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Livros Didaticos de Historia Entre Politicas e Nar

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DOI: 10.5433/2238-3018.

2019v25n1p561

Rocha, Helenice; Reznik, Luis e Magalhães, Marcelo de Souza (org.). Livros


didáticos de história: entre políticas e narrativas. Rio de Janeiro, FGV, 2017.

Erinaldo Cavalcanti1

O livro didático de história há muito tempo é objeto de diferentes


análises e usos. Sejam profissionais da educação básica que têm o livro
didático como a principal – ou única – ―ferramenta‖ de trabalho, sejam
professores/pesquisadores que têm o livro didático como objeto de análise,
cuja bibliografia vem crescendo de forma significativa.
As pesquisas indicam que o livro didático de história cresceu e
ganhou tamanha importância que se tornou o instrumento pelo qual uma
parte significativa dos professores da educação básica elabora seu modus
operandis da atividade docente em sala de aula. Por esse ângulo de
percepção, o livro didático interfere na prática docente, e a direciona, no
que diz respeito à definição dos conteúdos que são trabalhados, à escolha
das atividades de aprendizagem e à seleção das atividades avaliativas.
É nesse movimento que se insere a obra publicada pela Editora da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) — Livros didáticos de história: entre
políticas e narrativas (2017) — organizada pelos professores Helenice
Rocha, Luis Reznik e Marcelo Magalhães; a obra em tela apresenta um
conjunto de artigos de diferentes pesquisadores, tematizando o livro
didático de história em diferentes perspectivas.
A obra encontra-se dividida em duas partes. A primeira é voltada a
tematizar as políticas públicas destinadas ao livro didático de história, sendo
composta por seis capítulos. A narrativa em diferentes livros didáticos
pesquisados é a problemática central de análise dos sete capítulos que
compõem a segunda parte.

1
Doutor em História pela UFPE. Professor do mestrado interdisciplinar e da Faculdade de
História (Unifesspa). Líder do grupo de pesquisa iTemnpo. E-mail:
ericontadordehistorias@gmail.com.

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No texto de introdução, Helenice Rocha apresenta o livro didático de


história, tematizando-o como uma construção complexa resultante de um
conjunto de forças em permanentes tensões e diálogos. Sua construção é
um desdobramento de muitas variáveis, resultantes de políticas públicas e
de um conjunto de experiências marcadas no tempo, envolvendo aspectos
da produção acadêmica e escolar, por ela denominados como ―tradição.‖
Nessa dimensão, aquela autora destaca que esta ferramenta de trabalho é
considerada como uma construtora em potencial de narrativas sobre as
experiências passadas e presentes. De tal modo, ela se constitui um
instrumento de disputa como espaço de representação do passado —
disputas em que aparecem diferentes atores e percepções defendendo ou
combatendo determinadas narrativas. Nesse sentido, os livros didáticos de
história são instrumentos que concorrem como espaços de produção de
narrativas que apresentam e representam as experiências humanas no
tempo.
A professora Flávia Caimi se debruça na problematização do livro
didático de história e em suas ―imperfeições‖ nos desdobramentos dos
últimos 20 anos do PNLD. Para tanto, ela ressalta os limites que os livros
didáticos de história apresentam frente às demandas e aos desafios
presentes em diferentes situações. Em diálogo com Mendonza, Piedrahita e
Cortez (2009), a autora destaca que os livros didáticos de história
apresentam imperfeições de ordem necessária, inerente e contingente.
Entre as transformações pelas quais passou o livro didático,
resultantes do PNLD, Flavia Caimi ressalta o processo avaliativo alcançado
nos últimos anos. Ela destaca o respeito à liberdade, à tolerância, às
diversidades socioculturais, às singularidades regionais, à transparência do
processo de produção, avaliação, aquisição e distribuição das obras
aprovadas e o status alcançado pelo programa ao instituir-se em política de
estado, e não de governo. Nesse aspecto, é oportuno destacar que o
direcionamento e a execução dessas políticas, mesmo sendo de estado,
obedecem às relações de força dos grupos que ocupam certas posições de
poder.

