diferença são reforçadas várias
vezes ao longo da BNCC, entretanto em momento algum ela se
dedica a esclarecer uma definição para os dois, que como Azevedo
(2019) disserta, embora as palavras estejam no mesmo escopo de
discussão, não significam a mesma coisa:

No documento, diversidade e diferença são discussões trazidas no


mesmo bojo, como se fossem equivalentes. [...] além de trazer duas
concepções distintas no documento, não são explicitadas quais são
estas diversidades, diferenças e desigualdades. Como falar de
diferenças se não sabemos que diferenças são essas? Não é possível
dissociar diferença dos marcadores sociais de gênero e raça, assim
como qualquer outro marcador social, como orientação sexual,
religião, idade […] (Azevedo, 2019, p. 18-19).

Quando mencionamos os avanços e retrocessos das políticas


públicas para a diversidade sexual, cabe destacar que os
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, quando promulgados
em 1998, trouxeram como novidade: o Tema Transversal da
Orientação Sexual, uma das mais importantes políticas
educacionais no Brasil para se abordar a sexualidade em sala de
aula. Mas apesar desse avanço, Abreu e Santos (2015), com base nos
estudos de Jane Felipe (2007) apontam para uma realidade na qual,
apesar de podermos encontrar algumas escolas que tratam da
discussão sobre sexualidade, muitas delas acabam se limitando ao
espectro biológico, voltado a prevenção de ISTs e da gravidez na
adolescência. Com efeito, embora os PCNs tenham significado um
passo importante para a incorporação da temática do gênero na
escola, eles ainda estavam aquém das demandas anunciadas pelas
estudiosas da temática.
Porém, o que nos interessa ressaltar é que fica evidente um
retrocesso na Base em relação aos PCNs, sobretudo, no que diz
respeito ao tema em questão. Ao contrário destes que dedicam um
espaço específico para discutir a temática da sexualidade, a Base
aborda esse debate de forma restrita, apenas na seção de Ciências

283
da Natureza, mais especificamente no componente curricular de
Ciências, negligenciando sua inclusão em outras áreas do
conhecimento e portanto, ignorando seu caráter interdisciplinar, no
qual poderia ser explorado nos campos da sociologia, da arte, da
história ou da filosofia.
Neste contexto, Silva, Brancaleoni e Oliveira (2019), acabam
chegando à mesma conclusão que os autores Abreu e Santos
(2015), sobre a interpretação desse debate na Base: “a sexualidade
adquire conotações de controle de condutas sexuais com vistas a
minimizar problemas de saúde pública” (Silva; Brancaleoni;
Oliveira, p. 1547, 2019).
A retirada das expressões “gênero” e “orientação sexual” da
BNCC gerou polêmica e críticas de vários setores que defendiam a
abordagem desses temas na escola, outrossim, a maneira com que
a BNCC aborda as relações étnico-raciais e indígenas não supõe
que sejam reconhecidos devidamente os problemas do racismo e
do eurocentrismo. Apesar disso, a BNCC mantém referências aos
direitos humanos ao longo de todo o documento, à valorização do
outro, principalmente à diversidade e à diferença, tanto nas
competências gerais quanto nos conteúdos específicos de cada área
e componente curricular. Como visto, por exemplo na sessão de
competências gerais:

7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis,


para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões
comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a
consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas
emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar
com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a
cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro
e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da

284
diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de
qualquer natureza (Brasil, 2018).

No entanto, ela em momento algum se dedica a esclarecer uma


definição para os dois termos, que assim como Azevedo (2019)
disserta, embora as palavras estejam no mesmo bojo de discussão,
não significam a mesma coisa, além de não levarem em conta os
marcadores sociais que produzem as diferenças e desigualdades.
Os marcadores sociais são conceitos construídos social e
historicamente que definem a identidade e a posição dos
indivíduos e dos grupos na sociedade, como gênero, raça,
orientação sexual, religião e classe (Azevedo, 2019).
Nesse sentido, pode-se notar um apagamento generalizado do
debate sobre gênero e sexualidade do documento, e quando
aparece, é dentro no escopo da ótica biológica. Essas abordagens
“fecham portas” para a leitura de gênero e sexualidade como um
constructo social, nascido a partir das experiências corporais e
interações na sociedade ao longo da história, impedindo que suas
diversas camadas sejam debatidas para além da biologia, através
da interdisciplinaridade dos demais campos científicos como
Sociologia, História, Geografia, Matemática, etc.

DIVERSIDADE SEXUAL NOS PROJETOS POLÍTICO-


PEDAGÓGICOS

Os Projetos Políticos-Pedagógicos são documentos que devem


ser elaborados pela comunidade de cada escola, tratando-se, portanto,
de um espaço privilegiado para revelar a singularidade, diversidade
e pluralidade que constitui o espaço escolar descrito em cada PPP. Ou
seja, se por um lado, a Base Nacional Comum Curricular normatiza os
conteúdos mínimos a serem ensinados em todo o território brasileiro,
por outro, os PPPs devem trazer um contexto situado e comprometido
com o lócus em que se situa cada escola.

285
Conforme já anunciamos anteriormente, nossa pesquisa
dedicou-se a investigar doze PPPs de escolas municipais de Foz do
Iguaçu, sendo nossa amostra composta por seis escolas de maior
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e seis escolas
de menor Ideb.
Nossa investigação apontou que a ausência generalizada do
debate sobre gênero e sexualidade na Base se reflete nos Projetos
Políticos-Pedagógicos que analisamos. Assim como a BNCC não
abarca esses termos, os PPPs tampouco o fazem, exceto em forma
de título do item “Diversidade Sexual”, mas, que carece de um
conteúdo que efetivamente revele comprometimento com o
desenvolvimento da temática na escola. Ademais, de todos os
documentos analisados das doze escolas municipais de Foz do
Iguaçu nos capítulos de Diversidade Sexual, nenhum se difere em
conteúdo do outro. Todos os PPPs possuem o mesmo texto, curto e
superficial sobre o assunto.

A Constituição Federal, em seu Art. 3º define, entre os objetivos


fundamentais da República Federativa do Brasil, a promoção ‘do
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação’. Já o Art. 5º traz a
conhecida afirmação de que ‘todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza’ e afirma expressamente a igualdade
entre homens e mulheres como preceito constitucional (Projeto
Político-Pedagógico - Escolas Municipais de Foz do Iguaçu).

A primeira metade do capítulo é feliz em reconhecer os


princípios básicos de igualdade e respeito aos direitos humanos da
Constituição de 1988. Entretanto, a problemática está em ser um
capítulo dedicado a Diversidade Sexual, mas que em todos os PPPs,
ele se encontra carente de um conteúdo que possa esmiuçar as
bases para a abordagem desse marcador social no currículo escolar,
colocando-o em prática, ou seja, com uma metodologia. Por sua
vez, a segunda parte do capítulo apresenta outra problemática:

286
A Resolução CNE/CEB no 07, de 14 de dezembro de 2010, que fixa
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9
(nove) anos, fundamentada no Parecer CNE/CEB no 11, de 7 de
setembro de 2010, indica a exigência, em seu artigo 16, de que no Ensino
Fundamental sejam tratados dos temas saúde, sexualidade e gênero,
vida familiar e social, educação para o consumo, educação fiscal, bem
como trabalho ciência e tecnologia. No texto da Resolução no 02/17
CNE/CP, o artigo 22 destaca que: ‘O CNE elaborará normas específicas
sobre computação, orientação sexual e identidade de gênero’ (Projeto
Político-Pedagógico - Escolas Municipais de Foz do Iguaçu).

