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Filosofia Moderna III - Empirismo

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FILOSOFIA MODERNA III: EMPIRISMO

Ao contrário do racionalismo, o empirismo privilegiava os dados obtidos pelos sentidos. Um de


seus principais proponentes, John Locke (1632-1704), abordou não apenas a questão da origem
do conhecimento, mas também o seu sentido, identificado como o aprimoramento da vida
humana. Além disso, Locke dedicou-se à filosofia política, sendo um dos principais pensadores do
Iluminismo.
David Hume (1711-1776), por sua vez, radicalizou o empirismo ao questionar a própria relação de
causalidade como algo que estava além do conhecimento dado pelos sentidos.

O EMPIRISMO

Durante o século XVII, surgiu na Inglaterra um intenso questionamento sobre o racionalismo de


Descartes. Esse questionamento deu origem a uma nova tradição, baseada no empirismo.

A oposição entre racionalismo e empirismo retoma muitas das questões que surgem quando se
contrapõem as teorias do conhecimento de Platão e de Aristóteles. O empirismo, assim como a
teoria aristotélica, fundamenta-se no princípio de que todas as ideias se originam da experiência
sensível. Dessa forma, o conhecimento verdadeiro buscado pela Filosofia deve se basear no
conhecimento da natureza (obtido, por exemplo, pela Física experimental), e não num modelo
matemático abstrato e rigorosamente dedutível, como queria Descartes. O uso da Física como
paradigma – isto é, modelo – desse novo tipo de pensamento reflete a forte impressão causada
pelas descobertas de Isaac Newton e seus contemporâneos.

JOHN LOCKE (1632-1704)

Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os
caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde vem este vasto estoque, que a
ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde
obtém todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da
experiência. Todo nosso conhecimento está nela fundado, e a experiência deriva
fundamentalmente o próprio conhecimento.

Com essas palavras, John Locke afirma suas convicções empiristas. Nessa mesma obra, rejeita o
pensamento cartesiano dizendo: se existe uma razão inata (ou seja, com a qual já nascemos) e
que seria a origem do conhecimento, para que serviriam nossos sentidos? Os sentidos servem,
evidentemente, para obtermos o conhecimento das coisas. Então por que deveria existir alguma
outra fonte de conhecimento? Segundo Locke, nossas ideias derivam da reflexão sobre o que foi
apreendido pelos sentidos. A experiência externa proporcionada pelos sentidos tornaria possível a
experiência interna. Assim, experiência e reflexão seriam as fontes de todas as ideias.

Locke identifica dois tipos de ideias: as simples e as complexas. Ideias simples são aquelas que
surgem dos sentidos e da reflexão. As ideias simples originadas dos sentidos dependem das
qualidades dos objetos. Existem qualidades primárias (como extensão, forma, repouso e
movimento, solidez), que são objetivas – portanto, percebidas da mesma forma por todas as
pessoas – e qualidades secundárias (como gostos, odores, ruídos e sons), que são interpretadas
e sentidas de forma diferente por diferentes sujeitos. Já as ideias simples produzidas pela reflexão
são operações mentais, como percepção, retenção, discernimento, comparação.
As ideias complexas surgem a partir da combinação de várias ideias simples. Por exemplo,
podemos combinar em nossa mente as ideias simples de espaço, duração, quantidade e número
e, a partir delas, criar a ideia complexa de infinito. A ideia da unidade está presente nos objetos
dos sentidos e em todas as ideias do entendimento. Repetindo essa proposta, podemos chegar às
ideias de quantidade, como par e dúzia. Podemos imaginar que a duração do tempo também se
repete, sem limite. Assim, chegamos à ideia do infinito no tempo, ou seja, da eternidade.

A investigação sobre os processos mentais e a origem do conhecimento empreendida por Locke


tem um sentido moral, na medida em que é vista como forma de aperfeiçoar a vida dos indivíduos.
Sua preocupação com o caráter social da existência humana deu origem a importantes escritos
políticos, que examinaremos mais adiante.

DAVID HUME (1711-1776)

O pensamento de Hume, marcado por forte ceticismo, parte da constatação, típica do empirismo,
de que aquilo que se apresenta ao conhecimento é fruto das impressões (proporcionadas pelos
sentidos) e da articulação de ideias (representações da memória e da imaginação, por sua vez,
cópias modificadas das impressões). Os fatos concretos, percebidos pelos sentidos, devem ser
aceitos como tais; não necessitam, portanto, de nenhuma demonstração. As ideias, bem como
suas articulações, também têm origem na experiência. Por exemplo, quando percebemos o
movimento, podemos intuir os conceitos de espaço e tempo.