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A professora Margarida Maria Dias de Oliveira, apresenta suas


experiências resultantes dos trabalhos desenvolvidos na gestão de políticas
públicas para o livro didático durante os anos 2004 e 2015. A autora narra
um conjunto de ações que resultaram em diversos documentos normativos
pelos quais as políticas públicas iam, no intervalo de tempo mencionado,
perfilando uma dada configuração para o livro didático. No que tange ao
próprio PNLD, Oliveira ressalta algumas mudanças, destacando aquelas
ocorridas no chamado Manual do Professor e alguns desafios, como, por
exemplo, a seleção de conteúdos a ser realizada pelos autores e/ou as
editoras.
Essas discussões também se desdobram e se ampliam no capítulo de
autoria do professor Holien Gonçalves Bezerra. Ele recupera a trajetória das
diferentes políticas de estado que plasmaram em diferentes momentos as
condições de produção dos materiais didáticos. Nesse sentido, Bezerra se
desloca no tempo até os anos 1938 para entender as primeiras ações do
estado brasileiro no sentido de produzir materiais didáticos para a
educação. Nesse percurso, o autor também apresenta os debates e
embates ligados à criação do PNLD e à instituição da avaliação pedagógica
dos livros — reflexões que são também resultantes de suas experiências
como avaliador do programa. O professor concluiu o capítulo apresentando
uma amostragem com o número de obras submetidas ao PNLD para as
diferentes séries do ensino fundamental entre os anos de 1997 e 2004, e
destaca o número de obras recebidas, recomendadas, recomendadas com
ressalvas, não recomendadas e excluídas. Essas discussões também são
ampliadas no capítulo de Marcelo Soares Pereira da Silva, ao apresentar e
analisar as relações políticas que tencionaram a construção histórica dos
diferentes pareceres e decretos normativos acerca do livro didático.
Celia Cristina de Figueiredo Cassiano problematiza o livro didático na
relação entre política e economia de mercado. Nesse sentido, ela apresenta
um cenário preocupante com a inserção de grandes empresas de capital
estrangeiro, ligadas ao mercado editorial. Grupos como Santillana e Pearson
vêm investindo capital e direcionando as condições de produção dos livros

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didáticos na medida em que interferem em uma dada construção curricular


a partir da definição dos conteúdos e das metodologias de trabalho. A
autora ressalta que esses projetos comprometem a autonomia docente na
medida em que o professor não tem poder de escolha do material que irá
trabalhar e fica limitado a aplicar um roteiro de conteúdos e atividades
predefinidas.
A Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino (Caldeme), criada
em 1952 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) foi o objeto de análise da professora Juliana Filgueiras.
Neste texto, a autora destaca que a Caldeme foi fundada com o objetivo de
subsidiar os professores, oferecendo assistência técnica, principalmente
através da produção de guias ou manuais escritos. Nesse sentido, ela
demonstra a necessidade de se compreender as ações da Caldeme, como
parte de um conjunto maior de projetos políticos-educacionais vividos à
época, de maneira especial aqueles voltados às propostas de alteração
curricular para a educação básica.
A problematização da narrativa nos livros didáticos de história é o fio
condutor que costura as discussões na segunda parte da obra. Questão de
importância ímpar, por colocar no centro da análise a forma como as
diversas narrativas que compõem o livro didático de história representam,
apresentam e significam as experiências dos homens no tempo.
Regina Bustamante abre as discussões abordando, em sete coleções
de livros didáticos destinados ao sexto ano do ensino fundamental, as
narrativas acerca do chamado atenocentrismo. Segundo suas análises, a
predominância de Atenas sobre a Grécia Clássica ocorre em virtude também
da abundância de fontes sobre aquela cidade e, simultaneamente, da
escassez de documentos sobre outros espaços. Nesse sentido, ela defende
que Atenas não pode ser o modelo de polis da Grécia Clássica, exatamente
por sua excepcionalidade, mesmo que seja essa a representação constante
nos livros analisados. A autora conclui o capítulo mostrando que no material
analisado sobre a Grécia Clássica prevalece uma narrativa homogênea e