O trecho menciona a Resolução 02/17 do Conselho Nacional


de Educação (CNE), que em seu artigo 22, define que o Conselho
Nacional de Educação deverá elaborar as normativas específicas
sobre "computação, orientação sexual e identidade de gênero”.
Sobre tal questão, cabe assinalar a postura do então Ministro
da Educação na cerimônia de homologação da base, como observa
Fernanda Pereira de Moura:

O ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmou durante a


cerimônia de homologação que ‘A base é plural, respeita as
diferenças, respeita os direitos humanos, não há nenhuma prisão à
ideologia de gênero ou coisa parecida’. Segundo ele ‘Não ficamos
presos ao debate estéril que muitas vezes é tomado por ideologias
radicais’. Ao que tudo indica, para o ministro radicais são os que
defendem os direitos humanos e não os grupos religiosos que tentam
retirar direitos de significativa parcela da população brasileira
(Moura, 2018, p. 61).

Deste modo, como é possível observar, a base não se


comprometeu com o tema. Isto indica as dificuldades de um
trabalho pedagógico nessa direção, pois não há normativas
explícitas, além disso, há elementos como a polêmica em torno do
que, equivocadamente, uma parcela da sociedade julgou como
“ideologia de gênero”, e um contexto notadamente conservador
que prevalece em alguns espaços.

287
Estes aspectos apontam para uma lacuna crítica: apesar da
existência dessas diretrizes, não houve por parte do Conselho
Nacional de Educação a elaboração de normativas específicas para
orientar os(as) professores(as) na abordagem dessas temáticas. Essa
omissão do CNE é particularmente relevante, uma vez que a
BNCC, em alguns momentos, transfere a responsabilidade de tratar
desses temas para as instituições de ensino, enquanto em outros
momentos, sugere que a responsabilidade recai sobre a própria
BNCC, como aponta Silva (2018). O que acaba gerando confusões
sobre de que lado está a responsabilidade de tratar sobre estes
temas, como pode ser visto neste trecho da BNCC:

Por fim, cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas,
em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar
aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas
contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional
e global, preferencialmente de forma transversal e integradora. [...]
Na BNCC, essas temáticas são contempladas em habilidades dos
componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas,
de acordo com suas especificidades, tratá-las de forma
contextualizada (Brasil, 2017, p. 19-20).

No entanto, desde a publicação desta resolução, até os dias de


hoje, não houve por parte do CNE nenhuma normativa publicada
que orientasse os(as) docentes na abordagem dessa temática na
escola. Complementarmente, um fator que dificulta a abordagem
desses tópicos é que não existe uma legislação específica que
obrigue as escolas a incluírem as temáticas de gênero e sexualidade.
Ademais, a legislação municipal também é ambígua sobre quais
preconceitos a educação busca lutar contra. Na lei que estabelece o
Plano Municipal de Educação de Foz, de 2015, encontramos o
seguinte trecho: “Art. 2º São diretrizes do Plano Municipal de
Educação do Município de Foz do Iguaçu [...] a superação das

288
desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania
e na erradicação de todas as formas de discriminação”2.
Outrossim, não há nenhuma menção à diversidade sexual,
orientação sexual, gênero ou identidade de gênero em outros
âmbitos dos PPPs, fora deste capítulo.
A ausência destes conteúdos acaba sendo um fator crucial para
a manutenção de paradigmas preconceituosos na população
iguaçuense, no sentido de que não há, portanto, garantia que estes
assuntos serão debatidos em sala. Para fins de comparação, no
capítulo que trata sobre História Afro-brasileira e Indígena nos
PPPs, a situação se transforma um pouco. O capítulo não só
reconhece em seu conteúdo as legislações do ensino de história
africana e indígena na educação, como também dá os parâmetros
que deverão ser usados em sala de aula para colocar em prática o
conteúdo, sugerindo atividades e abordagens para garantir que o
conteúdo relacionado à História e Cultura Afro-brasileira e
Indígena seja transmitido de forma atraente e significativa para
os(as) estudantes. Algumas das sugestões incluem a realização de
atividades culturais, como exposições, teatro e dança, que
permitem que os(as) discentes tenham um contato mais próximo
com as culturas africanas e indígenas:

São sugestões a serem desenvolvidas nas escolas para trabalhar as


diretrizes da Lei 10639: a realização de atividades que propiciem o
contato com a cultura africana e Afrodescendentes, culminando em
exposições, teatro e dança nas quais sejam apresentados penteados,
adereços, vestimentas, utensílios, objetos e rituais resultantes desse
processo; valorizar a diversidade étnica brasileira, a partir de
discussões e atividades que tenham como foco a criança e o jovem
negro, a sua família tem diferentes contextos sociais e profissionais;
elaboração de pesquisas e debates sobre o espaço dos

2 Destaque nosso. A homogeneização da luta contra as discriminações, como


mostrado no trecho e exaustivamente explorado por autoras feministas, como
Letícia Nascimento (2021) desconsidera a luta de diversas bandeiras diferentes e
universaliza o conceito de discriminação. Apagando algumas lutas, como a das
feministas.

289
Afrodescendentes e de sua cultura nos meios de comunicação de
massa (em especial na TV). A escola também pode trabalhar músicas,
danças, poesias, contos de origem africana que de alguma forma
contribuíram para a cultura brasileira (Projeto Político-Pedagógico -
Escolas Municipais de Foz do Iguaçu).

Além disso, nos capítulos, as escolas reconhecem a


importância de se tratar destes temas em sala de aula, sobretudo,
no papel da escola como espaço facilitador desse diálogo, algo que
carece nos capítulos de Diversidade Sexual.
Isso se torna um problema maior considerando a parcela de
famílias que compõem as comunidades escolares das seis escolas com
as menores notas no IDEB 2021, que estão, em média, com uma faixa
salarial inferior à do outro grupo de escolas. Estas comunidades se
caracterizam também por possuir uma parcela considerável de
familiares que não tiveram acesso ao Ensino Superior e por ter mais
crianças que moram somente com a mãe, em comparação ao grupo
dos seis maiores IDEBs. Além disso, o acesso ao lazer é mais reduzido
em comparação com o outro grupo. Desse modo, os dados explicitam
uma relação direta da condição socioeconômica das famílias com o
desempenho dos alunos no IDEB municipal. Nesta direção, Luiz
Carlos de Freitas atenta que há décadas, as pesquisas nas ciências
sociais indicam que “a renda familiar é o preditor mais confiável dos
resultados de um teste” (Freitas, 2012)3.
Cabe destacar o seguinte trecho que descreve a comunidade
escolar da instituição, presente no PPP de uma das escolas
analisadas. Todavia, é importante também destacar que os mesmos
elementos se encontram principalmente nos documentos
normativos de outras escolas em bairros periféricos:

• Há muitas crianças em situação de rua, que vêem na escola uma


referência de suprimento alimentar;

3 Disponível em: https://avaliacaoeducacional.com/2012/12/28/a-lei-de-responsab


ilidade-educacional-americana/

290
• Famílias desestruturadas e sem domínio, que pela necessidade de
trabalho permitem que menores fiquem sozinhos em casa;
• Os responsáveis não apresentam noção de suas responsabilidades
e há uma inversão/troca dos papéis na relação familiar (Projeto
Político-Pedagógico - Escola X, p. 19)4.

Segundo o Banco de Alimentos de Foz do Iguaçu, após a


pandemia, registraram-se cerca de dez mil famílias em situação de
extrema pobreza no município. Esse cenário as coloca em uma
posição de ter que escolher entre honrar o compromisso com a
educação dos filhos ou suprir as necessidades básicas da família,
como a alimentação. Além disso, é possível notar que o documento
reconhece as mazelas sociais e econômicas que afligem as famílias,
e reconhece também que isso afeta profundamente a educação.
Entretanto, ao mesmo tempo atribui a origem destes problemas
sociais à falta de crença religiosa das famílias.

Existe uma ausência de crença religiosa que faz com que as crianças
não tenham fé, não manifestem sentir respeito e amor ao próximo,
ou mesmo amor próprio, o que torna a questão de instinto primitivo
de sobrevivência, pouco respeito ao próximo e aos familiares – não
demonstra perspectiva ou ambição de um viver melhor, vontade ou
noção do que significa de ter qualidade de vida (Projeto Político-
Pedagógico - Escola X, p. 19)5.

