Intervenção Precoce Na Psicose
Intervenção Precoce Na Psicose
Intervenção Precoce Na Psicose
1590/1413-73722440414
ABSTRACT. In psychiatry, the possibilities of intervention in the risk for development of mental disorders are
now receiving greater attention, motivating researches and causing controversies. Among the several
investigations about psychiatric risk and categories that have been conducted in the international scenario,
proposals intended to previously detect and intervene in the development of psychosis stand out. Programs for
early detection of psychosis have two objectives: to reach patients living the first psychotic break and patients
considered to be at risk mental state. Despite the controversy about the at risk mental state, with the
preparation of a new version of the DSM, the possibility of creating a specific category that could identify the
risk for psychosis was pondered. This article analyzed the path of the early intervention in psychosis, starting
with the emergence of the actions within the context of clinical enhancement in the first break, going through
the controversial systematization of the notion of at risk mental state, finally coming to the formalization of the
proposal of a new diagnostic category during the preparation of the DSM-5.
Keywords: Early intervention; psychosis; psychiatry.
1
Apoio e financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2 Endereço para correspondência: Rua das Laranjeiras, 210/509. Laranjeiras - CEP 22.240-003 - Rio de Janeiro-RJ.
E-mail: lunarodrigues@yahoo.com.br.
protocolos clínicos começaram a ser elaborados. o EPPIC atrelava a oferta de ações clínicas a um
A preocupação inicial que motivou a formação protocolo de pesquisa de modo a sistematizar as
dos serviços consistia na qualidade e na intervenções realizadas e avaliar os benefícios
acuidade temporal da oferta de tratamento e o conquistados. A partir da reunião de informações
objetivo primordial era oferecer formas de de pesquisa e trocas de experiência entre os
cuidado efetivas, ágeis e adequadas às primeiros serviços foi criada uma rede
características específicas do primeiro episódio internacional de pesquisa e alcançou-se um
psicótico. Esta é a motivação declarada pelo consenso acerca das melhores práticas,
pesquisador pioneiro nos serviços e pesquisas culminando na publicação de diretrizes clínicas
da psicose precoce, o psiquiatra australiano para a intervenção precoce (IEPA, 2005).
Patrick McGorry. Em artigo de 1996, McGorry et Atualmente, a intervenção precoce para a
al. relatam a formação do Early Psychosis psicose é uma abordagem terapêutica disponível
Prevention and Intervention Centre (EPPIC), um em diversos países da América, Europa e Ásia3,
serviço clínico pioneiro, desenvolvido em e sua principal estratégia de tratamento consiste
Melbourne, Austrália, prioritariamente destinado na combinação de doses reduzidas de
a realizar a prevenção secundária dos medicamentos e terapia cognitivo-
transtornos psicóticos. Reconhecendo a comportamental adaptada para a intervenção
incapacidade da psiquiatria para a efetivação da precoce (Bird, Premkumar, Kendall, Whittington,
prevenção primária, o autor defende a Mitchell, & Kuipers, 2010; Marshall & Rathbone,
concentração de esforços na detecção e 2011; Vyas & Gogtay, 2012).