Para Hume, é impossível um conhecimento que não tenha bases concretas. As próprias palavras
só têm significados quando usadas para se referir a algo que possa ser percebido. Com isso,
Hume critica afirmações metafísicas clássicas, como a de que o Universo é formado de duas
substâncias, a matéria e o espírito. Isso porque não seríamos capazes de perceber algo como
“substância”. Sendo assim, a distinção não faria sentido.

Essa oposição à metafísica também está presente na crítica de Hume à causalidade. Tanto a
experimentação científica quanto as argumentações filosóficas utilizam relações de causa e
consequência. Contudo, para Hume, a causalidade não tem um fundamento necessário. Na
verdade, é uma crença, fundada num hábito. Por exemplo, se vemos uma bola de bilhar se mexer
após ser tocada por outra, pensamos que o movimento da primeira causou o movimento da
segunda. Contudo, o que percebemos foi que a bola se moveu e que uma outra a atingiu. A
relação de causa não foi percebida e, portanto, não tem sentido. Mas, por vermos desde crianças
muitos fenômenos desse tipo se repetirem, adquirimos o hábito de esperar que se repitam outra
vez e aplicamos isso aos nossos julgamentos. Portanto, a causalidade é fruto de uma crença, e
nada mais. Isso abala fortemente a maneira como filósofos e cientistas pensam a justificativa de
seus trabalhos.

Dessa constatação, conclui-se que as únicas certezas que a Filosofia nos proporciona se
encontram no campo da moral, identificada por Hume como um conjunto de virtudes aprovadas
pela sociedade conforme sua utilidade. Por exemplo, não há um fundamento lógico para a
existência da propriedade privada, mas simplesmente o reconhecimento de que esse tipo de
instituição poderia ser útil aos homens, ou seja, adequada a uma situação considerada boa.
CONTRATUALISMO

Assim como a Filosofia moderna buscou novos fundamentos racionais para o conhecimento,
também procurou repensar a legitimidade do Estado, do governo e do direito, ou seja, as bases da
política. É marcante nesse período o contratualismo, que representa uma importante corrente da
Filosofia política que teve nos ingleses Thomas Hobbes e John Locke dois importantes
pensadores.

THOMAS HOBBES (1588-1679)

Hobbes foi um dos principais representantes do empirismo inglês; concentrou-se, sobretudo, na


elaboração de uma Filosofia política. De suas ideias emerge, pela primeira vez, a moderna
concepção de contratualismo, segundo a qual a organização social é fruto de uma série de
convenções ou acordos livres entre os homens, que justificam a organização do Estado. Suas
ideias políticas, expressas principalmente no livro Leviatã (1651), ajudaram a
legitimar o Estado absolutista.

Nessa obra, Hobbes escreveu que não há nada mais absurdo do que o que se encontra nos livros
de Filosofia. Com essa afirmação, o pensador inglês criticava aqueles que, em sua concepção,
carregavam os próprios textos de “emotividade”, afastando-se da realidade e transformando a
reflexão filosófica em mera expressão da subjetividade. Contra isso, Hobbes propunha uma
Filosofia de rigor geométrico, fundada em axiomas (verdades por si mesmas evidentes), definições
e demonstrações. Nesse sentido, seu método se assemelhava ao de outros pensadores da época,
como Espinosa (1632-1677) e Descartes, mas suas conclusões seriam radicalmente diferentes.

Hobbes questionou o princípio cartesiano do “cogito”. O pensador inglês não hesitou em concordar
com a formulação “penso, logo existo”, porém a ela acrescentou o seguinte questionamento: de
onde vem o conhecimento da proposição “eu penso”? Resposta: de um corpo material. Segundo
Hobbes, um corpo que pensa é, sobretudo, matéria, constatação que aponta para caminhos
distintos da filosofia de Descartes. O pensamento surge como resultado da percepção, por meio
dos sentidos, de que um corpo é dotado de diversos outros corpos materiais e de seus
movimentos. O ser humano é capaz de pôr em movimento seu corpo, e foi da análise desse
movimento que nasceram as ideias políticas de Hobbes.

