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Educação Universidade e Pesquisa

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Educação

Universidade e
Pesquisa
Textos completos do
III Simpósio em Filosofia e Ciência:
Paradigmas do Conhecimento no Final do Milênio

Organização
Kester Carrara

Unesp
Marilia
Publicações
FAPESP
Educação, Universidade e Pesquisa

Textos completos do
III Simpósio em Filosofia e Ciência:
Paradigmas do Conhecimento no final do Milênio

Organização
Kester Carrara

Unesp
Marilia
FAPESP Publicações
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA ECIÊNCIAS
Copyright© Kester Carrara
Dirctor: Dr. C'ester Carrara
Vice-Diretor: Prof. Dr. Tullo Vigevani

Conselho Editorial: Francisco Luiz Corsi (Presidente)


Dagoberto Buim Arena
Edevaldo Donizeti dos Santos
Maria Eunice Quilici Gonzales
Mara Lucia Gonçalves Balestriero
Placida L. V. A. da Costa Santos
Vanda Maria Silveira Rcis Fantin
Vanderlei Geraldo Martins

Assessoria Técnica: Maria Luzinete Euclides (Bibliotecária)

Editoração Eletrônica
Crie Final: Edevaldo Donizeti dos Santos
Edson Ricardo Peixoto
Walter Clayton de Oliveira
Produtor Grítico: Alipio Prado
Gláucio Rogério de Morais
Rogério Aparecido Alves

© Uncsp -Marília- Publicações, 2001


Av. Ilygino Muzzi Filho , 737
CEP 17525-900 - Marilia - SP
Tel. (014 ) 121-1203
C -mail: publica@marilia.unesp.br
Todos os direitos reservados. É vedada, nos termos da lei , a reprodução total ou parcial deste
livro sem a expressa autorização dos editores.
E24 Educação, Universidade e Pesquisa / organização de Kester Carrara.
-Marília : Unesp -Marília -Publicações; São Paulo : FAPESP.
--

2001.
250p. : 23cm .
ISBN 85-86738-16-6
DOI: https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6
1. Universidade - educação. 2. Pesquisa. 3. Interdisciplinaridade. I.
Carrara, Kester, org. 11. Universidade Estadual Paulista. III . Titulo .
CDD - 301.966
SUMÁRIO
Apresentação
Educação, Universidade e Pesquisa: em busca de novos paradigmas
Kester Carrara .... iii

Universidade e Sociedade
Universidade e Sociedade
Neusa Maria Dal Ri.............. ........... 3
A Universidade no próximo milênio: bases histórico - filosóficas
da pesquisa
Roberto Romano ..... 9

Organização do Conhecimento
Organização do conhecimento: algumas considerações
para o tratamento temático da informação
Mariângela Spotti Lopes Fujita ...... ............ 29
Organización del conocimiento: un nuevo marco
teórico -conceptual en Bibliotecologia y Documentacion
Mario Barite.... ...... 35
Perspectivas de ensino e pesquisa em organização do
conhecimento em cursos de Biblioteconomia: uma reflexão
José Augusto Chaves Guimarães ..... ........ 61

A interdisciplinaridade nas Ciências Humanas


Muito além das disciplinas
Marcos César Alvarez ...... .... 75
.......

A ciência, a instituição e o terceiro milênio: abordando a


interdisciplinaridade
Adriana Benevides Soares ...... 79
Lingüística, Lingüística Aplicada e Análise do Discurso
em um estudo na fronteira com a História e as Ciências Sociais
Manoel Luiz Gonçalves Corrêa ....... 91
A interdisciplinaridade , no passado e no presente
Antonio Trajano Menezes Arruda 113
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones"
Paradigma behaviorista na Educação: futuro e questões transicionais
Kester Carrara ...... 123
Modelo de enseñanza en la comunidad alternativa Los Horcones :
conductismo radical como Filosofia de la Educación
...... 129
Juan Robinson ........
A crise na Educação e o Behaviorismo. Que parte nos cabe nela?
Temos soluções a oferecer ?
Sérgio Vasconcelos de Luna 143

Comunicação alternativa na Educação Especial


Comunicação e relações interpessoais
159
Sadao Omote ........
Conceitos básicos em comunicação alternativa e suplementar
Eduardo José Manzini .............. 163
Comunicação alternativa: modelos teóricos e
tecnológicos, filosofia educacional e prática clínica
...... 179
Fernando C. Capovilla ..........
Os 40 anos da F.F.C.: sua contribuição para a
construção do conhecimento e da cidadania
Os 40 anos da Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - Marília
Arlêta Nóbrega Zelante . 211
A pesquisa em Filosofia na Faculdade de Filosofia e
Ciências da Unesp em Marília: uma breve retrospectiva
Lauro Frederico Barbosa da Silveira .... ....... 215
A Faculdade de Filosofia e Ciências em Marília: origens
Leonor Maria Tanuri.......... 219
Da FAFI à FFC: uma avaliação
227
Jayme Wanderley Gasparoto ....
O curso de Biblioteconomia da Unesp: uma trajetória acadêmica
Mariângela Spotti Lopes Fujita ....... .... 233
A Fonoaudiologia no novo milênio
Célia Maria Giachetti ............. 241
Contribuição da Pós- graduação ao desesnvolvimento da
Unesp em Marília
Celestino Alves da Silva Júnior ....... 247
Apresentação
EDUCAÇÃO , UNIVERSIDADE E PESQUISA: EM BUSCA DE
NOVOS PARADIGMAS

Kester CARRARA

Afortunadamente, ao transitar pelo campo fronteiriço entre o


conhecido e o ignorado, a ciência faz mais do que trasladar de um estado a
outro as informações sobre os fenômenos da natureza . Ocupa-se, sobretudo,
com a tarefa de oferecer explicações, ainda que conjeturais, mas reiteradamente
fundadas, acerca de cada evento que supõe ser seu objeto de estudo. Com
diferentes contornos, contextos, finalidades e métodos, tem sido esse o mote da
ciência em toda a sua história . Nesse sentido, o discurso de quem busca, sob
qualquer forma, conhecimento seguro , estável, nomotético e replicável, não pode
prescindir de uma consciência clara das imbricações entre filosofia e ciência e,
sobretudo, da idéia de conhecimento interdisciplinar. Nem a todos e nem a todo
tempo tais análises e discussões - embora absolutamente indispensáveis - foram
bem-vindas ou trouxeram resultados favoráveis e imediatos ao bem-estar da
humanidade. No segundo caso, ainda hoje continuamos lamentando quanto
custou, por exemplo, a descoberta da fusão atômica, em função das conseqüências
nefastas a Hiroshima e Nagasaki . No primeiro, o hermetismo de algumas
discussões foi, por vezes, lembrado negativa ou jocosamente: (que sejam
indulgentes os colegas filósofos e historiadores para com qualquer imprecisão
da citação subsequente) teria dito Cícero, a respeito do som do gongo (discus)
que diariamente anunciava a abertura dos banhos públicos na velha Roma, que
era “ mais doce aos ouvidos que a voz dos filósofos na academia ” . Embora
temendo que ocasionalmente parte do nosso jargão acadêmico na universidade
do ano 2000 possa continuar mantendo os mesmos ruídos, estou seguro de que
os filósofos e os cientistas muito iluminaram, em ocasiões com brilhantismo
inequívoco, nossa busca intérmina ao esclarecimento .

Departamento de Psicologia da Educação - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525


900 - Campus de Marília - SP. (e-mail: kester @ marilia.unesp.br)
E
:

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.pi-viii
Rastrear a história do pensamento contemporâneo conduz,
freqüentemente, a localizar suas raízes mais sólidas e profundas nos momentos
marcados por amplo debate. O caráter dinâmico da ciência se demarca pela
superação, via parcial incorporação, do conhecimento estabelecido pelo
conhecimento novo. Ganham sentido, nessa perspectiva, todos os episódios -
dos menores aos maiores - onde se procedeu a uma avaliação sistemática,
especialmente dentro da universidade, acerca da pluralidade de concepções
vigentes. De tais episódios, que são de radical importância para que a comunidade
acadêmica contraponha vigorosamente a crítica e a metacrítica aos pontos de
vista escolhidos para análise, acabam sempre emergindo alternativas teórico
práticas parcimoniosas , equilibradas e valiosas para o conhecimento
contemporâneo. Nas discussões realizadas na academia de hoje, tudo o que se
discute, todavia (e felizmente, creio), cada vez menos se origina e, a um só tempo,
pouquíssimo concorre para a constituição de grupos fechados, totalitários mesmo
no sentido de Goffmann (1974). Entretanto, os grupos existem e são quase
naturais, em função da identidade ( ou proximidade) de interesses científicos.
Como teria mencionado Kuhn (1976, p. 257) ,
...o conhecimento científico, como a linguagem , é intrinsecamente a
propriedade comum de um grupo ou então não é nada. Para entendê-lo,
precisamos conhecer as características essenciais dos grupos que o criam e
o utilizam .

Por essa via, o conhecimento também se dá pelo contato com os discursos


individuais e grupais, veiculados nos encontros, jornadas e simpósios científicos
que a universidade privilegia.
Consagrar esse tipo de prática, no âmbito das áreas de que se
ocupa, é uma das incumbências mais importantes da universidade pública
(malgradas velas enfunadas em busca da privatização ). Articular pensamentos
divergentes sem superpô-los gratuitamente, promover discussões pertinentes a
partir de convicções diversas e contrapor concepções teóricas cuidando para
que não se manifestem idiossincráticas tem constituído tarefa irrecusável à universidade

iv
pública. Especialmente no caso brasileiro, tal se dá apesar das péssimas condições
de trabalho e - como diz Chauí (1999) - a despeito da cantilena populista que
defende " a universidade pública paga como uma questão de justiça social ”.
Embora os equívocos de principio acerca do conceito de justiça
social continuem campeando e seus autores e atores demarquem a universidade
pública como alvo predileto, a academia continua encontrando na própria busca
ao conhecimento suas forças mais consistentes para resistir e seguir adiante.
Também assim transcorreu com os debates que permearam o III Simpósio em
Filosofia e Ciência, que se deu na UNESP, em Marília (SP ), de 7 a 10 de junho de
1999. Ali, centrados na temática Educação, Universidade e Pesquisa: paradigmas do
conhecimento no finaldo milênio, pesquisadores de diversas universidades brasileiras
empenharam -se em avaliar conhecimentos já produzidos e propor e analisar
novos empreendimentos científicos, à luz das mais modernas tendências sociais,
face à passagem para uma nova e marcante época da história. Seguramente, o
simpósio ultrapassou barreiras regionais, contando, além das 278 comunicações
de pesquisa apresentadas e dos quase 600 inscritos, com um número significativo
de seletos conferencistas que mobilizaram as atenções dos participantes .

Por certo, mais que reunir grande número de pesquisadores, o


evento parece ter alcançado, a nosso ver, algumas metas relevantes:
1 promover a divulgação entre as linhas de pesquisa, assegurando contato e
troca de conhecimentos teórico-práticos entre pesquisadores, mediante
conferências, debates e comunicação de trabalhos científicos;
2
avaliar e prover subsídios para o desenvolvimento e a ampliação das linhas
de pesquisa abrangidas pelo temário escolhido;
3 incentivar o intercâmbio e a consolidação dos grupos de pesquisa das
universidades ;
4 propiciar a ocasião para a articulação de uma discussão importante , nas
perspectivas multi, inter e transdisciplinar, em relação a três campos
indissociáveis de análise: a Educação, a Universidade e a Pesquisa ;
5 assegurar a realização de um balanço, entre número significativo de
pesquisadores, de algumas das mais marcantes experiências e pesquisas nessas
áreas, garantindo condições apropriadas para um debate aberto e auspicioso
dos seus desdobramentos com vistas à sociedade em intensa transformação
neste final de milênio;
6 garantir que a pluralidade de concepções teóricas, em franco debate, emergisse
como a ótica sob a qual docentes -e especialmente discentes- possam fazer
suas escolhas paradigmáticas de conhecimento em que se estribarão eventuais
novas perspectivas de organização da sociedade.
Nenhuma dúvida existe sobre que todos esses objetivos
coexistem , se superpõem e não podem ser alcançados isoladamente, do que se
infere com alguma coerência que a classificação acima nada pretende ter de
axiomática, nem almeja garantir que os objetivos sejam mutuamente excludentes.
Todavia, parecem representar o que efetivamente se deu no simpósio e, creio,
pode ser auscultado pelo leitor atento às tendências apontadas nos textos básicos
das conferências, encartados nesta coletânea. Sua leitura é amostra representativa
que bem conduz à compreensão do contexto no qual estão inseridos os esforços
intelectuais da Unesp e de outras universidades públicas, no que respeita às áreas
cobertas pelo simpósio: em particular, aquelas coincidentes com os cursos
oferecidos pela Faculdade de Filosofia e Ciências, ou seja, Biblioteconomia,
Ciências Sociais, Filosofia, Fonoaudiologia e Pedagogia. Sem dúvida, os textos e
as discussões seguiram para além dessa demarcação formal. A Psicologia, a
História, a Antropologia e as questões metodológicas e epistemológicas
pontuaram muitos debates e foram contempladas com o envolvimento do
público. É o que se pode constatar com clareza a partir da leitura dos textos que
compõem este livro . Não há intenção e nem pertinência em anunciá-los como se
constituíssem um todo plenamente articulado. Por conta da própria natureza das
mesas em que foram apresentados, estão agrupados em blocos específicos. Todos,
porém, conduzem o leitor a um posicionamento mais claro das dimensões atuais
do conhecimento nos assuntos de que trataram. Em síntese, as mesas Organização
do conhecimento;A interdisciplinaridade nas ciências humanas; O modelo de ensino na comunidade
alternativa " Los Horcones ”; Comunicação alternativa: contribuição da informática e Os 40

vi
anos da F.F.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania, ao
examinarem conjuntos distintos de assuntos, trataram de ser - no melhor sentido
- cosmopolitas o suficiente para deixarem antever perspectivas suficientemente
agudas de quanto, pela sua própria produção, a universidade pública está atenta
e se faz imprescindível. Como presidente da Comissão de Pesquisa na época do
evento, coube-me organizar os textos aí apresentados. Procurei obedecer no
limite do possível, seus delineamentos a partir dos enfoques diferentes de seus
respectivos autores, o que constituiu tarefa complexa na qual tentei respeitar ao
máximo os originais, compatibilizando-os tanto quanto razoável e possível com
os necessários requisitos gráfico -editoriais. Espero que sua disponibilização dê
se de modo a assegurar ao leitor um fluxo agradável de leitura.
Para a consecução desse importante evento, contribuíram
sobejamente os apoios assegurados pela CAPES, FUNDEPE , FUNDUNESP,
PROPP, FFC, ADUNESP e FAPESP, esta última ajudando decisivamente a,
além de cobrir despesas com a realização do simpósio, garantir parte significativa
desta publicação (processo 1999/01410-9; processo 2000 / 04656-8).
O respeito à pluralidade de concepções teóricas que pontuou
de forma transparente o simpósio e que se restaura nos textos subsequentes,
constitui a marca da universalidade na universidade e do direito à livre expressão
do pensamento (preservado até mesmo numa Constituição frequentemente
vilipendiada como a nossa: artigos 5º, IV e 206 ). Na mesma direção do respeito
ao saber plural ( que não deve sinonimizar ecletismo frouxo e gratuito), é que o
estudo dos diversos paradigmas científicos tem função de elucidar e garantir a
interpretação possível de diferentes opções de pesquisa. Entretanto - os autores
dos textos deixam isso claro - não há que pensar em paradigmas com sentido ou
função normativa que implique optar por qualquer caminho que necessariamente
deva ser o único a ser seguido na busca do conhecimento seguro. Desde os anos
30, tentativas outras, sem sucesso, já foram feitas em busca de uma ciência unificada.
A busca de linguagens comuns, métodos mais abrangentes , técnicas
compartilhadas, deve continuar existindo, como forma de melhorar nossa
compreensão mútua dos resultados de pesquisa, mas o entendimento entre
vii
cientistas não deve ser interpretado como aproximação a um sincretismo
exacerbado proveniente de uma ciência de consenso. Ao contrário, como se
evidenciou nessa reunião de pesquisadores e é possível depreender dos textos
inseridos nesta coletânea, numerosas questões novas e candentes, bem como
promissores caminhos alternativos existem à nossa escolha.

Referências Bibliográficas
CHAUÍ, M. Universidade em liquidação. Folha de São Paulo - São Paulo, 11 jul. 1999, p. 5.
Caderno Mais, n. 3.

GOFFMANN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo : Perspectiva, 1974.

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1976.

viii
Universidade e Sociedade
UNIVERSIDADE E SOCIEDADE

Neusa Maria DAL RI '

A crise não é privilégio de nossa sociedade. Mas, neste país,


essas questões assumem proporções bastante significativas: crise de representação,
crise de confiança, perda de direitos sociais e trabalhistas conquistados
historicamente pelos trabalhadores, denúncias cotidianas de corrupções praticadas
por membros da administração do Estado, abalo profundo dos valores
tradicionais e da crença nas soluções positivas e nas instituições. Defrontamo
nos com um quadro adverso, demarcado pela desigualdade social, pela miséria,
pelo afastamento dos indivíduos da arena política e dos processos decisórios,
por uma falta de legitimidade ética da política e dos políticos.
No que se refere à universidade, talvez a primeira questão que
se apresenta é a da defesa do seu caráter público. Obviamente, trata-se da defesa
da permanência e expansão dos compromissos governamentais com o ensino
superior. Não ignoramos as referências mais amplas englobando os demais graus
de ensino. Não negamos também que a defesa do ensino público ultrapassa a
esfera do ensino superior. No entanto, as preocupações imediatas quanto à
universidade são, sem dúvida, a ameaça da extinção da gratuidade do ensino
superior público, o projeto neoliberal de transformação das universidades públicas,
a diminuição das verbas destinadas às escolas superiores oficiais, a proliferação
de escolas particulares de baixíssimo nível, além de outros problemas com que
se debate o ensino superior no Brasil de hoje.
Com efeito , se a rede de ensino superior hoje é
predominantemente privada, contrariamente ao que ocorria ainda no final na
década de 50, tal fato se deve à política traçada e implementada pelo Estado que
patrocinou, através, também, de sucessivas autorizações e reconhecimentos, o

Departamento de Administração e Supervisão Escolar -- Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp


- 17525-900 -Campus de Marília - SP
3

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p3-8
Educação, Universidade e Pesquisa

processo de privatização desse ensino. Percebe-se que esse mesmo Estado que
vem, há anos, aligeirando a rede de ensino superior público, ao mesmo tempo,
subvencionou escolas particulares que gozavam do estatuto de "entidade privada
de direito público ”, uma vez que operavam com maciças inversões de recursos
públicos.
Na verdade, a tendência do Estado, expressa claramente em
seu projeto para o ensino superior, é criar dois tipos distintos de universidade: a
universidade da produção e a universidade do consumo. A primeira seria
constituída pelos centros de excelência, aos quais seria reservada a tarefa e o
privilégio de desenvolver pesquisas e ministrar os cursos de pós-graduação. A
segunda configuraria a grande maioria das escolas que se dedicaria exclusivamente
ao ensino, como regra, em nível de graduação e, excepcionalmente, ministraria
cursos de extensão e de aperfeiçoamento. Trata - se da dissociação entre a pesquisa,
o ensino e a extensão,
Do ponto de vista da defesa do ensino superior público, a
própria evolução da autonomia universitária deveria ser revista. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional coloca, claramente, a possibilidade de desativação
de cursos e habilitações, de intervenção na instituição, de suspensão temporária
de prerrogativas da autonomia (Art. 46). No entanto, pensamos que o próprio
fortalecimento do ensino superior público e a luta em defesa deste passa
exatamente pelo fortalecimento da autonomia. Não de qualquer autonomia, mas
daquela que possibilite a evolução de seus elementos democráticos.
Autonomia não significa impermeabilidade a influências externas
e sim a capacidade de auto-regulação e adaptação construtiva a demandas e
condições circundantes, pela consolidação de uma cultura institucional e
profissional próprias. Uma instituição acadêmica autônoma e bem constituída
deve ser capaz de articular fontes externas de nível político, econômico e cultural,
sentir as necessidades manifestas pela sociedade mais ampla e responder a esses
condicionantes de acordo com suas próprias regras de probidade e competência
e, dessa forma, ampliar seu reconhecimento ante a sociedade e, consequentemente,

4
Universidade e sociedade

fortalecer a sua própria autonomia. Essa situação ideal deve ser contrastada com
a de comunidades fechadas, que são incapazes de perceber ou responder com
flexibilidade a sinalizações externas e acabam por se esgotar por falta de
realimentação e apoio. Ou seja, se a universidade não se abrir à sociedade mais
ampla e não se articular com ela , dificilmente poderá defender -se,
corporativamente, dos ataques do neoliberalismo, e dificilmente incorporará a
população na luta pela defesa do ensino superior público, gratuito e de boa
qualidade, direito fundamental da cidadania.
Além da defesa do ensino público, gratuito e de qualidade e da
autonomia, à universidade estariam colocadas as preocupações com o
desenvolvimento sócio-econômico do país e com a democratização da sociedade.
A história do desenvolvimento econômico brasileiro e a
consequente industrialização do país mostram que as classes dominantes,
historicamente, valeram-se sempre da importação de técnicas estrangeiras. Não
houve esforços, nem no setor público nem no privado, no sentido de desenvolver
e elaborar tecnologia própria no país. Mas com uma indústria cada vez mais
tecnológica, como a atual, a elaboração de tecnologia torna-se um fator estratégico
tanto para o desenvolvimento econômico do país como para a democratização
da sociedade. Não pode haver capacidade de autodeterminação nacional nem
desenvolvimento econômico se o país não for capaz de produzir tecnologia
própria. E há muito mais em jogo, além do desenvolvimento industrial ou
empresarial. A inexistência de um sistema científico e tecnológico nacional interfere
não apenas na capacidade operativa das empresas, mas, também, com a própria
capacidade do país em elaborar e operacionalizar projetos sociais e políticos,
construir alternativas de vida, ampliar a qualidade de vida da maioria da população
etc. Em suma, esse fator interfere com todo o sistema cultural e social do país.
Como bem elucidou Romano, em seu texto, a universidade
encaminha-se para um tempo em que a sua própria essência será transformada
pelas revoluções científicas e tecnológicas , sobretudo nos campos das
comunicações e da informática, da cibernética e de outros progressos culturais.

5
Educação, Universidade e Pesquisa

Dessa forma, à universidade, enquanto instituição responsável pelo ensino e


pesquisa, caberia não apenas incentivar e aperfeiçoar a pesquisa científica, mas,
também , lutar social e politicamente para que essa atividade seja valorizada,
estimulada e alcance uma real estatura no Brasil .
Um dos quesitos essenciais desta tarefa consistiria na formulação,
por parte da universidade, de uma política para a ciência e a tecnologia. Essa
política deveria contemplar as relações com os organismos federais e estaduais
formuladores de políticas científicas que interferem , com os seus recursos e
diretrizes, na vida da universidade sem, contudo, que esta tenha qualquer posição
própria sobre o assunto, submetendo-se passivamente aos mesmos.
Romano aponta, em seu texto , as dificuldades encontradas para
a instauração da universidade no Brasil . E que, em seu desenvolvimento , a
universidade sempre tendeu a reproduzir a forma do poder central. Similar ao
governo da Federação, herança histórica do período republicano, há também na
universidade a eminência do executivo em detrimento dos demais poderes. No
modelo político nacional , trata-se da preponderância do governo sobre as
Assembléias, o que se caracteriza, primeiro, pela iniciativa e, segundo, pela
concentração em uma única pessoa da ação diretora governamental . A falta de
autonomia dos Estados perante ao governo central pode ser verificada pelo
fato de que, apesar das diferenças regionais, as Leis fiscais, criminais, civis,
educacionais etc. são as mesmas para todos eles. Essa norma que ignora os
diferentes costumes , recursos e fins das regiões obstaculiza toda aplicação coerente
de políticas públicas.
De acordo com Romano, as universidades oficiais nasceram
nos limites dessas práticas. Em muitos Estados, elas foram criadas para garantir
aos políticos, junto aos contribuintes, a marca do prestigio. E também para
propiciar instrumentos de comunicação de oligarquias com o núcleo da República.
Podemos verificar atos nesse sentido, conhecidos pela
comunidade acadêmica, como, por exemplo, o decreto da presidência da
República, datado de 1996 e, posteriormente, incorporado à LDB, que limitou

6
Universidade e sociedade

a participação de estudantes e funcionários em 30%, nas eleições e nos órgãos


colegiados, bem como fixou as inscrições nominais para reitor e vice e outros
cargos eletivos da universidade, o que se deu, fundamentalmente, para atender
reivindicações das oligarquias políticas da região Nordeste e para continuar
garantindo o poder de alguns políticos nas universidades desses Estados.
Em suma, estariam colocadas para a universidade , hoje, enormes
tarefas: a de desencadear uma vigorosa luta em defesa do ensino público, gratuito
e de qualidade; a de resgatar e ampliar o respeito pela ciência e a de lutar pelo
desenvolvimento sócio -econômico do país e pela democratização da sociedade.
A seguir, em seu texto, o Prof. Roberto Romano analisa, com
rigor e competência, várias questões e problemas colocados para a universidade
nos dias atuais.

7.
A UNIVERSIDADE NO PRÓXIMO MILÊNIO : BASES
HISTÓRICO - FILOSÓFICAS DA PESQUISA
Roberto ROMANO

A universidade se encaminha rumo a um tempo em que, talvez,


a própria essência universitária será transfigurada pelas revoluções científicas e
tecnológicas, sobretudo no campo das comunicações e da informática, da
cibernética e de outros progressos culturais. Mesmo numa sociedade alterada até
às suas bases, entretanto, nos próximos anos habitarão seres humanos dotados
de cinco sentidos. A pesquisa científica será dirigida para eles. Por seu intermédio,
ela receberá sentido e funcionamento. Não irei apresentar as bases do futuro,
mas pressupostos incluídos nos conhecimentos que definirão a face humana nas
próximas décadas. Tenho procurado exorcizar, em meus livros , a paixão
romântica do porvir, a qual possibilitou , em importantes movimentos
renovadores da sociedade, o esquecimento de um presente horripilante.
Os saberes que procuramos, na universidade atual, têm raízes
no pensamento grego. Na ciência helênica, os olhos são a origem da investigação.
Eles penetram os infinitos aspectos do cosmos e ultrapassam os espaços,
recolhendo o tempo e possibilitando, com a ciência dos números e da geometria,
a base para o conhecimento. Comunicar algo sobre estas experiências é tarefa
difícil, pois exige que se tenha o domínio de cada um de seus momentos, desde
a vista clara até a força para captar ou definir medidas, com as matemáticas. É
celebre o dito que teria sido posto no pórtico da Academia platônica : “ninguém
entre desconhecendo as matemáticas” .

A busca do saber, para os gregos, em todos os planos é tarefa


que se inicia e se realiza com os olhos. A palavra teoria, o exercício do olhar da
inteligência, surge deste conceito de pesquisa e de sua comunicação. Tudo pode
ser alvo de busca, mas na marcha do conhecimento existem níveis, tanto no que

Universidade de Campinas - Unicamp - SP

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p9-26
Educação, Universidade e Pesquisa

é procurado, quanto no modo de o adquirir. Quem faz ciência capta a luz dos
conhecimentos. Para isto, o sábio possui, entre muitas habilitações, a força de
sintetizar os elementos da pesquisa. Ele é um sinótico capaz de ver o todo, e não
apenas as parcelas da investigação e do mundo observado.
Desde o século 16 , entretanto, com a Renascença , os
procedimentos ao redor do método se beneficiaram de uma saudável
desconfiança no olhar, na teoria. No século 18 sobretudo, se determinou uma
nova representação do espaço, não estritamente platônica. Isto conferiu ao
espectador,
uma liberdade que antes não era pensável. Este como que se liberta do
seu lugar no espaço e pode agora jogar com ele, colocando-se em todos
os lugares, adotando as perspectivas e pontos de vista que lhe aprouver
... A óptica moderna autonomiza - se face à visão enquanto tal e passa a
conceber-se como ciência objetiva da luz, a qual encontra na geometria a
linguagem adequada e segura. Esta ruptura da solidariedade entre a visão
e o visível invoca a distinção entre o fenômeno da consciência e a sua
causa exterior, correlata, no plano óptico, da distinção ... entre sujeito e
objeto ” do saber. (Santos, 1994 )
Os olhos corporais não servem, a partir da Renascença, como
paradigma do verdadeiro. Novos instrumentos ópticos ampliam a própria visão,
corrigindo-a . Já Francis Bacon louvou as “ próteses ópticas” , o telescópio, o
microscópio, instrumentos destinados a corrigir a vista. Assim, os olhos deixam
seu papel hegemônico, e sofrem a concorrência dos outros sentidos. No século
18, em I. Kant e na filosofia das Luzes, especialmente na escrita de Denis Diderot,
a vista é corrigida pelos outros sentidos. Isto ampliou desmesuradamente a
necessidade e a importância da comunicação dos saberes.
Herder, grande pensador do século 18, notava o seguinte: cada
um dos nossos sentidos

tem a sua linguagem específica, os seus sinais, os seus tipos e esquemas.


E, com eles, também um diferente potencial de conhecimentos e de
10
Universidade e sociedade

mobilização afetiva. Cada sentido tem a sua ontologia específica. Sendo


o mais universal e o mais amplo dos sentidos, a vista tem contudo as
suas limitações. Depende das condições da luz e da visibilidade. Mas
onde falha a luz e a visão resta ainda lugar para outras modalidades da
percepção humana. (Herder citado por Santos, 1994)
Tal doutrina deve- se a Denis Diderot, o empreendedor da
Enciclopédia, o mais famoso monumento moderno, dedicado à síntese de todos
os saberes modernos, em física, matemática, medicina, política, geografia, etc.
Contra a metáfora óptica ( teórica), Diderot escreveu a Carta sobre os Cegos, texto
nuclear na moderna demolição da metafísica. O pressuposto da verdade, com
base visual, era a permanência do objeto verdadeiro. Só o que é e sempre será ,
pode ser pesquisado. Isto requeria a tese complementar da harmonia fundamental
da natureza e da sociedade humana.

Diderot recusou ao mesmo tempo o símile óptico para o


conhecimento e a idéia de ordem para o mundo físico ou humano. Segundo ele,
no princípio e no fim do conhecimento e da ação reside o caos. “ O sentido da
vista é o mais superficial”, diz a Carta sobre os cegos, um enunciado que fez tremer
todos os metafísicos antigos e modernos. Enquanto isto, o tato seria " o mais
profundo e filosófico ”. A economia dos sentidos é modificada de alto a baixo.
No mesmo golpe, inverte-se a busca do verdadeiro : não mais o que permanece,
ma o que muda e se transforma. “ O universo ", diz R. Niklaus comentando a
atitude filosófica de Diderot, " desde toda eternidade, toma formas diferentes
num devir incessante sem começo nem fim , enquanto nosso mundo finito segue
lenta mas inelutavelmente rumo ao seu próprio fim numa "depuração geral' ...
O presente, o passado, o futuro são apenas a soma do mundo que se torna um
com a eternidade. Mesmo para nós, há uma espécie de eternidade. Como diz
Diderot numa Carta a D'Alembert , 'Vivo, ajo e reajo em massa ...morto , ajo e
reajo em moléculas " (Diderot, citado por Romano, 1997 ).
É a mesma tese que Diderot enuncia na Carta sobre os Cegos:

11
Educação, Universidade e Pesquisa

Que sequência prodigiosa de gerações de efêmeros atesta nossa


eternidade! Que imensa tradição! Mas nós todos passaremos, sem que
se possa assinalar nem a extensão real que ocupamos, nem o tempo
preciso que tivermos durado. O tempo, a matéria e o espaço talvez sejam
um só ponto. (Diderot, citada por Romano, 1997)
Para Diderot, sobretudo a partir da Carta sobre os Cegos e da
Carta sobre os Surdos e os Mudos, não existe a supremacia dos olhos e os outros
sentidos não imitam a vista. Não há teoria hegemônica, nem especulativa. O
símile do conhecimento como reflexo, como espelho do real, não tem mais
razão de ser. É preciso, portanto, a tradução ativa de um sentido para outro.
Já se disse que os trabalhos diderotianos apenas copiam , ou só
consistem em plágios de Francis Bacon. Qualquer que seja o juízo sobre este
ponto , Diderot seguiu as propostas de Bacon sobre o método, e principalmente
sua crítica ao empirismo, de um lado, e ao dogmatismo intelectual, de outro.
Contra a idéia de intuição, um olhar do intelecto, Bacon indicou que a visão
sinótica em ciência é algo transitório, relativo, a ser modificado pelo trabalho do
pesquisador. E contra o empirismo, ele indicou que o pensamento conceitual
não pode estar alheio ao trabalho empírico. De qualquer modo, a recusa da
metáfora óptica é concomitante à tese do método, o novo órgão, onde os dois
lados, o conceito e o empírico seriam unidos, sempre de modo provisório e
incompleto.

É célebre a imagem do pesquisador, nos textos de Bacon, como


símile de animais. O puro empírico, diz ele, é como a formiga : sempre corta e
recorta a natureza e os atos humanos, mas nunca os sintetiza de modo a fazer
com que o conhecimento avance, sendo inteligível para os demais pesquisadores
ou para o público. No outro lado o metafísico, imaginando assegurar -se pela
intuição das essências, algo que só ocorre no interior do seu pensamento, sem
passar pela empiria, é como a aranha, extraindo de sua própria cabeça, telas
operosas e finas, mas que não resistem ao sopro da menor dúvida ou
contrariedade. O pesquisador correto, como a abelha, sai de suas próprias certezas,

12
Universidade e sociedade

segue para o objeto exterior, o recolhe e o transforma em conhecimentos lógicos


e em novos dados empíricos . Um trabalho importante, neste sentido, é o de
Paolo Rossi : "Ants, spiders, epistemologists” . In: Francis Bacon, terminologia e
fortuna nel XVII secolo. Seminario internazionale, a cura di Marta Fattori. Roma,
Ateneo, especialmente página 254 e seguintes.
A metáfora óptica, de origem grega, só conseguiu se estabelecer
como fonte legitimadora do conhecimento, porque era colocado o sujeito
humano como um império dentro do império natural. Retomando a Renascença,
Diderot indicou uma outra senda para a pesquisa.

A comunicação entre os sentidos dos homens, e entre os próprios


homens, a partir de Diderot, não pode mais ser reduzida ao nível zero. Os
ruídos de comunicação representam obstáculos inevitáveis, com as idiossincrasias,
os idiotismos. As comunicações -social e somática- correspondem cada uma, a
partir de agora, a uma arte. A primeira é inventada pelos homens, a segunda,
pela natureza .
Após Diderot, a junção dos sentidos permite dizer que não há
mais a idéia de espaço único, mas pelo menos cinco deles : o espaço óptico, o
tátil, o sonoro, o cinésico, o olfativo. Cada um deles, qualitativamente diferentes,
possui estrutura própria no homem. Se os sentidos operam de modos diversos
é porque eles são descontínuos. Assim, só é possível a " tradução ” de uns aos

outros, o que permite captar alguma simultaneidade entre nós e nós mesmos,
entre nós e o mundo. " Nossa alma é um quadro que se move, segundo o qual
nós pintamos sem cessar...o pincel executa em longo prazo o que o olho do
pintor abarca num só golpe”. A partir de agora, é preciso tatear a alteridade a ser
conhecida, sob pena de reduzi-la ao idiotismo do sujeito. Este mesmo sujeito, é
uma reunião instável de órgãos e de sentidos : 0 eu, arremata Diderot, " resulta
da memória, a qual liga um indivíduo à seqüência de suas sensações”. (Diderot,
citado por Romano, 1997) .
Deste modo, a pesquisa torna-se muito mais difícil, porque ela
supõe capturar a alteridade. Para isto, não é possível partir de um sentido
hegemônico, mas da reunião instável de cinco sentidos. Também não é possível

13
Educação, Universidade e Pesquisa

partir de um suposto sujeito inteiriço, mas de um sujeito caótico, que se dirige de


modos os mais diversos e recebe mensagens diversificadas de outros. O
pressuposto das trocas de todos os indivíduos humanos é o caos. A ciência e a
cultura, deste modo, tornam-se mais exigentes, incertas. Rompe-se a suposta
harmonia, ou o cosmos. A beleza é fruto do ser humano. Não esqueçamos que
kosmos liga-se a kosméo, que na lingua grega significa pôr em ordem , aproximando -se
também de enfeitar. Cosmos e cosmético têm fontes comuns. É este belíssimo
artifício, ou ilusão, que desaparece no século 18. A beleza, doravante, os seus
artifícios, não se encontram fora do trabalho humano, mas é seu fruto. O mesmo
para o verdadeiro e para o bem. O conhecimento em física, em moral, em
política, é atingido, mas o dogmatismo é refutado na sua raiz.
É impossível resolver, na proposta filosófica de Diderot, os
dilemas da pesquisa e de sua comunicação entre os homens. Como a unidade
sintetica dos saberes não é originária, mas resulta do trabalho de tradução de um
sentido para os outros, o equívoco, os ruídos, sempre existirão. Não por acaso
Diderot, um médico e filósofo, procurou investigar os surdos e os mudos, além
dos cegos. Seu alvo era definir alguns elementos para a tradução dos sentidos. O
remédio para a falta de comunicação entre os homens não seria encontrado,
pensa ele , fora da cultura, ela mesma resultado de uma arte, a de traduzir o caos
em cosmos efêmero, passageiro.
A universidade, nesta linha, permitiria formar o maior número
possível de indivíduos numa comunicação com força para reduzir os ruídos ao
máximo. Mas para isto, não poder-se-ia esquecer nunca a dificuldade da pesquisa,
devida ao elemento caótico. Na sua proposta de universidade para a Rússia,
Diderot propõe um campus onde nenhuma arte, e nenhum sentido, nenhuma
ciência, poderiam exibir hegemonia. Todos deveriam ser cultivados ao mesmo
tempo. E isto leva Diderot à proposta de uma junção entre saber erudito e saber
destinado à cidadania. Ele procura aproximar a linguagem comum da utilizada
nas universidades : " se queremosque os filósofos sigam em frente, aproximemos
o povo do ponto em que os filósofos estão ” . (Diderot, citado por Romano,
1997).

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Universidade e sociedade

Diderot tem plena consciência de que nunca o público e os


pesquisadores utilizarão uma só linguagem : " sempre existirão obras acima do
alcance comum dos homens” escreve ele. Mas para o filósofo, trata-se mais de
saber se convêm dar à filosofia (moral e ciências) “ uma linguagem, uma forma,
uma expressão que a tornem acessível a todos, ou pelo menos a todos que se
interessem por ela ativamente ”. Diderot, pois, se preocupa com a publicidade
do saber (Diderot, citado por Romano, 1997) .

Mas, antes de tudo, as modificações ideadas por Diderot na


economia dos sentidos ajudaram a diminuir as distâncias entre as ciências, as
artes, as técnicas. Com os instrumentos que surgiram recentemente na comunicação
dos saberes, temos um desequilíbrio acentuado entre os sentidos humanos,
novamente em proveito da vista, contra os demais.
Tomemos os computadores e do livro em CD -Rom , partes
estratégicas da chamada Information Technology. Em pequenos discos podem ser
reunidos os traços relevantes da cultura humana. Os filósofos, da Grécia aos
nossos dias, os artistas, os pesquisadores em todos os ramos da ciência, tudo
pode estar disponível, aos olhos dos estudantes e professores, bem como do
público em geral. Nada disto seria viável sem o concurso de todos os sentidos.
Voltemos um pouco a Diderot. Este, convicto popularizador
do saber, não dispensava a pesquisa mais profunda, por intelectuais, pelo contrário.
A sua “ Enciclopédia ” das ciências, artes e ofícios era raisonnée.Ou seja, cada um
dos artigos podia ser lido pelos que desejavam se introduzir num determinado
conhecimento, mas traziam informes preciosos para os eruditos e técnicos. Desta
face dupla vem a enorme repercussão da mesma Enciclopédia na vida moderna,
ao contrário da universidade, presa aos opostos: rígidos procedimentos dos
especialistas, e, de outro lado, a imprensa, comprometida com o que se esvai no
cotidiano.

Entre a Enciclopédia e o jornal, resistiu o livro como instrumento


de pesquisa e meditação sobre ela. Com o CD-Rom ou a Internet com seus
recursos, aparentemente, o nexo entre os três tenderia a desaparecer. Digamos

15
Educação, Universidade e Pesquisa

que os apologistas do ensino e da pesquisa dofuturo ainda precisam refrear seu


entusiasmo no computador.
Mesmo parasitas econômicos desse instrumento de pesquisa,
como Bill Gates, confessam com nitidez a sua insuficiência. Em volume editado
em 1995, escrito com a ajuda de um físico e filósofo, Natan Myhvold, e de um
jornalista, Peter Rinearson, confessa Bill Gates: " O livro, a revista ou o jornal
baseados no papel ainda tem vantagens diante do seu correspondente digital.
Para ler um documento digital ocorre uma aparelhagem informática como o
PC, em confronto com o qual um livro é pequeno, leve, com alta resolução e
com baixo custo ” . Deste modo, " para serem amplamente utilizados, os
documentos digitais não deveriam limitar-se a duplicar o velho meio de
comunicação, mas deveriam oferecer uma nova funcionalidade” (Gates, 1995,
p. 143 de seu The Road Ahead,citado por Montagnini, 1998).
Para que surja a requerida nova funcionalidade,entretanto, é preciso
o trabalho de invenção, o qual não aparece de repente, como algo criado por
um ser divino. E para que exista invenção, é preciso empréstimo do passado e
dos povos entre si, além de um ativo trabalho da imaginação coletiva.
Com as novas formas culturais é possível buscar um novo
equilíbrio entre os sentidos, e por conseguinte entre as artes e as ciências, bases da
pesquisa real nas universidades. Se não houver uma profunda meditação sobre
os vínculos da arte e das ciências, as primeiras podem ser tragadas pelo uso
rotinizado das segundas , em detrimento justamente da imaginação e da
sensibilidade, as quais coexistem com a inteligência técnica em íntima dependência.
O conhecimento visual, que opera na midia e nos instrumentos
como o computador, nega hoje a sua origem platônica como via de pesquisa.
Os cegos que diante de uma TV, ou de um PC, assistem impassíveis o bombardeio
de países, elogiando a precisão dos mísseis, sem olhar para os corpos estraçalhados
por eles, tornam-se cativos da opinião, e negam a ciência e a pesquisa. Assim , se
quisermos uma universidade, ou qualquer instituição que a substitua no próximo
século , onde exista pesquisa, isto é , não conformismo com a mentira ,

16
Universidade e sociedade

de modo que um caminho é unir, sempre, os nossos cinco sentidos, as artes e as


ciências, a política e as técnicas.
Mas os senhores pediram -me que falasse sobre a universidade
brasileira, com a sua história e perspectivas futuras. Em 1930 escrevia Roman
Jakobson, grande lingüista russo: (Jakobson & Pomorska, 1985) .
Lançamo-nos em direção ao futuro com excessivo ímpeto e avidez
para poder salvaguardar algum passado. O laço dos tempos rompeu -se.
Vivemos demais no futuro, nele pensamos demais, acreditamos nele,
não temos mais a sensação de uma atualidade que se baste a si mesma,
perdemos o sentimento do presente ...

Quem assim escreve, testemunhou o fim dos sonhos igualitários


e democráticos, e sua traição por realistas que exerceram uma das mais duras
tiranias políticas da história humana, na extinta União Soviética, hoje Federação
Russa, país dominado pelo medo. O futuro, alí, se reduziu ao passado miserável.
Quanto a nós, a mentira expõe nossa pátria, até hoje, como
terra do futuro, enquanto entre nós impera o pretérito em figurações
fantasmagóricas de oligarcas e coronéis, com as mais variadas máscaras. Antes
de rumar para o que virá, no imaginário, vejamos, em largos traços, o que formou
nosso pensamento e nossa prática até hoje.
Evocarei, agora , as nossas aporias enquanto Estado federativo.
Depois, tentarei expor alguns traços éticos e políticos que representam obices
poderosos contra a própria idéia federativa e democrática entre nós. Finalmente,
indicarei alguns traços políticos e acadêmicos que podem servir enquanto formas
possíveis nos ensaios, no meu entender difíceis, de superar o status quo nacional,
na política e nos campi .
Tudo, na Federação brasileira, preserva a ausência de autonomia
do coletivo cidadão e dos poderes menores diante do Executivo nacional . No
Parlamento agrupam-se políticos que se definem como intermediários. Seu interesse
não é o de atenuar o poder excessivo do governo, mas o de com ele jogar, se

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Educação, Universidade e Pesquisa

necessário até com chantagem , para definir seu próprio controle regional ou
local, a cada vez mais excessivo.

Desde a Colônia, por outro lado, a unidade política de nosso


país foi garantida pelas Forças Armadas e pela diplomacia. A Igreja Católica
colaborou bastante neste mister. Os exércitos da Corte aniquilaram as tentativas
de autonomia absoluta, de Norte a Sul . Além deste lado coativo, as Forças
Armadas assumiram papéis supletivos na instauração de serviços públicos,
essenciais à integridade do Estado e das populações. O poder central, através da
diplomacia, resolveu delicadas questões surgidas com a repressão guerreira. O
Duque de Caxias e o Barão do Rio Branco, são personalidades simbólicas destas
duas instituições que garantiram o Brasil e o seu governo.
O pensamento positivista, que excelentes frutos produziu entre
nós, foi um dos responsáveis, entretanto, pela concentração excessiva do poder
no Executivo. Eles recusavam a democracia eletiva, pregando a ditadura dos
intelectuais competentes, unidos aos empresários e banqueiros. Há em Augusto
Comte uma tese que julgaríamos nova, caso a víssemos estampada nos jornais.
Cito o teórico : “ Em cada república particular o governo propriamente dito,
isto é, o supremo poder temporal, pertencerá naturalmente aos três principais
banqueiros, respectivamente dedicados de preferência às operações comerciais,
manufatureiras, e agrícolas” (Catecismo Positivista).
Algo no programa positivista sobre o Estado é estratégico para
a universidade em nosso país. Trata -se da eminência do Executivo contra os
demais poderes. No positivismo, semelhante ditadura foi nuclear, herança mantida
e ampliada ao longo de nossa história republicana. Trata - se da
preponderância do Governo sobre as Assembléias, preponderância que
se caracteriza sobretudo pela iniciativa ; e, em segundo lugar, pela
concentração numa única pessoa dessa ação diretora governamental (Pierre
Laffite).

Esta noção se transformou em prática sobretudo no Exército, onde o programa

18
Universidade e sociedade

positivista encontrou a mais larga audiência. A colaboração da Escola Politécnica


no impulso aos batalhões de engenharia, e a aplicação direta de saberes por
militares na defesa nacional deve-se a esta atitude centralizadora, baseada em
conhecimentos seguros em termos técnicos e científicos.
Nada a estranhar se os engenheiros militares, com seus pares
civis positivistas, émulos de Luiz Pereira Barreto, tenham formado a espinha
dorsal dos planos científicos e políticos, durante muitos governos republicanos ,
mesmo na ditadura Vargas, a qual abriu os primeiros espaços para uma experiência
em grande escala de produção científica e técnica com bases nacionais. Como
disse Fernando Henrique Cardoso , os oficiais militares (Cardoso, 1975, p. 30 )
constituiam um grupo educado que passava boa parte de sua formação
nas cidades e que se define profissionalmente por sua relação com o
Poder ...sacerdotes de um culto que lhes era familiar, o do Estado
Na consciência militar brasileira, temos as metas de concentrar a ciência e a técnica,
conseguir a tutela do poder civil , impor a eminência do executivo, engendrando
intelectuais que se definem pelo culto ao Estado e pelas iniciativas neste plano.
Assim, os positivistas tudo fizeram para que não fosse instaurada
a universidade no Brasil . Segundo eles, o nosso país estaria submetido à
mentalidade teológica, a Igreja Católica, e também sofreria ameaça de um regime
liberal democrático. A Igreja representa, no pensamento positivista, uma era já
ultrapassada no saber e nas técnicas, a era teológica. Os liberais também vivem
com o cérebro cheio de fantasias de uma outra era ultrapassada, a idade metafísica,
com suas idéias ainda não positivas de " direitos”, “liberdade” etc. Se a universidade
fosse instituida, pensavam eles, antes das escolas técnicas que melhoraria o padrão
de conhecimentos das populações, a Igreja e os liberais teriam uma praça de
guerra contra o programa estatal e científico positivista. Analisei todos estes pontos,
somados ao que fez o ideário liberal e católico em vários livros. O mais recente
de meus estudos, encontra- se no volume coletivo, intitulado A Crise da
Universidade (Dória, 1998) .

19
Educação, Universidade e Pesquisa

Importa sublinhar o seguinte, por relevante : com o reforço


absoluto do poder central, não conseguimos realizar uma federação como a
norte americana. Nesta última, existem diferenças legais e de poderes, de Estado
para Estado. Um deles possui determinada lei educacional num sentido, outro a
tem em sentido oposto. O mesmo ocorre em todos os outros setores, fiscais,
criminais, civis. Em nosso caso, temos a uniformidade rígida das leis que definem
os assuntos de ensino, saúde, educação, pesquisa, ciências. Elas recolhem culturas
diversas, as das regiões, com universalidade autoritária. Esta norma que ignora
os diversos costumes, recursos, e fins das regiões, emperra toda aplicação coerente
de políticas públicas. Temos de um lado a hegemonia do governo central,
açambarcando recursos. De outro , a presença dos intermediários. E finalmente, a
rigidez de um universalismo que nega as instancias médias de poder e de cultura,
As universidades oficiais brasileiras nasceram nos limites de todas
essas práticas. Em muitos Estados, elas foram criadas para garantir aos políticos,
os intermediários, junto aos contribuintes locais ou da região, a marca do prestígio.
E também para propiciar instrumentos de comunicação de oligarquias com o
núcleo da República. Isto, num prisma. Em outro, elas surgiram com a marca da
identificação abstrata com todas as suas congêneres, do Oiapoque ao Chuí. Presas
às normas legais e disciplinares do Executivo federal, mas importantes porque
representam signos prestigiosos, além de cumprirem grave papel na economia e
na cultura, as universidades públicas dependem de múltiplos modos do modelo
político nacional.
Se atentarmos para o fato de que todas elas mimetizaram a
forma do poder central, ou seja, rumaram interna corporis para a hegemonia do
Executivo, negociada com o Legislativo, veremos que entra, na ausência de
autonomia, outro fator. Os reitores, dada a opção preferencial pela iniciativa
neles presente, e não nos colegiados, encontram-se numa situação bastante
estranha. Nomimalmente, possuem grande soma de poder decisório. Mas acham
se presos à cadeia normativa indicada, no rumo vertical, e precisam negociar
permanentemente, e muito poucas vezes em sentido puramente acadêmico, cargos,
posições, verbas, com os grupos poderosos que mantêm influência nos campi e
20
Universidade e sociedade

nas instancias superiores do poder central e regional.


Nossas universidades públicas trazem o selo da forma política
nacional : nelas, também o executivo é onipotente em termos nominais. Mas,
por outro lado, ele impede a partilha real do mando com instancias representativas.
Um reitor pode cumprir, e muitos o fizeram , o papel de intermediário eficaz
junto ao poder central. Com isto, enquanto ele e seus grupos de influência
permaneceram à frente de suas universidades, as verbas chegaram , os caminhos
se abriram. Passado este tempo, vieram as vacas magras. Como a cada vez uma
ou algumas apenas destas universidades conseguiam este tipo de liderança, e
representavam , nos planos do governo federal, área estratégica, cada uma delas
crescia e se orgulhava com seus ganhos, sem prestar atenção no fato de que
iriam ser, amanhã, o que a sua semelhante estava sendo na desgraça : meio
empobrecido que restou depois que o poder central ficou saciado.
O modelo centralizador brasileiro, em todos os planos, do fiscal
ao das leis, nos coloca na dependência do setor de poder mais intimo da estratégia
do governo. Desde o regime castrense, os ministérios econômicos ergueram -se
ao plano de núcleo decisório de todas as políticas. Assim, todos os demais
ministérios e funções encontram-se a eles subordinados. Com a crise atual, por
exemplo, o Ministério de Ciências e Tecnologia, com as fundações que dele
dependem, tornou-se um fantasma. O mesmo no plano da Educação.
Esses procedimentos se alicerçam na ética do poder sem peias
para quem está no mando, e de brutalidade para quem não está nos gabinetes.
Mas tais modos só se mantêm e prosperam , porque a espinha universitária
costuma ser o instrumento mais flexível do mundo.
Quem é dominado, nunca pode ser autônomo. Mas entre nós
uma correia autoritária define todas as políticas nacionais, ou anti nacionais. Esta
correia se sustenta, como antes enunciei, nos costumes políticos que produzem
os mediadores regionais e os costumes centralizados e oficialistas, o que impede
qualquer autonomia. Sem que este ethos se modifique e uma prática federativa e
democrática se imponha, não será possível encaminhar de modo real o problema

21
Educação, Universidade e Pesquisa

da autonomia universitária. A universidade é universal, mesmo sendo um bem


do município, do Estado, do governo centralizador. Estando no Sergipe ou em
São Paulo, ela tem como obrigação e gosto pensar os problemas humanos no
mundo e no Brasil, sem fronteiras. Mas para obter esta universalidade, é preciso
o caminho que vai do universal ao particular, ou seja, do mundo ao Sergipe, e
vice versa. Do modo como a universidade se pauta hoje, nem regional nem
mundial.

