Cassol e Niederle (2016)
Cassol e Niederle (2016)
Cassol e Niederle (2016)
Introdução às teorias
do desenvolvimento
Paulo André Niederle
Guilherme Francisco W. Radomsky
(orgs.)
Copyright dos autores 1ª edição: 2016
Direitos da edição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Capa: Ely Petry
Revisão: Ignacio Antonio Neis, Jaques Ximendes Beck e Sabrina Pereira de Abreu
INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS DO
DESENVOLVIMENTO
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...... Capítulo 3
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Abel Cassol
Paulo André Niederle
INTRODUÇÃO
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culiaridades históricas de formação social dessas economias. Para tanto, esses autores
apropriam-se de modo original de distintas matrizes teóricas – marxismo, keynesia-
nismo, estruturalismo – para constituir um método – estruturalismo histórico – e um
conjunto de conceitos e categorias analíticas – relações centro-periferia, subdesenvol-
vimento, heterogeneidade estrutural, padrões de desenvolvimento desigual – que sir-
vam de base a uma consistente construção analítica. Esse conjunto permite analisar as
economias periféricas a partir de suas diferenças e de suas distintas formas de inserção
no sistema capitalista global.
O objetivo do presente capítulo é revisitar alguns dos principais elementos teó-
rico-metodológicos desta proposição peculiar do desenvolvimento latino-americano e
destacar a importância central dos estudos de Celso Furtado na interpretação do caso
brasileiro e nas análises do subdesenvolvimento. Na sequência, serão apontadas algumas
fragilidades da matriz teórica cepalina e as críticas que lhe foram endereçadas por auto-
res reunidos em torno das chamadas “teorias da dependência”.
públicas de combate à seca e à fome naquela região e do qual Furtado se torna superin-
tendente. Em 1961, viaja para os Estados Unidos, a fim de se reunir com o Presidente
John Kennedy; depois, encontra-se com Ernesto Che Guevara em evento da Aliança
para o Progresso, em Punta del Este, no Uruguai. No mesmo ano, publica Desenvol-
vimento e subdesenvolvimento. Em 1962, durante o governo de João Goulart, torna-se o
primeiro titular do Ministério do Planejamento, sendo o responsável pela elaboração do
Plano Trienal.
Em 1963, deixa o Ministério e retorna à SUDENE, da qual é forçado a sair por
ocasião do Golpe Militar de 1964, que cassa seus direitos políticos por dez anos. Trans-
fere-se então para os Estados Unidos e ingressa como pesquisador no Centro de Estudos
do Desenvolvimento da Universidade de Yale, onde redige Dialética do desenvolvimento.
Em 1965, assume a cátedra de Professor de Desenvolvimento Econômico na Fa-
culdade de Direito e Economia da Sorbonne, sendo o primeiro estrangeiro nomeado
para uma universidade francesa. Furtado manterá sua atividade de professor por vinte
anos, concentrando, nesse período, suas pesquisas em três temas: o fenômeno da ex-
pansão da economia capitalista, o estudo teórico das estruturas subdesenvolvidas e as
análises da economia latino-americana. O que frutificou duas obras: Subdesenvolvimento e
estagnação na América Latina e Teoria e política do desenvolvimento econômico.
Entre os anos de 1968 e de 1978, Celso Furtado concilia suas atividades docentes
com missões das Nações Unidas em inúmeros países. No mesmo período, atua como
Professor visitante em diversas universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra. Em
1974, publica O mito do desenvolvimento econômico e, em 1976, lança seu livro mais difun-
dido no exterior, A economia latino-americana.
Em 1979, após o processo de anistia, retorna ao Brasil e reinsere-se na vida po-
lítica. Em 1984, integra a Comissão de Notáveis que elabora um Plano de Ação para o
futuro governo de Tancredo Neves, que veio a falecer na véspera de sua posse. É nomea-
do Embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia. Em 1986, torna-se
Ministro da Cultura do governo José Sarney e passa a ser o responsável pela elaboração
da primeira legislação brasileira de incentivo à cultura.
Em 1993, é nomeado membro da Comissão Mundial para a Cultura e o Desen-
volvimento da ONU/UNESCO. Em 1997, é eleito para a Academia Brasileira de Letras;
e, dois anos depois, publica aquela que é considerada sua última grande obra, O longo
amanhecer: reflexões sobre a formação do Brasil. Faleceu em sua residência no Rio de
Janeiro, em 2004, aos 84 anos de idade.
O PAPEL DO ESTADO E A INDUSTRIALIZAÇÃO COMO 31
......
