Guia de Debates Sobre o Filme Perdas e Danos
Guia de Debates Sobre o Filme Perdas e Danos
Guia de Debates Sobre o Filme Perdas e Danos
V IDEOTECA CIENTÍFICA
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
CONTRA A
CRIANÇA E O
ADOLESCENTE
PERDAS E DANOS...
Sòmente?
Ano: 1988
País: USA
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1.0 - APRESENTAÇÃO
Este Guia de Debates não pretende ser um MANUAL. Porisso
mesmo adotou-se o estilo forte e sincopado, de preferência à narrativa
linear: o mesmo estilo que caracteriza o romance, de igual nome que o
filme, escrito pela irlandesa Josephine Hart. Pela mesma razão optou-
se por um texto apresentado sob a forma de FRAGMENTOS, cada
um deles expressando uma determinada “leitura” do filme e da obra
em que este se baseou. Ao mesmo tempo, uma série de encartes bibli-
ográficos trazem a necessária fundamentação às “leituras” feitas.
A explicação é a de que, ao longo dos debates, outras “leituras”
possam ir sendo acrescidas. Daí a importância da seção Para saber
mais!!!
A autora.
2
2.0 – INTERPRETAÇÕES
2.1 – Fragmento 1 – Uma história de... amor?
...
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Em segundo lugar, fatal também porque, além de funesta, porta-
dora de infelicidade, desgraça, ruína e morte, a irrupção brutal do de-
sejo entre o pai de Martyn e Anna, foi uma experiência praticamente
inevitável, com todas as características de uma obsessão sexual, so-
bretudo para ele. Pode-se dizer que – enfeitiçados um pelo outro – os
amantes viveram de forma absolutamente intensa e perigosa, a expe-
riência de um relacionamento duplamente proibido: pela lei, já que ele
era casado e pelos costumes, já que ela seria sua nora.
Uma experiência de amor? A resposta vai depender do que enten-
dermos por AMOR. Se pensarmos que AMOR é AMOR ROMÂN-
TICO, CONVENCIONAL, EMOÇÃO PURA, SENTIMENTAL por
excelência, a resposta é NÃO. Se, porem, entendermos por AMOR,
AS PAIXÕES AVASSALADORAS, TRANSGRESSIONAIS e
CLANDESTINAS, então, SIM é a melhor resposta. Como vai ficando
claro, com o desenrolar da trama do filme e do livro, a experiência
passional vivida pelo pai de Martyn com Anna ocupou o lugar do que
deveria ter sido o amor romântico entre ele e Ingrid, a mãe de Martyn.
O confronto vivido pelo pai de Martyn entre a mentira de um amor conven-
cional e a verdade de uma paixão proibida fica evidente pelos seguintes excertos:
(Ingrid)*
“- Você sabe que nunca me amou.
(Stephen)
- Não.
- Bem no fundo, eu sabia disso. Mas parecia satisfazer a nós
dois, na época.
- Sim. Ah, sim, parecia... tão bom...
- Você acha que isto foi a vingança do amor? Uma lição? De que
não deve ser enganado?
- Talvez.
- Gostaria de encontrar esse tipo de amor também.
Fiquei em silêncio.
Ela suspirou.
- Você tem razão. Duvido que algum dia vá encontrar. Talvez seja
demasiado cruel para mim. Ficaria assustada demais. Eu gostava mui-
* mãe de Martyn e esposa de Stephen
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to de você. À minha maneira, eu o amava. Não creio que você faça
idéia de quanto o amava. – Deu um sorriso triste. – Toda a minha vida
anterior está enterrada aqui, com Martyn. Em Hartley encontrarei meu
próprio caminho, desde que...
- Eu fique fora de sua vida...”
(Stephen)
“- Minha esposa gostaria que eu tivesse morrido. Que não tivesse
vivido para fazer isto.
(Peter)*
- Mas então você nunca teria vivido realmente. Teria?
- Não.
Ele sorriu, enquanto me acompanhava até a porta.
- Poucos se arrependem ou lamentam ter vivido a experiência.
- E você?
- Eu nunca tive este tipo de experiência com Anna. Tampouco
Martyn. Neste aspecto, vocês foram de fato feitos um para o outro.
Homens e mulheres encontram todas as maneiras de estarem juntos,
as mais estranhas. A de vocês foi intensa e perigosa. A maioria de nós
permanece nos caminhos mais inferiores...” (Hart, J. – Perdas e Da-
nos, ob. cit., p. 193, 200)
De qualquer forma parece certo que AMOR é um termo ambí-
guo, cobrindo as mais variadas experiências de relacionamento
interpessoal.
Talvez valha a pena recordar o que escreveu Vinícius de
Morais, o cancioneiro por excelência do amor:
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2.2 – Fragmento2 - Uma história de... incestos?
KUARARYJA
(Dueño del Sol)
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Encarte Bibliográfico Nº 1
“O abuso por parte de irmãos que não são muito mais velhos
do que a criança abusada pode ter uma dinâmica muito diferente e
não deve ser confundido com o abuso por parte dos irmãos que
estão in loco parentis. 0 abuso sexual por irmãos quase da mesma
idade freqüentemente é uma expressão da “síndrome de João e
Maria”. João e Maria eram duas crianças que foram mandadas
embora por seus pais e que se perderam na floresta, e que tinham
apenas a companhia, o conforto e cuidado um do outro para so-
breviver. 0 abuso por irmãos quase da mesma idade não apresenta
as características da grande diferença de maturação entre abusador
e criança, e não existe nenhuma dependência estrutural em um
relacionamento de autoridade entre a criança abusada e o abusador
igualmente imaturo.
Na ‘síndrome de João e Maria’, talvez não seja indicado uti-
lizar os termos ‘abusador’ e ‘vitima’. O abuso sexual por irmãos
quase da mesma idade, normalmente é parte de uma síndrome
geral de privação emocional, em que ambas as crianças também
podem ter sido severamente abusadas, física ou sexualmente, por
figuras parentais. O abuso entre crianças quase da mesma idade,
geralmente, é muito mais um relacionamento sexual igual em que
ambas as crianças tentam dar e receber uma forma distorcida de
mutua satisfação, conforto e cuidado. O abuso sexual é uma for-
ma de cuidado emocional pervertida e confusa, em que a
estimulação e excitação sexual [constituem] um pobre e triste subs-
tituto do cuidado emocional parental.
Na ‘síndrome de João e Maria’, ambas as crianças precisam
ser tratadas como vitimas iguais da privação e abuso emocional
pelos adultos, com o relacionamento sexual como uma tentativa
secundaria de sobreviver. As únicas diferenças importantes que
sempre precisam ser tratadas são as diferenças das experiências e
papeis sexuais masculinos e femininos, especificas para o gênero,
dentro da interação da ‘síndrome de João e Maria’.