Desde outubro de 1997 a equipe econômica de Brasília arrancou


da pesquisa, da ciência e tecnologia no Brasil uma quantia de muitos milhões de
dólares. Com os cortes, a Capes e o CNPq deixaram de funcionar em termos
efetivos. As promessas do presidente reeleito de elevar a quantidade de aplicação
em C/T ao cume de 2% do PIB mostrou-se errônea.
No Estado de São Paulo, entretanto , graças à autonomia da
Fapesp e à autonomia relativa das três instituições oficiais de ensino superior,
conseguiu -se assegurar uma aplicação de 0,93 do PIB estadual em Ciência e
Tecnologia, o que significa 34,8% dos gastos nacionais no setor. São Paulo
responde pela formação de 68% dos doutores nacionais. 40% dos mestres gera
49% dos trabalhos científicos do Brasil, respondendo por 60% das patentes
concedidas (dado de 1996 ) na Federação.
Note -se que o orçamento unido das três universidades paulistas,
equivale a um quarto dos recursos (US$ 1,3 bilhão) destinados a todas as
universidades federais. Com base em 1995 , São Paulo tem 35% de todo gasto
nacional em Ciência e Tecnologia. De 1994 até hoje, a importação de tecnologia
( via pagamento de assistência técnica) foi de US$ 36,32 milhões para US$ 269,97
em 1996, representando 64, 09% do total movimentado no país.
Peço aos senhores que esqueçam os números, e se concentrem
na autonomia. Tomarei o Rio Grande do Sul. Enquanto São Paulo destina US$
317 milhões aos seus Institutos de Pesquisa, os quais ainda recebem pouco e
estão ameaçados na continuidade de seus trabalhos, e à Fapesp, o Rio Grande
do Sul repassou US$ 32,37 milhões para as fundações ligadas à Fapergs. Apesar

22
Universidade e sociedade

do aumento das alocações, de US$ 27,3 milhões em 1995 para US$ 48,5 milhões
em 1997, é muito insuficiente . Nos dias de hoje, a Fapergs tenta recuperar este
desvio, com muita dificuldade.
A Federação aplica US$ 23,51 milhões em Ciência e Tecnologia
em São Paulo. O Estado de São Paulo, por sua vez , gasta US$ 317,08 milhões. O
Orçamento das três universidades oficiais daquele Estado, como referido, atinge
os US$ 1.586,12 milhões. Em 1995, a Fapesp, o CNPq, Capes e Finep aplicaram
aproximadamente US$ 322,4 milhões nas universidades estaduais paulistas e US$
43,2 milhões nas federais. Todos estes dados podem ser conferidos na publicação
da Fapesp, " Indicadores de Ciência e Tecnologia em São Paulo", de 1998.
Embora não tenham autonomia plena, as três universidades de
São Paulo, com a relativa, apresentam muito conhecimento técnico e científico.
A Fapesp, graças a um dispositivo legal, proclamado pela Assembléia do Estado,
mantém a sua autonomia financeira e administrativa. Importa, e muito, notar
que o próprio mandamento de autonomia universitária, da Constituição Federal
de 1988, teve a marca da FAPESP. O deputado Florestan Fernandes, professor
da Usp, ao labutar com aquele preceito, teve em vista assegurar em plano absoluto
a autonomia conquistada pela FAPESP em São Paulo .
Mas as universidades públicas devem entrar no orçamento
federal, estadual, municipal. A analogia entre a Fapesp e os campi não é perfeita .
E aí surgem os problemas de operacionalização financeira da autonomia
universitária. Só grande competência jurídica, aliada ao espírito democrático e
ao respeito pela ciência e pelo ensino superior, poderão encontrar uma saída
legal e legitima para estes problemas. Não é isto o que se nota nos acenos e
ameaças do governo, nem o que se vê nas ações universitárias e nas associações
docentes nacionais e regionais. E não é isto, o que se indica no Plano Nacional de
Educação do Governo, apenso ao da oposição e da comunidade acadêmica,
esperando para ser discutido e votado pelo Parlamento. E não é isto o que
podemos ler nos anteprojetos de regulamentação da autonomia universitária,
expostos pelo MEC até agora.

23
Educação, Universidade e Pesquisa

O quadro da Fapesp e das universidades paulistas não impera


nas outras universidades oficiais do país e dos Estados, nem, diga-se, no plano
das Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa. Pelo contrário. Por falta de
autonomia, a Fapergs, já citada, recebe apenas 25% do que foi definido por lei
(1,5 da receita líquida do Tesouro ), ou seja, R $ 10,72 milhões em 1997 , quando
a cifra deveria ser mais de R $ 40 milhões . O Executivo estadual devia , até 31 de
dezembro de 1997 , para a Fapergs, cerca de R$ 129, 81 milhões . Cf. Jornal
Adverso , Associação de Docentes da Universidade do Rio Grande do Sul, 2a
quinzena de outubro de 1998 , página 08. E nem falamos na vergonha do Maranhão
e da Bahia , que simplesmente apagaram de suas leis uma Fundação de Amparo
à Pesquisa.
A autonomia das instituições de fomento à ciência e à técnica,
no Brasil, longe de ser um problema apenas acadêmico, integra a pauta da
sobrevivência e expansão do país. Tudo mostra que a demasiada dependências
daquelas instituições face ao Executivo (por exemplo, é teratológico que um
Ministro das Ciência e Tecnologia, Bresser Pereira, tenha nomeado a si mesmo
dirigente máximo do CNPq) e dos ministérios econômicos, leva à uma perigosa
descontinuidade no fomento e na produção de saberes e também na formação
de mão de obra qualificada. Sem os dois traços, torna-se impossível uma política
coerente e responsável em termos universitários e de ciência e tecnologia.
Para manter e aumentar a importância brasileira no quadro
internacional, e para que nosso país tenha existência efetiva, no próximo milênio,
urge pensar uma autonomia plena e responsável das universidades e dos
organismos de fomento à produção de saberes e técnicas, em nosso território
federal.

Referências Bibliográficas
CARDOSO , F. H. Dos governos militares a Prudente de Moraes. In: FAUSTO, B. (Org.)
História da civilização brasileira. São Paulo: DIFEL, 1975, t. 3., v . 1 .
DÓRIA, F. A. (Ed.) A crise da Universidade. Rio de Janeiro:Revanra, 1998 .
24
Universidade e sociedade

JAKOBSON , R., POMORSKA , K. Diálogos. Trad. Elisa A. Kossovitch. São Paulo :


Cultrix, 1985.

MONTAGNINI , L. Comunicazione 'Ipermediale e cultura umanística . La critica


sociologica. La Critica Sociologica, n. 127, p.13-27, 1998.
ROMANO, R. Silêncio e ruído. a sátira em Denis Diderot. Campinas: Unicamp, 1997.

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SANTOS, L. R. Metáforas da razão, ou economia poética do pensar kantiano. Lisboa: Funda
ção Calouste Gulbenkian / Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica,
1994.

25
Organização do Conhecimento
ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO : ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES PARA O TRATAMENTO TEMÁTICO DA


INFORMAÇÃO
Mariângela Spotti Lopes FUJITA '

O campo da organização do conhecimento na área de


Biblioteconomia está baseado em fundamentações teóricas já desenvolvidas sobre
classificação e tesauros, com especial ênfase na contribuição da teoria de
Ranganathan acerca da análise em facetas em colaboração com a terminologia.
Pretende seu uso para todo tipo de organização e representação do conhecimento .
Para conduzir os estudos sobre organização do conhecimento foi criada a ISKO
(International Society for Knowledge Organization) em 1989.
Baseada em práticas e atividades significativas de armazenagem
e recuperação de documentos no decorrer de um processo de aperfeiçoamento
da sistematização do conhecimento humano, a organização do conhecimento
tem suas origens na criação, por bibliotecários, de sistemas de classificação como
instrumentos de organização temática de documentos para armazenagem .
Os sistemas de classificação idealizados com base em concepções
da teoria do conhecimento, marcam os primórdios da organização do
conhecimento em Biblioteconomia e Documentação. Embora adotados pela
grande maioria de unidades de informação, tais como bibliotecas e centros de
documentação, os sistemas de classificação apresentam problemas para
organização do conhecimento, principalmente, no tocante a inflexibilidade
hierárquica de assuntos e sub-assuntos contida em suas grandes classes.
Este aspecto bastante controverso da classificação de
documentos e dos sistemas de classificação em adotar um esquema mais geral

Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Unesp - Campus de Marilia; Líder do Grupo


de Pesquisa Tratamento Temático da Informação. Pesquisadora do CNPq (e.mail:
goldstar @ unimedmarilia.com.br)

29

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p29-34
Educação, Universidade e Pesquisa

de assuntos sistematizando o conhecimento humano em grandes classes, deu


margem a necessidade de tratamento mais especializado de assuntos. Um outro
aspecto a ser considerado diz respeito a interdisciplinariedade dos assuntos,
impossível de ser tratado pelos sistemas de classificação, devido ao já citado
problema de inflexibilidade de suas hierarquias de assunto.
Destaca-se, então, os estudos em torno de uma teoria da analise
em facetas preconizada por Ranganathan, um bibliotecário indiano, através da
publicação, em 1933, da Colon Classification, um esquema de classificação baseado
no principio que ele denominou de analise em facetas.
As idéias de Ranganathan , embora pouco aplicáveis, formaram
a base para o desenvolvimento da analise em facetas e influenciaram ,
profundamente, os estudos de classificação para organização do conhecimento,
que recebeu, em continuidade, reforço de outros estudiosos empenhados em
repensar a organização do conhecimento mediante o respeito a necessária
especialização e interdisciplinariedade dos assuntos.
Os estudos decorrentes do desenvolvimento da teoria da analise
em facetas,conduzidos, principalmente, por Coates, Farradane, Foskett e Vickery,
deram margem a produção de sistemas de classificações especializados e aos
tesauros como linguagens documentarias voltados para o contexto das áreas de
assuntos em perspectiva interdisciplinar.
Vickery (1980) expõe mais apropriadamente que a analise em
facetas e a “ analise conceitual de um assunto para se escolher, do numero ilimitado
de características pelas quais ele poderia ser dividido, as que forem mais
significativas para o estudo e aplicação do mesmo.”
A analise em facetas, portanto, possibilitou que os assuntos
pudessem ser analisados de diferentes aspectos conforme o contexto ambiental
ou temático , trazendo para a classificação e para a Biblioteconomia uma condição
teórica que exigiu um relacionamento com outras áreas do conhecimento
envolvidas com o objetivo da organização do conhecimento, para

30
Organização do ronbecimento

aprofundamento de seus aportes teórico-metodológicos . Isso propiciou a


interdisciplinariedade, principalmente, com a Lingüistica aplicada e a Terminologia,
a Informática e Inteligência Artificial, a Psicologia e os estudos psico -lingüísticos
na linha cognitivista, a Filosofia e a Semiótica.
Em análise de literatura sobre organização do conhecimento, os
resultados mostram a crescente importância dos temas de representação e
organização automatizada do conhecimento, incluídos os sistemas de classificação,
a necessidade de um tesauro universal, a busca de novas estruturas para a
organização do conhecimento e a preocupação sobre a qualidade em indexação
e catalogação temática. Nesse âmbito, recomenda- se uma colaboração mais estreita
com os terminologos dentro dos critérios de análise facetada.
Entre o lado de fundamentação teórica e o lado mais aplicado
dos estudos de organização do conhecimento, qual seja a construção dos
instrumentos de organização e recuperação, esta o esforço critico da área de
Biblioteconomia e Documentação em catalisar os mais significativos estudos
teóricos e necessária interdisciplinariedade com áreas de conhecimento afins para
sua consolidação teorico-conceitual através da organização do conhecimento .
Neste contexto, o Grupo de Pesquisa Tratamento temático da
informação, vem atuando cientificamente no Brasil em consonância com outros
grupos de pesquisa que mantém articulação por meio de publicações e andamento
de pesquisas. E composto por pesquisadores do Departamento de
Biblioteconomia e Documentação da Faculdade de Filosofia e Ciências da
Unesp - Campus de Marilia e seus orientandos de graduação e pós-graduação.
Com uma composição interdisciplinar de áreas de formação de seus membros,
encontram-se nas pesquisas a possibilidade de interface com Direito,
Biblioteconomia, Arquivologia, Diplomática, Linguística e Literatura .

Integrantes do Grupo: Dra . Mariangela Spotti Lopes Fujita ( lider), Dr. Jose Augusto Chaves
Guimaraes, Dra. Maria Isabel Asperti Nardi, Profa. Maura Duarte Moreira Guarido.

31
Educação, Universidade e Pesquisa

As temáticas abordadas no grupo estão contidas em quatro


linhas de pesquisa que agregam projetos de pesquisa em desenvolvimento
individuais ou integrados:
1 Leitura para tratamento da informação :
O
estudo dos fundamentos teórico-práticos da leitura para fins de análise
documentária no tratamento da informação;
investigar as estratégias de compreensão de leitura para diferentes áreas de
assunto e tipos de estrutura textual;
investigar o uso de técnicas de coleta de dados introspectivos na área de
leitura em análise documentária (processo de compreensão do texto escrito,
processo de compreensão de metáforas no texto escrito, a leitura estratégica
na análise documentária; metapesquisa: investigação sobre o uso de técnicas
de coleta de dados introspectivos na área de leitura em análise documentária)
2 Linguagens documentárias hierárquicas e alfabéticas em assuntos
especializados
.
estudo teórico -metodológico para elaboração de linguagens documentárias
em áreas especializadas
avaliação de linguagens documentárias
3 Metodologia de análise e condensação de documentos
investigar diferentes tipologias documentais em áreas técnicas
criar metodologias específicas de indexação e de resumo em diferentes
documentos técnicos
analisar a interface diplomática e análise documentária
4 Organização do conhecimento
O
Discutir os fundamentos teóricos para suporte aos processos de leitura, análise
e representação.
A finalidade de suas linhas de pesquisa, desenvolvidas através
dos projetos de pesquisa temáticos, e a identificação, processamento e
disponibilização do conteúdo informacional de diversificados suportes
documentários. Para tanto, baseia-se nos elementos teóricos da Organização do
conhecimento, enquanto área interdisciplinar, para o desenvolvimento dos
procedimentos de leitura e de análise temática visando à geração de produtos
32
Organização do conblecimento

documentários (resumos e índices) e tendo como ferramentas as linguagens


documentárias alfabéticas e hierárquicas ou notacionais.
Para destacar a importância dos índices e resumos, podemos
considera-los presentes no cotidiano humano, como por exemplo o indice
telefônico. De forma mais especializada, estão presentes, também, nos catálogos
de bibliotecas, nas bases de dados bibliográficas e textuais, por trás dos serches
da internet, em livros, etc. e servem à uma finalidade bastante precisa: acesso e
recuperação da informação desejada a qualquer momento.
Considerando a importância da temática e o interesse do Grupo
de pesquisa de Tratamento Temático da Informação em desenvolve-la mais
profundamente para apoio teórico de suas outras linhas, foi indicada a composição
da mesa temática denominada Organização do Conhecimento com a participação
dos Professores e Pesquisadores José Augusto Chaves Guimarães (Unesp -
Campus de Marilia) e Mário Barite (UNIVERSIDAD DE LA REPUBLICA ,
Uruguay ), ambos envolvidos em pesquisas na temática abordada.
Os dois pesquisadores organizaram seus trabalhos para esta mesa,
que tem a finalidade de apresentar a temática de Organização do Conhecimento dentro
da área de Biblioteconomia e Documentação. Para isso, esclarecem as origens e
as causas do aparecimento da organização do conhecimento, procurando
demonstrar sua contextualização .

A principal importância da temática destacada por Barite, faz


parte de um esforço da área de Biblioteconomia e Documentação em estabelecer
um novo marco teorico - conceitual, que traga subsídios a consolidação de sua
fundamentação teórica. Para isso, seu trabalho propõe que a Organização do
Conhecimento seja tratada como disciplina cientifica a partir do que ele identifica
como dez premissas e duas tendências teóricas.
Por outro lado, Guimarães destaca os aspectos de ensino e
pesquisa em Organização do Conhecimento descrevendo, principalmente, a trajetória
dos Cursos de Biblioteconomia do Brasil e América Latina no tocante a evolução

33
Educação, Universidade e Pesquisa

teorico -metodologica das disciplinas de tratamento temático da informação e


das pesquisas desenvolvidas por seus docentes sob influencia da temática.
Os dois trabalhos apresentados dão conta das origens e percurso
teórico - prático da Organização do conhecimento, destacando, essencialmente,
o que significa para a área de Biblioteconomia seus aportes teóricos para o
desenvolvimento conceitual, conjunto de pesquisas e ensino voltado ao
aperfeiçoamento da formação profissional mais investigativa e crítica.

Referência Bibliográfica
VICKERY, B. C. Classificação e indexação nas ciências. Trad. de Maria Christina
Girao Pirola . Rio de Janeiro : BNG /Brasilart, 1980 .

34
ORGANIZACIÓN DEL CONOCIMIENTO : UN NUEVO MARCO
TEÓRICO - CONCEPTUAL EN BIBLIOTECOLOGIA Y
DOCUMENTACION

Mario BARITE I

1 Introduccion .

Recibo como un altísimo honor la invitación a participar como


palestrante en este III Simposio de Filosofia y Ciencia, en el Campus de Marília
de la Unesp. Quiero agradecer a los organizadores y a mis apreciados colegas y
amigos del Departamento de Bibliotecología y Documentación, en especial al
Prof. José Augusto Guimarães, por esta posibilidad de estar con ustedes.
Me ha correspondido hablar sobre un tema que no parece tener,
por su grado de abstracción, conexiones prácticas con el trabajo profesional en
el área de las ciencias de la información : la propuesta de un nuevo marco teórico
conceptual para la Bibliotecología en general, y para el área de procesamiento de
la información en particular. Pero ningún marco teórico -conceptual resulta válido
y eficaz si no está directamente articulado con necesidades y exigencias reales de
esa práctica profesional o disciplinaria y con la solución de problemáticas
significativas. En nuestro caso, esas necesidades y exigencias están vinculadas a las
inmensas dificultades que hemos tenido históricamente -y más aún desde que las
nuevas tecnologías han proporcionado una nueva dimensión del acceso a la
información para establecer sistemas satisfactorios de representación temática
(es decir, clasificación, indización, organización temática) de documentos en
bibliotecas y centros de documentación.
Hemos pasado décadas debatiendo sobre estrategias vinculadas
en torno a la oposición y / o la complementación entre lenguaje natural y
vocabularios controlados, recibiendo y tratando de resolver las quejas de nuestros
usuarios en torno a la pertinencia y claridad de la terminología elegida para

Licenciado en Bibliotecología y Escribano Público. Docente e investigador en la Escuela


Universitaria de Bibliotecología de la Universidad de la República ( Uruguay). Director actual de esa
institución .

35

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p35-60
Educação, Universidade e Pesquisa

simbolizar el contenido de los documentos; y luchando también contra nuestras


carencias de formación respecto a cuestiones lingüísticas, epistemológicas y
metodológicas.
Ello ha tenido que ver con las fases de nuestro desarrollo
disciplinario. Nos guste o no, debemos aceptar que todavía estamos saliendo de
un largo período pre- científico, en donde prevalecieron esencialmente aspectos
empíricos de trabajo: rutinas, métodos un poco mecánicos, la sumisión extrema
a las reglas y los sistemas de catalogación y clasificación de documentos que
fueron generalizados desde la perspectiva positivista y pragmática de la escuela
norteamericana.
Sólo en tiempos muy recientes, se ha comenzado a dar el salto
hacia un nuevo estadio de evolución, primero desde las universidades y luego en
espectros más amplios de la práctica profesional , que permiten integrar teorías,
métodos y herramientas desde otras disciplinas, como la Administración , la
Informática, la Sociología y la Comunicación . En un proceso paralelo, nuestra
masa crítica (todavía escasa y vacilante) pudo avanzar sobre cuestiones vinculadas
a la información como objeto de estudio, sus principios, postulados y aplicaciones.
Sólo entonces hemos sido capaces de entender que había ciertas leyes que regulaban
los procesos de generación, organización , transferencia y utilización de la
información, y que esas leyes podían ser descubiertas y evidenciadas.
Si es cierto , como dice Shera ( 1990, p. 115), que
el objetivo de la biblioteconomía en cualquier nivel intelectual que opere,
es llevar a un punto de máxima eficiencia la utilidad social de los registros
gráficos humanos, independientemente de que el usuario al que se sirve
sea un niño absorto en su primer libro de imágenes, o el más avanzado
investigador comprometido con alguna investigación profunda
Ese objetivo sólo podrá alcanzarse en la medida en que el
bibliotecario -documentalista (mediador de conocimiento esté en completo

36
Organizaçãodecombecimento

dominio de su especialidad, y de las posibilidades que la misma le brinda. Y eso


no se obtiene sólo mediante el aprendizaje de un conjunto de técnicas rutinarias
de trabajo, sino integrando nuestro quehacer bajo determinadas
conceptualizaciones y sistemas de ideas: bajo un marco conceptual.

¿Qué nos proporciona efectivamente un marco teórico


conceptual? Naturalmente, sustento teórico, es decir, “ conocimiento especulativo ”
e " hipótesis cuyas consecuencias se aplican a toda una ciencia o a una parte muy
importante de la misma ” (Drae, 21 ° ed. en CD-ROM, 1995). Las teorías procuran
establecer un sistema unitario y coherente de pensamiento con una concepción
macro ; son comprensibles y verificables; permiten explicar determinados tipos
de fenómenos; proporcionan criterios, principios , técnicas y procedimientos
generales para solucionar casos particulares . También aportan referentes
ideológicos, filosóficos o éticos.
La existencia de marcos teórico - conceptuales presupone de un
modo directo un espacio consolidado como ciencia (en el sentido lato del
término ), y contribuye a situar en ese rango a las Ciencias de la Información.
Pasaremos, en esta ocasión, por encima de muchas preguntas
que podríamos hacernos, como ser:
¿qué relación existe entre la noción de marco teórico y la de paradigma?
¿cuáles son los marcos teórico -conceptuales que existen en la Bibliotecología
y la Documentación ?
o más crudamente, ¿ existen marcos teórico- conceptuales propios en
Bibliotecología y Documentación ?
y si existen, ¿los conocemos bien?, ¿los aplicamos?, ¿o son lucubraciones
abstractas destinadas al juego intelectual de los pesquisadores universitarios?
Sentimos que podemos pasar por encima de esas cuestiones
porque pertenecemos a una disciplina en pleno proceso de madurez, que está
haciendo un fuerte ejercicio de reflexión sobre su área de dominio, y que en ese
contexto sobrevivirá y se desarrollará forjando, revisando y profundizando sus
marcos conceptuales, en relación con sus prácticas más significativas.

37
Educação, Universidade e Pesquisa

2 La Organización del conocimiento.


Para introducir el tema, cabe decir que en Bibliotecología y
Documentación existen tres grandes sub-áreas de desarrollo profesional: lagestión
de unidades de información, el tratamiento de la información,y la gestión del uso social de la
información. Cada una ha ido configurando un perfil particular y hasta una
especialización, más allá de las necesarias correspondencias y comunicaciones
que mantienen entre ellas. Chun Cho (1996, p. 6), bajo el enfoque de la inteligencia
organizacional llega a definir los trazos esenciales de quien forma su perfil respecto
al tratamiento de la información, lo llama “ especialista en Organización del
Conocimiento ”, y expresa que es "quien domina las técnicas de empaquetado de
la información, alimenta la memoria organizacional , y crea productos
informacionales que facilitan el uso productivo de las fuentes de información y
conocimiento " .

La Organización del Conocimiento, en particular, procura brindar


subsidios teóricos (y retroalimentarse) con todo lo relativo al tratamiento de la
información, particularmente el tratamiento temático de la información, y de un modo
menos específico -pero no menos importante- a la gestión del uso socialdela información.
Como expresa Guimarães (1998, p. 1 ), " el área de Tratamiento temático de la
información persigue la identificación, el procesamiento y la disponibilización
del contenido informacional de los documentos” .
¿Quiénes son los que históricamente se han dedicado a organizar
el conocimiento? En el período precientífico de la Antigüedad, fueron sin duda
los filósofos: Aristóteles, en particular, sentó gran parte de las bases lógicas y
epistemológicas que aún hoy mantienen vigencia como soporte del pensamiento
occidental. Cuando la ciencia logró separarse de la filosofía, fueron otros los que
intentaron sistematizar el saber acumulado de la humanidad: primero los monjes
como custodios y guardianes del conocimiento, luego los primeros científicos
laicos que provocaron las grandes revoluciones intelectuales de la historia humana,
desde Galileo en adelante.

Si bien hasta el presente muchos filósofos, epistemólogos,

38
Organização de conhecimento

científicos e historiadores de la ciencia continúan preocupados por organizar el


cada vez más complejo mapa del saber humano, sólo desde el siglo XIX, y
debido a la generalización de las bibliotecas públicas como un soporte educativo
у cultural de la expansión económica de la revolución industrial, comienza a
expresarse la necesidad de crear instrumentos específicos para el almacenamiento
y la recuperación de documentos de un modo estructrurado. Esos instrumentos
resultan ser creados primero por bibliotecarios, apoyados en concepciones o
teorías del conocimiento que se toman a préstamo de la ciencia o la filosofia y
que han resultado sumamente controversiales con el paso del tiempo. Desde los
años 50 en adelante, precedidos apenas por el pensador indio Ranganathan,
comienzan a prefigurarse los llamados clasificacionistas, especialistas dedicados a la
creación de instrumentos más elaborados como tesauros o sistemas de clasificación
especializados.
Tanto los científicos como los clasificacionistas preocupados por
dar una formulación orgánica del conocimiento humano, justifican su existencia
en razón de que:

la humanidad sólo avanza en la medida en que logra sistematizar el saber


acumulado para cumplir determinados propósitos.
es preciso establecer consensos sobre ese saber, porque sólo de esa manera
se hace posible el intercambio, la comunicación, el debate y la difusión del
conocimiento especializado.
lo expuesto los obliga a un análisis exhaustivo acerca de la naturaleza, las
fuentes, los límites y los modos de circulación del conocimiento.
Desde el punto de vista de los bibliotecólogos, ese análisis pasa
por todo lo relativo a la satisfacción de las necesidades sociales de información
de los llamados usuarios actores sociales en situación de conocimiento ), en particular
mediante consultas apoyadas en el lenguaje como herramienta de comunicación
y mediación.

La Organización del Conocimiento procura, entonces, brindar


un continente conceptual adecuado a las diversas prácticas y actividades sociales

39
Educação, Universidade e Pesquisa

vinculadas con el acceso al conocimiento, y pretende operar como instrumento


de tratamiento de la información,y degestión de uso de la información, abarcador e integrador
de los fenómenos y las aplicaciones vinculadas a la estructuración, la disposición,
el acceso y la difusión del conocimiento socializado .

Muchos dirán, ¿ qué tiene esto de novedoso? En particular creo


que lo distinto en esta primera fase de desarrollo, es que la Organización del
Conocimiento está tratando de relacionar aportes teóricos y metodológicos de
diferente procedencia disciplinaria: unos vienen desde la Lingüística, otros desde
la Documentación, otros aún desde la Informática, la Filosofía, la Historia de la
Ciencia y las ciencias cognitivas. Además, se ha dado la preocupación común -
desde todas estas especialidades-, por encontrar los territorios afines antes que
sus fronteras, las necesidades recíprocas de formación y capacitación, los espacios
de exploración interdisciplinaria que se abren .
Por vía de ejemplo, los cruces con la Lingüística aplicada, han
permitido la incorporación de la Terminologia como una disciplina fundamental
para la elaboración de tesauros, al punto que distintos autores en Bibliotecología
(Espelt en España, Picht en Austria, Almeida Campos Y Espanha en Brasil,
nosotros mismos en Uruguay) la proponen como uno de los pilares conceptuales
en el área de tratamiento temático de la información .

La Informática, por su parte, ha contribuido especialmente en


la organización de los llamados master reference filescomo archivos maestro para la
edición de lenguajes documentales actualizados; también en la aplicación de
inteligencia artificial para procedimientos de análisis de discursos en bases a texto
completo e indización automática.
La expresión Organización del Conocimiento (en inglés Knowledge
Organization o KO ) procede originariamente de un libro de Henry Bliss editado
en 1933: Organization of Knowledge in Libraries. Fue el alemásn Soergel quien en una
conferencia del año 1971 , propugnó la expresión KO , que fue inmediatamente
recogida por otros investigadores de primera línea. En 1993, la publicación más
importante del área mudó su nombre International Classificacion por Knowledge
40
Organização doconhecimento

Organization; antes, en 1989 se fundó ISKO (International Society for Knowledge


Organization ), bajo el gobierno intelectual de la Dra. Ingetraut Dahlberg, para
darle un marco adecuado a estos desarrollos teóricos.

Pero en fin , ¿ cómo definimos a la Organización del


Conocimiento? Por tratarse de un conjunto de conocimientos de reciente
articulación subsisten las dudas respecto a su alcance y significación. Garcia Marco
(1995, p. 220) establece que es " una disciplina científica (esto es, sujeta al método
científico) y social, de carácter aplicado ”, pues tiene un objetivo práctico específico:
" optimizar la circulación del conocimiento en las sociedades” . Agrega que esta
disciplina se construye considerando los aportes de distintas disciplinas y ciencias,
algunas de las cuales ya hemos mencionado,
Esteban Navarro (1995, p. 66) ha dicho que " la Organización
del Conocimiento se presenta como una plataforma de integración de las ciencias
documentales“, y Dalhberg (1993, p. 214) la ha sustentado en la idea de que
" vivimos en un mundo dominado por la información , la cual necesita ser
urgentemente ordenada y compendiada para transformarla en conocimiento
disponible tanto para usos y finalidades personales como para la toma de
decisiones públicas, en términos de aplicación política, cultural, industrial, comercial
o social. Estas ideas parecen tener una correspondencia bastante cercana con
otra conceptualización reciente y afín: la Sociedad del Conocimiento.
El objeto de estudio de la Organización del Conocimiento es a nuestro
juicio- elconocimiento socializado, y como disciplina da cuenta del desarrollo de técnicas
para la construcción, la gestión, el uso y la evaluación de clasificaciones científicas,
taxonomías , nomenclaturas y lenguajes documentales. Por otra parte, aporta
metodologías de uso y recuperación por lenguaje natural. Es esta visión integral
del conocimiento, en la que se asocian las clasificaciones filosóficas o científicas
del saber con las clasificaciones destinadas a la organización de documentos en
bibliotecas, archivos y otras unidades de información la que abre mayores
perspectivas para un importante desarrollo disciplinario e interdisciplinario en el
ámbito de la Bibliotecología y la Documentación.

41
Educação, Universidade e Pesquisa

3 Diez premisas basicas en organización del conocimiento.


Propondremos a continuación, las diez premisas básicas que –
en nuestra opinión- dan razón de ser y justificación intelectual a la Organización
del Conocimiento .
PRIMERA PREMISA . EL CONOCIMIENTO ES UN
PRODUCTO SOCIAL, UNA NECESIDAD SOCIAL , Y UN DINAMO
SOCIAL. Una vieja definición, que nuestra memoria atribuye a Max Weber, dice
que " cultura es todo lo que el hombre ha agregado a la naturaleza ” . En esa línea
podríamos decir que el conocimiento es el registro social de todo aquello que el
hombre ha comprendido acerca de la naturaleza, y de todo aquello que le ha
agregado a la misma. Pero nuestro conocimiento , por abarcar apenas un conjunto
de verdades provisorias y sujetas a revisión perpetua, está siempre sujeto a
especulación.
Los sistemas sociales en los que estamos inmersos están
centralmente organizados y funcionan en torno a información y conocimiento.
Ellos contribuyen en la formulación de las reglas que nos gobiernan, en las
decisiones (políticas, empresariales, gremiales, familiares, personales) que se toman
a diario, y brindan las condiciones para nuevos descubrimientos y aplicaciones.
Por ello, en nuestras sociedades adquiere una importancia determinante la
circulación y utilización de datos, ideas e informaciones para los fines más variados.
Son, en última instancia, el magma que va modelando una determinada imago del
mundo que terminamos aceptando, a veces con felicidad, generalmente con
resignación. Y esa imagen del mundo es " en gran parte el producto de la
información que recibimos, y por lo tanto está controlada por la naturaleza de
los sistemas de información de que estamos rodeados ” (Boulding 1966, p. 132).
El conocimiento, en fin, puede verse como el saber acumulativo de la humanidad,
pero es también el surtidor que satisface necesidades sociales permanentes, y que
determina los espacios vacíos” en donde se requiere generar nuevo conocimiento.
SEGUNDA PREMISA . EL CONOCIMIENTO SE
REALIZA A PARTIR DE LA INFORMACIÓN, Y AL SOCIALIZARSE SE

42
Organização do conhecimento

TRANSFORMA EN INFORMACIÓN . La explicación de esta premisa exige


ponernos previamente de acuerdo sobre lo que entendemos por información y
por conocimiento, cuestión respecto a la cual podríamos dedicar mucho tiempo sin
la seguridad de llegar a un consenso. Cabría demás preguntarse por qué no
hablamos de Organización de la información en lugar de Organización del conocimiento,
ya que la palabra información tiene significaciones muy relevantes y está vinculada
incluso al nombre genérico de varias disciplinas afines (Ciencias de la Información)
y a un desarrollo con aspectos científicos particulares (la Ciencia de la Información ).
Sucede algo peculiar con estas palabras : ambas son
extremadamente ambiguas fuera de un contexto, pues admiten decenas de
significados diversos. Se han llegado a recopilar más de quinientas definiciones
de información, y unas veinte o treinta de conocimiento. Para situar nuestro pensamiento
en este punto, proponemos un ciclo o circuito de comunicación social centrado
alrededor de la noción de documento, y que incorpora también el elemento dato.
Empecemos por decir que un dato es, para nosotros, toda unidad
autónoma de saber.

La información, por su parte, es todo conjunto organizado de


datos. Tanto los datos como la información en que aquellos se organizan, son
“ realidades objetivas”, que pueden estar tanto fuera (los espacios sociales
destinados a la información ) como dentro de nosotros nuestra memoria ). Puede
afirmarse que la información es social, pública (salvo la referida a temáticas de
seguridad de estado o empresa) y está disponible. Tan socialmente objetiva resulta
ser, que puede ser medible (por ejemplo, en bits dentro de una base de datos) , o
presentada de modos diversos para distintos fines.. Como bien resume Shera
(1990, p. 118) " la palabra información es un nombre colectivo que le damos a la
suma total de aquello que puede ser conocido ”.
Por su parte, son muchas las cosas, a veces muy diversas, que
entendemos por conocimiento."La definición de conocimiento se extiende a todas
las cosas cognoscibles, a todo tipo de conocedores, a todas las modalidades de

43
Educação, Universidade e Pesquisa

conocimiento, y a todos los métodos de este conocimiento ” (Adler & Gorman,


1952, p. 881) Nosotros lo entenderemos como el proceso intelectual o emocional
que realiza un individuo para comprender un fenómeno del mundo exterior, e
incorporar su resultado (herramientas, procedimientos, datos) como reafirmador
o removedor de su concepción del mundo. Como dice Garcia Marco (1995, p.
108), “todo conocimiento es un logro subjetivo ” . Como resultado de los procesos
de conocimiento, almacenamos por aprendizaje o asimilación, un conjunto de
valores, ideas, emociones y datos (es decir, informaciones), que pasan a integrar
nuestro peculio particular y forman nuestra representación del mundo . De lo dicho
pueden inferirse tres ideas: laprimera es que nopuede haber conocimiento sin información y un
proceso subjetivo sobre la misma. La segunda es que la información es una expresión social
objetiva, mientras que el conocimiento es un acto individual,ypor tanto, subjetivo. La tercera es
que toda información es materia prima,y todo conocimiento es un producto finalcon determinado
grado de elaboración.
La incorporación de conocimiento puede ser pasiva, funcional
o creativa . Es pasiva cuando no hacemos nada especial con el conocimiento
adquirido: es simplemente información disponible en nuestro cerebro. Así, yo
puedo aprender esperanto, he conocido sobre esperanto, pero no hago nada con
ello. El conocimiento pasivo no se socializa, sólo se internaliza.
El conocimiento es funcional cuando lo utilizamos con propósitos
definidos. Por ejemplo, yo conocí sobre Windows 98 y entonces lo aplico para
redactar textos para mis alumnos.
El conocimiento es creativo cuando quien procesa el conocimiento
adquirido y lo pone a prueba bajo determinadas condiciones logra elaborar un
producto original, que implica algo diferente a lo ya conocido o existente; es
decir, genera nuevo conocimiento. Pero todo conocimiento creativo requiere de
conocimiento funcional para desarrollarse. Con toda evidencia, yo no puedo
crear una ópera que pueda considerarse tal, si no domino las reglas y técnicas de
la composición musical y del género.
Si bien el conocimiento es una conquista subjetiva, es pasible de
44
Organização do conhecimento

socializarse mediante la aplicación de conocimiento funcional o la difusión de


conocimiento creativo. Por ello también se define al conocimiento como la
acumulación social del saber humano en todas sus expresiones , es decir, el saber
o conocimiento efectivamente socializado.

El conocimiento empieza a interesarnos en tanto organizadores


del conocimiento ( diseñadores de lenguajes documentales, clasificadores,
indizadores), cuando se socializa. La divulgación científica, los medios masivos
de comunicación, los congresos, la docencia, junto con las bibliotecas, los archivos
y los centros de documentación, son formas calificadas de socialización. Lo que
tienen en común estos modos de traslado a lo social, es que el conocimiento se
socializa mediante documentos (patentes, publicaciones, realia ).
A nosotros nos corresponde en gran medida cerrar este circuito
que hemos mostrado, transformando el conocimiento socializado en información
disponible . Por eso es importante que conozcamos este proceso : porque
participamos directa y activamente como mediadores (entre documentos y
usuarios) de conocimiento socializado ; como sus motores de circulación , a través
de los procesos de difusión de la información; y como organizadores mediante
el uso de instrumentos idóneos ( tesauros, sistemas de clasificación y lenguaje
natural) para representar la temática de los documentos: porque, en fin , ofrecemos
información dispuesta para la comunicación. ¿Cuál sino es el sentido de guardar
información sin la idea potencial de comunicarla a alguien necesitado de
transformarla en nuevo conocimiento individual ? Trabajamos, en suma, inmersos
en una situación social de conocimiento en torno a información disponible .
Me contaba un profesor brasileño que él en sus clases para
distinguir entre dato, información y conocimiento suele escribir en una pizarra,
por ejemplo , 1994 y pregunta a los estudiantes qué es eso . Las respuestas son
bastante similares a las que podríamos dar aquí: para algunos es sólo un número;
para otros es un año; y hay quienes contestan con referencias emocionales: el
recuerdo feliz del año en que nació un hijo, o el doloroso del fallecimiento de un
ser querido.

45
Educação, Universidade e Pesquisa

Y en realidad 1994 es apenas un dato socialmente objetivo, que


sólo adquiere sentido cuando en un contexto, y reunido con otros datos que se
transforman en información, es interpretado de determinada manera. Pero cada
dato, cada información admite siempre distintas interpretaciones, y sólo cuando
una interpretación se produce con una finalidad precisa por un sujeto, se transforma
en conocimiento o aplica conocimiento ya adquirido. Como expresan Arano y
Asteggiante (1999, p. 2 ), " las unidades de información están inmersas en este
contexto como actores inteligentes” , en especial porque conjugan y canalizan al
" recurso estratégico por excelencia ” : la información.
TERCERA PREMISA . LA ESTRUCTURA Y LA
COMUNICACIÓN DEL CONOCIMIENTO FORMAN UN SISTEMA
ABIERTO . Como expresa Grene (1966), “ todo conocimiento es conjetural”,
tiene vuelo libre y está expuesto a continuas modificaciones e innovaciones. Si
fuera posible dibujar un mapa del conocimiento , comprobaríamos que su
geografía está mudando continuamente, pues las sociedades se encargan de
fragmentarlo, reagruparlo, diversificarlo y modificarlo . Cada estadio de
acumulación de conocimiento cambia en la medida en que las funciones y
necesidades sociales así lo requieren. Por otra parte, la distribución social y la
generación de nuevo conocimiento está expuesta a los vaivenes políticos,
económicos y culturales de cada momento histórico.
Es bien conocido el efecto dramático que la dinámica del
conocimiento ha ejercido sobre nuestros instrumentos de clasificación. En efecto,
mientras las clasificaciones científicas, las taxonomías, los códigos y las
nomenclaturas especializadas van cambiando permanentemente, los lenguajes
documentales que manejamos no logran acompañar ese proceso de actualización
y reorganización de conceptos. Ello ha provocado, desde ya unos años, una
crisis y una reactualización del debate entre la aplicación de lenguajes controlados
o lenguaje natural.
Por otra parte, y a diferencia de otros períodos históricos donde
el poder eclesiástico o feudal trababa la evolución del conocimiento, hoy hay

46
Organizaçãodo conhecimento

intereses comerciales, políticos y financieros directamente comprometidos en el


desarrollo de nuevo conocimiento. En contraposición, los responsables de la
construcción de tesauros y sistemas de clasificación se ven forzados a mantener
estructuras temáticas rígidas a efectos de evitar reclasificaciones profundas, con
la consiguiente pérdida de algunos segmentos del mercado bibliotecariomundial.
También puede decirse que el conocimiento es un sistema abierto
( y esto interesa directamente nuestro trabajo profesional ), porque puede ser
estudiado desde muchos puntos de vista: cómo se adquiere , como se organiza ,
cómo se transmite, cómo se utiliza, cuántos tipos de conocimiento existen, como
se transforma o se vuelve obsoleto, etc.
Dependerá de nuestra evolución como disciplina dar respuestas
satisfactorias para cerrar la brecha existente entre el sistema abierto del
conocimiento y el sistema más o menos cerrado de representación del
conocimiento que creamos y utilizamos. Creemos que la Organización del
Conocimiento puede aportar criterios, directrices y procedimientos de primera
importancia, para solucionar ese problema.
CUARTA PREMISA. EL CONOCIMIENTO DEBE SER
ORGANIZADO PARA SU MEJOR APROVECHAMIENTO INDIVIDUAL
Y SOCIAL . Puede presumirse , como señala Izquierdo Arroyo (1995, p. 33), que
" si se pretende organizar el conocimiento es porque no está de suyo organizado ”,
lo que implica un punto falso de partida. En realidad esta premisa es casi una
petición de principios, pues no es conocimiento realmente socializado aquel que
no ha sido sistematizado u organizado con algún propósito . Siguiendo otra vez
a Izquierdo Arroyo (1995, p. 35), " el conocimiento no es unamera acumulación
de datos, informes, descubrimientos o doctrinas ni progresa por esa acumulación
... sino por integración y articulación de sus diversos desarrollos."
Ya hemos dicho que el conocimiento debe organizarse porque
en todos los niveles de comunicación (el especializado, el de divulgación, el de
vulgarización) debe existir un sistema de conceptos estable que permita el recíproco
entendimiento y la comunicación , dentro de los mismos o de diversos

47
Educação, Universidade e Pesquisa

estratos socio -culturales; y en segundo término, porque el conocimiento sólo


avanza sobre un consenso más o menos generalizado. Como expresa Perec (1986 ),
" aquel que trata de comprender el mundo no hace más que clasificarlo". El
conocimiento es diverso, toda diversidad es compleja, implica un número alto
de posibles relaciones y confrontaciones entre sus atributos y utilidades. Cuanto
más diverso es un universo, mayor es la complejidad de este entramado y la
exigencia de su organización racional.
Por obvias, no vamos a mencionar aquí las razones por las cuales
los repertorios de documentos bajo nuestra responsabilidad, y el conocimiento
expresado en ellos, debe ser organizado.
QUINTA PREMISA. EXISTEN " N ” FORMAS POSIBLES
DE ORGANIZAR EL CONOCIMIENTO . Las posibilidades de distribuir
los segmentos conceptuales de cualquier campo disciplinar son -a priori-variadas,
conforme a los puntos de partida, los marcos de referencia y -especialmente
los propósitos que se espera obtener. Como expresa Shera (1990, p. 120)
para el bibliotecario así como para muchos filósofos, la clasificación del
conocimiento significa su estructuración formal de acuerdo con ciertas
relaciones reales o supuestas entre las varias disciplinas según fueron
determinadas por su respectivo contenido espiritual.

Esta multiplicidad de opciones es de fácil verificación apenas uno compara


distintos sistemas de clasificación , tesauros y clasificaciones especializadas sobre
un área.

No sólo los propósitos que se persiguen al organizar el


conocimiento de un modo y no de otro, condicionan la articulación de las
clasificaciones. También incide en gran medida la multiplicidad de accesos
disciplinarios que puede resistir un asunto; efectivamente, pareciera que de un
modo cada vez más sostenido cada asunto humano o de la naturaleza puede ser
alcanzado por un mayor número de especialidades, con enfoques y ponderaciones
coincidentes, complementarias y hasta contradictorias. Así, la drogadicción

48
Organizaçãodecombecimento

representará para un sociólogo la oportunidad de determinar comportamientos,


causas y consecuencias de impacto social; para un estadístico tal vez se trate de un
relevamiento más que considera ciertas variables específicas de cruzamiento . El
eje del trabajo de un especialista en medicina, por su parte, estará referido a las
consecuencias orgánicas, la prevención y el tratamiento . Para un jurista quizás se
trate de una cuestión penal o una circunstancia agravante de una conducta, y para
un teólogo un problema moral. Por otra parte, la condición de sistema abierto
del conocimiento determina que si bien en todas esas disciplinas la drogadicción
es apenas una conceptualización más, vinculada a otras conceptualizaciones
(diferentes en cada disciplina), también será posible organizar un campo temático
con el tema drogadicción como asunto nuclear, y cada una de las aproximaciones
disciplinarias como enfoques parciales. Esta cualidad de cualquier unidad del
conocimiento especializado ha sido bautizada por Cabre (1998, p. 73) como
" poliedricidad del término ”, y tiene repercusiones de resolución compleja sobre
las estrategias de almacenamiento, organización, recuperación y uso de la
información .

Ya decía Foucault (1988, p. 5 ), que

nada hay más vacilante, nada más empírico que la instauración de un


orden de cosas, nada exige una mirada más alerta, un lenguaje más fiel y
mejor modulado ; nada exige con mayor insistencia que no nos dejemos
llevar por la proliferación de cualidades y formas.

SEXTA PREMISA . TODA ORGANIZACIÓN DEL


CONOCIMIENTO ES ARTIFICIAL, PROVISIONAL Y DETERMINISTA .
Si concordamos con Perec (1986), “ distribuir el mundo según un código, aunque
sea una ley universal, ha sido y será siempre erróneo ” . Los filósofos, los
epistemólogos y los pensadores de la ciencia conocen bien la dificultad de llegar
a certezas indiscutibles en este punto, pues ellos también a lo largo de los siglos se
han empeñado -con éxito relativo- en proponer esquemas y clasificaciones del
conocimiento generalizables. Hoy día, podemos decir que toda organización del
conocimiento es artificial pues surge como resultado de una construcción

49
Educação, Universidade e Pesquisa

abstracta levantada sobre presupuestos particulares. Si cambiamos esos


presupuestos, cambiará también la construcción abstracta que levantamos sobre
ellos. Volviendo al tema " drogadicción ”, la organización de conceptos que
logremos dentro del Derecho, tendrá muy pocos puntos de contacto con la
misma temática desplegada en el área de la Medicina.
Pero además, toda organización del conocimiento es provisional
y revocable. Como señala Esteban Navarro (1995, p. 50)
un rasgo común a todas las clasificaciones, todavía más acusado en las
actuales, es su caducidad , si no precariedad, debido a que las ciencias están
en continua formación , a que ciertos territorios límites dan lugar con
frecuencia a ciencias nuevas, a que la evolución de los paradigmas, teorias,
métodos e incluso los objetos de estudio cambian continuamente la
imagen de la realidad y provocan la redefinición de las relaciones entre las
ciencias.

El corolario de esto es que los esquemas, las taxonomías y las


clasificaciones son productos históricos , impregnados de las concepciones
dominantes, de los paradigmas y las tendencias y hasta los prejuicios de una
ёроса.
Por otra parte, es sabido que existen procesos inevitables de
obsolescencia del conocimiento, que son más lentos en algunas disciplinas (como
el Derecho ), y vertiginosos en otras áreas ( como la Informática ). A modo de
ejemplo, un estudio realizado por estudiantes uruguayos sobre las tablas de
informática de la Clasificación Decimal Dewey elaboradas hace una década,
demostró que más de la mitad de los términos allí incluidos, habían sido sustituidos
en la práctica cotidiana y en la documentación, por otros.
Por último, toda organización del conocimiento , sea realizada
por bibliotecólogos o por especialistas, es determinista en dos sentidos. En primer
lugar, desde el punto de vista de sus postulados lógicos. Dice Sansegundo ( 1995,
p. 168) que:

50
Organização do conhecimento

las clasificaciones emanadas por el pensamiento occidental parten todas


ellas de la lógica heredada de la antigüedad, lo que las va a determinar. Es
decir, se encuentran en los sistemas de representación del conocimiento
del mundo occidental , los modos de pensamiento y las formas de
lenguaje implícitos, además de reproducir las estructurales sociales,
políticas, económicas, culturales y otras
Y por ello, “ las clasificaciones responden antes a los parámetros

y estructuras sociales que a una concepción teórica” previa. Un ejemplo expresivo


de este determinismo está dado por los tratamientos discriminatorios (género ,
raza, etc.) que subsisten en muchos esquemas de clasificación .
Hay otra forma de determinismo que refiere a la necesaria
unilateralidad conceptual que presenta toda clasificación, y la aplicación de criterios
selectivos de conceptos considerando aquellas características o aspectos
presuntamente más representativos de un campo temático. Si el universo del
conocimiento es un sistema abierto y sin fronteras precisas, los lenguajes
documentales y las clasificaciones científicas, en cambio, forman sistemas cerrados
y con alcances pre-establecidos.
SEPTIMA PREMISA
PREMISA . EL CONOCIMIENTO SE
REGISTRA SIEMPRE EN DOCUMENTOS , COMO CONJUNTO
ORGANIZADO DE DATOS DISPONIBLES, Y ADMITE USOS
INDISCRIMINADOS. Es verdad difícilmente discutible que el conocimiento
se expresa siempre en documentos, y que ellos constituyen el registro gráfico del
saber humano. Tradicionalmente , la sociedad nos ha encargado de modo expreso
la preservación, la organización y la disposición al uso de esos documentos. Los
fondos documentales que administramos son también realidades objetivas, y por
esa razón, admiten usos indiscriminados como portadores de datos e
informaciones de la más variada especie. Esto es válido aún para los documentos
no convencionales y los documentos electrónicos, pues lo esencial no es el soporte
sino su contenido.

OCTAVA PREMISA. EL CONOCIMIENTO SE EXPRESA


EN CONCEPTOS, Y SE ORGANIZA MEDIANTE SISTEMAS DE

51
Educação, Universidade e Pesquisa

CONCEPTOS. Un concepto no es más que una certeza humana, definida con


la mayor precisión que ha sido posible alcanzar. Esa certeza puede haberse
obtenido mediante el método científico, la experiencia o una mera comprobación
fáctica. Un concepto es, entonces, una unidad concentrada de conocimiento.
Pero ningún concepto funciona aislado: ellos no son intrínsecamente entidades
abstractas aisladas; por el contrario, siempre están construidos a partir de otros
conceptos, y sólo es posible concebirlos en sus relaciones reciprocas y en su
mayor o menor parentesco con otras nociones. Ello nos lleva a aceptar la idea de
que todo el saber humano, distribuido en un número muy alto de áreas y sub
áreas disciplinarias , se apoya sobre estructuras o sistemas de conceptos
organizados con los atributos lógicos que la experiencia ha ido moldeando. Las
clasificaciones científicas, las taxonomías y las nomenclaturas son los sistemas de
conceptos más usuales dentro de las distintas especialidades , y los que
tradicionalmente sirven de modelo de organización a los sistemas de clasificación
y a los tesauros.
NOVENA PREMISA . LOS SISTEMAS DE CONCEPTOS
SE ORGANIZAN PARA FINES CIENTIFICOS , FUNCIONALES O DE
DOCUMENTACION . No puede decirse que los sistemas de conceptos que se
conocen sean intercambiables para estos fines: seguramente las clasificaciones
científicas tendrán una aplicación limitada e insatisfactoria para la organización
de documentos; y los lenguajes documentales sólo de una manera muy relativa
podrán utilizarse como mapas del conocimiento aceptables para los científicos.
Las formas de clasificación funcionales (por ejemplo, la distribución de productos
en un supermecado , los códigos de rutas, las distintas categorías existentes en un
deporte) procuran organizar el mundo para finalidades muy específicas que, a
veces coinciden, pero que también difieren de los sistemas de conceptos utilizados
en las bibliotecas.
De todos modos, cabe señalar que los sistemas de conceptos
de cualquier tipo tienen límites y condicionamientos, como ser: su relatividad
temporal y espacial, su determinismo temático, la lógica particular que le imprime
el objetivo que se persigue, los esquemas cognitivos y el nivel de discurso aceptable
(esto es, políticamente correcto ) para sus destinatarios, cuestiones reglamentarias

52
Organização do conbecimento

o políticas de la clasificación , etc.


