Eduardo Barcellos - O Conceito de Estado Template
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Eduardo Barcellos1
Resumo
Este artigo deita atenção aos atores-autores que influenciaram diretamente a construção republicana brasileira,
formulando a normatividade que viria a informar a estrutura organizacional do Estado, direcionando as relações de
poder num determinado sentido, ainda atuante na política nacional. No intento de aprofundar a questão do Estado, o
conceito a ele relativo sustentado pelos atores-autores é exposto em síntese, contemplando as abordagens daqueles que
até o governo de Fernando Henrique Cardoso atuavam diretamente na elaboração da diretriz governamental. Veremos,
então, uma ideia de Estado incapaz de assumir os movimentos dinâmicos da sociedade, fechando a Política
exclusivamente no processo político, negando sua realidade fenomênica social – resultando em instituições
incompatíveis com a sociedade brasileira, impermeáveis à contemporaneidade.
Introdução
Uma República, mesmo que incapaz de firmar um imaginário próprio na nação em processo
de construção2, buscava consolidação e legitimidade. Grupos diversos articulavam a estruturação
legal da nova ordem. Segundo interpretação de Carvalho (2005, p.120), era inviável tal
consolidação respeitando o requisito de legitimidade3, sendo a experiência da República Velha no
Brasil um caso original, ao passo que não tinha povo, sendo este “na maior parte hostil ou
indiferente ao novo regime”. Ausência de correspondente societário que as duas “linhagens”
principais do pensamento político brasileiro compartilhavam em entendimento, variando a leitura
sobre o problema.
1
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2
Ver Carvalho, 1990.
3 Legitimidade perpassa toda a ordem estatal, não apenas os principais órgãos políticos de poder. Como coloca Faoro
(2007, pp.207 e 247), “a legitimidade [...] supõe que, por meio dela, atue a comunidade social, dotada de autoridades,
que atuam com o apoio dos governados, decisivo para a continuidade política nas horas de crise. É a legitimidade e não
a justificação do poder que resiste, renovando-se no retorno à consulta popular”.
Nada obstante, se assume aqui que há uma raiz dominante no pensamento político brasileiro,
que ainda pauta a normatividade estabelecida.4 Ela conjuga em si o que perpassa, através de
entrelaçamento por afinidade, ambos os idealismos – crença no poder da letra da lei e orientação
estatal, seja para fortalecer o Estado seja para limitá-lo. A formulação prática é de uma orientação
que acredita formar (ou mesmo criar) através de si a sociedade, com o auxílio do direito positivo.
Mantenho, portanto, a apresentação segundo as “linhagens” de Oliveira Vianna, que se fazem atores
na construção factual da organização estrutural do Estado republicano brasileiro.
4
A pluralidade do pensamento não elimina eventual dominância de certa corrente e/ou agrupamento.
5
Desnecessária se faz a incursão pelo debate da supressão societária ante as instituições nos distintos momentos da
história político-social brasileira, tendo em vista o objetivo e limites do presente texto. Para um aprofundamento, ver,
entre outros, Carvalho (2003; 2006), Faoro (2001), Holanda (2006), Ribeiro (1995), Santos (1987), Souza (2000). O uso
da obra de Oliveira Vianna tem caráter instrumental para a linha argumentativa aqui desenvolvida.
A ideia de Estado entre os atores-autores que formulavam teorias a serem postas em prática
na organização estatal praticamente excluía a sociedade da conceituação. O Estado era basicamente
estrutura, instituição, a ser criada do alto; por mais contraditório que isso possa parecer diante dos
idealismos. Em verdade, como veremos, na prática pouco importava os caracteres sociais, a não ser
para justificar a intervenção na elaboração da sociedade desejada ou projetada pelos atores-autores.
O fenômeno social, nessa perspectiva, servia apenas de parâmetro para a ação impositiva de um
sistema legal por parte do governo, e não como fonte de informação à regulação da ordem social e
legal. A imposição do arcabouço institucional como método perpassa ambos os idealismos.
8
Vianna, 1987, pp.63-4.
II. Incompleta: começa a ser esboçada sua caracterização como instituição humana,
baseando-se na “vontade do povo”. A representação é o corpo de cidadãos eleitos.
Funções sociais maiores, tendo em vista a complexificação do organismo social.
Como diria o autor (1882, p.107):
O traço mais distinctivo dessa mentalidade era a crença no poder das formulas
escriptas. Para esses sonhadores, pôr em letra de forma uma idéia era, de si mesma,
realisal-a. Escrever no papel uma Constituição era fazel-a para logo cousa viva e
actuante: as palavras tinham o poder magico de dar realidade e corpo ás idéias por
ellas representadas.
