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Editorx08, Gerente Da Revista, 14p453
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Simpósios Temáticos 6 a 10
Reitor da UFMG
Jaime Arturo Ramírez
Vice-Reitora da UFMG
Sandra Regina Goulart Almeida
Diretor da FAFICH
Fernando de Barros Filgueiras
Vice-Diretor da FAFICH
Carlo Gabriel Kszan Pancera
Chefe do Departamento de História
Tarcísio Rodrigues Botelho
Coordenador do Colegiado de Pós-Graduação em História
José Newton Coelho Meneses
Coordenadora do Colegiado de Graduação em História
Adriane Aparecida Vidal Costa
Realização
Departamento de História - UFMG
Comissão Organizadora
Alexandre Bellini Tasca
Eliza Teixeira de Toledo
Igor Barbosa Cardoso
Lídia Generoso
Igor Tadeu Camilo Rocha
Luan Aiuá Vasconcelos Fernandes
Marcella de Sá Brandão
Regina Mendes de Araújo
Rodrigo Paulinelli de Almeida Costa
Thiago Henrique Oliveira Prates
Sumário
ST 06: História da África e seu ensino no Brasil II
História Comparada em perspectiva: velhas e novas formas de se fazer História ...... 514
Glauber Miranda Florindo
A precariedade das cadeias coloniais: o caso a cadeia velha de Vila Rica .................. 668
Mateus Frizzone
Maria Midão: fogo, paixão e desordens nas imediações da praça de mercado do Rio de
Janeiro) ........................................................................................................................ 682
Vitor Leandro de Souza
A transição política democrática: as “Diretas Já” e o jornal “Estado de Minas” ........ 739
Rochelle Guitierrez Bazaga
Simpósio Temático 06
História da África e seu
ensino no Brasil II
Coordenadores:
RESUMO: O objetivo deste artigo será demonstrar as dificuldades encontradas pelo primeiro grupo
de jesuítas, que foi enviado a Guiné, em 1604. Pretende-se, demonstrar como a presença do
islamismo, e principalmente dos bexerins teriam dificultado a tentativa de catequização. Pretende-se,
também, demonstrar como as religiões africanas também foram um empecilho ao objetivo destes
padres.
Durante a Expansão Marítima, fenômeno que se iniciou no século XV, a Igreja esteve
intimamente ligada ao Estado, por isso com a expansão das conquistas portuguesas seguiu-se
um alargamento da abrangência da presença das estruturas da Igreja em diferentes coberturas
espaciais. Uma vez que, “nos espaços ultramarinos missionação e colonização caminhavam a
par, acompanhando-se mutuamente.” (SANTOS, 1995, p.434)
O arquipélago de Cabo Verde era desabitado até 1460, já a área costeira (Guiné) era
povoada por uma diversidade de povos. Diante da dificuldade de se estabelecer e controlar a
região da Guiné. Uma vez que, para isto os portugueses necessitavam de permissão dos
governantes africanos, a Coroa optou por iniciar a colonização de Cabo Verde, a partir de
1
“Guiné do Cabo Verde”, “Rios de Guiné”, “Rios de Guiné do Cabo Verde” são expressões que foram utilizadas
pelos viajantes nas próprias fontes do período das navegações portuguesas, para denominar o espaço geográfico
que compreendia todos os portos e rios entre o Rio Senegal e a Serra Leoa. Este espaço também incluía Cabo
Verde. (HORTA, 2005, p. 2).
1460, com o objetivo de controlar o comércio com os povos da Guiné a partir das ilhas.
Contudo, como afirma Walter Rodney, Portugal não conseguiu controlar o comércio na região
da Guiné, os governantes locais não se submeteram ao exclusivismo comercial, não aceitavam
que deveriam comercializar apenas com os portugueses. (RODNEY, 1965, p.314)
Mas a partir de 1604 este contexto vai ser alterado e a região conhecida como “Rios de
Guiné do Cabo Verde” vai receber missões jesuítas. Os jesuítas foram enviados a “Guiné do
Cabo Verde” com a finalidade de analisar a viabilidade do estabelecimento de uma Missão na
região com o intuito de auxiliar a Coroa e a elite Cabo Verdiana a “manter” o controle da
região da Guiné. Uma vez que, no período conhecido como União Ibérica, entre 1580-1640,
em que a Coroa da Espanha e de Portugal estiveram unidas, vai se aprofundar a divisão e a
disputa entre a Península Ibérica (católica e interessada em defender aquilo que considerava
seu “direito histórico” sobre o Ultramar) e o Norte Europeu (protestante e interessado em
conquistar espaço no comércio). Esta disputa vai se aprofundar e terá como consequência a
intensificação das violações do exclusivismo. Na região da Guiné, isto fica evidente, no final
do século XVI e início do século XVII, percebemos uma presença significativa de ingleses,
franceses e holandeses na região. (SILVA, 1995, p.14-15).
É interessante perceber como as descrições das primeiras cartas dos jesuítas são
eufóricas e otimistas. Nestas primeiras cartas eles afirmam que foram bem recebidos, que a
missão será um sucesso, que a terra é boa e o clima também. Ao chegar a Santiago 2, Baltazar
descreve uma recepção entusiasmada do povo e das autoridades, “fomos recebidos com
grande aplauso e alegria de toda a terra”, descreve uma visão favorável do clima e espaço, “é
muito menos doentia que antes, (...), e acho mais tolerável que Angola, além de outras
comodidades a que leva vantagem”, descreve a qualidade da terra, “porque tudo o que quere
plantar e semear se dá muito bem”, e concluí que “pelo que tenho visto nesta terra, não
duvido de nossa ficada nela”. (BARREIRA, 1604, p. 41-47)
[...] e assim ainda contra minha vontade, fico esperando o mês de Outubro
para ir com o beneplácito e parecer de todos (a Guiné), e de lá espero
mandar tão boas informações da disposição daqueles Reis e gentilidade para
receber nossa santa fé católica, que se tome assunto sobre nossa ficada e
perpetuação nestas partes. (BARREIRA, 1604, p. 46)
Contudo, este otimismo inicial vai aos poucos sendo destruído. Uma vez que, o clima
não se mostra tão tolerável e cómodo como afirmava o Padre, prova disso é o falecimento de
dois dos seus companheiros de missão, Padre Manuel Fernandes, em agosto de 1604 e do
Padre Manuel de Barros em outubro de 1605. Além das dificuldades de adaptação ao espaço,
Baltazar Barreira encontra também na Costa da Guiné outras dificuldades ao sucesso da
missão, entre elas: a presença do islamismo na região e a dificuldade em combater as práticas
religiosas africanas.
2
Santiago era a principal ilha do arquipélago de Cabo Verde, onde estava localizada a cidade da Ribeira Grande.
Era a sede do bispado de Cabo Verde, que foi criado em 1533, e que cobria o arquipélago e a costa.
Os Islamizados
Entre os povos que Baltazar Barreira define como islamizados, podemos citar os
Jalofos e os Mandingas. Sobre os Jalofos, o padre faz apenas uma classificação rápida:
“Depois dos fulos se segue os Jalofos; estes começam no rio Senegal da banda do Sul e
correm ao longo da costa até os Barbacins (...) segue todos a seita de mafoma (...)”.
(BARREIRA, 1965, p.163)
Estes descem por uma parte e outra do Rio Gâmbia mais de 200 léguas, da
banda do Norte e da banda do Sul pelo Sertão. (...) Segue a Seita de Mafoma
como os mais que atrás ficam, e tem mesquitas e escolas de leis e escrever, e
muitos casizes que levam esta peste a outros reinos da banda do sul,
enganando a gente com nominas que fazem de metal e de couro, muito bem
lavrados, em que mete escritos cheios de mentiras, afirmando que tendo
consigo estas nominas nem na guerra nem na paz haverá coisa que lhe faça
mal. (BARREIRA, 1965, p.166)
Através desta carta percebemos que Baltazar Barreira identifica que os Mandingas têm
mesquitas e escolas, estas são informações preciosas, na medida em que ficamos sabendo que
existiam locais onde as pessoas se reuniam por razões religiosas e também locais onde os
Bexerins (pregadores do Islã) ensinavam e divulgavam o islamismo através do ensino da
leitura e da escrita. Acreditamos, portanto, que o desenvolvimento do Islã deu-se através da
propagação realizada pelos Bexerins e por meio de instituições como as mesquitas e escolas.
De acordo com o Padre Baltazar os casizes levavam a diversos reinos nominas que
tinham a função de enganar os povos. Sabemos que estas nominas, correspondem as famosas
“bolsas de mandingas”. Estas nominas eram colares de couro cozido, costuradas que
continham dentro pequenas partes do Alcorão escritas em um pedaço de papel, que
funcionavam como amuleto, talismã para quem os utilizava. Ou seja, as pessoas acreditavam
que utilizando aqueles colares estavam protegidas, já que eles possuíam um caráter curativo e
miraculoso, por isso eram distribuídos por figuras tão importantes, os Bexerins.
No ano de 1610, depois de seis anos naquela terra, Baltasar Barreira vai alterando suas
visões positivas. Se antes a terra era muito sadia e prometia grandes realizações, agora ele
alegava que a companhia não queria aceitar a missão:
...] que esta missão foy pretendida muitos anos sem a Companhia a
aceitar, por entender que somente serviria de morrere nela os obreiros que
mandasse (que se acetou por dar gosto a S. Magestade), que são mortos
nella tantos e tã bõs sogeitos, a má calidade da terra, e como pera haver
gente que queira tresidir nella hé necessário fazerlhe favores, e não
estreitarlhos mais que aos que vive e Europa e em terras
sadias.(BARREIRA, 1965, P.172)
Antes desta frustração diante do fracasso da Missão, Baltasar Barreira escreve cartas
que trazem informações sobre as práticas religiosas que ele percebe ao passar por Bissau,
Guinala, Biguda e Serra Leoa. Descreve, principalmente, as práticas religiosas dos Beafares,
Barbacins e dos povos que viviam na Região de Serra Leoa.