Esteban Navarro (1995, p. 47) identifica cuatro variables que
inciden, en particular, en la formación y evolución de los sistemas de representación
y organización documental del conocimiento :
a) la variación de la cantidad,cantidad y tipologia de la información y los
documentos generados por el hombre.
b) la valoración que hacen especialistas, usuarios y documentalistas de
los diversos tipos de lenguajes documentales para hacer frente con éxito
a las nuevas realidades documentales.
o el efecto del desarrollo de los sistemas científicos de ordenar y clasificar
la realidad, atendiendo en especial a los criterios que guían la división de
la realidad , la agrupación de los elementos en clases y la construcción de
su estructura .
d) la evolución en el ámbito de las ciencias cognitivas de la concepción
de ordenar, clasificar y organizar la realidad por la mente humana.
DECIMA PREMISA . LAS LEYES QUE RIGEN LA
ORGANIZACIÓN DE SISTEMAS DE CONCEPTOS SON UNIFORMES
Y PREVISIBLES, Y SE APLICAN POR IGUAL A CUALQUIER AREA
DISCIPLINARIA. Esta premisa tiene una importancia decisiva para todos
aquellos que se desempeñan como organizadores del conocimiento (por ejemplo,
los que planifican un tesauro), pues en la medida en que esas leyes generales son
identificadas, caracterizadas y enunciadas , es posible incursionar con éxito en
cualquier disciplina, ya se trae de la Astronomía, la Agricultura o la Música.
Una de esas leyes, por ejemplo, nos dice que en los documentos
pertenecientes a todas las disciplinas ( ya sea una ciencia básica, una ciencia aplicada,
una religión o un deporte) se manifiestan las mismas tipologías de relaciones
entre conceptos. Básicamente podemos identificar relaciones jerárquicas, de
sinonimia, y una larga de serie de posibles relaciones asociativas.
Otra de las leyes que contribuyen a la organización del
conocimiento establece que un concepto puede aparecer en una clasificación

53
Educação, Universidade e Pesquisa

tantas veces como atributos significativos para los usuarios tenga, lo que obligará
a considerar en un tesauro (por ejemplo) , cuáles de esos atributos serán
seleccionados.
Una tercera ley, entre otras muchas, determina que los
neologismos que denominan nuevos objetos y fenómenos, en general se
construyen , desde el punto de vista morfológico tomando en cuenta los formantes
latinos, y desde el punto de vista semántico, por aplicación de procesos analógicos
o metafóricos.

4 Tendencias teoricas de la organización del conocimiento en


Bibliotecologia .
Si bien no se puede decir que exista todavía un corpus teórico
integral en Organización del Conocimiento para Bibliotecología, pueden
identificarse desarrollos teóricos que han tenido distintos grados de evolución, y
que podemos agrupar en dos grandes líneas:
1) TEORÍAS MACROESTRUCTURALES: aquellas que parten desde las
disciplinas o los ámbitos temáticos más generales , para explicar la
estructuración de sistemas de conceptos.
2 ) TEORÍAS MICROESTRUCTURALES: las que toman como eje teórico
la unidad mínima de conocimiento: el concepto, o sus diferentes
configuraciones en Bibliotecología y Terminología: descriptor, término,
palabra clave, entre otras denominaciones.
Repasemos, primeramente, las teorías macroestructurales más
significativas:
a) Teoría de la facetación. Desarrollada en los años 20/30 por Ranganathan,
propugna la organización de conceptos a partir de un procedimiento analítico
sintético de estudio de facetas. Ranganathan estableció que las disciplinas
tienen una forma genérica de organización interna, a partir de determinadas
categorías abstractas del conocimiento (Personalidad, Materia, Energia,

54
Organização do conbecimento

Espacio y Tiempo ), las que se materializan en una organización por facetas


(conjuntos homogéneos de conceptos ), considerando aspectos o rasgos
comunes tales como tipologias, partes, procesos, materiales, problemas, etc. De este
modo, los tipos de Ingeniería podrían ser la Ingeniería civil, la naval, etc. Los
procesos, todos aquellos que tienen que ver con el desarrollo y la culminación
de obras de ingeniería . Los materiales, por su parte, todos los elementos
naturales o manufacturados que se destinan a obras de ingeniería . Y los
problemas, dificultades tales como: tipo de terreno, calidad de los materiales,
problemas de orden ambiental, etc.
b ) Teorías basadas en disciplinas. Estas teorías plantean que para un adecuado
estudio del conocimiento humano, debe partirse de la noción general de
disciplina o de campo de conocimiento, tratando de interpretar las leyes por
las que surgen y se organizan . Definido un campo de conocimiento, su
naturaleza, alcances, peculiaridades y límites con otros dominios, es posible
determinar con mayor nitidez su estructura interna y su universo de conceptos.
Un campo temático puede corresponder tanto a una disciplina científica
abstracta, a una ciencia aplicada, a una tecnología, como a cualquier otro
ámbito especializado en sentido amplio. Nos importan porque proporcionan
métodos para elaborar sistemas de conceptos muy afines a los tesauros, los
sistemas de clasificación y otros lenguajes documentales.
De este grupo de teorías, podemos mencionar:
La teoría de los mapas conceptuales: parte de la idea de que el conocimiento
es representable por medio de mapas comunicantes, desplegando cada uno
de ellos la estructura interna de un dominio.
Las teorías del dominio temático . Algunos autores ( Albrechetsen & Hjorland,
1995 y 1997) sugieren que primero deben establecerse los principios y las
reglas de cada dominio, para luego discriminar la manera de organizarlos
internamente. Otros autores afines al positivismo (Marijuan , 1995) centran
su concepción en la creencia de que existen sistemas de disciplinas organizados
conforme a distintos niveles de abstracción o estratificación .
La teoría de los campos semánticos que proviene de la Lingüística , por vía

55
Educação, Universidade e Pesquisa

de autores como Tier, Pottier y Coseriu, y ofreció algunos aportes interesantes


para la indización automática y para procedimientos de recuperación
automática de información (por ejemplo, el acceso por truncamiento ).
c) Las teorías terminológicas. La Terminología es una disciplina que proviene
de la Lingüística aplicada, y que refiere expresamente a la organización,
normalización y utilización social de los lenguajes de especialidad. La teoría
clásica de la Terminologia proviene de la Escuela Vienesa, y su autor más
representativo fue Wüster. Actualmente, esta escuela se nuclea alrededor de
Infoterm , y su nombre más destacado es Picht. Esta escuela se caracterizó
por considerar a la Terminología como una ciencia esencialmente
normalizadora y rígida.
Las escuelas modernas son la francesa, la quebequense y la catalana.
La Francesa se reúne alrededor de la revista Meta, y está afín a un enlace entre la
Terminología y la Lingüística. En Quebec y Cataluña la Terminología se ha
desarrollado casi como una política de estado para mantener la identidad y la

peculiaridad de sus lenguas en países que tienen otra lengua oficial. Han
desarrollado sobre todo la idea de planificación y política lingüística. La Escuela
Catalana en especial, ha desnudado las insuficiencias de la teoría clásica a partir
del reconocimiento y el respeto de la diversidad lingüística. Al mismo tiempo, ha
reubicado a la Terminologia como una disciplina de encrucijada, cuyas aplicaciones
son útiles para traductores, informáticos, documentalistas, lingüistas y
comunicadores..

En cuanto a las teorías microestructurales en boga, resaltamos:


a) algunas teorías del lenguaje natural. Estas teorías descreen de los resultados
efectivos de la aplicación de vocabularios controlados a procesos de
recuperación de la información. Desde los años 60, a partir de los famosos
experimentos Cranfield , periódicamente aparecen nuevas investigaciones que
tratan de reforzar esta idea. La teorías del lenguaje natural tienen un auge
inesperado desde el desarrollo de nuevas tecnologías y en especial de Internet,
ya que democratizó el acceso a volúmenes incalculables de información por
cualquiera que tenga la tecnologia mínima necesaria, se trate o no de un
56
Organizado docombecimento

usuario especializado. Ello genera la ilusión de que los motores o robots de


búsqueda pueden pasar por encima de los aspectos lingüísticos o semánticos
de la consulta, y que basta con el lenguaje habitual de los usuarios para llegar
a la información que se necesita.
Hay, sin embargo, tendencias más serias que parten desde la
teoría de la comunicación , y señalan que es necesario entender que la comunicación
siempre ocurre por una razón (un objetivo o un interés concreto), y por ello la
utilización de lenguaje natural debe estar subordinada a las necesidades de
información del usuario receptor. Estudios de ergonomía de la información van
también en esta dirección .

b ) Teorías del concepto. Esta línea sitúa al concepto como el elemento central
alrededor del cual se estructura el conocimiento. La Conceptología
especialmente, ha avanzado tanto en el estudio de la arquitectura interna de
cada noción (cómo se construyen , como se definen, cómo se explican, como
se exteriorizan los conceptos), como en el establecimiento de un sistema de
relaciones con el resto de los conceptos de un campo. A su modo, estos
estudios han proporcionado una base firme para la elaboración de lenguajes
documentales en lo que respecta a los diferentes tipos de relación entre
conceptos, y a la redacción de definiciones y notas de alcance.
5

Conclusiones
En síntesis, y a cuenta de muchas otras cuestiones que pudieran
exponerse, queremos proponer como conclusión, que la Organización del
Conocimiento debe dedicarse, a nuestro entender (Barite, 1999, p . 10), a:
OD

Analizar los procesos de surgimiento, desarrollo y cambio de las disciplinas.


Estudiar las características de los discursos especializados en general, y los
científicos en particular.
O Investigar las leyes de organización y evolución de los sistemas de conceptos .
Proponer métodos interdisciplinarios de construcción de sistemas de
conceptos , lenguajes documentales , y sistemas de almacenamiento y

57
Educação, Universidade e Pesquisa

recuperación de información .
Desarrollar aplicaciones de inteligencia humana y artificial para un óptimo
acceso temático a la información en fondos documentales convencionales y
electrónicos .
En particular , la Organización del Conocimiento nos aporta a los
bibliotecólogos:
Un marco conceptual y un corpus de teorías en movimiento e
intercomunicación .
o La profundización de nuestra formación en aspectos de otras disciplinas
que pueden incidir en nuestro trabajo: semiótica, lingüística, epistemología,
informática.
Una caja de herramientas intelectuales para entender los procesos de
surgimiento, desarrollo, intervinculación y extinción de disciplinas y conceptos,
y para desarrollar tesauros y lenguajes documentales.
Herramientas metodológicas para la indización, y para trabajar en ambientes
donde predominan el lenguaje natural y sus fenómenos neológicos.
Una concepción que permite entender y dominar nuevos fenómenos
vinculados a los aportes de las nuevas tecnologías, y extenderlos a nuestro
ámbito: hipertextualidad, procesos de indización automática, tesauros
conceptuales o informáticos.
nuevos espacios de experimentación e investigación.
Agradecido por vuestra paciente y respetuosa atención.

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60
PERSPECTIVAS DE ENSINO E PESQUISA EM ORGANIZAÇÃO
DO CONHECIMENTO EM CURSOS DE BIBLIOTECONOMIA:
UMA REFLEXÃO

José Augusto Chaves GUIMARÃES

Introdução
A temática organização do conhecimento tem se constituído, no
decorrer dos últimos anos, em objeto de esforços de docência e de investigação
no curso de Biblioteconomia da ( em nível de graduação e de mestrado) , fruto
de um processo de capacitação docente, ocorrido na última década, em que se
fizeram sentir duas influências básicas: a linha francesa, de interface da lingüística
com a lógica no processo de análise documentária (desenvolvida pela ECA
USP) e a linha anglo -americana, mais voltada para os processos de recuperação
da informação e de interface tecnologia / indexação (desenvolvida pela UnB e
pela UFMG ).
Nesse contexto, o grupo de pesquisadores da Unesp - Marília
passou, pouco a pouco, a delinear suas especificidades, voltando suas
preocupações investigativas para temáticas como a teoria da classificação, o
processo de leitura documentária, a diplomática como suporte metodológico
ao processo de análise documentária e ainda a avaliação de linguagens
documentárias, mais especificamente os tesauros .

Especificamente nas temáticas de análise documentária e de teoria


da classificação, uma outra influência teórica veio se somar, qual seja a da
Organização do Conhecimento, seja por meio da International Society of
Knowledge Organization (Alemanha), seja ainda pela seção espanhola da ISKO ,
atualmente com sede na Universidade de Granada.

Departamento de Biblioteconomia e Documentação Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp -


17525-900 -Campus de Marília - SP. Pesquisador do CNPq .
61

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p61-72
Educação, Universidade e Pesquisa

Tais aspectos, além do interesse específico de pesquisa, tiveram


uma dimensão pedagógica, por meio dos estudos de harmonização curricular
levados a efeito pelas 43 escolas de Biblioteconomia do Mercosul (Argentina,
Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai).
Assim, a matéria Tratamento da Informação, especificamente
em sua vertente temática, passou a ser objeto de um estudo mais detalhado,
visando ao delineamento de novas perspectivas teóricas para a região (ressalte
se, nesse âmbito, o projeto conjunto dos docentes José Augusto Chaves
Guimarães, do Brasil e de Mário Barité, do Uruguai), com a preocupação de ir
além da tradicional concepção do organizar para achar e, de outra forma, voltar
se para questões mais de fundo como o que organizar (produção e proveniência
documental) e ainda como se utiliza (uso documental).
Nesse processo emerge , por si mesma , a questão da
Documentação, pela efetiva atualidade do conceito de documento - enquanto
suporte de informação, testemunho e fonte de conhecimento - aspecto que
conduz ao surgimento de uma ciência documental, fruto do distanciamento de
uma visão demasiado pragmática e tecnicista norte -americana, até então em voga
no tocante ao tratamento temático da informação para, de outra forma, caminhar
rumo a uma nova visão, mais teórica e humanista, de influência mais européia
(França, Espanha) e canadense.

Organização do conhecimento
Para que se possa abordar teoricamente a organização do
conhecimento enquanto área de estudos, inicialmente, há de se diferenciar duas
concepções de conhecimento.

a ) enquanto processo individual , constitui- se, na concepção da Ingetraut


Dahlberg (1995, p. 11) em uma certeza subjetiva ou objetivamente conclusiva da
existência de umfato ou do estado de um caso, não sendo transferívele somentepodendo ser
adquirido por meio da reflexão

62
Organização do condecimento

b) enquanto algo sobre o qual existe um certo consenso social. Trabalha -se aqui
com o conhecimento registrado e divulgado.
Historicamente, verificam - se, na área de Documentação,
preocupações de duas ordens.

Em um âmbito teórico, tem-se a necessidade de sistematização


e consolidação de um conhecimento (conjunto de saberes) verificável em uma
dada sociedade em um dado momento histórico, com um objetivo de transmissão.
Registrem -se, aqui , os trabalhos de filósofos ligados à Teoria do conhecimento
(Aristóteles, Platão, Porfírio, Bacon e Harris) e ainda de educadores, como
Comenio

Como conseqüência , em um nível mais pragmático, verifica- se


a necessidade de resgate do conhecimento registrado em documentos, visando
ao seu acesso , com um objetivo de recuperação. Tem -se, nesse contexto, o trabalho
de documentalistas como Calimaco, Otlet e La Fontaine)
Trazendo -se a questão especificamente para a Biblioteconomia,
três fases podem ser verificadas:
a) fase classificatória original (ou notacional), em que a tônica residia no organizar
para achar (Dewey, LC , etc.) ;
b) fase tesáurica (ou alfabética ), marcada pela ruptura com os sistemas
tradicionais de classificação, buscando em referenciais da Linguística soluções
para o tratamento temático da informação;
c) nova fase classificatória (ou fase classificatória revisitada, como define
Dahlberg ), em que se reconhece a complementaridade da organização lógica
de conceitos e de sua representação lingüística ( Bliss, CRG , Aitchison , ISKO ).?
Nesse panorama, a organização do conhecimento, enquanto
disciplina surge, como recorda Garcia Marco (1997, p . 8) na década de 90, na

2 Referindo- se à precursora obra de Evelyn Bliss A organização do conhecimento e o sistema das


ciências, de 1931 , Ingetraut Dahlberg ( 1993 , p.211 ) afirma que lidamos com um volume de
conhecimento que foi coletado, aprofundado e amadurecido ao longo de séculos o que, no
entanto, apenas em nossos dias tem sido reconhecido como uma área autônoma de conhecimento
necessitando encontrar seu próprio lugar na sociedade de modo a ser reconhecida no âmbito do
sistema das ciências.
63
Educação, Universidade e Pesquisa

encruzilhada das denominadas ciências cognitivas, no campo de encontro entre as Ciências do


Conhecimento Humano (Neurociência, Psicologia e Epistemologia ), Ciências da Informação e
da Comunicação (incluindo a Semiórica e a Linguistica ), matemática (incluindo a Lógica e as
Linguagensformais) e a Ciência da Computação.

O ensino na área de organização do conhecimento


Dada sua natureza eminentemente interdisciplinar, ressalta Garcia
Marco (1997, p. 220) que o ensino da área deve se propor prioritariamente a três
objetivos básicos:
a) fundamentar o caráter científico da disciplina e formar alunos para o suo
criativo e crítico do método científico.
Nesse âmbito há de se ressaltar, quanto ao caráter científico da disciplina, a
abordagem de seus conteúdos inerentes (que refletem seu próprio objeto de
estudo), dos princípios que os regem e ainda dos métodos que se lhes aplicam.
Em termos do uso criativo de método científico, tem-se a preocupação
com a geração do novo, mormente em uma área - como a da informação
- de transformações tão rápidas, em que a todo momento surgem novos
espaços à espera de investigação.
O uso crítico do método científico, por sua vez, pode ser enfocado a partir
da necessidade de avaliação, adaptação e de exclusão - ou redimensionamento
- do existente, a partir da premissa anterior.
b ) proporcionar conhecimento e prática suficiente de suas principais
metodologias e técnicas, entendidos como a preocupação de um ensino
integrando o know why com o know how na área.
c) capacitar o aluno no vocabulário e nos modelos básicos das ciências
interdisciplinariamente a ela conectadas, ou seja, a necessidade de uma
abordagem dos quadros de referência de interface, em suas estruturas
conceituais e vocabulários específicos.
Na área de Documentação, três carreiras universitárias dedicam

64
Organização do cowbecimento

se ao estudo do documento, cada qual com uma ênfase prioritária: a Arquivologia,


tendo - o como meio de prova , a Museologia, como testemunho e, a
Biblioteconomia, como suporte de informação para geração de conhecimento.
Especificamente na Biblioteconomia, a questão da organização
do conhecimento insere- se na área Tratamento da Informação, mais
especificamente em seu aspecto temático ( fruto do binômio localização física /
conteúdo ). Nesse sentido, ressalte -se a ementa estabelecida para a área no II
Encuentro de Docentes de Bibliotecología del Mercosur (Buenos Aires, nov.
1997 ):

Organização do conbecimento e tratamento da informação. Tratamento


descritivo dos documentos. Tratamento temático : teoria da classificação,
análise da informação, teoria da indexação. Práticas, tecnologia e produtos.
Geração e organização de instrumentos de recuperação da informação
(Santos & Neves, 1998, p. 4) (grifos nossos) .
No âmbito das referidas áreas observa -se, historicamente, uma
mudança de paradigmas, inicialmente centrando - se no documento,
posteriormente na informação e, em nossos dias, discute-se, na Biblioteconomia,
o paradigma do conhecimento .
Nesse contexto tem - se:
a) no documento , o suporte (que, como tal, deve ser objeto de estudo, mormente
em questões relativas a sua proveniência , organicidade e autenticidade) pois,
como afirma Popper, ao mundo físico e cultural se agrega o mundo
documental;
b ) na informação, o conteúdo veiculado pelo documento, sua fonte primordial
de busca;
c ) no conhecimento, o que se almeja com a apropriação da informação.
Tem - se, assim, o estudo das possibilidades de organização de
um conhecimento registrado sob a perspectiva de geração de novo conhecimento
que, uma vez registrado, transforma- se em informação ( conhecimento em ação, na

65
Educação, Universidade e Pesquisa

concepção de Dahlberg, 1995 , p.214) para gerar novo conhecimento,


completando-se o ciclo (ou melhor, dizendo, a espiral).
Verifica -se, no entanto, que o resgate da informação em si (para
posterior geração de conhecimento) se dá por meio de novos documentos (ou
metadocumentos) - Os registros documentários, como resumos e indices – fruto
de um processo de representação.
Nesse contexto, verifica -se um redimensionamento do termo
documento e de sua correspondente área de estudos - a Documentação - rumo a
uma abordagem mais científica - de uma Ciência Documental - com conceitos,
princípios e métodos específicos - que parte do conhecimento, passando por
seu registro em documentos, o s quais, após organizados e, uma vez recuperados,
permitem a transmissão de informação ao usuário que, ao dela apropriar-se,
gera novo conhecimento .

Percebe-se, desse modo, que o conhecimento passa a ser


pressuposto e conseqüência do processo, uma vez que sua forma de produção
e seu uso tornam-se objeto de estudo.
Se a premissa fundamental está em propiciar que o conhecimento
registrado contribua para a geração de novo conhecimento, o Tratamento
Temático da Informação assume uma função -ponte levando a um novo
paradigma - o da invisibilidade – segundo o qual a quintessência do processo
reside no fato de propiciar tão alto grau de comunicação entre autor e usuário
de modo a praticamente não se tornar perceptível a interferência do
documentalista no tratamento documental .

Em outras palavras, poder-se-ia dizer que a qualidade e a


sofisticação do processo de tratamento temático da informação será tanto maior
na medida em que permitir um efetivo diálogo autor-usuário . Obviamente isso
requer grandes esforços do documentalista, desde o estabelecimento de pontes
de vocabulário até a possibilidade de acesso a domínios conceituais correlatos.
Trazendo-se a questão especificamente para o ensino da área,

66
Organização do conbecimento

em cursos de Biblioteconomia verifica -se que a ementa do Mercosul parte de


dois conceitos fundamentais - organização do conhecimento e tratamento da
informação - levando inicialmente à idéia do binômio teoria / prática. No entanto,
não explicita sua concepção de organização do conhecimento e, ao abordar o
tratamento temático, refere -se a bases teóricas (teoria da classificação e da
indexação) e a processos mentais ( análise da informação) para, ao final, referir
se a produtos enquanto instrumentos de recuperação da informação.
No entanto, do resgate dos estudos teóricos de Dahlberg e seus
seguidores verifica - se que a organização do conhecimento constitui-se em
disciplina ou área de estudos no âmbito da qual enquadram -se aspectos teóricos
(a organização do conhecimento stricto sensu) e práticos (processos documentários
e representação do conhecimento ).
Garcia Marco (1993-1999) apresenta interessante proposta de
conteúdos didáticos para a área. No entanto, uma adaptação há de ser feita em
sua proposta, visto que parte de uma concepção - bastante difundida na Espanha
- em que aspectos descritivos e temáticos são abordados no mesmo âmbito da
análise documental, ao passo que a realidade brasileira apresenta-se de maneira
distinta, seja por influência da dicotomia norte-americana classificação X
catalogação, seja ainda pela influência de Jean-Claude Gardin e seus seguidores,
como o grupo TEMMA, para quem a análise documental refere -se basicamente
a questões de conteúdo.
Desse modo, e com base nas propostas de Garcia Marco,
apresenta- se, a seguir, uma proposta de estrutura de conteúdos didáticos para a
área de Organização e Representação do Conhecimento, em termos de Brasil,
pautando-se em três núcleos básicos:
a) Fundamentos de organização e representação do conhecimento: estudo da
inserção da área no universo do conhecimento, com ênfase nas disciplinas
que lhe são de interface;
b ) Organização do conhecimento : estudo da base científica da área (princípios
teóricos e metodologias ) ;

67
Educação, Universidade e Pesquisa

c) Representação do conhecimento: estudo dos instrumentos (ferramentas) ou


produtos da área.
Assim, tem-se:
1. Fundamentos de organização e representação do conhecimento
1.1 Teoria da comunicação (processos comunicativos)
1.2 Bases cognitivas do comportamento humano (processos de aquisição do
conhecimento)
1.3 Fundamentos de lingüística e terminologia (relação pensamento /
linguagem , questões semânticas, sintáticas e conceituais da área
1.4 Conhecimento social e epistemologia do conhecimento (aspectos culturais
envolvidos no processo )
1.5 Ciência e método científico
1.6 Fundamentos de lógica
1.7 Fundamentos de inteligência artificial
2. Organização do conhecimento
2.1 Teoria da classificação
2.2 Teoria da recuperação da informação (ciclo informacional)
2.3 Processos documentários
2.3.1 Análise documental (leitura documental e identificação de conceitos)
2.3.2 Síntese documental (seleção de conceitos, condensação documentale
representação documental)
3. Representação do conhecimento
3.1 Linguagens documentais ( sistemas de classificação, listas de cabeçalhos de
assunto e tesauros)
3.2 Produtos documentários (resumos, indices e catálogos web)

A pesquisa na área de organização do conhecimento


A considerar-se pela importância que a área progressivamente
assume no âmbito da Documentação e da Ciência da Informação por dedicar
se, dentre outros aspectos, ao processo de agregação de valor à informação

68
Organização de conhecimento

pelo usuário, um amplo aspecto investigativo se abre, mormente em tempos de


massiva disponibilização e uso informacional por meio da Internet.
Desse modo, importante se torna considerar três flancos
investigativos, a meu ver prioritários, para a própria consolidação científica da
área:

a) novas interdisciplinaridades e novos recortes nas já identificadas.


A título de exemplo ressalto as investigações levadas a efeito nesta Unesp
Marília acerca do caráter instrumental da Diplomática (Guimarães, 1997 ),
assim como as investigações do Grupo TEMMA da ECA /USP, acerca dos
recortes específicos na Lingüística, na Terminologia e na Lógica, como
suportes ao processo de análise documental.

Cumpre ressaltar que a área, em processo de crescimento e consolidação


científica, recebe influências diversas de área afins, mormente em se
considerando o aspecto cognitivo na interface com o usuário. No entanto,
há de se estar constantemente testando a aplicabilidade dos aportes
interdisciplinares aos próprios objetivos da área, por meio de recortes
específicos;
b ) desenvolvimento de metodologias nos processos da área
Neste âmbito tem - se um aspecto fundamental à consolidação científica da
área: a construção de um corpus teórico-metodológico, de modo a romper
com toda uma tradição tecnicista de anos.

Exemplos como as pesquisas de Mariângela Fujita, Maria Isabel Nardi e


orientandos, desta FFC -Unesp, acerca dos aspectos cognitivos no processo
de leitura documentária e a aplicação do protocolo verbal em tal processo,
assim como as experiências de distintos critérios de análise diplomática em
documentos técnicos e científicos (Guimarães e orientandos) vão ao encontro
das recomendações da literatura quanto à necessidade de investigação de
novos parâmetros.
c ) análise crítica dos produtos sob o aspecto de seu uso e de geração de

69
Educação, Universidade e Pesquisa

conhecimento .
A questão dos produtos (resumos e índices) na área, passa hoje por um
processo de redimensionamento , uma vez que, dentro de uma abordagem
cognitiva, o fazer do analista de informação não se restringe à geração dos
mesmos, mas vai além, procurando averiguar seu impacto junto aos usuários
e até em que medida os mesmos contribuem - ou não – para garantir o
paradigma de invisibilidade abordado anteriormente. Nesse âmbito , questões
como o estudo do vocabulário do usuário ( em suas distintas comunidades
lingüísticas)

Considerações finais
O cursos de Biblioteconomia do Mercosul passam, hoje, por
um processo de reflexão quanto à formação do profissional em que aspectos
como a globalização, o crecente uso das novas tecnologias e a presença de clientes
informacionais cada vez mais exigentes e cônscios de seus direitos levam a uma
análise do fazer pedagógico na área aspecto que, por definição, decorre de um
fazer investigativo.
Cada vez mais busca-se por profissionais com criatividade e
flexibilidade que não apenas atendam a necessidades informacionais de usuários
e clientes mas, principalmente, adiantem - se às mesmas , propiciando diversificadas
e específicas formas de acesso temático à informação e ao documento.
Nesse contexto, já não faz mais sentido uma concepção, em
voga na década passada, em que o processo de tratamento da informação era
considerado como um packaging ao passo que a disseminação era tida como
simples delivery. Em tempos de informação com valor estratégico, cabe criar
instrumentos que se adequem a uma concepção de disponibilização de
conhecimento registrado para geração de novo conhecimento, em que a vertente
temática assume papel preponderante, visto resgatar a essência do conteúdo
informacional.

Por fim , cumpre ressaltar que o impacto das novas tecnologias


70
Organização de combecimento

na atividade do profissional da informação (dentre os quais o bibliotecário ) abre


- para não dizer exige - infinitas possibilidades de atuação, mormente em se
considerando que o tão propalado caos informacional a que muitas vezes nos
leva a Internet deve-se, primordialmente, a uma quase total ausência de estruturação
temática, aspecto que, como argumentado anteriormente, revela uma questão
de organização do conehecimento .

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71
Educação, Universidade e Pesquisa

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SMIT, J.W. (Coord .). Análise documentária. a análise da síntese. 2.ed. Brasília: IBICT.,
1989.

72
A interdisciplinaridade nas Ciências Humanas
MUITO ALÉM DAS DISCIPLINAS

Marcos César ALVAREZ

A ciência moderna se constituiu historicamente como um


empreendimento especializado, voltado para uma compreensão aprofundada
de aspectos circunscritos da realidade. O grande sucesso prático desse novo
empreendimento fez com que o conhecimento científico deslocasse com sucesso
as antigas formas de compreensão da realidade - como, por exemplo, o mito
ou a religião - ao assumir o papel de principal discurso de compreensão e
legitimação da modernidade. Como afirma Michel Foucault (1996) , em nossa
sociedade a vontade de verdade que impulsiona o conhecimento científico tem
exercido um poder de coerção em relação aos demais discursos, de tal modo
que a literatura, as práticas econômicas, o direito, etc., passam a buscar apoio e
legitimidade no discurso científico, como se apenas este pudesse fundamentar e
justificar qualquer prática social.
Podemos pensar a organização disciplinar das ciências como a
forma ao mesmo tempo intelectual e institucional que deu suporte a essa
especialização crescente, característica da ciência moderna. A organização das
ciências em disciplinas autônomas, com objetos e com metodologias particulares,
triunfou mesmo no campo das assim chamadas humanidades, historicamente
mais refratário à especialização do conhecimento . Tanto isso ocorreu igualmente
no campo das ciências humanas que um autor como Max Weber (s.d.) – tomado
como um dos fundadores da moderna Sociologia – não hesitava em afirmar,
no início deste século, que também o conhecimento da sociedade se tornava
cada vez mais especializado, embora esse " destino" especializado fosse visto
por ele muito mais como uma fatalidade histórica do que como um progresso
efetivo do conhecimento .

Departamento de Sociologia e Antropologia - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp -


Campus de Marília - 17525-900 - SP

75

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p75-78
Educação, Universidade e Pesquisa

Hoje, em contrapartida, a especialização e sua forma institucional


as disciplinas – têm sido cada vez mais reavaliadas. É certo que a ciência
disciplinar, desde sua emergência, foi criticada a partir dos mais diversos pontos
de vista. Seria equivocado considerar que todos esses ataques tenham sido apenas
manifestações irracionalistas, pois muitos apontaram justamente para os perigos
e os limites da atividade científica, sem que com isso tenham pretendido
abandonar suas inegáveis conquistas técnicas. O que é novo, na atualidade, no
entanto, é que cada vez mais o desconforto com as práticas disciplinares parte
também daqueles diretamente envolvidos com a produção das ciências nos mais
diversos campos do conhecimento. Buscam-se novos caminhos teóricos e
metodológicos capazes de superar a parcialização do conhecimento, já que são
os próprios problemas colocados pelas pesquisas que indicam a insuficiência
dos antigos paradigmas científicos.
Os textos aqui apresentados têm em comum justamente esta
busca por novos paradigmas de compreensão da realidade . Ao partirem de
áreas diversas, em que estão sendo experimentadas formas diferenciadas de
produção do conhecimento, os autores discutem como é possível ir além do
conhecimento disciplinar. A própria discussão acerca de como nomear o que
estaria na outra margem - se um conhecimento interdisciplinar ou transdisciplinar,
por exemplo -, longe de indicar um debate puramente escolástico, demonstra
que os autores lidam seriamente com os desafios apresentados pelo novo
empreendimento, que sem dúvida não consistirá numa simples justaposição das
disciplinas, mas apontará para formas inéditas de compreender o mundo e de
organizar institucionalmente a prática científica.
Os riscos da empreitada assumidos pelos autores estão deste
modo claramente explicitados. Pode-se mesmo ser um pouco pessimista quanto
aos desdobramentos institucionais das idéias discutidas, pois, embora muitos
critiquem teoricamente a fragmentação da ciência, a rotina institucional ainda é
dominada pelo corporativismo de grupos de pesquisadores que acreditam ter o
monopólio da verdade. Ou seja, não basta apenas uma mudança de conceitos e
de teorias, mas deve-se buscar essencialmente um novo funcionamento político,
76
A interdisciplinaridadenasCrênciasHumanas

no sentido amplo, da ciência, capaz de romper com os mecanismos de poder


que se instalaram através das divisões disciplinares. Desse modo, mesmo que
uma nova política científica ainda não esteja desenhada no horizonte, nem por
isso os autores desta coletânea aceitam ficar de braços cruzados e as reflexões
aqui desenvolvidas são um passo importante também nesta direção.
Por último, é importante ressaltar que os textos a seguir apresentados
convidam o próprio leitor a assumir os riscos de abandonar o campo especializado
de sua formação e de enfrentar o diálogo com outros campos do conhecimento .
Entre as muitas contribuições dadas pelos autores, a formação de um novo
público para a ciência, capaz de transitar por campos de conhecimento diversos,
não é a menos importante.

Referências Bibliográficas
FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. 2. ed . São Paulo : Loyola, 1996 .

WEBER , M. A Ciência como vocação. São Paulo : Cultrix, s.d.

77
A CIÊNCIA, A INSTITUIÇÃO E O TERCEIRO MILÊNIO :
ABORDANDO A INTERDISCIPLINARIDADE

Adriana Benevides SOARES

Introdução

A ciência, historicamente, nasce na Grécia. Exclusivamente sob a


forma das matemáticas, da lógica e da astronomia, com caráter especulativo e
sem vocação de servir a nenhum desenvolvimento técnico, permite desenvolver
neste primeiro momento as primeiras concepções de mundo.
Em um segundo momento , no século XVII no oeste europeu, a
ciência se esforça para extrair conhecimentos a fim de satisfazer necessidades
práticas, diferindo em seu objeto e em seus métodos da ciência desenvolvida
anteriormente, de caráter puramente especulativo. Obviamente, embora seja este
o momento de transição do ( especulativo para o prático) os estudiosos deste
século têm ainda bastante preocupações teóricas, como é o caso de Copérnico e
Galileu, entretanto eles tentarão conhecer o mundo físico e, para tanto vão, com
o avançar do tempo, desenvolver o método experimental.
Mas, como se constitui uma ciência? A resposta a esta pergunta
nos obriga a optar, pelo menos, entre duas tendências dominantes da época: o
empirismo e o racionalismo.

Segundo o empirismo, todo o conhecimento humano deriva,


direta ou indiretamente, da experiência sensível, o espírito humano não
desempenhando nenhuma atividade própria. A ciência, segundo esta concepção,
tem seu ponto de partida no conhecimento direto que os sentidos dão as coisas,
dos fatos, dos fenômenos, isto é, da observação dos dados. O saber científico,
Centro de Ciências do Homem - Universidade Estadual do Norte Fluminense - Campo dos
Goytacazes - Rio de Janeiro - 28015-620 - RJ

79

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p79-90
Educação, Universidade e Pesquisa

partindo dos dados, das aparências, chega por um movimento progressivo através
dos fatos evidentes à observação do desconhecido. Ainda nesta concepção, o
dado é o objeto que se apresenta ao pensamento científico como algo evidente
imediatamente percebido pela experiência ou por ela representado como protocolo
de uma constatação isenta de toda implicação teórica.
O racionalismo nega que a ciência parta primeiramente de dados
brutos ou naturais, evidentes ou captados pela observação. Afirma que os dados
não são dados, mas são construidos teoricamente, são objetos pensados,
elaborados em função de uma problemática teórica que possibilita submeter a
uma interrogação sistemática os aspectos da realidade relacionados pela questão
que lhes é colocada. O conhecimento do mundo se deduz do raciocínio , partindo
da razão como primeiro ponto na procura do conhecimento. Diferentemente
do objeto real como produto do pensamento puro, e do objeto real em sua
totalidade concreta, o construído é um objeto concreto pensado. Segundo esta
concepção, a ciência não se apoia nos fatos ou dados observáveis. Tampouco
tem por objetivo a busca das essências ocultas das coisas. Ela se constitui mediante
um trabalho de produção de conceitos se contrapondo aos dados da experiência
sensorial e as convicções espontâneas ou subjetivas.
Vejamos como se manifestam estas duas concepções na física,
na astronomia e na biologia.
Na física a experiência cotidiana, espontânea, vivida e imediata
nos indica que os corpos caem porque são pesados. Para o senso -comum , este
fato é incontestável: o que é mais pesado que o ar cai e o que é mais leve sobe.
Aristóteles explicava assim a queda dos corpos. Galileu percebe que os corpos
caem de forma acelerada, o que irá gerar a idéia de que há um agente que os
acelera. Foi Newton quem mostrou que a queda dos corpos e a aparência
obedeciam a força gravitacional, ou seja o agente acelerador era a força. Este
conceito de força da gravidade não se originou em nenhuma experiência empírica
pessoal, nem tampouco de uma mágica inspiração. Ela foi o resultado da
importação teórica de conceitos matemáticos feitos pela física. Foi ainda o resultado

80
A interdisciplinaridade nas Ciências Humanas

da colocação do problema em termos contraditórios com o saber do senso


comum. Os corpos não caem porque são pesados. Pelo contrário, o fato de
serem pesados é uma consequência da relação existente entre a massa do corpo
que cai, a massa da terra e o quadrado da distância entre o corpo e o centro da
terra. É claro que não podemos compreender esta relação prescindindo
inteiramente da aparência da queda como por exemplo quando observamos um
corpo caindo em linha reta ou caindo depois de ter sido arremessado.
Na astronomia, durante muito tempo a doutrina geocêntrica de
Ptolomeu era indiscutível, o sol aparecia no leste e se punha a oeste. Sabemos
hoje que essa astronomia era uma mera descrição das aparências, um discurso
pré-científico dando conta dos movimentos dos astros no cosmos. Era uma
repetição daquilo que todos sabiam, na medida em que todos reconheciam e
reconhecem nesta descrição em sua vivência de cada dia. A astronomia só se
tornou científica quando Copérnico produziu o conceito de um duplo movimento
da Terra ao redor de um eixo imaginário e ao redor do sol. Tal conceito não
resultou de uma apreciação sensorial. Sua teoria foi o produto de uma ruptura,
com as evidências de suas observações. Sua concepção abstrata ou teórica do
movimento dos astros opôs-se ao fascínio da experiência concreta dos movimentos
aparentes.

Na biologia a situação é semelhante. A primeira aparência é que


existem, na Terra, múltiplas espécies distintas. Era natural dizer que elas existem
desde sempre ou desde que Alguém as criou com essas características. Até a
metade do século passado, ninguém havia discutido outra possibilidade. Com
Darwin, surge a teoria da evolução das espécies, numa ruptura com a evidência
dos reinos separados (animal, vegetal, mineral). E, somente há uns vinte anos se
pode demonstrar que a hereditariedade depende de modificações transmitidas
na maneira de se organizar certas moléculas relativamente simples: os ácidos
nucleicos. Neste caso , não há nenhuma relação de continuidade entre a explicação
da hereditariedade e os dados fornecidos por nossos sentidos.

Não podemos deixar de constatar, como explicitado no caso


da física, da astronomia e da biologia como se desenvolveu progressivamente a
81
Educação, Universidade e Pesquisa

associação dos sabores técnicos ‘a ciência e ainda, de perceber que a medida em


que vamos nos aproximando de nosso tempo que o acoplamento da invenção
técnica ‘a ciência vai ficando cada vez mais estreito a tal ponto que mal podemos
conceber o processo técnico notável que não se baseia nos dados da ciência.
Muito bem, até agora tentamos caracterizar a ciência disciplinar,
sistema que opõe-se a opiniões, opõe-se a forma de conhecimento que se apresenta
como um conjunto falsamente sistemático de juízos elaborados pela prática e
para a prática, visando traduzir as necessidades em conhecimentos e a designar os
objetos por sua utilidade. Em outras palavras, a ciência crítica das enganosas
aparências, das evidências fornecidas unicamente pelos sentidos, que rompe com
os obstáculos epistemológicos que se incrustam no interior mesmo do ato de
conhecer, notadamente do senso-comum . Ciência que tem que valorizar a
abordagem racionalista mas, que não pode prescindir da empirista.
A ciência disciplinar reivindica permanentemente a relação que
liga entre si todos os conceitos dessa ciência, denunciando como uma tentativa
ideológica a pretensão de fragmentá- la ou de infiltrá - la com noções provenientes
de outros campos teóricos. A ciência trabalha com conceitos que são abstratos
nos introduzindo num universo de idéias estranhas ‘a nossa experiência imediata,
a um mundo que não reconhecemos em nossa vida concreta.

A interdisciplinaridade
O caso da Ciência interdisciplinar, como é o caso da Ciência
Cognitiva, é um pouco diferente. Embora geralmente originária de diversas ciências
disciplinares, como é o caso da Ciências Cognitivas: disciplinas tais como a
psicologia, a inteligência artificial, a filosofia, a linguística e a neurociência, têem a
convicção de que só será possível avançar do nível da experiência direta, sensível
para a elaboração de conceitos construidos como é o caso do conceito de
representação, central a esta nova ciência, caso possa contar efetivamente com
noções e conceitos provenientes de diversos campos teóricos e práticos
enriquecendo-se assim em suas características metodológicas.
82
A interdisciplinaridade nas Ciencias Humanas

Para que possamos entrar no tema propriamente dito da


interdisciplinaridade precisamos caracterizar conceitos que as vezes se confundem
como os de multidisciplinaridade, transdisciplinaridade e interdisciplinaridade.
Quanto a multiplinaridade entendemos que se trata de um conjunto de disciplinas
que se interessam por uma área comum. Este é o caso da questão do conhecimento
que é estudado pela psicologia cognitiva, pela filosofia da mente, pela inteligência
artificial, etc. A transdisciplinaridade, muito em voga nos novos currículos
acadêmicos , tenta abordar temas que perpassem transversalmente diversas
disciplinas, como por exemplo quando a irrigação é abordada sob a ótica da
geografia, da antropologia, a história da economia etc. Enfim , a
interdisciplinaridade pressupõe disciplinas que trabalham em um projeto comum,
que tendem a se ajustar em sua essência, em seus conceitos, em seus métodos em
prol deste projeto.
Tomemos como exemplo o caso efetivo da Ciência Cognitiva
que tem em seu âmago a questão da interdisciplinaridade. Embora o estudo do
conhecimento humano tenha sido feito durante dois milênios, pelos filósofos, ao
longo da história da filosofia procurou -se entender as categorias e operações
envolvidas na produção do conhecimento apoiadas na observação espontânea
do comportamento humano, na introspecção fenomenológica e no raciocícinio
filosófico . Mas, foi somente no século XX sob o domínio da mentalidade científica
e tecnológica que os esforços para desvendar o processo , a aquisição, a simulação
e a representação do conhecimento fazem emergir o projeto ambicioso e que se
pretende integrado da ciência cognitiva. Através de artefatos tecnologicamente
sofisticados e do uso do método experimental, as teorias sobre a natureza e
funcionamento cognitivos ganham novo vigor procurando complementar a
abordagem anterior. Coloca-se deste modo as ciências de caráter eminentemente
disciplinar em uma busca da interdisciplinaridade metodológica sobre a questão
do conhecimento.
Até o momento tem ocorrido uma cooperação multidisciplinar
entre vários cientistas e os filósofos que têm o papel de unificar e formar uma
versão coerente dos diversos resultados obtidos nas diversas áreas do saber.

83
Educação, Universidade e Pesquisa

Espera-se que estes esforços sirvam para constituir uma área interdisciplinar
desenvolvendo uma metodologia multifacetada na qual o estudo da cognição
possa ser feito de maneira ainda mais integrado.
É indiscutível que qualquer tarefa interdisciplinar e sobretudo a
de se criar uma nova área com denominação própria é extremamente difícil e
requer um movimento de idéias e de pesquisa ativo. A grande questão é de saber
se é possível realmente diminuir as distâncias epistêmicas existentes entre as diversas
disciplinas que a compõem, de saber se é possível encontrar conceitos que possam
federar ou superordenar outros tendo suficiente níveis de generalidade e abstração.
Façamos uma pequena locubração sobre o conceito de
representação , que como já foi dito, é considerado central para a Ciência Cognitiva.
A palavra que aponta para o conceito de representação é
particularmente ambígua, as diversas concepções que ela engloba constituem
diversas versões da noção de representação que são em si suscetíveis de levantar
múltiplos problemas. Algumas destas versões têem há muito tempo um lugar
importante nas teorias psicológicas mais ou menos espontâneas utilisadas na vida
cotidiana assim como em diversas teorias mais elaboradas de inspiração
introspectiva como a filosofia.
Apoiada em técnicas bastante robustas a noção de representação
tornou-se central na psicologia cognitiva e também em diversas outras disciplinas
como a linguística, a lógica e a informática, e particularmente na inteligência artificial,
onde uma área bastante importante é denominada representação do conhecimento.É
necessário então analisar com cuidado a noção de representação mental e de
justificar seu emprego antes de estudá- la experimentalmente em um campo onde
este conceito é uma noção fundamental.
Concretamente é desejável aplicar um certo número de conceitos
e conhecimentos de uma ciência a outra de tal maneira que possamos conferir
valor descritivo e explicativo a nova área que se pretende desenvolver. Expandimos
assim nosso dominio de conhecimentos. A dificuldade é certamente realizar o
pretendido sem perder a especificidade científica dos conceitos e conhecimentos.
Este deve ser um dos objetivos principais da Ciência interdisiciplinar.
84
A interdisciplinaridadenas Ciencias Humanar

A questão do método interdisciplinar


Não poderíamos deixar de discutir também a questão específica
da interdisciplinaridade metodológica. O problema da homogeneidade ou da
diversidade dos métodos de investigação podem ser considerados como um
dos temas centrais da caracterização da pesquisa e da ciência interdisciplinar.
Na visão tradicional, postula-se a unidade do método científico .
De acordo com o monismo metodológico, o mesmo método científico se aplica
a todas as ciências naturais, sociais ou humanas. Este método consiste
essencialmente numa série de exigências relativas a objetividade das observações,
a testabilidade das hipóteses e a comprovação do conhecimento elaborado. Nas
observações e experimentos, são privilegiados os instrumentos de observação,
as técnicas de medição, os procedimentos de análise de dados quantitativos e a
generalização obtida principalmente por via indutiva. É interessante notar que
nesta versão tradicional, não há preocupação em torno das modalidades do
conhecimento ou do modo de encarar qualitativamente o tipo de informação
produzida. Além disso, não há insistência sobre o papel ativo do observador e
ainda menos sobre os critérios normativos das instituições nas quais atuam os
avaliadores. Uma outra característica da metodologia tradicional, consiste no fato
de que a preocupação principal está centrada em torno da observação e
comprovação, o que deixou de lado os problemas específicos da metodologia
de criação que teoricamente seriam de particular relevância no caso específico da
tecnologia.
Numa visão alternativa da metodologia científica, podemos
considerar que é possível manter no plano filosófico o ideal de unidade do
conhecimento científico sem pressupor uma unidade do método científico . O
ideal de unidade do conhecimento científico pode ser mantido como bandeira
para efeito de demarcação a ser estabelecida entre o conhecimento científico e as
outras formas de conhecimento. A fronteira é, de fato, sempre móvel e sujeita a
revisões por meio da reflexão epistemológica. Esta revindicação da especificidade
do conhecimento científico não inclui, a nosso ver, limitações a diversidade
metodológica. Existe uma diversidade do método científico em função dos
85
Educação, Universidade e Pesquisa

campos de conhecimento e em função de uma grande diversidade de objetivos


de investigação.
Em cada campo é preciso inventar métodos específicos. Além
disso os objetivos são também diversificados: nem sempre se trata de observação
ou de comprovação, existe uma gama de objetivos diferentes: criar, imaginar,
planejar, resolver problemas, criticar um discurso, tomar uma decisão, avaliar
qualitativamente as consequências de uma decisão etc. A base observacional é
necessária, mas não é nela que se resolvem todas as dúvidas ou que se encontram
as explicações dos fatos ou a justeza das avaliações. Contra certas formas de
empiricismo, podemos manter erguida a bandeira de um racionalismo suavizado
do qual decorre a possibilidade de restabelecer o papel ativo do intelecto na
formação das representações quantitativas que não seriam consideradas como
sempre necessárias ‘a elaboração do conhecimento. É possível combinar elementos
de dedução obtidos a partir do conhecimento anterior, com elementos de
descrição empírica e com algumas generalizações. Além disso, a demonstração
não é obtida apenas com recursos formais de dedução ou com recursos empíricos
por via da indução. Sempre encontramos no caminho, especialmente nas ciências
humanas e nas ciências voltadas para a criação, processos argumentativos dentro
do discurso que se estabelece na formulação do conhecimento. O quadro formal
do conhecimento não exclui o informal tanto no nível da captação de informação
empírica quanto ao da administração de provas, generalizações, particularizações
etc. Do mesmo modo, o quantitativo não exclui o qualitativo. O conceito não
remete a um simples agregado de dados empíricos, faz parte de uma teoria ou
de determinado tipo de discurso cujas regras exercem efeitos semânticos dos
mais variados, não apenas limitados a efeitos de comparação dimensional ou
hierarquização em escalas numéricas.
Nesta visão alternativa que estamos descrevendo aqui
rapidamente, é de maior importância uma distinção entre vários objetivos de
pesquisa as quais estariam associadas modalidades cognitivas normativas diferentes.
É o caso, por exemplo, de três tipos de objetivos: observação, simulação e avaliação
cujas incidências metodológicas são muito variadas. No caso da observação,
86
A interdisciplinaridade nas Ciências Humanas

grande parte de conhecimento metodológico disponível merece ser levado em


consideração, mas, sobretudo, é preciso atribuir ao observador um papel muito
mais ativo do da concepção observacional empiricista tradicional . No caso da
simulação central em tecnologia, é preciso introduzir modalidades epistêmicas e
normativas próprias ao caráter intencional da criação de objetos artificiais. No
caso da avaliação e do contexto particular da chamada avaliação da tecnologia ,
os procedimentos observacionais e de medição não são separados de registros
normativos que atribuem significações aos objetos da avaliação. Na visão
tradicional não há distinção qualitativa entre medição observacional e medição
avaliativa. Na visão alternativa, as medições avaliativas , por fazerem parte do
processo investigativo norteado em função do objetivo de avaliação, são acopladas
as normas.

Todas as observações feitas anteriormente convergem no sentido


de se dar maior importância “a diversidade dos objetivos metodológicos em
detrimento a visão monolítica e única da metodologia científica.

A interdisciplinaridade na Academia
Ainda e para terminar , cabe ressaltar o papel da
interdisciplinaridade na academia.
As estruturas acadêmicas vigentes, em sua maioria não têm
conexão orgânica com os propósitos de integração desejados no mercado de
trabalho e se parte de pressupostos manifestamente equivocados quando, por
exemplo, consideramos que as necessidades de uma visão holística de mundo,
isto é, de associar os conhecimentos das ciências naturais, humanas, sociais e
tecnológicas pode se fazer pela compartimentação de disciplinas dessas diversas
áreas do saber em um ou dois semestres letivos.
Assim como a ciência interdisciplinar se propõe a, a partir de
um ponto de interesse comum, gerar articulação entre diversos universos abrindo
a possibilidade de um campo do saber transdisciplinar, assim também, ao nosso
ver, o conhecimento veiculado na academia deve propor integração verdadeira
87
Educação, Universidade e Pesquisa

entre as diferentes disciplinas e não simplismente simultaneidade, co -habitação,


linearidade temporal.
O conhecimento deve ser transmitido através de um foco
temático comum que lhe dê unicidade, organicidade, estrutura. É preciso que
através de temas transdisciplinares, o saber seja transmitido de maneira a formar
recursos humanos capazes de reflexão, argumentação, sustentação e crítica e não
os já tradicionais reprodutores de informações adquiridas, que por sua vez também
são reproduzidas por aqueles que os formam.
Propomos que a estrutura que prepara o futuro profissional dê
The recursos instrumentais suficientes para o conhecimento especializado que se
propõe seguir, revisando os conhecimentos gerais que supostamente obteve em
seus estudos anteriores, e incidindo na atitude reflexiva e crítica com que devem
ser abordados.

