9788535933260
9788535933260
9788535933260
tony bellotto
Dom
Copyright © 2020 by Tony Bellotto
Capa
André Hellmeister
Ilustração de capa
Channarong Pherngjanda
Preparação
Ciça Caropreso
Revisão
Jane Pessoa
Valquíria Della Pozza
Bellotto, Tony
Dom / Tony Bellotto. — 1a ed. — São Paulo : Companhia
das Letras, 2020.
isbn 978-85-359-3326-0
20.33495 cdd-B869.3
Índice para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura brasileira B869.3
Cibele Maria Dias — Bibliotecária — crb-8/9427
[2020]
Todos os direitos desta edição reservados à
editora schwarcz s.a.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 —São Paulo —sp
Telefone: (11) 3707-3500
www.companhiadasletras.com.br
www.blogdacompanhia.com.br
facebook.com/companhiadasletras
instagram.com/companhiadasletras
twitter.com/cialetras
Sumário
i. lourinho, 11
ii. boneco doido, 79
iii. pedro dom, 163
iv. ressurreição, 235
9
acelera, Pedro pega a granada na mochila, arremessa. Ouve-se a
explosão, os homens da polícia se agacham. Os dois avançam
pela fumaça e conseguem sair do túnel. Pedro leva um tiro no
pé e outro no ombro, Sandrinho é atingido no braço. A Yamaha
perde o equilíbrio depois que um pneu é perfurado por uma
bala. Os policiais se recompõem, entram nas viaturas, acionam
os motores.
“Vou dar linha”, diz Pedro numa curva próxima da lagoa
Rodrigo de Freitas. “Eles estão atrás de mim.”
Bombom diminui a velocidade, Pedro salta da moto, corre
mancando até a calçada e larga o capacete sobre uma moita de
coroas-de-cristo. Avalia as possibilidades. Na portaria do edifício
Bauhaus o porteiro dorme sentado com a cabeça apoiada na mesa.
Uma viatura se precipita, Sandrinho se desequilibra e cai, a
Yamaha desgovernada bate numa mureta de proteção no meio
da rua. Policiais imobilizam o rapaz no asfalto, arrancam seu
capacete, apontam as armas: “Cadê o Dom?”.
Os homens chegam à recepção do Bauhaus e notam no
chão o rastro de sangue que conduz até as escadas.
Pedro não sente mais a dor no pé, adormecido. O ombro em
brasa. Salta os degraus de dois em dois e no terceiro andar vê uma
lixeira no fundo do corredor. Os lugares fechados sempre o an-
gustiam, mas Pedro Dom sabe que não tem mais aonde ir. Es-
preme-se no escuro com a arma na mão, o coração pulsando. A
porta da lixeira é aberta com um estrondo e a luz invade o cubí-
culo com uma estranha sensação de alívio.
10
i
Lourinho
1. niterói, 1993
13
“Você é bobo, Pedro? Grafiteiro tem que ter um pseudôni-
mo senão a polícia prende o cara”, diz a menina. “Sabia que é
proibido pichar muro?”
“Grafitar. Pseudo o quê?”
“Pseudônimo. Um apelido. Como nome de artista.”
“Verdade”, palpita o garoto no muro, se intrometendo na
conversa. “Grafiteiro tem que ter nome de artista”.
“Claro”, diz Pedro. “Grafiteiro é artista.”
“Dom Pedro é maneiro”, diz o garoto.
“Dom Pedro é nome de rei, não gosto.”
“É. Tu não tem cara de rei.”
“Tem cara de príncipe”, diz Verena. “Pedro Príncipe.”
“Tem cara de sapo”, palpita o garoto. “Pedro Sapo.”
“Sapo o cacete!” Pedro vira-se para Verena: “Príncipe tam-
bém não. Pedro Príncipe dá impressão de um cara delicado”.
“Pedro Dom”, diz Verena.
“Dom Pedro ao contrário?”
“Não. Pra mostrar que Pedro tem um dom, um talento es-
pecial.”
“Pedro Dom, Pedro Dom, Pedro Dom, Pedro Dom…”, ele
repete, como se cantasse um rap.
“Vamos subir?”, interrompe Verena. “É tarde. A mamãe não
gosta que a gente fique aqui depois que anoitece.”
“A mamãe não gosta que a gente fique aqui depois que anoi-
tece…” Pedro esganiça a voz sacaneando a irmã. “Vai você. Pre-
ciso acabar o meu grafite.”
Verena sai em direção ao prédio, o garoto desce do muro.
“Desculpa a brincadeira do sapo. Foi mal.”
“Você é que tem cara de sapo.”
“Nem todo mundo nasce pra príncipe. Maneira essa picha-
ção, um moleque soltando fogo pela boca…”
14
“Não é pichação.”
“Eu sei, grafite.” O garoto tira um baseado do bolso, acende
e oferece para Pedro: “Fogo pela boca”.
“Quero não. Meu pai foi policial.”
“Opa. Sujou.”
“Foi, não é mais. Mas sempre diz que maconha não presta.
É coisa proibida.”
“Pichar muro também.”
“Grafitar.”
“Teu pai fala isso porque não conhece a realidade, é um
alienígena.”
“Meu pai não é alienígena.”
“Maconha não faz mal. Nos Estados Unidos tem gente que
usa como remédio. E na Jamaica é uma religião. Se liga em Bob
Marley? Maior maconheiro da história. O papa também fuma,
existem plantações nos subterrâneos do Vaticano. Na Disneylân-
dia eles cultivam em porões climatizados. Meu pai fuma e é
trabalhador. Eu fumo e todo mundo fuma. Até os canas fumam.
Vai ver teu pai fuma mas não te conta. Tu é moleque, não co-
nhece as coisas da vida. Tem quantos anos?”
“Doze.”
“Eu fumo desde os onze”, e oferece novamente a bagana.
“Depois vai se arrepender. O bagulho é do bom. Do Dom…”
Pedro resiste, mas acaba aceitando. A primeira tragada é
desajeitada e ele tosse. O garoto pega o baseado da mão de Pedro
e traga, mostrando como se faz. Na segunda tentativa Pedro se
sai melhor.
“Vai grafitar melhor doidão, vai por mim. Maconha inspira.
Quando quiser me dá um toque.” Aponta a favela: “Ali tem de
montão”.
Pedro agita o spray e assina Pedro Dom no grafite. Depois
15
fita o morro iluminado em que o vento balança árvores e estufa
roupas nos varais.
16