DESENVOLVIMENTO
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Assim como para os demais intelectuais ligados à CEPAL, também para Celso Fur-
tado as formulações teóricas acerca do subdesenvolvimento são indissociáveis de uma
preocupação com a própria superação do fenômeno, de onde emerge simultaneamente
a industrialização como paradigma de desenvolvimento e a ação estatal como o modo
mais efetivo para se levar adiante esse processo, segundo uma perspectiva ainda próxima
à dos teóricos da modernização. Como alude Bielschowsky (2000, p. 35), “a ação estatal
em apoio ao processo de desenvolvimento aparece no pensamento cepalino como coro-
lário natural do diagnóstico de problemas estruturais de produção, emprego e distribui-
ção de renda nas condições específicas da periferia subdesenvolvida”. Esta centralidade
do Estado funda-se em razões sociais e históricas estreitamente vinculadas à própria
ascensão da teoria do desenvolvimento.
A crise de 1929 e o estrangulamento externo, responsáveis por reduzir drastica-
mente as possibilidades de importação, serviram como propulsores do desenvolvimento
da indústria interna1. Por outro lado, tanto a intervenção desenvolvimentista para a
reconstrução europeia no pós-guerra através do Plano Marshall quanto a proeminência
do regime planificado soviético constituíram um terreno ideológico que legitimava a
intervenção estatal, ainda que com diferenças essenciais quanto ao seu formato.
No caso das proposições cepalinas, a influência decisiva proveio das ideias keyne-
sianas em ascensão no mundo anglo-saxão, as quais não presumiam estatização tal qual
a matriz soviética, mas uma participação ativa do Estado não somente no aumento da
demanda, como também no investimento direto naqueles segmentos indispensáveis ao
desenvolvimento – bens intermediários – que não interessavam a iniciativa privada ou
não poderiam ser atendidos por ela. O capital privado, por sua vez, se concentraria em
atividades mais eficientes em termos de progresso técnico, sobretudo na produção de
bens de consumo duráveis, controlando assim o setor mais dinâmico da economia e
concentrando a riqueza, que, com frequência, era enviada para fora do país (FURTADO,
1981).
No caso do Brasil, essa modalidade de intervenção em favor da industrialização
deu-se, majoritariamente, via “substituição de importações” e do apoio à produção
nacional. Esse processo iniciou-se pelas indústrias mais simples, pouco exigentes em
tecnologia e capital, para, em seguida, alcançar as indústrias de bens de capital e de
matérias-primas intermediárias. Na formulação cepalina, todavia, esse processo tende-
1
Contudo, o desenvolvimento posterior dessa indústria ficou basicamente condicionado ao tamanho do mercado interno, no que
sobressaíram países como o Brasil, a Argentina e o Chile.
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...... ria à estagnação, uma vez que, quanto mais ele evoluía para bens exigentes em tecnologia
e capital, mais difícil se tornava sustentá-lo. Obter os recursos necessários para manter
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países centrais e periféricos, desigualdade essa proveniente da natureza dos bens que
compunham a pauta de importações e exportações. Os países periféricos haviam-se
tornado produtores de bens primários – produtos agrícolas e minerais –, que detinham
demanda internacional pouco dinâmica, e importadores de bens manufaturados, com
demanda doméstica em rápida expansão. A consequência disso era um desequilíbrio
estrutural na balança de pagamentos (“a diferença entre o total de dinheiro que entra e
que sai de um país”). A saída dessa condição passava necessariamente pela capacidade de
industrialização dos países periféricos, invertendo a pauta de importações e exportações
(BIELSCHOWSKY, 2000; 2008). Assim, na formulação cepalina original, a industriali-
zação nasce como sinônimo de desenvolvimento.
Com essa formulação, Prebisch deu o primeiro passo na proposta de uma reflexão
acerca da experiência latino-americana, a qual, como ele defenderá, exigia uma teori-
zação própria. Não obstante, o avanço mais significativo nesse sentido irá acontecer a
partir da formulação da “teoria do subdesenvolvimento”, notadamente com a contribui-
ção de Celso Furtado. Além de apontar elementos que complicam a análise da condição
periférica, destacando fatores socioculturais internos que sustentam o modo de inser-
ção dependente no comércio internacional, Furtado acrescenta ao estruturalismo uma
perspectiva histórica de longo prazo e um viés metodológico mais indutivo. Além disso,
Furtado adiciona em suas análises a dimensão do “poder” enquanto elemento central
para explicar a reprodução estrutural do subdesenvolvimento.
Diferentemente de Rostow (1961), que aponta a existência de diferentes “etapas
de desenvolvimento”, Furtado caracteriza o subdesenvolvimento como uma variante do
processo de desenvolvimento decorrente da trajetória desigual entre os países. Trata-se,
portanto, de “um processo autônomo, e não [de] uma etapa pela qual tenham, necessa-
riamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento”
(FURTADO, 1961, p. 180). É um processo histórico peculiar em que a difusão do pro-
gresso técnico – a inovação – não conduz à homogeneização social, mas à concentração
de renda e ao aumento da desigualdade social.