[Há, pois,] dous preconceitos do velho idealismo republicano: o preconceito do
poder das formulas escriptas e o preconceito das reorganizações politicas só
possíveis por meios políticos. (VIANNA, 1927, p.25 e p.68)
9
Nessa complementaridade, podemos debater o governo e suas atribuições e limites de ação sem debater o Estado, sem
querer atribuir-lhe, imprevidentemente, limites, campo, deveres (pertencentes estes aos órgãos de poder), com isso
tornando mais humana a dimensão política da vida em sociedade.
10
Note-se que aqui fica evidenciada a inclinação do autor, quebrando o vínculo sociológico e histórico na representação
conceitual de Estado, restando a dimensão política, subordinada, a seu turno, aos princípios técnico-jurídicos
fundamentais na formulação e aplicação das leis; leis que o Estado, ainda segundo Salles, forja para intervir nas
relações condicionais da sociedade, aplicando e desenvolvendo o princípio jurídico “em toda a sua intensidade”. A
Política, em verdade, só entra na elucubração do autor por ser o centro gravitacional dos órgãos de poder do Estado.
Seria, o Estado essencialmente político, apenas uma das “formas” de Estado, sendo este o
“apparelho de coordenação e de orientação do dynamismo de uma collectividade”. Segundo o autor,
este aparelho possui além de formas, tipos diversos, característicos à constituição psicológica de
determinado grupamento humano, ou na sua terminologia, característicos ao sentido sociogênico
decorrente da afirmação no grupo de um dos instintos fundamentais do psiquismo humano – o
instinto de conservação, correspondendo ao Estado militar; o instinto de nutrição, correspondendo
ao Estado econômico; e o instinto de domínio, correspondendo ao Estado político. Cada instinto e
cada forma/tipo de Estado carregam um significado específico que não serão abordados neste
artigo.11 O que ponho em relevo é o trato relativo ao Estado. Amaral assume a coexistência de todos
esses instintos do psiquismo humano (diga-se: por ele concebidos) em toda e qualquer sociedade,
havendo, entretanto, prevalência de um sobre os demais. A história dada de um povo desvendaria
qual o instinto prevalente. Ao revelar-se, caberia aos homens de Estado adequar o maquinário no
intento de promover o avanço da nação, alterando à favor do Estado, somente possível se ajustados
os caracteres do “apparelho de coordenação e de orientação”.
11
Não diz respeito a este artigo adentrar nas hipóteses conceituais apresentadas por Azevedo Amaral, por mais curiosas
que possam vir a ser. Remeto, para apreciação devida das ideias e teorias de Amaral, a Alcântara, 1967.
13
O poder é extroverso porque alcança todos os indivíduos que residem no território nacional, indo para além da
organização do Estado.
14
Ver Bresser-Pereira, 2009, capp. 2, 8, 10 e 11.
ESTADO
(ente abstrato; hobbesiana “pessoa artificial”)
Essas leituras esboçadas sobre a realidade social são marcadas pela insuficiência referente
aos desafios lançados a nossa frente. Ignoram a necessidade de ressignificação.
A teoria não se recicla. O Moderno é o centro ao redor do qual gravitam, seja para adorná-lo
com apêndices qualificatórios, seja para negá-lo sem que se desenvolva alternativas substanciais. O
Estado ou é monopólio da força, ou é ferramenta de uma classe (ou ambos, mas com sentido
diverso), ou é fato social. O Estado, e todos assumem, é central a partir da Idade Moderna.
Devemos estar atentos ao fato de que contemporaneamente o Estado não perdeu sua força;
15
Anota Bresser-Pereira (2009, p.16): “uso ‘governo’ não como sinônimo de Estado (como geralmente se faz na
linguagem corrente), mas para me referir: (a) ao grupo de pessoas, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de
Estado, que chefiam a organização do Estado; e (b) ao processo de governar, de decidir sobre políticas e instituições
públicas”.
16
Assumo que me aproprio de termo alheio, ironicamente utilizado por Santos (1984, pp.31-6) – Cf.; porém, com outro
sentido e significado, mesmo que aceitando a continuidade daquela “dual-ética da razão política nacional”. Que razão é
essa? Acredito que expor as suas “três antinomias” deduzidas pelo autor em questão (cit., pp.13-4) é útil: “1) a maioria
dos democratas brasileiros é constituída por autoritários fora do poder; 2) a maioria dos democratas brasileiros é como a
maioria de seus católicos, isto é, não praticante; e, finalmente, 3) democrata é todo aquele que pensa e age como eu”.
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