Sobre os Beafares, Baltazar Barreira afirma que ele está empenhado na conversão
“desta gentilidade" e que deseja que “pelo menos até a Pascoa ver se posso desarraigar alguns
vícios de má costa que, são muy comuns na Guiné.” 3 Baltasar afirma que o Rei dos Beafares
estada doente, no momento em que ele chegou, por esta razão ele teve que tratar com os
principais do Reino e com o Loreguo, “que é a segunda pessoa depois delRej”, sobre as
questões de fé. (BARREIRA, 1965, p.55-58)
Aceitaram tudo o que lhes disse com mostras de grande alegria e diziam que
elles querião ser os primeiros que se bautisassem e que elRej faria o mesmo,
e facarião todos com huã só mulher, que hé a maior deficuldade que há
na conversão desta gentilidade. Dizião mais que Deus nos trouxera aly não
somente pera bem de suas almas, mas também para conservação e aumento
de seu Reino e bens temporaes. (BARREIRA, 1965, P.55-56)
Percebemos através deste trecho que o Padre reconhece que existiam algumas práticas
que dificilmente eram alteradas e que dificultavam a tentativa de conversão, uma delas era a
questão da união com várias mulheres. Na Guiné era permitido que o homem tivesse várias
mulheres, desde que, conseguisse e tivesse meios para mantê-las. Concluímos a partir deste
trecho que os representantes dos Beafares entendiam a aceitação da fé cristã como uma
possibilidade de aumentar o seu Reino e conseguir benefícios. Ou seja, como uma
possibilidade de negociação.
Barreira também cita outra prática que os Beafares tinham dificuldade em abandonar:
3
“Carta do Padre Baltasar Barreira ao Padre Manuel de Barros”, p.58.
Entre outras coisas que procurei persuadirlhes (...), foy que, se El Rei
moresse, não matassem gente, porque tem por costume matar muitas de suas
mulheres e de seus criados, e até o cavalo em que andava, por lhes meter o
diabo em cabeça que aquelas que matão ande tornar a ser suas
mulheres na outra vida, e o mesmo dos criados e cavalos. ( BARREIRA,
1965, p.55-56)
Nesta carta, o padre nos deixa informações importantes sobre as cerimônias fúnebres e
sobre como os Beafares entendem a morte. Os Beafares acreditam que a comunidade
corresponde a um espaço que sustenta constante relação entre os vivos e os mortos. Para eles,
o universo se interliga, por isto quando o rei morre seu espírito ainda está vivo e por isso
matam suas mulheres, criados e cavalos, para que todos estes continuem o servindo.
Acreditam que caso estas cerimônias não sejam realizadas. Isto pode gerar uma insatisfação
neste espírito, isto não é o desejo da comunidade, já que eles sabem que este espírito tem o
poder de interferir no mundo dos vivos.
Já sobre os Barbacins, Baltasar Barreira observa que eles acreditam nos Janbacoses,
“Jabacouçes, que assim chamam os feiticeiros que adivinham, e curão cõ remédios, e cõ
palavras aprendidas na escola de Satanás, e por esta causa era aly muy desejada a Companhia.
” (BARREIRA, 1965, p.378)
Além da presença dos Janbacoses, Baltasar Barreira aponta outras dificuldades para a
conversão dos Barbacins. Entre elas: a dificuldade de aceitar o casamento com apenas uma
mulher, além de “serem dados a idolatria, e não haver casa, nem caminho, nem lugar em que
não tenham muytas chinas, que são os seus ídolos, nos quais creem e confiam como se tivesse
na mão o que lhe pedem.” (BARREIRA, 1965, p.172)
Percebe-se, portanto, que aos poucos, o próprio Padre percebe que a missão de
converter os povos da Guiné não seria tão fácil como as visões iniciais queriam demonstrar.
Os padres irão encontrar muitas dificuldades neste processo.
Considerações Finais
Fontes
Carta do Padre Baltasar Barreira ao Padre João Álvares”, 01/8/1606. In: MMA. 1965, IV.
Carta do Padre Baltazar Barreira ao Provincial de Portugal”, 22/7/1604. In: MMA, 1965, IV.
Carta do Padre Baltasar Barreira ao Padre João Álvares”, 01/8/1606. In: MMA. 1965, IV.
Carta do Padre Baltasar Barreira ao Padre André Álvares”, 08/01/1610. In: MMA. 1965, IV.
Carta do Padre Baltasar Barreira ao Provincial dos Jesuítas”, 19/03/1612. In: MMA. 1965,
IV.
Carta do Padre Baltasar Barreira ao Padre Manuel de Barros, 28/01/1605. ” In: MMA, 1965,
IV.
Carta ânua do Padre Baltasar Barreira ao Provincial de Portugal”, 01/01/1610. In: MMA,
1965, IV.
Carta do Padre Baltasar Barreira ao Padre João Álvares”, 01/08/1606. In: MMA, 1965, IV.
Referencias Bibliográficas
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narrativas luso-africanas. 1594-1625. Dissertação apresentada ao Programa da Pós-Graduação
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RODNEY, Walter. Portuguese Attempts at Monopoly on the Upper Guinea Coast, 1580-
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História Geral de Cabo Verde. Volume II. SANTOS, Maria Emília Madeira (coord.). Lisboa.
Praia: IICT. 1995.
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XVII). Revista Metis, v. 10, n. 19.
SILVA, Antonio Correia e. Cabo Verde e a Geopolítica do Atlântico. In: SANTOS, Maria
Emília Madeira (coord.) História Geral de Cabo Verde. Volume II. Lisboa (Portugal):
Instituto de Investigação Científica Tropical; Praia (Cabo Verde): Instituto Nacional de
Cultura, 1995.
ABSTRACT: The aim of this paper is to propose the beginning of a dialogue between
teachers and scholars about the importance of the inclusion of contemporary African History
(XIX, XX and XXI century) in classroom. Since teaching Africa and Africans history in high
school is obligatory by law 10639/2003, interest and investments on researches multiplied.
We witness a rising historiographic production on this subject and therefore we propose an
investigation into the ways in which this content has been selected for the classroom and on
their progress and needs.
a sua quase ausência em sala de aula. A ideia central é trazer à pauta as questões ligadas à
negligência desse período na abordagem adotada para o ensino da história do continente e os
perigos da exclusão dos agentes africanos atuais do palco central do que se convencionou
chamar de história geral ou mundial no ensino de história na educação básica. Esse esforço
vem para responder a uma pergunta mais ampla acerca de como a África é representada em
sala de aula no Brasil e os motivos que se estabelecem em torno das imagens construídas.
Sobre este segundo ponto, menos importante neste artigo, é ainda interessante notar como os
historiadores vem se furtando ao diálogo com os internacionalistas na construção de
narrativas e abordagens sobre tal conformação contemporânea. Prova disso, são os
sucessivos debates e grupos de estudos fundados em departamentos de Relações
Internacionais, notadamente na UNB e na UFRS, para a discussão da inserção africana
contemporânea; o que não se confirma nos departamentos de História das principais
universidades do país. Configura-se, portanto, uma ampla demanda por novas narrativas e
por diálogos entre as ciências humanas que possam conformar e dar significado aos novos
âmbitos nos quais a ligação Brasil-África passa a se inscrever. Esse quase silêncio sugere
mais uma vez a escolha em não abordar um continente africano contemporâneo e nos remete
à questão central deste texto.
O papel oferecido pelo campo historiográfico e pela prática docente no ensino básico
em muito dialogam com os dois fatores apontados anteriormente. O espaço para
novas narrativas sobre uma história que contemple a presença africana ainda é incipiente e,
em sua maioria, parece se focar nas relações estabelecidas entre a história brasileira e
africana ocasionadas pelos muitos anos de escravidão e de tráfico de homens e mulheres
escravizados no continente africano. Muitas vezes opta-se pela ressignificação destas velhas
ligações através do investimento em narrativas que focam nas sociedades e Estados africanos
do século XIX, ou anteriores, do que a busca por análises dos países africanos e suas
dinâmicas nos séculos XX e XXI. Ainda que as relações imediatas entre Brasil-África,
sejam elas institucionais, econômicas ou mesmo sociais e parte central das construções e
fundações identitárias, estejam intimamente delineadas pela história do tempo presente das
relações atlânticas, a abordagem do olhar historiográfico resiste. A pergunta da qual decorre
esta tentativa inicial de resposta é, portanto, por que tal recusa e quais suas possíveis
consequências.
Uma análise dos livros didáticos selecionados e indicados pelo Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que tem entre suas diretrizes centrais a garantia da realização da lei
aqui exposta, no entanto, permite verificar que a África e os africanos adentram o campo da
história de forma específica e temporalmente restrita. Na prática, a adoção da lei 10.639 no
livro didático, principal material de formação não só do aluno mas também do professor da
educação básica - cuja relação com a História da África é ainda incipiente, por uma falha das
instituições de ensino superior no Brasil - minimiza ou ignora as dinâmicas e contextos
políticos e sociais contemporâneos. O texto do Guia de Livros Didáticos PNLD 2013, no
tópico que se dedica especificamente a estabelecer o que se espera dos livros avaliados no que
concerne ao ensino de história da África, aponta o problema aqui discutido ao afirmar que
4
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm Acesso em 14/06/2014.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6, Suplemento (2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 470
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Além da preferência por uma temporalidade mais apartada, o excerto põe em tela outra
dimensão da narrativa hegemônica sobre o continente. Os africanos, suas sociedades e suas
várias formas de organização e manifestação política permanecem obscurecidos. Apesar da
relativa valoração do que seria a participação desses homens e mulheres, principalmente
pensados a partir da figura do escravo ou ex-escravo, na construção cultural do Brasil, o olhar
oferecido pelos livros didáticos, e muitas vezes demandado em sala de aula, permanece
restrito. A importância da presença africana é basicamente ressaltada pela relevância de suas
práticas artísticas e culturais e relacionada diretamente ao período do tráfico de sujeitos
escravizados, entre os séculos XVI e XIX. Aparentemente, por se tratar de um momento óbvio
de relação do continente com o território brasileiro em conformação. Nesse sentido, como a
abordagem se foca neste momento, esses sujeitos acabam adentrando a narrativa histórica a
partir de sua participação em esferas outras da formação do Brasil, que não a política e
institucional. Um problema que a historiografia revisionista acerca do papel do escravo, de
sua agência enquanto atores históricos, e mesmo a demanda por uma história anterior ao
tráfico e ao escravismo moderno, não foram capazes de resolver.
5
Disponível em www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?...pnld-2013-historia, Acesso em 14/06/2014, p.