Assim , propor cursos isolados é exatamente o oposto do


esperado. Os cursos ou matérias oferecidas devem ter caráter integrador,
denunciando a segregação da realidade segundo a ótica segmentária das disciplinas.
O núcleo de preocupação com os estudos básicos deveria ser
com as disciplinas que operam com os instrumentos cognitivos, com o objetivo
de viabilizar a aproximação do estudante ao campo do conhecimento. Supomos
que aluno possa entender melhor as descobertas científicas que lhes parecem
muitas vezes arbitrárias e descontextualizadas se compreenderem as necessidades
de investigação pelo homem de suas origens, de futuro e de suas relações com o
mundo. É também fundamental aproximar os alunos ao pensamento abstrato e
as diversas formas de relação, abstração e simulação que oferece a qualidade não
fenomenica do referente matemático .

Evidentemente, não se pode descartar o campo das disciplinas


informativas que em última instância serão o campo no qual se trabalhará ao
longo da formação profissional. O que se deve exigir entretanto é que sejam
apresentadas a partir do pressuposto de que sua aprendizagem é uma atividade
importante e seu objetivo é o de levar os estudantes a um estado de conhecimentos
88
A interdisaiplinaridade nas Ciências Humanas

sobre as condições de nossa existência, do que sabemos sobre os fenômenos que


afetam nossos sentidos, estimulam e ocupam nossa consciência.
Não podemos ainda deixar de oferecer a esses alunos a
oportunidade de aprendizado de instrumentos fundamentais a qualquer perspectiva
de trabalho, o manejo da sua língua e pelo menos uma outra língua estrangeira e
das tecnologias computacionais.

Conclusão

O desenvolvimento de estudos interdisciplinares sobretudo


aqueles que envolvem a área tecnológica são diferentes daqueles em que se pretende
compreender e explicar o mundo e o homem através da especulação e também
daqueles que pela interação ensaio e erro da prática experimental tentam conceber
objetos técnicos que funcionam , isto é que constróem objetos dotados de
propriedades naturais e sociais artifialmente reproduzidas.
A grande vantagem seja da pesquisa, do estudo ou da ciência
interdisciplinar é que ela permite, como um amálgama, estar a serviço da prática
e da reflexão, da especulação e da experimentalidade, do sensível e do construído,
proporcionando uma visão mais completa, global do seu objeto de estudo. Trata
se de mostrar como estão articulados seus aspectos reflexivos e normativos
observando -se seus objetivos, sua coerência e suas circunstâncias.

Referências Bibliográficas

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89
Educação, Universidade e Pesquisa

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SOARES, A. B. Ciências e ciência cognitiva. IN : ENCONTRO BRASILEIRO /
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90
LINGÜÍSTICA, LINGÜÍSTICA APLICADA E ANÁLISE DO
DISCURSO EM UM ESTUDO NA FRONTEIRA COM A HISTÓRIA
E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Manoel Luiz Gonçalves CORRÊA'

Introdução

Tomamos como um primeiro objetivo deste trabalho a


apresentação de um percurso histórico que possa situar o processo de
autonomização da Lingüística como disciplina científica e sua crescente inter
relação com outras disciplinas científicas. Trata -se, naturalmente, apenas de um
percurso, pois outras relações e outros fatos poderiam ser destacados para
descrever esse processo. Um segundo e último objetivo é exemplificar essa inter
relação a partir de uma pesquisa transdisciplinar, envolvendo pesquisadores ligados
à Lingüística, Lingüística Aplicada, História e Sociologia.

1 Um pouco de historia?
Uma das mais alentadas qualidades da Lingüística foi e, em certo
sentido, ainda é a sua cientificidade. A história quase oficial a respeito da constituição
da Lingüística como ciência é a que liga Saussure a Durkheim e, indiretamente, a
Comte. Essa vinculação da Lingüística à Sociologia de Durkheim parece não ser,
porém, o primeiro e único momento em que Lingüística e Ciências Sociais se
avizinham de algum modo .

Em texto de 1969, Foucault lembra que a vinculação da


Lingüística com as ciências sociais data de pelos menos dois séculos atrás. Segundo
o autor, já no século XVIII, D'Alembert, em seu discurso sobre a Encyclopédie,

Universidade de São Paulo - USP


? Retomo, neste e em outros pontos deste trabalho, algumas observações feitas em trabalho
anterior (cf. Corrêa, 1999).

91

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p91-112
Educação, Universidade e Pesquisa

explica que, se ele havia feito um dicionário nos moldes da análise de uma língua,
tinha sido porque ele queria construir um monumento que pudesse permitir às
gerações futuras conhecer o que haviam sido os costumes, os conhecimentos, as
técnicas do século XVIII. Esse procedimento caracteriza, segundo Foucault, a
tomada da ciência da linguagem como uma forma ou um conteúdo de
conhecimento. A aproximação entre os fatos de língua e os fatos de cultura são,
nesse caso , bastante evidentes.

Ainda mais claramente, os estudos lingüísticos do início do século


XIX mostram o avanço metodológico da ciência lingüística em relação às outras
ciências humanas. Sabe-se que, pela comparação entre línguas, os lingüistas de
então buscam a reconstituição de uma língua-mãe (o indo -europeu), partindo de
traços das línguas documentadas na direção do passado dessas línguas. Esse
estudo se deu pela comparação do grego e do latim com a descrição do sânscrito,
que tinha sido feita muito antes - entre os séculos V e III a.C. pelo hindu Panini
-, mas que só no início do século XIX tinha sido divulgada na Europa. Há, nesse
movimento em direção ao passado, a idéia de uma língua originária comum a
todas as línguas das principais culturas clássicas (o sânscrito, o grego e o latim ).
Pode -se, pois, observar, nesse trabalho de comparação, um princípio de
generalização de traços em direção a um constructo, que seria o indo-europeu.
Esse método comparativo de reconstituição, voltado para o estudo de línguas
mortas, mostra, portanto, que a ciência lingüística, desde seus primórdios, dispunha
de um método científico de análise, fato que já a colocava num plano de
elaboração formal muito avançado em comparação com o trabalho de outras
ciências humanas. Além do método, pode -se também observar o interesse na
explicação das diferentes culturas, fato que, uma vez mais, aproxima os fatos de
língua aos fatos sociais e históricos.

No decorrer do século XIX, com os chamados neogramáticos,


os estudos comparativos dirigiram seu olhar para o presente e a comparação
entre línguas vivas passou a ser o objeto de seu estudo. Influenciada pelas ciências
naturais, a Lingüística de então propôs leis fonéticas de evolução de uma língua,
ao lado do estudo da organização social que teria dado em certa organização do
vocabulário.
92
A interdisaplisanidade was Ciencias Humanas

O lingüista, munido de um método comparativo voltado agora


para línguas particulares, passava a observar a relação entre língua e sociedade e
dava, assim, mais um passo na direção de outras ciências humanas.
Desse modo, no que se refere ao papel de Saussure no começo
deste século, parece que o grande impulso saussuriano para a constituição da
Lingüística como ciência foi o de somar à capacidade generalizadora da gramática
comparada do início do século XIX - a busca de um constructo teoricamente
possível para a reconstituição do indo - europeu – uma nova perspectiva científica,
construída a partir da atribuição aos fatos de língua de uma ordem própria,
inspirada numa outra ordem que, na época, já era atribuída aos fatos sociais.
Essa influência, atribuída ao positivismo de Comte, via Durkheim, é, como
dissemos, a história mais corrente sobre a constituição da Lingüística como ciência,
embora grande parte do método científico da Lingüística já tivesse nascido dois
séculos antes dos ensinamentos de Saussure.

Centrando - nos no papel de Saussure, ele mesmo um lingüista


que se formou nos estudos históricos sobre a língua, interessa-nos ressaltar a
idéia de totalidade atribuída à língua como objeto de estudo da Lingüística. Essa
totalidade sistêmica, como produto da ordem atribuída aos fatos de língua,
permitiu imaginar um objeto autônomo e homogêneo, fato que foi determinante
não só para a existência da Lingüística como ciência neste século , mas também -
em alguns dos seguidores de Saussure - para a sua presumida independência
como disciplina científica.
As conseqüências teóricas dessa construção de um objeto para
a ciência Lingüística foram inúmeras. Às escolhas teóricas positivamente afirmadas
corresponderam, pela negação, inúmeras exclusões. Destacamos, em primeiro
lugar, algumas dessas escolhas para , em seguida, abordarmos as exclusões
correspondentes. É interessante lembrar que essas escolhas, centrais no
desenvolvimento da Lingüística neste século, provêm de uma certa leitura dos
ensinamentos de Saussure. Eis algumas delas:

93
Educação, Universidade e Pesquisa

1 a proposição de um corte no curso da história e o conseqüente privilégio de


um estado de equilíbrio relativo da língua, constatável numa sincronia.
2 a ênfase na construção da língua pela coletividade, fato que marcaria uma
ordem própria da língua, caudatária do caráter social da língua - e da ordem
social positiva - como um registro fixado igualitariamente na memória dos
falantes;
3 a proposição de um sistema de signos assentado nas relações internas que
essas unidades básicas da língua manteriam no interior desse sistema, recurso
através do qual os signos ganhariam um valor a partir de suas relações internas
ao sistema;
4 a consideração da língua como uma instituição social entendida como um
meio para se chegar a um certo fim , a saber, a língua como meio dirigido ao
fim da comunicação no interior de um grupo humano;
5 a proposição de uma lingüística da língua que teria como preocupação o
estudo desse sistema autônomo e homogêneo, tomado como produto do
trabalho coletivo do homem ; e finalmente
6 a proposição de uma disciplina científica - uma lingüística interna -, em que
se poderia observar - livre de qualquer injunção exterior - o funcionamento
interno daquele sistema.
No que se refere às exclusões que corresponderam a essas escolhas teóricas,
temos :

1 uma desatenção ao caráter dinâmico da lingua e das mudanças no curso da


história, especialmente entre vários dos seguidores de Saussure que leram , na
sincronia, a impossibilidade de observar as condições estabelecidas para as
mudanças lingüísticas;
a desconsideração das variações locais próprias dos indivíduos e dos grupos,
que, marcados por temporalidades e símbolos particulares - muitas vezes
conflitantes - compõem uma sociedade mais pelo conflito do que pelo
acordo, opção teórica que, se considerada, poderia fazer ruir a suposta
homogeneidade do sistema da língua;
3 a desconsideração de fatores de ordem externa, atuantes nas relações internas
94
A interdisaplinaridadenas Ciências Humanas

dos signos, cuja ação, se considerada , poderia fazer ruir a autonomia do


sistema;
4 a desconsideração de uma noção de instituição social que vinculasse o
funcionamento da língua à sobreposição conflitiva de práticas sociais ligadas
a mecanismos de poder e sobre as quais poder-se-ia observar também seu
funcionamento, mas cuja consideração levaria ao abandono da idéia de
instituição como uma entidade pensada para um fim específico, aquele da
comunicação pacificamente conseguida por uma coletividade abstratamente
concebida;
5 a exclusão de uma lingüística da fala que teria como preocupação a ação do
indivíduo e dos grupos no interior de uma sociedade , fato que , se
considerado, levaria não só à consideração da heterogeneidade conflitiva
registrada na língua, mas também à consideração do curso da história, de
onde esses indivíduos e grupos tomam para si a sua temporalidade e seus
símbolos específicos;
6 a exclusão de uma disciplina científica que se definisse como uma lingüística
externa, em que fatores geográficos, sócio - econômicos e políticos interviessem
de forma determinante no modo pelo qual o sistema da lingua é posto em
prática.
No entanto, a ênfase no método científico; seu avanço, nesse
aspecto, em relação às outras ciências humanas; e o parentesco de natureza
filosófica entre a ordem da lingua e a ordem social, que, no momento de seu
aparecimento como ciência, deram base à constituição da Lingüística como
disciplina científica, têm tomado, no decorrer deste século, um aspecto até certo
ponto paradoxal.
Talvez porque o parentesco entre fato de língua e fato social
tenha sido cada vez mais reconhecido como de natureza processual, já há algum
tempo uma nova totalidade, desta feita instável e baseada na heterogeneidade
ordenada da língua, parece supor - e atualmente com muito mais força - um
contato entre fronteiras disciplinares. Essa aproximação entre os dois tipos de
fatos pode ser constatada nas várias formas de incorporação dos fatos sociais

95
Educação, Universidade e Pesquisa

ao tratamento dos fatos de língua.


No interior mesmo da Lingüística, têm-se processado, na
segunda metade deste século, diversas mudanças. Segundo Castilho (1998, p.
12 ):
A Lingüística tem oscilado entre ... dois pólos, ora destacando a
língua como um enunciado - valorizando -se as gramáticas formais,
estruturais, gerativas - , ora destacando a língua como uma enunciação -
valorizando -se as gramáticas funcionais.
Castilho (1998, p . 12) lembra, ainda, o fato de que:
Os professores que têm trinta ou mais anos de idade aprenderam , na
universidade, a considerar a língua como um fenômeno homogêneo,
iniciando-se numa gramática formal ( sobretudo estrutural), e tomando
a sentença como seu território máximo de atuação
E prossegue o autor ( 1998, p. 12) dizendo que:
... a indagação lingüística atual parte de um entendimento mais rico da
linguagem , postulada como um conjunto de usos, cujas condições de
produção não podem ser esquecidas no momento em que se analisa seu
produto. Disto resultou a constituição de uma nova área de estudos, a
Pragmática ... Um elenco de novas disciplinas veio somar-se à Fonologia,
à Morfologia e à Sintaxe já conhecidas: a Sociolingüística, a Psicolingüística,
a Análise da Conversação, a Semântica Argumentativa (ou Semântica da
Enunciação) , a Análise do Discurso, a Lingüística do Texto

Em nossa exposição, deixaremos de lado a chamada lingüística


do enunciado – que abandona a consideração dos fatos sociais nos estudos
lingüísticos - para nos fixarmos em algumas das disciplinas que se firmaram
pela consideração do uso efetivo da língua.

96
+
A interdisciplinaridade nas Ciências Humanas

2 Fatos de lingua e fatos sociais na pesquisa


A relação entre fatores sócio -políticos e marcas lingüísticas do
sistema já podia ser vista na tradição dos estudos históricos empreendidos muito
antes de Saussure. A descrição feita pelos lingüistas históricos sempre levou em
conta, por exemplo, a organização dos grupos, a dominação política e a oposição
entre falares cultos e vulgares.

A seguir, passaremos a observar como a consideração desses


fatos externos aparece em alguns estudos que buscam aproximar fatos de língua
e fatos sociais, desta feita na perspectiva sincrônica característica deste século.

2.1 A tradição saussuriana


A própria lingüística saussuriana, ao propor a questão das relações
internas ao sistema, influenciou fortemente outras áreas de estudo no campo das
ciências humanas, tais como a teoria da literatura, a antropologia, o estudo dos
sistemas de moda, etc. Foucault (1969) lembra também a contribuição da
Lingüística no que se refere a uma Lógica Formal, para a qual seria possível
propor uma lógica do real, mais do que centrar o estudo em relações de
causalidade. O que está em jogo, nesse caso, é o abandono de um estudo dos
dados do real que atentasse apenas para as relações baseadas em uma
temporalidade meramente cronológica, em favor de uma lógica do real, baseada
sobretudo nas relações que definem esses dados como tais. Das relações
sistemáticas, surgiriam , portanto, os objetos de estudo e se poderia chegar a uma
lógica do real .

2.2 A Sociolingüística
Com o desenvolvimento da Lingüística, várias subáreas foram
desenvolvidas e marcaram , cada uma a seu modo, a aproximação entre fatos de
língua e fatos sociais. Sem preocupação com uma ordenação cronológica, citamos
como um primeiro exemplo o da Sociolingüística, definida como uma área de
97
Educação, Universidade e Pesquisa

estudos no interior da Lingüística e mais claramente constituída como tal nos


anos 60. Talvez a formulação mais bem acabada sobre a constituição dessa
subárea tenha sido feita em 1968, ano em que Weinreich, Labov & Herzog
estabelecem os Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística.
Dentre esses fundamentos, destaca-se o de que a heterogeneidade
das variações lingüísticas não é incompatível com a idéia de estruturação. Desse
modo, todo falante nativo de uma língua reconheceria essa heterogeneidade
lingüisticamente estruturada. Não se trata mais de assumir uma coletividade
abstratamente constituída, portanto , nem mais de buscar um sistema homogêneo,
mas de observar na heterogeneidade das variações, as condições de possibilidade
das mudanças lingüísticas.
Ao contrário do que se poderia pensar, essa posição que advoga
a heterogeneidade para o sistema não deixa de ser fortemente estruturalista. Um
dos proponentes dessa tese, W. Labov (apud Rodrigues, 1987), trata do alcance
das regras variáveis do sistema, aquelas que, segundo o autor, co-variariam com
fatores sociais como sexo, idade, grau de escolaridade, classe social, raça e situação
de uso ( formal e informal) da língua. O autor afirma que as regras categóricas
do sistema - aquelas que não estão sujeitas à variação - são as que predominam,
restando apenas um pequeno número de itens lingüísticos ( fônicos, morfo
sintáticos e lexicais) que estariam sujeitos à variação. Nota-se, tanto pela afirmação
da heterogeneidade estruturada, como pela proposição de um predomínio das
regras categoricas sobre as regras variáveis do sistema, a enorme e duradoura
influência do pensamento saussuriano no que se refere às bases que resultaram
na constituição da Lingüística como ciência .
No que se refere à Sociolingüística, porém, interessa lembrar
que o método rigoroso, baseado em análises quantitativas sérias e em interpretações
qualitativas de relevância social inquestionáveis - especialmente quanto a mudar
o rumo do pensamento normativo dominante em relação à lingua considerada
como não-padrão -, ao mesmo tempo em que abre espaço para o estudo da
heterogeneidade da língua, restringe-se a procedimentos de análise que

98
A interdisciplinaridade nasCiências Humanas

tomam o material lingüístico tal como se dá à observação. Essa atenção ao


material empírico, em certo sentido também bastante louvável, ainda deixa,
porém, de considerar fatores importantes como, por exemplo, a forma pela
qual atua o domínio do falante nativo sobre as variedades da língua com que
toma contato.

Segundo o que pensamos, esse domínio do falante nativo não


corresponde a um domínio estrito do sistema e de sua heterogeneidade, mas a
representações que o falante faz sobre as marcas lingüísticas próprias de cada
variedade lingüística. E é justamente nesse ponto que o trabalho do sociolingüista
encontra seu limite. Cabe a ele detectar as marcas empíricas das variações e
propor – segundo fatores sociais mais ou menos pontuais – a interpretação dos
seus dados. Antes de falar de seus limites, é preciso lembrar, porém , que: ligar
uma variação a um dado nível de escolaridade , estabelecer empiricamente qual a
norma de referência para uma dada comunidade, denunciar as exclusões sociais
ligadas ao tipo de uso da língua não são, naturalmente, tarefas menores do
sociolingüista”. Mas os empregos e o reconhecimento de variedades pelo falante
são sempre representações que ele faz do interlocutor, do assunto e de si mesmo
e funcionam , no uso concreto, como estratégias discursivas que o falante manipula
quanto às escolhas ( e exclusões) de palavras, de construções e de sentidos.
Estamos chegando, neste ponto, a uma outra perspectiva dentro
da sociolingüística, a saber, a da sociolingüística interacionista . Nessa perspectiva,
representada especialmente por Gumperz, a interpretação dos dados é feita a
partir das relações entre interlocutores, fato que dá uma conotação pragmática
às variações. Uma outra questão, porém, aparece. É a de como se dá a interação
entre os interlocutores. Para abordá -la, vamos desviar um pouco o curso de
nossa argumentação . Voltemos à tradição saussuriana e à idéia de funcionamento
do sistema quando este é colocado em operação no discurso.

Conferir, a propósito , Bagno ( 1999).

99
Educação, Universidade e Pesquisa

2.3 A teoria da enunciação

Estamos entrando no campo da enunciação. Como vimos, a


Lingüística tal como Saussure a concebe deveria preocupar -se com o
funcionamento interno do sistema. Uma das principais referências quando se
trata da lingüística do uso (e não do sistema) é Benveniste. Esse lingüista, mantendo
a tradição estrutural, propõe, no interior do sistema, o que ele chama de aparelho
formal da enunciação, composto de formas vazias que só são preenchidas em
circunstâncias de uso. É o caso dos pronomes eu e tu, que todos usamos e que
não designam privativamente a nenhum de nós, a não ser no momento exato
em que pomos em funcionamento discursivo o sistema da língua . Nesse
momento, marcam-se um tempo presente (um agora) e um espaço localizado
no aqui da instância de discurso. O indivíduo biológico, que articula a fala, que a
percebe pelo ouvido ao enunciá-la e recebê-la, transforma-se, no momento da
enunciação, em algo mais que um ser dotado de órgãos mais ou menos específicos
para essas funções. Torna - se sujeito do discurso. Não é por acaso que os pronomes
que marcam o sujeito gramatical sejam tradicionalmente chamados de pessoas do
discurso. É, na verdade, a pessoa socialmente definida que surge na instância de
preenchimento dos pronomes. Reconhecido esse passo significativo na passagem
da lingüística do sistema da língua para a lingüística da enunciação, dois caminhos
principais aparecem em função da concepção desse sujeito do discurso .
O primeiro caminho -o do próprio Benveniste - parte de uma
centralização do discurso no sujeito falante. Como centro do seu dizer e do
sentido, ele é visto como auto -suficiente na tarefa da comunicação. A interação
dar-se-ia, portanto, entre dois sujeitos em uma relação simétrica, ainda que com
uma certa dominância do sujeito que fala (o eu como centro do dizer).
4
Neste ponto, divergimos da leitura que atribui a Benveniste uma visão estritamente psicologizante
do sujeito da enunciação. Preferimos destacar, na formulação do autor, um passo teórico importante
na direção da compreensão do sujeito como constituído em sua relação com o outro. É o que
podemos depreender do próprio texto de Benveniste quando o autor diz que o sujeito implanta o
outro diante de si, qualquer que seja o grau de presença que ele atribua a este outro [apud Chacon,
1996, p. 33 - cf. também (ibidem) a associação que Chacon faz entre essa afirmação de Benveniste
e a constituição dialética do único e do social, proposta por Meschonnic). Desse modo, reservamos
nossa crítica à questão da centralização do dizer e do sentido no locutor ( no eu ), crítica que
mencionamos na seqüência de nossa exposição.
100
A interdisaiplinaridade nas CienciasHumanas

Podemos, neste ponto, retomar o que falávamos sobre a


sociolingüística-interacionista . Embora se deva destacar , a seu favor, a
consideração de que o falante reconhece a especificidade da variedade lingüística
que é própria ao seu interlocutor e que, em seu próprio discurso, o encadeamento
de variáveis é um dos elementos importantes na construção da significação; a
idéia de interação aí contida pressupõe um sujeito que efetua com seu interlocutor
uma negociação de sentidos. Não seria demasiado dizer que estamos novamente
diante de um tipo de simetria entre os interlocutores, desta feita como construção
social obtida pelo reconhecimento de ações recíprocas . Resta , pois, resolver o
problema da abstração que se opera quanto à relação estabelecida entre os falantes,
a saber, consideram -se as variedades dos interlocutores, defende - se que o falante
reconhece a ação do outro, que submete a organização do seu discurso às
variações, mas permanecem desconsiderados os lugares sociais que implicam
uma relação de poder entre os falantes.
Uma outra posição dentro da teoria enunciativa, aquela abraçada
pela Análise de Discurso francesa, defende que nenhum mecanismo de enunciação
funciona sem a consideração de dois tipos de relação entre os falantes: as relações
de sentido e as relações de poder (Pêcheux, 1990 ).
Esse segundo caminho trilhado por essa nova teoria da
enunciação nega ao sujeito a centralidade do dizer e do sentido. Pelas relações de
sentido, assumidas como presentes em todo discurso, afirma-se que nenhum
discurso começa na primeira palavra que é dita nem termina no ponto final que
o encerra . Um discurso nasceria sempre de um discursivo prévio, fruto de um
processo discursivo, no interior do qual todo dizer está imerso. Trata -se, pois, da
presença do interdiscurso, ou seja, da relação que todo discurso mantém
necessariamente com algo que lhe é prévio. De outra parte, pelas relações de
força, também assumidas como sempre presentes em todo discurso, afirma-se
que nenhum discurso se dá por princípio de forma simétrica. Trata -se, ao
contrário, de uma relação de dominância a que se dá num dado discurso - que
pode ser mais assimétrico ou menos -, mas no qual há sempre , entre os
interlocutores, de acordo com os lugares sociais que ocupam e das posições

101
Educação, Universidade e Pesquisa

enunciativas que representam esses lugares no discurso, uma relação de poder,


seja ela manifestada como uma relação de acordo ou de conflito .

Apenas como um parêntese e para não deixar de tratar de um


campo hoje em dia muito em voga nos estudos lingüísticos, vale a pena mencionar
a área de estudos genericamente denominada Pragmática. Filiando -se a outro
campo de conhecimento, o da Filosofia da Linguagem , também os estudos em
Pragmática têm sido marcados por cisões e escolhas teóricas bastante diferentes
entre si. A tradição inglesa está marcada em certas áreas da Lingüística - como a
da Análise do Discurso e da Semântica da Enunciação - pela referência ao texto
fundamental de Austin , How to do things with words, que, no Brasil, foi publicado
com o título Quando dizer é fazer. A leitura mais comum desse texto destaca a
consideração do ato de fala como uma ação que se faz ao dizer. As conseqüências
dessa afirmação são enormes e vão desde a consideração do uso efetivo da
língua, visto como o emprego da língua em certas circunstâncias específicas, até
a redefinição de onde se situaria o sentido dos enunciados - não apenas nas
palavras, mas nas pessoas, nos procedimentos ritualísticos e nas intenções dos
falantes. A tradição americana em Pragmática, numa vertente que trabalha com
as regras que regem a conversação, tem em Grice um de seus nomes principais.
Nesta tradição, muito do que dissemos a respeito das relações simétricas entre
os interlocutores no discurso torna a aparecer, especialmente em função do
princípio fundamental da conversação defendido por aquele autor, a saber, o
princípio da cooperação.
Gostaríamos de destacar que, no campo da Lingüística da
Enunciação - na qual estamos incluindo a Pragmática, a Semântica da Enunciação
ea Análise do discurso -,impõe-se, para o analista, a consideração da exterioridade
da língua, exterioridade que se faz sempre presente no discurso. Na Análise do
Discurso, por exemplo, estando cada discurso colocado num determinado ponto
do processo discursivo, é preciso sempre determinar as suas condições de
produção. Passa-se do funcionamento da língua para o funcionamento do
discurso; do domínio da generalidade da língua (o universalmente válido para
uma sociedade abstratamente concebida) para o domínio da particularidade do
102
A interdisciplinaridadenas Ciências Humanas

discurso (o especificamente determinado, ao mesmo tempo , particular e geral,


pois atinge um sujeito - em particular - e toda uma série de sujeitos – num
plano mais geral - que são suscetíveis ao efeito de uma dada temporalidade
discursiva que lhes faz sentido ). A relação entre os fatos de língua e os fatos
históricos e sociais se dá, portanto, de forma articulada ao que os analistas do
discurso chamam de fatos discursivos. O discursivo estaria, portanto , situado
entre a língua e a história.

Logo se vê a prerrogativa emancipatória em relação à Lingüística


neste amplo campo de estudo caracterizado pela atenção à enunciação. Ficando
ainda com a Análise do Discurso como exemplo , podemos dizer que, em seu
desenvolvimento , ela tem-se mostrado cada vez mais como um campo limítrofe
entre a Lingüística, a Sociologia, a História e a Psicanálise.
Pode-se dizer, portanto, que a Análise do Discurso se constitui a
partir de uma dupla apropriação: (a) daquilo que funciona como estrutura na
língua; e ( b ) do funcionamento dessa estrutura no fato sócio - histórico de uma
prática discursiva. Feita a apropriação do que é lingüístico no funcionamento de
uma prática, muitos analistas do discurso passaram, porém, a recusar a Lingüística
como uma referência científica obrigatória e, como é de praxe na história da
institucionalização das ciências, por circunstâncias de várias naturezas, passaram a
ocupar mais espaço na reflexão sobre a linguagem . Seu espaço de afirmação
sobre o que seria o verdadeiro em termos da linguagem aumentou, ou seja, a
Análise do Discurso se institucionalizou .

No atual estágio, vemos uma tendência à afirmação de uma


área de estudos com muito alcance teórico, com muitas possibilidades de aplicação
prática, mas sob o risco de - no caso de não saber enfrentar o processo necessário,
mas perigoso, da territorialização intitucional - vir a constatar essa territorialização
em seu próprio método. Várias análises do discurso passaram também a compor
o quadro da disciplina, freqüentemente com diferenças teóricas significativas.
Apenas para situar as relações entre a Lingüística e a Análise do Discurso, pelo
menos três perspectivas podem ser destacadas: uma primeira que vê a AD como
a ruptura mais radical em relação aos pressupostos da Lingüística; outra que vê
103
Educação, Universidade e Pesquisa

a AD como parte da Lingüística, constituindo o que se poderia chamar de uma


Lingüística do Discurso; e uma última que vê a Análise do Discurso lado a lado
com a Lingüística, constituindo um campo no interior das Ciências da Linguagem .
Mais próximos da terceira proposta, parece-nos bastante saudável
trazer de volta à convivência dos analistas do discurso o produto propriamente
lingüístico das práticas sociais, ou seja, trazer a Lingüística de volta. Afinal, como
uma das relações interdisciplinares mais importantes na constituição da Análise
do Discurso, ela tem ficado, em vários momentos, bastante esquecida,
especialmente pelos analistas do discurso da primeira corrente . Essa retomada
da interdisciplinaridade que constituiu a AD tem, na atualidade, a oportunidade
histórica de se fazer também em relação a outros campos de conhecimento .

3 A pesquisa transdisciplinar
Passamos, neste ponto , a falar sobre o que temos feito na direção
de uma pesquisa que procura associar fatos lingüísticos e fatos sociais. De nossa
parte, trabalhamos com Lingüística Aplicada (LA ), um campo de estudo que,
por suas preocupações teóricas e práticas, se define basicamente como um campo
multidisciplinar e que, por isso mesmo, precisa constantemente recorrer a outras
áreas de conhecimento .

Cabe , aqui, um esclarecimento . Estamos entendendo por interdisciplinaridade a relação entre duas
ou mais disciplinas, enquanto efeito de constituição de uma terceira. No caso da Análise do Discurso,
a relação interdisciplinar que deu base a sua constituição foi a estabelecida entre a Lingüística e a
História, fato que resultou no estudo dos processos discursivos e que desencadeou uma busca de
outros campos de contato , fazendo aparecer um campo de estudo muito vasto, mal designado como
o campo próprio da Análise do Discurso, que passou a dar nome ao lugar vazio das práticas
científicas transdisciplinares ao requisitar para si a articulação entre diversos campos de
conhecimento . Segundo o que pensamos, tanto no caso da Análise do Discurso, como, por exemplo,
no caso da Lingüística Aplicada - esta última já desgarrada de sua origem na Lingüística e definida,
em razão de sua natureza aplicada, pela detecção de problemas ligados às diversas práticas discursivas,
para os quais as soluções teóricas são buscadas pelo contato e pela consideração da especificidade de
outros campos de conhecimento - o que há são campos de estudos multidisciplinares, no interior
dos quais o contato com campos ( mais ou menos afins) de conhecimento pode ser feito pela
superação dos limites das disciplinas - mas não de sua especificidade –, ultrapassagem de fronteiras
que constitui as práticas transdisciplinares. Não é difícil ver em outras disciplinas como a História
e a Sociologia o mesmo caráter de campo multidisciplinar. A eficácia teórica e as conseqüências
práticas dessa nova prática científica estão ainda por ser constatadas, mas as perspectivas são
muito animadoras .
104
A interdisciplinaridadenasCiências Humanas

Nossa tentativa atual se resume em compormos, com mais três


pesquisadores, um grupo de estudos ', ainda informalmente constituído, mas já
com trabalhos desenvolvidos e apresentados em congresso. Nesse grupo ,
procuramos observar as práticas discursivas como práticas sociais
inseparavelmente ligadas aos campos da Lingüística, da Lingüística Aplicada, da
História e das Ciências Sociais. O grupo caracteriza- se por uma pesquisa
transdisciplinar e a questão de partida é a da construção dos dados para análise ,
fato que se revelou como um problema já na constituição do objeto da Lingüística
e das ciências humanas em geral. Nossa pretensão é fugir aos limites que as
ciências humanas se impuseram ao lidar com seus materiais para análise como
dados oferecidos como tais à observação. Desse modo, pretendemos fugir aos
limites que uma observação pré- teórica dos dados impôs às disciplinas científicas
no campo das ciências humanas ?.

Para situarmos o que entendemos por pesquisa transdisciplinar,


falaremos um pouco mais sobre o tipo de pesquisa científica levada pela LA ,
campo de estudo que, como dissemos, procura escapar dos limites canônicos
de uma disciplina. Nos estudos em LA feitos no Brasil, essa discussão tem sido
muito presente, particularmente a partir da década de 90.
Tida, por muito tempo , como uma subárea da Lingüística, a
LA caracteriza - se por uma contribuição aos estudos da linguagem necessariamente
informada pelos dados que analisa. Não há pesquisa básica ou teórica em LA se
não houver um diálogo entre os fatos de língua e uma prática discursiva
determinada . Para dizer de outro modo, fato de língua e fato social se aproximam
de uma forma especial nas pesquisas em LA e essa aproximação traz questões
que requerem a contribuição de áreas vizinhas.

Grupo de estudos, informalmente constituído desde o 1º semestre de 1998, sobre A comunicação


via Internet como material de pesquisa : a construção de dados para uma abordagem
transdisciplinar com a participação dos pesquisadores: Flávia Millena Biroli (Unicamp-SP), Marcos
César Alvarez (Unesp -Marília -SP ) e Lourenço Chacon Jurado Filho (Unesp -Marília-SP).
? Devemos essa observação à contribuição feita pessoalmente por Flávia M. Biroli.
105
Educação, Universidade e Pesquisa

Há, em Lingüística Aplicada, quem veja essa atenção ao dado


especialmente sob o ângulo da oposição teoria e prática. Dessa perspectiva, há
quem afirme que as pesquisas em LA favorecem a fusão entre pesquisa básica e
pesquisa teórica. Essa parece ser, por exemplo, a posição de Moita Lopes (1998) .
Posição semelhante é defendida também por Celani (1998, p. 133) , que considera
esse tipo de investigação - tendo em vista sua preocupação
com o social, com o humano - uma pesquisa - ao mesmo tempo teórica
e aplicada, situando-se entre o domínio da pesquisa fundamental, em
que prevalece a busca do saber por si mesmo, e o domínio da ação
informada, em que predomina o útil, o prático, a eficácia.
Nos últimos dez anos, passou - se a discutir, em LA, a conveniência
de uma pesquisa transdisciplinar, destacada por Serrani-Infante (1998, p. 143-4) ,
" para aprofundar a compreensão de processos estudados, e para problematizar
conceituações e procedimentos metodológicos em mais de uma disciplina...”. O
destaque a essa mesma linha de raciocínio é dado também por Signorini (1998,
p. 99-100) , para quem a LA
tem se configurado ... como uma espécie de interface que avança por
zonas fronteiriças de diferentes disciplinas, não somente na área dos
estudos da linguagem , como também na da Psicologia , da Sociologia, da
Antropologia, da Pedagogia, da Psicanálise, entre outras.
Destaque-se ainda que, segundo Celani, (1998, p. 132-3, grifo
no original)
transdisciplinaridade envolve mais do que a justaposição de ramos do
saber. Envolve a coexistência em um estado de interação dinâmica ,... A
mera justaposição de saberes não leva à interação, condição essencial para
a transdisciplinaridade. E parafraseando Serrani, a autora continua: " não
se buscam contribuições de outras áreas, mas sim, a participação ativa de
pesquisadores das áreas envolvidas , a fim de se dar conta da
problematização que a abordagem do objeto de estudo proposto provoca
em cada área.

106
A interdisaplinanidade nas Citncias Humanas

Pensando na participação ativa de pesquisadores das várias áreas


envolvidas , tomamos como material para análise, em nosso grupo de estudos, o
fórum Índio Pataxó, veiculado pela Internet, e a questão teórica que mobiliza
pesquisadores vindos da Sociologia, da História, da Lingüística e da Lingüística
Aplicada é, como dissemos, a da construção dos "dados” para análise a partir
dessa visão transdisciplinar.

Até o momento, estivemos às voltas com o modo pelo qual as


fontes do lingüista, do sociólogo e do historiador podem ser enganosas quando
simplesmente rotuladas como fontes orais, fontes escritas ou fontes digitalizadas.
Constatamos, em três trabalhos (Biroli, 1999, Alvarez, 1999 e Corrêa, 1999), que
a escrita na Internet é heterogeneamente constituída, marcada por representações
do internauta sobre o que é uma conversação face a face e sobre o que é a escrita
codificadora da norma padrão da língua. Constatamos que o internauta circula
por essas representações no interior de uma mesma mensagem , de onde
concluímos , entre outras coisas, que as noções de fonte oral e de fonte escrita
podem ser colocadas em xeque sempre que se considera algo mais do que o
simples material semiótico ( o som ou a grafia) que dá base ao registro da língua.
Diante dessa constatação, atribuímo-nos - mais do que a análise
plana do material posto à observação - o papel de analisar o que a flutuação
presente no texto do internauta poderia revelar das posições enunciativas por ele
assumidas. É certo que, ao assumi-las, ele se inscreve em práticas discursivas que,
em processo na sociedade, deixam lugares vagos para o preenchimento pelos
sujeitos do discurso e para sua identificação. Desse modo, o analista, ao colocar
se diante de uma fonte oral, de uma fonte escrita ou de uma fonte digitalizada,
não pode pensar apenas nas características ingenuamente atribuídas a cada um
desses modos de apresentação da língua, mas construir seus dados com base nas
contribuições das várias disciplinas, aqui exemplificadas pela contribuição da
Lingüística no que se refere ao modo de apresentação da língua quanto à relação
entre as suas modalidades oral e escrita.

A especificidade do meio em que o fórum Índio Pataxó é

107
Educação, Universidade e Pesquisa

veiculado impõe, portanto , aos analistas de diferentes campos, uma atenção que
é, ao mesmo tempo, lingüística (pois, como recurso básico da comunicação, é a
língua que está em jogo, em um modo particular de apresentação ); discursiva
(pois são os processos discursivos que estão presentes nas escolhas e exclusões
das palavras, das construções e dos sentidos); social (pois são uns e não outros
os lugares sociais que permitem tomar uma posição enunciativa num determinado
meio de comunicação ) e histórica (pois não há discurso sem o recurso às práticas
discursivas já constituídas, sempre recuperáveis na atualidade de seu retorno ).
Logo se vê que as análises parciais dos lingüistas, dos analistas
do discurso, dos cientistas sociais e dos historiadores são, de fato , apenas análises
parciais. A esse respeito, é bom lembrar as tentativas de aproximação que os
pesquisadores de diferentes áreas sempre fizeram de puxar a brasa para sua
sardinha. Esse procedimento , que busca unificar os dados no interior de uma
única disciplina, caracteriza a prática científica dominante, mas já tem , nas tentativas
isoladas das práticas científicas transdisciplinares, um contraponto que não podem
mais desprezar.
Para encerrar, deixamos a palavra com Foucault (1969, p. 255 ,
tradução nossa)
... a lingüística se articula atualmente ſem 1969!] com as ciências humanas
e sociais por uma estrutura epistemológica que lhe é própria, mas que lhe
permite fazer aparecer as relações lógicas no seio do real; de fazer aparecer
o caráter se não universal pelo menos extraordinariamente extenso dos
fenômenos de comunicação, que vão da microbiologia até a sociologia;
de fazer aparecer as condições da mudança graças às quais podem-se
analisar os fenômenos históricos; e, enfim , de empreender ao menos a
análise do que se poderiam chamar as produções discursivas.

108
A interdisciplinaridade nas Ciencias Humanar

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111
A INTERDISCIPLINARIDADE, NO PASSADO E NO PRESENTE
Antonio Trajano Menezes ARRUDA

Este trabalho é uma reflexão bastante geral sobre a


interdisciplinaridade na busca do conhecimento e sobre seu exercício no passado
e no presente; também é feita uma consideração, embora muito breve, a respeito
do trabalho filosófico na era presente da interdisciplinaridade. O tom geral do
presente texto é o de deixar claro e realçar que o enfoque interdisciplinar, numa
forma ou noutra, foi a regra e não a exceção na história da investigação epistêmica
e que há razões hoje, mais do que nunca, para se acreditar em sua fecundidade,
tanto em ciência como em filosofia.
O ideal de uma certa unidade do saber existiu em várias épocas
da história do pensamento . A formulação, por exemplo, de um saber universal
que unificasse os diferentes ramos do conhecimento, é algo que aparece e reaparece
em vários momentos da história. E a história do pensamento ocidental, quando
vista panoramicamente, mostra que a regra era uma ou outra forma de inter
relacionamento disciplinar. Com exceção de um período relativamente curto,
que abrange uma parte do século XIX e a primeira metade do século XX , a
tônica foi a do interrelacionamento e não a da separação .

Com efeito, mesmo antes do surgimento do pensamento


racional, da episteme grega, havia o relacionamento da visão mítica com o saber
prático da vida do indivíduo e da sociedade; o mito, que foi o primeiro grande
esforço intelectual para compreender o mundo, era uma forma de relacionar
amplamente as coisas. E esta característica se manteve na passagem do mito para
o saber racional O primeiro grande pensador racional que deixou obras escritas,
Platão, foi, assim como seus colegas, praticante de uma filosofia da integração
dos conhecimentos ; é conhecida sua posição de ser o conhecimento da geometria
necessário para pensar as coisas da episteme em geral. Na Idade Média, ao que

Departamento de Filosofia - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525-900 - Campus


de Marília - SP

113

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p113-120
Educação, Universidade e Pesquisa

parece, as coisas não se passaram muito diversamente ; a teologia estava relacionada


com as outras área da reflexão; por exemplo, a defesa que a Igreja Católica fazia
da teoria ptolemaica do sistema solar, a qual era uma teoria científica, foi em
parte alimentada por sua teologia, a qual, por sua vez, inspirava-se na filosofia
aristotélica. Isso de pensar as coisas relacionando-as umas com as outras foi a
regra até começo do século 18. René Descartes, o filósofo do século 17, era ,
como vários outros de sua época, também cientista, em particular matemático e
físico; e quando ele trabalhava em filosofia, em particular em metafísica, ele
pensava como um matemático pensaria: ele teve o projeto de, digamos assim,
axiomatizar a metafísica, isto é, de inferir uma proposição metafísica (eu existo)
a partir de uma proposição (eu penso) tomada como indubitavelmente alicerçada
em premissas não-demonstradas , e então tentar deduzir várias teses metafísicas a
partir daí. O que era ele? Um matemático fazendo filosofia, ou um filósofo
procedendo como um matemático ? Ambos, com toda a certeza. Este tipo de
inter-relacionamento foi a regra na história do saber.
Somente no século 18 começaram a aparecer os primeiros sinais
de um afastamento entre os diferentes ramos do saber racional, o qual foi se
aprofundando nos séculos 19 e 20. Grandes conflitos epistemológicos que
apareceram nesse período refletiram , de uma forma ou de outra, esse
afastamento; o racionalismo iluminista foi uma reação contra a unilateralidade
do empirismo e o romantismo foi uma reação do século 19 contra o excessivo
intelectualismo do período iluminista. Todos esses ismos que entram em conflito
uns com os outros têm o mérito de protestar contra maneiras marcadamente
unilaterais de se conduzir na investigação epistêmica.
O afastamento e a segregação das áreas do conhecimento se
agravaram mais na primeira metade do século 20, com a crescente especialização
das áreas e conseqüente distanciamento entre elas. Passaram a existir, talvez pela
primeira vez na história do pensamento, filósofos importantes desdenhosos da
ciência e interessantes pensadores cientificistas hostis à filosofia. Felizmente, aquilo
a que se assiste na segunda metade de nosso século é um movimento no sentido
inverso, uma reação no sentido da integração e do inter-relacionamento entre as

114
A interdisaplinaridade nasCiências Humanas

várias áreas. Antes as áreas que se sobressaiam eram a química, a física, a biologia
e outras, cada uma mais ou menos isoladamente. Em seguida, com o avanço do
conhecimento nessas disciplinas, avanço esse que vai permitindo enxergar a
vinculação entre os fios das várias áreas, emergem e consolidam -se outras áreas
e sub - áreas. Passaram a sobressair -se, por exemplo, a bioquímica, a geopolítica
outras, e, mais recentemente, a sociolinguística, a bioética, a neuropsicologia etc.
Estas todas são ( relativamente) recentes e, se apareceram , foi por essa razão, que
quanto mais uma disciplina avança, mais ela vai deixando visíveis os vínculos
com tópicos de outras disciplinas mais ou menos próximas dela. O movimento
é, desse modo, no sentido da emergência e articulação de diferentes elementos
de várias áreas.

Portanto, o fenômeno do afastamento e da segregação é uma


exceção na história do pensamento. Na verdade, o relacionamento entre as
diferentes manifestações da cultura foi mais abrangente ainda do que o indicado
acima. No Renascimento, por exemplo, o que se tinha era uma integração, num
certo grau, não apenas entre as várias ciências, mas também entre a arte e a
episteme, o que está associado ao fato de grandes nomes da arte renascentista
terem sido também grandes investigadores . Havia, desse modo, entre arte e
saber um casamento que foi se desfazendo cada vez mais, principalmente nos
séculos 19 e 20. Portanto, a integração histórica entre as vários elementos que
compõem a cultura e a vida do intelecto humano é maior do que se pensa,
quando se pensa apenas nas disciplinas científicas de hoje. A propósito, há agora
também, e felizmente, um movimento no sentido de os filósofos, em áreas
como a ética, a filosofia da mente e da ação e outras, incorporarem o material e
os insights de uma certa literatura de ficção, sendo tomada esta, portanto, como
tendo relevância epistêmica. Isso ocorre mesmo lá nos círculos anglo-americanos
onde, no passado, montaram- se e dispararam suas baterias os redutos
ultrapositivistas do pensamento.
Pergunta : a que se deve esta tendência toda ao inter
relacionamento ? À primeira vista, ao seguinte. Há uma suposição ontológica —
que não é uma tese demonstrada, mas é uma suposição razoável — segundo a
115
Educação, Universidade e Pesquisa

qual tudo está relacionado com tudo. Melhor dizendo, tudo deve estar
relacionado com tudo; de fato, é mais provável que as coisas estejam relacionadas
umas com as outras, do que elas comporem agregados de partes sem muita
relação uns com os outros. A plausibilidade desta suposição de inter
relacionamento da confiança ao empreendimento interdisciplinar.
Além dessa fonte, que alimenta o ideal e a prática da
interdisciplinariedade, há outras, de natureza mais epistemológica. Uma delas,
que é a única que vou mencionar aqui, é a seguinte. Os estudiosos em geral são
característicamente, e por excelência, estudiosos de assuntos ( de temas, de
questões) e não de disciplinas. O sociólogo, o biólogo, o psicólogo, etc. são
estudiosos de determinados assuntos e não de suas respectivas disciplinas. Seu
objeto de estudo não é sua disciplina, a não ser quando ele está fazendo a história
ou a epistemologia dela; mas a regra geral, para o pesquisador, não é fazer a
filosofia ou a história de sua disciplina. Ora, se ele estuda um determinado assunto ,
então qualquer especialista de outra área que também se ocupe com esse assunto,
que tenha um interesse por este, é um potencial interlocutor interessante. O fato
de sermos estudiosos de assuntos, e não de disciplinas, é algo que pode
naturalmente predispor especialistas de várias áreas a se lerem e se comunicarem
uns com os outros. O interesse comum no assunto é algo decisivo e fundamental;
na verdade, um real e visceral interesse no mesmo assunto, ou em assuntos afins,
por parte de especialistas de áreas diferentes, é condição do empreendimento
interdisciplinar.
Ilustremos esse ponto com um problema, já clássico: nosso
comportamento, individual e coletivo, é determinado biologicamente ou sócio
culturalmente ? Como vai alguém estudar esse assunto sem trazer para a
investigação biólogos, neuro-psicólogos, psicólogo, cientistas sociais, isto é, sem
trabalhar com um literatura marcadamente pluridisciplinar; o tema obriga a isso,
o assunto é tal que não há como não convocar diferentes áreas para se
pronunciarem a respeito. Outro exemplo: a questão de se todos os nossos estados
mentais estão relacionados, e de que modos exatamente, com nossos processos
cerebrais. Aqui intervêm , entre outras coisas, a morfologia e a fisiologia do cérebro;
com respeito à morfologia: se a forma do cérebro sofre alteração, por exemplo
116
A interdisciplinaridade wasCiênciasHumanas

em conseqüência de sobrevir uma lesão cerebral localizada numa região particular,


então põe-se a questão de saber que relação tem esta alteração com os estados
mentais e comportamentais do sujeito ? Por outro lado, se a forma cerebral é
mantida mas se altera a fisiologia, por exemplo com substâncias que intervêm
artificialmente na bioquímica do cérebro de um modo particular, novamente,
pergunta -se, que correspondentes estados mentais ou comportamentais aparecem
? Esse é o campo da neuropsicologia. Não é conveniente, não é sábio, conduzir
essas investigações sem o concurso de neurocientistas e de psicólogos. Um último
exemplo. Um tema muito em voga hoje em dia é o da identidade (pessoal,
grupal, nacional, cultural etc.). Pois bem, não é desejável fazer uma discussão
desse assunto sem trazer especialistas de várias áreas. Se não, vejamos. Uma
descoberta espetacular da biologia foi a da identidade biológica do indivíduo,
registrada em seu código genético, o DNA; a partir daí pode-se falar de uma
biologia da identidade pessoal; o indivíduo passa por transformações biológicas
dramáticas e enormes, mas mantém sua identidade biológica que é seu código
genético. Por outro lado, a identidade pessoal inclui, naturalmente, coisas como
sentimentos, temperamento, caráter, crenças, valores e outros elementos mentais
ou comportamentais, os quais estão também sujeitos a mudanças, e às vezes
grandes, no decorrer do tempo; mas algo, no terreno psicológico, deve permanecer
e fazer do indivíduo o mesmo sujeito, psicologicamente falando. O que é esse
algo? Esse é o problema psicológico da identidade pessoal. Mas o comportamento
do indivíduo, todos o sabemos, é também determinado pela cultura, pela época,
pelo lugar, pela classe social, etc., em que ele vive. Então se tem aí o estudo
sociológico, e mesmo antropológico, da identidade pessoal. Ocorre, ainda, que
a identidade pessoal tem, é claro, a ver com a condição de ser pessoa, isto é, de
ser um indivíduo dotado do poder de escolha, de liberdade, de responsabilidade
e talvez de espiritualidade, e aqui entramos no terreno da filosofia, e talvez no da
religião. Então, se você quiser fazer um estudo abrangente, e ambicioso desse
assunto, você tem que fazer, digamos assim, uma 'biopsicossocio filosofia' da
identidade pessoal ; noutras palavras , você tem que montar uma equipe
marcadamente interdisciplinar para fazer isso. Portanto, insisto, a
interdisciplinaridade não é promovida somente pela unidade presumida do

117
Educação, Universidade e Pesquisa

mundo , mas também pela circunstância de sermos estudiosos de temas, os quais,


segundo a suposição da unidade das coisas, têm os pés em várias áreas..
Com a voga crescente da interdisciplinariedade nas últimas
décadas, a ponto de estar ela hoje na ordem do dia, o que se tem é a retomada
de uma tradição de inter-relacionamento que no passado foi largamente
predominante. O fato de ela aparecer agora numa forma provavelmente mais
madura, mais rica e mais cheia de promessas não deve fazer perder de vista sua
presença no passado.
A interdisciplinaridade pode ser associada a uma atitude que
podemos chamar de principio de tolerância metodológica. Para se envolver
produtivamente num programa de colaboração entre áreas diversas - como
filosofia e ciências, ou ciências humanas e ciências naturais --- há que ser
relativamente tolerante com metodologias diferentes. Uma metodologia – não
qualquer uma, certamente - é bem-vinda, se ela conseguir produzir avanços
epistêmicos, nem que seja ao colocar problemas novos, ou apenas ao recolocar
os antigos de uma forma nova, mais interessante, mais clara. Pense-se, por exemplo,
na hostilidade de estudiosos das ciências humanas e da filosofia à atual voga da
sociobiologia. Ocorre, simplesmente, que não está escrito em nenhum lugar que
esta disciplina nunca poderá produzir resultados que acabem sendo interessantes
para a ciências humanas ou para a filosofia, e se ela vier a aparecer com alguns
desses resultados interessantes, devemos estar preparados ou predispostos para
discernir isso, pois de outro modo nosso preconceito nos impedirá de fazê-lo ; e
estou tomando esta predisposição como algo que faz parte disso que está sendo
referido como tolerância metodológica. Tomando -se saber no sentido mais
forte desta palavra, podemos afirmar que ninguém sabe quase nada nesse terreno
das relações entre categorias biológicas, de um lado, e categorias mentais e
comportamentais, de outro. Assim sendo, a melhor política, a mais sábia, é a de
manter o espírito aberto. Referi -me acima ao papel crucial do interesse temático;
é este que ajuda o pesquisador a manter presente que o objetivo de iluminar o
tema, deste ou daquele ângulo, deve prevalecer sobre o apego excessivo a sua
própria metodologia.
Para finalizar, reflitamos, ainda que muito sumariamente, sobre
a situação da filosofia em nossa era de interdisciplinaridade. Conforme foi
apontado no início, o trabalho filosófico nunca existiu de forma marcadamente
118
A intendisciplinaridadenasCiencias Humanas

isolada dos outros trabalhos teóricos, a não ser talvez numa parte do século 19
e em nosso próprio século. Até o século 17 os pensadores eram cientistas também,
e vários deles se notabilizaram igualmente como filósofos e como cientistas; eles
realizavam, digamos assim, na pessoa de cada um deles individualmente, um
certo ideal de inter - relacionamento disciplinar. É no século 18 que começam a
aparecer os primeiros sinais de afastamento . O que aconteceu, em consequência
da separação entre episteme e arte, da fragmentação e especialização da episteme,
da rivalidade crescente entre o método matemático , o experimental e o
especulativo, é algo recente, e desse modo vamos encontrar no século 20 cientistas
fortemente positivistas, de um lado, e, de outro, filósofos hostis à ciência. Tem
se, por exemplo, o irracionalismo da filosofia existencialista, com sua arrogância
para com a ciência, e se tem, em contrapartida, o truculento cientificismo
equivocado da escola do positivismo lógico. Mas este é um cenário recente e, ao
que parece – esperemos – passageiro.
Segundo entendo, há hoje para o filósofo um ganho enorme,
em comparação com a situação imediatamente anterior dos estudos filosóficos,
digamos a da primeira metade de nosso século . Esta última era aproximadamente
a seguinte. De um lado, havia aqueles para quem a filosofia busca conhecer não
as relações (quantitativas) entre as coisas, mas a essência destas, com a implicação
de ser o conhecimento filosófico mais geral e mais profundo do que o da ciência,
ou a visão de ser a filosofia algo anterior e acima da ciência. De outro lado, havia
aqueles para quem a filosofia não investiga a realidade propriamente dita, não
visa o conhecimento do mundo, mas antes se limita a falar da linguagem , do
discurso e da estrutura lógico -epistemológica da ciência. Felizmente, esta situação
está, ao que parece, se alterando bastante e dando lugar a algo mais sensato: 0
que se tem agora é muitos filósofos, em todas as áreas, interagindo e atuando
com os praticantes das demais modalidades da episteme, e sentindo-se à vontade
fazendo isso. E por essa razão nossa época é uma época particularmente excitante
para se fazer filosofia, para se ser filósofo: o profissional da filosofia que queira
filosofar não precisa nem desdenhar, rejeitar ou competir com a ciência, nem
tampouco renunciar a praticar a filosofia entendida como uma forma genuína
de episteme, de saber racional sobre o mundo.
119
Por fim , o que pensar da interdisciplinaridade no currículo de
nossos cursos de graduação, em particular em ciências humanas e filosofia. Os
nossos cursos estão sabidamente a léguas e léguas de realizar qualquer ideal de
interdisciplinaridade. Um ideal desse tipo supõe uma estrutura curricular muito
diferente das que existem nos diferentes cursos.Mais ainda, há cursos em que há
pouquíssima relação entre as próprias disciplinas integrantes do currículo; nestes
o que temos é uma fileira de salas de aula do mesmo curso, uma contígua à
outra, entre as quais a coisa comum mesmo que há é a parede que separa uma da
outra. Ou melhor, e como também brincou alguém , a única coisa realmente
comum entre elas é a fiação de eletricidade que passa por todas. Esta situação
deve ser, em graus diferentes, a de todos os cursos na área de ciências humanas
e filosofia. Não se tem integração nem dentro de uma mesma área, muito menos
entre áreas. Então, temos aí um vasto e gigantesco trabalho a ser realizado no
sentido de reduzir essas imperfeições.