A ‘síndrome de João e Maria’, das crianças emocionalmente
a
privadas e perdidas também pode criar uma menina que apresenta
sintomas de sexualização e comportamento de vitima e um meni-
no que pode vir a se tornar um ofensor e abusador sexual. Embora
encontremos na ‘síndrome de João e Maria’ uma dependência
mutua muito maior para cuidado e conforto e uma igualdade mai-
or no relacionar-se, ambas as crianças aprendem, ao longo do tem-
po, que relacionar-se emocionalmente é idêntico a relacionar-se
de maneira sexual. Essa confusão emociossexual é traduzida nas
meninas por um comportamento sexualizado de vitima e por uma
maior vulnerabilidade a novos abusos, e nos meninos por um com-
portamento sexualizado de abusador, com o perigo de abuso se-
xual em outros relacionamentos. As crianças emocionalmente pri-
vadas e fisicamente abusadas, geralmente, tem uma baixa tole-
rância a frustração e mecanismos subdesenvolvidos para lidar com
as situações. Formas diretas de atividades sexuais podem ser a
única maneira de obter alivio de tensão. As crianças com a
‘síndrome de João e Maria’ são privadas do cuidado emocional e,
freqüentemente, apresentam uma tolerância a frustração extrema-
mente baixa. Elas podem não ter outros meios de sentir-se bem e
obter alivio de tensão, além das formas diretas de estimulação
sexual mutua. Na ‘síndrome de João e Maria’ nós chegamos mais
perto de um entendimento do abuso sexual da criança como
síndrome de adição, tanto para a criança, quanto para o abusador.
Abusador Abusadora
b
Maria’ não devem ser tratados como os abusadores e as meninas
não devem ser vistas como outras vitimas-criança, abusadas por
figuras parentais. Embora o relacionamento possa parecer um abu-
so adulto-criança, a questão da responsabilidade e dependência
estrutural precisa ser tratada de modo diferente. Ambas as crian-
ças precisam assumir igualmente a devida responsabilidade por
seu relacionamento sexual inadequado. As meninas precisam as-
sumir sua parcela de responsabilidade, de modo a serem capazes
de lidar com qualquer comportamento sexualizado resultante das
confusões emociossexuais. Também é importante evitar transfor-
mar os irmãos em bodes expiatórios, inadequadamente, como os
únicos responsáveis pelos atos sexuais, mesmo que pareça que
eles tenham sido mais ativos no abuso.”
(Furniss, T. – Abuso sexual da criança / Uma abordagem
multidisciplinar – Porto Alegre, Artes Médicas, 1993, p. 314, 315).
c
...
O incesto irmão – irmã é conhecido na literatura especializada
como síndrome de João e Maria.
Essa modalidade de incesto – enquanto relação proibida pela lei e/
ou costumes – tem um perfil peculiar: não costuma haver grande diferen-
ça de idade entre os parceiros e a relação assenta raízes em negligência
(especialmente emociona)l por parte dos pais. O relacionamento irmão
– irmã funcionaria como uma espécie de escudo contra o desamparo
afetivo e/ou social. Pais ausentes, distantes parecem ter criado condi-
ções favoráveis ao relacionamento incestuoso, na vida de Anna.
“Viajei muito, quando criança. 0 processo de estar continuamen-
te começando em novas escolas, com novos amigos e línguas estran-
geiras, faz com que os membros de uma família se tornem, de fato,
muito unidos. A família se torna o único fator constante. Éramos uma
família unida. Minha mãe certamente amava meu pai, naqueles primei-
ros tempos. Aston e eu éramos tudo um para o outro. Contávamos
nossos segredos, partilhávamos nossos problemas. Tornamo-nos um
duo invencível contra todas as adversidades da infância. Você não pode
imaginar o que seja a intimidade assim. Quando começa tão cedo,
passa-se a ver o mundo através de uma alma gêmea. Quando éramos
bem pequenos, dormíamos no mesmo quarto. Cada um adormecia
ouvindo o som da respiração do outro, e com suas ultimas palavras
nos ouvidos. Todas as manhâs olhávamos um para o outro e para cada
novo dia – juntos. Se estávamos no Egito, na Argentina, ou finalmente
na Europa, não tinha importância. O mundo era Aston e eu. Aston era
muito mais esperto do que eu, nos estudos. Ah, eu até que me saia
bastante bem. Mas ele era brilhante. Meu pai, justiça seja feita, tinha
se recusado a mandá-lo para um internato aos sete anos. Havia deci-
dido, contudo, que, ao completarmos 13 anos, seria essencial que vi-
éssemos estudar num colégio interno na Inglaterra. 0 meu internato era
um colégio perfeitamente respeitável, em Sussex. No inicio, me senti
muito infeliz, longe de Aston. Mas acabei me adaptando.
Aston, entretanto, pareceu mudar. Sempre tinha sido de tempe-
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ramento reservado, mas a partir daquela época recolheu-se cada vez
mais aos estudos. Parecia não fazer amigos. As cartas que me escrevia
eram cheias de tristeza. Disse a meu pai que estava preocupada com
Aston. A direção do colégio, ao ser comunicada por meu pai sobre a
situação, atribuiu o problema a um período difícil de adaptação. As
primeiras ferias que passamos juntos (tínhamos nos desencontrado nas
ferias do meio semestre) começaram de maneira estranha. Sai corren-
do na direção de Aston, com os braços e as pernas prontos para
agarra-lo e abraça-lo. Ele pôs a mão sobre o meu rosto e me empur-
rou para longe, dizendo: – Senti falta demais de você. Não quero olha-
la. Não quero toca-la. É demais. Amanhã, amanhã eu olho para você.
– E foi para o quarto. Meu pai estava viajando. Mamãe achou que o
fato de Aston não aparecer para jantar devia-se apenas a um excesso
de excitação. A porta dele estava trancada quando subi. Ouvi Aston
responder em voz alta, quando mamãe bateu à porta do quarto:
– Está tudo bem. Realmente, está tudo bem. Eu só quero ficar
aqui tranqüilo e ir dormir cedo. Amanhã de manhã vou estar em forma.
E, de fato, na manha seguinte parecia bem. Conversamos, brin-
camos e rimos como antes. No entanto, mais tarde, em meu quarto, ele
me falou do medo terrível que sentia de que eu fosse a única pessoa que
ele pudesse amar. Fiquei chocada e atá um pouco assustada com a in-
tensidade de suas palavras. Quando as ferias acabaram e voltamos para
o colégio, ele de inicio não respondeu às cartas que Ihe enviei. Então,
recebi um bilhete que dizia: < Fica mais fácil se você não escrever>.
Não contei para ninguém. 0 que iria dizer? Meu irmão sente falta
de mim... demais. Eu sentia muito a falta dele, mas não demais. Era
uma questão de medida, de intensidade, compreende? Quem poderia
julgar este tipo de coisa? Certamente, não uma garota tão jovem. Con-
tinuei escrevendo para ele, que não respondia. Na Páscoa, ele me
devolveu todas as cartas, ainda fechadas, e disse: – Por favor, fica
mais fácil, fica realmente mais fácil quando você não escreve. Cada dia
que passa, sinto mais sua falta. Não consigo imaginar uma vida sepa-
rada da sua. Mas tenho que faze-lo. Não tenho esperança de nenhuma
outra vida, não é mesmo? Você está mudando. Os rapazes no colégio
falam de garotas o tempo inteiro, garotas como você. Um dia, um
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deles vai tirar você de mim. Vai levar você embora definitivamente.
– Mas, Aston, um dia você e eu teremos namorados e namora-
das. A gente vai crescer e se casar. A gente vai ter filhos. Ele olhou
para mim, estarrecido.
– Você não tem idéia do que estou falando, não é? Eu quero estar
junto de você o tempo todo. Quando estou longe, só consigo sobrevi-
ver bloqueando todo e qualquer pensamento a seu respeito em minha
mente. Estudo como um louco, alucinado. Você ouviu falar a respeito
do meu boletim: sou o melhor aluno do colégio, com as notas mais
altas em quase todas as matérias. Vou ser o primeiro da turma para
sempre.