Percebe-se assim, uma tendência danosa nessas instituições


que apontam sobretudo para um fundamentalismo religioso, o
qual dificulta a identificação das raízes dos problemas sociais que
afetam as famílias, e possivelmente se mostra como uma barreira
para a entrada de temas como gênero e sexualidade dentro da
escola. Entretanto, a realidade dos dados demonstra que a
população mais afetada com o preconceito, independentemente do

4 A escola foi denominada, utilizando-se letras - no caso a letra X- com vistas a


assegurar o anonimato da instituição.
5 A escola foi denominada, utilizando-se letras - no caso a letra X - com vistas a

assegurar o anonimato da instituição.

291
tipo, é a população mais pobre, e nesses espaços urge falar sobre
essas temáticas, porém enfrenta-se uma barreira moral e a religião
das pessoas que compõem a comunidade escolar.
Portanto, é possível afirmar que para a garantia da construção
de uma educação inclusiva para com os temas da diversidade, é
importante que estes estejam resguardados por uma legislação. A
importância de uma legislação pode ser observada levando-se em
consideração elementos como raça e etnia, que está assegurada por
meio da Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, que altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de
9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena". Reiteramos, no entanto, que mesmo com o aparato legal,
na opinião dos estudiosos que se dedicam a trabalhar o tema das
relações étnico-raciais, a BNCC não contemplou de modo adequado
a temática, ficando aquém em relação ao modo como acadêmicos e
movimentos sociais já haviam sinalizado que o tema deveria ser
incorporado na base. Conforme Silva e Silva (2021, p. 553)

[...] a Educação para Relações Étnico-Raciais proposta pela BNCC,


não está articulada à oferta de uma educação antirracista, apenas
reforça os conteúdos sobre a África e os afro-brasileiros, discussões
que já fazem parte dos currículos da Educação Básica. Nesta
perspectiva, o documento invisibiliza a discussão sobre as Relações
Étnico-Raciais e volta-se para oferta de uma educação para o
mercado de trabalho flexível.

Se este tratamento é inadequado para temas já respaldados por


lei, no caso do gênero ele acabou sendo praticamente nulo. Desta
feita, sinalizamos a necessidade de assegurar aparatos legais que
oportunizem efetivamente uma educação inclusiva ao contemplar
o tema das relações sociais de gênero e, deste modo, oportunizar
um trabalho pedagógico contrário a paradigmas preconceituosos,
misóginos e homofóbicos, que afetam, toda a sociedade e os

292
sujeitos que compõem nossa amostra, especialmente, as camadas
mais pobres da sociedade iguaçuense.

COMO CHEGOU-SE A ESSE PONTO?

Para traçar uma possível causa das influências nas políticas


educacionais atuais, temos que voltar um pouco no tempo.
Desde meados das décadas de 1980 e 1990, com o início da
onda neoliberal na América Latina, a educação brasileira passou a
funcionar a partir dos novos interesses do capital. Que, segundo as
contribuições de Silva (2021, p. 4) “são resultados das
transformações que vêm ocorrendo no mundo [...] desde [...] 1960,
em que o capitalismo se viu forçado a mudar seu método universal
de incremento do fordismo/taylorismo para os métodos de
produção flexíveis”. O sistema público de educação precisou ser
modificado para atender aos requisitos do capital, o que acabou
promovendo mudanças estruturais na educação, a fim de
funcionar a partir de políticas marcadas por um neotecnicismo
pedagógico (Freitas, 1995; Saviani, 2008; Silva, 2021).
Silva (2021), em diálogo com Dermeval Saviani define o
neotecnicismo como uma forma de reorganização da escola, onde
ela passa a seguir os princípios da neutralidade científica, e é
orientada pela racionalidade, eficiência e pela produtividade.
Assim a escola se constituiria como uma instituição objetiva e
pragmática, voltada para a razão.
Dado que o país estava com um grande déficit econômico em
meados de 1980 e 1990, as soluções buscadas para a superação dessa
crise foram junto às políticas de economia liberal. As reformas
econômicas tinham como intuito conduzir a administração pública
para diretrizes mais eficientes, privatizando empresas públicas,
terceirizando os serviços do Estado e sobretudo reduzindo gastos
tidos como desnecessários. Assim, a economia, e portanto, a educação
também, passariam a vigorar sob a lógica do ethos de um modelo
empresarial, voltado à eficiência e aos resultados.

293
Essas políticas neoliberais, que moldaram a estrutura
econômica e a abordagem educacional no passado, continuaram a
ecoar na contemporaneidade. Isso decorre do fato de que as
reformas, capitaneadas com a influência dos grandes empresários
brasileiros e apoiadas pelos setores conservadores da sociedade,
sobretudo aquelas voltadas para a rede pública de educação, foram
interessantes para o governo à medida que barateiam os custos da
educação e terceirizam a responsabilidade do Estado para as
empresas privadas (Azevedo, 2019; Freitas, 2014). A partir dessa
realidade, a BNCC e a Reforma do Ensino Médio se encontram
ocupando uma posição de herdeira dessas políticas neoliberais,
focadas na eficiência e baixo custo.
Freitas (2014) e Ball (2014) alertam sobre as consequências da
influência neoliberalismo e do lobby empresarial nas reformas do
sistema de ensino e o mal uso da tecnologia para superação de
obstáculos. Apesar das soluções tecnológicas serem aliadas em
muitas ocasiões das nossas vidas, o que tem sido visto é o seu uso
como uma alternativa barata para problemas que são sistêmicos.
Assim como as ferramentas tecnológicas adotadas pelo governo do
Ratinho Junior e a Secretaria de Educação do Paraná: os
“Educatrons”, o Registro de Classe on-line (RCO), o Google
Classroom, e demais plataformas e tecnologias, sobretudo na
pandemia, onde encontraram uma oportunidade para se fixar na
rede pública de ensino, que também foi uma grande oportunidade
de aproximar as Edu Business6 ao Estado, ofertando essas
tecnologias e tirando lascas do orçamento educacional.
Entretanto, percebe-se que essas ferramentas digitais muitas
vezes pretendem cumprir o papel de substituir as funções dos(as)
docentes, delegando-lhes agora novas responsabilidades, que além
da sobrecarga laboral, atribui os(as) educadores(as) um segundo

6 Empresas privadas do ramo Educacional. Como a Unicesumar, que em 2022


fechou uma “parceria” com o governo do Paraná para oferecer serviços ao sistema
de ensino. Essa atitude foi duramente criticada por diversos setores sociais.
Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/parana-adota-
parceria-para-disciplinas-do-novo-ensino-medio-sindicato-critica/

294
plano no processo de aprendizagem. Assim, reformula-se o
discurso do fracasso escolar, agora centrado na figura do professor.
Esses movimentos se sustentam no argumento da
culpabilização docente pelo fracasso da escola, como se fossem os
únicos responsáveis pelos resultados da aprendizagem,
legitimando assim, o surgimento de novas propostas educacionais
que visam aumentar o controle técnico sobre a pedagogia, como a
BNCC. O neotecnicismo emerge então como resposta desses
agentes para “consertar” a educação, e são apoiadas sobretudo
pelos organismos internacionais, como a Unesco e o Banco Central.
Paralelamente, o lobby da educação privada age como porta-voz
destes organismos em território nacional. Através do grupo
“Movimento pela Base Comum”, estes agentes há dez anos
protagonizam os debates pela construção de uma base nacional
comum. Fazem parte deste grupo instituições como: Fundação
Lemann, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social,
Fundação Roberto Marinho7. Segundo Azevedo (2019, p. 11):

É nítido como os reformadores empresariais estão cada vez mais


mercantilizando a educação brasileira. As empresas encontraram na
educação uma possibilidade de crescimento e de expansão de
capital, levando o neoliberalismo para a educação pública e privada
num país marcado pela desigualdade social.