120
Modelo de ensino na comunidade alternativa
" Los Horcones"
PARADIGMA BEHAVIORISTA NA EDUCAÇÃO : FUTURO E
QUESTÕES TRANSICIONAIS
Kester CARRARA

Questões relevantes resultaram da mesa- redonda de que


participaram Sérgio Luna (PUCSP) e Juan Robinson (Los Horcones, México ),
durante o III Simpósio em Filosofia e Ciência (Unesp, Marília, junho de 1999) .
Entre elas, articulada com o tema central Paradigmas do conhecimento no finaldo milênio,
foi possível conduzir uma breve, mas criteriosa análise de implicações centrais
relativas ao enfoque behaviorista radical para a Educação.
A
apresentação do modelo de ensino vigente na Comunidade
Los Horcones ensejou o questionamento direto acerca de se, na prática (e apesar
da amostra comunitária limitada ), os procedimentos da Análise do
Comportamento podem, efetivamente, ser úteis e apropriadamente aplicados na
área educacional. O experimento ético ( conduética) da comunidade alternativa
foi explicado sob algumas dimensões essenciais: 1 ) a caracterização de cada qual
e as dissensões teóricas fundamentais das filosofias mentalista e behaviorista da
Educação; 2) a descrição dos princípios e orientações práticas básicas do
Behaviorismo Radical e da Análise do Comportamento; 3) um relato descritivo
do MEPCC (Modelo de Ensino Personalizante -Comunitário - Comportamental).
O que se vê salientado no texto de Juan Robinson constitui, na
verdade, uma fundada conjunção de argumentos que conduzem a identificar: 1 )
quão equivocados podem ser alguns dos conceitos disseminados acerca das
práticas behavioristas em Educação; 2) em que medida uma experiência de ensino
edificada com base no Behaviorismo Radical pode ser avaliada e constantemente
remodelada em função de resultados parciais, com a participação direta de usuários
cujo comportamento constitui feedback para o programa, que se contextualiza
num modelo personocrático de organização político -social; 3) de que maneira as
Departamento de Psicologia da Educação - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525
900 - Marília - SP

123

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p123-128
Educação, Universidade e Pesquisa

práticas educacionais behavioristas, no exemplo de Los Horcones, podem superar


o mero modelo conteudista, tocando diretamente as questões da construção de
uma sociedade baseada num delineamento cultural que privilegia cooperação,
igualdade e pacifismo, entre outros valores.
Foi igualmente valiosa a manifestação de Sérgio Luna, que
focalizando sua avaliação crítica nas relações entre behaviorismo e Educação,
inquiriu, especialmente, sobre quais as razões centrais a explicar a rejeição
generalizada à orientação teórica behaviorista. Luna analisa o impacto seletivo da
Anális Comportamento, enfatizando que, se de um lado diversos profissionais,
isoladamente, destacam -se a partir da participação em eventos, da avaliação da
produtividade científica e da indicação para comissões e consultorias oficiais
relevantes, de outro -e paradoxalmente o impacto (positivo) do Behaviorismo
Radical e da AEC é tímido e restrito a algumas iniciativas particulares. As razões
para esse quadro crítico são contextualizadas por Luna em retrospectiva que
bem aponta, a partir da literatura da área e de uma revisão da atuação prática dos
profissionais, quais tarefas essenciais deixou de cumprir quem supunha aceitação
prática mais ampla da abordagem .
Finalmente, o texto de Sérgio Luna aponta cinco -absolutamente
pertinentes- linhas de ação, cuja discussão e cuja implementação constituem desafio
para os analistas do comportamento interessados em Educação.
Embora o paradigma operante de seleção pelas conseqüências
não tenha mudado significativamente nos últimos tempos ( exceto pelas auspiciosas
pesquisas na área de equivalência de estímulos), não passa despercebida ao analista
atento uma extensa preocupação epistemológica e uma intensa preocupação ética
com as aplicações da Análise do Comportamento. As análises vão desde uma
discussão ampliada ( e, por vezes, uma reavaliação) das principais dicotomias
prevalentes na filosofia behaviorista (continuismo-continuidade, monismo
dualismo, molaridade- molecularidade , vitalismo - ambientalismo,
circunstancialismo -contextualismo, mecanicismo -organicismo, funcionalismo
estruturalismo, e tantas outras), até uma relevante busca de caracterização dos
princípios da AEC como funcionais e disponíveis para, sob certos arranjos de
124
Modelo de ensino na comunidade alternativa "Los Horcones "

contingências, garantir os ideais de eqüidade e justiça à população social e


economicamente marginalizada.

Muito há que discutir, pesquisar e publicar sobre tais questões.


No entanto, a transição que vivemos parece orientada pela delimitação de um
perfil ético que seja compatível com os ideais de uma sociedade democrática, ao
mesmo tempo em que esse perfil não pode prescindir da (criteriosa) utilização
dos avanços tecnológicos e teóricos indiscutíveis da Análise do Comportamento
no campo educacional .

Algumas experiências recentes representam exemplos os mais


diversos de uma perspectiva selecionista aplicada à Educação, no sentido de
Pennypacker (1994 ). Em tal modelo, os principios de seleção pelas conseqüências
também operam nas práticas culturais, de modo similar ao que ocorre na seleção
filogenética e ontogenética. Na seleção cultural, todavia, prevalece a mediação
verbal, o que permite o controle dos repertórios comportamentais através de
regras (no sentido skinneriano da expressão) . Nas escolas , grande parte das
atividades é suscetível ao controle pelas contingências culturais e, para Pennypacker
( 1994) , a Análise do Comportamento oferece um instrumental valioso para
mensuração efetiva do sucesso dos programas educacionais implantados (por
exemplo, através de uma medida de fluência comportamental, que combinaria
características de freqüência e acuracidade do repertório). Essa característica
programática da AEC continuaria constituindo aspecto distintivo favorável à sua
projeção auspiciosa em delineamentos educacionais futuros.
A aceitabilidade desses novos delineamentos, todavia, está
condicionada essencialmente ao atendimento de três requisitos básicos: 1 ) o de
que os projetos behavioristas radicais aplicados à Educação assegurem generalização
suficiente para serem reconhecidos como úteis para todo um sistema ou rede
(pública) de ensino, não se restringindo, portanto, aos casos individuais; 2) o de
que , cada vez mais , garantam apresentar criteriosos cuidados éticos e
comprometimento claro com a busca de um ensino voltado à construção da
cidadania; 3) o de assegurar articulação evidente entre a busca de eficiência nos

125
Educação, Universidade e Pesquisa

procedimentos de ensino e pressupostos progressistas de Educação, evitando, a


um só tempo, quer uma sedução pelo utilitarismo gratuito, quer um alargamento
desproporcional de cuidados metodológicos que leve a um ecletismo
irresponsável
Nessa busca, talvez os exemplos práticos de Juan Robinson, com
a conduética de Los Horcones, possam em parte atender às pertinentes
observações de Sérgio Luna. A esses esforços, talvez se possa aduzir a crescente
tendência a se recompor um possível modelo contextualista (no sentido de Pepper,
1942) articulado ao modelo teórico do Behaviorismo Radical (Morris, 1988;
Carrara & Gonzalez, 1996; Carrara, 1999 ; Odom & Haring, 1994) deram
interessante exemplo prático dessa possibilidade, ao trabalharem com crianças
que apresentavam problemas de aprendizagem. É muito cedo para se fazer suposições
acerca de quão frutífera pode tornar - se uma concepção contextualista da AEC,
entretanto. As conjeturas teóricas e as aplicações na área começaram há pouco
mais de dez anos e muito há que esclarecer. Todavia, talvez uma ampliação da
análise sistemática das contingências e dos eventos contextuais sob os quais o
comportamento ocorre nas situações de ensino e de aprendizagem ilumine as
novas tendências , quem sabe privilegiando um behaviorismo humanista e
contextualista .
A leitura dos artigos que se seguem nos anima a continuar
estudando a questão, seja por mobilizar-nos em direção às procedentes
preocupações apresentadas por Sérgio Luna, seja por indicar- nos valiosos
exemplos das mais significativas e humanizantes aplicações educacionais do
behaviorismo radical numa pequena e atraente comunidade alternativa.

Referências Bibliográficas
CARRARA, K. , GONZALEZ, M. H. Contextualismo e mecanicismo: implicações
conceituais para uma análise da Análise do Comportamento. Didática. (São Paulo ), v .
31,1996.
CARRARA , K. Em busca do acesso integralao psicológico: a contribuição possível das unidades
conceituais do contextualismo. Marília, 1999. (pesquisa em andamento).
126
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

HAYES, S.C. Contextualism and the next wave of behavioral psychology. Behavior Analysis,
v. 23, n.1 , p.7-22, 1988.
MORRIS, E.K. Contextualism : the world view of behavior analysis. Journal of Experimental
Child Psychology, v. 46, p . 289-323, 1988.

Contextualism , mechanism ,and behavior analysis: review and assessment. Palermo.


In : SECOND INTERNATIONAL CONGRESS ON BEHAVIORISM AND THE
SCIENCES OF BEHAVIOR , 1994. ( Comunicação ).

ODON, S.L., HARING, T.G. Contextualism and Applied Behavior Analysis: Implications
for Early Childhood Education for Children with Disabilities. In Gardner III, R. et al.
Behavior Analysis in Education. Belmont, CA: Brooks /Cole Publishing Co.: 1994. cap. 8,
p. 87-99.

PENNYPACKER , H.S. A selectionist view of the future of behavior analysis in education .


In: Gardner III , R. et al. Behavior analysis in education . Belmont CA: Brooks /Cole
Publishing Co., 1994, cap. 2, p.11-18.
PEPPER, S.C. Worldbypotheses: a study in evidence. Berkeley: University of California
Press, 1942.

127
MODELO DE ENSEÑANZA EN LA COMUNIDAD
ALTERNATIVA LOS HORCONES : CONDUCTISMO RADICAL
COMO FILOSOFÍA DE LA EDUCACIÓN

Juan ROBINSON

Buenos días. En nombre de los miembros de la Comunidad


Los Horcones, quiero agradecer a los organizadores del III Simpósio de Filosofia
e Ciência, especialmente al Dr. Kester Carrara por su invitación a ésta conferencia.
Tanbién agradezco su presencia y atención .
Comenzaré definiendo la filosofía mentalista de la Educación y
su relación con los problemas educativos. Después describiré la filosofía
conductista de la educación mencionando sus principales enunciados y aclarando
alguns malentendidos. Por último, presentaré el Modelo Educativo Personalizante
Comunitario -Conductual (MEPCC) diseñado por la Comunidad Los Horcones
(Horcones, 1989, 1997).
Antes de continuar, quiero señalar que Los Horcones promueve
una Ciencia de la Conducta para el público en general y no sólo para especialistas.
Por ello, en nuestras presentaciones y artículos tratamos de utilizar un lenguaje
accesible pra todos (Horcones, 1999).

Filosofia mentalista de la educación

Desde un punto de vista conductista, podemos decir que la


mayor parte de los problemas educativos actuales se derivan de una concepción
mentalista sobre la conducta humana.

Por mentalismo nos referimos a cualquier filosofía que trate de


explicar la conducta humana referiéndose a eventos mentales y afirme que estos
eventos se autoriginan y se automantienen . Así, podemos afirmar que todas las
Comunidad Los Horcones - México

129

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p129-142
Educação, Universidade e Pesquisa

filosofías de la Educación exceptuando la conductista, son de alguna manera


mentalistas.

Una filosofia mentalista sobre la educación explica la conducta


de todas aquellas personas involucradas en la educación: estudiantes, profesores,
administradores escolares y padres de familia, refiriéndose a eventos que ocurren
en la mente. Por ejemplo: el mentalista dirá que un estudiante no presta atención
en clase porque tiene una “ mente apática o inerte ”, o que un profesor requiere de
una “mente dinámica, clara y creativa” para enseñar efectivamente. El mentalista
también afirma que la educación actual no es de calidad porque los individuos
que pueden influir sobre ella adolecen de una “ actitud mental positiva hacia la
educación ” .

Esta filosofía también considera que los eventos mentales, a los


que se refiere para explicar la conducta de todos aquellos involucrados en la
educación se autoinician y se automantienen. Es decir, son eventos que ocurren
independientemente de lo que suceda o no en ell medio con el que profesores y
estudiantes interactuan. Por exemplo: el mentalista dirá que el estudiante no atiende
al profesor porque tiene apatia, y afirma que la apatia es algo que se autorigina y
se automantiene. También dirá que el profesor no enseña efectivamente porque
tiene una actitud mental negativa bacia la educación , cuando quiera, lo desee o tenga una
intención real de educar.

Algunas de las consecuencias negativas de la filosofia mentalista


en la educación son las siguientes:
1 Desvía la atención de las causas reales de los problemas educativos. Si los
problemas de la educación se encuentran en la mente del profesor o del
estudiante, entonces es la mente de estas personas la que se requiere cambiar
para solucionar los problemas en la educación. Consecuentemente, quienes
desean solucionar los problemas educativos, son dirigidos a buscar la solución
en el cambio mental y no en el cambio del medio educativo . Por ejemplo, no
hay ningún psicólogo o pedagogo que pueda actuar sobre la mente y cambiarla.
Si queremos que un estudiante o profesor deje de ser pasivo, no

130
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones

tenemos que buscar la pasividad en sus mentes sino dirigir nuestra atención a
aquellas condiciones que provocan y mantienen la conducta pasiva. El uso de
términos no conductuales es un gran problema en la educación . Cuando la
psicologia o pedagogía no conductista habla de la crisis en la educación, utiliza
términos como falta de iniciativa, altos niveles de frustración, ausencia del sentido de
responsabilidad etc. Estos términos se refieren a algo subjetivo e inespecífico y
por lo tanto cada persona los interpreta de manera diferente. ?Qué es
frustración ? ?Qué es iniciativa?, ? Que es sentido de responsabilidad ? Lo
primero que necesitamos hacer para resolver los problemas educativos es
describirlos en términos observables para todos, es decir, en términos
conductuales.
2 El mentalismo promueve la prática de culpar. Si los estudiantes no estudian
con éxito es culpa de ellos, de sus profesores, o quizá de su familia. Si los
profesores no enseñan efectivamente, la culpa es de ellos, de los estudiantes o
quizá del gobierno . Para el mentalismo, siempre es un grupo o persona quien
tiene la culpa.
3 El mentalismo obstaculiza la aplicación de técnicas educativas efectivas. Se
basa en el mito de la mente y lo defiende como un dogma. La práctica
mentalista ha sobrevivido por más de dos mil años y se ha defendido de una
Ciencia de la Conducta. Consecuentemente, técnicas educativas efectivas han
sido rechazadas.
4 El mentalismo fomenta la discriminación y el elitismo en la educación . Por
ejemplo, en el campo intelectual o acadêmico; afirma que hay profesores y
estudiantes con mentes privilegiadas y otros con mentes mediocres. En lo relativo
al gênero; considera que el hombre tiene más capacidad mental que la mujer.
Y lo concerniente a raza; considera que ciertas razas estan mentalmente más
privilegiadas que otras.
5 El mentalismo fomenta el uso del castigo en la educación. Al considerar que
las causas de la conducta se originan en la mente del individuo, el mentalismo
afirma que es entonces el propio individuo quien tiene la culpa de sus acciones;
por lo tanto quien merece castigo.

131
Educação, Universidade « Pesquisa

Filosofia conductista de la educación

Desgraciadamente, el conductismo ha sido y continúa siendo


malentendido. Por esto, antes de hablar sobre un enfoque conductista a la educación,
es oportuno definir lo que el conductismo radical es y no es. El conductismo no
es la ciencia de la conducta, sino la filosofía de esta ciencia (Skinner, 1974) . El
conductismo es radical por considerar como objeto de estudio de la ciencia de
la conducta, no sólo la conducta observable para todos, sino también aquella
que sólo es observable para el individuo que la ejecuta. Aclaro que el conductismo
no es radical por negar que los seres humanos pensemos o sintamos o por
aceptar sólo la existencia de aquellas conductas que pueden ser observadas por
más de un observador. El conductismo radical no es una filosofia mecanicista;
no considera al ser humano como una máquina. El conductismo radical no es
reduccionista o simplista, no reduce la conducta humana a estímulos y respuestas.
No es manipulativo, no promueve un control despótico sobre la conducta
humana. Y no es deshumanizante , no considera al ser humano como una caja
negra sin dignidad y liberdade (Skinner, 1974) .
¿ Cómo se define la “educación” desde una perspectiva
conductista ? Educar es un verbo, es acción, es algo que hacemos, es conducta.
Pero no podemos reducir la educación sólo a conducta. La educación no es sólo
la conducta de profesores y de estudiantes. La conducta no ocurre en el vacío sin
relación a otros eventos. “ Contingencia ” es el nombre que la ciencia de la conducta
dá a la relación entre eventos conductuales con otros eventos (Horcones, 1987a).
Educación se refiere a contingencias, es decir a relaciones entre eventos
conductuales y otros eventos. Por ejemplo, pedir a un estudiante que escriba la
letra “ a” no es educación como tampoco el que el estudiante escriba “ a” ni que
el profesor le diga: “muy bien ”. Cuando un profesor le dice a un estudiante:
" escribe la letra a " y el estudiante la escribe y el profesor le dice "muy bien ”, esta
interacción entre la conducta del profesor y la del estudiante es una contingencia
educativa. Pero el término " educación ” no sólo se refiere a una contingencia
educativa, sino a una innumerable cantidad de contingencias y de interacciones
de contingencias que tienen como elemento común la conducta de enseñar o

132
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

aprender.Al conjunto de contingencias con un elemento conductual común le


denominamos macrocontingencia (Horcones, 1998 ). En la macrocontingencia
educativa, la conducta común es el enseñar y el aprender. En resumen, el
conductismo radical considera la educación como una macrocontingencia .
Ahora pasaré a describir los principios o supuestos del
conductismo radical en relación a la educación.
Principio 1. La conducta del profesor y la del estudiante, es un evento natural.
Un evento natural es un fenómeno observable y medible que ocurre en esta
dimensión.

Principio 2. La conducta del profesor y la del estudiante tiene causas, no ocurre


sin razón. Su conducta es el resultado de interacción con su medio. El medio que
afecta la conducta del educador y la del educando lo denominamos medio educativo.
La definición conductista de medio difriere a la definición común de este término.
Para el conductismo medio es todo lo que afecta la conducta , ya sea un evento
físico, químico, biológico o conductual (la conducta propia o la de otros). Así, la
filosofía conductista de la educación afirma que el profesor y el estudiante se
comportan como lo hacen porque existen condiciones en su medio que los han
hecho y los hacen comportarse de esa manera. Por supuesto, el medio del profesor
y el del estudiante es complejo. El efecto del medio en cada profesor y en cada
estudiante es único, personal. Los eventos que ocurren en el medio afectan a
cada profesor y a cada estudiante de diferente manera .
Principio 3. La conducta del profesor y la del estudiante está sujeta a leyes.
Algunos de los principios o leyes conductuales que rigen la conducta humana
son: reforzamiento positivo, negativo, castigo, extinción, etc. Todas estas leyes
afectan tanto la conducta del profesor como la del estudiante.
Principio 4. El profesor aprende a enseñar efectivamente y el estudiante a estudiar
con éxito como resultado de su interacción con el medio. El profesor aprende a
enseñar efectivamente por las consecuencias que recibe al enseñar. Las
consecuencias reforzantes (agradables) que el profesor obtiene por sus prácticas
efectivas de enseñanza, son las que seleccionan y mantienen estas prácticas. Los

133
Educação, Universidade e Pesquisa

estudiantes aprenden a estudiar efectivamente por las consecuencias que reciben


al estudiar. Las consecuencias reforzantes (agradables) contingentes a estudiar
seleccionan esta conducta y la mantienen .
Principio 5. El profesor no sólo enseña conductas a sus estudiantes, también les
enseña a que ciertos eventos les sean reforzantes, neutrales o aversivos. La función
del profesor también consiste en enseñar a que ciertos estímulos funcionen como
reforzadores o como aversivos para ellos (Horcones, 1997) . Los profesores
aprenden el gusto por enseñar como también los estudiantes aprenden el gusto
por estudiar. El gusto por enseñar y aprender no se hereda, se autoinicia o
automantiene, es el resultado de las consecuencias que el profesor recibe por
enseñar y el estudiante por estudiar.
Principio 6. La conducta del profesor y la del estudiante están en constante
interacción. La conducta del educador es la parte del medio educativo que más
afecta la conducta del educando y la conducta del educando es la parte del
medio educativo que más afecta la conducta del educador. La relación entre
educador y educando es recíproca, bidirecional.
Principio 7. Todo profesor y todo estudiante es digno de ser tratado como
persona. Educadores y educandos son dignos de ser tratados de manera reforzante
y no aversiva. Se malinterpreta el conductismo cuando se dice que niega la dignidad
de la persona. Muy al contrario, la ciencia de la conducta contribuye a que cada
persona sea tratada con dignidad, es decir, de manera reforzante y no aversiva.
Principio 8. Cada profesor y cada estudiante es una persona única. La filosofía
conductista de la educación considera al profesor y al estudiante no como grupo ,
sino como personas únicas dentro de un grupo. Esta filosofía promueve la
utilización de métodos de enseñanza personalizados y sistemas de evaluación no
comparativos. Cada estudiante es único y requiere una enseñanza personalizada
de acuerdo a sus necesidades y habilidades.
Principio 9. Todo profesor y todo estudiante es libre. Se malinterpreta el
conductismo cuando se dice que considera al individuo como un ser pasivo ante
la influencia del medio o como esclavo de las circunstancias. Es verdad que el
134
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

conductismo afirma que la conducta es el producto de la interacción del individuo


con su medio, pero es falso que el conductismo afirme que un individuo no
pueda modificar su medio . La ciencia de la conducta ayuda a que educandos y
educadores sean más libres al proporcionar técnicas que les ayudan a modificar
su medio de manera que puedan enseñar más efectivamente.
Principio 10. La filosofía conductista de la educación es optimista. La conducta
del profesor y del estudiante no está predestinada o predeterminada. Todo
profesor puede aprender a enseñar efectivamente y todo estudiante puede
aprender a estudiar con éxito. El límite no es genético, ni depende de eventos
sobrenaturales que el profesor o el estudiante no puedan modificar. El
conductismo no es una filosofia pesimista.
Principio 11. Para enseñar efectivamente el educador necesita conocer las técnicas
educativas derivadas de la ciencia de la conducta. La enseñanza efectiva requiere
de un conocimiento científico sobre el cómo enseñar. El educador debe de ser
un experto en la aplicación de los principios de la conducta (Malott, 1997).
Principio 12. La filosofía conductista de la educación fomenta el uso del
reforzamiento positivo en el moldeamiento y mantenimiento de la conducta. Ya
que el principio de reforzamiento positivo ha sido tan ampliamente malentendido
en la educación, lo definiré y tratare de aclarar algunos malentendidos. El
reforzamiento positivo no sólo incluye el uso de aprobación verbal, palmadas
en la espalda, estrellas en la frente, M&M, puntos o calificaciones. También son
reforzadores positivos: el dar retroalimentación a las respuestas de los estudiantes,
el proporcionarles información actualizada, apoyarlos, escucharlos, darles clases
interesantes, llevarlos a viajes de estudio, etc. Se malinterpreta el reforzamiento
positivo cuando se dice que su aplicación produce efectos colaterales negativos
como la conducta de dependencia y falta de creatividad. Es claro que una
aplicación inapropiada del reforzamiento positivo producirá efectos negativos.
Principio 13. La filosofía conductista de la educación, enfatiza el uso del
reforzamiento natural en el mantenimiento de la conducta. El objetivo de la
educación no es sólo enseñar a los estudiantes a estudiar, sino enseñarles a que el

135
Educação, Universidade e Pesquisa

estudiar llegue a serles reforzante. Cuando el estudiante aprende a estar reforzado


por las consecuencias naturales (intrínsecas) de estudiar decimos que su conducta
está reforzada naturalmente o intrínsecamente (Horcones, 1982).
Principio 14. La filosofia conductista de la educación propone el uso de extinción
y el reforzamiento de conductas incompatibles como alternativas al castigo.
Lamentablemente, el uso del castigo en la educación continúa y los problemas
resultantes son muy serios. Castigo no solamente implica golpes sino también
desaprobar, criticar, dar bajas calificaciones, burlarse, retirar algo reforzante, etc.
El castigo no elimina la conducta sólo la reprime. La eliminación de conducta se
logra aplicando la extinción, es decir, descontinuando el reforzamiento que
mantiene la conducta. Paralelo a la aplicación de la extinción la filosofía conductista
sugiere el reforzamiento de conductas incompatibles. Es decir, el reforzar una
conducta apropriada que sea incompatible con la inapropiada. Resumiendo, el
uso paralelo de la extinción y el reforzamiento de conducta incompatible son
técnicas conductuales propuestas por el conductismo como alternativas al castigo.
Principio 15. La filosofia conductista de la educación promueve el uso del
moldeamiento. Al procedimiento de reforzar aproximaciones sucesivas a una
conducta meta u objetivo se llama moldeamiento. Por ejemplo: si un profesor
quiere enseñar a un estudiante la conducta de permanecer en una actividad
acadêmica por periodo de una hora; comenzará reforzando el permanecer por
10 o 15 minutos e irá aumentando el tiempo gradualmente hasta llegar al tiempo
meta. Es importante aclarar que moldear una conducta no significa modear a
una persona. Moldear es un procedimento para enseñar no para manipular.
Principio 16. Los profesores también deben enseñar habilidades sociales y
personales, no sólo habilidades acadêmicas. La filosofia conductista de la educación
propone enseñar además de cuestiones acadêmicas, habilidades que ayuden a los
estudiantes a vivir de manera productiva y satisfactoria. Llevarse bien con otras
personas , comunicarse efectivamente, ser capaz de solucionar y prevenir
problemas interpersonales, son conductas sociales que la escuela debe de enseñar
y mantener en los estudiantes. Auto -conocimiento, auto-control, autoeducación,
etc., son habilidades personales importantes de enseñar para lograr que el
136
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

estudiante sea mejor persona.


Principio 17. La filosofía conductista de la educación promueve la enseñanza
de conductas prosociales ( comunitarias) que contribuyan al logro de un mundo
mejor para todos. Una escuela que enseñe a sus estudiantes competencia ,
desigualdad y discriminación fomenta una sociedad competitiva, desigualitaria y
discriminatoria que causa los problemas socieales que padecemos. La escuela
debe ser un lugar donde se enseñen conductas comunitarias como cooperación ,
igualdad , compartir , no-violencia y cuidado del medio ambiente .
Ahora pasaré a hablarles la manera en que se implementa la
filosofia conductista radical de la educación en la Comunidad Los Horcones.
Para esto, considero importante presentarles primero una breve descripción de
esta comunidad .

En 1973, un grupo de personas interesadas en aplicar la ciencia


de la conducta para prevenir y solucionar problemas personales y sociales,
fundaron la Comunidad Los Horcones en el Noroeste de México (Horcones,
1982) . El objetivo fué y continúa siendo estudiar cómo podemos diseñar y
desarrollar una cultura o sociedad en la cual cooperemos en vez de competir,
compartamos en vez de apropiarnos, nos tratemos igualitariamente en vez de
discriminarmos, nos relacionemos pacíficamente y cuidemos el medio ambiente
(Horcones, 1986 ).

Para lograr estos objetivos, en Los Horcones aplicamos la ciencia


Análisis Experimental de la Conducta en todas las áreas de la comunidad. A
continuación describiré la aplicación de esta ciencia en la educación acadêmica de
los miembros.
En Los Horcones hemos disenado un modelo educativo al cual
nombramos; “Personalizante- Comunitario-Conductual” (MEPCC ) (Horcones,
1991 ; 1997) . El modelo es “ personalizante” porque se enfoca a ayudar al
estudiante a mejorar como persona y no sólo a sobresalir en sus estudios. Fomenta
el desarrollo personal de aquellos involucrados en la educación. Es importante
aclarar que aunque nuestro modelo utiliza el Sistema de Instrucción Personalizada

137
Educação, Universidade e Pesquisa

no por esto que se le nombra personalizante, sino por la importancia que da al


desarrollo total de la persona. El MEPCC integra a todos los sistemas conductuales
de enseñanza como por ejemplo, la Instrucción Programada - IP - (Skinner,
1968) el Sistema de Instrucción Personalizado - SIP - (Keller, 1968; 1982) y la
Enseñanza de Precisión - EP - (Lindsley, 1972) etc.
Es un modelo " comunitario ” porque enfatiza la enseñanza de
conductas comunitarias como por ejemplo, cooperación, igualdad, no violencia,
compartir y cuidado del medio ambiente. Este modelo considera la escuela como
una comunidad integrada por profesores, administradores, estudiantes y familiares.
La escuela es una comunidad dentro de la comunidad global ( cultura) por lo
tanto está en constante relación con ella.
EIMEPCC es un modelo comunitario porque considera que la
escuela no se limita a la institución sino se extiende a toda la comunidad como un
lugar donde se puede enseñar y aprender. Nuestro modelo educativo es
" conductual”, porque se basa en la filosofía conductista radical y aplica los
principios conductuales en la educación (Malott, 1997) .
En resumen , el Modelo Educativo Personalizante Comunitario
Conductual considera la tecnología educativa derivada de la ciencia de la conducta,
como una herramienta efectiva. Con ella es posible lograr un mejor profesor,
una mejor escuela, un mejor estudiante y una mejor sociedad.
En Los Horcones se aplica el MEPCC, no sólo en el área de
educación acadêmica sino también en otras áreas como por ejemplo: familia,
política, economía, ecología y en la educación comunitaria y de la persona.
A continuación describiré muy brevemente la aplicación de este
modelo en las diversas áreas de Los Horcones.

Desde su inicio, nuestra comunidad ha ofrecido educación


acadêmica a todos sus miembros niños o adultos. En Los Horcones contamos
con uma escuela que llamamos " Centro de Estudios”. Los profesores de este
centro son miembros de la comunidad que han aprendido a aplicar los principios

138
Modelo de ensino na comunidade alternativa "Los Horcones "

de la conducta en la educación. En Los Horcones hemos utilizado ampliamente


el Sistema de Instrucción Personalizada (SIP) . Como ustedes saben el SIP fue
desarrollado en los años sesenta por el Dr. Fred S. Keller y asociados. Las
características principales de este sistema son las siguientes: el uso de material
escrito, el establecimiento de un criterio de dominio , el progreso a la velocidad
propia de cada estudiante, la función turorial de los compañeros más avanzados
y el uso de conferencias ocasionales como apoyo al material escrito.
Fue en Los Horcones el lugar donde se utilizó por primera vez
este sistema a nivel de educación básica y los resultados obtenidos han sido
satisfactorios (Horcones, 1988) . Consideramos que el SIP es el modelo educativo
ideal para lograr una educación más efectiva, más igualitaria, más personalizada
y mas personalizante .
A nuestro sistema de familia lo llamamos " familia comunitaria”.
Es " comunitaria " porque considera que los niños no sólo aprenden de sus padres
o de sus familiares sino de todas aquellas personas con las que interactuan y que
son relevantes. De esta manera, todos los miembros de la comunidad son
considerados como padres conductuales de todos los niños (Horcones, 1975b) .
Una de las principales características de la familia comunitaria es que es educativa
porque enseña a todos los miembros de la comunidad a aplicar principios
conductuales en la educación infantil.

A nuestro sistema de gobiernos los llamamos " Personocracia” .


(Horcones, 1989; 1990 ). Una de sus principales características es que es un gobierno
educativo que enseña a todos los miembros (ciudadanos) a participar
efectivamente de la organización de la comunidad.
A nuestro sistema económico lo llamamos “ Economía
Cooperativa Walden”. Dentro del área de economía se implementan practicas
para enseñar a los miembros a producir y distribuir de manera efectiva los bienes
y servicios así como a consumirlos apropiadamente (Horcones, 1987a). Una
“ Economía Cooperativa Walden” utiliza programas conductuales para que las
consecuencias naturales intrínsecas) de la conducta de trabajar de los miembros

139
Educação, Universidade e Pesquisa

se condicionen como reforzadores. De esta manera , las consecuencias naturales


y no sólo las artificiales mantienen nuestra conducta laboral.

Nuestro modelo educativo MEPCC también se implementa en


el área de ecologia.Constantemente se aplican programas educativos para enseñar
a todos los miembros conductas pro -ecológicas o sustentadoras del medio
ambiente (Horcones, Mayo 1980). En Los Horcones también aplicamos el modelo
de educación personalizante comunitario en el diseño e implementación de
programas para mejorar las relaciones interpersonales.

Conclusión

A lo largo de esta presentación señalamos que las prácticas


educativas basadas en un enfoque filosófico conductista radical pueden resolver
y prevenir los problemas educativos actuales.
El conductismo radical es un filosofía humanista, no considera
a los seres humanos como máquinas que responden a estímulos, sino como
personas que interactuan con su medio afectándolo y siendo afectados por él. El
conductismo radical no niega que los seres humanos pensemos o sentimos. Los
Horcones es un laboratorio cultural donde se investigan prácticas culturales que
demuestren ser efectivas para el desarrolo de una nueva sociedad basada en la
cooperación, igualdad, pacifismo y en la sustentación ecológica.

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Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

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142
A CRISE DA EDUCAÇÃO E O BEHAVIORISMO.QUE PARTE NOS
CABE NELA ? TEMOS SOLUÇÕES A OFERECER?
Sergio Vasconcelos de LUNA'

Os indicadores da crise da educação estão espalhados por todos


os cantos, provêm de diferentes países e apresentam-se sob as formas mais
diversificadas. Aparentemente, todos conhecemos os pontos de estrangulamento,
realizamos excelentes críticas à ineficiência dos governos e dos técnico -burocratas,
e saberíamos o que fazer (ou, pelo menos, gostamos de pensar assim) se
estivéssemos no lugar deles. Resta perguntar, então, por que a crise soa tão
permanente?
Há, na verdade, mais de 100 anos que não cessaram de ouvirem
se as lamentações sobre a desordem e falta de método que reinava nas escolas e,
especialmente nos últimos anos, tem -se procurado remédios , com grande
empenho. Mas com que resultados ? As escolas continuam como eram .
Seria interessante realizar- se uma pesquisa para verificar a quem
as pessoas atribuiriam a frase acima! Ela foi escrita por Comênio, em 1632!
(Comênio, 1992, p. 407). Certamente, deve-se admitir que a frase foi escrita em
um outro contexto. Conseqüentemente, o retrato no qual Comênio se baseou
pode ter sido bastante diferente do que enfrentamos agora. No entanto, dada a
ênfase de Comênio no aspecto metodológico (e lembrando que ele tratava,
então, da didática), tenho sérias dúvidas de que o contexto faça muita diferença.
As explicações para os desanimadores resultados dos esforços
educacionais passam por diferentes teorias e levam em conta múltiplos fatores
(econômicos, políticos, sociais etc...). Não pretendo entrar nesta discussão por
várias razões, mas, principalmente, porque esta não é a minha área de competência
e diferentes autores vêm tratando do assunto sob os mais diversos ângulos.

Quero, sim, valer-me da questão para abordar alguns aspectos peculiares dela.
Um dos tópicos centrais desta discussão, especialmente quando
se trata da educação em países do 3º mundo, diz respeito à carência de recursos
para investimento no sistema educacional (para pagamento de melhores salários
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP

143

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p143-156
Educação, Universidade e Pesquisa

aos professores, para equipar bem escolas ou mesmo para construir escolas em
número minimamente suficiente). Seria tolo questionar este argumento. Mas parece
igualmente tolo atribuir a ele um status explicativo poderoso. Inúmeros artigos
recentes comentam a questão do financiamento da educação nos EUA, mas
Pennypacker (1994) ataca o problema de forma contundente:
Schmidt (1992) assinalou que desde 1965, os Estados Unidos
quase dobraram o gasto per-aluno nas escolas públicas. Embora isto nos coloque
à frente da Inglaterra, da França, do Japão e da Alemanha quanto a este indice
(Wall Street Jounal, 1991 ), nossos resultados educacionais não são favoráveis
quando comparados com os destes países. ( p.15).
Igualmente, o problema não carece de envolvimento, participação
e de propostas.
Há uma renovada forte consciência por parte de políticos, altos
executivos e profissionais da educação de que a educação oferecida em nossas
escolas é inadequada. Políticas nacionais e estaduais estão sendo reformuladas;
políticos estão apresentando soluções que vão do estabelecimento de objetivos
para as escolas americanas ... até a elaboração de leis sobre a formação de
professores e a criação de loterias e outros planos para o aumento de fundos
para a educação. ... Educadores profissionais estão discutindo a importância da
experiência na pré-escola para todas as crianças, a reestruturação da escola e
mudanças radicais na formação de professores. (Deitz, in Pennypecker, 1994)
Lá, como aqui, problemas e soluções, a despeito de prováveis
diferenças, parecem assumir as mesmas feições. Lá como aqui , porém , é
necessário avaliar o impacto de nossos produtos na qualidade de profissionais
voltados para a educação. Mesmo que se suponha que dispomos de recursos e
condições adequadas, o que temos a oferecer para a solução do problema
educacional? Se temos oferecido alguma coisa, quais os resultados obtidos? Como
analista do comportamento , procuro, a seguir, responder a estas perguntas em
relação à própria análise do comportamento.

A penetração da análise do comportamento na área educacional no brasil.


Não é necessário um grande levantamento para se afirmar que
esta penetração, hoje, é mínima, pelo menos se deixarmos de lado o ensino
superior. Independentemente de quantas pessoas possam estar atuando em áreas
144
Modelo de ensino na comunidade alternativa "Los Horcones "

relacionadas ao ensino básico e fundamental, no Brasil, esta atuação deve estar


circunscrita ao trabalho autônomo e/ou à produção de pesquisa (básica e/ou
aplicada).
Esta situação merece uma análise mais detalhada e
consubstanciada do que a que posso fazer, aqui e agora. No entanto , vale a pena
iniciá-la, nem que seja para fomentar o debate.
Definitivamente, a análise do comportamento é persona -non -grata
(se é que já foi grata um dia). No entanto, ela se mantém presente e atuante.
Independentemente de tentativas ostensivas em contrário, ela mantém-se nas
universidades como parte do currículo. Pelo menos nos grandes centros, esforços
sérios de avaliação do ensino desta disciplina têm evidenciado que os alunos
reconhecem a seriedade, o cuidado e o preparo dos professores que a ministram.
Neste sentido, fala bem alto o número contínuo (se não crescente) de alunos
interessados em monitoria e em pesquisa extra -curricular” . Os programas de
pós-graduação em análise do comportamento mantêm-se bem avaliados e com
demanda contínua (apesar de crescerem em número ). Uma avaliação externa da
produtividade dos pesquisadores em análise do comportamento pode ser
conduzida pelo número de processos aprovados em agências como as Fundações
de Apoio à Pesquisa e o CNPq, e a participação de pesquisadores em eventos
internacionais. Finalmente, pesquisadores publicamente identificados com a análise
do comportamento são continuamente requisitados por órgãos oficiais nacionais
como consultores e participantes de comissões.
Como explicar, então, o baixa penetração/ atuação dos
profissionais identificados com a análise do comportamento no encaminhamento
de problemas educacionais? Há vários fatores a analisar e eu selecionei alguns
que me parecem particularmente importantes.

Não nos preparamos para a tarefa.


O início da análise do comportamento no Brasil ( possivelmente
seguindo uma tendência norte-americana) teve características bastante marcantes
e peculiares.

2 Há claras evidências destes fatos,conforme o atestam congressos da Sociedade Brasileira de


Psicologia e a participação de alunos em Encontros de Iniciação Científica .

145
Educação, Universidade e Pesquisa

Por um lado, a proposta sempre enfatizou aspectos


metodológicos e isto era fundamental, entre outras razões, pelo fato de ela violar
cânones estatísticos muito bem arraigados na comunidade científica e, em
particular, entre editores científicos responsáveis pela palavra final publique-se não
sepublique.
Ao mesmo tempo, a sua introdução causou (e ainda causa)
comoção no seio da psicologia pela afronta perpetrada com a demolição de
conceitos caros aos psicólogos e com a introdução de novas categorias de análise
e de procedimentos até então associados ao trabalho com animais. Diga-se de
passagem , a defesa do uso de organismos inferiores na pesquisa nunca foi aceita
pela comunidade de psicólogos não- analistas do comportamento e ajudou a
fundamentar a rejeição.
Por fim , pelo menos no Brasil , a chegada da análise do
comportamento nos cursos de Psicologia coincidiu com o auge da Psicologia
Humanista, com os efeitos já sobejamente conhecidos .

Fomos certamente discriminados e isto teve pelo menos três conseqüências


importantes para os propósitos deste trabalho.
1 Acirramos a questão metodológica na tentativa de mostrar que tínhamos
uma proposta séria, fidedigna e válida de trabalho.
2 Não dispunhamos de uma metodologia de intervenção que, ao mesmo
tempo, mantivesse o rigor alcançado no laboratório e gerasse resultados
socialmente relevantes. Deste ponto de vista, os analistas do comportamento
eram os primeiros a desmontar criticamente os trabalhos dos que se aventuravam
a divulgar resultados de trabalhos em situações naturais.
3 O resultado foi duplo, a meu ver:
3.1 . gerou um forte impulso na pesquisa básica, sem um compromisso, ainda
que remoto , com o aumento da compreensão de problemas sociais importantes;
temas de pesquisa eram aprofundados durante anos ( ver The Journal of The

É preciso que se diga que o confronto humanistas -analistas do comportamento ocorria


simultaneamente nos Estados Unidos e a literatura resultante chegava ao Brasil com toda a força.
* Lembro-me de pelo menos uma situação muito pública desta discriminação. Um anúncio nos
classificados do jornal O Estado de São Paulo - creio que no início da década de 70 – recrutava
psicólogos com a seguinte restrição: Não se aceitam behavioristas!

146
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

Experimental Analysys ofBehavior) e em seguida substituídos por outros, sem que,


afinal, se pudesse discriminar quanto estávamos estudando um problema genuíno
e relevante, e quanto estávamos atrás da solução de um artefato metodológico;
3.2. os que insistiram na atuação prática, na intervenção, fizeram -no, em geral,
em condições privadas:
3.2.1 . na clínica,

3.2.2. na Universidade (valendo -se da questão, no mínimo controversa, de que


este sempre foi um local de trabalho com autonomia e liberdade de escolha);
3.2.3 . nas poucas situações onde ainda se aceitava o trabalho de analistas do
comportamento (por exemplo, nas instituições ligadas a indivíduos com
deficiências e nas áreas ligadas ao trabalho).
A reação contrária que tivemos de enfrentar foi mal ou não
analisada . Oscilamos entre deixarpara lá e acreditar que a eficiência dos resultados
falaria mais alto” . O que não fizemos - como supostos entendidos em analisar
contingências – foi analisar o que estava ocorrendo e planejar um contracontrole
adequado , especialmente como grupo. Cada um de nós conquistou seu espaço
na universidade , na sua clínica , na literatura especializada, nos congressos, nas
agências de fomento, mas descuidamos de uma atuação que tornasse pública a
demonstração do potencial tecnológico que oferecíamos. Continuamos a
conversar entre nós, como se nada nos pudesse atacar.
É importante que se diga que este modo de atuação não foi
exclusivo dos analistas comportamentais brasileiros (o que não muda o caráter
descuidado com que todos nós lidamos com o problema). De há muito, Skinner
vem acentuando quão sistematicamente educadores desconsideram resultados
bem sucedidos demonstrados pela tecnologia educacional. Um número especial
do Journal of Applied Behavior Analysys ( 1992 ), voltado exclusivamente para a
questão da crise na educação, está crivado de exemplos em pelo menos três
direções importantes: 1. o quanto os órgãos oficiais responsáveis pela educação
nos Estados Unidos têm relegado a um plano ínfimo a pesquisa avaliativa das
propostas educacionais antes de serem colocadas em prática e a desconsiderado

5 Ao que tudo indica, Skinner foi vítima desta mesma ilusão. Em um excelente trabalho realizado
para uma disciplina no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento, Yara Nico (a
ser submetido para publicação), analisando as alterações entre textos iniciais de Skinner sobre
educação e os mais atuais, indica que sua crença no fato de que a tecnologia educacional se sobreporia
pela eficiência, transforma-se em perplexidade nos textos finais.

147
Educação, Universidade e Pesquisa

resultados demonstrados de sucesso ( ver, por exemplo, Lindsley, 1992 ); 2. a


facilidade com que dogmas e modismos são introduzidos acriticamente nas
propostas educacionais (cf., Carmine, 1992) ; mas, também, 3. quão mal os
analistas do comportamento preparam-se para entrar de modo efetivo no sistema
educacional .

Este estado de coisas levou Lindsley - um dos mais importantes


analistas do comportamento na área de ensino - a decidir que não pretendia
investir mais 25 anos tentando melhorar o ensino público. Mudou - se para a
psicologia organizacional, levando junto uma tecnologia capaz de interessar a
quem precisava efetivamente de resultados (Lindsley, 1992). Mas gerou, também ,
propostas como as de Axelrod (1992), para quem deixamos de aplicar uma
importante ciência: o marketing. Segundo ele, “Aprender esta ciência significa
aprender a linguagem do marketing, embalar o produto, treinar professores a
usá-lo, responder a problemas e queixas e monitorar o uso e eficácia do produto"
(p. 26 ). Faltou apenas que ele dissesse que isto implica uma adequada análise de
contingências!

Não fizemos o que precisaria ser feito


A despeito de tudo isto, muito se fez em análise do
comportamento, mesmo na área educacional . Mas, parece, deixamos de lado
aspectos importantes envolvidos no sucesso de nossa atuação.
Anos atrás , em um curso sobre ensino programado
individualizado, a Prof Carolina Bori tentou freneticamente levar -nos a expandir
nossa maneira de analisar a programação de ensino para além dos aspectos
técnicos. Muito tempo depois, dei- me conta de que ela falava de um dos
condicionantes fundamentais do sucesso do PSI: a manutenção do administrador /
professor interessado na programação , e do próprio programador frente às
reações contrárias. Nenhum empresário de sucesso descuidará das condições
sob as quais o consumidor virá a se interessar pelo produto e se manterá
consumindo-o. Quem , hoje, se mantém programando o ensino de forma
individualizada? Entretanto, Sherman (1992) apresenta dados impressionantes
de pesquisa, divulgados por não-analistas do comportamento , evidenciando a
superioridade do PSI sobre qualquer outro método convencional de ensino!

148
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

Divulgamos mal o que fazemos.


Nosso jargão é hermético, além de arrepiar mesmo os mais
insensíveis. Sabemos de longa data das conotações emocionais que ele adquiriu
entre os não- analistas do comportamento. No entanto , analisamos mal as
implicações disto.
É possível argumentar que o mesmo ocorre com outras
abordagens, mas isto me nada nos ajuda. Entre outras coisas, não elimina o fato
empírico de que estamos aumentando o custo da resposta daqueles a quem
pretendemos convencer . Diga-se de passagem , este foi um erro que cometemos
(se é que não continuamos a cometê-lo) quando introduzimos o ensino da análise
do comportamento: queríamos instalar no aluno um comportamento verbal
preciso, correto antes mesmo que ele soubesse que fenômenos aqueles conceitos
descreviam .

Este alerta foi dado por Skinner ( 1972, p. 10) , creio, sem muito
sucesso:

Infelizmente, fora do grupo de especialistas,muito pouco se conhece


acerca desta análise. Seus investigadores mais ativos, e há centenas deles,
raramente fazem qualquer esforço para explicar seus resultados àqueles
que não são especialistas. Em conseqüência disso, poucas pessoas estão
familiarizadas com os fundamentos científicos do que, a meu ver, é a
mais convincente exposição do ponto de vista behaviorista .