24.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6, Suplemento (2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 471
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
A universidade, nesse sentido, acaba sendo atingida de forma indireta por essas novas
prerrogativas do ensino de História da África no ensino básico, inclusive por seu papel
formador dos quadros de professores. Ao mesmo tempo, a produção acadêmica atua sobre as
novas narrativas do ensino básico de forma direta. É sugestivo, portanto, que tenha ocorrido
um aquecimento do campo de estudos em História da África, antes bastante marginal na
produção historiográfica brasileira, após a criação e aplicação da lei 10.639. Também no
espaço universitário o incipiente campo dedicado ao assunto possui uma tendência clara. A
adesão a períodos mais distantes e a tentativa inicial de aproximação da temática através do
momento que tradicionalmente a escrita da História do Brasil convencionou aproximar da
História africana: a escravidão e o tráfico atlântico.
o traço principal dos programas (avaliados entre 2010 e 2012) é o tratamento da África negra
em um diálogo estreito com problemas e demandas colocados com a afirmação da identidade
negra (PEREIRA, 2012, p. 161). Segundo a autora, ainda é a escravidão “que parece
justificar a inclusão dos estudos de África na formação acadêmica dos historiadores
brasileiros, levando a definição de um espaço de reflexão essencialmente atlântico”, o que
vem a ser confirmado quando se analisa os programas dos cursos de História da África
ministrados nos departamentos de História de universidades do Brasil. A pesquisa confirmou
que a grande maioria dá sua ênfase à África subsaariana (PEREIRA, 2012, p. 161) Nesse
sentido, um ponto de convergência entre todos os programas universitários, segundo
Guerra, é a escolha do marco dos grandes reinos dos séculos V e VI na África, o que põe
em tela mais uma vez a opção por negligenciar a história contemporânea do continente,
mesmo na instância de formação do professor da educação básica.
Outro dado sintomático que aponta para essa verticalização do ensino sobre os temas
da África antiga ou moderna orientados pelas demandas identitárias internas do país são as
escolhas dos livros distribuídos nas escolas públicas do país em 2014. Avaliados por
professores universitários especialistas no tema, as obras selecionadas pelo Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) temático 2014, através da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), ligada ao MEC apontam para a
relação imbricada entre Brasil e África. Ao todo, serão distribuídas 85 mil exemplares desses
livros. Os títulos selecionados que interessam para esta discussão são: África e Brasil
Africano; História e cultura afro-brasileira; e Origens Africanas do Brasil contemporâneo:
história, línguas, culturas e civilizações6. O interessante é a ausência de obras didáticas que
abordem o continente africano isolado de sua contribuição na cultura brasileira, o que levanta
uma questão importante: De qual África estamos falando no Brasil?
6
Todos os títulos selecionados pelo PNBE podem ser consultados através do endereço
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=9&data=28/01/2014. Acesso em
14/06/2014.
realização dos intuitos sociais da lei 10.639 e, ao mesmo tempo, uma forma de tornar o tema
mais próximo ao aluno e talvez mais atraente. Construir outras narrativas acerca das múltiplas
realidades africanas seria uma alternativa interessante para fundar novas percepções acerca do
continente africano. Mantendo o investimento na positivação da presença africano não apenas
na formação cultural brasileira mas na construção da Modernidade.
Essa proposta seria também uma possível solução para a exclusão do tema da história
da África do dia-a-dia da sala de aula e sua quase segregação a momentos específicos, que
constituem quebras na rotina do aluno, como a chamada Semana da Consciência Negra. A
adoção de um olhar para a História Contemporânea, que considere mais do que as relações
criadas pelo escravismo moderno entre o continente, o Brasil e parte do Ocidente, seria uma
forma de romper esta tendência, inclusive pelo simples fato de imprimir a presença africana
em outros momentos históricos, tradicionalmente restritos a um olhar eurocêntrico, como a
Segunda Guerra Mundial, por exemplo. A agência de sujeitos e sociedades africanas em
temporalidades distintas acaba por promover um olhar familiarizado com a diversidade, o que
vai ao encontro das diretrizes gerais apresentadas pela LDB de uma educação formadora de
cidadãos críticos e capazes de participação política democrática.
Referências Bibliográficas
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997.
LOPES, Carlos. A Pirâmide Invertida – historiografia africana feita por africanos. IN: Actas
do Colóquio Construção e Ensino da História da África. Lisboa: Linopazas, 1995. 21-29.
CÉSAIRE, Aimé. Cahier d’un retour au pays natal. Paris: Présence Africaine, 1983.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São
Paulo: Selo Negro, 2008.
______. Para quando a África? Entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.
M´BOKOLO. África negra: história e civilizações. Tradução. Salvador; São Paulo: EDUFBA;
Casa das Áfricas, 2009.
SANCHES, Manuela Ribeiro. Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos
pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011.
Simpósio Temático 07
Teoria da História, História da
Historiografia e Filosofia da História
Coordenadores:
Danilo Marques
Mestrando - UFMG
danilomarques.his@gmail.com
Walderez Ramalho
Mestrando - UFMG
walderezramalho@gmail.com
Mariana Vargens
Mestranda - UFMG
marianavargens@gmail.com
ABSTRACT:This paper aims to discuss the concerns related to the conducts and attempts of
social control within urban area in the formation of the brazilian national State. It also seeks
to demonstrate the pedagogical reorientation of the masses through the popular folguedos, for
it was up to them raise an identification with the current government, strengthening the bonds
between the political and the social.
Introdução
1
Lembrando que, “por narrativas ilustradas entendemos os relatos que procuravam registrar os progressos de
algum campo de atividade humano, sem ainda reuni-los em um conceito singular de progresso geral da
sociedade” (ARAÚJO, 2009, p. 86).
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 478
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
seus trabalhos a partir de uma nova perspectiva de historicidade, “bem como uma nova
perspectiva de unificação da história brasílica” (ARAÚJO, 2009, p. 86).
Esse momento histórico, referido na Historiografia Brasileira como um tempo em que
se afloraram as sensações de rápida celeridade dos acontecimentos, foi constituído por
inúmeros processos de dinamização e modernização da nação que se erigia. Na nova sede do
poder metropolitano, foram constituídas novas feições culturais, sociais, de ordem material e
demográfica da população (CHAMON, 2002, p. 31; ALENCASTRO, 1997, p. 38), em maior
ou menor grau:
Com a vinda da Corte, pela primeira vez, desde o inicio da colonização,
configuraram-se nos trópicos portugueses preocupações próprias de uma
colônia de povoamento e não apenas de exploração ou feitoria comercial,
pois que no Rio teriam que viver e, para sobreviver, explorar “os enormes
recursos naturais” e as potencialidades do império nascente, tendo em vista o
fomento do bem estar da própria população local (DIAS, 1996:181, 182).
Portugal se tornou sinônimo de antiquado, rude e atrasado, dessa maneira, a perpetuação dos
seus costumes opunha-se ao ideário de nação que estava sendo formulado naquele momento.
Como não deixa dúvidas o excerto retirado do artigo Programa Histórico: O Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro2 é o representante das ideias de ilustração, que em
diferentes épocas se manifestaram o nosso continente, escrito pelo Visconde de São
Leopoldo:
O Brasil é destinado a ser, não acidentalmente, mas, de necessidade, um
centro de luzes e de civilização, e o arbitro da política do Novo Mundo.
Havia a metrópole receada as consequências; traçou portanto, plano de
repressão ou desenvolvimento dessas geniais faculdades: princípios, ideias,
instituições antissociais, sufocadoras de qualquer progresso, predominavam;
mandar despótico, e obedecer cegamente: eis o eixo do nosso governo
colonial (PINHEIRO, 1908, p.62).
2
Não havia, antes de 1838, um centro de escrita da história brasileira, em geral, essa escrita era realizada no
interior de clubes políticos. A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foi uma tentativa de
“retirar essa história das ruas” e, a partir de suas representações podemos compreender melhor como a sociedade
apreendia o passado e traçava a trajetória rumo à nação que se estruturava. Assim, é importante investigar “a
maneira como as pessoas elaboravam, construíam, adaptavam, digeriam e transformavam, a partir de suas
experiências concretas, todo fluxo de mudanças ocorridas no século XIX” (ARAÚJO, 2000, p.125).
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3
Havia um extenso calendário festivo, contendo louvores a Monarquia e a Família Real como casamentos,
aniversários, coroações, etc., além destes, eventos cívicos como a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal
e Algarves, a instalação de indústrias, o fim de revoltas e sedições, celebrações religiosas da páscoa e
pentecostes, e populares como o entrudo, carnaval, batuques, dentre outros (CHAMON, 2002, p.30).
onde todos circulam, lugares que misturam pessoas e atividades diversas, lugares de encontros
e de múltiplos usos” (CHAMON, 2002, p.31).
De maneira geral, percebemos que essas festanças não eram nem pretendiam ser
apartadas da massa populacional, ao contrário, eram momentos de descontração e alegrias,
mas também de um controle “velado” por parte das instituições de poder:
Nessa perspectiva, a festa pode ser entendida como uma extensão, um adendo ao
cotidiano de uma coletividade que projeta simbolicamente suas visões e representações de
mundo. Ao nos depararmos com as composições físicas e lúdicas das festividades,
percebemos distintas possibilidades de análises dos discursos internalizados.
Existia uma construção de festa ideal por parte da elite e do governo, que seria “capaz
de fazer com que os moradores de suas vilas e arraias acreditassem e legitimassem uma série
de valores e de classificações que eles procuravam impor para a sociedade” (CHAMON,
2002:40). Quando observamos este “impor”, compreendemos sua sutileza no desenrolar do
rito festivo e também a partir dos discursos veiculados pelos jornais da época. Os folguedos
representavam e difundiam idealizações e simbologias da pátria brasileira, que passou a
respaldar e ocupar o centro das atenções de muitas festas naquele momento4.
As comemorações festivas eram passíveis de discursos que, de maneira afável,
perpassaria as distintas camadas sociais envolvidas ali. Os sentimentos, resignificações,
reconstrução dos sentidos e do viver social a partir do uso de símbolos desenvolviam-se em
consonância com as especificidades e individualidades própria de cada região. Num sentido
amplo, a festa é o dilatar da vida social em que a “produção de memória e, portanto, de
identidade no tempo e no espaço sociais” (GUARINELLO, 2001:972) são reorganizadas e/ou
constituídas.
A possibilidade encontrada no direcionamento da população para os desígnios e
necessidades de cada época por meio dos atos comemorativos se apresentava como uma
oportunidade de amplo alcance. A visibilidade dada pela estrutura material e pelas vozes
dentro dos periódicos conclamados refletia um convite feito de maneira perspicaz e sedutora:
São, portanto, convidados todos aqueles que amam o progresso da
civilização a tomarem parte nos ditos festejos para os quais vão-se armar as
4
Não podemos, porém, nos esquecer de que foram criados vários dispositivos de regulamentação e proibição
pelas Câmaras para algumas formas de se brincar e festejar.