No semestre seguinte, não escrevi nenhuma carta. Na ultima se-
mana antes do fim do período, ele mandou um cartãozinho que dizia
simplesmente: <Obrigado>. Naquele verão parecíamos ter voltado a
ser as criaturas felizes de outrora. Minha mãe tentou, em vão, organi-
zar festinhas de adolescentes. Filhos de amigos vieram passar tempo-
radas conosco. Mas Aston e eu só nos sentíamos realmente felizes
quando estávamos um com o outro. Éramos mais crianças do que
jovens adolescentes. Ele me encantava com histórias de deuses e he-
róis da mitologia grega, que conhecia a fundo. Eu o impressionava
com meu talento ao piano. Quando as aulas recomeçaram, em setem-
bro, voltei a Ihe escrever. Ele respondeu imediatamente: <Acho que
não vi nada no mundo tão terrível quanto o Amor. Preciso do seu
silencio. De outra forma, não posso suportar estar aqui. Aston.> Não
voltei a escrever. Quando falei com minha mãe, por telefone, e pergun-
tei por Aston, ela disse:
– Tudo vai acabar se resolvendo bem. São apenas coisas da ado-
lescência, querida. Lembro-me de como foi a minha.
Naquele Natal, meu corpo já tinha quase tomado uma forma de-
finitiva, que não mudou muito desde então. Sentia-me muito diferente
do verão anterior, mais pesada, mais forte. Estava me desenvolvendo
muito mais depressa do que Aston. Ele era mais alto, mas seu rosto,
embora mais magro e anguloso, ainda parecia, basicamente, inalterado.
Suas primeiras palavras para mim foram:
– Oh, Anna, Anna, como você mudou! Tinha lágrimas nos olhos.
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Veio andando em minha direção lentamente, de uma maneira meio
desajeitada, como se tivesse algum terrível ferimento. Comecei a me
sentir constrangida com ele. Insegura quanto ao comportamento apro-
priado. A primeira semana pareceu se consumir em olhares furtivos,
risadas tensas, nervosas, e conversas que morriam pela metade, sem
nunca chegar a lugar algum. Minha mãe insistiu em oferecer uma festa
de Natal para <a garotada>. Aston reagiu com violência à idéia: –
Essa historia de festa dançante é um clichê. Você não pode impor
amizades. Deixe a gente em paz.
Mas ela estava decidida: – Vocês dois estão se tornando verda-
deiros reclusos, e isto não e saudável. Precisam ter amigos. Este é um
período precioso de suas vidas. Anna vive recusando convites para ir
a festas, o que é ridículo. Quanto a você, Aston, consegue ser tão
antipático com todo mundo, que não recebe nenhum. Está mais do
que na hora de acabar com essa situação. Vou dar uma festa de Natal
aqui em casa. Está resolvido, não se fala mais nisso.
Mamãe mandou convites para todos os filhos de pessoas do seu
circulo de amizades, na faixa de idade adequada. Não um numero
exagerado de convites, mas o suficiente.
Aston ficou impossível. Recusou-se a se vestir de maneira
apropriada. Chegou quase à descortesia com os convidados. Lem-
bro-me de que eu estava com um vestido cor-de-rosa maravilho-
so. Descobri que gostava muito de dançar e de todo aquele jogo de
lisonjas, olhares e caricias desajeitadas dos rapazes mais ousados. Aston
volta e meia abandonava a festa. Desaparecia e tornava a aparecer
com uma expressão agoniada no rosto.
Veio até o meu quarto depois que a festa terminou. Estava cho-
rando. – Eu sei que tudo está prestes a mudar para sempre. Você está
mudando, Anna. Tivemos o nosso ultimo verão. Acho que já não gos-
to muito deste mundo. Deitou-se na minha cama e ficamos ali, castos,
deitados lado a lado.
Mas os garotos, no principio da adolescência, não conseguem ficar
muito tempo apenas deitados ao lado de um corpo feminino. De repen-
te, ele teve uma ereção. Um pequenino movimento, uma leve caricia
passageira e o sêmen dele derramou-se sobre o meu estômago.
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Começou a chorar. Suas lágrimas escorriam pelos meus seios. Eu
me senti como se tivesse recebido uma estranha benção. Sêmen e
lágrimas. Seriam para sempre símbolos da noite para mim.
No dia seguinte mantivemos uma certa distancia. Parecia melhor
assim. Eu tinha um compromisso naquela noite. Um dos rapazes da
festa de Natal me havia convidado para um jantar dançante.
A vaidade e a recém-adquirida confiança fizeram com que eu me
vestisse cuidadosamente, escolhendo um vestido branco, bem deco-
tado. Aston abriu a porta para mim, fazendo uma reverencia zombe-
teira, com um misto de desprezo e raiva.
Quando voltei, fiquei sentada no carro do rapaz, na porta de casa.
Inesperadamente, ele me beijou. Então tentou desajeitadamente acari-
ciar os meus seios. Não fiquei assustada. Para falar a verdade, a emo-
ção que sentia mais intensamente era prazer. Quando ia me virando
para saltar do carro, vi Aston. Ele nos observava de uma das janelas
do andar superior da casa. Jamais me esqueci da expressão de seu
rosto, e no entanto, mesmo depois de todos estes anos, ainda não
encontrei as palavras para descreve-la. Talvez existam expressões hu-
manas que só os artistas possam apreender.
Ele me seguiu até o quarto.
– Da próxima vez, ele irá mais longe – disse. – E depois,
ainda mais. Até que, uma bela noite, ele vai foder você. Esta é a des-
crição perfeita do que lhe acontecerá.
– Ah. Aston, querido, por favor, por favor, não faça isso. – Àquela
altura eu estava chorando. Pareciam palavras tão terríveis: <ele vai
foder você>.
Aston parecia quase ameaçador ao dize-las.
Ele saiu do quarto. Tranquei a porta. Não sei por que fiz isso, mas
foi um gesto muito deliberado. Pouco depois, eu o ouvi virando a ma-
çaneta da porta. Falou comigo baixinho, sussurrando, e as palavras
estavam entrecortadas, abafadas, como se soluçasse.
– Anna, Anna, me perdoe, me perdoe, Anna. Você se trancou
para se afastar de mim. Eu não posso suportar uma coisa dessas. Ah,
vai ficar pior. Eu sei. Vai, sim. Tem que ficar pior. Estou perdido. Não
existe esperança para mim.
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Não abri a porta. Fiquei deitada ali, tentando me acalmar, procu-
rando compreender o que estava acontecendo. Então adormeci. Fui
acordada por um som absolutamente medonho. Não era exatamente
um grito. Era como se um berro desesperado de socorro estivesse
sendo estrangulado, e depois novamente liberado. Cai da cama e sai
correndo para a porta. Meu quarta ficava defronte ao de Aston e,
como num sonho, vi meu pai tentando arrastar minha mãe para fora do
banheiro de Aston. Papai estava fazendo tamanho esforço para segurá-
la, enquanto tentava se mover em direção à porta do quarto, que pare-
cia atravessar o aposento centímetro a centímetro.
– Não entre lá, Anna! Não dê mais nem um passo.
Mas eu passei correndo por ele, indo até a porta do banheiro.