Portanto, para finalmente responder como chegou-se ao ponto


do esvaziamento da discussão sobre gênero e sexualidade nos PPPs
de Foz do Iguaçu, é possível afirmar que a educação brasileira
passou por um extenso processo de apropriação e reformulação da
sua estrutura para atender às novas demandas do Capital, que
passariam a delimitar os paradigmas de uma educação voltada
para a eficiência e neutralidade científica, sendo orientada pela
racionalidade e produtividade, o que, no contexto histórico de
ascensão do conservadorismo no Brasil nos últimos anos, culminou

7Disponível em: https://movimentopelabase.org.br/quem-somos/ . Acesso em: 26


de out. 2023

295
no escamoteamento, e por vezes, o esvaziamento completo de
discursos centrais dos movimentos sociais no currículo escolar,
como os debates sobre raça e racismo, povos indígenas e sobre
gênero e sexualidade na BNCC. Desse modo, essa realidade, aliada
com a falta de legislação apropriada, fez com que as escolas não
incluam o debate sobre gênero e sexualidade nos Projetos Político-
Pedagógicos do Ensino Fundamental I de Foz do Iguaçu.
Sendo assim, a partir dos resultados obtidos com a pesquisa, é
relevante pensar formas que garantam que esse debate se
mantenha dentro das salas de aula, como políticas públicas,
legislações ou cursos de formação de docentes, tal qual, por
exemplo, o curso de formação que a Secretaria Municipal de
Educação da cidade de São Paulo lançou entre 1989 e 1992, que era
inicialmente voltado aos professores, porém mais tarde dedicado
também aos jovens e crianças (Brasil, 2007). O curso, ao contrário
de ter pressupostos de educação sexual disciplinadora, incentivava
o público a desenvolver atitudes críticas e transformadoras em
relação ao gênero e à sexualidade8.
Também é necessário que essas temáticas sejam incluídas nos
documentos normativos educacionais e extensamente debatidas
por especialistas para que sua inserção seja fundamentada não só
na área biológica, como também nos campos científicos da História,
Sociologia, Filosofia, Educação e demais áreas.
Portanto, não se trata de “inventar a roda” novamente, mas
sim identificar, estudar, compreender e oportunizar práticas
pedagógicas já sinalizadas como importantes pelas estudiosas da
temática e inclusive já materializadas de forma adequada em
alguns contextos. Mas fundamentalmente é necessário contarmos
com um documento nacional que oriente e/ou normatize os
conteúdos mínimos no Brasil que se comprometa com a temática

8 Os cursos envolveram cerca de 15 mil jovens e adolescentes de 313 escolas. Seu


êxito fez com que surgisse, entre 2003 e 2004, um novo projeto: o Educando para
a Diversidade, que envolveu mais de mil escolas, oito mil educadores e cerca de
100 mil estudantes da capital paulista. Ademais, a experiência estimulou
iniciativas semelhantes em outras instituições e outras capitais (Brasil, 2007).

296
de gênero e, de igual maneira, é preciso que os PPPs sejam
atualizados, pois nenhum deles elucida como será sistematizada a
aplicação destes conteúdos. A ausência de diretrizes claras nos
PPPs quanto a esses temas compromete a capacidade das
instituições educacionais em proporcionar um ambiente inclusivo
e seguro para todos os(as) estudantes, independentemente de sua
orientação sexual ou identidade de gênero.
Espera-se, portanto, que as instituições de educação no Brasil
consigam perceber a relevância de se abordar essas temáticas nos
PPPs escolares.
Desse modo, reiteramos e finalizamos: é necessário que esses
PPPs sejam revistos e atualizados de modo a refletir um
compromisso efetivo com a promoção da diversidade sexual e de
gênero e com a construção de uma educação que respeite e valorize
a identidade de cada indivíduo, contribuindo assim para uma
sociedade mais inclusiva e igualitária.

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297
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553–570, 2021. Disponível em: https://periodicos.unisantos.br/
pesquiseduca/article/view/1056. Acesso em: 4 dez. 2023.

298
IMPACTOS DA BNCC NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NAS
ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL DO MUNICÍPIO DE
FOZ DO IGUAÇU

Júlia Flores (UNILA)


Juliana Franzi (UNILA)
Ana Paula Araújo Fonseca (UNILA)

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem como base o trabalho de Iniciação Científica


financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), realizado na Universidade Federal da
Integração Latino-Americana - UNILA1. O objetivo foi analisar qual
o impacto da política da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
na concepção de educação inclusiva por meio dos Projetos Políticos
Pedagógicos (PPPs) das escolas de Ensino Fundamental, no
município de Foz do Iguaçu. A partir dos estudos sobre o efeito da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na educação inclusiva,
os PPPs foram investigados buscando a identificação de
distanciamentos e aproximações com a normativa curricular
educacional brasileira.

BNCC

Para iniciarmos a discussão, é preciso esclarecer os principais


conceitos da pesquisa. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
é um documento que reúne os principais conteúdos, habilidades e

1 Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e


Tecnológico – CNPq – que financiou em forma de bolsa para a primeira autora
deste capítulo, o desenvolvimento da presente pesquisa. A bolsa foi concedida a
partir da participação no Edital UNILA - 09/2022/PRPPG - Processo Seletivo
PIBIC, PIBIT, PIVICTI 2022/2023.

299
competências que devem ser almejadas na Educação Básica. Sua
primeira versão foi apresentada em 2015, mas sua aprovação se
deu em dezembro de 2017 para a Educação Infantil e Fundamental
e, no ano seguinte, para o Ensino Médio. O processo de aprovação
da versão final do documento passou por uma consulta pública,
encerrada em 2016, cujas sugestões foram compiladas em uma
nova versão, sendo que a aprovação da BNCC pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), deu-se em 2017.
A existência de base comum e nacional surge de uma
necessidade por parte do Estado de ditar o que deve ou não ser
ensinado no espaço escolar, o compreendendo como um ambiente
de disputa ideológica (Freitas, 2014, p. 1092), e a padronização
curricular como um instrumento para impedir um avanço
progressista dentro das práticas pedagógicas. Seus principais
defensores asseguram que a base é um instrumento que garante a
ampliação do acesso à educação e um fortalecimento de sua
qualidade, e que sua implementação está prevista pelo artigo 210
da Constituição Federal, no qual é previsto a fixação de conteúdos
básicos para uma formação comum a todos os estudantes.
Entretanto, sob um olhar crítico, podemos afirmar que a
utilização de um único modelo de currículo escolar em um país
que comporta uma diversidade sociocultural imensa, como o
Brasil, engessa o processo educacional e prejudica as adaptações
curriculares que poderiam abranger grupos minoritários, dentre
eles o das pessoas com deficiência. A Base, mesmo sendo vista
como um instrumento que permitiria a ampliação do acesso à
educação, estimula as avaliações de larga escala, que corresponde
a outro aparato fundamental para a dominação ideológica dentro
das escolas. É a partir dessas avaliações que as elites
instrumentalizam as escolas e limitam o conhecimento ao que
corresponde às suas necessidades produtivas. Sobre isso, Luiz
Carlos de Freitas (2014, p. 1093) afirma:

Na atual disputa pela escola, os reformadores empresariais da educação


ampliaram a função da avaliação externa e deram a ela um papel central

300
na indução da padronização como forma de permitir o fortalecimento
do controle não só sobre a cultura escolar, mas sobre as outras categorias
do processo pedagógico, pelas quais se irradiam os efeitos da avaliação,
definindo o dia a dia da escola.

AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA E BNCC

Entendendo a instrumentalização da BNCC e da prática


avaliativa em larga escala pelo Estado, torna-se evidente a
contradição presente na prática pedagógica da política educacional
estabelecida. Afinal, um instrumento que garante em suas linhas a
“formação humana integral” e a “construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN)” (Brasil, 2018,
p.7), deveria combater uma prática tão excludente e limitada como
as avaliações de larga escala. A equidade prometida no texto
original da Base Nacional Comum Curricular leva em consideração
grupos minoritários que foram historicamente excluídos da
vivência social, entre eles as pessoas com deficiência, cujas
especificidades e necessidades são ignoradas na aplicação de
avaliações de larga escala. Nesse sentido, a Base serve como um
apoio ideológico que visa responsabilizar qualquer fracasso
educacional exclusivamente os professores e estudantes, como
afirma Orrú (2018, p. 144):

A BNCC é um modelo homogeneizador de ensino, de avaliação, de


currículo, de professorado e de escola que dita o ritmo em que cada
aluno deve aprender. É um paradigma que fere à diversidade, o respeito
às diferenças individuais e os processos de inclusão. Ela restringe a
autonomia dos espaços de aprendizagem e atribui exagerado valor à
escolarização por meio da supervalorização de determinados
conteúdos em detrimento de outros.

A homogeneização reforçada pela Base passa a falsa impressão de


que todas as escolas partem de um mesmo “lugar” de aprendizagem,
já que as condições para o sucesso escolar estão ditadas pelo

301
documento. Sendo assim, o Estado se isenta de culpa pelo fracasso
escolar, e os professores são vistos como os grandes responsáveis. Deste
modo, as avaliações de larga escala, para além de reforçarem as
competências propostas pela BNCC, que serão aprofundadas adiante,
também servem como um instrumento de poder.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Quando se fala em Educação Inclusiva, faz-se referência ao


processo educacional que seja garantido a todos os estudantes,
independentemente de quais as suas características. A Declaração
Mundial de Educação Para Todos (1990), assim como a Declaração
de Salamanca (1994), são dois documentos de extrema importância
para a organização de políticas públicas no mundo todo e também
no Brasil. Os dois documentos repercutiram na atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (1996), no
capítulo que versa sobre Educação Especial, classificando-a como
uma modalidade escolar a ser ofertada, preferencialmente, na rede
regular de ensino a estudantes com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades e/ou superdotação.
Após a LDBEN (1996), o Brasil vivenciou mais alguns avanços
nesse campo, com destaque para a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (2008).
Este documento é alinhado com os debates internacionais, em
especial com a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas
com Deficiência - CDPD, aprovada na Organização das Nações
Unidas (ONU), em dezembro de 2006, da qual o Brasil passa a ser
signatário em março de 2007 e que é ratificada e passa a ter valor
Constitucional no ano de 2009. A Convenção Internacional é o
documento internacional de maior importância mundial atual, foi
assinada por 182 países que se comprometeram a cumpri-la.
O artigo 24 da Convenção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência trata do direito à Educação:

302
1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência
à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na
igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema
educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao
longo de toda a vida [...] (Brasil, 2007, p 28).
d. As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito
do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva
educação (Brasil, 2007, p 29).
e. Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em
ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social,
de acordo com a meta de inclusão plena (Brasil, 2007, p. 29).

Os movimentos de pessoas com deficiência foram


responsáveis pelos avanços conquistados até aqui, em relação a
efetivação de direitos humanos em várias frentes, uma vez que essa
parte da população não estava sendo considerada nos espaços
sociais. O direito à educação inclusiva continua sendo alvo de lutas
coletivas para sua efetivação, pois ainda que se tenham
conquistado avanços no campo legal, nacional e
internacionalmente, as práticas cotidianas precisam manter
coerência e alinhamento nesta direção, o que acaba sendo alvo de
disputas no campo das políticas públicas.
Embora o Brasil possua uma Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, o Estado do Paraná,
onde está localizado o município de Foz do Iguaçu, possui uma
Política Estadual de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão
(Paraná, 2009), que defende a chamada “inclusão responsável”,
indicando que nem todos os estudantes podem ser inseridos nas
classes regulares de escolas comuns, pois alguns precisam de mais
tempo e atenção especializada em ambiente segregado para se
beneficiar do processo educacional. As políticas públicas
paranaenses para a educação especial/inclusiva são distantes da
PNEEPEI e o Estado é o que mais concentra matrículas em escolas
exclusivas em comparação com os demais Estados brasileiros
(INEP, 2022).

303
PPPs

Sendo esclarecidos os conceitos, esta pesquisa buscou entender


como as escolas municipais de Foz do Iguaçu compreendem e
aplicam a BNCC em suas práticas escolares. Para isso, as
perspectivas de inclusão e a interpretação da BNCC foram
analisadas dentro dos Projetos Político Pedagógicos (PPPs), de 14
escolas municipais, escolhidas através do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador que
ranqueia as escolas a partir da taxa de rendimento escolar e do
desempenho nas avaliações aplicadas. Das catorze escolas
municipais que compõem a amostra, sete delas são as primeiras e as
outras setes as últimas colocadas no ranking das escolas municipais
de Foz do Iguaçu, em 2021, obtidas no site do QEdu. A escolha das
escolas perpassa o questionamento: os índices diferentes possuem
alguma relevância na materialização da Base Nacional Comum
Curricular e por consequência na Educação Inclusiva?
O Projeto Político Pedagógico é um documento que apresenta
a conceituação dos elementos que a instituição de ensino leva em
consideração em suas práticas educacionais, assim como a
descrição da comunidade em seu entorno e os objetivos de
aprendizagem. Trata-se de um documento que permite evidenciar
as singularidades, diversidade, diferença e pluralidade cultural de
cada escola, distinguindo-se, por conseguinte, da BNCC que rege a
base comum. No PPP é possível assegurar a parte diversificada do
currículo escolar, pois se por um lado as legislações - Constituição
Federal (1988) e Lei de Diretrizes e Base na Educação Nacional
(1996) - vinham mencionando a necessidade de uma base comum,
tais documentos também evidenciam que uma parte do currículo
deve ser constituído por uma parte diversificada.
A fim de que compreendêssemos a relação entre a tradução da
BNCC e seu impacto na prática da educação inclusiva, analisamos
precisamente esses elementos dentro dos PPPs.
É importante destacarmos que todas as escolas analisadas se
encontram em contextos sociais e culturais diversos, de acordo com

304
o estado de vulnerabilidade de alguns bairros do município de Foz
do Iguaçu e até mesmo a proximidade com as fronteiras com
Paraguai e Argentina. Logo, a expectativa era encontrar essa
heterogeneidade expressa nos documentos, de modo que cada
instituição de ensino possuísse uma interpretação de acordo com
sua realidade. Entretanto, independentemente da ambientação das
escolas, nossa pesquisa se deparou com documentos
extremamente semelhantes entre eles, de modo que fica clara uma
padronização dos textos.
No que diz respeito à tradução da BNCC, todas as escolas
apresentaram um texto idêntico, expondo as dez competências
gerais da Base, sem ao menos destacar as que mais se
aproximam do contexto das escolas. As competências são:

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a
realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de
uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria
das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a
imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar
hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive
tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais,
das locais às mundiais, e também participar de práticas
diversificadas da produção artístico-cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora,
como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como
conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para
se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem
ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e
comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas
diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver

305
problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e
apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem
entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas
alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com
liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis,
para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões
comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a
consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas
emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com
elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a
cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro
e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da
diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de
qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade,
flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base
em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e
solidários (Brasil, 2018).

As dez competências são genéricas e não contemplam a


profundidade necessária para que as práticas pedagógicas sejam
efetivas e tenham a ver com a realidade escolar. Além disso,
possuem incongruência com o tópico de concepção da educação
presente nos PPPs que, apesar de também ser semelhante em todos
os documentos, demonstra uma preocupação por parte da
instituição com a vivência pré-escolar dos estudantes e o objetivo
de formá-los seres que interagem em seu meio. A questão é que não
há como formar cidadãos que compreendam e ajam em suas

306
realidades se a base educacional em vigência não permite a
maleabilidade necessária, levando-se em consideração cada
contexto e as singularidades de cada sujeito, para tal feito.
Sendo assim, outro tópico observado nos documentos trata da
educação inclusiva para pessoas com deficiência. Todos os textos
analisados em relação a esse tópico são também idênticos, e
consideram o conceito de pessoa com deficiência do Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei 13146/2015), que em seu segundo
artigo considera pessoas com deficiência como qualquer pessoa
“que tenha impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, que impeça a sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais.”
Ao referenciar a Lei Municipal nº 4.431 do Plano Municipal de
Educação, o documento destaca a meta 4 que pretende

universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos


de idade com deficiência, transtorno do espectro autista, transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade/impulsividade e altas
habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao
atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede
regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo,
de salas de recursos multifuncionais e serviços especializados,
públicos ou conveniados.