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ruas de S. José, Direita e Rosário, sendo entretanto para desejar que mais
algumas ruas a exemplo d’aquelas se armassem, dando assim aos habitantes
das mesmas uma inconcussa prova de adesão às festas civilizadoras. Viva o
carnaval! Viva o povo ouro-pretano! (Diário de Minas, Ouro Preto, n. 202,
07/02/ 1874).
Fontes Impressas
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JANCSÓ, István (Org.). Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo:
Hucitec/EDUSP. 2001.
RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar uma breve análise sobre algumas
passagens presentes no livro A condição pós-moderna, de Jean-François Lyotard. Partindo de
seu diagnóstico do que seria essa “condição pós-moderna”, acreditamos ser factível entrever
uma possível proposta política do autor, que parece sugerir uma atitude pragmática de ação,
na qual a performance e a eficiência interessem mais que os propósitos, não mais procurados
além daquilo que é oferecido imediatamente.
RÉSUMÉ: L'objectif de ce text est présenter une brève analyse de certaines passages au livre
La Condition postmoderne, de Jean-François Lyotard. Á partir de son diagnostic de ce qui
serait cette «condition postmoderne», nous croyons qu'il est possible d'entrevoir une
proposition de politique possible de l'auteur, ce qui semble indiquer une attitude d'action
pragmatique où la performance et l'efficience soit plus interessant que les propositions,
lesquelles seraient au-délà de l'expérience immédiate.
cultural que o pós-moderno se coloca, diz Lyotard: ele se caracteriza, sobretudo, pela
incredulidade em relação ao metadiscurso filosófico e suas pretensões universalizantes.
Segundo nosso autor, a ciência era vista como autorreferente e autorrenovadora pelo
filósofo moderno. Atividade nobre que tinha como função romper com o “mundo das trevas”
e contribuir para o desenvolvimento moral e espiritual do homem. Neste contexto, para
Lyotard, duas grandes formas de relato faziam as vezes de legitimação dessa ciência: uma
mais política, que via em sua conquista o impulso emancipatório dos povos no caminho do
progresso; e outra mais filosófica, para a qual a difusão do conhecimento não se legitimaria
por um princípio utilitarista tout court de seus benefícios. Não servindo, pois, a algo – e
concebido como um metaprincípio filosófico – o saber encontraria sua legitimidade em si
mesmo, como saber dos saberes, especulativo.
É todo este processo que Lyotard denomina “deslegitimação”: a crise dos dispositivos
modernos de explicação da ciência, da divulgação do conhecimento. No entanto, para além
das crises do dispositivo especulativo do idealismo alemão ou do dispositivo emancipatório
iluminista-marxista, a deslegitimação pós-moderna versaria sobre novas linguagens que
escapam às determinações teóricas dos dispositivos modernos: com a recuperação das noções
de “acaso” ou de “caos”, o que se teria é a crise da concepção central de legitimação na
modernidade, isto é, a noção de ordem. Essa crise reabriria, portanto, a discussão em torno de
sua ideia oposta, a “desordem”, que mostra a impraticabilidade da submissão de todos os
Ora, se nos voltarmos por um momento para a crítica que Herbert Marcuse faz ao
produto ideológico que surge nas chamadas “sociedades industriais” tecnologicamente
desenvolvidas – da mesma década de 1950 –, lembraremos que um dos pontos analisados é
justamente a emergência de um “empirismo neopositivista” como característica marcante do
que ele denomina “comportamento unidimensional”. Escrevendo cerca de dez anos antes de
Lyotard, em Ideologia da sociedade industrial, Marcuse diagnostica a emergência de uma
ética dominada pela não-contradição e não-transcendência no universo estabelecido da
locução e do comportamento, o que, por sua vez, implicaria em uma ruptura com a dialética
ontológica, a lógica da contradição e a bidimensionalidade históricas. É nesse medium social
que, na forma de um “empirismo total”, o pensamento filosófico transmuta-se em um
pensamento afirmativo, no qual “a crítica filosófica critica dentro da estrutura social e
estigmatiza noções não-positivas como mera especulação, sonhos ou fantasias.” (MARCUSE,
1967, p.165) De acordo com ele, Marcuse:
Diante deste cenário – em que o recurso aos grandes relatos está excluído e onde, no
limite, o princípio do consenso também parece insuficiente como critério de validação –
Lyotard propõe um dispositivo de legitimação que logre ir além do simples critério do
desempenho. Observado como um comportamento comum da pragmática científica, Lyotard
acaba por sugerir à pragmática social o critério da paralogia: “um poder que desestabilize as
capacidades de explicar e que se manifeste pela regulamentação de novas normas de
inteligência [...], pela proposição de novas regras para o jogo de linguagem”5 (LYOTARD,
1986, p.112). Para Lyotard, em uma sociedade que se legitima por este critério da paralogia a
crença na humanidade como sujeito coletivo universal, que procura sua emancipação comum,
desaparece e cede lugar ao caráter local do consenso para as regras que definem cada jogo de
linguagem, abrindo espaço, dessa forma, para as multiplicidades do que ele chama de
“metaargumentações” limitadas no espaço-tempo (LYOTARD, 1986, p.119).
Segundo David Harvey, em uma obra quase homônima a que aqui se analisa,
intitulada Condição pós-moderna, o critério da paralogia proposto por Lyotard define uma
postura claramente política (para não dizer politicamente radical em certo sentido): a defesa
do pluralismo e da problemática da alteridade, a ideia de que todos os grupos têm o direito de
falar por si mesmos, com os códigos que lhes são próprios, e de ter essa voz aceita como
autêntica e legítima. Algo como a concepção foucaultiana de “heterotopia”: a coexistência de
espaços geralmente incomensuráveis que são justapostos ou superpostos uns aos outros
(FOUCAULT, 2001).
5
Tentando explicar em termos estritamente kuhnianos, o critério da paralogia seria algo aproximado de uma
pragmática científica legitimada não pela estabilidade da “ciência normal”, mas pelo constante advento
diversificante da “ciência revolucionária”, o “antimodelo do sistema estável” para Lyotard. (LYOTARD, 1986;
KUHN, 2006)
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Diante deste quadro analítico, percebemos que as utopias políticas das ditas
“metanarrativas modernas” – que vislumbravam aquilo que Reinhart Koselleck qualificou
como um “horizonte de expectativas” aberto e necessariamente distinto da ordem presente –
parecem dar lugar, na “condição pós-moderna”, a uma experiência do tempo histórico
profundamente marcada por aquilo que François Hartog chamou de “regime de historicidade
presentista”, onde é possível perceber a proposta de uma ação política que tende a ser
concebida dentro dos limites de domínios isolados no espaço e no tempo (HARTOG, 2013).
Tal como afirmou o historiador francês em uma entrevista cedida à revista discente do
Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, Temporalidades, “Na verdade, [há trinta
ou quarenta anos] estamos começando a trilhar um caminho: o conceito moderno de história
(futurocentrado) tem perdido eficácia para dar sentido a um mundo que [...] é inteiramente
absorvido no único presente cabível [...].” (MARQUES, SOUZA, RODRIGUES, 2013, p.15).
É, portanto, no sentido de uma espécie de pedagogia de uma práxis limitada pelas fronteiras
deste “único presente cabível” que entendemos o texto de Lyotard como uma proposta
pragmática de experimentação do tempo histórico nesta chamada “pós-modernidade”, a
“Idade da Emergência” que já traz em si seu próprio horizonte de expectativas e é tão cara a
este Novo tempo do mundo, como nos diria o filósofo Paulo Arantes (ARANTES, 2014).
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KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2006.
ABSTRACT: This paper analyzes appointments from class in the history and hermeneutic
discipline. The principle purpose is to analyzes about hermeneutic and history to think about
history writer. The main conclusion in this research bibliography is that there is another way
to write history stay away from canons of tradition, possible to do for the esthetic. To
discussion are studied conceits from hermeneutic and from Schleiermacher works in XIXth
century; in comparison with Gadamer and the contribution form Kant esthetic.
Introdução
Um historiador luta com a escrita das palavras. Um neófito tem o desafio de lidar com
a linguagem para responder quais os procedimentos no estudo e interpretação das fontes e
como essa tarefa efetiva na construção do texto historiográfico. Uma demanda é não permitir
que método e conteúdo sejam separados. Essa prática, ou o resultado dela é que valida o
conhecimento em história: o discurso escrito.
Os atos heroicos dos gregos foram considerados dignos de serem contados. Da mesma
maneira a vida dos reis e dos santos nos anais e crônicas escritas nos mosteiros. Os príncipes dos
séculos XIV e XV sustentavam cronistas para que louvassem seus feitos. Os relatórios
diplomáticos sobre os acontecimentos das cortes e os humores do rei tinham objetivo de
perenidade. A escrita da história pertence a um circuito de comunicação operando dentro de
padrões consistentes, sedimentados.
6
Texto elaborado a partir de notas de aula na disciplina Hermenêutica e História, Professor Dr. André F. Voigt.
Programa de Pós Graduação/Instituto de História/Universidade Federal de Uberlândia. 2003.As reflexões do
presente texto são de inteira responsabilidade da autora
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Mesmo com a chamada “virada” da história; parcial evidentemente, uma vez que a
questão visceral, o método, não virou junto com as demais questões, a tarefa do historiador é
revelar esses circuitos ao pesquisar as fontes e imitar historiadores experientes. Antoine Prost
no livro Doze lições sobre a história afirma textualmente:
A citação de Prost não deixa dúvidas sobre as questões práticas da produção do texto
histórico, muito menos sobre a intencionalidade de um historiador. Apesar de o ofício ser
considerado como um trabalho no âmbito da oficina, o próprio autor demonstra receio das
críticas dos pares ao propor a escrita de um manual fechado em doze lições. O argumento
com o qual se protege é afirmar que se trata de um manual para iniciantes. O autor apresenta,
em doze lições, orientações práticas sobre a profissão e conclui com a discussão sobre a
função social da história.