A nossa resposta à produção educacional de outras abordagens


Este é um item que merece uma análise muito melhor do que
aquela que posso fazer no momento. Por outro lado, dado o problema em
consideração, parece- me importante incluí-la, mesmo que não disponha de
elementos sólidos para sustentá-la, como seria adequado. De qualquer modo,
arrisco-me a comentá -lo, ainda que como princípio de conversa .
A educação (e a psicologia, sem dúvida alguma) é eivada de
dogma e de modismo (por exemplo, a análise de Carmine, 1992) ; em
conseqüência, propostas entram e saem de moda, sem que se saiba exatamente
que elementos recomendaram sua entrada, ou que avaliações justificaram sua

149
Educação, Universidade e Pesquisa

saída . Por outro lado, há uma produção constante amplamente disseminada,


quer nos meios acadêmicos, quer nas escolas, freqüentemente conduzida a estas
diretamente via academia, ou indiretamente através de programas oficiais. Abrem
se, a partir daqui, alguns compromissos para qualquer pesquisador em educação,
seja qual for a sua abordagem .
1 A proposta tem respaldo em pesquisa , razão pela qual foi
implementada. Nestas circunstâncias, cabe ao pesquisador - referendada a
qualidade dos dados que a sustentam - explicar os resultados obtidos segundo
o seu referencial e incorporá-los aos conhecimentos de que dispõe para
analisar a educação.
2 A proposta foi implementada , mas não há dados de pesquisa que a
respaldem” . O simples fato de ter sido implementada (sobretudo se se
trata de uma proposta de abrangência nacional) compromete um pesquisador
em educação com a sua avaliação segundo o seu referencial e com o
encaminhamento dos resultados.
3 O mesmo acima vale para os resultados de pesquisas voltadas para a
educação , ainda que não tenham gerado propostas educacionais.
A postura da análise do comportamento é tímida a este respeito
(embora eu reconheça que não disponho de dados sistemáticos a respeito )8. A
nossa aproximação com a produção piagetiana e vygotskiana tem de ser feita,
seja pela qualidade dos resultados que apresentem , seja pela penetração que elas
ganharam nos meios educacionais.
A literatura em ensino de ciências, bastante calcada nas teorias
de Piaget e de Vygotsky, gerou dados extremamente importantes sobre as
influências, para o ensino, do que veio a ser conhecido como conceito espontâneo.
Independentemente de concordar ou não com as explicações oferecidas pelas
diferentes teorias, minha avaliação foi a de que o fenômeno era importante e
merecia consideração e análise.' O “ erro ” sempre teve um papel fundamental na
" A Prof Claudia Davis relatou-me ter sido procurada por um grupo de professores, ao término de
uma conferência sua, pedindo um curso sobre os russos (sic ), já que Emília Ferreiro não estava mais
com nada. Não foi possível tirar dos professores o que eles queriam de quais russos, nem porque
Emília Ferreiro não estava mais com nada...!
Lidsley ( 1992) e Carnine ( 1992) oferecem dados que demonstram que, nos Estados Unidos, esta
é uma verdade para inúmeros projetos nacionais.
8 Os Prof. Júlio De Rose e Olavo F. Galvão, por exemplo, mantiveram-se sempre a par das
produções em outras abordagens e em muitas oportunidades procuraram explicações
comportamentais para elas.
. De fato, ele gerou um grande projeto de rede, aprovado pelo SPEC /MEC , com doze subprojetos.
Infelizmente, após 1 ano e meio ele foi descontinuado por total ausência das verbas comprometidas.

150
Modelo de ensino na comunidade alternativa "Los Horcones "

programação de ensino e a questão é analisada por Skinner em inúmeras


oportunidades (Cf. Skinner, 1972) . É preciso que analisemos se e como a noção
de " erro construtivo ” avança no que sabemos a respeito do erro e, em caso
afirmativo, de que modo esta contribuição pode ser explicada pela análise do
comportamento.
Minha defesa nada tem a ver com marketing (embora a questão
já ganhe defensores; (Axelrod, 1992) , nem com um mascaramento de uma
terminologia a fim de aliciar adeptos. Minha linha de raciocínio tem dois ângulos:
demonstrar a funcionalidade de um resultado não implica necessariamente aceitar
a explicação dada a ele; por outro lado, se uma abordagem começa a falhar
sistematicamente na incorporação e explicação de fenômenos sistematicamente
demonstrados, então ela precisa ser revista.

Estamos mal preparados para analisar o sistema educacional como um


todo

A educação é uma área complexa, extensa, intrincada. Skinner


(1972 ) não descuidou disto ao referir-se, nada mais, nada menos, do que ao
comportamento do sistema. Não me parece crível que alguém pense em mudar
a educação de fora deste sistema. Ao mesmo tempo, nada indica que seremos
procurados por administradores educacionais interessadíssimos nas contribuições
da análise do comportamento .
Há tempo vimos falando na utilidade da análise do
comportamento para o estudo de macrocontingências, mas pouco ou nada
resultou disto. Skinner (1971 , por exemplo ) foi explícito na idéia de que valor é
parte da contingência é de que outros cientistas podem deixar de lidar com valor
em ciência (o que considero um equívoco ), mas não o analista do comportamento.
Que valores estamos prontos a defender para a educação, como conseqüência
de uma análise comportamental? Que respostas podemos oferecer às questões
que Skinner (1953, 1971) levanta como fundamentais para sobrevivência da
cultura ? Ou, por outro lado, que argumentos geramos para demonstrar que ele
estava errado?
Em um nível abaixo, mais concreto, quantos analistas do
comportamento estão preparados para opinar sobre o currículo da educação

151
Educação, Universidade e Pesquisa

básica e fundamental? Quantos de nós opinaram, na qualidade de analistas do


comportamento , sobre o recente projeto da Escola Normal Superior? Quantos
de nós poderiam fazê-lo ?
Se faltam exemplos, o texto de Axelrod (1992) varre uma série
de aspectos que acentuam o nosso despreparo em relação à educação como um
todo .

Podemos sair pela tangente, afirmando que somos psicólogos,


não pedagogos, orientadores educacionais ou coordenadores pedagógicos. Mas
continuaremos falando para nós mesmos, publicando para nós mesmos e
mantendo nosso status na academia.

O futuro das contribuições da Análise do Comportamento


Supondo-se os aspectos até aqui considerados venham a ser
superados, ainda teremos de lidar com um fator decisivo: a possibilidade de
vencermos a barreira representada pelas reações ao behaviorismo . Esta reação
tem duas vertentes importantes.
Uma delas é representada pela reação adversa que se constata
em relação ao behaviorismo, seja ela fundada ou não. Em 1974, Skinner assim
pronunciou-se a respeito:
Há muita coisa em jogo no modo como vemos a nós mesmos e
uma formulação behaviorista certamente exige mudanças perturbadoras.
Além disto, termos originários de formulações anteriores estão hoje
incorporados à nossa linguagem , sendo que, durante séculos, tiveram
um lugar tanto na literatura técnica, quanto na literatura leiga .Todavia,
seria injusto afirmar que o crítico não foi capaz de libertar-se desses
preconceitos históricos. Deve haver alguma outra razão que explique por
que o behaviorismo, como a filosofia de uma ciência do comportamento,
é ainda tão mal compreendido: (Skinner, 1974, p. 10)
Se achamos que temos algo a contribuir e a dizer - e eu não
tenho dúvidas disto - parece inevitável que trabalhemos para ter interlocutores,
especialmente entre aqueles que fazem a diferença na educação: professores,
administradores e responsáveis pelas políticas educacionais.
Estes interlocutores - especialmente os últimos - constituem a
segunda vertente do problema, a que me referi acima. O assunto já foi bastante

152
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

discutido e pelo menos dois analistas do comportamento abordaram-no de


forma bastante precisa (ver, por exemplo, Skinner, 1953, cap. XXVI , e Holland,
1978) . No entanto, Pennypacker ( 1994) discute a questão por um ângulo bastante
interessante, e vale a pena retomar seus argumentos. Sua análise baseia-se em
uma interpretação da seleção por conseqüências aplicada à sobrevivência de
organizações.
Neste trabalho, Pennypacker distingue dois tipos de organização:
do tipo E (stática) e do tipo Funcional).
Organizações do tipo E surgem quando o indivíduo responsável
por o que Pennypacker chama de unidade cultural, passa a ficar mais sob o
controle social de contingências que garantem (ou não) seu status, poder, riqueza ,
influência etc... (ver também , Holland, 1978 ). Nestes termos, a sobrevivência da
instituição (e dos seus dirigentes ) passa a ter prioridade sobre os efeitos de suas
ações sobre os problemas pelos quais ela ficou responsável .
Da mesma forma, não há interesse em solucionar estes
problemas, já que isto pode decretar a falência da organização . O fracasso constitui
mais a oportunidade de aumentar o porte da instituição e seus recursos , do que
de revisão de seus procedimentos . A avaliação de sua atuação é sempre interna
ou deixada a cargo de pessoas submetidas aos mesmos controles que os dirigentes
institucionais. A grande marca do comportamento explicativo destas instituições ,
para Pennypacker, é a sabedoria inventada (aos interessados , sugiro consulta à
discussão feita por Demo ( 1981 ), sobre o caráter justificador do conhecimento
ideológico ). 10
As instituições do tipo F, ao contrário , baseiam - se no custo
beneficio de suas ações, em relação aos fins para as quais foram criadas. Sua
sobrevivência é temporária e sua organização - ao invés de burocrática – apresenta
um caráter ad hoc, até porque o processo de seleção ocorre via efeitos sobre o
ambiente no qual deve atuar. As instituições do tipo F, ao contrário , baseiam-se
no custo -beneficio de suas ações, em relação aos fins para as quais foram criadas.
10 Há alguns anos, Simon Schwartzman (em um artigo cuja referência, infelizmente, perdi) lembrava
que o Brasil tinha o hábito de criar instituições paralelas, subindo de nível , quando uma existente
mostrava-se inadequada., mas um exemplo melhor das nossas instituições do tipo E é dada por uma
piada que circula pela Internet . O Brasil perde para o Japão uma competição de remo e a alta
comissão começa a avaliar os resultados para evitar uma nova derrota. Como conseqüência, a
composição da equipe de remo começa a passar de 10 remadores e um líder, para um número cada
vez menor de remadores, com o aumento crescente de consultores, adjuntos, líderes em organização
etc ...

153
Educação, Universidade e Pesquisa

Sua sobrevivência é temporária e sua organização - ao invés de burocrática -


apresenta um caráter ad hoc, até porque o processo de seleção ocorre via efeitos
sobre o ambiente no qual deve atuar. O que caracteriza estas instituições, é o
conhecimento descoberto'l

Holland (1978) desafiou -nos a responder se seríamos parte do


problema ou parte da solução. Valendo -me de Pennypacker, amplio a pergunta:
em que tipo de organização temos nos constituído como analistas do
comportamento estudando a educação? A principal questão, a este respeito, é:
que tipo de seleção tem controlado nossas ações enquanto pesquisadores em
educação? Qual o impacto de nossos resultados e de nossa atuação sobre a
educação nacional ?
Pessoalmente, não tenho dúvidas de que temos o que dizer e
muito a contribuir para a melhoria e o desenvolvimento da educação. Mas não
seremos moda, não constituiremos dogma ( felizmente ), muito menos detemos
um produto desejado de consumo. Razões para explicar este status não faltam .
Analisei algumas, mas muitas podem ser ainda analisadas. Isto, no entanto, não
fará qualquer diferença, já que o momento exige outra postura. Se pretendemos
intervir no sistema educacional parece imprescindível algumas linhas de ação
coordenada.

1 Analisarmos macrocontingências que nos permitam posicionarmo-nos lado


a lado com os formuladores das políticas educacionais; afinal, valor é ou
não é parte da contingência ?
2 Prepararmo-nos para identificar que problemas ameaçam - se não o futuro
da cultura, como queria Skinner - pelo menos o presente da nossa sociedade.
Quando presidente da SBPC, a Prof Carolina Bori escolheu como tema de
uma das reuniões, a criança brasileira. A razão disto foi uma tecla sempre
rebatida por ela de que competia à psicologia comprometer - se com
problemas sociais emergentes e atacá -los de frente. Não meramente como
um tema de discurso, nem apenas como um conhecimento produzido, mas
como uma linha de frente de ação.
3 Produzir material educacional possível de ser absorvido pelo professor na
situação de ensino e divulgar seus resultados e eficácia.

" A este respeito cabe alertar para a terminologia empregada por Pennypacker. O uso do termo
“ descoberto ", em relação ao conhecimento, parece naturalizar o processo além do razoável . De
qualquer modo, minha intenção, aqui , é apenas a de demarcar o caráter justificatório das instituições
E, em contraposição ao caráter funcional das instituições F.
154
Modelo de ensino na comunidade alternativa " Los Horcones "

4 Preparar o professor para usá-lo. O trabalho direto com o professor tem


uma possibilidade de multiplicação dificilmente alcançado pelo trabalho
direto com o aluno .
5
Marcar presença em todos os eventos em que o tema da educação esteja
presente. Não avançaremos nada se nos confinarmos a eventos específicos
da AEC.
Ou, poderemos continuar produzindo dentro da universidade,
para que a universidade nos avalie e mantenha (ou não) nosso status.

Referências Bibliográficas
AXELROD , S. Disseminating na effective educational technology.Journalof AppliedBehavior
Analysis. The education crisis: issues, perspectives and solutions. Monographs, n. 7, 1992.
CARNINE, D. Expanding the notion of teachers' rights. Journal of Applied Behavior Analysis:
The Education Crisis: issues, perspectives, solutions. Monographa, n. 7, 1992.
COMÊNIO, J. A. Didactica magna. Madrid : Editora Reus, 1992.
DEMO, P. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo : Atlas, 1981 .
HOLLAND , G. I. Behaviorism: part of the problem or part of the solution ? Journal of
Applied Behavior Analysis,n.11 , p.163-74, 1978.
LINDSLEY, O. R. Why aren't effective teaching tools widely adopted ? Journal of Applied
Behavior Analysis: The Education Crisis: issues, perspectives, solutions. Monographs, n. 7,
1992 .
PENNYPACKER , H. S. A selectionist view of the future of behavior analysis in education.
In: Gardner III , R. et. al. (Orgs.) Behavior analysis in education. California: Brooks / Cole
Publishing Co.
SHERMAN , J. G. Reflections on PSI: good news and bad. Journal of Applied Behavior
Analysis. The education crisis: issues, perspectives and solutions. Monographs, n. 7, 1992.
SKINNER , B. F. Science and Human Behavior, New York : MacMillan , 1953.
Beyond freedom and Dignity. New York: Bantam / Vintage Books, 1971 .
Tecnologia do ensino. São Paulo: Edusp , 1972.

155
Comunicação alternativa
na Educação Especial
COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES INTERPESSOAIS

Sadao OMOTE

As atividades humanas são realizadas coletivamente, na grande


maioria das situações. Para que isso possa ocorrer, há uma rede de relações
interpessoais, entre pessoas imediata ou remotamente presentes no cenário de
ocorrência dessas relações. Nessas relações interpessoais, a comunicação está
inevitavelmente presente, sendo predominantemente verbal (oral ou textual), ainda
que outros componentes não verbais estejam presentes e exerçam importante
função aí.
A ocorrência fluente de comunicação é de importância capital
para a consecução de ações coletivas. Desempenha papel fundamental também
para cada uma das pessoas que participam da ação coletiva, já que é nas relações
interpessoais que se configuram os quadros de referência para a formação e
manutenção da identidade pessoal e social das pessoas. É essa identidade pessoal
e social, solidamente constituída, que assegura a cada pessoa a condição de ser
social e ao mesmo tempo singular e única, condição essa essencial para a
integridade psicossocial de cada cidadão.
Desse modo, qualquer prejuízo na capacidade de comunicação,
que uma pessoa pode sofrer, em decorrência de alguma enfermidade ou acidentes
de diferentes naturezas, compromete a possibilidade de participação integral nas
relações interpessoais e, por extensão, nas ações coletivas. Pode condená-la ao
isolamento social e consequentemente comprometer a integridade da sua
identidade pessoal e social. Na medida em que a pessoa perde os principais
quadros de referência social, o resultado pode ser um grande prejuízo no seu
autoconceito e auto - estima .

Nas relações interpessoais cotidianas, predominam as formas


verbais de comunicação. Fazemos eficiente uso de comunicação textual, mas é a
comunicação oral que prevalece na maioria das situações de relações entre as
pessoas imediatamente presentes na situação. Essas formas convencionais de
comunicação costumam ser valorizadas. A demonstração de competência nessas
Departamento de Educação Especial - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525-900 -
Marília - SP

159

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p159-162
Educação, Universidade e Pesquisa

formas de comunicação parece, por si só, assegurar a condição de normalidade


da pessoa . Qualquer pessoa que apresente limitação nessas formas de
comunicação pode ser vista imediatamente como se não fosse inteiramente
normal. Eventualmente, podem ser atribuídas a ela outras incompetências e pode
passar a ser desacreditada socialmente.
Nesse processo, a limitação na comunicação oral pode ser
especialmente prejudicial, não só pelo seu uso constante como mediador
imprescindível para a ocorrência e manutenção de relações interpessoais na grande
maioria das situações, como também pela sua alta visibilidade (na realidade,
audibilidade), o que torna quase impraticável qualquer expediente de dissimulação
da dificuldade. Apesar disso, as pessoas que têm a comunicação oral
impossibilitada, duradoura ou permanentemente, precisam encontrar formas
alternativas de comunicação, para que possam continuar participando da vida
coletiva e preservar a integridade da sua identidade social.
A comunicação utilizada nas relações interpessoais do dia-a-dia,
especialmente a oral, é acompanhada de uma diversidade muito grande de
ocorrências não verbais que complementam e tornam mais eficiente a
comunicação. Não raras vezes, alguns desses elementos, como certos gestos e
símbolos, podem até substituir a fala para transmitir alguma mensagem específica
-- e muitas vezes o fazem até com maior eficiência comunicacional. Portanto, a
idéia de comunicação alternativa ou suplementar não é inteiramente estranha
para qualquer pessoa.
Numerosas -- talvez infinitas -- são as formas de comunicação
que podem ser utilizadas como alternativas às formas convencionais de
comunicação. As necessidades e características particulares de cada pessoa
acometida por algum problema, que a impede de comunicar-se oralmente, e as
do respectivo meio determinam como deve ser construída essa comunicação
alternativa. Qualquer que seja a modalidade desenvolvida, a finalidade é a de
alcançar eficácia comunicacional suficiente para que, dentro das possibilidades, a
troca de informações e mensagens possa ocorrer entre os interlocutores, de
modo o mais fidedigno e completo possível. Podem ser construídos meios
suficientemente eficientes para, como bem anotou o Professor Capovilla, no seu
texto, servir de " ponte para cruzar o fosso do isolamento”.
Com a atual política de inclusão, é uma importante meta buscar
a possibilidade de realizar eficientemente a comunicação para, deixando o
isolamento social, participar ativamente, e dentro das possibilidades, de relações

160
Comunicação alternativa na Educação Especial

interpessoais e ações coletivas. Mesmo para as pessoas acometidas por problemas


graves que as impedem de ter participação ativa em projetos sociais e coletivos
de ações , na vida diária, essa comunicação alternativa é indispensável para garantir
uma melhoria na qualidade de vida, tornando mais enriquecedora a relação com
aqueles com os quais convivem.
Essa pode ser uma perspectiva para se realizar leitura produtiva
dos textos dos professores Manzini e Capovilla, apresentados a seguir.

161
CONCEITOS BÁSICOS EM COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E
SUPLEMENTAR

Eduardo José MANZINI

A comunicação humana passou por transformações filogenéticas


e também se modifica no desenvolvimento ontogenético.

Algumas teorias sugerem que o desenvolvimento filogenético


da linguagem no homem ocorreu em função da necessidade de sobrevivência
da espécie. A linguagem teria, nessa concepção, a função de fazer um refinamento
no processo de comunicação. A conseqüência disso seria que a espécie humana
tornar-se- ia mais apta para lutar ou esquivar-se de predadores.
Em outras teorias , o desenvolvimento da linguagem e ,
conseqüentemente, o desenvolvimento da comunicação, surgiria em função da
necessidade de definir tarefas nos clãs, dividir serviços, ou seja, em função das
relações concretas no trabalho. Essa concepção é assumida por Luria ( 1986 ) que
identificou em seus estudos o que poderia se chamar de desenvolvimento
primitivo da linguagem. Para esse autor, o desenvolvimento filogenético da
linguagem ocorreu quando da passagem do caráter simpráxico da linguagem
para o caráter sinsemântico . Assim, em seus primórdios, a linguagem teria um
caráter simpráxico: os sons e os gestos estariam estreitamente ligados e sem a
presença de um deles não seria possível uma comunicação adequada .
Exemplificando o caráter simpráxico, Luria descreveu que ao visitar, em suas
pesquisas, longinquas aldeias da União Soviética, antes da revolução, tornava - se
quase impossível comunicar-se à noite ao redor de fogueiras, pois a falta de
luminosidade dificultaria enxergar os gestos que acompanhavam aos sons da
fala . Na evolução filogenética, a fala passaria a ter um caráter sinsemântico: a
palavra, por si só, passaria a ter a função de comunicação (Lúria, 1986) .
Departamento de Educação Especial - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525-900 -
Marília - SP, Coordenador do Grupo de Pesquisa: Deficiências Físicas e Sensoriais.
163

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p163-178
Educação, Universidade e Pesquisa

Para outros autores , o desenvolvimento filogenético da


linguagem ocorreu em estreita ligação com mudanças biológicas. Uma delas foi
uma adaptação e ampliação das funções dos órgãos responsáveis pela alimentação
e respiração. Nessa adaptação, esses órgãos passariam a ter, também, a função
de comunicação (Moreira & Chun, 1997 ).
Pesquisas sobre o desenvolvimento ontogenético indicam
também a ocorrência de mudanças estruturais em órgãos vitais. Assim, no bebê,
a laringe ainda não possui as condições acústicas necessárias para a fala. Ela
funciona como um snorkel que fica posicionado anatomicamente acima da base
aonde ocorre a passagem do leite depois de sugado. Posteriormente, com o
desenvolvimento e maturação biológica, a laringe se retrai abaixando uns três
centímetros formando uma caixa de ressonância, preparando, anatomicamente,
a criança para a fala (Discovery Channel, 1999).
Podemos concluir, então, que para a criança começar a falar são
necessárias mudanças anatômicas internas dos órgãos responsáveis pela fala e o
desenvolvimento do sistema nervoso central regido, em parte, pelos mecanismos
biológicos e, em parte, pela estimulação ambiental que traz a bagagem cultural
acumulada pela sociedade. O relacionamento desses fatores leva ao processo de
comunicação pelas vias normais, ou seja, a fala.
Nossa questão de análise se insere nesse ponto : E se houver um
impedimento biológico, anatômico, ou uma lesão no sistema nervoso central
que impeça a pessoa de falar ? O processo de comunicação estaria afetado ?
Podemos dizer que a idéia inicial que se tem do conceito de
comunicaçã o é que nos comunicamos por palavras, pela fala. Por meio da fala,
haveria troca de informações, sensações, sentimentos. Porém , numa interação
face -a-face, o ser humano exibe uma infinidade de recursos verbais e não verbais
que se misturam e se completam. Quando falamos, podemos sorrir, podemos
demonstrar apatia, quer dizer, comunicamos uma série de emoções. Temos os
gestos que acompanham e pontuam a fala. Em termos de recursos verbais,
temos a prosódia que seria a melodia fala, ela tem o seu ritmo, velocidade,

164
Comunicação alternativa na Educação Especial

volume, definição de graves e agudos, como uma música com o seu ritmo,
compasso. A prosódia também ajuda a verificar traços de personalidade, tais
como agitação, estado de tranquilidade.
A comunicação engloba todos esses aspectos, ou seja, ela consiste
em poder compreender o que o indivíduo quer dizere/ou poder fazer -se entender
pelo interlocutor sobre o que se quer dizer.
Exatamente nesse contexto é que entra em cena a comunicação
alternativa.

Na área da educação especial, a expressão comunicação alternativa


vem sendo utilizada para designar um conjunto de procedimentos técnicos e
metodológicos junto a pessoas acometidas por alguma doença, deficiência ou
alguma situação temporária que impeça a comunicação com demais pessoas
pelos recursos usualmente utilizados, mais especificamente, a fala . Alguns setores
têm tratado a comunicação alternativa como uma área de conhecimento.
Vários países, tais como, Dinamarca, EUA, França e Brasil têm
desenvolvido sistemas alternativos de comunicação, como, por exemplo,
tabuleiros com figuras , símbolos pictográficos (desenhos) , sistemas
computadorizados.
Para Tetzchener & Jensen (1996) , a comunicação alternativa é
usada quando o indivíduo comunica- se face - a - face por meio de outros caminhos
que não a fala. Signos manuais, código Morse, escrita, são formas alternativas de
comunicação de indivíduos que perderam a habilidade para falar.
Para Thiers ( 1995) , comunicação alternativa seria o campo da
educação especial dedicado à pesquisa e ao desenvolvimento de meios que
permitam a pessoas com perda ou retardo no desenvolvimento da linguagem
falada ou escrita fazer -se entender pelos seus interlocutores.
A comunicação alternativa e/ou suplementar também pode ser
definida como uma área da prática clínica que se destina a compensar -
temporariamente e /ou permanentemente - as alterações ou incapacidades de

165
Educação, Universidade e Pesquisa

comunicação expressiva, os distúrbios severos da fala, linguagem e na escrita.


Alguns autores discutem que o termo comunicação alternativa
traz a idéia de que a fala vai ser substituída e que a melhor definição seria adotar
o termo comunicação suplementar ou ainda comunicação aumentativa. Esse
termo designaria uma comunicação de suporte, ou seja, sua função seria
suplementar a fala e não competir com ela. Nesse sentido, a pessoa teria maiores
possibilidades para comunicar-se com o outro.
A comunicação suplementar e/ou aumentativa enfatizaria o
treino de formas alternativas de comunicação visando dois objetivos:
1 promover e suplementar a fala ;
2
.

garantir uma forma alternativa de comunicação de um indivíduo que não


começou a falar.;
Em outras palavras , os procedimentos utilizados na
comunicação alternativa não estariam competindo com a fala, mas dando suporte,
apoio e, em última hipótese, sendo alternativa a ela.
Ampliando um pouco o conceito de comunicação alternativa,
podemos encontrar duas definições :

1 comunicação apoiada;
2 comunicação não apoiada.
A comunicação apoiada englobaria todas as formas de
comunicação na qual a expressão lingüística existe na forma física, fora do usuário,
por exemplo: fotografia, desenho, sistemas de signos gráficos ou cartas. O signo
é selecionado: quadros ou livros, computadores.
A comunicação não apoiada englobaria as expressões próprias
daquela pessoa, tais como os sinais manuais, gestos, código Morse, piscar de
olhos para indicar sim ou não.
Dentro ainda da comunicação alternativa encontramos a
definição de comunicação dependente e comunicação independente.

166
Comunicação alternatirana Educação Especial

Na comunicação dependente o indivíduo que se comunica


depende de alguém para interpretar o que é comunicado. Aponta, sinaliza e
alguém fala; logo, depende de alguém para interpretá-lo. Pode-se usar letras,
palavras, ou sinais gráficos e manuais. Na comunicação independente, as
expressões são totalmente produzidas pelos seus usuários. Pode ser falando ou
com auxílio de meios alternativos cuja mensagem está escrita .

Usuários de sistemas de comunicação

Os sistemas de comunicação alternativos ou suplementares


podem ser utilizados por pessoas que possuem alguma deficiência que impeça o
uso da fala, por pessoas que temporariamente ou permanentemente estariam
impossibilitadas de falar. Alguns autores descrevem os usuários como possuidores
de distúrbios de desenvolvimento ou distúrbios adquiridos. Porém , essa
classificação não auxilia funcionalmente a indicação dos usuários. O que define
os usuários seria, a nosso ver, suas reais possibilidades expressivas.
De forma geral, podemos dizer que os usuários dos sistemas
de comunicação alternativa ou suplementar podem ser: 1 ) pessoas que possuem
boa compreensão, mas dificuldade para expressão, necessitando de comunicação
alternativa durante um período do desenvolvimento, por exemplo, uma criança
com Síndrome de Down, que ainda não fala, poderia se beneficiar de um sistema
de figuras para se comunicar. Essas figuras estariam apoiando a fala e contribuindo
para a sua manifestação futura; 2) pessoas que possuem fala ininteligível e que
outras pessoas teriam grandes dificuldades para compreendê -la; 3) pessoas
acometidas por distúrbios graves como autismo, agnosia auditiva; 4) portadores
de paralisia cerebral que devido à dificuldade de articulação e produção
fonoarticulatória estariam impedidos de falar; 5) pessoas com traumatismo
craniano que atingiria regiões cerebrais responsáveis pela fala ou linguagem
causando comprometimento motor e/ou cognitivo; 6 ) doenças degenerativas
como, por exemplo, distrofia muscular que dificultaria a utilização do diafragma
para produzir sons; 7) pessoas com comprometimento da linguagem, como em

167
Educação, Universidade e Pesquisa

afasias; 8) pessoas cujos órgãos fonoarticulatórios estariam impedidos de serem


utilizados, tais como cirurgia maxilar, traqueotomia, pessoas que tiveram
traumatismos nas cordas vocais.

Avaliando a situação e a pessoa usuária de um sistema alternativo


Pensando então em utilizar, desenvolver ou criar um sistema
alternativo devemos optar por aquele que ofereça as condições desejáveis para o
usuário . Para esse delineamento devemos estabelecer quais os tipos de estímulos
esses sistema deverá conter (Manzini & Deliberato , 1999):
O sistema será composto por objetos concretos ?
Será composto por fotografias, figuras ou desenhos?
Terá como base um sistema de símbolos pictográficos?
O sistema será combinado?
Fará uso da ortografia ?
Será composto por sistemas gestuais?
Para fazer esse delineamento, será necessária uma avaliação do
usuário (Deliberato & Manzini, 1997a,1997b ).Essa avaliação nos dará indicativos
se a seleção do sistema deverá conter uma tecnologia simples como, por exemplo,
o uso de tabuleiros para comunicação ou se o sistema estará baseado em alta
tecnologia como, por exemplo, o uso de computador (Capovilla, 1993, 1996;
Capovilla et al 1995, 1996).
Nesse delineamento é necessária a participação de equipe e família
para avaliar as possibilidades do usuário e da situação. A participação da família
é de vital importância, pois ela deverá auxiliar no levantamento do vocabulário a
ser empregado, na indicação dos meios comunicativos que o filho apresenta, e
será fonte de auxilio para que a criança aprenda a utilizar o sistema.
Em linhas gerais, para avaliar o usuário que irá utilizar o sistema
deveremos verificar (Deliberato & Manzini, 1997b; Manzini & Deliberato, 1999)
as habilidades físicas e cognitivas:

168
Comunicação alternativa na Educação Especial

1 Habilidades físicas do usuário : acuidade visual; limitações perceptivas ; fatores


de fadiga; habilidades motoras, tais como precisão, flexão, extensão,
habilidade para virar página;
2 Habilidades cognitivas: limitações, inteligência, compreensão, grau de
escolaridade .
Para avaliar a situação deveremos responder as perguntas: onde,
com quem e com qual objetivo o sistema será utilizado ? Ou seja, o sistema será
utilizado em casa, escola, comunidade? Será utilizado com pais, irmãos,
professores, amigos, comunidade em geral? Será utilizado com o objetivo de
comunicação e aprendizagem em sala de aula? Será utilizado para comunicação
entre amigos com o objetivo de lazer, como, por exemplo, falar de esportes,
futebol, corridas de Fórmula Um ?

Composição dos sistemas alternativos de comunicação


Os sistemas alternativos podem ser elaborados sob dois enfoques
tecnológicos: alta tecnologia e baixa tecnologia.
Em ambos os sistemas, os objetivos continuam sendo os
mesmos. A mudança se dá no tipo de recurso empregado. Assim, quando falamos
de alta tecnologia, geralmente designamos o uso de recursos , tais como
computadores, máquinas que sintetizam sons, tabuleiros sonoros. O uso de
computadores que operam com meio tipo multimídia é geralmente empregado.
Para os usuários são desenvolvidos softwares que trazem um sistema de
comunicação alternativo. A manipulação do computador pode ser feita via teclado
adaptado, mouse adaptado, tela sensível ao toque, ou ainda por acionadores por
sopro ou sons específicos.
Nos sistemas de baixa tecnologia são utilizados tabuleiros com
figuras feitas de papel, pastas com desenhos ou fotos, objetos, ou, simplesmente,
a escrita. A esses recursos podem estar incluídos os gestos, expressões faciais,
piscar de olhos para indicar sim ou não. No quadro a seguir, apresentamos

169
Educação, Universidade e Pesquisa

Tipos de sistemas e de estímulos Vantagens e desvantagens


empregados
Objetos E a forma mais concreta de comunicação, ou seja, envolve ir
abstração. Traz como desvantagens a dificuldade em expr
algumas categorias lingüísticas abstratas como sentimentos, vert
Fotografias E uma forma um pouco mais abstrata de representação e bas
utilizada nos sistemas de comunicação. É um sistema mais unit
Desenhos que ultrapassa a barreira da lingua. A representação de al
Figuras verbos torna - se difícil, por exemplo, ter, ser. Inclui-se aqui o PCS
etc.
Sistemas Têm a vantagem de uma grande possibilidade de arranjos
comunicação de idéias. Sua desvantagem é que envolve racic
Pictográficos bastante abstrato .
Sistemas Também trazem grande possibilidade de arranjos para comunic
Gestuais
Porém , o interlocutor deverá conhecer o significado dos gestos.
Sistemas de Têm poder de expressão ampla devido a possível flutuação entr
Símbolos combinados
tipo de recurso comunicativo e outro .

Ortografia E o recurso mais fidedigno para comunicação. Só pode ser i


pelos usuários alfabetizados e que possuem condições motori
escrita.

Analisando o esquema anterior, podemos dizer que o que mais


concretamente representa um conceito é o próprio objeto físico. Porém , algumas
palavras não podem ser representadas por um único objeto, por exemplo, os
verbos. Assim, os conceitos também podem ser representados por fotografias,
desenhos, figuras, por gestos, pela escrita, ou pela combinação de um ou mais
tipo de estímulos. Dentre esses recursos mencionados o mais fidedigno seria a
escrita. Dessa forma, uma criança pode se beneficiar, por exemplo, de um tabuleiro
com figuras e, assim que dominar a linguagem escrita, pode abandonar o tabuleiro
e passar a se comunicar por meio da escrita.
Vários sistemas de comunicação alternativa foram desenvolvidos
por pesquisadores da área, dentre esses sistemas podemos citar o PECS, PCS,
BLISS. Neste presente trabalho, descreveremos rapidamente dois destes sistemas:
O Picture Communication Symbols ( P.C.S.) e o Bliss.

170
Comunicação alternatina na Educação Especial

Sistema bliss de comunicação

Esse sistema foi desenvolvido por Charles K. Bliss no período


de 1942 a 1965. Seu objetivo era criar uma comunicação universal ultrapassando
os limites de uma língua. O sistema semantográfico foi baseado na escrita
pictográfica chinesa. Em 1971 , Shirley Macnaughton passou a utilizá-lo como
um sistema alternativo de comunicação.
O Bliss é composto por seis categorias que indicam funções
lingüísticas e traz cores como estímulos de apoio:
1 Relações: conceito de tempo, preposições, conjunções e artigos (na cor
branca);
2 Substantivos: objetos e idéias (na cor laranja );
3 Verbos: indicam estado e ação (na cor verde);
4 Atributos: adjetivos, advérbios (na cor azul);
5 Pessoas: pessoas e pronomes pessoais (na cor amarela);
6 Perguntas: pronomes interrogativos (na cor rosa).
Com essas categorias é possível formar frases e as recombinações
dos símbolos aumentam as possibilidades de criação pelo usuário. É um sistema
que demanda, por parte do usuário, elaboração mental mais abstrata do que um
sistema composto por figuras.
Os símbolos são desenhados a partir de uma régua padrão que
delimita os traços e formas utilizadas nesse sistema. Na figura abaixo apresentamos
alguns desses traçados e formas.

FIGURA 1 - Exemplos de traçados e formas para compor o Bliss.

If / ‫~ ج‬ 2.
171
Educação, Universidade e Pesquisa

A composição dos símbolos pode ser simples ou composta.


Podem indicar uma idéia ou ser representada por um pictograma. Pode também
trazer uma dupla classificação ou uma composição arbitrária. A seguir,
apresentaremos alguns exemplos:

FIGURA 2 - Composição do Sistema Bliss

SIMPLES
fogo
?
orelha
sol

COMPOSTO
##
tecido proteção
#
roupa

IDEOGRÁFICO
dentro emoção mente

PICTOGRÁFICO

casa envelope cubo

DUPLA

CLASSIFICAÇÃO
lar casa + emoção = lar

ARBITRÁRIO ) )( (
presente passado futuro

172
Comunicação alternativa wa Educação Especial

A implementação do sistema é feita passo a passo e o terapeuta


da linguagem vai fazendo o levantamento de vocabulário funcional que passa a
compor uma prancha de comunicação.

P.C.S. - Picture Communication Symbols


O P.C.S. foi um sistema inicialmente desenvolvido em 1980 e
possuía 700 símbolos. Nos últimos anos, o número de figuras aumentou para
três mil. É um sistema que pode ser utilizado por grande número de usuários,
principalmente crianças que possuam retardo mental, paralisia cerebral, apraxia
motora , traumatismo craniano, autismo.

Os seus símbolos possuem alta iconicidade, ou seja, as figuras


são facilmente reconhecidas. Estas figuras são formadas por linhas simples e
com palavras impressas. O papel de fundo é colorido possibilitando identificar
as categorias do sistema. As categorias são divididas em: verbos (na cor verde);
pessoas (na cor amarela ); sociais (na cor rosa ou lilás); descritivos (na cor azul) ;
substantivos (na cor laranja ); miscelânea (na cor branca). Na figura 3 apresentamos
um exemplo das categorias desse sistema.

173
Educação, Universidade e Pesquisa

FIGURA 3 - Categorias de palavras do P.C.S.

Mãe Pai
PESSOAS
A
cansado lento

DESCRITIVOS

como voce Tudo Bem7


esta ?

SOCIAIS
? A
casa
jantar
SUBSTANTIVOS
od se
atrasado Que horas s.do

MISCELÅNIA

comer beber
VERBOS
2

Os desenhos podem ser modificados para adaptá-los aos


usuários. Podemos aumentar ou diminuir as figuras, dependendo das dificuldades
de acuidade e/ou percepção visual, utilizar de linhas finas ou grossas, ou ainda
figuras em forma de palito ou em corpo inteiro.
Os desenhos podem ser personalizados, fazendo mudanças de
gênero, ou nomeando cada pessoa, mudando aparência ( cabelo, óculos, bigode,
etc). Nas figuras 4 e 5 apresentamos alguns exemplos dessas modificações.

174
Comunicação alternativana Educação Especial

FIGURA 4 - Possibilidades de mudança de gênero no PCS

ochod
FIGURA 5 - Possibilidades de nomeação e personificação no PCS

tlo tio tia tla


Pedro Jonas Marta Carla

A confecção do tabuleiro pode obedecer a uma ordem por


tópicos ou por frases.
Nas pranchas por tópicos, podemos selecionar categorias de
palavras tais como: alimentos, vestuários, animais, transporte, objetos. Podemos
ainda selecionar os símbolos, atendo-se a eventos, tais como: aniversários , carnaval,
natal. Os tópicos poderão ser armazenados em pastas, tipo arquivo.
Nas pranchas por frase, devemos pressupor que o usuário possua
conhecimentos de gramática ou que desejamos trabalhar com esse tipo de
conteúdo. Elas são adequadas para expressar pensamentos e para se trabalhar a
175
Educação, Universidade e Pesquisa

estrutura frasal. Na foto a seguir demonstramos uma criança que utiliza um


tabuleiro que auxilia na estruturação frasal.

FIGURA 6 - Criança com paralisia cerebral utilizando um tabuleiro que


auxilia a estruturação frasal

O tipo tabuleiro a ser utilizado dependerá das necessidades


funcionais do usuário. Podemos utilizar uma infinidade de pranchas elaboradas
com formatos totalmente diferentes. Na figura 7 apresentamos alguns modelos
indicados por Johnson (1998).

FIGURA 7 - Diferentes modelos de tabuleiros para comunicação

‫ נ‬- ‫מבם‬
TOTAL
ILICA
2000
nis

176
Comunicação alternativana Educação Especial

Finalizando, muitas são as formas de criar, implementar, e utilizar


sistemas alternativos de comunicação, porém, devemos estar cientes que a
funcionalidade para o usuário é o aspecto mais relevante, não importa qual sistema
estaremos utilizando, mas sim como esse sistema é utilizado pela pessoa que
necessita dele para comunicar-se.

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MANSUR , L.L. Temas em Neuropsicologia. São Paulo: Sociedade de Neuropsicologia,
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DELIBERATO , D., MANZINI, E.J. Comunicação alternativa e aumentativa: delineamento


inicial para implementação do Picture Communication System (P.C.S.). Boletim do COE
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P.C.S. com criança com paralisia cerebral. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
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LURIA, A. R. Pensamento e linguagemr. as últimas conferências de Luria. Trad. Diana M.


Liechtenstein e Mário Corso. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

177
Educação, Universidade e Pesquisa

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BBC/Discovery Channel, 1999. 45 min, color., son. , VHS, trad. Português.(série O
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- Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

178
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA : MODELOS TEÓRICOS E
TECNOLÓGICOS , FILOSOFIA EDUCACIONAL E PRÁTICA
CLÍNICA

Fernando C. CAPOVILLA

Observai, igualmente, os navios que, sendo tão grandes e batidos


de rijos ventos, por um pequeníssimo leme são dirigidos para onde
queira o impulso do timoneiro (Tiago 3, p. 4 )

Apesar das ventanias e das ondas bravias das circunstâncias às


quais seu corpo é sujeito, a pessoa com severos distúrbios motores e de fala
encontra nos sistemas de comunicação alternativa um pequenino leme com o
qual pode traçar e cursar seu próprio rumo de navegação pela vida, e ser seu
próprio timoneiro.

Todos nós, que lidamos responsavelmente com crianças com


severos distúrbios motores e de fala (SDMF), sabemos quão importante é dispor de
instrumentos apropriados para nos auxiliar em nosso complexo trabalho de
avaliar, educar e reabilitar apropriadamente essas crianças. Por maior que seja
nossa dedicação, sabemos que a qualidade e a eficácia de nosso trabalho dependem
de instrumentos profissionais adequados à complexidade da tarefa a que nos
propomos. É com esta preocupação de desenvolver instrumentos eficazes de
avaliação, educação e reabilitação que temos conduzido nosso trabalho. Este
breve artigo tece comentários sobre alguns dos frutos desse trabalho, com o
objetivo de examinar alguns de seus aspectos teórico -conceituais, filosófico
educacionais, e pragmáticos. Ele aprecia alguns dos muitos recursos de avaliação,
tratamento e comunicação que desenvolvemos nos últimos dez anos no
Laboratório de Neuropsicolingüística Cognitiva Experimental do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, e algumas implicações educacionais e
clínicas dos muitos achados importantes advindos de sua aplicação a crianças
com SDMF.
Universidade de São Paulo - USP

179

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p179-208
Educação, Universidade e Pesquisa

Como as crianças com SDMF não podem comunicar- se


autonomamente pela articulação da fala e produção da escrita por meios
tradicionais, nosso trabalho começou com o desenvolvimento de sistemas
computadorizados de comunicação alternativa que permitem transformar séries
de respostas discretas, como o piscar e o gemer, em mensagens que podem ser
armazenadas, recombinadas, faladas com voz digitalizada, impressas e enviadas
por rede local e Internet. Compartilhando a concepção de Light (1997), nosso
trabalho intenso de uma década de pesquisa e desenvolvimento de recursos
tecnológicos não advém de qualquer deslumbramento tecnofilico pelas máquinas,
mas sim de nossa profunda sensibilidade às necessidades e potenciais das crianças
com SDMF e à nossa percepção de quanto a tecnologia pode auxiliá - las a perseguir
seu desenvolvimento cognitivo, sua integração social e sua realização pessoal.
Como a comunicação é a base da socialização, da formação e manutenção da
própria identidade pessoal e social, tais sistemas de comunicação constituem
verdadeiras pontes que permitem cruzar o fosso do isolamento, e estabelecer
com a criança uma relação humana bidirecional que é condição essencial ao seu
desenvolvimento cognitivo, social e espiritual pleno. Só a partir do estabelecimento
de tal comunicação confiável, eficaz e autônoma é que a criança pode fazer -se
ouvida, conhecida e reconhecida por outrém e por si mesma, pode descobrir e
formular suas perguntas e dúvidas, buscar orientação, engajar-se em sua própria
educação e participar efetivamente da determinação de seu próprio destino.
Assim, quando se fala em comunicação alternativa, há muito mais em jogo que
um mero tabuleiro de símbolos ou um sistema computadorizado. Estamos
falando de uma ponte para o mundo e o futuro da criança, uma ponte que
precisa ser muito bem arquitetada para permitir e sustentar os intercâmbios e as
descobertas necessários ao desenvolvimento e realização da criança, sua educação
completa e integração plena. Estamos falando ao mesmo tempo dos olhos e
dos ouvidos, da língua e das mãos da criança, de sua mente, de seus sentimentos,
de seu mundo. É muito importante para nós, profissionais, que esta ponte seja
especialmente adequada para sustentar os intercâmbios necessários ao exercício
da educação, especialmente no contexto da política de inclusão.

180
Comunicaçãoalternatirana Educação Especial

A importância da CA e de recursos especiais de avaliação escolástica


para crianças com SDMF na educação inclusiva
A política governamental de inclusão na escola regular das
crianças com SDMF requer muito dessas crianças , e não menos de suas
professoras dedicadas e responsáveis . Para que a prática educacional plena seja
levada a sério e a política educacional se revele um meio de qualificação real e
integração social efetiva, e não apenas uma desculpa para reduzir gastos com a
educação especial, deve ser esperado que as crianças com SDMF cumpram de
fato e sistematicamente as lições de casa e os exercícios da aula, as redações e as
apresentações orais, que façam as perguntas na sala de aula essenciais ao
entendimento da matéria e então tomem as provas necessárias para demonstrar
que possuem os conhecimentos requeridos para progredir ao longo das séries
escolares. Os sistemas de comunicação que desenvolvemos permitem tudo isto.
Com eles as crianças podem compor perguntas e emiti -las com voz alta digitalizada
em sala de aula. Podem responder aos exercícios prescritos pela professora e
compor redações em casa ou em classe, e então imprimi-los, enviá-los por rede,
ou armazená-los para apresentação oral ao vivo na aula. Além disso, podem
também engajar -se com sucesso em atividades sociais e lúdicas no pátio durante
o recreio e os intervalos . Embora seja amargo fazê-lo, é preciso dizer que na
ausência de recursos eficazes para permitir a participação escolar efetiva da criança
e a avaliação de seu desempenho acadêmico pela professora, a política de inclusão
não passa de uma carta de boas intenções redigida na mais absoluta ingenuidade
quanto à prática pedagógica. A filosofia inclusiva só será responsável e conseqüente
no dia em que reconhecer a necessidade de equipar os alunos portadores de
SDMF com recursos especiais de comunicação oral e escrita e as suas professoras
com recursos de avaliação adaptados e efetivos. Sem tais recursos a escola está
fadada a produzir fracasso e incompetência, apesar dos sinceros e desgastantes
esforços da criança em aprender e da professora em ensinar. Fracasso e
incompetência que, ainda que disfarçados pela ausência de avaliações escolares
sérias e sistemáticas , sempre encontram um meio de revelar - se quando o jovem
mais precisa das habilidades que deveriam ter sido desenvolvidas na escola, ou

181
Educação, Universidade e Pesquisa

seja, quando candidatar- se a um curso mais avançado ou a um emprego no


mundo real, e não puder mais contar com a condescendência de seu antigo
sistema escolar inclusivista mas desequipado.
É importante lembrar que para que a educação inclusiva seja
bem sucedida, não basta apenas procurar reduzir o preconceito da sociedade
para com pessoas com deficiências, mas é vital desenvolver nestas pessoas a
autonomia, as habilidades específicas e as competências necessárias para que elas
possam competir acadêmica e profissionalmente pelo seu próprio lugar ao sol.
E, por melhores que sejam as intenções, não é possível lograr o desenvolvimento
de tais competências na ausência das ferramentas especiais necessárias. Enquanto
recursos para o desenvolvimento e a mensuração dessas competências, nossos
sistemas computadorizados de comunicação alternativa e de avaliação constituem
algumas dessas ferramentas. Sem mensuração sistemática do desenvolvimento
de competências, como saber se estamos fazendo um bom trabalho na educação
dessas crianças ? Como saber se nossos métodos estão funcionando e como
podem ser melhorados? Enfim , como saber se a criança está mesmo adquirindo
as competências de que tanto precisará ao sair da escola e competir por uma
vaga? Afinal, para conseguir a vaga no ensino médio e no mundo real, para além
do portão da escola de ensino fundamental, o jovem com SDMF, assim como
todos os seus co - concorrentes pela vaga, deverá demonstrar na avaliação aquilo
que efetivamente sabe e consegue fazer. Muito pode ser feito por este jovem
quando o tempo é mais apropriado, no ensino infantil e também no fundamental.
Como exemplo de um trabalho bem sucedido de alfabetização de uma menina
com paralisia cerebral no ensino fundamental, o estudo de Capovilla, Capovilla,
Silveira et al. (1998) demonstra como um treino de habilidades fonológicas em
menos de 20 sessões pode elevar em cerca de dois anos o desempenho em
habilidades fonológicas e de escrita em paralisia cerebral, habilitando o portador
de SDMF a usar o sistema de CA como uma ferramenta efetiva de escrita. O
procedimento completo de treino pode ser encontrado em Capovilla e Capovilla
( 1998a).

182
Comunicação alternatira na Educação Especial

Recursos especiais de avaliação escolástica de crianças com SDMF


Os mesmos distúrbios motores que impedem a fala e a escrita
de crianças com SDMF também impedem que elas sejam avaliadas pelas versões
tradicionais da maioria dos testes psicométricos padrão. E quando, apesar de
suas dificuldades, essas crianças conseguem de uma forma ou outra passar pelos
testes, inexoravelmente seu desempenho mostra -se muito inferior ao desempenho
médio das crianças de sua mesma faixa etária, não portadoras de SDMF. Para
que a avaliação psicométrica possa fazer justiça a essas crianças ao avaliar seu
desempenho cognitivo, seria necessário primeiramente adaptar os testes
psicométricos padrão às características motoras dessas crianças. Seria necessário
gerar versões computadorizadas capazes de ser operadas por crianças com os
mais variados graus de comprometimento motor, desde os mais leves que têm
controle motor o suficiente para poder usar tela sensível ao toque, até os mais
severos que precisam fazer seleção indireta por varredura, e cujo controle motor
é tão pobre que o parâmetro temporal de varredura precisa ser retardado em 1 ,
2 e mesmo 3 segundos. Seria necessário adaptar os testes psicométricos padrão
às características motoras dessas crianças para então, de algum modo, poder
subtrair o efeito da dificuldade de operação dos sistemas , e assim compensar as
estimativas de desempenho . Um dos modos com que logramos fazer isto foi
submeter todas as crianças de uma amostra de pré-escolares não portadoras de
SDMF a todas as versões computadorizadas de uma série de testes de grande
importância para o desempenho escolar de crianças com SDMF e para seu uso
bem-sucedido de sistemas de CA, e obter tabelas de normatização de cada faixa
etária em cada uma das versões de cada um dos testes. Isto foi conseguido em
uma série de estudos, que resultaram em tabelas de normatização do desempenho
de crianças do pré 1 ao pré 3 em cada uma das versões computadorizadas de
uma série de testes psicométricos ( Thiers & Capovilla, 1999).
Para tais estudos adaptamos testes importantes de prontidão
para alfabetização, vocabulário, compreensão auditiva, raciocínio categorial e
seqüencial, dentre outros. Desenvolvemos versões computadorizadas do Teste
de Vocabulário por Imagens Peabody (Capovilla & Capovilla, 1997b; Capovilla,
183
Educação, Universidade e Pesquisa

Nunes et al., 1997; Capovilla et al., 1998; Dunn et al . , 1986 ), do Teste Token
(DeRenzi & Vignolo, 1962; Di Simoni, 1978; Macedo et al., 1998), da Escala de
Maturidade Mental Colúmbia (Burgemeister, Blum & Lorge, 1971 ; Capovilla et
al., 1997c), do Teste de Inteligência Infantil de Wechsler ou WISC III-R (Wechsler,
1991 ), do Reversal Test (Capovilla et al., 1998; Edfeldt, 1971 ), e do Teste de
Prontidão para a Leitura (Capovilla et al., 1998; Kunz, 1979), dentre outros. Para
cada um desses testes desenvolvemos versões computadorizadas por acionamento
direto com mouse e tela sensível ao toque, e indireto por varredura automática
em parâmetros temporais variando de 1 a 3 segundos e dispositivos sensíveis ao
piscar e a movimentos. Em uma série de estudos (Thiers & Capovilla, 1999),
aplicamos todos esses testes (exceto o WISC) em todas as suas versões
computadorizadas e tradicionais, e comparamos o desempenho de várias dezenas
de crianças em cada uma das versões computadorizadas com a respectiva versão
tradicional para saber se as computadorizadas seriam tão discriminativas quanto
as tradicionais. Os resultados dos estudos mais recentes provaram que as versões
computadorizadas foram capazes de discriminar entre as séries escolares tão
bem quanto as tradicionais , apesar de produzirem uma redução geral no
desempenho, na seguinte ordem do melhor para o pior desempenho:
1 versão tradicional;

2 versão computadorizada com seleção direta por tela de toque;


3 computadorizada por seleção indireta e tempo de varredura de 1 segundo;
computadorizada com varredura de 2 segundos;
5 computadorizada com varredura de 3 segundos. Como tais estudos geraram
tabelas de normatização das várias séries escolares sob cada uma dessas
versões de cada um dos testes, eles produziram o controle que desejávamos,
eliminando o efeito da versão que a criança com SDMF precisa usar sobre
a estimativa de suas capacidades cognitivas. Com tais trabalhos logramos
estender o escopo da psicometria clássica para abarcar crianças com SDMF
e assim, finalmente, começar a fazer-lhes justiça. Para proceder à avaliação
de habilidades escolásticas e de capacidades cognitivas de crianças com
184
Comunicaçãoalternativa na Educação Especial

SDMF, além das versões computadorizadas e normatizadas dos testes


psicométricos padrão já referidos, desenvolvemos também uma série de
provas neuropsicológicas delineadas conforme modelos clássicos da
neuropsicologia da leitura e escrita, como a prova de competência de leitura
silenciosa TeCoLeSi-Comp (Capovilla, Macedo et al., no prelo ) para a avaliação
do desenvolvimento das rotas de leitura baseada no modelo de duplo
processo (Grégoire & Piérart, 1997 ). Todos esses recursos também são
importantes para avaliar as chances de sucesso de crianças com SDMF em
fazer uso funcional de sistemas de CA, e em selecionar os sistemas mais
apropriados para cada caso específico. Neste ponto, para que possamos
apreciar mais a questão da indicação de sistemas de CA, é preciso, antes,
revisar alguns conceitos básicos do campo.