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descritiva sem espaço para as contradições e as dúvidas que poderiam


contribuir para a reflexão e investigação histórica.
Em seguida, o capítulo do professor Nilton Mullet Pereira, analisa as
narrativas sobre a chamada Idade Média – ou o medievo – apresentadas
nos livros didáticos de história aprovados no PNLD de 2011. Segundo o
autor prevalece nos livros uma história distante, coesa e sem
problematização, representada por meio de uma exposição descritiva, linear
e factual. De acordo com suas análises, a chamada Idade Média ainda é
apresentada nos livros analisados, em larga medida, por enunciados clichês
e frases repetidas, quase sempre com a pretensão de representar a suposta
totalidade das experiências. Narrativas que dão a ver uma história una e
homogênea, resumindo toda pluralidade das experiências em três ―blocos‖
também homogêneos, sendo eles os grupos formados pelos homens que
trabalham, pelos que rezam e pelos que guerreiam. Nesse sentido,
predomina uma narrativa que silencia mulheres, professores, crianças,
hereges e tantos outros sujeitos que não necessariamente se encaixam no
modelo padrão que emerge nas narrativas dos livros didáticos.
O capítulo seguinte é de autoria do professor Mauro Cezar Coelho no
qual ele analisa a trama narrativa de seis obras didáticas sobre a
colonização portuguesa na América. Conforme apontam as pesquisas por
ele desenvolvidas, o tema da colonização é apresentado de forma linear e
protagonizado apenas pelos atores europeus – sobretudo a coroa
portuguesa – que ocupam o papel central no enredo dos livros didáticos.
Segundo Coelho, essas narrativas ratificam a versão de uma memória
oficial e consagrada.
As representações didáticas acerca da participação dos negros na
abolição da escravidão no Brasil são analisadas no capítulo da professora
Mônica Lima e Sousa. Mesmo em um cenário político pós Lei 10.639/03, as
narrativas dos livros analisados diluem a presença negra, tornando-a e
quase invisível no pós-abolição. Os textos didáticos contribuem, portanto,
para associar – e limitar – as experiências dos povos negros à questão da
escravidão. Segundo a autora, mesmo com os avanços dos trabalhos

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acadêmicos, predomina nos livros didáticos uma história factual e linear que
apresenta a participação dos negros de forma passiva e a partir da sucessão
cronológica das leis do Ventre Livre, do Sexagenário e da Lei Aurea.
Marcelo Magalhaes e Rebeca Gontijo analisam a proclamação da
república em três temporalidades distintas, a partir das narrativas didáticas
produzidas nos tempos atuais, na década de 1940 e no período imediato à
instauração da república. Nesse sentido, os autores demonstram como os
textos representaram de formas distintas os acontecimentos, bem como
algumas variações que sofreram ao longo do tempo. No período imediato à
instauração da república, esta é apresentada como resultante de uma
revolução democrática conduzida por Deodoro da Fonseca e Benjamin
Constant. Na década de 1940, as explicações centram o foco da escrita em
torno do ―15 de novembro‖, com ênfase no caráter político do evento,
destacando, ainda, a atuação de personagens políticos como sujeito
individuais, antes que coletivos. As narrativas nos dias atuais deslocam o fio
condutor para apresentar a república como resultante de um processo,
representado, sobretudo, a partir da crise vivenciada no império. Nesse
enredo, a república é filha da crise, que é apreendida em uma
temporalidade mais ampliada para além do ano de 1989.
Helenice Rocha analisa em seu capítulo como a ditadura militar no
Brasil é explicada nos livros didáticos de história. Segundo a autora, esse
acontecimento da história recente do país é representado em uma
sequência cronológica que se inicia na crise no governo João Goulart. Essa
estrutura explicativa permanece ao apresentar o período ditatorial por meio
da sequência dos ditadores que ocuparam a presidência da república.
Segundo a autora predomina nos livros didáticos analisados explicações
simplistas em que associam que forma mecânica os setores considerados
―mais conservadores‖ ou de direita a grupos políticos e econômicos ligados
aos militares. Em oposição, os segmentos sociais denominados de
esquerdas aparecem como os grupos de vanguarda. A partir das reflexões
apresentadas por Rocha compreende-se que os livros didáticos constroem
explicações simplistas, generalizadoras e dualistas. Em suas páginas não há