A partir de Platão (séculos IV e III A.C) um novo tipo de conhecimento começa tomar
forma, diferente do conhecimento venatório e divinatório. (GINZBURG,2003, p.80). Nos
tempos imemoriais, conhecimento era fruto de experiência pessoal intensa, o livre jogo da
imaginação, tendo na arte sua maior expressão. A partir das ideias de Platão (427-347 a.C.),
filósofo da linguagem e da fala, a realidade passou a ser entendida como mundo de ideias. A
partir dessa compreensão, até os deuses do Olimpo foram presos pelo logos. Aristóteles, (384-
322 A.C) reforçou essa perspectiva com a lógica formal aristotélica e a lógica material. Esses
paradigmas se tornaram o modelo ocidental para se pensar a realidade; um “poderoso
instrumento da abstração” (GINZBURG, 2003, p.167) que tem sido referência para valorizar
determinados tipos de conhecimento até os dias de hoje.
Entretanto, muito mais do que crítica sobre a abordagem, trata-se de embates entre
campos de força; a manutenção do controle do discurso dominante sobre o que é história.
Pensar a epistemologia poderia revelar quão frágeis são as estruturas duramente construídas, a
partir da Escola dos Annales, para demarcar as fronteiras sobre o conhecimento em história.
Essas demarcações constantemente ameaçadas por outras ciências, sempre exigiram um
esforço hercúleo para que permanecessem firmes. É certo, porém, que nenhum historiador
pode fugir do confronto entre a prática e a reflexão; a tensão decorrente da necessidade de se
pensar os aspectos metacognitivos do seu ofício.
Ao fazer uso das regras da retórica aristotélica, (reforçada e burilada por Cícero e
Quintiliano), o historiador torna-se dependente dos fatores externos da comunidade. Essa
asserção mostra que é um sujeito heterônomo por conformar-se ao modelo da tradição. Ele
atinge a autonomia no momento em que há a congruência da apreensão dos valores desse
grupo. Os valores são introjetados e ao escrever para uma comunidade moral de sentido que
valida esse discurso essa produção será aceita como historiografia. A escrita fica submetida à
retórica baseada no contexto de autoridade e comunidade que dita normas e valores. Pensar
em fontes é pensar na necessidade de escrutinar os textos que se creem herméticos para
depurá-los e apreender a verdade sobre o momento histórico que representam.
Um leitor hermeneuta atenta para a posição social que o autor ocupa no mundo e as
implicações desse lugar de onde escreve. Essas informações oferecem pistas sobre o
pensamento que esses sujeitos tinham a partir da linguagem que se apresenta no texto.Os
elementos da escrita que serão utilizados, o uso de termos específicos, o vocabulário, as
metáforas; enfim, nos recursos de tessitura selecionados pelo escritor para composição da
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artesania do texto. Esses elementos são alegorias que o escritor utiliza para estabelecer
conexões com as verdades transmitidas pela tradição e se encontram presentes no seu
momento social, político, enfim a vida da comunidade daquele autor.
Essa questão está implícita em todos os recortes de um historiador; seja uma batalha,
um político, uma instituição. Esse aspecto não pode ser evitado em nenhum tipo de
julgamento porque nele está implícito acreditar que “a realidade é dele” para que selecione
dessa mesma realidade o que quiser.
O surgimento dos estudos sobre a estética no século XIX lança novas luzes sobre a
questão da produção do conhecimento.
A estética proposta por Hegel (2001:88) entende que a arte e a natureza são coisas
separadas. O autor não submete a estética à linguagem (conforme Aristóteles).A síntese arte e
natureza se dá entre o sensível e o pensável. Hegel considera que a compreensão da arte
implica sempre uma mediação histórica. Esta é uma tarefa a ser exercida pela hermenêutica.
Diferente de Hegel, a proposta de Kant, foi um divisor de águas na questão. Para Kant
estética é o confronto não consensual entre imaginação e entendimento. Kant utiliza o
conceito transcendental para justificar o juízo estético. Com essa asserção ele demarcou a
autonomia da consciência estética, derivando a legitimação da consciência histórica.
(GADAMER,2002, p.82) Na tradição retórica humanista o juízo está atrelado a capacidade de
julgar, a partir da autoridade dada pela comunidade.(GADAMER,2002, p.82).Kant inverteu a
relação proposta pela retórica ao considerar a autonomia resultante do esclarecimento como o
fundamento para a vida em comunidade. Segundo esse autor, a partir da comunidade de
dissenso, fundada no juízo de gosto, estético, e pelo livre jogo, funda-se uma nova
comunidade possível de existir na heteronomia; seu fundamento é o aufklerüng.
Considerações finais
A escrita que se propõe para a história é aquela que atravessa os gêneros do discurso; o
de uma escrita menos que escrita, puro trajeto de sentido quase-imaterial, do sentido sem
instrumentos de escriba, harmonizado com o ritmo vital da comunidade sã.
(RANCIÉRE,1995, p. 11).
O estudo das fontes bibliográficas em história deve ter como meta reivindicar o
princípio de “igualdade em dar a qualquer vida obscura o brilho do Único”; o advento
aleatório do anônimo (RANCIÈRE, 1995, p.15). Cada um dos anônimos tem a possibilidade
de estabelecer seu próprio juízo, tem a possibilidade da palavra, pode jogar o livre jogo da
imaginação e assim estabelecer uma outra comunidade de sentido; uma vida plena de vida
vivida na fruição do instante. Comunicar essa vida como a respiração imediata do verdadeiro
é a função do historiador. A décima terceira lição sobre a história.
Referências
7
A presente comunicação faz parte do artigo apresentado como trabalho final da disciplina cursada na Pós-
Graduação de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a saber: História da historiografia:
da abordagem estrutural da História às querelas pós-estruturalistas. Agradeço ao professor da disciplina,
Prof.Dr. José Carlos Reis, por todas as valiosas contribuições dadas para fortalecer a consistência da minha
argumentação. Agradeço ainda ao apoio financeiro recebido da FAPEMIG como sua bolsista de doutorado.
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Para a historiografia moderna, uma vez que o futuro prometia abrigar a implantação de
uma sociedade justa, livre, com igualdade de direitos, a destruição violenta do presente
garantiria a ruptura brutal com o vivido, realidade imperfeita, dominada pelos poderosos
jugos da opressão. Como era o evento que materializava a duração capaz de trazer a
interrupção da continuidade, a historiografia moderna articulava narrativas de fôlego curto,
nas quais prevalecia o tempo ocorrencial, acelerado, ritmado pela grande velocidade da
sucessão dos acontecimentos – a “revolução permanente”. Portanto, se a concretização da
utopia, a instauração do bem comum, dependia da liquidação da ordem instituída, era
valorizado aquelas instâncias consideradas dotadas de poder suficiente para assegurar as
profundas mudanças no estado de coisas vigente. O foco do historiador na historiografia
moderna recaia sobre os grandes atores da vida pública, tais como: o Estado, os partidos, o
proletariado, as instituições; todos os agentes projetados na condição de “verdadeiros”
operadores das transformações. Como a esfera política representava a instância a qual caberia
definir quais os rumos seguiria a vida em sociedade, os que ocupassem a posição de
superioridade nas relações de poder eram considerados merecedores de destaque, porque
situados na vanguarda dos processos vivenciados.
ou não. Na visão de Maffesoli, o indivíduo não necessitava arcar com o ônus do julgamento
permanente dos comportamentos adotados, a libido ficava desinibida para fruir intensamente
o orgasmo propiciado por cada experiência, porque livre de sentimentos de contrição, a
vontade culpada cristã (MAFFESOLI, 2003). Para o pensador francês, quanto mais atento aos
instintos humanos mais primitivos, mais o indivíduo poderia aproveitar em plenitude o gozo
desfrutado por cada instante vivido – o eterno carpe diem. A palavra de ordem do pós-
estruturalismo poderia ser sintetizada no apelo “morremos, logo vivamos!”, ou seja, se o
transcorrer do tempo envolve a permanente degeneração, a melhor alternativa era a busca da
felicidade no aqui-agora (MAFFESOLI, 2003). Portanto, o presente foi elevado à condição de
auto suficiente, na medida em que a duração temporal tinha a partir de então o direito de
existir autonomamente, aliviada das pressões constantes, tanto do excesso de bagagem das
experiências do passado, quanto do excesso de projeções de expectativas do futuro.
pertencer à uma “humanidade inviável”, classe parasita que exclusivamente sorveria dos
fundos públicos devido à sua inaptidão para produzir dividendos (BAUMAN, 1998).
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ABSTRACT: This article presents a brief historical about the constitution of Comparative
History. We therefore believe that the Comparative History is a viable research bias, which
brings the possibility of thinking about issues in different environments.
Enfim, o método comparado foi empregado pelas mais diversas disciplinas sociais e
humanas (também nas ciências exatas), antes de chegar à história, o que veio a ocorrer apenas
no final do século XIX (GORTÁZAR, 1993, p.38). Do século XIX para o XX, a História
Comparada passou a ser utilizada de forma ampla, grosso modo, a principal preocupação seria
com as estruturas sociais e suas transformações (GÜL, 2010, p. 144).
Não vamos entrar nos detalhes destes trabalhos, mas são exemplos abrigados no bojo
deste primeiro uso historiográfico do método comparado, os trabalhos de Oswald Spengler
(1879 – 1936) e Arnold Toynbee (1889 – 1975), cujos trabalhos influenciaram autores como
Samuel Huntington. Também, não se pode deixar de mencionar Max Weber que dá uma nova
direção ao comparativismo do século XIX e se torna influência para trabalhos como o de
Norbert Elias (1897 – 1990) (BARROS, 2007, p. 158 - 160).
Embora os autores indicados acima sejam, junto de outros, os responsáveis pelo que
talvez possa se chamar de pontapé inicial ao comparativismo histórico, o primeiro a
desenvolver uma “formulação mais sistemática de um método comparativo como parte do
métier do historiador” foi Marc Bloch. Segundo D’Assunção Barros, é a partir de Marc Bloch
que podemos falar da constituição de uma História Comparada (BARROS, 2007, p. 162 -
163).