CA: definição ee conceituação, modalidades e suas indicações

A comunicação alternativa (CA) diz respeito a toda e qualquer


modalidade de comunicação diferente da oral e/ou da escrita. Mais precisamente,
a toda comunicação obtida por meios outros que não os da linguagem primária
(i.e., a oral-aural para a criança ouvinte ou a língua de sinais para a surda) e/ou
secundária (i.e., a escrita). Ela é o único recurso disponível para comunicação
por parte de pessoas cujos severos distúrbios e/ou limitações motores e/ou
cognitivos impedem a articulação da fala (na ouvinte ), do sinal (na surda) e da
escrita. Tais quadros incluem os de paralisias cerebrais, afasias, anartrias, alexias e
agrafias, distrofia muscular progressiva, esclerose lateral amiotrófica, dentre outros.
Incluem também lesões medulares que resultam em tetraplegia que impede a
sinalização em surdos que não articulam a fala. A CA é também uma área clínica
e educacional dedicada à pesquisa e ao desenvolvimento de recursos alternativos
de comunicação, ao estudo da sua eficácia em diferentes quadros clínicos, e ao
estudo dos processos cognitivos envolvidos que os sistemas de comunicação
demandam e permitem desenvolver. É uma área multidisciplinar que articula
esforços da psicologia, fonoaudiologia, educação, educação especial, neurologia,
terapia ocupacional, análise de sistemas e computação, dentre outros. A pesquisa

185
Educação, Universidade e Pesquisa

usa modelos de neuropsicologia cognitiva (como o modelo da memória de


trabalho de Baddeley, 1992, e o de duplo processo da leitura de Morton, 1989),
de engenharia de software e ergonomia cognitiva (Capovilla, Gonçalves &
Macedo, 1998), dentre outros. Sendo necessariamente multidisciplinar, busca usar,
de um lado, o conhecimento de pesquisa em psicologia e neuropsicologia para
melhor aproveitar os recursos tecnológicos disponíveis e, de outro lado, os
recursos da tecnologia de informática mais avançados de modo a compensar e
superar as limitações motoras e cognitivas da pessoa com SDMF.
Embora tecnicamente a comunicação alternativa (i.e., alternative
communication ) seja diferente da comunicação suplementar (i.e. , augmentative
communication), o termo comunicação alternativa é usualmente empregado como
um nome abreviado da área mais ampla de comunicação alternativa e suplementar
(i.e., augmentative and alternative communication ). Ainda assim, a distinção entre
alternativo e suplementar é importante: os recursos da comunicação alternativa e
suplementar (CAS) podem ser usados tanto em substituição à comunicação oral e
escrita (i.e., como alternativa a elas) quando elas se encontram totalmente impedidas,
quanto em auxílio a elas (i.e., como suplemento delas) quando encontram-se
dificultadas. Por exemplo, nos estágios intermediários da esclerose lateral
amiotrófica, à medida em que a voz se torna progressivamente mais fraca, um
aparelho de amplificação sonora pode suplementar a comunicação oral, permitindo
compensar a fraqueza da resposta e recuperar temporariamente sua eficácia,
funcionando assim como um sistema de còmunicação suplementar (CS). Já nos estágios
mais avançados da doença, quando a amplificação já não for mais eficaz, um
sistema sintetizador de voz operado por meio de varredura automática e seleção
pelo piscar, por exemplo, pode substituir a comunicação oral funcionando, assim,
como um sistema de comunicação alternativa (CA ). Os sistemas de CA e CS envolvem
processamentos comportamentais e cognitivos bastante diferentes. Os sistemas
de CS apenas amplificam os efeitos de certas características físicas da comunicação
natural que se encontra de algum modo comprometida. Restauram a comunicação
natural sem necessidade de qualquer aprendizagem ou processamento cognitivo
adicional. Já os sistemas de CA substituem a comunicação natural que se encontra

186
Comunicação alternativa na Educação Especial

severamente impedida. Constituem sistemas novos e artificiais de expressão que


precisam ser aprendidos e requerem o envolvimento de sistemas comportamentais
e cognitivos distintos. O trabalho feito em nosso laboratório privilegia a
comunicação alternativa, em vez da suplementar. Ainda assim, como o mesmo
sistema pode ser empregado de maneira alternativa e suplementar por crianças
diferentes e pela mesma criança e momentos diferentes, o termo comunicação
alternativa é usado aqui como uma forma abreviada nos dois sentidos, de
alternativa e suplementar. A mesma posição, a propósito, é adotada
Tetzchner e Jensen (1996 ).

A fala para o ouvinte e a sinalização para o surdo são naturais; já


a articulação da fala pelo surdo impedido de sinalizar e a sinalização pelo ouvinte
impedido de articular são alternativas. A CA pode envolver a mediação de um
instrumento (CA assistida) ou não (CA não -assistida ). Nos casos da fala pelo
surdo tetraplégico ou amputado, e da sinalização pelo ouvinte anártrico, a CA é
não -assistida, pois os itens de comunicação (palavras articuladas pelo surdo, sinais
articulados pelo ouvinte anártrico, mímica e pantomima) são realizados sem a
mediação de qualquer instrumento de comunicação específico. Por outro lado, a
CA é assistida em todos os casos em que são empregados aparatos como
tabuleiros de comunicação, cadernos de símbolos e sistemas computadorizados.
Pode- se usar CA com crianças e adultos, em quadros de lesões
adquiridas e de desenvolvimento, incluindo os degenerativos progressivos. O
escopo da CA é bastante vasto, já que ela pode ser empregada tanto para a
criança cuja lesão cerebral antecede o desenvolvimento da linguagem oral e/ou
escrita ( e.g., a paralisada cerebral cuja lesão é perinatal), quanto para o adulto cuja
lesão resulta em perda de habilidades lingüísticas já desenvolvidas (e.g., o afásico,
o aléxico, o demenciado) . Os objetivos da CA variam dependendo das
características da pessoa, tais como seu estágio de desenvolvimento , a configuração
de suas várias funções sensório -motoras, cognitivas e sociais, e a natureza e grau
de comprometimento e de preservação dessas funções. A CA pode ser empregada
temporariamente como um recurso terapêutico e educacional de (re )habilitação e educação
até que as funções subdesenvolvidas ou perdidas se (re)estabeleçam, e/ou mais
187
Educação, Universidade e Pesquisa

perenemente como um recurso de substituição e compensação das funções comunicativas


que não podem desenvolver- se ou recuperar-se. Uma completa revisão dos
diversos usos de diversos sistemas de CA com diferentes quadros de afasias
pode ser encontrada em Capovilla (1997).

Sistemas de CA como próteses sensório-motoras e cognitivas , para


comunicação e pensamento
Quando os sistemas de comunicação alternativa são eficazes
em permitir à criança comunicar- se com outrém e expressar com maior clareza suas
necessidades, desejos e opiniões, eles constituem próteses comunicativas. Quando,
além disso, eles também são eficazes em permitir à criança comunicar -se consigo
mesma, isto é, pensar e desenvolver sua fala interna (ou sinalização interna) de modo a
conseguir chegar a novas conclusões e descobertas por si mesma, eles constituem
próteses cognitivas. Só quando os sistemas logram funcionar como próteses cognitivas
é que eles se tornam vias naturais e efetivas para alfabetizar a criança. A noção de
prótese requer algumas explicações adicionais. Prótese é um sistema artificial que
substitui um sistema natural no exercício de sua função, quando ele se encontra
comprometido e esta, consequentemente, deficitária. Há próteses sensoriais, como
a lente artificial que substitui o cristalino num quadro de catarata, e próteses
motoras, como um membro mecânico que permite ao amputado deambular e
manipular objetos. Na surdez neuro -sensorial profunda as células ciliares da cóclea
encontram -se reduzidas a tal ponto que os aparelhos convencionais de
amplificação sonora não são eficazes. Como o órgão natural ( i.e., cóclea) encontra
se lesado, a função auditiva que ele deveria desempenhar torna-se seriamente
comprometida, e pode ser restabelecida por uma prótese (i.e., implante coclear).
Maiores detalhes sobre o implante coclear, suas indicações e contra-indicações
em crianças e adultos com diferentes tipos e graus de surdez podem ser
encontrados em Capovilla, no prelo.
Um sistema de multimídia para CA funciona como uma prótese
sensorial e, ao mesmo tempo, como uma prótese motora. Por exemplo,

188
Comunicaçãoalternativa na Educação Especial

consideremos um quadro motor de anartria e tetraplegia. Como a anartria impede


a articulação da fala, e a tetraplegia impede o escrever, o operar um mouse ou
mesmo o tocar uma tela sensível, o sistema pode fazer varredura visual automática
entre alternativas, de modo que, para selecionar dentre as alternativas ( e.g., uma
ordem a ser cumprida pelo computador ou uma palavra a ser impressa ou
falada por ele ), a pessoa precisa apenas esperar até que essa alternativa esteja
iluminada e emitir um piscar, gemido ou movimento qualquer. O sistema funciona
como uma prótese motora na medida em que permite transformar um piscar ou
um gemido de um paciente tetraplégico em uma alteração ambiental física ( e.g., o
ligar ou desligar de um eletrodoméstico, o abrir de uma porta ou janela) ou social
(e.g. , a intervenção de uma pessoa do meio para o atendimento de uma
necessidade expressa pela emissão de uma palavra falada e escrita). Se esta pessoa
anártrica e tetraplégica tampouco puder escolher dentre as alternativas escritas
devido a analfabetismo ou a um quadro aléxico ( e.g., cegueira verbal), o sistema
pode substituir as palavras escritas por pictogramas ou desenhos, prescindindo
assim da leitura . Se o anártrico tetraplégico também apresentar agnosia visual ou
for cego, o sistema substitui a varredura visual pela auditiva, em que soam
automaticamente os nomes falados dos significados representados (e.g., palavras
cachorro, gato, pássaro ). Finalmente, se o anártrico tetraplégico cego também
apresentar um quadro afásico de surdez verbal, como ele não conseguiria
compreender tampouco a fala, na varredura auditiva seriam usados os próprios
sons da natureza ( e.g., o latido, o miado, o trinado) em vez dos nomes falados
correspondentes. Em todos esses casos, os sistemas demonstram grande
flexibilidade enquanto prótese sensorial para superar as limitações de input do
usuário por meio do emprego de variados recursos de multimídia .
Um sistema é considerado de multimídia quando permite
apresentar combinadamente texto escrito, imagens com animação gráfica, palavras
faladas e sons da natureza. Ao incorporar tais recursos de multimídia nossos
sistemas de CA são eficazes como próteses sensoriais. Ao mesmo tempo, são
próteses motoras eficazes, na medida em que incorporam periféricos variados
para acionamento direto ( e.g., mouse e tela sensível ao toque) quando a pessoa

189
Educação, Universidade e Pesquisa

tiver controle motor suficiente para poder fazer uso dele, e indireto ( e.g., varredura
automática e detetores sensíveis ao piscar, ao gemido ou a movimentos grossos)
quando os distúrbios motores impedirem o acionamento direto. Um sistema de
CA só cumpre sua função plena de prótese comunicativa quando permite a pessoa
com SDMF, apesar de suas limitações sensório -motoras e cognitivas, controlar a
apresentação dos recursos de multimídia para produzir efeitos sociais sobre o meio. E
ele só cumpre sua função plena de prótese cognitiva quando permite a essa pessoa
controlar a apresentação dos estímulos em suporte às suas próprias respostas,
tornando-se capaz de usar o arranjo seqüencial das figuras, palavras e sílabas do
computador como parte de seu pensamento e em auxílio a ele, para conseguir
pensar através do sistema como os ouvintes falantes e os surdos sinalizadores
que usam sua própria fala e sinalização consigo mesmos como parte vital de seu
pensar. Maiores detalhes sobre sistemas de CA como próteses cognitivas podem
ser encontrados em Capovilla, Macedo e Capovilla (1997) e Capovilla, Macedo,
Duduchi, Capovilla e Gonçalves (1998).

Sistemas de CA: design e estratégias de representação de informação


No delineamento de um sistema de CA deve- se levar em
consideração uma série de características de design, as quais encontram- se
sumariadas em Capovilla, Macedo, Duduchi, Capovilla e Thiers ( 1998) . Por
exemplo, um sistema deve permitir a composição de mensagens no modo on
line (1.e., pela seleção livre dos itens de interesse), bem como o armazenamento
de tais mensagens e sua posterior recuperação no modo pre-stored.Assim, conciliam
se as vantagens da flexibilidade de composição do modo on line com a rapidez
comunicativa do modo pre-stored. Uma revisão das principais características de
design de sistemas de CA e de suas vantagens e desvantagens, suas indicações e
contra-indicações em quadros clínicos diferentes pode ser encontrada em
Capovilla, Macedo, Duduchi, Capovilla e Thiers (1998 ).Aqui é importante apenas
lembrar que, para a indicação clínica de um ou outro sistema a uma determinada
criança, tais características de design são tão importantes quanto as características

190
Comunicação alternativa na Educação Especial

clínicas do quadro da criança. Um sistema é considerado especialista ( expert system )


quando ele é sensível ao desempenho do usuário e toma decisões com base
nesse desempenho. Uma das características mais importantes de design de sistemas
de CA enquanto sistemas especialistas é a previsão de palavras (word prediction). Um
sistema de CA capaz de fazer previsão de palavras oferece ao usuário, durante
sua elaboração de mensagens, uma série de alternativas prováveis à conclusão da
mensagem em elaboração. Para tanto, o sistema usa o contexto da mensagem
em elaboração, e o registro passado armazenado na memória acerca da
probabilidade de ocorrência de palavras em contextos semelhantes de mensagens.
Em conseqüência, a composição de mensagens no modo on line tende a ser
bastante acelerado, uma vez que os itens mais provavelmente requeridos para a
continuação e conclusão das mensagens estarão sempre em amostra na tela,
disponíveis à ponta dos dedos.

Sistemas de CA não- lingüísticos

Os sistemas de CA empregam diferentes estratégias para


representar a informação. Há sistemas não -lingüísticos e lingüísticos. Os não-lingüísticos
compreendem conjuntos de fotografias, pictogramas e desenhos de linha para
representar o significado. São exemplos os sistemas PIC ou Pictogram -Ideogram
Communication (Maharaj, 1980) e PCS ou Picture Communication Symbols (Johnson,
1992), ambos por nós já computadorizados em sistemas de multimídia com
voz digitalizada e com eficácia comprovada em dezenas de estudos experimentais
( e.g., Capovilla, Gonçalves & Macedo, no prelo; Capovilla et al., 1997d) . Tais
sistemas são especialmente apropriados para introduzir CA a crianças com SDMF
pré-alfabetizadas, e nos primeiros anos de sua alfabetização. São também
especialmente apropriados quando há perda de linguagem oral e escrita, como
nos casos das afasias e alexias, respectivamente. As pesquisas do grupo de Steele
(Steele et al., 1992; Steele et al., 1987; Steele et al., 1989), dentre outros, comprovam
o sucesso de sistemas deste tipo em afasias de Broca, Wernicke e global. Bertoni,
Stoffel e Weniger (1991) também comprovam a superioridade da representação

191
Educação, Universidade e Pesquisa

pictorial para afásicos, e a inadequação da representação lingüística, como língua


de sinais ou semantografia Bliss, para esses pacientes. Finalmente, tais sistemas
pictoriais são também muito apropriados em casos de dislexia do
desenvolvimento como um recurso temporário para permitir a crianças, já muito
frustradas com o fracasso escolar, a experiência de ler e escrever com sucesso
apesar de suas dificuldades fonológicas.
O uso de sistemas semelhantes com disléxicos e surdos foi
estudado extensamente pelo pedagogo argentino Oscar Oñativia ( 1986) . A
propósito, pouco antes de falecer, Oñativia elogiou nossos sistemas de CA como
um dos melhores meios de implementar seu Método Integral ao computador
(1994a, b) . Tais sistemas pictoriais, no entanto, não são apropriados para todos
os casos, sendo que na grande maioria das crianças com SDMF , seu uso principal
é como um recurso psicopedagógico para estabelecer os principais pré-requisitos
à alfabetização. Um dos problemas com a representação pictorial é a limitação
dos significados passíveis de representação aquilo que é mais concreto e manifesto,
em vez de abstrato e sutil. Um outro problema dessa representação é a polissemia
ou multiplicidade de significados passíveis de atribuição a uma mesma figura. Se
é fato que " uma imagem vale mais que mil palavras”, então quando a criança
com paralisia cerebral quiser expressar uma palavra por meio da seleção de uma
imagem , ela terá, por assim dizer, cerca de 999 outros significados alternativos
que irão competir na mente do interlocutor com o significado específico que ela
deseja comunicar. Um recurso adicional simples para aumentar a clareza denotativa
dos desenhos, é emparelhar ao desenho a palavra escrita correspondente ao
significado por ele representado. Embora seja mais fácil representar pictorialmente
o concreto e manifesto que o abstrato e explícito, a transparência do significado
dos desenhos de sistemas como PCS e PIC está entre as mais elevadas de todas
as formas de representação de informação. Ainda assim , para crianças com
SDMF em pleno desenvolvimento cognitivo, os sistemas pictoriais devem ser
vistos como recursos de CA provisórios de suporte à educação, que devem ser
eventualmente substituídos por sistemas lingüísticos e, de preferência, fônicos.

192
Comunicação alternatiu na Educação Especial

Os sistemas de CA lingüísticos constituem linguagens


propriamente ditas, mais que meros meios de comunicação e são capazes de
representar virtualmente qualquer significado, por mais sutil, abstrato e complexo
que seja. Tamanha precisão e flexibilidade de representação é possibilitada pelo
uso de unidades mínimas abstratas que se recombinam de acordo com regras
arbitrárias e consensuais de morfologia e sintaxe . Tal vantagem, no entanto, tem
seu custo. A adoção de tais sistemas requer um bom nível de preservação
cognitiva, o que exclui um bom número de afásicos, e um certo grau de
desenvolvimento lingüístico, o que exclui inicialmente as crianças pré-alfabetizadas
cujos pré-requisitos à alfabetização ainda não tenham sido desenvolvidos . Ainda
assim é preciso estudar os sistemas lingüísticos mais atentamente , já que boa
parte dos esforços no uso da CA como recurso terapêutico e psicopedagógico
objetivam levar o ouvinte com SDMF a progredir do pictorial ao lingüístico,
culminando em sistemas com voz digitalizada baseados na escrita alfabética como
a forma mais flexível e socialmente válida de comunicação.

Sistemas de CA lingüísticos visuais


Há dois tipos de sistemas lingüísticos, os visuais e os fônicos. Os
sistemas lingüísticos visuais representam diretamente o significado, por referência às
suas propriedades, especialmente as visuais. Os sinais e símbolos que os compõem
freqüentemente têm uma relação de similaridade ou analogia física às propriedades
dos referentes. Talprincípio de analogia que é típico da representação pictorial, mais
primitiva, está na origem da maior parte dos sinais e símbolos, e lhes confere
uma certa iconicidade e transparência denotativa, tornando seu significado muitas
vezes aparente e claro. Ainda assim , apesar da origem analógica e transparente
da maioria dos símbolos desses sistemas visuais, na medida em que constituem
linguagens plenas, princípios lingüísticos como o da recombinatividade de unidades
mínimas arbitrárias de acordo com regras consensuais sobrepõem - se à
iconicidade, tornando a representação do significado no fluxo lingüístico muitas
vezes opaca, apesar de abstrata e logicamente precisa. A perda da iconicidade é
o preço inevitável da flexibilidade dos sistemas lingüísticos em representar qualquer
significado.
193
Educação, Universidade e Pesquisa

Dentre os sistemas lingüísticos visuais há os artificiais, como a


semantografia Bliss (Bliss, 1972; McNaughton, 1985) que é inspirada na ideografia
chinesa, e os naturais como a lingua brasileira de sinais (Capovilla, Raphael & Macedo,
1998 ). A semantografia Bliss representa diretamente os significados (semanto +
grafia) por meio de símbolos de três tipos: os pictoriais, cuja forma física é análoga
à do referente representado; os ideográficos, que têm uma relação ideacional com
o significado; e os arbitrários. Substantivos concretos e verbos manifestos podem
ser representados eficazmente por semantogramas pictoriais, cuja forma física é
análoga às dos referentes por eles representados.Já substantivos abstratos e verbos
internos ' não podem ser representados eficazmente de maneira pictorial, mas
precisam ser representados de modo ideográfico, sendo sua forma relacionada
ao significado de maneira apenas ideacional e abstrata. Finalmente, relações lógicas
e matemáticas são representadas por símbolos abstratos. Apesar de seu
refinamento, quando implementada em tabuleiros de madeira, a semantografia
Bliss padece de uma série de limitações, a começar pela dificuldade em ampliar
os tabuleiros incluindo novos símbolos para representar novos significados. Dada
a complexidade lingüística da semantografia, a criança tende a depender
excessivamente de características incidentais como a posição do símbolo no
tabuleiro , sua coloração de fundo e a palavra escrita associada. Quando privadas
dessas características de suporte, apesar de sete anos de experiência prévia com
tais tabuleiros, as crianças que examinamos tendem a identificar apenas 5-50%
dos semantogramas, quando solicitadas. Em contraposição à sua insatisfatória
implementação tradicional em tabuleiros de madeira, desenvolvemos um sistema
de multimídia para CA que implementa a semantografia Bliss com voz digitalizada,
bem como um sistema computadorizado para o ensino sistemático dessa
semantografia, com eficácia comprovada experimentalmente em paralisia cerebral
(Capovilla et al., 1997 ).
As línguas de sinais constituem linguagens plenas, com unidades
mínimas arbitrárias ( quiremas, do grego queirós, ou mão) que se recombinam
conforme regras de morfologia e de sintaxe espacial. Tais unidades incluem a
articulação da(s) mão (s), o local da articulação no espaço de sinalização em relação
ao corpo, o movimento envolvido no plano de sinalização, seu sentido e forma
194
Comunicação alternativa na Educação Especial

geral, e a expressão facial associada. Embora a língua de sinais seja um sistema


lingüístico natural receptivo -expressivo para o surdo congênito , seus sinais podem
constituir um sistema de CA expressiva para o ouvinte que perdeu a habilidade
motora de articular a fala, e receptiva para o surdo pós-lingüístico cuja língua
primária era originalmente a oral-aural. Nesses casos, quando os sinais dessa
língua não são aprendidos naturalmente durante a janela de desenvolvimento
lingüístico dos 2-6 anos, mas sim posteriormente como um sistema de CA,
quanto maior a transparência denotativa dos sinais da lingua de sinais, tanto maior
a facilidade de processamento receptivo e expressivo em seu uso funcional como
recurso pragmático de comunicação. Uma documentação cuidadosa de mais de
3500 sinais da língua brasileira de sinais pode ser encontrada no Dicionário da
lingua brasileira de sinais (Capovilla & Rafael, no prelo) em forma de livro impresso
e de CD ROM com animação gráfica e busca por características morfológicas
dos sinais. No dicionário cada um dos sinais é desenhado em seqüências ilustrando
os estágios dos movimentos envolvidos. À esquerda de cada sinal há a ilustração
naturalística de seu significado e, à direita, sua escrita no sistema visual direto
SignWriting (Sutton, 1997, 1999) . Além disso, abaixo de cada ilustração há uma a
definição e uma descrição morfológica de cada sinal, além da ilustração de seu
uso lingüístico. Um levantamento experimental da iconicidade dos sinais dessa
língua pode ser encontrado em Capovilla, Sazonov et al. (1997). Tal trabalho de
pesquisa e documentação resultou num sistema de CA lingüístico visual baseado
nos sinais da língua brasileira de sinais chamado SignoFone (Capovilla, Macedo et
al., 1998), para surdos com SDMF.

Sistemas de CA lingüísticos fônicos


Diferentemente dos sistemas lingüísticos visuais que representam
diretamente o significado por referência analógica às suas propriedades visuais,
os sistemas lingüísticos fônicos representam o significado indiretamente, por meio do
mapeamento do som de parte(s) da palavra falada que o designa. Dentre todas
as estratégias fônicas, uma das mais antigas é a rebus (Morais, 1995) . Robinson

195
Educação, Universidade e Pesquisa

( 1995) relata seu uso já entre os sumérios e os egípcios. Embora a estratégia


rebus use desenhos, o significado por eles representado não pode ser obtido
diretamente por inspeção visual, mas apenas pela mediação da fala (interna ou
em voz alta) que designa esses desenhos. Por exemplo, a idéia de solver (i.e.,
dissolver) pode ser representada por meio do seqüenciamento dos desenhos de
um sole de um olho enxergando algo (1.e., sol+ ver), embora o significado representado
não tenha qualquer relação com a estrela de nosso sistema solar ou a optometria.
Obviamente, o emprego de tal estratégia depende do desenvolvimento e
preservação de habilidades fonológicas, e constitui uma espécie de exercício
para o aprimoramento e/ou reabilitação de tais habilidades. Indo além da
primitiva estratégia rebus, os fonogramas astecas, os silabários japoneses e os
alfabetos fenício e greco - romano foram mapeando a fala em níveis cada vez
mais refinados ao longo da história da evolução da escrita, permitindo a
consecução de níveis de consciência fonológica cada vez mais refinados.
Como a escrita alfabética mapea a linguagem oral-aural, os
sistemas de CA fônicos são especialmente apropriados para pessoas ouvintes
cujos distúrbios são de natureza motora, e não lingüística. Ou seja, tais sistemas
fônicos não são apropriados para afásicos ou aléxicos ou surdos, mas para
paralisados cerebrais alfabetizados ou cujos pré-requisitos à alfabetização já tenham
sido desenvolvidos por experiência prévia com sistemas de CA pictoriais ,
especialmente aqueles com voz digitalizada . Conforme demonstramos
experimentalmente (Capovilla, Gonçalves et al., 1998) , quando a criança tem a
experiência de, por meio da seleção e combinação de itens ao computador,
produzir fala audível com seu sistema de CA, apesar de sua incapacidade de
articular fala externa, tal experiência tende a fortalecer sua fala interna. Conforme
demonstrado alhures (Capovilla, Macedo & Duduchi, 1998) a operação sistemática
do sistema de CA com voz digitalizada produz no ouvinte a estruturação e o
fortalecimento do raciocínio lingüístico da criança e de sua fala interna. Como
todo sistema de CA assistido é uma espécie de escrita, e como a escrita é sempre
um sistema secundário baseado num primário (i.e., a fala interna para o ouvinte
e a sinalização interna para o surdo ), a experiência com um sistema de CA com

196
Comunicação alternativa na Educação Especial

voz digitalizada produz o fortalecimento da fala interna que, por sua vez, aumenta
a eficácia do uso do sistema de CA para produzir mensagens completas e para
aprender a ler e escrever. Assim, o sistema de CA pictorial deve incorporar
desde o início a voz digitalizada. Isto levará ao desenvolvimento de habilidades
fonológicas e lingüísticas da criança, que facilitará sua transição do pictorial ao
lingüístico fônico, levando à sua alfabetização plena. Nesta fase de substituição
do sistema de CA do pictorial ao lingüístico fônico, é especialmente importante
administrar à criança procedimento de treino de consciência fonológica (Capovilla
& Capovilla, 1998a) .

Sistemas de CA como recurso psicopedagógico para a alfabetização:


transições nas crianças ouvinte (do pictorial ao alfabético) e surda (do
pictorial aos sinais animados, à escrita visual direta, à escrita alfabética)
Em crianças com SDMF, a CA é um recurso psicopedagógico
de vital importância à educação e ao desenvolvimento plenos. Um dos objetivos
últimos e critérios da eficácia da CA é levar a criança a alfabetizar -se e a empregar
a escrita alfabética como recurso principal de comunicação. De fato, quando as
funções cognitivas que constituem pré-requisitos à alfabetização desenvolvem
se como fruto de um bem - sucedido trabalho de CA , eventualmente
complementado por um treino de consciência fonológica (Capovilla & Capovilla,
1997a), cedo ou tarde a própria criança eventualmente irá manifestar interesse
em substituir os pictogramas, símbolos e sinais — empregados inicialmente para
lograr o estabelecimento e desenvolvimento de sua comunicação — pelas palavras,
sílabas e grafemas da escrita alfabética da cultura em que vive. Assim, na criança
com SDMF, a substituição dos semantogramas, pictogramas, símbolos e sinais
inicialmente empregados pela escrita constitui um dos maiores marcos do sucesso
da CA como um instrumento psicopedagógico para a promoção do
desenvolvimento cognitivo e lingüístico da criança. A ênfase na escrita alfabética,
no entanto, precisa ser melhor qualificada quando se considera o caso do surdo
com SDMF

197
Educação, Universidade e Pesquisa

Consideremos um surdo congênito sinalizador que , em


decorrência de uma lesão medular, torna- se tetraplégico e incapaz de articular os
sinais de sua língua. Usualmente tal surdo teria poucas alternativas senão abrir
mão dos sinais de sua língua e engajar- se num prolongado tratamento destinado
a aprender a articular a fala. Em circunstâncias normais isto já é bastante difícil e
trabalhoso, e a depressão resultante da perda de movimentos só tende a aumentar
ainda mais esta dificuldade. Além disso, pertencendo a uma comunidade de
surdos sinalizadores, seria importante que ele continuasse a comunicar-se a partir
dos sinais de sua língua. Pensando nisto, desenvolvemos o sistema de CA lingüístico
visual baseado nos sinais dotados de animação gráfica do Dicionário da lingua
brasileira de sinais. O sistema de CA SignoFone (Capovilla, Macedo et al., 1998) para
surdos com SDMF permite a comunicação entre surdos e entre surdos e ouvintes.
Nele os sinais animados podem ser selecionados diretamente por mouse e tela
sensível ao toque ou indiretamente por varredura automática e dispositivos sensíveis
ao piscar e a movimentos discretos. As mensagens em sinais assim compostas
podem ser cifradas da língua brasileira de sinais para a língua americana de sinais,
bem como para o português e o inglês falados e escritos e, então, impressas,
soadas com voz digitalizada, ou enviadas por rede local e, em breve, também
por Internet. Além das ilustrações dos sinais com animação gráfica, o sistema
SignoFone também incorpora a escrita visual direta dos mesmos sinais com base
no sistema SignWriting (Sutton , 1997 , 1999) . Uma explicação detalhada da
importância de tal escrita visual direta de sinais para o desenvolvimento lingüístico
e cognitivo da criança surda pode ser encontrada em Capovilla et al. (1999);
Capovilla, Raphael, Shin et al. (1999).
Conforme explicado acima, o uso psicopedagógico dos sistemas
de CA deve sempre objetivar levar a criança com SDMF do pictorial ao
lingüístico, culminando no uso da escrita como principal recurso de comunicação
e desenvolvimento cognitivo. Se a criança com SDMF for ouvinte e não tiver
distúrbios fonológicos demasiadamente severos, a escrita almejada é a alfabética.
Como a escrita alfabética mapea os sons da fala e como a criança ouvinte tem
acesso a esses sons, há uma continuidade entre as propriedades formais da fala
198
Comunicação alternativa na F.ducação Especial

com que a criança se comunica e pensa e as da escrita alfabética. Tão forte é tal
relação entre a fala interna e a escrita que, na fase alfabética (Frith , 1985, 1990) de
aquisição de leitura e escrita, a criança tende a escrever como fala (i.e., por
codificação fonológica estrita, sem acesso ao léxico ortográfico ainda incipiente ),
cometendo assim erros de regularização fonológica. Tirando vantagem da relação
entre a fala e a escrita na criança ouvinte, numa série de estudos de intervenção
com pré-escolares e escolares de escolas particular (Capovilla & Capovilla, 1997a)
e pública (Capovilla, Capovilla & Silveira, 1998) , e de crianças com paralisia
cerebral (Capovilla, Capovilla, Silveira et al., 1998 ), demonstramos que um breve
treino de consciência fonológica pode produzir notáveis progressos em
habilidades fonológicas, de leitura e de escrita . A propósito, tais progressos são
ainda mais facilmente documentáveis agora que desenvolvemos testes cognitivos
computadorizados de compreensão auditiva e de texto (Capovilla & Macedo,
1999) , bem como de competência de leitura silenciosa (Capovilla, Macedo,
Capovilla & Charin , no prelo) , baseados nos modelos mais refinados da
neuropsicologia cognitiva (Braibant, 1997; Khomsi, 1997) , que são especialmente
apropriados para avaliar o desenvolvimento de diferentes rotas cognitivas de
leitura em crianças com paralisia cerebral . Este teste de competência de leitura,
por exemplo, é capaz de determinar em que fase do desenvolvimento da leitura
e escrita a criança com SDMF se encontra (i.e., se na logográfica , na alfabética ,
ou na ortográfica, cf. Frith, 1985, 1990), permitindo assim identificar quais as
habilidades específicas que devem ser desenvolvidas para a completa alfabetização
da criança. De qualquer modo, há farta evidência de que, na criança ouvinte, a
aprendizagem da leitura e escrita leva a uma dramática reorganização cognitiva e
lingüística, que retroage muito favoravelmente sobre a fala . Por outro lado, se a
criança com SDMF for surda, para que seu desenvolvimento lingüístico em
sinais se beneficie da aprendizagem da escrita, a criança precisará de um estágio
adicional e anterior de aprendizagem de leitura e escrita, em que uma escrita
diferente é usada, não alfabética mas sim baseada na representação visual direta
dos sinais . O sistema de escrita visual direta de sinais SignWriting faz pelo
desenvolvimento lingüístico em sinais da criança surda o mesmo que a escrita
alfabética faz pelo desenvolvimento lingüístico da fala na ouvinte. O
199
Educação, Universidade e Pesquisa

desenvolvimento meta -lingüístico por ela propiciado auxilia no uso da língua de


sinais como meta-linguagem para a melhor aquisição da leitura e escrita alfabéticas.
Consideremos uma criança surda congênita e filha de pais surdos,
que tem na língua brasileira de sinais sua linguagem materna primária adquirida
naturalmente nos intercâmbios primevos com sua comunidade sinalizadora . Assim
como a criança ouvinte pensa e expressa-se em palavras e usa com sucesso sua
fala interna em auxílio à sua escrita alfabética, a surda pensa e expressa -se em
sinais e tenta usar sua sinalização interna em auxílio à sua escrita. Como as unidades
da escrita alfabética (grafemas) mapeam as unidades sonoras lingüísticas da fala
(fonemas) , e como a criança surda não tem acesso aos sons da fala, as
propriedades formais ( quiremas) da sinalização interna são de auxílio limitado à
aquisição da escrita alfabética. A descontinuidade entre as propriedades formais
da língua de sinais, com que a criança surda pensa e se comunica, e as da escrita
alfabética com que se espera que se comunique por escrito já desde o início,
torna o empreendimento da aquisição de leitura e escrita muito mais difícil. Na
criança ouvinte, a aquisição do sistema secundário de escrita alfabética produz
uma expansão da capacidade de processamento e da memória de trabalho
Capovilla, Nunes, Macedo et al. (1997), e uma reorganização cognitiva e lingüística
que se reflete em maravilhosos progressos em sua linguagem oral e, no caso da
criança com SDMF, em seu manejo de sistemas de CA baseados na escrita
alfabética. Do mesmo modo, a aquisição do sistema de escrita visual direta dos
sinais pela criança surda produz uma reorganização cognitiva e lingüística
equivalente, que se reflete em maravilhosos progressos em sua língua de sinais e,
no caso da quela com SDMF, em seu manejo de sistemas de CA baseados na
escrita visual direta dos sinais de sua língua.
Como nossos sistemas contêm simultaneamente diferentes
bancos de pictogramas, sinais, símbolos, palavras e sílabas, a própria criança
pode escolher a qualquer momento o tipo de banco que prefere usar. Em qualquer
momento, o sistema que a criança mais usa torna - se o principal e os outros,
secundários e terciários por ordem de uso. Por uma questão de identificação
com seu grupo lingüístico, é natural que, após suas experiências iniciais com um
200
Comunicação alternativa na Educação Especial

sistema pictorial mais elementar , a criança surda venha a substituir


progressivamente os pictogramas pelos sinais animados da língua de sua
comunidade ( Signo Fone). À medida em que isto ocorre e que o sistema pictorial
for sendo menos e menos acessado, ele vai cedendo lugar na hierarquia dos
bancos do sistema. Logo, ao lado do banco de sinais com ilustrações animadas,
a criança começará a explorar o banco dos mesmos sinais escritos em Sign Writing.
Como esta escrita visual direta dos sinais tem uma recombinatividade superior à
das ilustrações, ela permite atingir um maior grau de abstração e refinamento
lingüístico. Ainda assim , cedo ou tarde a criança perceberá que, embora a
comunicação baseada em sinais animados e escritos seja muito satisfatória e eficaz
com sua comunidade lingüística de surdos sinalizadores, o mundo é mais amplo,
e que a maior parte da comunicação se dá pela escrita alfabética. Neste ponto,
desde que o banco apropriado lhe seja tornado acessível, e movida por sua
própria curiosidade exploratória , a criança começará a manipular ludicamente as
palavras da escrita alfabética, suas sílabas e letras. No entanto , como esta criança
não ouve, os arranjos sonoros (palavras e pseudopalavras) produzidos pela
manipulação das sílabas pela criança não podem funcionar como conseqüência
lúdica para a manutenção de seu comportamento de manipular exploratoriamente
tais sílabas. Aqui também cabe à professora um papel de importância essencial
para assegurar que o comportamento de manipular sílabas e compor palavras e
mensagens em escrita alfabética tenha conseqüências sociais tão significativas para
a criança surda quanto o de manipular sinais animados e compor mensagens em
escrita visual de sinais .

Este artigo apenas comentou sobre uma pequena parte dos


frutos de uma década de trabalho intenso de pesquisa e desenvolvimento de
recursos de hardware e software para CA de pessoas com SDMF. Nesta breve
retrospectiva, percorrendo os diversos sistemas específicos, os variados achados
experimentais e clínicos com quadros como os de paralisia cerebral, dislexia,
surdez e afasias, e os diferentes modelos teóricos pertinentes a cada um dessas
diferentes quadros, percebemos que estamos lidando com um todo orgânico,
cuja fisionomia e configuração própria conferem um papel especial a cada uma

201
Educação, Universidade e Pesquisa

das centenas de estudos que conduzimos, como pequenas pedras cujos desenhos
particulares coalescem naturalmente, revelando inadvertidamente um todo maior:
este belo mosaico que é a Neuropsicolingüística Cognitiva Experimental, e a
ainda mais bela arquitetura cognitiva que ele faz revelar.

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208
Os 40 anos da F.F.C.: sua contribuição para a
construção do conhecimento e da cidadania
OS 40 ANOS
DA FFC : SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E DA CIDADANIA
Arlêta Nóbrega ZELANTE

A temática desta mesa -redonda vai ao encontro dos objetivos


propostos pela comissão organizadora do evento destacando-se dentre eles:
" assegurar a realização de um balanço, entre número significativo de pesquisadores,
de algumas das mais marcantes experiências e pesquisas nessas áreas, garantindo
condições apropriadas para um debate aberto e auspicioso dos seus
desdobramentos com vistas à sociedade em intensa transformação neste final de
milênio."

Para uma avaliação do papel da FFC - UNESP de Marília na


elaboração, divulgação do conhecimento e na formação dos jovens preparando
os para uma profissão, é preciso, a meu ver, antes de mais nada, fazer uma
referência rápida através dos tempos à trajetória dessa instituição , com o objetivo
de localizá -la dentro de um espaço mais amplo, situando - a em um período de
tempo.

Nessa trajetória pode-se identificar três momentos distintos: 0


da criação dos Institutos Isolados, o da criação da UNESP com a
incorporação dos mesmos e o do processo de consolidação como Universidade.

1° Momento

Os Institutos Isolados do Ensino Superior, foram implantados


no Estado de São Paulo, dentro de uma política desenvolvimentista, própria dos
anos 50, que, num processo de descentralização e interiorização, passou a exigir
profissionais de nível superior que a modernização do país demandava. Esses

Departamento de Didática - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525-900 -Campus de


Marília - SP

211
https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p211-214
Educação, Universidade e Pesquisa

Institutos tiveram um papel significativo, embora diferenciado, nas várias regiões


do Estado de São Paulo, carentes de um Ensino Superior Público e de qualidade.
Eles representaram no campo da cultura, a marcha para a interiorização dos
centros de pesquisa do Ensino Superior. E assim, nesse contexto, foi criada a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (FAFI) pela Lei n° 3.781 , de
25 de janeiro de 1957, e promulgada pelo Governador do Estado, então Doutor
Jânio da Silva Quadros.
A inauguração solene da Faculdade deu-se no dia 13 de janeiro
de 1959, com a implantação dos cursos de História, Letras Anglo -germânicas e
Pedagogia, tendo ministrado a aula inaugural o Professor Doutor Segismundo
Spina, da Universidade de São Paulo, no dia 01 de março de 1959. A Faculdade
foi instalada no prédio de uma antiga fábrica, adquirido pela Prefeitura e cedido
ao Governo do Estado na Vicente Ferreira.

Em 1970 , através do Decreto- Lei Estadual nº 161/70, a


Faculdade foi transformada, juntamente com os demais Institutos Isolados do
Ensino Superior, em Autarquia de Regime Especial.
O prédio da nova Faculdade foi inaugurado em 06 de março de 1975, na rodovia
Marília-Assis, km. 445, destinado às atividades didáticas e departamentais . As
atividades administrativas continuaram a ser desenvolvidas no prédio da Avenida
Vicente Ferreira nº 1278, até o ano de 1980, quando foram transferidas para o
“ Campus Universitário ”.

O segundo momento aconteceu


Com o advento da Lei nº 952/76, que criou a Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho ”, a Faculdade passou a integrar a
nova Universidade com o nome de Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências
Sociais e da Documentação - Campus de Marília.
A criação da UNESP foi um processo bastante complexo e
difícil, não só pelo regime político instaurado no país após 64, como também ,

212
Os 40 anos da E.EC.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

pela desestruturação causada nos cursos, nos docentes, na infra -estrutura e pela
dificuldade da inserção de cada Campus em sua comunidade local e regional. É
interessante lembrar que houve, na ocasião, trocas de cursos e de docentes entre
as várias cidades do interior paulista. Novos cursos foram criados, outros extintos
e em decorrência : desativação de laboratórios , necessidade de adequação de
bibliotecas e realocação de recursos materiais e humanos.
Não se pretende fazer reflexão ampla e aprofundada do contexto
sócio -político, pois foge ao objetivo desta colocação inicial, mas é preciso, no
entanto, referir -se ao fato de que, mesmo anteriormente a criação da UNESP, as
unidades de ensino médio e superior vinham sendo alvo de ações repressivas,
principalmente a partir de 68, que afetaram dentre outras coisas, o ensino público
no país.
Todo esse processo criou uma distância entre a Universidade e
as sociedades locais, que viram no ideário de livre expressão dos acadêmicos , o
perigo de " contaminação ” (na expressão de Bovo - 1999) e a conseqüente
subversão da ordem político -ideológica estabelecida .

3º Momento e finalmente
A promulgação do novo estatuto de cunho mais democrático,
a abertura política do país, a peculiar distribuição geográfica da UNESP e o
aumento da sua produtividade, com maior número de pesquisa e de produção
científica e tecnológica , o oferecimento crescente de vagas, a abertura de novos
cursos de graduação e pós-graduação, dos quais Marília também participa,
causaram um impacto social na comunidade , concorrendo para o processo de
consolidação da UNESP enquanto Universidade.
Nada mais adequado portanto neste final de milênio em que
comemoramos os 40 anos de criação desta Unidade, colocá-la em questão,
mostrando não só a sua importância na formação dos jovens – muitos dos
quais já há algum tempo compõem o quadro de professores e pesquisadores da

213
Educação, Universidade e Pesquisa

unidade e de outros campus universitários - como também enfatizando a sua


contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania.
Finalmente, nada mais pertinente e significativa a inclusão dessa
mesa-redonda na temática do III Simpósio em Filosofia e Ciência – Educação,
Universidade e Pesquisa: Paradigmas do conhecimento no final do milênio.

214
A PESQUISA EM FILOSOFIA NA FACULDADE DE FILOSOFIA
E CIÊNCIAS DA UNESP EM MARÍLIA : UMA BREVE
RETROSPECTIVA

Lauro Frederico Barbosa da SILVA

A presença dos estudos e da docência de Filosofia desde a


fundação da atual Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp (antiga FAFI)
deve remontar, no mínimo, à presença atuante do professor Doutor Ubaldo
Martini Puppi. Com sólida formação na filosofia tomista não somente manteve
seu estudo com grande rigor, como foi capaz de remontar aos textos de Aristóteles
em busca das raízes do realismo, ou acompanhar a história do pensamento até
nossos dias e explorar como um pioneiro entre nós a hermenêutica, especialmente
a de Gadamer. Colaborou decisivamente para definir um significativo acervo de
obras filosóficas, incentivou a vinda de outros docentes e muito colaborou para
o desenvolvimento das atividades filosóficas na vizinha, então, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Assis. É do reconhecimento de diversos docentes
da antiga FAFI o papel decisivo desempenhado pelo professor Puppi em sua
formação.

A outra vertente que converge para os atuais estudos filosóficos


em Marília deve ser buscada nos trabalhos que vinham sendo realizados na já
mencionada Faculdade de Filosofia de Assis (FAFIA ). Naquela faculdade há
anos funcionava um curso de graduação em Filosofia o qual, com a fundação da
UNESP, viu-se transferido para o campus de Marília. Quando aqui chegou já
tinha formado algumas turmas de docentes, tinha visto grande parte de seu
professores adquirirem o título de Doutor e realizado importantes atividades no
meio acadêmico.

Departamento de Filosofia - Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525-900 -Campus de


Marília - SP

215

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p215-218
Educação, Universidade e Pesquisa

Três pilares básicos para a sustentação dos trabalhos filosóficos


especialmente nas condições oferecidas pelo interior paulista foram para aqui
transplantados com a mudança do curso de filosofia originário da Assis: o próprio
curso de graduação em filosofia na modalidade da licenciatura, o periódico
Trans / form /ação e o evento anual denominado desde o início Jornada de
Filosofia e Teoria das Ciências Humanas. Salvo engano, o último pilar essencial
para tal sustentação, pois que permite no mínimo a reprodução autógena de seu
corpo docente encontrava-se desde aqueles primeiros momentos em cogitação,
vindo bem mais atualmente a se concretizar, constituindo -se no Curso de Pós
Graduação, apto a conferir os títulos de Mestre e Doutor.
A colaboração trazida pelas demais universidades do Estado
de São Paulo para suprir com docentes por elas formados o departamento de
Filosofia ou de permitir aos docentes adquirem seus títulos pós-graduados é
inestimável. Sob este último aspecto , deve-se reconhecer a importância dos estudos
realizados e dos títulos obtidos pelos docentes em Universidades estrangeiras,
muito especialmente, européias. Do contato com essas instituições encontrou a
Filosofia de Marília temáticas candentes para serem trabalhadas, além da presença
sempre bem vinda de professores e especialistas dispostos a participar dos eventos
aqui ocorridos, realizar conferências, compor bancas, dar cursos e publicar em
nosso periódico.
Dos outros departamentos , sempre contou- se com a
colaboração numa reciprocidade que confere à Faculdade sua unidade e seu
caráter. Se desde o início esta colaboração se fez notar, parece servir de feliz
exemplo, a oportunidade que diversos ex-alunos tiveram de desenvolver seus
estudos pós-graduados no Curso de Pós-graduação em Educação, antes que a
Pós-graduação em Filosofia se instalasse e, reciprocamente, o empenho de diversos
docentes filiados ao departamento de Filosofia em oferecer programações e
aceitar assumir a orientação de alunos naquele mesmo curso. Este foi, contudo,
somente um exemplo entre vários desta importante colaboração.

216
Os 40 anos da F.E.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Havendo um curso de graduação em Filosofia, necessariamente


as diversas áreas em que esta se desdobra procuraram ser atendidas. Dada a
complexidade deste domínio , dificilmente podem ver -se atendidas plenamente
suas necessidades por qualquer instituição acadêmica; uma Faculdade isolada no
interior paulista e com somente quarenta anos de existência, mais dificuldade
ainda encontrará para satisfazê -las a todas. O tempo irá certamente consolidando
determinados viezes no encaminhamento dos problemas , na medida sobretudo
em que um corpo docente for sendo formado dentro da própria instituição. Se
para todas as áreas de conhecimento isto é válido, assim o será para a Filosofia:
atenderá suas diversas exigências, valorizando talvez mais algumas áreas, mas
sobretudo imprimindo uma feição própria a tudo o que produzir. Não será,
contudo, uma imposição autoritária que, com sucesso, marcará esta fisionomia.
Esta irá traçar-se movida por afinidades que jamais impedirão que outras vozes
se façam ouvir e que sejam bem acolhidas. A polifonia e o diálogo, eles sim
devem sempre ser procurados na busca da verdade.
O contágio benfazejo que o interesse em certos assuntos por
parte de alguns docentes provoca em outros, dá origem a trabalhos em comum.
Num primeiro momento , ainda em Assis, as relações entre Filosofia e Teoria das
Ciências Humanas marcaram significativamente as atividades do departamento.
O interesse pela filosofia política, muito afim àquele primeiro, encontra -se presente
em diversas programações e publicações oriundas do departamento. Sob seu
enfoque tem se desenvolvido também estudos de história da filosofia e de
estética.

Em torno dos estudos cognitivos, vários interesses reuniram- se


dando lugar aos estudos teóricos de computabilidade, a questões de filosofia da
mente, de lógica e de semiótica. Há anos um Grupo Acadêmico se constituiu em
torno desta temática. Grupos de estudo continuam a elaborá -la. A apresentação
de trabalhos em vários congressos internacionais sediados no Brasil ou no
estrangeiro decorreram destes estudos, assim como a área de concentração da
pós-graduação interdisciplinar promovida pelo departamento. Os estudos de
história da filosofia constituem o cerne da formação básica em filosofia. Em seu

217
Educação, Universidade e Pesquisa

âmbito várias pesquisas se desenvolveram centradas na filosofia antiga, na moderna


e na contemporânea. Houve momentos que a filosofia medieval, quando se
contava com professores especializados, igualmente foi estudada.
Testemunha privilegiada de toda esta produção encontra -se a
Trans/ Form / Ação, Periódico de Filosofia, cujo primeiro número data de 1975 e
que anualmente vem sendo publicada. Diferentemente de outros periódicos de
filosofia publicados no Brasil, Trans/ Form / Ação, embora aberta à produção
exterior à Unesp, volta-se especialmente para a publicação de textos produzidos
por docentes da Instituição. Sua leitura permite, portanto, que se colha uma
significativa amostra do que vem sendo produzido nestes últimos quase vinte
anos. Renovam-se os quadros, perdem-se excelentes docentes enquanto ganham
se outros. A revista mantém -se, no entanto , senão como o único registro - pois
muitas publicações da Unesp ou fora dela, do Brasil ou do estrangeiro recebem
significativas contribuições dos atuais assim como dos antigos docentes do
departamento - ao menos como veículo principal de sua produção teórica.
O resultado, porém, mais significativo do trabalho realizado
pela Filosofia em Marília e que dá continuidade àquele que vinha sendo realizado
em Assis, concretiza-se na pessoa dos alunos que freqüentaram suas aulas, que
ainda as freqüentam ou que irão freqüentă- las. Vários exercem o magistério no
segundo grau, outros obtiveram ou estão para obter títulos pós -graduados,
voltando, inclusive, ao próprio departamento como docentes. Aquilo que
adquiriram como cultura e competência justifica em primeiríssimo lugar o esforço
que vem sendo feito para manter e ampliar uma atividade sujeita a constantes
riscos de não conseguir se sustentar diante das inúmeras dificuldades que a cercam.