Aston estava deitado na banheira que transbordava. Tinha cortado
os pulsos e aberto um talho no pescoço, e a água ensangüentada
respingou meus pés. Parecia uma espécie de marionete, um bone-
co muito pálido, uma criatura que não estava morta, mas que ja-
mais estivera viva. Puxei um banquinho para junto da banheira e
me sentei ali, segurando nos braços a cabeça dele. Meu pai voltou
com o medico. E, olhando para nós, murmurou:
– Impossível, é impossível que o que estou vendo seja verda-
de. Impossível. Possível.
O médico tirou minhas mãos da cabeça de Aston.
– Agora vamos, Anna, venha comigo. Venha comigo, vamos lá
para baixo. Isso... assim, seja uma boa menina. Vá se sentar junto de
sua mãe. Minha mulher está a caminho, e o comandante Darcy e o
assistente de seu pai daqui a pouco estarão aqui. Vou Ihe dar um seda-
tivo que a acalmará.
Logo, o que parecia um exercito de pessoas, silenciosas, compe-
tentes, calmas, fazia malas e se movimentava pela casa e pela noite.
Era como se tivessem aprendido alguma técnica para lidar com o ter-
ror. A técnica era a negação do fato, a disciplina e o silêncio.
Minha mãe e eu fomos levadas discreta e rapidamente para a
casa do meu jovem amigo. Ele estava em pé, à porta, chocado e as-
sustado. A garota, de cujo vestido branco, apenas algumas horas atrás,
ele tentara tomar o desconhecido tesouro de seus seios, agora tremia
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diante dele, com uma velha capa de chuva jogada sobre a camisola
ensangüentada. Então o exercito silencioso assumiu novamente o co-
mando e nos conduziu para o interior da casa.
– Leve Anna para o quarto de Henrietta, Peter.
– Alguém entregou a ele uma mala. Minha mãe tornou-se histéri-
ca outra vez. Todas as atenções se voltaram para ela.
Peter me levou até o andar de cima e me acompanhou até o
quarto de Henrietta. 0 quarto era cor-de-rosa, com babados cor-de-
rosa por todos os lados, e bonecas vestidas de cor-de-rosa se acha-
vam arrumadas cuidadosamente sobre a cama. Num canto havia uma
enorme girafa cor-de-rosa. Um espelho comprido estava bem na mi-
nha frente. Fui andando até a porta e virei a chave na fechadura. No
espelho, observei a minha imagem atravessar rapidamente o quarto,
segurando a mão do rapaz. Virei-me e o encarei, e ouvi minha voz
murmurar:
– Me fode! Ele só tinha 18 anos, mas, com todo cuidado,
delicadeza e amor, fez o que eu pedira.
– Agora vou tomar um banho. Será que você podia ficar do lado
de fora?
Ele obedeceu. Entrei na banheira e me lavei, deixando que a água
cobrisse minha cabeça repetidamente, sabendo, com uma certeza glo-
riosa e triunfante, que eu sobreviveria.
Depois, no quarto rosa-bebê de Henrietta, vesti um jeans e
uma camisa que alguém trouxera para mim, e desci as escadas rumo a
minha nova vida.” (Hart, J. – Perdas e Danos, ob. cit., p.86 a 94)
...
Ao longo da história de Humanidade, o incesto fraternal (irmão –
irmã) tem sido considerado ora como relação permitida e até mesmo
necessária (por exemplo entre membros da realeza dos Ptolomeus no
Egito e da realeza no Peru) ora como expressão de um tabu supremo.
É o caso por exemplo dos índios SURUI da Amazônia, para os quais
“o mito do incesto ou da lua refere-se a irmão e irmã” (Mindlin, 1985).
A mitologia greco-romana traz também uma série de lendas de incesto
20
fraterno como a de Byblis e Caunus, narrada por Ovídio. Muitas delas
têm um desfecho fatal: assim Caunus induz sua irmã gêmea a enforcar-
se para evitar o incesto, enquanto no caso de Leucipo ambos os ir-
mãos amantes são castigados com a morte (Sobreira, 1997).*
A vivência de uma relação incestuosa do tipo “João e Maria”
condicionou Anna a sexualizar seus relacionamentos emocionais – seja
como forma de aliviar tensão quando sob estresse – seja como forma
de controlar o parceiro. Também condicionou-a a viver suas experiên-
cias “no limite” (‘Tudo. Sempre’) e a ignorar fronteiras ditadas pela lei
e pelos costumes. Daí seu relacionamento com o pai de Martyn,
caracterizável como um “incesto sogro – nora”. Guardadas as devidas
proporções, esta modalidade é uma variante do incesto pai – filha, na
medida em que a nora deveria ser uma segunda filha para a família do
marido. Ao contrário do incesto fraterno, as referências a esse tipo de
incesto são raras e a condenação social para ambos nem sempre é a
mesma.
Um exemplo retirado da própria Bíblia é o caso de uma das duas
personagens de nome TAMAR. A primeira, é viúva de Her, filho de
Judá. Disfarçada de meretriz enganou seu sogro de quem teve dois
filhos gêmeos: Farés e Zara (Gen 38, 6 – 30). Outra ,é filha de Davi,
irmã de Absalão. Foi violada por seu meio irmão Amon, por cujo
crime Absalão o assassinou, dois anos mais tarde (2 Samuel 3, 2; 13,
1-33).
A história de Anna pode ser entendida como a de uma sobrevi-
vente de incestos. Relacionamentos intensamente erotizados: “O que
existe entre nós, existe somente em uma dimensão” [Anna] (Hart, J. –
Perdas e Danos, ob. cit., p. 111)
Relacionamentos que buscam resolver, num outro plano, o que
não ficou resolvido no passado.
“Charles Barton [pai de Anna] virou-se para cumprimentar meu
...
Porisso mesmo – e ao contrário de Martyn – o incesto não era
para Anna uma experiência IMPOSSÍVEL, IMPOSSÍVEL, INDI-
ZÍVEL... Era uma experiência muito concreta, cujos tentáculos se
estendiam para o futuro, um futuro idealizado por Anna e que
deveria combinar um casamento com o filho mais um “caso” com o pai
deste. Um futuro que seria impossível para pai e filho transformados
perigosamente em rivais, na posse de u’a mesma mulher.
“Surpreendido pela admiração e pelo ciúme, me dei conta de que
meu filho ‘havia se tornado e de modo muito perigoso, meu rival’”.
(Hart, J. – Perdas e Danos, ob. cit., p. 101)
Um futuro trágico – porque sem saída – para dois homens escra-
vos da paixão em graus diferentes. “A capacidade de manter o
autocontrole, de suportar o turbilhão emocional que o acaso nos im-
põe e de não se tornar um “escravo da paixão” tem sido considerada,
desde Platão, como uma virtude. Na Grécia clássica, esse atributo era
denominado sophrosyne... Para os romanos e para a antiga Igreja cristã,
isso significava temperantia... O objetivo é o equilíbrio e não a supres-
são das emoções: cada sentimento tem seu valor e significado. Uma
vida sem paixão seria um entediante deserto de neutralidade, cortado
e isolado da riqueza da própria vida.
Quando as emoções são sufocadas, geram embotamento e frie-
za; quando escapam ao nosso controle, extremadas e renitentes tor-
24
nam-se patológicas, tal como ocorre na depressão paralisante, na an-
siedade que aniquila, na raiva demente e na agitação maníaca.”