Dessa forma seria possível comparar sociedades distantes no tempo e no espaço, com
características análogas observadas em ambos os lados, entre este ou aquele fenômeno,
obviamente, sem a possibilidade de serem explicados por influências mútuas, nem por
qualquer comunidade de origem. Nas palavras do autor:
On choisit des sociétés séparées dans le temps et l’espace par des distances
telles que les analogies, observées de part et d’autre, entre tel ou tel
phénomène, ne peuvent, de toute évidence, s’expliquer ni par des influences
mutuelles, ni par aucune communauté d’origine. (BLOCH, 1928, p.17)
Esse cuidado em comparar somente o que era dado como passível de comparação
tinha por motivo um temor em se perder o que é mais caro ao historiador: a singularidade, as
especificidades dos processos históricos. Nesse sentido se justificaria o medo de um excesso
de abstração que não respeitasse os limites do espaço e do tempo na construção da análise
comparativa. Outro temor que se desenharia era acerca do “etnocentrismo”, pois se uma
pesquisa estabelecesse uma comparação entre uma sociedade ocidental e uma oriental,
geralmente tomar-se-ia por norma as características ocidentais (THEML; BUSTAMANTE,
2007, p. 5 - 6).
pois os fenômenos sociais não são causais, evolutivos e lineares. Daí a possibilidade de
comparar o incomparável (THEML; BUSTAMANTE, 2007, p. 10 - 12).
Não se faltou críticas para a História Comparada, com o surgimento da teoria pós-
colonial, das correntes pós-modernistas, além de questões problematizadas a partir do
contexto da globalização. Chamou-se a atenção para a suposta “inabilidade do método
comparado em capturar as diversas interconexões – de mão-de-obra, gente, capital, bens,
símbolos, ideias, culturas – que se estendem sobre fronteiras políticas convencionais,
especialmente o Estado-Nação” (PURDY, 2012, p. 65).
Nesse sentido, afirma Micol Seigel, a História Transnacional trataria de problemas que
extrapolariam as fronteiras nacionais, estando esses contidos em unidades maiores ou
menores do que Estado-nação (SEIGEL, 2005, p. 63).
Com o advento da pós-modernidade a crítica ganha ainda mais folego, nas palavras de
Rust e Lima:
No entanto o método comparado pode ser a solução para se pensar inúmeras questões,
a possibilidade de se pensar tendo em vista o confronto de múltiplos focos de análise pode
trazer contribuições impossíveis a uma pesquisa que se atenha a apenas um foco.
Acerca das críticas, é bem verdade que a História Comparada deve romper com alguns
tabus, talvez revisitar a máxima de Detienne e se arriscar a “comparar o incomparável”, ou
pelo menos se permitir abordagens diferenciadas do comparativismo na História.
Trabalharemos deste momento em diante, com algumas respostas ás críticas descritas acima e
propor uma nova forma de abordagem para a História Comparada.
No que diz respeito à crítica elaborada pelos teóricos da história transnacional, ela é
bastante útil, afirma Sean Purdy, pois ela evita um excesso de crença na forma de conceber o
Estado - nação como algo fechado, também propões uma maior reflexão sobre estereótipos
eurocêntricos. Nas palavras do autor: “A crítica da história comparada estreitamente
concebida foi útil por destacar os perigos da reificação da nação, nacionalismo e ideias
estereotipadas como o eurocentrismo.” (PURDY, 2012, p. 78).
No entanto, o foco transnacional em si, não seria a resposta, pois se trata de outra
escala de análise, ou seja, uma nação ou um Estado, nada mais são do que uma construção
que leva em consideração critérios e referenciais, Um Estado pode abrigar várias nações ou
pode haver uma mesma nação em Estados diferentes, enfim, o objeto é também algo
construído pelo historiador. No caso da Comparação o problema só se mostra válido se o
pesquisador construir seus focos de análise de forma simplista, sem levar em conta a natureza
do objeto analisado para além de definições previamente ou comumente estabelecidas. Com
argumenta Purdy: “A História Comparada mantém sua utilidade em um nível de análise para
descobrir as diferenças e semelhanças entre as formações sociais.” (PURDY, 2012, p. 77).
Deve-se valorizar a crítica feita pela possibilidade que ela cria. Uma vez que se perde
a inocência acerca da existência de fronteiras frente á sociedade, se torna totalmente viáveis
Sobre a crítica desenvolvida pelas correntes pós-modernas, o problema mais uma vez
se dá sobre as unidades de comparação, como observa Rust e Lima:
Como enfatiza Ignacio Olabárri Gortázar, a História Comparada tem por objetivo
maior, explicar e expor problemas, nesse sentido, a unidade de comparação está sempre
vinculada ao problema da pesquisa a ser investigado, cabe ao historiador desenvolver junto
com a problemática de sua pesquisa, suas unidades de comparação, dessa forma:
Ello supone no ya que pueden ser más útiles como unidades de comparación las
localidades, regiones o áreas transnacionales que las naciones, sino también que las
unidades de comparación no tienen por qué ser unidades geográficas; las
comparaciones pueden hacerse entre sistemas sociales, o entre etapas cronológicas
distintas de la evolución de una misma unidad. (GORTÁZAR, 1993. p. 52).
Portanto, acreditamos que a História Comparada é um vigoroso viés de pesquisa, que
traz a possibilidade de se pensar questões nas mais variadas unidades de comparação. Se
limitar a desenvolver pesquisas sobre temporalidades e espaços distintos, ou em
temporalidades coetâneas, ou ainda, ter esses prismas de análises como regras estanques, é,
sobretudo, impedir ao historiador que se debruça sobre a História Comparada de empreender
novas propostas.
Nesse sentido, uma proposta que busque comparar objetos em um mesmo espaço e em
temporalidades subsequentes cronologicamente fornece unidade de comparação que não são
estanques ou pré-determinadas. Além de se abrir caminho para análises que ao invés de
considerar a natureza humana imutável através do tempo, vai no sentido oposto e considera o
homem e o que ele produz mutável através do tempo. Portanto, a proposta de se comparar as
produções humanas, é uma possibilidade a se pensar como saída às críticas que elencamos
acerca do método comparado na História.
Por fim, uma proposta que procure uma nova forma de usufruir do metodologia
comparada na História só tem a contribuir com o estabelecimento do método e seu
consequente aperfeiçoamento. Impedir novas empreitadas na História Comparada, é impedir
ao historiador contribuir para o aperfeiçoamento do método comparativista na História.
Referências bibliográficas
BARROS, José D ’Assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer a história,
Revista de História Comparada, v. 1, n. 1, p. 1-30, 2007.
BLOCH, Marc. Pour une histoire comparée des sociétés européennes. Revue de synthèse
historique. V. 46, p. 15-50, 1928.
GÜL, Serkan. Method and practice in comparative history. Karadeniz Araştırmaları, v.26, p.
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MOREL, Marco. O Partido Caramuru nos anos 1830. IN: JANCSÓ, István (org.). Brasil:
Formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec; Editora Unijuí; FAPESP, 2003.
PIMENTA, João Paulo Garrido Pimenta. História dos conceitos e história comparada:
elementos para um debate. Almanack Braziliense, n. 07. 2008.
RUST, Leandro Duarte; LIMA, Marcelo Pereira. Ares pós-modernos, pulmões iluministas:
Para uma epistemologia da História Comparada, Revista de História Comparada, v. 2, n. 1,
2008.
SEIGEL, Micol. Beyond Compare: Comparative Method after the Transnational Turn.
Radical History Review, n. 91, p. 62-90, 2005.
RESUMO: A análise de diferentes concepções desse conflito (no Brasil) nos leva a entender
que as questões relativas à história não devem ser pensadas somente no resultado final do
trabalho mais, que a construção de uma historiografia parte de distintas filiações teórico-
filosóficas e metodológicas. Se existência do conflito é certa aos os autores, o que discutimos
é a maneira como cada um trata os acontecimentos e, ainda, os interesses que nortearam suas
pesquisas.
ABSTRACT: The analysis of different conceptions of this conflict (in Brazil) has lead us to
understand that questions regarding to the story should not be thought just in terms of the
final result of the work, but also considering that the construction of a historiography is
provided by distinct theoretical affiliation. If the conflict is a fact for the authors, what we
have discussed is how each one handles the events and furthermore the interests that which
guided their research.
A atividade historiadora
A história fomenta questões, que são resultantes de um tempo vivido, por quem
escreve, uma vez que toda a produção historiográfica está enraizada em uma particularidade;
um lugar social, como já afirmava Michel de Certeau. A história se torna, então, uma
Segundo Chiavenato, a guerra que começou em 1864 e foi até 1870 foi causada
especificamente por motivos econômicos, quando a maior interessada na realização da guerra
era o imperialismo inglês, o qual teria manipulado e financiado o conflito que envolveu
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Durante mais de cem anos pairou uma onda de mentiras sobra a Guerra do
Paraguai (...) um silêncio criminoso, procurando ocultar de todas as formas
possíveis o que foi aquela guerra, o que representou para os povos
envolvidos e principalmente, como, por sua causa, o Brasil a Argentina
(levando o Uruguai de contrapeso) ficaram definitivamente colonizados pelo
capital Inglês. (CHIAVENATO, 1979, p. 9)
No primeiro quartel do século XIX, Francia, chamado de El Supremo assume o poder
no Paraguai e exerce uma ditadura em benefício do povo. Quando El Supremo morre, Carlos
Antônio Lopez assume o poder de 1840, o qual cria um Paraguai moderno, rumo a um próprio
progresso, com o surgimento de fábricas, engenheiros e técnicos são trazidos da Europa para
modernizar o país e também envia homens para se especializar. Ao falecer em 1862, seu filho,
Francisco Solano Lopez assume o poder aos dezoito anos com o propósito de continuar o
trabalho que seu pai havia começado; (CHIAVENATO, 1979, p. 47) tudo isso sem recorrer aos
financiamentos ingleses. (CHIAVENATO, 1979, p. 30).
Francisco Solano Lopez assume o poder no Paraguai num momento onde a Argentina
estava à beira de uma guerra civil. Após a independência, a Argentina se divide em 14
províncias; Solano Lopez consegue pacificar os argentinos e impede a marcha de Justo José
de Urquiza sobre Buenos Aires. A intenção de Lopez nesse caso era apenas manter o
equilíbrio econômico no Prata. Ao mesmo tempo em que Lopez consegue a pacificação,
impedindo vinte mil homens, que marchariam de Rosário rumo a Buenos Aires, cria
condições para que as províncias argentinas se unam. Nesse mesmo contexto a intervenção
brasileira no Uruguai apoiada por Bartolomeu Mitre (presidente de Argentina) facilita o
tratado da tríplice aliança, sendo esta, “uma cilada histórica na qual Lopez promove a
pacificação da Confederação Argentina, e a mesma se volta contra seu país”. (CHIAVENATO,
1979, p. 52)
Segundo Chiavenato, Francisco Solano Lopez vai fazer a guerra sem entender a
natureza das suas origens. Pois, para o governante paraguaio, o desencadear do conflito se
prende a tratados não cumpridos, questões de limites e reivindicações territoriais. O Paraguai,
portanto, vai à guerra com armas fabricadas por ele próprio e sem necessitar de empréstimos
da Inglaterra, como Brasil e Argentina. (CHIAVENATO, 1979, p.110)
Para Chiavenato o Paraguai preservou uma coesão moral ao enfrentar seus inimigos. O
exercito brasileiro era formado em sua maioria, por negros escravizados; um povo que
continuava sendo levada ao matadouro pelas classes dominantes do império.