218
A FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DE MARÍLIA :
ORIGENS

Leonor M. TANURI

Criados em sua maioria no final dos anos 50, os Institutos


Isolados do Ensino Superior do Estado de São Paulo (IIESESP ) refletem a
problemática, as aspirações e as contradições daquele momento histórico.
Significaram a resposta do governo à crescente demanda de oportunidades
educacionais, açambarcada como bandeira pelos políticos locais como
instrumento de troca política com as classes médias e altas. Justificados como
alvo dos " anseios da mocidade ”, ou como objeto de “ pressões populares”,
parecem ter sido motivados mais por razões políticas do que propriamente
educacionais, como simples ampliação de reivindicações já conquistadas referentes
à criação de escolas primárias, normais e secundárias. Ainda assim, e mesmo que
se possa colocar a questão acerca de quais segmentos sociais reivindicavam a
interiorização do ensino superior, um fato parece claro. Uma vez instalados, os
IIESESP, de início restritos a segmentos minoritários da sociedade , passaram a
ser objeto de procura de camadas cada vez maiores e mais diversificadas da
população. Esse fato é evidente sobretudo no caso das Faculdades de Filosofia,
motivando a transformação do projeto pedagógico inicial e a adoção de medidas
tendentes a adequá-las à ampliação da demanda. Entre elas destacam- se: a
abolição do período integral de estudos, a principio adotado em algumas unidades,
a ampliação do número inicial de vagas, a criação de cursos noturnos e de
licenciaturas curtas, a maior integração com a rede de ensino, além de modificações
qualitativas importantes, sobretudo de ordem curricular, relativa à introdução de
disciplinas mais ligadas à realidade.

' Professora orientadora do curso de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e


Ciências - Unesp - 17525-900 -Campus de Marília - SP

219

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p219-226
Educação, Universidade e Pesquisa

A criação dos IIESESP se deu num momento em que se


começava a desenvolver o processo de modernização do ensino superior,
intensificando -se os debates e incorporando- se inovações administrativo
pedagógicas a algumas instituições. Esse clima de renovação e de crítica ao
arcaísmo da universidade tradicional, inclusive da USP, não deixaria de se refletir
no modelo pretendido para as novas instituições, especialmente ao nível das
justificativas apresentadas. A esse respeito, mencione-se, por exemplo, a exigência
fundamentalexpressa pelo GovernadorJânio Quadros ao Prof. Querino Ribeiro
- no intuito de convencê-lo a aceitar a direção da FFCL de Marília - de que a
escola a ser ali instalada deveria ser " de alto nível e em linha renovadora ” .
Para atender a tal exigência, no entender de Querino Ribeiro, a
Faculdade deveria, entre outros requisitos, contar com uma clientela de estudantes
a altura das exigências, cônscios de sua responsabilidade social como alunos de
uma escola pública e apoiados por um serviço de orientação educacional; possuir
um corpo docente altamente qualificado, selecionado por especialistas de
reconhecida responsabilidade e admitido por contrato, de modo a possibilitar a
substituição dos improdutivos; apresentar uma estrutura administrativa que “ sirva
de fato ao (e não sirva-se do) interesse do ensino, da pesquisa e da cultura em
geral”, ou seja, que corrigisse a tendência já então manifesta de hipertrofia dos
órgãos administrativos em face dos serviços de base. O exemplo das
universidades “ mais modernas e mais inteligentemente estruturadas”, como o
ITA e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, era chamado para ilustrar a
3
proposta .

Essa idéia de que os Institutos Isolados deveriam ser de alto


nível e em linha renovadora era uma constante, a nosso ver.

2
Anais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, v . 1, 1959 - 1962. Marília, 1969,
p.9 .
3
Ibid ., p. 9-14.

220
Os 40 anos da F.F.C.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Também Casemiro dos Reis Filho, em entrevista à revista


ANDE, observa a respeito de sua atuação e da de outros jovens professores
que com ele trabalharam na FFCL de Rio Preto: " ...aceitaram ir para Rio Preto
com a idéia de criar uma escola de alto nível e introduzir reformas na arcaica
universidade brasileira. Foi a primeira escola, por exemplo, a criar Departamentos.
Esse projeto nasceu na Pedagogia, onde eu era coordenador e teve repercussão
nacional.” Certamente a idéia de Departamento, englobando todos os professores
do mesmo curso, não foi prerrogativa de Rio Preto , mas aconteceu também em
outros IIES.

A USP, principal fornecedora de docentes para os IIES, ofereceu,


sem dúvida, a referência e o modelo , a ser imitado pelos IIESESP em seu padrão
de excelência, ou a ser superado em seus aspectos mais conservadores. A
preeminência do caráter de imitação ou de busca de superação do modelo
oferecido pela USP certamente variou bastante, não só de Instituto para Instituto,
mas de Departamento para Departamento, o que pode ser evidenciado pelas
entrevistas realizadas pelo Centro de Documentação e Memória da Unesp
(CEDEM ) com antigos professores dos IIES. Certamente, a idéia era " renovar”,
mesmo porque naquele momento a modernização do ensino superior era palavra
de ordem e o movimento pela reforma universitária já estava em marcha. Mas a
USP era o modelo existente, o modelo que, apesar das críticas, era reconhecido...
Segundo Newton Ramos de Oliveira, autor de tese sobre a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Rio Preto, esta instituição dispôs-se a criar um modelo novo
de ensino universitário, rejeitando todos os modelos existentes na época, inclusive
o da USP. Com isso, no entender desse autor, ela se distinguiria das demais
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras posteriormente criadas pois estas fixaram
como modelo ideal a própria FFCL da USP. Algumas das entrevistas que
realizamos para o CEDEM/Unesp evidenciam que essa ânsia de criar algo

4
REIS Filho, 1984, p.37-39 .
5
OLIVEIRA , 1989, p.82.

221
Educação, Universidade e Pesquisa

novo - em termos administrativos, de ensino e de pesquisa - estava presente em


outras instituições. A entrevista do Prof. Ataliba Teixeira de Castilho, por exemplo,
evidencia que os IIES - mais especificamente Marília, Assis e Araraquara - inovaram
em relação à pesquisa em Linguística, dando-lhe uma direção diferente daquela
praticada na USP (passaram a abordar a românia nova e não a românia velha, ou
seja, a língua portuguesa no mundo novo e não mais na Europa, bem como as
6
línguas indígenas).
O depoimento de um outro professor, também do curso de
Letras Marília - Prof. Enzo Del Carratore - ao focalizar o projeto pedagógico
da instituição, registra a seguinte observação: " não sei se o projeto era explícito,
mas certamente estava claro, na cabeça de todos nós, que tínhamos que fazer
alguma coisa diferente e, se possível, melhorar até o que a USP fazia . Não sei se
um projeto utópico, mas pelo menos tentamos com muita boa vontade, com
muito idealismo. Implementar o tempo integral para os alunos era exatamente
para isso, para que eles tivessem uma orientação muito maior do que aquela que
nós próprios tivemos... Então, nós partimos de nossas próprias experiências,
verificamos uma série de falhas, de lacunas no ensino que nós recebemos e
procuramos sanar essas falhas, preencher essas lacunas”. Mas, um pouco adiante,
esse mesmo professor observa: “ Em relação à Universidade de São Paulo, nós
tivemos sempre uma espécie de dependência, digamos assim, uma dependência
intelectual, uma dependência (rindo) não apenas emocional. De fato, nós nos
considerávamos filhos da Universidade . A universidade que nos criou, que nos
marcou de forma absolutamente indelével. Nós devemos realmente à
Universidade de São Paulo praticamente tudo; não apenas a nossa formação
mas a nossa orientação intelectual, principalmente a nossa postura científica, enfim ,
tudo aquilo que a universidade nos deu nós procuramos transmitir e os Institutos
Isolados, pelo menos Marília, o curso de Letras, nasceu sob a inspiração da
Universidade de São Paulo . Não apenas Marília, mas tenho a certeza que Assis,
Araraquara, São José do Rio Preto também ."
6
CASTILHO, Ataliba T. de. Entrevista, 30/06/92, CEDEM /UNESP.
7
CARRATORE, Enzo del . Entrevista, 10/01/92, CEDEM/UNESP

222
Os 40 anos da F.F.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Daí porque julgamos a USP ofereceu o modelo a ser imitado e


a ser superado. Em que medida houve, de fato, inovação , não apenas no projeto
pedagógico mas no itinerário de pesquisa de cada área, apenas um estudo por
área poderá revelar. E, neste caso, não só as entrevistas poderão trazer grande
contribuição , mas também uma análise do conteúdo das revistas e demais
publicações dos IIESESP.
Certamente as peculiaridades dos IIESESP - situados em cidades
do Interior de poucas oportunidades culturais e de população reduzida, com
um corpo docente e discente pequeno, em comparação com o da USP, com a
maioria dos docentes contratados em regime de tempo integral - propiciaram ,
de modo geral, maior possibilidade de dedicação ao ensino e à pesquisa e maior
intensidade e informalismo no relacionamento professor-aluno. Desde logo os
IIESESP procuraram se afirmar, na medida de suas possibilidades e limitações,
no mesmo modelo de atuação que trouxe reconhecimento à Universidade de
São Paulo. Assim, ao lado da formação de profissionais, a pesquisa científica, as
publicações especializadas, os encontros científicos foram alvos insistentemente
buscados. Sobretudo nos anos iniciais, quando a expansão do ensino superior
ainda não havia empurrado a formação de pesquisadores para os cursos de
pós-graduação, os Institutos Isolados procuraram , da mesma forma que o faziam
as universidades mais tradicionais, dar uma formação solida e despertar o interesse
dos alunos pela cultura e pela pesquisa, propiciando- lhes recursos materiais e
condições de atendimento individual. Há depoimentos de professores, antigos
alunos dos IIESESP, que evidenciam uma atenção especial dada aos alunos que
mais se destacavam e que certamente buscaram orientacão extra para leituras,
para fontes adicionais de estudo e para o desenvolvimento de trabalhos de
pesquisa.
Finalmente , importa não apenas o modelo inicialmente
idealizado, mas como esse modelo é implementado e modificado ao longo dos
anos. Como esse modelo privilegiou as três funções básicas da universidade ?
Em outras palavras, ao longo dos anos de vida dos IIESESPS, em que medida
se privilegiou a formação de profissionais ou a formação de pesquisadores? No
223
Educação, Universidade e Pesquisa

que diz respeito à produção do conhecimento novo, qual o itinerário de pesquisa


dos IIES , tanto em termos de objeto de pesquisa , quanto em termos
metodológicos?
Falando especificamente da área de educação, tem havido críticas
recentes à ação dos IIESESP, no sentido de que não conseguiram equacionar os
problemas e oferecer tentativas de resposta aos problemas enfrentados pelo
ensino público em todo o Estado. As críticas dizem respeito a um suposto
alheamento desses Institutos em relação à rede de ensino, tanto em termos de
docência quanto em termos de objeto de pesquisa. Mas certamente essas críticas
não são prerrogativa dos IIESESP, atingindo toda a área de educação da
universidade paulista e brasileira. Na verdade, o problema é muito mais amplo e
diz respeito ao próprio quadro teórico que ilumina a educação enquanto campo
do conhecimento. Até recentemente, o interior da escola, a relação professor
aluno, o trato concreto dos problemas do ensino -aprendizagem , as condições
específicas da clientela escolar não constituíam objeto da pesquisa em educação.
Assim, em que medida os IIESESP, estiveram completamente
afinados com esse alheamento relativamente ao ensino público ou em que medida
conseguiram , por sua situação geográfica e condições especiais, aproximar-se
dos problemas concretos da educação e das outras esferas de serviços do interior
paulista é matéria que deve ainda ser objeto de pesquisa. Em meu modesto
entender, de ex -aluna e professora desta casa - criada como IIES e transformada
depois numa unidade da Unesp - a pesquisa, o ensino e a extensão na área de
educação nunca estiveram desvinculados das necessidades locais e regionais. Pelo
contrário, sempre tiveram nessas necessidades sua razão e seu motor fundamental.
Na antiga FFCL de Marília, depois FFCSD de Marília/ Unesp, posteriormente
FFC de Marília / Unesp, o Curso de Pedagogia desdobrou-se em suas várias
habilitações, com vistas ao preparo de professores e técnicos habilitados em
educação. Cursos de extensão, de preparação para os concursos públicos foram
tradicionalmente oferecidos gratuitamente à comunidade, assessorando ex-alunos
e todos os que quisessem deles se beneficiar, numa atitude de franca socialização
dos conhecimentos e do material bibliográfico e documentário aqui disponível.
224
Os 40 anos da F.E.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

A pesquisa, a criação de instrumentos para divulgação do


conhecimento novo produzido, a pós -graduação em educação foram , desde o
início, objeto de prioridade. Assim, além da publicação de Boletins ligados à
área de Educação, iniciou -se a publicação da revista Didática já em 1964, por
iniciativa do Departamento de Didática da então FFCL de Marília. Tal periódico
nunca foi interrompido, vindo a constituir, a partir de seu volume 15, a série
Educação das publicações da Unesp, já que a nova Universidade se decidira
pela centralização de seus periódicos. O ensino de pós -graduação foi logo
insistentemente buscado, numa atitude de comprometimento social com a
qualificação do corpo docente das instituições de ensino superior, embora medidas
contenedoras da reitoria da Unesp tivessem conseguido retardar a instalação
desse curso até 1988. O próprio objeto da área de concentração aqui criada já
por si revela a natureza das preocupações socialmente relevantes que animavam
e ainda animam a condução dos estudos pós-graduados em educação nesta
casa. Esse objeto, como é sobejamente conhecido, é a questão do ensino e de
toda a sua problemática, seja nos seus aspectos macroscópicos, ou seja, sócio
políticos, seja no âmbito microscópico, ou seja nas abordagens psico -pedagógicas.
Assim , embora não tenha ainda sido realizado um estudo do
itinerário de ensino e de pesquisa desta Faculdade, especificamente da área de
Educação , e a avaliação de seus resultados nestes últimos quarenta anos,
entendemos que esse estudo revelaria uma contribuição relevante e significativa
para transformações sociais e educacionais na região, tanto em nível de orientação
da política educacional quanto em nível de prática educativa sistemática que ocorre
no interior das escolas. Tal contribuição se realiza não somente mediante o efeito
multiplicador de seus egressos de graduação , pós graduação e extensão, como
mediante o acúmulo de evidências de suas pesquisas.

225
Referências Bibliográficas
ANAIS da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, v . 1 , 1959-1962.
Marília, 1969 .
OLIVEIRA, N. R. de. Sapere Aude: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São
José do Rio Preto no período de 1957-1964. São Carlos, 1989. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal de São Carlos.
REIS Filho, C. Depoimento. Revista ANDE, n. 8, p.37-39, 1984.

226
Os 40 anos da EFC.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

DA FAFI À FFC: UMA AVALIAÇÃO


Jayme Wanderley GASPAROTO '

A nossa Unidade será abordada por mim, de um ponto de


vista particular, correndo o risco de ser repetitivo e, seguramente, alguns dos
aqui presentes já me ouviram falar do assunto. Confesso a vocês que relutei em
vir para cá. Por duas razões. Primeira delas, não penso que deva vir aqui
simplesmente para tecer elogios à nossa Unidade da Unesp. Nós estamos vivendo
grandes dificuldades desde 1977, quando foi criada a Unesp. E a minha relutância
é propriamente esta: de, se for só tecer elogios, eu estaria escondendo uma série
de fatos ruins que vivi nesta Unidade. E, por outro lado, a minha revolta se deve,
também, ao que está ocorrendo com a escola pública.
Realizamos um simpósio científico no qual foram apresentados
cerca de 300 trabalhos, com o lançamento de 11 livros de professores da Casa.
Além do que, temos desenvolvido um excelente trabalho no Programa de Pós
Graduação em Educação, ao longo dos 10 anos de sua existência, trabalho este
ampliado com a instalação recente de mais três programas de pós-graduação, e
que projetam a nossa FAFI, buscando recuperar aquela velha imagem que tínhamos
lá na Av. Vicente Ferreira.

Mas quando eu vejo que o Sr. Paulo Renato cria um


" departamento ” para importar professores e profissionais cubanos, ganhando
baixos salários, embora em dólares, e que são obrigados a remeter 80% de seus
vencimentos ao seu patrão lá em Cuba; quando o BNDES cria uma linha de
financiamento a fundo perdido, praticamente, para as escolas particulares, enquanto
a Escola Pública está numa penúria cada vez maior, tenho de considerar que o
que ocorre aqui em nossa Unidade, durante esta semana, é um ato de heroísmo,
embora, ao que parece, as autoridades maiores da Unesp não o vejam dessa

Professor orientador do curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e


Ciências - Unesp - 17525-900 -Campus de Marília - SP

227

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p227-232
Educação, Universidade e Pesquisa

forma. O que é lamentável, extremamente lamentável, não é? Nós que somos


orientadores - e há vários sentados aqui, neste auditório - sabemos o sacrificio
que fazemos; muitas vezes, usamos nossos próprios parcos recursos para passar
material aos nossos orientandos, para fazer a coisa caminhar. Isto porque a
Universidade não tem condições de dar essa assistência, enquanto a escola
particular nada de braçadas em rios de dinheiro.
A Prof Leonor Tanuritraçou , em linhas gerais, qual foi o projeto
de criação dos Institutos Isolados, no Estado de São Paulo, pelo então
Governador Jânio Quadros. Vou abordar a criação da FAFI de outro ângulo: o
que era a FAFI para nós, sobretudo nós da base da pirâmide social? Porque
quando ingressei na FAFI , era ferroviário há um ano; antes disso, eu tinha sido
empregado do boteco da estação e mais outras " coisinhas ” . Como é que “ batia "
para nós, para mim em especial, ingressar na FAFI? A FAFI era algo sagrado.
Quando ainda aluno secundarista, eu tinha estado na FAFI, para uma exposição
de pintura, com a presença do Prof. Mário Schemberg, professor de física na
USP, o qual comentou os quadros um a um. Para nós, eu e meus colegas de
então, esse fato foi um encantamento.

Para a classe pobre, disputar uma vaga no vestibular representava


n dificuldades, além de causar muita estranheza. E devia ser algo muito estranho
mesmo, porque, passei no vestibular, o Prof. Lapa foi até a estação ferroviária
querendo saber qual foi o ferroviário que tinha ingressado no Curso de Ciências
Sociais. Se era estranho, para nós era o ideal. Essas considerações demonstram
por quê à nossa faculdade era e é algo a ser amado e preservado.
Se para alguns membros da comunidade mariliense a criação
da Faculdade tinha objetivos políticos, para outros o objetivo era outro. E foi o
exemplo flagrante da união de todas as correntes da cidade para a criação de
uma escola superior. Portanto a FAFI se inseriu na comunidade como algo dela
e que merecia todo o apoio dessa comunidade.
Quando havia conferência, mesmo quando não éramos ainda
alunos, íamos assistir porque aquilo era um marco, na cidade e na região.

228
Os 40 anos da F.F.C.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Vejo a situação atual com muita preocupação. A Profa. Arlêta,


quando fez a minha apresentação, falou de um convênio que firmei entre a
Unesp e a UCDB de Campo Grande (MS) o qual coordeno ainda hoje. Além
desse, firmei outro convênio entre a Unesp e a Universidade de Cuiabá. Essas
atividades externas me deram a oportunidade de tomar conhecimento de muitas
coisas e perceber as diferenças existentes em nosso país. E isso me trouxe muito
desencanto e preocupação. Não há uma preocupação efetiva com o nível de
ensino e com a pesquisa .

Nesse país, a partir do governo Collor, há uma campanha terrível


contra tudo que é público, como se todos os males do Brasil fossem culpa do
setor público: seja a Universidade, sejam as Secretarias de Estado, as estatais, os
bancos oficiais etc. A Universidade pública em especial tem sido alvo desse
ataque. Há, por trás dessa campanha, uma grande falácia, haja vista a privatização
da telefonia: quando era Telesp, em praticamente todo lugar havia um telefone à
disposição e funcionava; hoje, nem o de casa funciona. É um problema sério.
Agora, o que me deixou muito mais preocupado foi saber que
há uma linha de financiamento do BNDES - portanto dinheiro público - para
escolas particulares, enquanto a universidade pública é obrigada a fazer parceria
com a iniciativa privada, se quiser fazer pesquisa de vulto. Isso significa uma
dificuldade maior para nós das Ciências Sociais e da Filosofia: há uma percepção
mais fácil da utilidade da educação, da biblioteconomia, da fonoaudiologia. O
que não ocorre com as ciências sociais e com a filosofia : para que serve um
cientista social, um filósofo ? No imaginário empresarial, só para armar encrenca;
daí a nossa dificuldade para conseguir parceria.
No entanto, uma coisa deve ficar clara: é só na universidade
pública que se produz conhecimento, com as honrosas exceções de praxe. Mas
as exceções são escolas comunitárias como, por exemplo, a Fundação Eurípides,
a Unimep de Piracicaba, a Mackenzie, a PUCSP. Essas escolas têm uma orientação
que não é a da caixa registradora.

229
Educação, Universidade e Pesquisa

Mas algumas dessas escolas comunitárias estão enfrentando sérios problemas: é


o caso da PUC/SP e da Mackenzie. Esta última correu o risco de ter o seu curso
de Direito fechado sob a alegação de que suas instalações são inadequadas. Ora ,
esse é um dos melhores cursos de Direito do país. Quanto às suas instalações,
são patrimônio histórico, tombado, o que impede sua alteração.
Se as Universidades públicas, bem como as comunitárias - que
não se orientam pela caixa registradora - estão com sérios problemas, o mesmo
não ocorre com as demais, as quais contam com as benesses do Governo, inclusive
recebendo dinheiro de organismos internacionais.
Há um projeto de desmonte em execução ; e, então, fico pensando
o que será que passa pela cabeça do Fernando Henrique? Não é possível concordar
com o que o Senhor Presidente está perpetuando. Conquistas de 100 anos e
direitos sociais estão sendo retirados do povo.

E quanto às estatais ? Vejam o caso da Light: não podia ser uma


estatal, mas foi comprada por uma estatal francesa, e com dinheiro do BNDES
e, providencialmente, assim que assumiu aquela empresa de eletricidade, transferiu
o seu laboratório de pesquisa do Rio deJaneiro para Paris. Agora nossas pesquisas
serão feitas em Paris e, sempre que a Light usar tecnologia da estatal francesa,
terá de pagar royalties.
Vejam , também , o que ocorre com os laboratórios
farmacológicos: talvez nenhum, ainda brasileiro, o que significa não fazer mais
pesquisa independente do capitalismo internacional.
Esses são apenas alguns exemplos da fúria de desmonte do
patrimônio brasileiro.

Por isso eu disse que a realização desse simpósio é um ato de


heroísmo; só a duras penas, pode ser realizado.
Por outro lado, a Universidade pública está perdendo a grande
maioria dos seus professores, porque os salários estão defasados e faltam
condições de trabalho. A Universidade pública investiu na formação de pessoal
230
Os 40 anos da EF.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

de alto nível e agora está expulsando esse pessoal. Quem está lucrando com isso?
As escolas particulares que não formaram esse pessoal.
Eu estou me aposentando, inclusive com perda de salário . Não
obstante, vou continuar aqui, sem ganhar nada, nos cursos de pós -graduação e
orientando mestrandos e doutorandos, aliás, como inúmeros colegas estão
fazendo. Por dedicação à nossa FAFI. Se a Universidade nos desse condições, eu
não estaria me aposentando, como o Prof. Lauro e o Prof. Celestino, aqui
presentes, não o teriam feito. Realmente, tudo está cada vez mais difícil. Peço
desculpas pelo tom enfático e pouco acadêmico do meu discurso. Obrigado.

231
O CURSO DE BIBLIOTECONOMIA DA UNESP : UMA
TRAJETÓRIA ACADÊMICA
Mariângela Spotti Lopes FUJITA

Quando falamos de Biblioteconomia e bibliotecários ,


normalmente, limitamos nossa perspectiva somente no modelo tradicional de
biblioteca, mas atualmente, com a ampla diversidade de suportes e formatos de
informação, nossa realidade profissional e científica está bem próxima do
horizonte que apenas vislumbravamos há vinte e dois anos atrás. Sem desconsiderar
a importância da biblioteca e o espaço cultural e informacional que ocupa,
precisamos, por uma questão de abrangência, recorrer à denominação “ Unidades
de informação" para indicar o espaço que o bibliotecário pode ocupar por uma
simples questão de competência .
Tendo em mente a trajetória desta competência , trago para esta
mesa o relato, embora sintético, da vida científica e profissional da área de
Biblioteconomia na Faculdade de Filosofia e Ciências que, na mémoria de seus
40 anos, ajudou a compor os últimos vinte e dois anos.
A área de Biblioteconomia ocupou espaço acadêmico na
Faculdade de Filosofia e Ciências logo em seguida à criação da Unesp em 30 de
janeiro de 1976 quando o Curso de Biblioteconomia iniciou suas atividades no
Câmpus de Marília em 06 de abril de 1977 e foi reconhecido pelo MEC em
1981 .

Toda a trajetória acadêmica da Biblioteconomia na Faculdade


de Filosofia e Ciências teve como base de fundamentação o Curso de Graduação
em Biblioteconomia . Através do Curso formou - se o Departamento com

* Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp


- 17525-900 - Marília - SP

233

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p233-240
Educação, Universidade e Pesquisa

docentes dedicados à docência, pesquisa e extensão e o Conselho de Curso .


Integrando -se à vida acadêmica o Curso desempenha através do Departamento
de Biblioteconomia e Documentação e do Conselho de Curso as atividades de
ensino, pesquisa e extensão.
O Departamento desde o início do Curso está muito empenhado
na titulação acadêmica de seus docentes e muito envolvido com um
compromisso de fundamentação teórica de nossa área. Isto é um esforço a
mais, porque a área de Biblioteconomia é restrita a poucos pesquisadores no
Brasil e em nível mundial seu corpus teórico é recente. Além do que, todo o
esforço científico é resultado de interfaces significativas com outras áreas de
conhecimento, tais como Lógica, Informática, Comunicação, Lingüística,
Administração, Educação, Arquivologia, Psicologia, Estatística.
Esta necessidade de interface com outra áreas refletiu
significativamente tanto na formação acadêmica dos docentes quanto na própria
vida do Departamento que constituiu -se, desde o início com o objetivo de formar
um equipe multidisciplinar. Por isso, o Departamento compõe-se de professores
com formação de graduação em Biblioteconomia, Letras, Matemática, Análise
de Sistemas e História, e de pós -graduação em Educação, Lingüística,
Comunicação, História, Literatura e Ciência da Informação.

O desenvolvimento do Curso de Biblioteconomia nos primeiros


anos acompanhou a evolução do mercado profissional da área que pautava-se,
então, pela ênfase ao trabalho técnico. O primeiro currículo demonstra essa
tendência muito bem em sua distribuição de carga horária excessiva para disciplinas
de conteúdo mais técnico como catalogação e classificação. Além disso, o espaço
profissional privilegiado ocupado pelas bibliotecas universitárias nas décadas de
70 e 80 norteou profundamente os conteúdos disciplinares fazendo com que
todas as práticas fossem similares.
No nosso caso, essa tendência prevaleceu um pouco mais por
causa da existência da Biblioteca Central da Unesp no Câmpus de Marília,
atualmente Coordenadoria Geral de Bibliotecas, e de sua ligação às origens do

234
Os 40 anos da F.F.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Curso de Biblioteconomia . A primeira direção da Biblioteca Central


responsabilizou - se não só pela criação e coordenação do Curso de
Biblioteconomia, mas também em ministrar disciplinas. Estas relações, seja pela
docência ou por atividades de estágio e pesquisa, vem sendo mantidas ao longo
desses vinte e dois anos e houve, de ambas as partes, um ganho considerável. Se
verificarmos o quadro de funcionários das Bibliotecas da Unesp veremos que,
hoje, muitos dos bibliotecários são egressos de Marília e, para nossa satisfação,
ocupando cargos de liderança administrativa com competência profissional. Por
outro lado o Curso de Biblioteconomia está sendo beneficiado atualmente, nessa
parceria, com o uso de um programa de automação cuja esfera de atuação
abrange grandes sistemas de bibliotecas nacionais e estrangeiras, o da Unesp
inclusive .

De fato, a biblioteca universitária é notoriamente um bom espaço


profissional porque na Universidade é o principal laboratório e o ponto de
partida para a geração de novos conhecimentos. Essa condição faz com que
aconteçam na biblioteca universitária inovações técnicas e práticas que garantem
ao profissional uma reciclagem contínua em serviço.
Nos anos 90, porém, o fenômeno da globalização modificou o
cenário político, econômico e social, acometendo, por extensão o mercado de
trabalho profissional em todas as áreas. A maior contribuição, porém, para as
transformações, é sem dúvida ocasionada pela revolução tecnológica da
comunicação que ampliou de forma excepcional a capacidade de produção,
acumulação e veiculação de dados e informação. Para a área da Biblioteconomia
esta situação está sendo particularmente propícia para mudanças fundamentais
quanto à inserção do bibliotecário em um contexto mais amplo de atuação
profissional, isto é, tudo o que se refere à informação, (seja qual for o suporte),
seu armazenamento e organização descritiva e temática para recuperação, pode
ser considerado competência do profissional com formação em Biblioteconomia.
Assim, sabemos de nossos egressos ocupando setores de gerência de informação
em Usina de Alcool, escritórios de advocacia, núcleos de apoio à pesquisa ,

235
Educação, Universidade e Pesquisa

empresas de consultoria, além de bibliotecas e centros de informação


especializados.
Pela diversidade de suportes e formatos de informação e
também pela diversidade de estrutura e objetivos das organizações
governamentais e não governamentais que necessitam da informação,
passamos a considerar a existência de unidades de informação e o bibliotecário
um profissional da informação .
Como podemos perceber , a evolução da área de
Biblioteconomia , mesmo brevemente relatada, tem sido muito rápida e a
formação e capacitação de seus profissionais tem que, necessariamente
acompanhar esse ritmo. Acreditamos que isto seja um ponto bastante polêmico
para a formação profissional de qualquer área do conhecimento . Como
acompanhar todas as mudanças sem ter todas as condições materiais e de recursos
humanos para tal? E, principalmente, a cada inovação devemos mudar o currículo
e objetivos dos curso?
O Curso de Graduação em Biblioteconomia da Faculdade de
Filosofia e Ciências passou a preocupar- se seriamente em acompanhar as
mudanças mas sem quebrar princípios importantes da formação profissional:
postura e condutas éticas, espírito crítico, planejamento, visão gerencial, espírito
de equipe, flexibilidade para operar mudanças, consciência do papel social da
profissão e, principalmente, habilidades para atividade de criação.
Essa preocupação marcou definitivamente a postura do Curso
em relação ao acompanhamento das mudanças cada vez mais vertiginosas, pois
passamos a acreditar no profissional com uma formação científica capaz de
assimilar as mudanças necessárias ao seu ambiente de trabalho de forma estratégica
e condizente com seus próprios objetivos, ou seja, um perfil de profissional
mais permeável à mudanças, mas ao mesmo tempo, essencialmente analítico e
consciente de seus objetivos profissionais.

236
Os 40 anos da F.F.C.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Diante destes fatores e circunstâncias é possível observar que


todo o contexto externo e interno do Curso de Biblioteconomia modificou -se,
propiciando a idealização da atual estrutura curricular com os seguintes elementos
norteadores :

1 preocupação com uma visão gerencial dentro das modernas teorias da ciência
da informação, ligadas a planejamento estratégico, qualidade total, etc.;
2 abordagem dos suportes de informação como um todo e não unicamente
na informação bibliográfica;
3 convívio diário com as novas tecnologias de informação enquanto ferramentas
para toda e qualquer área de atuação profissional;
4 preocupação interdisciplinar onde subsídios teóricos-metodológicos de áreas
de interface concorrem para o desenvolvimento aprimorado do profissional
da informação ;
un

importância da pesquisa ( TCC e iniciação científica) como elemento para a


qualidade do no ensino da graduação, permitindo ao educando uma vivência
com a atividade de investigação no contexto acadêmico;
6 preocupação com a educação continuada na medida em que o compromisso
da Universidade ultrapassa os limites da educação formal. '
A formação científica para a graduação dentro dos objetivos
do Curso teve início com o Trabalho de Conclusão de Curso, introduzido no
currículo a partir de 1992 como parte das atividades da disciplina Orientação
Profissional em Biblioteconomia. A partir daí, o Conselho de Curso passou a
regulamentar a atividade e a cada ano, após avaliação das experiências vivenciadas
por orientadores e orientados, o processo foi aperfeiçoado a ponto de, em
principio, estarmos realizando, em escala de iniciação científica, um processo
similar ao mestrado. Esse processo foi incorporado ao atual currículo como
proposta pedagógica onde desenvolve-se através de três disciplinas: Metodologia
da pesquisa científica, Metodologia do Trabalho científico e Desenvolvimento
do Trabalho Científico. Esta última disciplina é ministrada no último ano com a

Unesp - Faculdade de Filosofia e Ciências. Departamento de Biblioteconomia . Proposta de


reestruturação curricular do Curso de Biblioteconomia. Marília: Unesp, 1995 .
237
Educação, Universidade e Pesquisa

proposta de desenvolver o projeto de pesquisa definido durante as duas primeiras


disciplinas, inserindo os projetos entre as 5 linhas de pesquisa do Departamento
que formarão as cinco turmas para desenvolvimento da disciplina.
A experiência da iniciação científica pelo Trabalho de Conclusão
de Curso acarretou benefícios mútuos para alunos e docentes e alavancou a
formação dos Grupos de Pesquisa que hoje sustenta a geração de conhecimentos
e a formação em graduação e pós-graduação. Resultado desse trabalho é a
realidade hoje vivenciada pelo DBD onde se constatam 05 linhas de pesquisa, 6
grupos de pesquisa consolidados , 4 laboratórios de pesquisa devidamente
equipados, grupo PET, bolsas de iniciação científica em andamento vinculadas a
projetos individuais, integrados e de extensão, e trabalhos de orientação acadêmica
( TCC ).
Os seis grupos de pesquisa Administração em unidades de informação
(1995), Análise documentária (1993), Moderno Profissional da Informação (1997), Novas
Tecnoologias em Informação (1990), História eMemória através das imagens: as inter-relações
das fontes (1997) e Memória e Documentação da Cidade deMarília (1997) são cadastrados
no CNPq desde 1990 e liderados por docentes da graduação em Biblioteconomia
e da pós-graduação em Ciência da Informação.
Empenhado na formação acadêmica de excelência de seu corpo
docente o Departamento de Biblioteconomia incrementou significativamente as
atividades de pesquisa na graduação, definiu e consolidou suas linhas de pesquisa
e avaliou criteriosamente a sua estrutura curricular.
Neste contexto, o Departamento de Biblioteconomia da Unesp,
em consonância com as recomendações de órgãos e eventos ligados ao ensino
na área de informação, dirige seus esforços para a questão da educação continuada,
preocupado com a atualização e o aperfeiçoamento dos profissionais da
informação ( bibliotecários, arquivistas, museólogos, administradores, analistas
de sistemas) .

238
Os 40 anos da E.F.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

Em decorrência da própria consolidação acadêmica e dos


estudos curriculares, o Curso lançou-se, ao final de 1995, na organização de um
Curso de Mestrado em Ciência da Informação e, em seguida do Curso de
Especialização “Uso Estratégico das Tecnologias de Informação " visando dar
continuidade a uma formação acadêmica de qualidade bem como ao
aperfeiçoamento do processo de pesquisa/ geração do conhecimento.
O programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação tem
como linha mestra o estudo crítico da disponibilização da informação, o uso
das tecnologias e do conhecimento na atualidade com especial ênfase ao papel
da representação informacional como matéria -prima para o desenvolvimento
social, político e econômico . Com área de concentração em Informação, tecnologia
e conhecimento o Curso possui as linhas de pesquisa Informação, Comunicação e Tecnologia ,
Tratamento da informação e Gestão interdisciplinar da informação. 2
O Curso de Especialização é o resultado de um trabalho, cujo
embrião foi lançado a partir da elaboração do Projeto do Curso de Mestrado
em Ciência da Informação, cujo tema " Uso estratégico das tecnologias da
informação" constitui-se em questão do momento no que se refere à prática do
profissional da informação na atualidade, visto contemplar duas questões básicas:
o papel estratégico da informação na atualidade e a necessidade de domínio do
aparato tecnológico para a consecução das atividades informativas. Desenvolvido
por meio de módulos temáticos o curso baseia- se em três processos
informacionais básicos : a gerência de sistemas de informação, o acesso à
informação e o tratamento da informação.
Para finalizar esta síntese , deixo aqui registrado a resposta que
forneci a uma pessoa da comunidade de Marília que, como muitos cidadãos

? Unesp. Faculdade de Filosofia e Ciências. Departamento de Biblioteconomia. Implantação do


Curso de pós-graduação em ciência da informação - área: informação, tecnologia e conhecimento.
Marília: Unesp, 1997.
Unesp. Faculdade de Filosofia e Ciências . Departamento de Biblioteconomia . Implantação do
Curso de especialização " Uso estratégicos das tecnologias de informação. Marília: Unesp, 1997 .

239
Educação, Universidade e Pesquisa

marilienses , gostariam de saber qual contribuição trouxe o Curso de


Biblioteconomia quando foi instalada a Unesp em Marília a partir de 1976:
Tenho a conviccão de que, olhando para os vinte e dois anos passados,
todas as ações e intenções estão hoje concretizadas em atividades de grande
efeito multiplicador que são necessárias para a cidade de Marília: um corpo
docente titulado que pôde viabilizar a formação de profissionais,
pesquisadores e docentes, hoje atuantes na cidade e região e propiciando
acessibilidade à informação, tão necessária para4 a aprendizagem e geração
de novos conhecimentos por muitas pessoas.

FUJITA, M. S. L. A Unesp na comunidade de Marília. Marília, 20 de junho de 1998. ( Palestra


no Rotary Club de Marília Leste).

240
A FONOAUDIOLOGIA NO NOVO MILÊNIO.

Célia Maria GIACHETI

O fonoaudiólogo compromete - se com o bem - estar dos


clientes...utilizando todos os recursos disponíveis , incluindo a relação
interprofissional, para proporcionar o melhor serviço possível, agindo
com o máximo zelo e o melhor de sua capacidade profissional...(Código
de Ética, artigo 59)

A fonoaudiologia e os distúrbios da comunicação humana.


A Fonoaudiologia é a ciência responsável pelo estudo da
comunicação humana e seus distúrbios e neste final de milênio vem intensificando
as discussões sobre seu campo de atuação. Nesse sentido, a ciência que previne,
diagnostica e reabilita indivíduos com distúrbios da comunicação tem hoje a
preocupação de favorecer a integração / reintegração desses indivíduos com a
família e a sociedade.

A atuação do fonoaudiólogo concentra-se na articulação da


interação social e atividade cognitiva de indivíduos que apresentam dificuldades
na comunicação, minimizando as implicações negativas nas práticas sociais
discursivas do homem .

A comunicação, seja ela de qualquer natureza , o olhar, o gesto, a


fala, a leitura e a escrita unem um ser a outro, permitindo a troca de conhecimento .
O poder de elogiar ou ferir, motivar ou dificultar, favorecer ou impedir, aproximar
ou distanciar, incluir ou excluir, proporcionado pela comunicação, é um dos
elementos responsáveis pela formação do Homem enquanto cidadão .

Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências - Unesp - 17525-900


Marília - SP

241

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p241-246
Educação, Universidade e Pesquisa

Causas biológicas ou psicossociais podem desencadear, agravar


ou manter diferentes distúrbios da comunicação humana. Gestações não assistidas
por especialistas, partos sem leitos, bebês prematuros e subnutridos, infecções
hospitalares , falta de profissionais da saúde e medicamentos, ausência de
diagnósticos e equipamentos, crianças com histórico de fracasso escolar ou sem
escola, sem alimento, idosos sem assistência , são situações de nosso contexto
social e onde se inserem muitos dos distúrbios de comunicação. É nessa situação
caótica, pelo qual nossos cidadãos e nosso País passam, que as novas propostas
de atuação fonoaudiológica no próximo milênio estão sendo discutidas.
O distúrbio da comunicação humana , manifestado pela
dificuldade de ouvir, compreender, falar, ler ou escrever, freqüentemente excluem
o indivíduo da sociedade, impedindo a vivência plena de seus direitos e deveres
como cidadão.
Nesse contexto, a Fonoaudiologia é considerada uma ciência
que abrange aspectos biológicos e psicossociais que dependem, portanto, da
relação interdisciplinar da atuação das áreas afins.
Portanto, com o término desse milênio, devemos proporcionar
aos profissionais do novo milênio amplas discussões sobre as novas perspectivas
de atuação fonoaudiológica, considerando as questões sociais de nosso País.

A Formação do Fonoaudiólogo do novo Milênio .

O discurso da prática educacional nas últimas décadas se tornou


foco de atenção de profissionais que se interessam pela relação ensino –
aprendizagem . A Fonoaudiologia, dentro de suas perspectivas sócio -culturais e
cognitiva / lingüística, vem contribuindo de forma significativa para a formação
do fonoaudiólogo enquanto profissional.
A Fonoaudiologia, ciência que " emprestava ” paradigmas de
outras ciências, toma corpo e nasce, ainda frágil, permeando seus caminhos e
descobertas. Hoje, ciência da saúde, valoriza a ética profissional e vem assim

242
Os 40 anos da F.E.C.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

construindo o seu próprio paradigma.


Segundo levantamento do perfil do fonoaudiólogo do Estado
de São Paulo de 1997, realizado pelo Conselho Regional de Fonoaudiologia -2°
região, cerca de 650 novos profissionais a cada ano buscam inserção no mercado
de trabalho no Estado de São Paulo . Este Estado conta atualmente com 6554
fonoaudiólogos (dados obtidos junto ao Conselho Regional). Na região de Marília
temos atualmente 496 profissionais. Dos profissionais do nosso Estado, 52,98%
são fonoaudiólogos com menos de 30 anos de idade, 247 realizaram mestrado,
49 doutorado e mais de 50% dos fonoaudiólogos atuam em clínicas particulares/
consultórios.

Nosso olhar deve ser dirigido à formação dos profissionais do


novo milênio. Nesse contexto a própria Fonoaudiologia, reconhecida como ciência
somente na década de 80, pode ser considerada uma das profissões do final do
milênio que alcançará seu apogeu no próximo milênio .
Estamos vivendo um novo momento mundial, novas questões,
novas propostas, novas demandas e tecnologia, que possibilita o intercâmbio
com o que de mais recente se estuda nos diferentes países.
E nesse contexto , questionamos:

1- Que profissional queremos formar ?


2- Qual o perfil do profissional do futuro ?
3- Quais os profissionais que atenderão melhor a exigência do mercado de
trabalho do novo milênio ?
4- Quem é hoje o profissional competente ?
5- Quem é o profissional ético ?
O desafio atual da Fonoaudiologia, consequentemente das
Universidades que oferecem esses cursos, é lutar contra a " tecnicidade” em
detrimento da formação do profissional crítico que evolua e acompanhe as
mudanças sócio-políticas que passa o País e também a profissão.

243
Educação, Universidade e Pesquisa

Durante a formação do profissional nos parece claro que os


cursos de graduação devem propiciar ao aluno ensino básico e condições de
vivenciar a prática interdisciplinar na sua área de conhecimento . Deve preocupar
se em habilitá-lo para enfrentar o mercado de trabalho - sujeito a mudanças - de
forma crítica e criativa, considerando a situação atual de um país em crise política
e social .
Sabemos que na Fonoaudiologia , o mercado de trabalho exige
especialização na área de atuação do profissional. Parece óbvio, no entanto, que
a Universidade não terá por finalidade garantir a especialização durante a
graduação, já que " especializar-se” significa envolver-se com partes de um todo.
Esta atitude é contrária a visão de formação global do futuro profissional, papel
este da Universidade .

Quanto a ética, não é mais possível colocá-la em segundo plano


em qualquer Ciência, pois os principios básicos que norteiam a profissão devem
percorrer o caminho dos alunos em todo o período de sua formação e continuar
acompanhando sua futura atuação profissional.
É necessário formar o profissional mais ético e consciente do
seu papel, reconhecendo sua competência e suas limitações. Esses profissionais
devem buscar alternativas que contemplem a situação do País e dos indivíduos
que necessitam do seu conhecimento .

A fonoaudiologia na FFC
O Curso de Fonoaudiologia na FFC foi criado em 1990 e até a
presente data formou 194 fonoaudiólogos. Temos informações que muitos desses
profissionais conseguiram inserção no mercado de trabalho, atuam em diferentes
regiões do País, tendo muitos se destacado em diversas áreas de atuação.
A Fonoaudiologia é uma " Ciência da Saúde" e na FFC busca
sua identidade. Desta forma, esse fator tem contribuído para a formação do
profissional preocupado com as questões da interdisciplinaridade, principalmente
244
Os 40 anos da F.F.C.: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

quanto aos aspectos psicossociais e educacionais que envolvem as questões da


saúde .

No momento atual do curso de Fonoaudiologia da FFC está


prevista uma reestruturação curricular. Esta reestruturação deve considerar o
momento de reflexão da atuação fonoaudiológica em nosso País. Temos o
compromisso de formar o profissional preocupado em pesquisar e atuar nos
diferentes níveis: biológico - educacional e social.

Referências Bibliográficas
CONSELHO REGIONAL DE FONOAUDIOLOGIA - 2 região. Código de Ética. In:
Manual do Fonoaudiólgo, São Paulo, 1997.
CONSELHO REGIONAL DE FONOAUDIOLOGIA - 2 região -Perfildo Fonoaudiólogo no
Estado de São Paulo, São Paulo , 1997.

245
CONTRIBUIÇÃO DA PÓS- GRADUAÇÃO AO DESENVOLVI
MENTO DA UNESP EM MARÍLIA

Celestino Alves da SILVA JÚNIOR

Para articular os temas :


Educação , Universidade e Pesquisa aproximam -se do final do
milênio mais distantes entre si do que se poderia imaginar em 1959, quando a
F.F.C. foi instalada e em 1984, quando comemorou seu jubileu de prata . A
discussão sobre Educação , hoje, é conduzida em bases e em termos
predominantemente economicistas; a Universidade é instada a encontrar recursos
para sua sobrevivência no universo das parcerias e a Pesquisa é condicionada aos
interesses e às preferencias das agências externas que se disponham a financia-la.
Este não era, certamente, o panorama da vida universitária brasileira em 1959,
quando a F.F.C. foi criada e ainda não era possível vislumbra-lo em 1984, quando
a sociedade brasileira começava a despertar da longa noite ditatorial. Por isso
mesmo, a contribuição da F.F.C. hoje, para a construção do conhecimento e da
cidadania talvez se faça ainda mais necessária do que há quarenta anos atrás
quando ela nasceu com esse propósito. Ser Universidade hoje, realizando
Educação e desenvolvendo Pesquisa implica a construção conjunta do
conhecimento e da cidadania. É necessário alargar as fronteiras do conhecimento,
para que a cidadania se viabilize e é necessário promover a cidadania para que o
conhecimento possa ser resgatado como um valor universal , necessário e
indispensável à convivência civilizada entre as pessoas em qualquer tempo e lugar.
Retomando a história para evidenciar a articulação:
A F.F.C. nasceu oficialmente em 16 de janeiro de 1959, três dias
após sua inauguração solene. Um decreto concedendo inspeção prévia aos cursos
Professor orientador do curso de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências
- Unesp - 17525-900 - Campus de Marília - SP.

247

https://doi.org/10.36311/2001.85-86738-16-6.p247-250
Educação, Universidade e Pesquisa

a serem instalados marcava essa oficialização. O Estado de São Paulo respondia,


assim , às aspirações da cidade e da região por seu progresso cintífico-cultural .
Uma Faculdade prioritariamente destinada a formação de professores sintetizava,
à época, essas aspirações. Educação, Universidade e Pesquisa, reuniam-se, então,
em um mesmo projeto. Desenvolver conhecimento significava promover
cidadania. Formar professores, com base em pesquisa, significava promover a
cultura nacional.

Esse não era , entretanto , um entendimento unânime. Para alguns,


promover a cultura nacional formando professores e produzindo conhecimento
constituía tarefa viável apenas quando exercitada em instituições tradicionais
localizadas em grandes capitais. Interiorizar a cultura significava para os que assim
pensavam, desenvolve - la nos grandes centros e estendê-la quando possível, depois
de elaborada, às regiões interioranas. Não foram poucas, pois, as resistências a
serem vencidas até a consolidação da então Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Marília. Foi preciso e possível demonstrar que a idéia de Universidade
ultrapassa a dimensão espacial, ao mesmo em que pressupõe a disposição de
ânimo e a firmeza de propósitos dos que se dispõem a materializa- la .
Ironicamente, a disposição de ânimo e a firmeza de propósitos
acabariam sendo recrutadas mais uma vez para viabilizar o projeto da Fafi em
sua integração efetiva a uma Universidade, a Unesp, criada na metade da década
de 70 com a justificativa oficial da necessidade de reunião dos Institutos Isolados
existentes em uma verdadeira Universidade. O economicismo e o politicismo
da " verdadeira ” Universidade proposta quase sufocaram o espírito universitário
já consolidado na Fafie expresso na quantidade e na significação de seus resultados
acadêmicos. Ao comemorar seu jubileu de prata em 1984, a nova Faculdade de
Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação comemorava não
apenas a sobrevivência de seu ideais inspiradores, mas , também e principalmente,
sua contribuição à consolidação do ideal de Universidade na própria Unesp.

248
Os 40 anos da F.F.C .: sua contribuição para a construção do conhecimento e da cidadania

O presente e o futuro da atual Faculdade de Filosofia e Ciências


da Unesp:
Rebatizada mais uma vez em 1989, a F.F.C. constitui hoje o
Câmpus de Marília da Unesp. Readquirindo, ainda que parcialmente, a
configuração das antigas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, nossa
Faculdade, à semelhança delas, propôs-se também a sediar um grande esforço
de integração de trabalho acadêmico, implantando em 1988 o Curso de Pós
Graduação em Educação da Unesp. É necessário ressaltar essa denominação e o
que ela ensejava.
Pensando -se e comportando -se como parte integrante e solidária
de um todo maior e desejável, a Unesp, a Faculdade de Filosofia e Ciências de
Marília desenvolveu um duplo movimento de aproximação com seu projeto de
Pós-Graduação em Educação. No plano interno do Câmpus a área de Educação
dirigiu -se às demais áreas de conhecimento aqui praticadas identificando afinidades
e viabilizando perspectivas de trabalho interdisciplinar. Em relação aos demais
Campi, abriu as possibilidades de participação igualitária em seu corpo docente
aos pesquisadores da área de Educação que até então não dispunham de condições
institucionais para desenvolver seu trabalho em nível pós-graduado.
Os resultados da proposta de Pós-Graduação em Educação
originárias do Campus de Marília logo se fizeram sentir e são hoje reconhecidos
nacional e internacionalmente. Com eles foi possível oferecer à Unesp um modelo
de aproveitamento e desenvolvimento de suas potencialidades que deveria ter
merecido maior atenção de seus responsáveis , já que permitiu à Unesp inscrever
se em breve tempo entre os cursos de Pós-Graduação em Educação de projeção
nacional. A qualificação e a extensão de seu corpo docente assegurava essa
projeção, ao mesmo tempo em que assegurava também, no plano interno, a
formação de uma nova geração de pesquisadores em Educação capaz de ampliar
em extensão e profundidade a massa crítica do Câmpus de Marília. Essa massa
crítica ampliada e aprofundada ensejou muito recentemente o retorno ampliado
do projeto e dos esforços originais de 1988. Dispõe agora o Câmpus

249
Educação, Universidade e Pesquisa

de Marília de uma maior quantidade de pesquisadores titulados em Educação e,


ao mesmo tempo, dispõe também o Câmpus, consequentemente, a Unesp de
três novos cursos de Pós-Graduação específicosde áreas de conhecimento aqui
desenvolvidas que contam em sua organização e em seu corpo docente com a
experiência da participação de vários de seus membros no projeto pioneiro da
área de Educação.

Para concluir:

Reaproximar as idéias de Educação, Universidade e Pesquisa e


salientar a necessária relação entre elas constitui a tarefa desse final de milênio das
Universidades comprometidas com a construção do conhecimento e da cidadania .
Na verdade, constitui a tarefa de sempre, desde que a instituição universitária
integrou -se à história da humanidade.
Ao longo do tempo as Universidades dignas desse nome
souberam assegurar e promover o movimento de reflexão e auto -reflexão
indispensável à continuidade da vida acadêmica . Por refletirem e se auto
analisarem , sabem as universidades que não lhes basta produzir conhecimento . É
necessário que se interrogue sobre o sentido e a finalidade do conhecimento
produzido; sobre as necessidades pessoais e sociais que esse conhecimento poderá
atender. Os que pleiteiam a cidadania acadêmica para si sabem de seu
compromisso com a construção de uma universidade cidadã.

Creio que essa consciência se faz presente majoritariamente entre


os universitários que constróem a vida acadêmica da Faculdade de Filosofia e
Ciências da Unesp - Campus de Marília. Com ela e por ela está sendo escrito no
oeste do Estado de São Paulo mais um sugestivo capítulo da história da
humanidade em sua luta contra o obscurantismo e em busca da verdade.

250
ISBN 85-86738-16-6

97885861738 166

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