intervenção precoces em adolescentes e jovens
adultos que vivenciem o primeiro surto psicótico
ou se encontrem na iminência vivenciá-lo. CONTROVÉRSIAS DA INTERVENÇÃO
Assim, a proposta implementada de forma PRECOCE: A NOÇÃO DE ESTADO
pioneira na Austrália e apresentada no artigo MENTAL DE RISCO
sugere que “... uma abordagem realista de
prevenção secundária envolveria estratégias Diversos desafios relacionados ao cuidado
que, primeiro, reduzem a duração da psicose clínico oferecido nos serviços de detecção
não tratada e, segundo, otimizam o manejo do precoce permanecem em discussão, entre os
transtorno nos primeiros anos após a sua quais a eficácia dos medicamentos nessa fase e
detecção.” (McGorry et al., 1996, p.306). o equilíbrio entre benefícios na redução dos
O EPPIC começou a funcionar em 1992, sintomas e o impacto dos efeitos colaterais
com dois objetivos clínicos complementares: (Vyas & Gogtay, 2012), além de discussões
identificar pacientes nos primeiros estágios de acerca das melhores estratégias
surgimento da psicose e oferecer tratamento psicoterapêuticas, como a terapia cognitivo-
intensivo e especificamente formulado para comportamental e a terapia familiar (Bird et al.,
atender às necessidades desse estágio durante 2010) e do questionamento quanto à
os dois anos subsequentes ao primeiro surto. manutenção em longo prazo dos efeitos
Tratava-se de um serviço clínico de base positivos obtidos nos serviços de intervenção
comunitária, no qual estavam incluídas precoce, com a diminuição das taxas de
hospitalização e de novos episódios de
atividades educativas com vistas a sensibilizar a
agravamento dos sintomas (Bird et al, 2010).
comunidade para as características da psicose
Por outro lado, se os primeiros serviços do
em estado inicial e uma significativa
tipo EPPIC tinham como principal objetivo a
preocupação com a redução do estigma e do
oferta imediata e efetiva de cuidado em saúde
preconceito que cercam os serviços psiquiátricos
mental a pacientes que experimentavam os
e seus pacientes. As atividades clínicas eram primeiros sintomas psicóticos, as diretrizes
desenvolvidas sob a supervisão de um clínicas divulgadas pela IEPA propõem um
responsável clínico e consistiam em atividades
individuais e de grupo, terapia cognitivo-
3
comportamental adaptada para a psicose O site da IEPA lista os países e serviços de
precoce e medicação com doses baixas de intervenção precoce disponíveis no mundo, incluindo
dois serviços brasileiros: o GIPSI, da Universidade de
neurolépticos. Brasília (www.gipsi.org.br) e o ASAS, do Hospital das
Assim como outros serviços posteriormente Clínicas da USP (www.ipqhc.org.br). Ver:
implantados no Reino Unido, nos EUA e na Ásia, www.iepa.org.au.
passo além. Segundo as International clinical jovens adultos não seriam identificados como
practice guidelines for early psychosis (IEPA, esquizofrênicos de acordo com os critérios
2005), os objetivos gerais da intervenção diagnósticos atuais, mas estariam
precoce são minimizar a iatrogenia, proporcionar experimentando modificações comportamentais
melhores saídas da crise e aumentar a e cognitivas que poderiam ser atreladas a
qualidade de vida dos pacientes, experiências que caracterizam o surto psicótico,
prioritariamente, por meio de medicação como alterações no pensamento, percepções
antipsicótica, terapia cognitiva e apoio anormais, desorganização do discurso,
educacional. Este programa foi desenvolvido no retraimento social e baixo desempenho escolar.
âmbito clínico, atrelado a protocolos de Usualmente, as alterações comportamentais e
pesquisa, e destinava-se a proporcionar cognitivas são contínuas, mas de baixa
tratamentos individuais mais eficazes, minimizar intensidade, ou agudas, mas por um breve
o impacto psicossocial da doença na vida do período de tempo, razão pela qual os indivíduos
jovem paciente e, se possível, protelar ou não chegariam a receber o diagnóstico de
mesmo evitar o surgimento do primeiro surto esquizofrenia de acordo com o DSM-IV.
psicótico e a instalação do transtorno mental. Assim, o conceito de estado mental de risco
As intervenções se destinam a três alvos faz referência a um conjunto de sintomas ou
distintos: a) a fase de pré-psicose, longa e comportamentos que sinalizam a possibilidade
caracterizada por sintomas prodrômicos; b) o de surgimento da doença, mas não o garantem.