(CHIAVENATO, 1979, p. 126) O exercito da Argentina tem mais pessoas mortas na
retaguarda, na repressão aos movimentos contrários a guerra, do que as baixas ocorridas na
linha de frente; muitos são acorrentados e levados, a força para a guerra. No caso do Uruguai,
existe apenas um aglomerado de pessoas comandadas pelo Caudilho Venâcio Flores, o qual
via a guerra apenas como um bom negócio. CHIAVENATO, 1979, p. 127)
Chiavenato observa este fato como uma qualidade do heroísmo de Francisco Solano
Lopez, somado pela sua coragem e inteligência. No final da guerra, seus soldados são
crianças com idade entre seis e nove anos. Com isso Chiavenato destaca a superioridade
moral a qual o Paraguai também era superior a seus inimigos. Fato este que caracteriza o
exército de Lopez com atribuições heroicas. (CHIAVETATO, 1979, p. 113)
No Brasil, a guerra serviu também para tirar os desocupados das ruas, e cria-se uma
falsa situação de progresso, mesmo sabendo que os empréstimos criavam uma situação de
total dependência. Para a Grã-bretanha isso era vantajoso, pois estava vendendo suas armas e
ainda, assistindo a destruição de um pais que poderia ser um forte concorrente no futuro.
(CHIAVENATO, 1979, p. 131) Na verdade o império do Brasil e a Argentina passam a ter
um alivio as dificuldades econômicas com a guerra. D. Pedro II também acabou resolvendo
um problema internacional que incomodava as relações com a Inglaterra. (CHIAVENATO,
1979, p. 132)
Após a guerra a palavra tirana passa a ser um complemento do nome Francisco Solano
Lopes; a ele são atribuídos diversos feitos aterrorizantes. Porém os inúmeros atos de
selvageria e crueldades atribuídas a Francisco Solano Lopes, isso significa a construção de
uma imagem feita por Brasil e Argentina.
(...) três mil e quinhentas crianças enfrentaram vinte mil aliados, pois após
essa insólita batalha, quando ao seu final, no cair da tarde, as mães das
crianças paraguaias, saem do mato para resgatarem os cadáveres dos filhos e
socorrem os poucos sobreviventes, o Conde D’EU mandou incendiar a
macega, matando queimadas as crianças e suas mãe. [...] Depois da batalha
Acosta ÑU era um campo em chamas, entre as chamas viam-se pela noite,
já, levantar-se um soldado criança que ali fazia ferido e fugia do fogo até ser
alcançado e cair no braseiro queimando-se vivo. (CHIAVENATO, 1979, p.
142)
O líder Francisco Solano Lopez, ao final da Guerra, ficaria marcado pela frase: Muero
con mi Pátria! Jamais um homem entrou para história com uma frase tão tragicamente
verdadeira. (CHIAVENATO, 1979, p. 162) Com a guerra terminada e o Paraguai destruído, o
mesmo perdeu cento e quarenta mil quilômetros quadrados do território. Segundo Chiavenato
“as terras perdidas pelo Paraguai somam em quilômetros quadrados mais que os estados
brasileiros, Pernambuco e Alagoas, Espírito Santo e Paraíba juntos”. (CHIAVENATO P.165)
O autor ainda continua exemplificando que roubaram do Paraguai “um território maior que
Portugal e Dinamarca juntos; maior que a Bélgica e Cuba juntas; maior que a Áustria e a
Costa Rica juntos” (CHIAVENATO, 1979, p. 165) Na destruição do País Guarani, destrói-se
também a grande esperança de libertação econômica da América do Sul, e consolida-se o
domínio do capital estrangeiro.
Segundo Doratioto, o livro mais marcante do revisionismo foi a obra La Guerra Del
Paraguai: Gran Negocio!, publicada em 1968 pelo historiador argentino Leon Pomer; obra
esta, que influenciou a concepção de Júlio José Chiavenato. O “grande negócio” dito por
Leon Pomer seria simplesmente o fato da Inglaterra vender as armas para os países
envolvidos na guerra; Chiavenato afirmou, erroneamente, que a Inglaterra tinha interesse em
destruir o Paraguai, por este representar uma ameaça aos interesses econômicos britânicos.
O Paraguai queria ampliar seu comércio com o exterior para se modernizar, mas para
isso precisava de um porto marítimo. O porto de Buenos Áries insistia em cobrar altas taxas
de modo a dificultar a comercialização paraguaia; outra opção para o Paraguai seria o Porto
de Montevidéu no Uruguai. O fato é que nesse momento o Uruguai estava à beira de uma
guerra civil, fato este que para Doratioto serve para entender a Guerra do Paraguai.
Solano Lopez oficializou uma aliança com o governo Uruguaio estabelecendo um eixo
Assunção-Montevidéu. Nesse mesmo contexto os fazendeiros gaúchos reclamam ao Brasil,
denunciando abusos de autoridades uruguaias a cidadãos brasileiros que apoiavam o partido
Colorado. O Império do Brasil cedeu às pressões dos gaúchos, primeiro para não ser acusado
de omisso frente à situação; depois para evitar que os Argentinos colhessem sozinhos os
frutos de uma vitória do Partido Colorado. (DORATIOTO, 2002, p.47) De um lado estavam
Paraguai e Uruguai e de outro, Brasil e Argentina; esse era o contexto geopolítico no qual se
desenrolaria a Guerra do Paraguai. A interferência na política interna do Uruguai pelo Brasil
resultou numa ação militar do Paraguai. 8 Para Doratioto “o ataque paraguaio ao Mato Grosso
causou indignação no Brasil, visto como um ato traiçoeiro e injustificável (...) bem como pelo
8
Com o apoio de Brasil e Argentina, o caudilho Venâncio Flores (representante do partido Colorado) estava
preparado para subir ao poder, substituindo o líder do Partido Blanco no Uruguai. Assim, em 12 de outubro de
1864 Flores, com a ajuda das tropas imperiais, assumiu o poder no lugar dos Blancos.
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v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 530
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fato de Marquês de Olinda ter sido aprisionado sem declaração de guerra” (DORATIOTO,
2002, p. 111)
Na obra Maltita Guerra autor apresenta diversos atos perversos de Solano Lopes,
mostrando que o mesmo não admitia erros. Na batalha de Curuzú “os soldados eram
perfilados, contava-se até 10 e o décimo soldado era retirado da formação. Ao final da
contagem do batalhão os soldados que foram separados era fuzilados sem piedade”.
(DORATIOTO, 2002, p.237). Muitos outros exemplos presentes na obra de Doratioto
revelam o quão sanguinário era o governante paraguaio. (DORATIOTO, 2002, p.343). O
revisionismo de Chiavenato observa tais fatos como situações normais, uma vez que se
tratava de uma guerra; enquanto Doratioto designa tais atitudes, de Lopes, como atitudes
covardes e bárbaras.
Conclusão
A Guerra do Paraguai não está pronta e esgotada na obra de Doratioto, assim como
não esteve em nenhuma das que a antecederam; e assim, confirmamos uma questão posta por
José Carlos Reis, segundo a qual, não há um passado fixo a ser esgotado pela história ao
passo que não exista uma verdade absoluta, mas o que existe, são “verdades”, esta que resulta
da subjetividade de quem escreve.
Referências bibliográficas
BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da universidade
Estadual Paulista, 1992.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
REIS, José Carlos. Identidades do Brasil: de Varnhagem à FHC. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
ABSTRACT: François Hartog reflects about the historic time in his work “Régimes
d'historicité”. He defends that we would live in a present time regime, in which time is
omnipresent. Would Hartog’s diagnostic be applicable to Brazilian historiography? Supported
by the book Cidadania no Brasil, written by José Murilo de Carvalho, I aim to propose
evidences that display the instrumentalisation possibility of the presentism within our
historiography.
Dividido em quatro capítulos mais uma conclusão, o autor traça o percurso histórico
de como os direitos civis, políticos e sociais foram adquiridos ao longo da história nacional.
Os capítulos são divididos em marcos temporais, sendo o primeiro deles chamado de
Primeiros Passos (1822-1930). Nele, o autor demonstra a força que os grandes proprietários
de terra, senhores de engenho e posteriormente coronéis, exerciam sobre a máquina do Estado
e sobre as eleições. O caráter das eleições no período era marcado por fraudes, manipulação
de votos e corrupção. Oligarquias exerciam influências locais para garantir a sua permanência
no poder. O jogo politico acontecia dentro de uma relação que envolvia troca de favores entre
coronéis, governadores e presidente. Outro ponto marcante desse período é a escravidão. A
escravidão criava dois grupos antagônicos em relação à cidadania. Senhores e escravos não
desenvolveram consciência de cidadãos. “O senhor não admitia os direitos dos escravos e
exigia privilégios, e o escravo estava abaixo da lei” (CARVALHO, 2001, p.53). O autor
demonstra que durante o período, rebeliões que ocorreram pelo país podem ser indícios de um
principio de consciência coletiva.
Durante o capitulo III, Passo atrás, passo adiante (1964-1985), José Murilo descreve
o golpe militar e demonstra que por mais ambíguo que possa parecer, a ditadura militar foi
um período de expansão dos direitos políticos. Mesmo o voto tendo perdido valor diante da
maquina de repressão estatal, o número de votantes aumentava a cada eleição e foi importante
para enfraquecer o regime, já que a partir das eleições de 74 a oposição ao regime foi ficando
cada vez mais forte e o espaço de ação dos militares se reduzindo. Assim como na ditadura
Varguista, os militares também ampliaram os direitos sociais e reduziram os direitos civis,
mas por incrível que pareça iniciaram um processo de ampliação dos direitos políticos.