O acesso à rede regular e ao atendimento educacional


especializado são dois itens defendidos pela Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008, p.
14).
O atendimento especializado é garantido documentalmente
em todas as escolas analisadas, e aparece como Sala de Recursos
Multifuncionais e Classe Especial. A sala de recursos objetiva
atender estudantes com necessidades educacionais especiais, tais
como problemas de aprendizagem, deficiência mental ou atraso
grave na educação, com atendimento no contraturno ao período
regular de aulas e acesso à profissionais e materiais especializados.

307
A classe especial por sua vez conta com um currículo descrito como
“diferenciado” e objetiva fazer com que os estudantes alcancem
o “nível” de aprendizagem suficiente para serem incluídos na
classe regular de ensino e é um modelo substitutivo à classe
comum, mas dentro da escola regular.
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva, desde 2008, apresenta orientações para que a
escola não se organize mais em classes especiais, mas sim promova
o Atendimento Educacional Especializado (AEE), por meio da
oferta de atividades, no contraturno, voltadas para estudantes que
compõem o grupo da educação especial. Em setembro de 2020 uma
ação do governo de Jair Bolsonaro, por meio do decreto 10.502,
instituiu a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa,
Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”, que voltou a
apontar para a possibilidade de “classes especializadas” dentro da
escola regular. No entanto, cumpre atentar que no mesmo ano o
decreto foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) e revogado no primeiro dia do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, em 2023.
Entendemos que as classes especiais existentes em Foz do
Iguaçu e mencionadas nos PPPs que compuseram nossa amostra
não abrangem na prática a verdadeira inclusão que consiste na
incorporação das pessoas com deficiência dentro do sistema
regular de ensino e ofertadas conforme prevê a Política Nacional
da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil,
2008). Para ser inclusiva, a escola precisa passar por uma adaptação
para oportunizar a convivência nas salas de aula comum
envolvendo todas as pessoas (Fonseca, 2022, p. 37).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com as análises realizadas, nota-se que o impacto da


BNCC na conceitualização e interpretação da Educação Inclusiva
nos Projetos Políticos Pedagógicos passou por um intenso processo
de padronização. A tarefa de tornar a educação mais inclusiva para

308
pessoas com deficiência sofre consequências diretas da BNCC, que
impossibilita adaptações necessárias para práticas educacionais
mais abrangentes. É possível afirmar que o documento não possui
um comprometimento em interpretar a inclusão como uma prática
educativa real, tendo em vista a falta de diálogo com especialistas e
ativistas no assunto desde sua primeira elaboração.
Em reportagem publicada em 20/09/2022, pelo G1, foi exposto
a inconstitucionalidade do Decreto n. 10.502 de 2020, suspenso pelo
STF, que foi utilizado para rejeitar a matrícula de pessoas com
deficiência na rede básica de educação2. Os cortes de financiamento
e as políticas de propaganda de escolas especiais privadas em 2021,
durante o governo Bolsonaro, demonstram o objetivo de tais
medidas: a segregação de pessoas com deficiência, as impedindo
de frequentarem a rede regular de ensino. Essas medidas não são
combatidas pela BNCC e ainda são reforçadas pelas práticas de
segregação descritas nos PPPs analisados, que utilizam currículos
diferentes para pessoas com deficiência por meio da organização
em classes especiais, medida por si só excludente.
A cidade de Foz do Iguaçu já vem implementando políticas de
estímulo à competividade entre as escolas desde o ano de 2012
(Pasini, 2013), quando cria lei municipal para premiar escolas que
alcancem metas do IDEB com o pagamento de décimo quarto
salário. A busca por notas altas no IDEB já era uma realidade antes
da aprovação da BNCC. Conforme apontado por Freitas (2014), a
padronização trazida pela BNCC já carrega uma tendência de
busca por resultados em avaliações de larga escala como principais
objetivos das escolas. De igual maneira, a segregação de estudantes
com deficiência é referendada por políticas públicas estaduais,
mesmo após a aprovação da PNEEPEI.
A pesquisa de catorze projetos políticos pedagógicos, de
escolas com maiores e menores IDEBs, auxilia na demonstração da

2Reportagem disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/


09/20/decreto-considerado-inconstitucional-e-usado-para-dificultar-acesso-de-
criancas-com-deficiencia-ao-ensino-regular.ghtml. Acesso em: 10 de out. 2023.

309
padronização pedagógica e ausência de debates específicos sobre
educação inclusiva. Pode-se dizer que a BNCC fortalece uma
direção já adotada nas gestões municipais e estaduais de
segregação de estudantes com deficiência, bem como revela a
constante busca por índices educacionais de avaliação em larga
escala, não importando tratar de especificidades, uma vez que a
cobrança nas avaliações é pela parte padronizada.
Os fatores apresentados acima evidenciam a necessidade de
expansão da discussão no que tange às práticas de educação
inclusiva e a ineficácia da BNCC, tendo em vista o descaso
sistêmico em relação a este tema por parte de autoridades políticas
e sociais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais


Anísio Teixeira (Inep). Censo Escolar da Educação Básica 2022:
Resumo Técnico. Brasília, 2023.
BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira
de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência). Diário Oficial da União, 2015; 7 jul.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
Brasília, 23 de dezembro de 1996. Disponível em: &lt;http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm&gt/. Acesso em: 20
out. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial.
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência: Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos

310
das Pessoas com Deficiência: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos. Brasília, setembro de 2007, 48p.
FONSECA, A. P. A. Educação Inclusiva ou Educação Excludente:
uma análise do contexto educacional contemporâneo. In: FRANZI,
J.; FONSECA, A. P. A. (org.). Disputando Narrativas: uma
abordagem crítica sobre a Base Nacional Comum Curricular. 1. ed.
Foz do Iguaçu: Editora CLAES, 2022, p. 35-46.
FREITAS, L. C. de. Os reformadores empresariais da educação e a
disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educ. Soc.,
Campinas, v. 35, nº. 129, p. 1085-1114, out-dez., 2014.
G1 GLOBO. Decreto considerado inconstitucional é usado para
dificultar acesso de crianças com deficiência ao ensino regular. G1
GLOBO. 20/09/2022. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-
nacional/noticia/2022/09/20/decreto-considerado-inconsti tucional-
e-usado-para-dificultar-acesso-de-criancas-com-deficiencia-ao-
ensino-regul ar.ghtml. Acesso em: 10 out. 2023.
G1 GLOBO. Foz do Iguaçu e Sobral se destacam em avaliação sobre
Educação Básica.13/04/2014. G1 GLOBO. Disponível em:
https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/04/foz-do-iguacu-e-
sobral-se-destacam- em-avaliacao-sobre-educacao-basica.html.
Acesso em: 11 out. 2023.
ORRÚ, S. E. Base Nacional Comum Curricular: à contramão dos
Espaços de aprendizagem inovadores e inclusivos. Revista
Tempos e Espaços em Educação, São Cristóvão, Sergipe, Brasil, v.
11, n. 25, p. 141-154 abr/jun. 2018.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de
Educação Especial e Inclusão Educacional. Política Estadual de
Educação Especial na Perspectiva da Inclusão.Curitiba,2009.
Disponívelem: https://www.nre.seed.pr.gov.br/arquivos/File
/toledo/ed_especial/legislacao/politica estadual.pdf. Acesso em: 04
dez. 2023.
PASINI, J. F. R. IDEB e políticas meritocráticas: algumas
considerações acerca do município de Foz do Iguaçu/PR. Anais...
XXVI Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação,
v. 1, p. 1-14, 2013.