Para Hobbes, toda ação humana é um movimento em busca do prazer, ou seja, uma tentativa de
aproximar-se do que agrada e de afastar-se do que desagrada. Isso ocorre porque os homens,
dotados de paixões, sempre procuram satisfazê-las. No estado de natureza, estariam sempre em
busca da satisfação dos desejos – que vão desde o desejo de autopreservação até o desejo por
conforto ou mesmo a satisfação das vaidades –, não hesitando em utilizar a violência para atingir
seus objetivos.
No estado de natureza, faltam aos homens os “bons princípios” que permitem o bom raciocínio, e
a vida é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta. Dessa forma, não podem existir
propriedade, indústria, agricultura ou ciência; portanto, não é possível o progresso. Nesse
contexto, o objetivo da Filosofia não seria atingir uma verdade, mas criar condições para que se
estabeleça a paz entre os homens, ou seja, para a superação do estado de natureza. Daí a
preponderância, para Hobbes, da Filosofia política, além da concepção do conhecimento filosófico
nos quadros do utilitarismo.
O CONTRATO

No estado de natureza, impera, portanto, a “guerra de todos contra todos”, em que não há justiça
ou injustiça, em que não existe bem ou mal, mas apenas a luta pela preservação. “O homem é o
lobo do homem”, escreveu Hobbes em Do cidadão (1642). Nessa condição, os indivíduos não têm
proteção contra a morte violenta e a perda das suas posses. Porém, além das paixões, os seres
humanos possuem a razão. Isso os leva a estabelecer um contrato social, por meio do qual abrem
mão de seus direitos – e mesmo de sua liberdade – em nome da constituição de um poder
superior, que possa utilizar a força, se necessário, para assegurar a paz. “É como se cada homem
dissesse a cada homem: cedo e transfiro o direito de governar-me a mim mesmo [...]. Feito isso, a
multidão unida em uma só pessoa se chama Estado” (Leviatã, 1651).
Mas o contrato social é frágil, pois nada impede que os homens o desrespeitem em nome de seus
interesses. Surge, então, a necessidade de garantir sua manutenção à força e, assim, justifica-se
a existência do governante todo poderoso, o soberano absoluto e despótico, fonte da lei e que
exerce seu poder ilimitado em nome da necessidade de manter a paz e a sobrevivência dos
homens.
O título do livro Leviatã é bastante significativo, pois a palavra refere-se a uma criatura monstruosa
citada na Bíblia. Para Hobbes, o Estado é o Leviatã, essa força que emerge do contrato e que
deve ter grande poder e força, pairando ameaçadoramente sobre os indivíduos, obrigando-os a
superar seus instintos mais violentos.
A criação do Estado significa a passagem do estado de natureza para o estado de sociedade. Se
liberdade é definida como ausência de impedimentos externos para a ação do indivíduo, o
contrato e a passagem para o estado de sociedade implicam uma privação da liberdade,
justificada pela necessidade de garantir a sobrevivência de todos. A disposição de viver em
sociedade deixa de ser considerada natural, como era vista pelo pensamento filosófico desde a
Grécia clássica, e passa a ser uma construção artificial, motivada pelo instinto de sobrevivência e
guiada pela razão. Como consequência, não há mais direito natural, mas direito positivo, ou seja,
criado pelos homens em uma situação específica.
A passagem do estado de natureza para o de sociedade não foi resultado apenas de um súbito
lampejo da razão em uma humanidade dominada pelas paixões. Hobbes afirma que algumas
paixões tornam a vida no estado de natureza insuportável, como, por exemplo, o desejo de uma
vida confortável ou o desejo de segurança, junto com o medo de não obtê-las. Além disso, existe
sempre o medo da morte. Pode-se dizer, portanto, que a tentativa de superação do medo é um
dos fatores que explica essa passagem. Assim, não surpreende que seja justamente o medo
(dessa vez em relação ao governante) um dos responsáveis pela manutenção da nova ordem.

O LEGADO DE HOBBES

Uma das afirmações que Hobbes toma como axioma refere-se à existência de homens ao mesmo
tempo iguais, livres e dotados de direitos. Uma decorrência dessa liberdade é a inexistência de
compromissos ou obrigações que não sejam resultados da escolha. Com isso, a criação de um
Estado autoritário, chefiado por um governante centralizador, é compreendida como fruto de um
ato voluntário. Tais concepções são bastante avançadas para sua época e chegaram a antecipar
alguns aspectos do que chamamos modernidade. Além disso, sua concepção política descarta
qualquer referência mais consistente à religião.
Hobbes parece nos dizer que, assim como o fundamento de toda ordem política legítima é um
contrato entre indivíduos livres, espera-se que todas as relações entre as pessoas também devam
seguir esse princípio. Ou seja, desde que haja um contrato (que implica consentimento mútuo), as
relações entre as pessoas podem ser legitimadas. A própria existência do Estado, enquanto forma
dessa ordem política legítima, é uma garantia de que os contratos entre as pessoas serão
mantidos.