período de psicose não tratada que, se longo, Neste contexto, a substituição do termo
torna-se fator de risco para a cronificação da pródromo pelos termos at-risk mental state ou
doença; e c) o primeiro episódio e os anos ultra-high risk teria como vantagem a indicação
seguintes ao diagnóstico, período crítico para a de que a transição para a psicose não é
intervenção. As características e consequências inevitável e facilitaria a atenção aos casos de
da intervenção precoce se diferenciam entre a falso positivo. Para alguns pesquisadores, esse
destinada ao primeiro grupo de indivíduos e as estágio, sintomático mas pré-psicótico, seria o
destinadas aos segundo e terceiro grupos. Nos momento mais precoce para o qual uma
casos de indivíduos que vivenciem um período intervenção preventiva poderia ser concebida
de psicose não tratada e o primeiro surto (McGorry, Killackey & Yung, 2008).
psicótico, a intenção é oferecer tratamento a Um desafio evidente é inerente às propostas
jovens que experimentem desorganização de intervenção para indivíduos na fase de pré-
psíquica e perda de funcionalidade, antes que a psicose, ou que estejam vivenciando um estado
doença mental se instale definitivamente e mental de risco: a distinção entre aqueles que
provoque incapacidade. Como dito acima, necessitam de intervenção e os que não se
diversos são os desafios clínicos enfrentados na beneficiariam desse procedimento. Diversas
elaboração e avaliação das melhores estratégias pesquisas clínicas, com número pequeno de
terapêuticas a serem oferecidas a esses jovens, indivíduos participantes, começaram a ser
mas as pesquisas atuais indicam que esse tipo elaboradas tendo como alvo o estado mental de
de intervenção é capaz de produzir resultados risco, e um dos principais objetivos consistia
superiores aos alcançados nos serviços de exatamente na delimitação do próprio estado
saúde mental inespecíficos. Além disso, a mental de risco e na sua correta identificação.
proposta parece capaz de produzir razoável Afinal, o que caracteriza o estado mental de risco
consenso na comunidade científica, visto que se para a psicose? Quais seriam os critérios mais
constitui mais como um aperfeiçoamento e um seguros para a sua identificação? Como
refinamento de serviços, estratégias e opções estabelecer fatores de exclusão e de inclusão
clínicas estabelecidas, em consonância com a nos protocolos clínicos de modo a delimitar de
proposta dos primeiros serviços de detecção forma mais precisa essa categoria?
precoce. O precursor McGorry e seu grupo australiano
No caso em que se constata que os sujeitos de pesquisa elaboraram uma definição bastante
estão vivenciando um estado mental de risco ou, utilizada em pesquisas clínicas, que acabou
segundo as diretrizes clínicas, a fase de pré- constituindo-se como referência no campo,
psicose, a intervenção se dirige a jovens que de embora possa ser criticada por outros
fato não apresentam a doença, mas estariam em pesquisadores. O modelo define três grupos de
risco de desenvolvê-la. Esses adolescentes e critérios para a identificação do estado mental de
2009; McGorry, 2010). Segundo Carpenter, “... o preeminentes da psiquiatria no intenso debate
campo [psiquiátrico] será desafiado a manejar realizado na internet. Neste contexto, Allen
essa nova categoria com prudência. Mas, sem a Frances foi um dos principais críticos da inclusão
categoria, uma referência para a detecção e a da nova categoria, publicando diversos artigos
intervenção precoce seria perdida e a contrários à proposta no seu blog DSM-5 in
oportunidade para desenvolver tratamentos Distress.
baseados em evidências seria minimizada.” Além do debate realizado na internet,
(2009, p.842). diversos artigos foram publicados com reflexões
Woods, Walsh e McGlashan (2010) reuniram sobre os riscos e benefícios que a nova
em um artigo os argumentos a favor da inclusão categoria diagnóstica poderia trazer para a
da categoria, revisando as principais evidências atenção em saúde mental destinada a
publicadas que pudessem apoiá-la. Segundo o adolescentes e jovens adultos (Corcoran, First, &
artigo, os principais argumentos que sustentam e Cornblatt, 2010; McGorry, 2010; Yung, Nelson,
justificam a construção da categoria de Thompson & Wood, 2010; Woods et al., 2010).