(Goleman, 1995)
O pai de Martyn não pôde colocar sob controle sua atração se-
xual por Anna. Sucumbiu à agitação maníaca desencadeada pelo de-
sejo. E ao faze-lo, tornou-se um dependente de Anna e um viciado em
sexo.
“Tinha sido tão simples. Eu estava tremendo de felicidade e de
desejo. Versos de uma canção da infância me vieram à cabeça: ‘Tudo
uma maravilha e um louco, louco desejo.’
A expressão maníaca de meu rosto, quando saí da cabine te-
lefônica, assustou uma pessoa que passava. Tentei compor mi-
nhas feições. Passei a mão no rosto e me lembrei de que não tinha
feito a barba, nem tomado banho. ‘Tudo uma maravilha e um lou-
co, louco desejo.’ Ah, o desejo, o desejo...
Encostei-me contra uma parede e examinei uma ruela sem
saída, procurando um canto mais afastado, um lugar escondido
onde pudesse abraçá-la. Precisava tê-la em meus braços.
Às nove e meia, vi a cabeça de Anna surgir repentinamente por
um segundo, em meio aos rostos sorridentes de uma família reunida.
Ela desceu da calçada, ultrapassou aquelas pessoas, andando pela
rua, e correu para mim. Eu a puxei para o fundo da ruela e a empurrei
de encontro à parede. Me joguei em cima dela. Os braços abertos,
esticados sobre a parede, as pernas bem separadas, de forma a per-
mitir que meu corpo inteiro pudesse se comprimir e se esfregar ao
máximo sobre o dela. Minha boca e meu rosto mordiam e arranhavam
seus lábios, sua pele, sua pálpebras. Lambi a linha de seus cabelos.
Deixei que uma de minhas mãos se afastasse da parede e, agarrando-
a pelos cabelos, disse ofegante:
- Tenho que ter você agora.
Ela levantou a saia; estava nua por baixo, e num segundo eu
estava dentro dela.
- Eu sei, eu sei – murmurou.
Minutos depois tinha acabado. A tensão que prendia meu corpo
ao dela se esvaiu.
25
Algumas pessoas viraram na esquina. Atravessaram para o outro
lado da ruela. Mais uma vez eu tinha sorte. Enquanto nos abraçáva-
mos, Anna e eu parecíamos uma casal de amantes num beijo apaixo-
nado. Em Paris, naquele dia, fui perdoado.
Ela ajeitou o vestido, alisando a saia amarrotada. Então tirou da
bolsa a calcinha e, com um sorriso repentino de menina, vestiu-a rapi-
damente.
Olhei para ela e disse gemendo:
- Ah, Anna, Anna. Eu precisava, eu realmente precisava.
- Eu sei – murmurou de novo. – Eu sei.” (Hart, J. – Perdas e
Danos, ob. cit., p.56 - 57)
2.2 – Fragmento 3 - Uma história de... adultério?
(Pittman, 1994)
Este parece ter sido o tipo de infidelidade experimentado pelo pai
de Martyn. Enquanto tal, uma traição da intimidade para com Ingrid e
da confiança para com Martyn. Dupla traição e dupla Violência Psico-
lógica impondo à esposa e ao filho uma dupla humilhação, também. À
esposa, a humilhação de ser preterida e preferida em relação a uma
outra mais jovem e mais sensual. Ao filho, a humilhação de “dividir” a
Encarte Bibliográfico Nº 2
Alguns Mitos Sobre a Infidelidade
d
reviver um casamento monótono.
3. 0 infiel certamente não “ama” o cuckold; o caso prova
isso.
4. O affairee deve ser mais “sexy” do que o cônjuge.
5. O caso é culpa do cuckold, prova de que ele falhou ao
infiel de alguma maneira que tornou o caso necessário.
6. A melhor abordagem à descoberta do caso de um cônjuge
é fingir não saber, evitando, dessa forma, uma crise.
7. Se acontece um caso, o casamento deve terminar em di-
vórcio.
Todas essas idéias, como o proverbial relógio parado, estão
certas de vez em quando. Muitas pessoas são infiéis; algumas ve-
zes um casamento fica melhor depois de um caso ou de alguma
outra crise; as pessoas que não se definem como “apaixonadas”
pelo cônjuge correm um risco maior de serem infiéis; muitas pes-
soas realmente escolhem os parceiros do caso por qualidades pu-
ramente sexuais; algumas pessoas realmente encorajam seus com-
panheiros a terem casos; muitos casamentos não desenvolveram a
tolerância para a abertura e a taxa de divorcio nos casamentos
adúlteros é alta. Mas essas observações, mesmo nos momentos
em que são verdadeiras, são enganosas.”
(Pittman, F. – Mentiras privadas / A infidelidade e a traição
da intimidade – Porto Alegre, Artes Médicas, 1994, p. 15, 16).
e
noiva, num típico “menage a trois” (casamento a três). Como escreveu
Proust “uma mulher que amamos raramente satisfaz todas as nossas
necessidades e nós a enganamos...” Porque? Porque?
Não há uma única resposta. Ingrid buscou a resposta em si mes-
ma. “Fale-me a respeito de toda esta beleza. Não foi o suficiente, foi?
Não foi o suficiente! E este fracasso me custou a vide de Martyn.”
(Hart, J. – Perdas e Danos, ob. cit., p. 177)
O pai de Martyn buscou a resposta numa vida insípida de sonâm-
bulo, de representação de papéis, do uso de máscaras.
“Meus Deus, afinal você nunca pareceu mesmo estar vivo. [Ingrid].
- Está absolutamente correta... Eu nunca estive realmente vivo,
para coisa nenhuma, até encontrar Anna”. (Hart, J. – Perdas e Danos,
ob. cit., p. 177)
Mas talvez a verdadeira explicação esteja na infância dos perso-
nagens: na de Anna, mutilada emocionalmente pelo trauma da morte
do irmão – amante – e pela negligência dos pais; na do pai de Martyn,
dominada pela autoridade paterna e pela austeridade e frieza das rela-
ções familiares, tal como se depreende nos capítulos iniciais do livro
Perdas e Danos. Como bom aluno que cumpre um script prefixado, o
pai de Martyn reconhece ter tido uma vida boa. Mas indaga e reflete:
“De quem era aquela vida? Dizem que é a infância que nos forma, que
aquelas primeiras influências é que são a chave de tudo... O que é que
torna uma infância feliz?... Não poderia uma infância feliz ser a pior
preparação possível para a vida? Assim como levar uma ovelha para o
matadouro.” (Hart, J. – Perdas e Danos, ob. cit., p. 9). Uma vida boa
– no sentido convencional e burguês do termo – até os cinquenta anos,
quando conheceu Anna e iniciou uma outra história, de vergonha e
culpa. Uma história de adultério que falsifica todas as suas relações
familiares e que tem um final trágico. Uma história de adultério apta a
desmentir todos os belos mitos sobre infidelidade que habitam o ima-
ginário popular.
Como afirmou Ingrid, uma história protagonizada por “um ho-
mem mau que conseguiu inserir o seu horror em minha vida...” (Hart, J.
– Perdas e Danos, ob. cit., p 177)
28
3.0 – SÓ PERDAS E DANOS?
f
11- Você já teve relacionamentos sérios ameaçados ou rom-
pidos por causa de suas atividades sexuais com outros parceiros?
12- Você acha que a vida não teria sentido sem relaciona-
mento amoroso ou sem sexo?
13- Você flerta ou seduz alguém mesmo quando não tenha
essa intenção?