Ou seja, de acordo com Furtado, o subdesenvolvimento é uma condição estrutural
dos países pouco industrializados (os latino-americanos), pelo fato de que, nesses países,
as inovações nos padrões de consumo – e a adoção de um estilo de vida nos moldes dos
países centrais – não suscitaram, como contrapartida, a adoção de métodos produtivos
eficazes. Em suma, o processo de modernização não pode ser completado nos países
periféricos, na medida em que há um descompasso entre os padrões de consumo e os
métodos produtivos. É esse descompasso o responsável pela manutenção da heteroge-
neidade social, já que a dinamização da demanda – o consumo – esteve em contradição
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...... com o relativo imobilismo social gerado pelo lento desenvolvimento das forças produti-
vas, processo que resultou no subdesenvolvimento.
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Outra mudança de monta deve-se ao fato de que, com a industrialização, a depen-
dência assumiu uma conotação diferente – notadamente tecnológica e financeira – e
maior complexidade, o que tornou remota a possibilidade de explicá-la exclusivamente
com base na deterioração dos termos de troca. A busca por explicações mais abrangentes
para o novo momento histórico trouxe como consequência a proliferação de distintas
vertentes da chamada “teoria da dependência”. De modo geral, as formulações daí oriun-
das caminharam para um entendimento sobre a necessidade de se integrarem os fatores
econômicos, sociais e políticos, reconhecendo a debilidade das formulações excessiva-
mente centradas nas estruturas produtivas, na dimensão econômica e nos processos tec-
nológicos (a inovação). Este é o caso da teorização proposta por Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Faletto (1981), que discutem como a disputa entre diferentes grupos
sociais, envolvendo interesses e poderes heterogêneos, foi um dos condicionantes básicos
da situação de subdesenvolvimento, especialmente ao focarem as alianças políticas e o
modo como as elites dos países subdesenvolvidos voltam seus interesses para o exterior.
Ao mesmo tempo, reconheceu-se que não apenas o padrão de desenvolvimento
periférico reproduzia a desigualdade, como a própria ação do Estado atuava nesse sen-
tido. O fato de o Estado se apropriar de interesses privados evidenciava que a saída da
dependência implicaria uma contenda política acerca das prioridades de investimento
estatal. O essencial aqui foi a proposta de uma teorização sobre o Estado, algo remoto
nas teses cepalinas, onde este era visto por um viés quase instrumental, como regente
das mudanças, externo e sobranceiro à sociedade.
Segundo Bielschowsky (2008), a teorização dependentista demonstrou que “a in-
dustrialização não eliminava a heterogeneidade tecnológica e a dependência, apenas alte-
rava a forma como essas características passam a se expressar”. Na perspectiva do autor, o
subdesenvolvimento revela-se um processo de crescimento com estruturas heterogêneas,
onde os segmentos modernos são comandados por capitais externos e por seus associa-
dos internos. Formam-se, então, conglomerados multinacionais que passam a ser atores-
-líderes de uma nova modalidade de dependência, a qual questiona as fronteiras dos
Estados Nacionais e, gradativamente, se torna muito mais financeira do que industrial.
Cabe lembrar também que foi neste contexto – nos anos 60 e 70 – que emergiu
uma agenda de reformas sociais cuja execução era considerada imprescindível para se
enfrentarem os obstáculos estruturais do desenvolvimento (BIELSCHOWSKY, 2000).
Temas como desigualdade, distribuição de renda e reforma agrária vieram à tona com
relativa força e passaram a demandar um novo padrão de desenvolvimento, uma vez que
aquele até então perseguido apenas tornava mais crítica a já assombrosa heterogeneida-
de social.
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...... CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinquenta anos de pensamento na CEPAL: uma resenha. In: ______ (Org.).
Cinquenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 13-68.
______. Vigencia de los aportes de Celso Furtado al estructuralismo. Revista de la CEPAL, Santiago de
Chile, n. 88, p. 7-15, abr. 2006.
CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio
de interpretação sociológica. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
______. O mito do desenvolvimento econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
______. Formação econômica do Brasil. 24. ed. São Paulo: Nacional, 1991.
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PREBISCH, Raúl. El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas
[1949]. In: GURRIERI, Adolfo (Org.). La obra de Prebisch en la CEPAL. México: Fondo de Cultura Econó-
mica, 1982. v. 1.
ROSTOW, Walt Whitman. Etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não comunista. Rio de Janei-
ro: Zahar, 1961.