Attenuated psychotic symptoms syndrome são: Entre os riscos discutidos, se destacam a
1- os pacientes apresentam alterações possibilidade de falsos positivos e a falta de
psicopatológicas no presente; 2- os pacientes informações seguras acerca das melhores
estão em risco elevado de piora; 3- nenhuma opções de tratamento ou intervenção a serem
categoria diagnóstica do DSM-IV é capaz de oferecidas a essa população.
capturar com acuidade a doença atual ou o risco Os casos de falso positivo dizem respeito à
futuro desses pacientes; 4- o diagnóstico foi possibilidade de diagnosticar indivíduos que
estabelecido com confiabilidade e validade no nunca viriam a desenvolver um transtorno
contexto de pesquisa; 5- sua inclusão no DSM-5 psicótico. Nesse sentido, importa questionar se
ajudaria a promover o tratamento necessário e os critérios de definição do estado mental de
pesquisas preventivas para permitir a oferta de risco de fato discriminam um grupo de pacientes
um cuidado que beneficie os pacientes e suas com alto risco, o que não é simples,
famílias. considerando-se que tais comportamentos
Para os partidários da categoria, o devem ser identificados em adolescentes e
atendimento de pacientes em risco e a jovens adultos, que usualmente passam por
construção de intervenções precoces para a períodos de modificações e experimentações
psicose, anteriores à possibilidade de realizar comportamentais. Além disso, alguns artigos
um diagnóstico estável de acordo com o DSM- citam pesquisas recentes as quais sugerem que
IV, não possuiriam critérios e parâmetros de a presença de sintomas psicóticos atenuados é
orientação. Para McGorry (2010), as definições
mais frequente na população em geral do que se
diagnósticas atuais não favorecem a
supunha (Yung et al., 2010), e questionam a
compreensão da psicopatologia como um
possibilidade de que um diagnóstico tão refinado
complexo processo neurodesenvolvimental,
possa ser fácil e seguramente difundido em
caracterizado por uma evolução gradativa,
contextos de atenção menos especializados
contínua e marcado por diferentes estágios.
Deste modo, faltariam parâmetros que como, por exemplo, entre os profissionais da
permitissem a distinção dos diferentes estágios e atenção primária (Corcoran et al., 2010).
orientassem a intervenção nos momentos iniciais Visto que a precisa definição dos indivíduos
da doença, em que os comportamentos se que seriam corretamente diagnosticados não é
distanciam de forma mais sutil dos critérios de simples, surgem outros importantes
normalidade e o diagnóstico se torna mais difícil. questionamentos no que se refere às
Se as pesquisas dedicadas à definição do consequências da aplicação da categoria
estado mental de risco já geravam controvérsias diagnóstica. O estigma a que adolescentes e
e debates éticos, a proposta de formalizar o jovens estariam submetidos se destaca como
suposto período de risco para a psicose como um fator a ser considerado na reflexão acerca
uma categoria diagnóstica produziu muita dos prejuízos causados pela possibilidade de
discussão e divergência. A dimensão da tratamento precoce, uma vez que os pacientes
discussão provavelmente foi potencializada pela adentrariam no universo dos serviços
possibilidade de consulta pública e, psiquiátricos, mesmo que sem a utilização de
principalmente, pelo envolvimento de figuras medicação antipsicótica, antes que tais
ontológico dos transtornos mentais, assim como diagnóstico de esquizofrenia ou que venham a
discussões sobre etiologia, diagnóstico e recebê-lo ao longo da vida.