311
UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos:
Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, Jomtien,
1990. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-
mundial-sobre-educacao-para-todos-confer encia-de-jomtien-1990.
Acesso em: 20 out. 2023.
UNESCO. MEC-Espanha. Declaração de Salamanca e linha de
ação. Brasília: CORDE, 1994.

312
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES

Ana Carolina Pereira - Psicóloga Clínica


e graduanda em Antropologia e
Diversidade Cultural na Universidade
Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA), contribuindo há 2 anos como
extensionista bolsista no projeto de
extensão “Línguas e Culturas Para
Integração”. Com experiência de 1 ano e
meio como monitora bolsista no Núcleo
de Acessibilidade e Inclusão da UNILA.
Como Promotora Legal Popular desenvolve projetos para o
combate da violência baseada em gênero.
E-mail: anacarolina.acp95@gmail.com.

Ana Paula Araujo Fonseca -Professora da


Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (UNILA). Doutora em
Educação pela UFSCar, mestra em
Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem pela UNESP-Bauru,
psicóloga e licenciada em Psicologia pela
UNESP-Bauru. Leciona nos cursos de
Licenciatura da UNILA e participa de
movimentos sociais em defesa das pessoas com deficiência.
Atualmente realiza estágio de pós-doutorado na Faculdade de
Educação da USP, pesquisando sobre educação especial/inclusiva
em países do Mercosul.
E-mail: ana.araujo@unila.edu.br.

313
Cláudia Valentina Assumpção Galian -
Graduada em Biologia. Mestrado e
Doutorado em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Desenvolveu estudo em nível
de pós-doutorado no Instituto de
Educação da Universidade de Londres,
sob a supervisão do Professor Michael F.
D. Young. É Livre-docente em Educação
pela Universidade de São Paulo e atua
como Professora Associada na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FEUSP), no nível da graduação e da
pós-graduação. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa Escola,
Currículo, Conhecimento (Grupo ECCo). Desenvolve pesquisas
sobre currículo e conhecimento escolar.

Daniel Alfonso Rusch - Graduado em


História pela Universidade Federal da
Integração Latino-Americana (UNILA).
Atua como Secretário de Unidade
Escolar. Interessa-se por Políticas
Educacionais, Relação entre Educação e
Trabalho, História Sul-Americana.

314
Derlis Ortiz Coronel - Docente de la
Universidad Nacional de Asunción.
Profesor de Lengua y Cultura Guaraní,
Profesor de Educación Escolar Básica,
Licenciado en Ciencias de la Educación,
Máster en Currículum (Chile),
Especialista en Investigación Científica,
Especialista en Metodología de Enseñanza
e ingeniería de la Formación (Francia),
Doctor en Ciencias de la Educación (Paraguay). Es miembro
fundador de la ONG Jekupyty Moheñoiha, Consultor en
currículum de Pueblos Indígenas, Proyectista en actividades
sociocomunitarias, Director Académico del Instituto de Formación
Docente – IDT y Coordinador del Centro de Análisis e
Investigación de la FCE/UNA – Caaguazú. Ha colaborado con el
equipo de investigación de la UNLP (Argentina) y la UNIFESP
(Brasil) en temas lingüísticos, currículum y migración.

Jane Peruzo Iacono - Doutora em Letras e


Mestre em Educação. Docente do Curso
de Pedagogia e do Programa de Pós-
Graduação em Educação – PPGE da
UNIOESTE. Membro do Programa de
Educação Especial – PEE e dos Grupos de
Pesquisa Aprendizagem e Ação Docente
(GPAAD); Grupo de Estudos e Pesquisa
em Educação Básica e Ensino Superior:
pessoa com deficiência/necessidades educacionais especiais
(GEPEBES), ambos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

315
José Del Carmen Correa Alfonso -
Profesor de planta de la Escuela Superior
de Administración Pública (ESAP).
Investigador integrante en los Grupo de
investigación SumaPaz, Arado e Hisula.
Doctor en Educación de la Universidad
de La Salle de Costa Rica. Magíster en
Administración de Empresas y en
Gestión de la Calidad de la Educación
Superior. Par evaluador reconocido por Minciencias. Con amplia
experiencia en procesos de autoevaluación y acreditación de
programas académicos, lo mismo que en la estructuración de
documentos maestros para registro calificado. Con experticia en la
elaboración de documentos estratégicos mediante metodología
prospectiva. Experto en formulación y evaluación de proyectos de
inversión, gestión financiera y finanzas públicas.
E-mail: jose.correa@esap.edu.co.

José Pascual Mora García - Expresidente


de la Sociedad de Historia de la Educación
Latinoamericana (shela, 2011-2016),
Postdoctorado en la Universidad
Pedagógica y Tecnológica de Colombia
(UPTC – 2020) en el Doctorado en Ciencias
de la Educación (Febrero de 2018 – Mayo
de 2020). Doctor en Innovación y Sistema
Educativo en la Universidad Rovira i
Virgili, Tarragona-España (2009). Doctor en Historia de la
Universidad Santa María, Caracas (2002); Magister en Gerencia
Educativa de Universidad Nacional Experimental del Táchira, 1994;
Diploma de Estudios Avanzados (DEA) en Historia de la Educación
de la Universidad Rovira i Virgili, España, 2002. Filósofo,
Universidad Central de Venezuela, 1986. Pionero de la red
Rudecolombia desde 1998. Profesor Titular Emérito de la
Universidad de Los Andes (ULA-Táchira), (1994-2016); Investigador

316
escalafonado en la categoría Asociado de Colciencias, Grupo de
Investigación HISULA (Ratificado evaluación Min Ciencia, 2022),
Catedrático del Doctorado en Cs. de la Educación, Cade UPTC.
Docente fundador del Doctorado en Ciencias de la Educación en la
Universidad de Cundinamarca, creador de la Línea de Investigación
Pedagogías, Paz y Poblaciones Resilientes. Con más de 75 libros y
capítulos de libros, y más de 100 artículos indexados según
MinCiencia, sobre temas vinculados a los estudios interculturales.
Coordinador del Grupo Hedure-Universidad de Los Andes, Mérida.
Editor de la revista Heurística, www.saber.ula.ve/heuristica;
https://orcid.org/0000-0002-5345-6808.

Júlia Flores - Graduanda em Letras-


Português e Espanhol como Línguas
Estrangeiras pela Universidade Federal
da Integração Latino-Americana
(UNILA). Foi bolsista CNPq de Iniciação
Científica, onde desenvolveu uma
pesquisa sobre a BNCC e os desafios à
educação inclusiva, orientada pela Profª.
Drª. Juliana Franzi e coorientada pela
Profª. Drª. Ana Paula Araújo Fonseca.

Julián Fernando Bonilla Real -


Administrador Financiero,
Administrador de Empresas, Especialista
en Educación Ambiental Doctorando en
Educación. Líder de Grupo de
Investigación Sumapaz. Docente
Universitario en programas de posgrados
relacionados con Educación Ambiental y
desarrollo en las comunidades. Líder de
proyectos con comunidades rurales,
especialmente orientados a la conservación del medio ambiente.
Experiencia investigativa asociada a procesos de Educación

317
Ambiental, territorio y procesos participativos. Integrante Campo
Cultural de Aprendizaje Bagüe. Universidad de Cundinamarca.