JOHN LOCKE E AS BASES DO LIBERALISMO

Locke também foi um dos expoentes do empirismo. Afirmou não existirem ideias inatas,
defendendo que elas nos surgem primordialmente por meio da experiência. Além disso, foi
contemporâneo de grandes agitações políticas na Inglaterra do século XVII e costuma ser
considerado um dos ideólogos do movimento político de 1688-1689 conhecido como Revolução
Gloriosa. Suas ideias, de grande importância para a História do Ocidente, lançaram as bases do
liberalismo.
Liberalismo: De modo amplo, pode-se chamar de doutrinas liberais políticas e econômicas as
que partem da concepção de liberdades individuais.

Encontramos em Locke várias afinidades com o pensamento de Thomas Hobbes, entre elas: a
valorização do individualismo, a ideia de separação entre estado de natureza e estado de
sociedade, o conceito de contrato social. No entanto, ainda há diferenças significativas entre os
dois pensadores: se as ideias de Hobbes podem ser utilizadas para justificar regimes autoritários
(como o absolutismo), o pensamento de Locke o levou a idealizar regimes políticos que se
aproximam do que hoje costumamos chamar de democracia.

A PASSAGEM DO ESTADO DE NATUREZA PARA A SOCIEDADE CIVIL

Em suas principais obras – Segundo tratado sobre o governo (1690) e Ensaio acerca do
entendimento humano (1690) –, Locke afirmou que os homens viviam, originalmente, em estado
de natureza. Nesse estado vigora a lei natural, que garante a cada indivíduo uma série de direitos
irrenunciáveis, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Segundo Locke, o estado de
natureza é marcado pelo predomínio da razão; nele os homens vivem em perfeita liberdade: não
há subordinação a nenhum tipo de autoridade, nem obediência – exceto aquela devida à lei
natural. Nesse sentido, a vida no estado de natureza significa uma igualdade radical. Observa-se
aqui uma diferença marcante em relação ao pensamento hobbesiano: se, para Hobbes, o estado
de natureza era a “guerra de todos contra todos”, para Locke era uma espécie de “paraíso
perdido”, em que qualquer eventual transtorno poderia ser resolvido pelos próprios indivíduos,
uma vez que “a lei natural está inscrita no coração dos homens”.

Um dos aspectos dessa igualdade radical seria o livre acesso de todos aos bens da natureza,
encarados como propriedade comum a todos os homens. Porém, apesar do predomínio da
propriedade comum, Locke observa que todo indivíduo é dono de seu agir e, portanto,
responsável por seus atos e por suas obras, incluindo o trabalho. Na medida em que transforma
este ou aquele objeto da natureza por meio do trabalho, o indivíduo acaba por constituir
propriedades particulares. As árvores são de todos, mas este objeto de madeira, que eu fiz com
minhas mãos para meu uso, é meu. A água dos rios é de todos, mas a água que eu recolhi e
coloquei neste jarro passou a ser minha.
Segundo Locke, no estado de natureza há limites para o estabelecimento da propriedade privada:
um indivíduo só pode constituir a propriedade daquilo que for efetivamente utilizar, ou seja, ele não
pode negar o acesso de outros indivíduos à natureza. Não posso pretender ser o dono de toda a
água do rio, assim como não posso ter mais terra do que sou capaz de cultivar. Abusos em
relação a esses limites podem colocar em risco a vida no estado de natureza.

Além desse, outros fatores inviabilizam a vida no estado de natureza, entre eles o crescimento da
população – que, mais cedo ou mais tarde, leva à escassez de recursos naturais – e a invenção
do dinheiro – que torna mais complexa a atividade econômica e possibilita a acumulação. Assim, a
desigualdade passa a marcar a vida dos homens, e os atritos se multiplicam. Em última análise, o
próprio exercício dos direitos naturais se vê ameaçado.

Nesse contexto se deu a passagem do estado de natureza para a sociedade civil ou política. Para
preservar seus direitos e construir instâncias adequadas para o exercício da justiça, os homens
criaram o Estado, responsável pela defesa da vida, da liberdade e da propriedade. Os indivíduos
aceitam o poder do governo do Estado que, por sua vez, representa os interesses individuais de
cada um. Assim, o exercício da justiça será feito pelo governo em benefício de todos; as leis serão
criadas de acordo com a vontade de todos. A expressão dessa vontade se dará pela maioria,
como disse Locke: “Quando qualquer número de homens consentiu desse modo em formar uma
comunidade ou governo, são, por esse ato, logo incorporados e formam um único corpo político,
no qual a maioria tem o direito de agir e deliberar pelos demais”.