terapêutica, têm sido permanentes na história da Provavelmente, o potencial para a expansão
psiquiatria dos últimos 150 anos. da intervenção psiquiátrica é a consequência
Nas últimas décadas a preponderância do mais visível da aplicação da lógica do risco ao
modelo reducionista e mecanicista do projeto campo dos fenômenos mentais; no entanto, as
neurocientífico trouxe a esperança de redução características específicas da noção de estado
da ilegitimidade das categorias diagnósticas. mental de risco trazem novos desafios e
Para muitos, a psiquiatria biológica e o especificidades para os processos de
conhecimento neurocientífico a ela atrelado classificação e ação psiquiátrica. Por definição, o
seriam capazes de, finalmente, oferecer a estado mental de risco faz referência a uma
ancoragem somática que esteve ausente nas experiência fronteiriça, não redutível ou
descrições psicossociais das doenças mentais e, equivalente nem ao estado de normalidade que
com isso, garantir mais legitimidade às relacionamos com a saúde nem aos estados
categorias; mas, como observa Rosenberg patológicos que designamos como transtornos
(2006), ao mesmo tempo em que as explicações mentais. Se o reconhecimento de tais estados
genéticas, moleculares e neuroquímicas sobre a pode emergir de um refinamento de estratégias
doença mental passam a dominar o campo da clínicas, como vimos, a sua sistematização
depende da construção de parâmetros objetivos,
psiquiatria contemporânea, as críticas acerca da
mensuráveis e pouco sujeitos a variações,
contingência e da arbitrariedade das
capazes de gerar na comunidade científica
classificações se acentuam.
consenso suficiente para incluí-los nos
Se o processo de construção da doença
esquemas classificatórios vigentes.
mental como entidade médica nunca foi ausente
O desafio de elaborar um critério diagnóstico
de debates ou incertezas, a intensidade e o teor - que, por definição, encontra-se no espaço
das críticas teriam se acentuado nas últimas intermediário e fluido entre a normalidade e a
décadas. Desde o movimento da antipsiquiatria, patologia mental - ficou evidente durante a
passando pelos estudos feministas e pelas discussão que precedeu a publicação do DSM-5.
críticas sociológicas e antropológicas recentes, Para além da dimensão classificatória
diversas são as origens da contestação da propriamente dita, com a ascensão da lógica do
legitimidade da classificação psiquiátrica e risco na psiquiatria verificamos a tendência de
intenso é o processo de denúncia das suas indefinição das fronteiras entre normalidade e
ambiguidades. Para o autor, desde o último terço patologia. Tradicionalmente definidas pelas
do século XIX as fronteiras das categorias categorias diagnósticas, essas fronteiras vão se
diagnósticas na psiquiatria vêm se ampliando e, tornando cada vez mais imprecisas e,
simultaneamente, sofrendo críticas, sendo consequentemente, mais sujeitas à contestação
submetidas a debates e vendo contestado seu quando o risco passa a ser utilizado como
estatuto como entidades médicas. critério para a construção de categorias
A proposição da Attenuated psychotic diagnósticas ou como fundamento para a
symptoms syndrome exemplifica, no contexto elaboração de intervenções clínicas.
atual, os processos a que Rosenberg se refere. Cabe questionar que benefícios a
No que diz respeito à expansão, pode-se apropriação da lógica do risco traria ao campo
observar que a formalização da referida do cuidado em saúde mental. Ainda que a
categoria implicaria no aumento do número de Attenuated psychotic symptoms syndrome tenha
indivíduos submetidos à investigação e à sido retirada do rol de categorias diagnósticas do
intervenção psiquiátrica. Como vimos, a DSM-5, a noção de estado mental de risco
categoria vem sendo elaborada para identificar continua sendo investigada e utilizada de forma
adolescentes e jovens adultos que estejam preliminar - atrelada a protocolos de pesquisa -
vivenciando risco de aparição futura da psicose. em serviços clínicos de saúde mental para
Se tal definição passa a ser utilizada de forma adolescentes e jovens adultos; no entanto, assim
sistemática, certamente o número de como a definição dos critérios de inclusão na
adolescentes e jovens adultos identificados em categoria, o tipo de intervenção a ser oferecida
estado mental de risco será significativamente aos pacientes também permanece em
superior ao dos que efetivamente recebem o discussão.