Juliana Fatima Serraglio Pasini - Pós-


Doutora em Educação, linha de Pesquisa
"Educação, Políticas Sociais e Estado –
(UNIOESTE/Cascavel, 2022). Doutora em
Educação pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (2016). Mestre em Educação
pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (2012). Possui graduação em
Pedagogia pela Faculdade Dinâmica das
Cataratas (2005). Atualmente é professora
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas
Educacionais - GREPPE/PR-UNILA/UNICAMP. Grupo de Estudos
sobre a Universidade (GEU/UNEMAT/UFMT). Integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação na/para Infância -
GEPEI/UNILA. É membro e Conselheira Técnica da Associação
Brasileira de Educação Comparada (SBEC). Atuando,
principalmente nos seguintes temas: gestão escolar, políticas de
formação docente, políticas de avaliação em larga escala e políticas
para infância na fronteira.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7854-4038
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0755566438950766
E-mail: jfserraglio@gmail.com

318
Juliana Franzi - Docente alocada na área
da Educação da Universidade Federal da
Integração Latino-Americana (UNILA).
Na UNILA, leciona componentes
pedagógicos em distintas Licenciaturas.
Doutora em Educação pela Universidade
de São Paulo (USP) e Mestra em Educação
e Pedagoga pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Coordenou a área
da Educação da UNILA e foi vice-presidente do Fórum das
Licenciaturas da mesma universidade, entre os anos de 2019 e 2020.
Coordenou o projeto de extensão “Rede de diálogo: a educação em
debate” durante os anos de 2021 e 2022. Em 2023, coordenou o I
Congresso Internacional de Educação e currículos latino-
americanos: construindo redes a partir de uma abordagem
interdisciplinar, que contou com recurso financeiro oportunizado
pelo Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA-UNILA),
por meio do Edital nº 01 /2022/IMEA - Apoio à Organização de
Eventos Interdisciplinares ou Transdisciplinares.
E-mail: juliana.franzi@unila.edu.br

Maitê Pastorini Camargo - Graduanda


em História Licenciatura pela
Universidade Federal da integração
Latino-Americana (UNILA). Nascida em
Foz do Iguaçu e oriunda de escola
pública, é travesti e militante no
movimento estudantil e nos direitos da
comunidade LGBTIA+. É a partir dessa
realidade que surge o interesse em pesquisar sobre Gênero e
Sexualidade nos currículos escolares. Compõe o Comitê Municipal
LGBTQIAN+ de Foz do Iguaçu.

319
Lidiane Cossetin Alves - Graduada em
Letras-Português/Espanhol (UNIOESTE),
Mestra e Doutoranda em Letras pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE). Especialista em
Mídias Digitais para a Educação, pela
Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT) e em Metodologia do Ensino de
Língua Portuguesa e Estrangeira
(UNINTER). Atualmente desenvolve as pesquisas intituladas
“Poéticas em AmarElo: decolonialidade e resistência nas canções
de Emicida” e "Narrativas visuais da colonização sobre os povos
originários brasileiros". Beneficiária de auxílio financeiro da
CAPES/CNPq – Brasil.
E-mail: lidicossetin@gmail.com.

Lucia Terezinha Zanato Tureck -Membro do HISTEDOPR e do


GEPEBES, Pedagoga, Mestre em
Educação pela UEM e Doutora em Letras
pela UFBA. Docente do Curso de
Pedagogia e do Programa de Pós-
Graduação em Educação – UNIOESTE,
campus de Cascavel. Atua e pesquisa na
área da Educação Especial: história,
políticas e processos inclusivos. Participa
do NEaDUNI – Núcleo de Educação a
Distância da UNIOESTE e é militante de
movimentos sociais, principalmente de pessoas com deficiência.

320
Márcia Cossetin- Doutora em Educação
pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM/2017). Atua como Professora no
Instituto Latino-Americano de Arte,
Cultura e História, na Universidade Federal
da Integração Latino-Americana (UNILA).
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Políticas Educacionais
(GREPPE/UNICAMP/UNILA/UFPR). É
membro da Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores
em Privatização da Educação (ReLAAPPe) e da Associação
Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE).
E-mail: marcia.cossetin@unila.edu.br.

Maria Carolina Vieira da Silva -


Licenciada em História pela
Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (UNILA), participou
como discente bolsista do "Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência - PIBID" (2018-2019), sendo este
seu primeiro contato com a docência.
Possui experiência como professora,
atuando na rede estadual de ensino no Paraná desde 2022.
E-mail: ma.carolvds@gmail.com

María Angélica Oliva - Profesora,


investigadora y escritora. Investiga en:
Política Educativa, Política Curricular y
Derecho a la Educación. Investigadora
Grupo de Estudios e Investigaciones en
Políticas de Evaluación Educacional y
Accountability en América Latina.
Doctora en Pedagogía, Universidad de
Valencia (España). Magíster en

321
Educación, Universidad de Chile. Profesora de Historia, Geografía
y Educación Cívica, Pontificia Universidad Católica de Chile.

Maria Laura de Oliverira Machado - Pós-


graduanda em Arte Educação e Terapia
pela Faculdade Unina, 2019. Possui
graduação em Licenciatura em Artes pela
União Educacional de Cascavel (UNIVEL,
2016). Licenciatura em História da
América Latina pela Universidade
Federal Latino Americana (UNILA, 2022).
Tem experiência em docência na área de
Arte. Foi professora na rede Estadual do
Estado do Paraná. Concursada na rede municipal de ensino, no
município de Foz do Iguaçu - Paraná, desde 2016, neste atuou como
professora de Arte, e atuou como coordenadora pedagógica de
Arte (2017 a 2018) e Arte, História e Geografia (2019 a 2020).
Atualmente atua na área administrativa e pedagógica na Secretaria
Municipal da Educação de Foz do Iguaçu - Paraná.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3544800387803245
Orcid: https://orcid.org/0009-0006-5882-2877

Maria Lidia Sica Szymanski - Psicóloga e


Pedagoga. Mestre, Doutora e Pós-Doutora
em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano. Temas de
pesquisa e orientação: Dificuldades de
aprendizagem, Autismo, Educação
Inclusiva na perspectiva da Teoria
Histórico-Cultural. Atendimento
Educacional Especializado na Educação
Básica. Atendimento Clínico na perspectiva psicanalítica.

322
Matheus De Oliveira - Possui graduação
em História Licenciatura pela
Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (UNILA, 2023), com
experiência na área de Políticas
Educacionais e ênfase no Financiamento
do Ensino Superior.
Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2045349665603865
E-mail: maatheusolli1995@gmail.com.

Neide da Silveira Duarte de Matos -


Graduada em Pedagogia e Mestre em
Educação (UNIOESTE). Doutora em
Psicologia (UEM) com sanduíche na
Universidad de La Habana – Cuba. Atua
no curso de Pedagogia e no PPG em
Educação da UNIOESTE. Integrante do
Grupo de Pesquisa Histedopr e
GEPESPHC e da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia-ANPEPP e Associação
Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE.

Silvane dos Santos de Moura Macagnan


- Doutoranda em Educação no Programa
de Pós-Graduação em Educação - PPGE-
UNIOESTE/Cascavel. Bolsista da agência
financiadora CNPq. Pedagoga,
Especialista em Educação Especial e
Inclusiva. Mestre em Educação. Membro
do HISTEDOPR e pesquisadora na área
da História da Educação,
Desenvolvimento Humano e Educação Especial. Linha de

323
Pesquisa: Formação de professores e processos de ensino e
aprendizagem.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9237911847876411.

Talita Larissa de Oliveria Aquino - Cursando Geografia,


Licenciatura pela Universidade Federal
da Integração Latino-Americana
(UNILA). Integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Políticas
Educacionais (GREPPE/PR).

Yenifer Beltran Sierra - Administradora


de Empresas, Especialista en Formulación
y Evaluación de Proyectos Magíster en
Estudios y Gestión del Desarrollo.
Integrante grupo de Investigación
Sumapaz. Docente Universitaria con
experiencia de 10 años en gestión de
proyectos, especialmente en el sector
educativo y de desarrollo organizacional.
Experiencia investigativa asociada a procesos de territoriales,
procesos comunitarios y participativos. Integrante Campo Cultural
de Aprendizaje Bagüe. Universidad de Cundinamarca.

324

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