14- Você faz sexo ou tem relacionamentos amorosos para
fugir dos problemas?
15- Você se sente desconfortável por causa da freqüência,
das fantasias, dos acessórios que usa ou dos lugares onde pratica
sexo ou masturbação?
16- Você se envolve em práticas de voyeurismo e
exibicionismo que Ihe trazem desconforto e dor?
17- Você precisa fazer sexo ou se apaixonar para se sentir um
verdadeiro homem ou uma verdadeira mulher?
18- Você tem dificuldades para se concentrar em outras ati-
vidades por causa de pensamentos ou sentimentos relacionados a
sexo?
19- Você se sente obsessivo com determina- da pessoa ou
atividade sexual específica, mesmo que esse pensamento Ihe cau-
se dor, ansiedade ou desconforto?
20- Você já tentou suspender ou controlar suas atividades
amorosas e sexuais por um determinado tempo? Já desejou ser
menos dependente emocionalmente?
21- Você sente que sua vida está ingovernável devido ao seu
comportamento sexual ou amoroso, ou à sua excessiva dependên-
cia?
22- Você já pensou que poderia ter uma vida melhor se não
fosse tão obsessivo com relação ao amor e ao sexo?
Fonte: Globo Ciência, setembro 1996, p. 45.
g
Martyn - teve um impacto bastante diverso sobre seus protagonistas
diretos.
Para Anna essa trágica experiência foi uma espécie de passapor-
te de libertação do vínculo incestuoso e culposo com o irmão Aston.
É o que o ex namorado de Anna e posteriormente seu marido – o
psiquiatra Peter Calderon – tenta explicar ao desesperado pai de
Martyn:
“- Então por que? Por que ela não pode continuar comigo?
- Porque foi só agora que ela finalmente conseguiu dizer adeus a
Aston. Anna me falou a respeito de seu relacionamento com ela. Você
foi parte do processo de cura. Uma parte vital. Os limites extremos até
onde vocês chegaram, juntos, foram... como direi... uma viagem que
vocês dois estavam destinados a fazer. Mas uma viagem que está ter-
minada. Chegou ao fim.
– Olhou para mim.
– Pelo menos agora, no momento presente, está acabada para
Anna.
- A última coisa que ela me disse foi: ‘Acabou. Acabou tudo.’
Mas não aceito isso.
- Porque ainda não acabou para você.
- Nunca estará acabado.
- Talvez não. Talvez não. Mas agora você será apenas um
visitante de velhas paisagens, de velhos quartos, de velhos sonhos.
Talvez isto seja o suficiente para você.
- Não vou desistir.
- Leia a carta. Depois decida. Fique grato pelo fato de ter
feito a viagem. Poucas são as pessoas que conseguem. Talvez seja
melhor assim. Quase sempre resulta numa tragédia. Mas o que
teria feito, se soubesse um ano atrás?
Olhei bem para ele...
- Não vou desistir.”
(Hart, J. – Perdas e Danos, ob. cit., p 199)
Por isso mesmo, o pai de Martyn segue pelo mundo como um
condenado, uma espécie de Passageiro da Agonia. Sua imagem
envelhecida e solitária, projetada ao fim do filme, talvez possa ser me-
30
lhor compreendida refletindo-se sobre esta versão da Lenda do Gi-
rassol. Tal como o girassol, obrigado a seguir as rotações do sol, o pai
de Martyn parece estar condenado a seguir os movimentos fugidios de
Anna...
A Lenda do Girassol
Enciumado por descobrir que uma de suas mais formosas filhas estava
apaixonada por um mortal, Zeus a castigou, transformando-a no Sol.
Assim ela nunca mais desceria à Terra.
Ao mortal, castigou transformando-o numa flor; preso à terra,
nunca poderia subir aos céus. Antes de transformar-se porém, o jovem
gritou aos céus, “Hei de seguir-te por onde fores... amada” e a seguir,
transformou-se no girassol.
É por isso que esta flor acompanha o Sol por onde ele anda nos céus.
31
Encarte Bibliográfico Nº 4
SONHO, LOUCURA OU ILUSÃO, TODOS HOJE VIVEM EM SUA
BUSCA
h
nossos tempos. A longa metáfora sobre a república, ou o estado
de perfeito equilíbrio, escrita por Platão discute o casamento basi-
camente como conjunção carnal. No entanto, o simpósio do mes-
mo Platão celebra o amor homoerótico nos mais declarados er-
mos românticos.
Paixão sem controle – E isso é bem diferente da atracão eró-
tica extraconjugal heterossexual, que resulta em devastação e morte
violenta Em Hipólito, de Euripedes, a jovem rainha Fedra apaixo-
na-se pelo filho ilegítimo de seu marido, que a rejeita e a leva ao
suicídio. Fedra não é romântica, mas a vítima de uma paixão
incontrolável e indesejada imposta a ela por Afrodite. Tal desejo
sexual beira a maldição.
Enquanto para as mentes clássicas a intervenção de eros nas
relações humanas é sinal de caos e desgraça, para a sensibilidade
moderna com inclinação romântica, eros é o motor da história da
vida, uma fonte aparentemente inesgotável de fantasias de desejo
– principalmente heterossexuais. A história do adultério de sir
Lancelot e da rainha Guinevere, na Morte de Arthur, de sir Thomas
Malory, tem um toque de contemporaneidade impressionante,
embora tenha sido escrita em 1469. Os romances ilícitos de
Abelardo e Heloisa, Tristão e Isolda e outros amantes medievais
concentram-se sobre uma intensidade de sentimento genuíno que
não se encontra na literatura de períodos anteriores.
Por volta dos séculos 14 e 15, pelo menos nas sociedades
aristocráticas européias, eros tinha se transformado numa arte,
digna de toda a atenção de um cortesão. O ideal desses romances
é uma refinada gentillesse, não uma sexualidade crua. O amor do
cortesão por sua dama, geralmente a mulher de outro homem, tem
sido interpretado como a secularização do culto medieval à Vir-
gem Maria, uma feminização da patriarcal Igreja Católica. Essas
histórias são invariavelmente contadas a partir da ótica masculi-
na: a dama é quase uma santa de uma beleza sobrenatural ou, em
desenvolvimentos posteriores, a dama é cruel e até diabólica e a
paixão do cortesão transforma-se em castigo.
Nos séculos seguintes, o amor romântico triunfaria como uma
i
espécie de mística pessoal e particular associado a um alto valor
cultural. A quintessência da heroína romântica é a Emma Bovary
de Flaubert, o magnífico retrato de uma mulher fadada à infelici-
dade no amor. Emma não é corrompida por um homem, mas pela
leitura: ela anseia por encontrar no mundo a enganosa imagem da
paixão romântica. O problema com tal anseio, sugere Flaubert, é
que ele invariavelmente leva à desilusão.
Pelo menos um dos grandes romancistas americanos, F. Scott
Fitzgerald, escreveu sobre nada além do amor romântico e suas
inesperadas consequências e pode-se argumentar que autores tão
diversos quanto Carson Mc-Cullers e Jack Kerouac celebraram,
essencialmente, o romance homoerótico. John Updike, nosso in-
trépido explorador das ilusões amorosas, poderia ser o herdeiro
americano de Proust, tanto a precisão poética de seu estilo quanto
em seu fascínio pela paixão erótica. As preocupações de Updike
trazem à mente a questão levantada por Rougemont: “Sem o adul-
tério, o que aconteceria com a escrita imaginativa?”