A NOVA VISÃO DE CONTRATO

Segundo Locke, o Estado se funda na confiança que os indivíduos nele depositam, e o poder dos
governantes se fundamenta no consentimento dos governados. É nesse sentido que Locke propôs
uma releitura do contratualismo pensado originalmente por Hobbes. Se, em Hobbes, pode-se dizer
que o contrato se estabelecia entre os membros da sociedade, no sentido de aceitar o poder do
governante, em Locke, pelo contrário, se estabelece o contrato entre governante e governados,
que só aceitam o poder do governante se este cumprir a vontade de todos, garantindo os direitos
individuais.

A confiança entre governante e governados pode ser quebrada, ou seja, um governante pode
usurpar o poder que a sociedade lhe conferiu. Nesse caso, o governante teria rompido o contrato
e, segundo Locke, a sociedade não teria mais por que mantê-lo no poder. Escreveu Locke:

Sempre que tais legisladores tentarem violar ou destruir a propriedade do povo ou reduzi-lo à
escravidão sob um poder arbitrário colocar-se-ão em estado de guerra com o povo, que fica, a
partir de então, desobrigado de toda obediência.

Suas teorias influenciaram o desfecho da Revolução Gloriosa (1688-1689) na Inglaterra, em seu


projeto de derrubada do rei absolutista e na criação de mecanismos de controle e limitação do
poder do governante (parlamentarismo).

Há, na concepção de contrato de Locke, um princípio revolucionário, segundo o qual os indivíduos


de uma sociedade podem, em certos casos, substituir um governante que não cumpre seus
deveres, inclusive por meio da força. Trata-se do direito à resistência, que legitima a revolução.
É importante ressaltar a especificidade do termo revolução para Locke. Essa palavra, utilizada
pela Astronomia para se referir ao movimento dos corpos celestes – a Terra faz revoluções em
torno do Sol, ou seja, dá voltas regulares, retornando ao ponto de partida após certo intervalo de
tempo –, foi utilizada por Locke para descrever a substituição de um governante inadequado por
outro mais afinado com a vontade dos indivíduos. Com isso, o pensador quis dizer que tal
substituição não seria uma ruptura, mas o retorno a uma situação inicial, ou seja, a volta àquela
situação que deu origem ao surgimento de todos os governos: a proteção dos indivíduos que
formam a sociedade e a garantia de seus direitos.

Além da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, os escritos de Locke influenciaram fortemente a


Filosofia política iluminista que, por sua vez, também justificou movimentos como a Revolução
Francesa e a Independência dos Estados Unidos.

LEGADO

Locke costuma ser considerado o “pai do liberalismo”, movimento político que deu origem às
práticas políticas predominantes, desde a Revolução Francesa, até os dias de hoje. Um dos
legados do pensamento de Locke na prática política contemporânea é a ideia de que a função do
Estado é garantir os direitos naturais dos indivíduos. Além disso, a realização de eleições, que
normalmente são associadas ao exercício da democracia, reflete o princípio de que o governo
deve surgir a partir da vontade da maioria. De fato, a Constituição Brasileira de 1988 traz em seu
artigo 1º: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos direta ou
indiretamente”. A separação entre os poderes Legislativo e Executivo, característica dos regimes
liberais, também foi proposta originalmente por Locke, que afirmava a necessidade de
subordinação do Executivo ao Legislativo, ou seja, o governante não pode agir livremente, mas
deve ter seu poder limitado pelas leis que emanam do povo.

Além disso, as concepções de Locke sobre o trabalho humano e a forma como este acrescenta
valor a objetos da natureza foram retomadas pela nascente ciência econômica e influenciaram
pensadores diversos, que vão do economista britânico David Ricardo (1772-1823), até o sociólogo
alemão Karl Marx (1818-1883).

Se, por um lado, as ideias políticas de Locke podem servir como princípio para resistir à opressão,
por outro, todo seu sistema se funda na valorização da propriedade e no desejo de preservá-la.
Diversos comentadores observaram, posteriormente, que a ênfase de Locke na propriedade
acaba por esvaziar qualquer possibilidade real de igualdade, esse, sim, um direito fundamental do
homem. Dentre os seus críticos, um dos mais ferozes foi o francês Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778).

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