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espaço para o dissenso, nem para a pluralidade de concepções, cujas


experiências não se limitam à dicotomia entre direita e esquerda e/ou
conservadores e progressistas.
No último capítulo do livro aqui analisado, o professor Rui Aniceto
Nascimento Fernandes apresenta suas reflexões acerca da obra Os tempos
de uma obra escolar: o estado do Rio de Janeiro de José Mattoso Maia
Forte. Em seu texto, Fernandes ressalta as condições históricas que
tornaram possível a gestação da obra por ele pesquisada e destaca as
mudanças políticas vivenciadas na década de 1920, entre elas a reforma
curricular da Escola Normal e as diretrizes para o ensino primário, que
foram responsáveis por gerar uma demanda por produção de material
didático. O autor enfatiza, ainda, ser necessário analisar essas condições de
possibilidade para se compreender o processo de gestação da obra que ele
estuda e suas representações acerca da História narrada em suas páginas.
O livro didático de história é uma ferramenta polissêmica. Ele está
sujeito a usos diversos; está submetido a críticas de variadas perspectivas.
Nessa dimensão, devemos evitar compreendê-lo por lentes que o
interpretem de maneira homogênea. As discussões presentes no livro aqui
resenhado corrobora essa interpretação. As reflexões expostas pelos
pesquisadores em cada capítulo reforçam o caleidoscópico de significados
atribuídos ao livro didático de história. Os professores demonstraram
distintos caminhos, diferentes problemas e resultados a que chegaram por
meio das análises acerca daquele objeto estudado. Ou seja, o livro didático
de história é compreendido, percebido e representado de diversas
maneiras, a depender das lentes interpretativas dos atores que estão se
apropriando, dos objetivos e das condições de usos em cada momento
específico que configura o ―tempo do uso‖ daquela ferramenta.
Nessa dimensão é oportuno ressaltar que as experiências temporais
em que ocorrem os usos do livro didático são condições para se tecer
qualquer análise acerca daquele instrumento de trabalho. Por esse ângulo
de percepção é importante destacar o tempo da escrita da obra resenhada,
porque a escrita, assim com a História, é filha do tempo. Sua gestação

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ocorre, portanto, em um diálogo tenso com diversas forças que se


digladiam e representam as condições políticas, sociais, culturais e
históricas de sua criação. O livro aqui resenhado foi publicado em 2017,
mas sua produção ocorreu em 2016. Momento em que as relações políticas
no país ainda não tinham sido visceralmente alteradas pelo processo de
impeachment que destituiu a presidenta Dilma Rousseff. As relações de
poder tecidas no tempo a partir dessa experiência política passam a
modificar e redirecionar diversas ações e projetos que sinalizam mudanças
preocupantes no que tange às políticas de estado destinadas ao PNLD.
Conhecer as relações de poder tecidas no tempo acerca do livro
didático de história significa ampliar as lentes interpretativas sobre nosso
espaço de atuação profissional, sobre nosso campo de atividade como
atores políticos. Nessa dimensão, o livro Livros Didáticos de História: entre
políticas e narrativas, se constitui em uma importante obra que chega para
ampliar as reflexões sobre a principal ferramenta de trabalho da maioria dos
professores que atuam na educação básica e/ou dos professores que têm o
livro didático como objeto de pesquisa. A obra também ganha relevância no
atual cenário político em que um conjunto de ações no âmbito do Ministério
da Educação vem sendo executado à revelia dos principais interessados no
assunto, ou seja, dos professores. Ações que afetam o processo de
construção, análise, aquisição e usos dos livros didáticos e que interferem
diretamente no cotidiano dos docentes, sobretudo daqueles que atuam na
educação básica. Uma obra que necessita circular amplamente, ser lida e
debatida.

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Recebido em 24 de abril de 2018


Aprovado em 14 de março de 2019

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