Para a maioria dos americanos, crescer significou render-se
ao encanto das sedutoras promessas que a cultura faz a respeito do
amor. Crescer nos anos 50, como cresci, significava ser bombar-
deado com todo o tipo de imagens associadas à idéia do amor
romântico. Os comerciais infalivelmente mostravam lindas e fe-
mininas mulheres em diversos estágios abençoados de paixão,
sempre ligadas a um homem. Os filmes de Hollywood dramatiza-
vam o tema mais importante, a história de amor.
Romance e clichê – Havia poucas imagens além dessas de
pessoas realizadas pelo romance. É claro que esses são clichês,
mas como eles têm poder quando somos jovens e vulneráveis...
De alguma forma, para mim romance passou a ser algo associado
à busca de aventura, a exploração em si mesma, e não algo associ-
ado e incorporado a alguma figura ou ícone em particular. Feliz-
mente para mim, não houve desapontamento nesse romance, exa-
tamente porque ele é puramente abstrato e ilusório.
O amor romântico, a mais precária e tênue das emoções, cer-
tamente sobreviverá ao milênio que assistiu a seu nascimento e o
j
fará enquanto houver uma civilização razoavelmente afluente, pois
o segredo do amor é econômico: é um luxo que apenas uns poucos
podem ter, assim como o gosto refinado à mesa é consequência da
fartura de comida. O amor romântico é uma ilusão? Sonho ideal?
Assim como a maior parte da espécie humana vai continuar a acre-
ditar em deuses de várias denominações, embora nenhum deus
tenha sido visto, homens e mulheres continuarão a ouvir o canto
de sereia do amor romântico e viverão em função de sua busca.
Os biólogos podem continuar a descrever os rituais de corte dos
mamíferos, acasalamento, associação, fidelidade (nos casos em
que há fidelidade de fato), mas, mesmo sabendo muito bem que a
canção nos diz que “apaixonar-se pelo amor é apaixonar-se pelo
faz-de-conta”, sendo humanos somos a espécie que precisa ouvi
mentiras da forma mais delicada possível. (Tradução de Ruth
Helena Bellinghini).
Fonte: Oates, Joyce Carol - Quando Tristão conheceu Isolda...
- O Estado de São Paulo, 18/07/99, p. D5.
k
4.0 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
32
Valoração implícita
Resenha
“Em “Perdas e Danos” lucro é de Miranda.
...
Mesmo quem não gosta de Perdas e Danos – e escreve boba-
gens a respeito – reconhece que Miranda está absolutamente fantásti-
ca como a mulher rejeitada de Jeremy Irons. Tem dois momentos su-
blimes em que ofusca Irons. Isso não representa pouca coisa, porque
33
ele também é um senhor ator. No primeiro, Miranda, com o rosto
marcado pela punição que se auto-aplicou, cobra do marido por que
não se matou ao cobiçar a mulher do filho. No segundo, logo a seguir,
desnuda-se diante de Irons, perguntando por que aquele corpo não
lhe diz nada.
Ciúme, dor, ressentimento. Miranda transmite tudo. Em Traídos
Pelo Desejo, é sensual até a raiz dos cabelos como a violenta terrorista
do IRA. Em Um Sonho de Primavera, faz outra mulher rejeitada pelo
marido. Ele não tem uma amante, como Jeremy Irons em Perdas e
Danos. O problema é que não lhe dá atenção. Miranda chega a se
humilhar pedindo um carinho. É uma atriz de técnica apurada, e não
apenas no cinema. No teatro, também está sendo elogiadíssima pela
crítica de Nova York por sua interpretação em Anna Christie, a peça
de Eugene O’Neill, em que aparece ao lado de Liam Neeson. A revis-
ta Newsweek definiu-a como a versão feminina da Robert De Niro.
Como o ator-fetiche de Martin Scorsese, Miranda tem a rara capaci-
dade de se adaptar às nuances de diferentes tipos de personagens.
Malle diz que ela é “um incrível camaleão”. O cineasta tinha dúvida de
que Miranda, aos 35 anos, pudesse fazer a mãe de um rapaz de 20.
Fizeram um teste. “Ela envelheceu dez anos na cena. Não precisou de
maquiagem alguma. A coisa veio de dentro.”
Miranda não possui parentesco com Vanessa Redgrave e a famí-
lia Richardson. Começou sua carreira fiel à tradição inglesa: no palco,
interpretando Shakespeare. Seu primeiro filme, em 1985, foi Dançan-
do Com Um Estranho, de Mike Newell, o mesmo diretor de Um So-
nho de Primavera. Miranda deu uma dimensão marilyniana a Ruth Ellis,
a última mulher a ser enforcada na Inglaterra, acusada de morte da
amante. A consagração foi instantânea.
Despreparada para o sucesso, a atriz contraiu uma doença virótica
que a manteve dois anos afastada das telas. Ressurgiu com O Império
do Sol, de Steven Spielberg depois de recusar o papel que ficou para
Glenn Close em Atração Fatal, de Adrian Lyne: não se identificou com
a mulher que ataca as pessoas com tesouradas. Gosta das persona-
gens trágicas. Escolhe os papéis em função do texto e dos diretores.
Malle era uma antiga predileção, desde que viu Amantes, o clássico
34
do final dos anos 50 com Jeanne Moreau. Não gosta da definição de
figuras desesperadas que os críticos costumam aplicar a suas persona-
gens: prefere dizer que são pessoas complexas, com graves proble-
mas. Vive sozinha em Londres. Defende sua privacidade com unhas e
dentes. A imprensa sensacionalista já sugeriu que é homossexual. Diz
que não tem nada a ver, mas não se preocupa em exibir um namorado
para escapar à suspeita. Seu único problema é a franja que a enfeia na
vida real. Miranda parece mais velha com ela. Seu agente deveria con-
tratar outro cabeleireiro com urgência. Porque, fora isso, é a mulher
do momento.
Crítica
Malle foge do dramalhão em um filme de arrepiar.
Luiz Zanin Oricchio
Fugir à tentação do espectador é uma virtude. A exasperada con-
tenção de Perdas e Danos aparece como a maior qualidade deste
filme de Louis Malle. O diretor de Lacombe Lucien e Adeus Meninos
tinha tudo para se perder nessa adaptação do romance de Josephine
Hart. A escritora irlandesa conta uma história com toques gregos, dig-
na de Sófocles – ou Nelson Rodrigues. Um político bem-sucedido se
apaixona pela namorada do filho e causa a ruína de sua própria família.
Esse dramalhão em potencial é resolvido por Malle com senso de
medida, que é a marca do seu cinema.
Malle começou a fechar a equação de Perdas e Danos com a
escolha do elenco. Precisava de um ator da pesada, que mostrasse no
rosto os matizes do conflito em que estava metido. Chamou Jeremy
Irons para o papel de Stephen Fleming, o figurão que joga tudo para
cima ao embarcar em sua trip erótica. Juliette Binoche é perfeita para
compor o par com Irons. Não tem nada de especial. Uma mulher
explosiva – uma Sharon Stone, digamos – tornaria a situação óbvia
demais. O diretor prefere trabalhar com o imponderável que existe no
desejo. Anna Barton (Binoche) é fatal pelo que desperta no imaginário
de Stephen – e não por ela mesma. Finalmente, Malle devia contar
35
com uma grande atriz para viver a esposa de Irons e interpretar a
catarse final. Encontrou Miranda Richardson para o papel de Ingrid
Fleming.