Como afirmam os pesquisadores partidários Castel, R. (1991). From dangerousness to risk. In Burchell, G.
da intervenção precoce, o estado mental de risco & Miller, (Orgs.) The Foucault Effect: Studies in
Governamentality. USA: The University of Chicago Press.
representa um estádio intermediário, que passa
a ser acompanhado por especialistas – portanto, Castiel, L. D. (1999). A medida do possível... saúde, risco e
tecnobiociências [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz.
se não se resume mais ao estado de saúde,
também não implica necessariamente o Castiel, L. D. & Diaz, C. A. D. (2007). A Saúde Persecutória: os
limites da responsabilidade. Rio de Janeiro: Fiocruz.
desenvolvimento do transtorno e não é
Clarke, M. & O’Callaghan, E. (2003). Is earlier better? At the
equivalente ao diagnóstico de doença. Se as
beginning of schizophrenia: timing and opportunities for
intervenções construídas no contexto dos early intervention. Psychiatric Clinics of North America, 26,
serviços de detecção precoce, num primeiro 65-83.
momento, representavam o refinamento de Corcoran, C, First, M. & Cornblatt, B. (2010). The Psychosis
instrumentos clínicos, especialmente para os Risk Syndrome and its Proposed Inclusion in the DSM-V:
pacientes que vivenciavam o primeiro surto, para A Risk-Benefit Analysis. Schizophrenia Research, 120(1-
os casos de risco, não se sabe exatamente o 3), 16-22.
que oferecer, permanecendo indefinida a Crawford, R. (2004). Risk ritual and the management of control
intervenção que possa alterar a suposta and anxiety in medical culture. Health: An Interdisciplinary
Journal for the Social Study of Health, Illness and
vulnerabilidade de adolescentes e jovens Medicine, 8(4), 505-528.
adultos.
Dumit, J. (2012) Drugs for Life: How Pharmaceutical
Na dimensão clínica, a discussão sobre Companies Define Our Health. Durham e Londres: Duke
intervenção precoce direcionada para o primeiro University Press.
surto, com especial atenção ao período de Frances, A. (2012a). Psychosis Risk proves to be indefensible.
psicose não tratada, pode representar a DSM-5 in Distress. Recuperado em 12 junho, de 2014, de
construção de instrumentos e estratégias de www.psychologytoday.com/blog/dsm5-in-
cuidado úteis no atendimento à psicopatologia distress/201201/psychosis-risk-proves-be-
de adolescentes e jovens adultos, ao passo que indefensible.
a formalização da categoria diagnóstica risk Frances, A. (2012b) Wonderful news: DSM-5 finally begins its
belated and necessary retreat. DSM-5 in Distress.
psychosis aponta mais para a intenção de
Recuperado em 12 junho, de 2014, de
aplicar o pensamento do risco ao campo www.psychologytoday.com/blog/dsm5-in-
psiquiátrico e de efetivar ações preventivas cuja distress/201205/wonderful-news-dsm-5-finally-begins-
eficácia e segurança são desconhecidas. O its-belated-and-necessary-retreat.
questionamento das fronteiras entre normalidade Frances. A. (2013). Saving Normal: an insider’s revolt against
e patologia é não somente benéfico, mas out-of-control psychiatric diagnosis, DSM-5, big pharma
essencial para a construção de práticas de and the medicalization of ordinary life. New York: William
Morrow.
cuidado mais sensíveis ao sofrimento psíquico;
no entanto, como sugerem as análises de Castel Hafner, H. & Mauer, K. (2006). Early detection of
schizophrenia: current evidence and future perspectives.
(1987, 1991), Castiel (1999) e Dumit (2012), World Psychiatry, 5(3), 130-138.
entre outros, esse não tem sido o destino mais
International Early Psychosis Association Writing Group
frequente das transformações operadas no (IEPA). (2005). International clinical practice guidelines for
campo da saúde a partir da valorização da noção early psychosis. The British Journal of Psychiatry,
de risco. 187(supl. 48), 120-124.
Lieberman, J. & Fenton, W. (2000). Delayed detection of
psychosis: causes, consequences, and effect on public
REFERÊNCIAS health. American Journal of Psychiatry, 157(11), 1727-
1730.