O resto é apenas decorrência. Bastou a Malle dirigir esses atores
e filmar com sua habitual inteligência cinematográfica. Malle costuma
aliar essa competência ao gosto por temas difíceis. Com Lacombe
Lucien reabre a velha ferida francesa do colaboracionismo com mãos
cirurgicamente precisas. Adeus Meninos trata do racismo. É baseado
nas lembranças do próprio diretor, durante a Segunda Guerra. O So-
pro no Coração vai ainda mais fundo – fala de incesto, ou seja, do
tabu absoluto.
É também uma relação incestuosa que aparece como pano de
fundo em Perdas e Danos. Binoche carrega um fardo pesado. Seu
irmão se matou na adolescência porque estava apaixonado por ela. O
suicídio não a tornou fraca – fez dela uma pessoa implacável. Daí o
aviso que dá a Irons:’ cuidado com pessoas feridas; elas sabem que
podem sobreviver’. Ele não entende. Não pode entender. É um per-
sonagem trágico, vivendo aquele tipo de situação em que escolhas não
são possíveis. Malle traduz esse beco sem saída no maravilhoso plano
final do filme. Sereno, sem esperança. De arrepiar.”
37
Elisabeth, até ao dia em que a tia Rosalia me chamou à ca-
beceira do seu leito de morte. Não me surpreende que pe-
disse de repente à minha mãe para nos deixar a sós. A tia
Rosalia sempre se impôs perante mim como primeira perso-
nagem, como elo entre a minha vida lá em casa e horizontes
mais vastos que me chamavam. Só posso fazer justiça à con-
versa que tivemos, reproduzindo-a por completo:
Fritz, bem sabes que estou a morrer, murmurou ela.
Espero que não, tia Rosalia, disse eu convicto.
A esperança de nada serve, Fritz. A verdade é que estou
a morrer, e vais apressar-me a morte se me fizeres deter em
ninharias como “pode ser” e “não deve ser”. É importante re-
conhecermos que estou a morrer e vais continuar vivo. En-
tendido?
Sim, tia Rosalia.
Fica a saber que vou deixar-te uma boa parte do meu
dinheiro. Isso vai ajudar-te a ultrapassar alguns momentos
difíceis.
Obrigado, tia Rosalia.
De nada, Fritz. Depois de o teu pai morrer, és a única
cabeça da família. Tenho a certeza de que ele havia de que-
rer que eu procedesse exatamente assim. Mas não foi para
comunicar isto que te chamei.
Na sua voz havia qualquer coisa tão agourenta que só
pude inclinar-me para a frente a observá-la com atenção.
Vais precisar de toda a coragem para continuares sen-
tado e quieto a escutar-me, resumiu. E bem farás se ouvires
e calares. Não é coisa que te dê asa a negar ou a discutir,
Fritz, pois devo dizer-te apenas a verdade e seria insensato
qualquer discussão a tal respeito. Não sou muito forte, e não
vais desejar que desperdice as energias que me restam. Ouve
com atenção, Fritz: há muito sei que relações existem entre ti
e a Elisabeth.
Apesar de prevenido, quando ela pronunciou friamente
a última sentença quase caí da cadeira onde estava sentado.
38
Soube-o por acaso, Fritz, continuou. Não estive à esprei-
ta. E não deves irritar-te, pois não vou fazer um sermão. Mui-
tas vezes senti vontade de falar contigo, por achar que uma
pessoa mais velha deveria fazê-lo, mas não sabia como. De
certa forma espreitei-te, pois havia muitas razões para não
poder evitá-lo depois de estar a par do vosso caso, mas ten-
tava perceber se vocês já estavam a deixar, ou não, tal hábi-
to. Tivestes grandes períodos de interrupção, mas certo é que
tais costumes voltam logo que haja oportunidade. Eu disse
que não fazia nenhum sermão. Mas como poderei deixar de
avisar que isso não é boa coisa para nenhum de vós?
Não fiz a menor tentativa de interrompê-la.
Andas bem calar-te, Fritz, continuou ela. Nada há que
possas acrescentar ou tirar àquilo que os meus olhos viram.
Para essas intimidades entre irmão e irmã há uma palavra
horrível, e uma porção de outras que não são muito melho-
res. Não direi nenhuma delas. Mas tenho-te amor, Fritz, e gran-
des esperanças deposito em ti. Devo apenas dizer-te o se-
guinte: prolongando a má conduta com a tua irmã, aos pou-
cos irás fazendo a tua alma imortal correr riscos. Não conti-
nues por esse caminho.
Quando chegou a este ponto já estava completamente
exausta; bastou mexer a mão, apontando para a porta, para
eu compreender que queria ficar sozinha. Retirei-me.
Deste modo fiquei a saber que a tia Rosalia nada igno-
rava acerca do assunto. E a minha mãe? E os meus avós? E
os meus colegas de colégio, que costumavam reparar no fato
de Elisabeth transparecer em cada palavra que eu dizia à
frente deles? E o seu marido Foerster, saberia? Por lhe te-
mer a suspeita é que Elisabeth se decidira a acompanhá-lo
na louca aventura da América do Sul? E ele, ter-se-ia suici-
dado por descobrir a verdade?”
39
D – Confira o texto das Metamorfoses de Ovídio, que trata do
incesto irmaõ-irmã: Byblis e Caunus.
“Byblis e Caunus
Byblis, uma lição para meninas:
ame o que é permitido! O amor lascivo de Byblis
pelo irmão Apoloniano não é oportuno ou correto;
no princípio, ela não compreende a paixão
nem vê qualquer pecado no beijos freqüentes e no fraternal abraço;
o subterfúgio de uma pretensa piedade engana por muito tempo;
lentamente, sem vergonha,o amor se desvirtua: ela se enfeita para ver
o irmão, e quer muito parecer bela;
inveja toda aquela que parece mais bela que ela;
ainda não está claro pra ela: em sua paixão
nada é explícito: mas queima por dentro.
41
Gosta dessa idéia: tomou a resolução
vira do lado, descansa sobre o cotovelo esquerdo, chorando:
‘ele verá: eu confessarei a paixão insana!’
Meu Deus! Aonde eu estou indo? Que chama
queima minha mente?’ Planeja palavras e tremendo
escreve; na mão direita uma caneta, na esquerda um bloco,
começa, hesita, escreve, erra, escreve.
Outra vez apaga, muda, censura, aprova, põe
o bloco de papel abaixo, pega-o outra vez, ela não sabe
o que quer; tudo o que ela ia começar a respeito
desagrada: enfrenta uma mistura de coragem e vergonha;
escreveu “irmã”; “irmã” tem que ser apagado;
estas palavras vêm com mais força
...
lar daquela serpente de cauda com face de leão, e rugido poderoso.
45
E - Compare a história de Bybliz e Caunus com a lenda Surui a
seguir.
46
47
Fonte: Mindlin, Betty e narradores, Surui Vozes da Origem - São Pau-
lo, . Ática,Tama, 1996, p., 43, 44, 174, 175, 178, 179.
48
F - Consulte as indicações de livros e sites que tratam da questão
do incesto (enquanto Violência Doméstica de natureza Sexual), bem
como da problemática de sobreviventes de incesto.
F.1
CONSULTE! CONSULTE! CONSULTE!
F.2
CONTATE! CONTATE! CONTATE!