Aronowitz, R. (2009). The Converged Experience of Risk and Marshall, M. & Rathbone, J. (2011). Early Intervention for
Disease. The Milbank Quaterly, 87(2), 417-442. Psychosis. Schizophrenia Bulletin, 37(6), 111-1114.
Bird, V., Premkumar, P, Kendall, T, Whittington, C., Mitchell, J. McGorry, P. (2005). Early intervention in psychotic disorders:
& Kuipers, E. (2010). Early intervention services, cognitive- beyond debate to solving problems. The British Journal of
behavioural therapy and family intervention in early Psychiaty, 187(supl. 48), 108-110.
psychosis: systematic review. British Journal of Psychiatry, McGorry, P. (2010). Risk syndromes, clinical staging and DSM
197, 350-356. V: New diagnostic infrastructure for early intervention in
Carpenter, W. (2009). Anticipating DSM-V: Should Psychosis psychiatry. Schizophrenia Research, 120, 49-53.
Risk Become a Diagnostic Class? Schizophrenia Bulletin, McGorry, P. (2011). Transition to Aldulthood; the Critical Period
35(5), 841-843. for Pre-emptive, Disease-modifying Care for Schizophrenia
Castel, R. (1987). A Gestão dos Riscos: da antipsiquiatria à and Related Disorders. Schizophrenia Bulletin, 37(3), 542-
Pós-Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 530.
McGorry, P, Edwards, J., Mihalopoulos, C, Harrigan, S. & Rosenberg, C. (2006). Contested Boundaries: psychiatry,
Jackson, H. (1996). EPPIC: an evolving system of early disease and diagnosis. Perspectives in Biology and
detection and optimal management. Schizophrenia Medicine, 49(3), 407-424.
Bulletin, 22(2), 305-326. Vyas, N. & Gogtay, N. (2012). Treatment of early onset
McGorry, P; Killackey, E. & Yung, A. (2008). Early intervention schizophrenia: recent trends, challenges and future
in psychosis: concepts, evidence and future directions. considerations. Frontiers in Psychiatry: Child and
World Psychiatry, 7(3), 148-156. Neurodevelopmental Psychiatry, 3, 1-3.
McGorry, P; Yung, A. & Phillips, L. (2001). Ethics and early Woods, S., Walsh, B. & McGlashan, T. (2010). The case for
intervention in psychosis: keeping up the pace and staying including Attenuated Psychotic Symptons Syndrome in
in step. Schizophrenia Research, 51, 17-29. DSM-5 as a psychosis risk symdrome. Schizophrenia
McGorry, P; Yung, A. & Phillips, L. (2003). The “Close in” or Research, 123(2-3), 99-207.
Ultra High-Risk Model: A Safe and Effective Strategy for Yung, A., Nelson, B., Thompson A. D., & Wood, S. J. (2010).
Research and Clinical Intervention in Prepsychotic Mental Should a “Risk Syndrome for Psychosis” be included in the
Disorder. Schizophrenia Bulletin, 29(4), 771-790. DSMV? Schizophrenia Research, 120, 7-15.
Nature/News (2012). Psychosis Risk Symdrome
excluded form DSM-5. Nature/News. Recuperado em
http://www.nature.com/news/psychosis-risk-
syndrome-excluded-from-dsm-5-1.10610. Recebido em 12/07/2014
Aceito em 30/11/2014
Nelson, B & Yung, A. (2010). Should a “Risk Syndrome for
Psychosis” be included in the DSMV? Schizophrenia
Research, 120, 7-15.
Rose, N. (2010). ‘Screen and Intervene’: governing risky
brains. History of The Human Sciences, 23(1), 79–105.
Rose, N & Abi-Rached, J. (2013). Neuro: the new brain
sciences and the management of the mind. Priceton:
Priceton University Press.
Luna Rodrigues Freitas-Silva: mestre e doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro; professora adjunta do curso de Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, Brasil.
Francisco Ortega: professor associado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.