Na conclusão, José Murilo de Carvalho levanta pontos importantes. Para ele, ao longo
de sua jornada, o Brasil ainda não foi capaz de concluir um projeto de cidadania. Num
percurso muito especifico, no qual os direitos sociais vieram antes dos civis e políticos através
de um ditador carismático, o poder Executivo foi excessivamente valorizado. Os direitos
sociais foram implantados em momentos no qual o legislativo pouco ou nada atuava. Cria-se
a imagem de Executivo centralizador e todo poderoso. A população em busca de soluções
rápidas elege candidatos com características messiânicas. Vargas, Jânio Quadros, Collor.
O autor é otimista em alguns aspectos. Para ele, tanto a esquerda como a direita estão
convictas em relação à democracia. Soma-se a isso o cenário internacional que não abre
espaços para golpes de Estado e ditaduras. Por outro lado, o cenário internacional também
traz complicações. A queda da União Soviética, a expansão do mercado em ritmo acelerado e
movimentos de minorias provocam mudanças entre a relação Estado, sociedade e nação. O
foco dessas mudanças é o enfraquecimento do papel do Estado como fonte de direitos e de
identidade coletiva. Dentro do pensamento liberal renovado, o cidadão torna-se cada vez mais
consumidor.
Durante quase 200 anos o Brasil correu atrás de um modelo de cidadania ocidental que
hoje se encontra em crise. O Brasil ainda não foi tão afetado por essas mudanças como EUA e
Europa. Romper com a tradição do estatismo é algo difícil. Algumas dessas mudanças de
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Supervalorização da imagem do presidente;
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v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 536
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Anais do III Encontro de Pesquisa em História
ordem global podem ser benéficas ao Brasil. Entre elas a organização da sociedade para dar
embasamento social ao politico e combater o Estado clientelista, e a criação de novas formas
de envolvimento da população na formulação e execução de políticas públicas.
Essas características não estão presas somente no livro analisado. Em resenha sobre
Regimes de Historicidade publicada recentemente na revista História da Historiografia, o
historiador Walderez Ramalho nos demonstra outras possibilidades da aplicação do
presentismo no Brasil. O autor destaca o comportamento de revistas que fazem forte apelo ao
instante como algo já histórico.
Cidadania no Brasil é uma obra histórica que nos possibilita pensar o presentismo
dentro da realidade brasileira. Ao que nos parece, José Murilo de Carvalho propõe uma
síntese pautada amplamente na perspectiva de tempo presentista. O tempo histórico
problematizado por Hartog pode, sim, ser instrumentalizado na historiografia brasileira. Mais
do que isso, o presente inflado e o tempo acelerado estão presentes em nossas relações sociais
e políticas públicas. Vários historiadores têm sugerido que após 1989 o mundo teria entrado
em uma nova lógica, no Brasil podemos considerar 1988 como o marco do nosso
presentismo. Depois de um longo período de ditadura a população pode eleger de forma direta
um presidente. Infelizmente, isso não foi o suficiente para solucionar os problemas do país, a
consequência foi à aceleração do tempo e a busca de soluções imediatas.
Referências bibliográficas:
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2005.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
RÉSUMÉ: Dans cet article, je discuterai sur le refus de Nietzsche à la science de l'histoire et
à la culture historique de son temps, par le moyen de l’analyse de l’œuvre Deuxième
Considération Intempestive (1874). À partir de l’investigation des problèmes qui affectent
l'histoire et la culture allemande au XIXe siècle, mon analyse mettra en évidence quelques-
unes des raisons qui ont conduit Nietzsche à essayer une rupture en rapport à la conception de
la science et de la culture historique qui figure dans la modernité.
Tendo em vista isso, inicialmente, a história faz uso dos métodos de crítica erudita,
pegos emprestados do campo da filologia clássica, e tenta aperfeiçoá-los à maneira do
trabalho do historiador. O então responsável por introduzir na historiografia alemã o método
de crítica erudita da filologia clássica é o historiador alemão Georg Niebuhr. Não obstante, o
comumente disseminador do “método científico” na historiografia alemã é Lepold Von
Ranke, com suas abstrações sobre o estudo dos fatos passados (FONTANA I LAZARO,
2004, p. 224-225). Também nesse movimento que visa conferir à história um estatuto de
cientificidade aparecem como importantes colaboradores os discípulos de Ranke, como Johan
Gustav Droysen e Jacob Burckhardt, entre outros10. O primeiro alcançou notabilidade através
de seus cursos de metodologia da história; o segundo, a partir dos estudos inovadores sobre
história da cultura. No mesmo trilho, seguindo o longo processo alemão de unificação
política, apresenta-se a consolidação da história como ciência nas universidades alemãs da
época. É, precisamente, nessa circunstância, em que a história se esforça para garantir um
regime de cientificidade, que Friedrich Nietzsche (1844-1900) escreve sobre a história e a
cultura histórica alemã.
10
Georg Niebuhr (1776-1831), historiador alemão. Trata-se de um autor citado por Nietzsche, na II
Consideração Extemporânea, quando o filósofo refere-se à importância da atmosfera a-histórica para a produção
de todo grande acontecimento histórico. Lepold Von Ranke (1795-1886), historiador alemão. É considerado o
fundador do historicismo alemão, vertente que Nietzsche tanto critica em seus escritos de juventude. No entanto,
Nietzsche o cita várias vezes em sua obra, admirando seu estilo de escrever sobre os fatos passados. Johan
Gustav Droysen (1808-1884) estudou em Berlim com Hegel. Ele é contra o Positivismo e a favor do
Historicismo. Jacob Burckhardt (1818-1897), historiador suíço da cultura e amigo de Nietzsche na Universidade
da Basileia. Em consonância com a concepção de cultura desse autor, Nietzsche desenvolve o seu ideal de
cultura. Como se pode ver, em sua obra, Nietzsche dialoga com alguns dos principais teóricos da Escola
Histórica Prussiana.
11
Sobre a história grafada como “Geschichte”, Nietzsche trata a tendência dos historiadores modernos em
transformar todo fenômeno em conhecimento histórico. Já quando se refere à história grafada como “Historie”,
Nietzsche apresenta a história como ela se manifesta e é utilizada, sem a pretensão moderna do controle
científico. Sobre os significados em torno do conceito de história em Nietzsche, ver a nota de rodapé em:
NIETZSCHE, 2005, p. 67. Sobre as transformações filológicas e semânticas em torno do conceito de “história”
na língua alemã, ver: KOSELLECK, 2006, p. 41-60.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 541
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avaliadora. Entretanto, Nietzsche ainda evidencia outro problema, de natureza diversa, mas
que está em correspondência com o outrora explicitado, qual seja: a doença moderna do
sentido histórico (historische Sinn) de todas as coisas. Na análise de Nietzsche, a ciência
histórica na modernidade é contagiada pela febre do sentido histórico, do historicismo, o qual
toma todo saber histórico como composto por fatos isolados, autônomos, progressivos,
teleologicamente orientados, o que a faz deixar de lado o fortuito, o casual, o contingente,
próprio da subjetividade humana.
A “cultura histórica” denunciada por Nietzsche através dos seus escritos se forma a
partir do evento político europeu da unidade alemã (1871) pela constituição do império
(Reich), onde as principais consequências foram: 1) A elevação do rei da Prússia ao estatuto
de imperador (Kaiser), bem como a promoção de Berlim, a capital da Prússia, a capital do
império (Kaiserreich); 2) A aceleração do processo de modernização e especialização da
economia e 3) O redirecionamento dos estabelecimentos de ensino, principalmente das
universidades, para atender às demandas da produção e do mercado, ou seja, tratava-se de
formar a inteligência a serviço da propriedade e do lucro, e não a serviço da vida (NORBERT,
2012, p. 14-19).
Assim sendo, a cultura que os alemães acreditam ter alcançado após a Guerra Franco-
Prussiana e Unificação Alemã, em meio aos conflitos territoriais e ao nacionalismo
emergente, para Nietzsche, não é a verdadeira cultura, a “cultura autêntica” (REIS, 2011, p.
137). Não se trata de “um estilo de vida nem uma unidade artística harmoniosa, mas uma
desordenada amálgama de todos os estilos” (NIETZSCHE, 2005, p. 60), de “épocas,
costumes, obras, filosofias, religiões e conhecimentos estranhos” (NIETZSCHE, 2005, p.
101-102). É, portanto, uma cultura cultivadora da barbárie, a qual perdeu de vista que “o
conhecimento histórico, como todo outro conhecimento, deve estar a serviço de uma força
não histórica” (NIETZSCHE, 2005, p. 289), isto é, da vida em seu significado criativo. Ao
contrário dos historiadores modernos, a cultura, para Nietzsche, “não significa simplesmente
saber, ciência, Wissenschaft” (COPLESTON, 1958, p. 60), mas unidade entre forma e
conteúdo, conhecimento histórico e vida, criação e experimentação.
pense sobre o passado, não de forma factual, apenas como o que já passou, mas como baliza
para se pensar o presente e projetar o futuro.
Não obstante, Nietzsche não deprecia o valor dos estudos históricos, pelo contrário,
ele afirma que a vida tem necessidade do serviço da história. A crítica do autor repousa sobre
o “método científico” utilizado pelos historiadores modernos na decomposição e análise dos
fatos históricos. Segundo Nietzsche, tal forma de dissecação dos fatos históricos ignora a
contribuição e, porque não, a parcialidade da subjetividade humana, e colabora para a
reprodução de um tipo de “cultura histórica” preocupada apenas com a cultivação dos fatos
passados, portanto sem qualquer liame com a vida.
Entretanto, Nietzsche ainda evidencia outro problema, de natureza diversa, mas que
está em correspondência com o outrora explicitado, qual seja: a doença moderna do sentido
histórico (historische Sinn) de todas as coisas. Na análise de Nietzsche, a ciência histórica na
modernidade é contagiada pela febre do sentido histórico, do historicismo, o qual toma todo
saber como saber histórico composto por fatos isolados, autônomos, progressivos,
teleologicamente orientados, o que a faz deixar de lado o fortuito, o casual, o contingente,
próprio da subjetividade humana.
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Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Niilismo
De acordo com a reflexão de Patrick Wotling, o termo niilismo (Nihilismus), na obra
de Nietzsche, significa “desvalorização dos valores supremos” e adquire esse sentido após a
famosa sentença nietzscheana “Deus está morto!” (WOTLING, 2001, p. 38), proferida no
parágrafo 125, do livro A Gaia Ciência. Segundo a interpretação de Wotling, para
compreender o niilismo em sua correta dimensão, é necessário distingui-lo em duas formas, a
saber: o niilismo passivo e o niilismo ativo. Nos dois casos, o autor menciona a existência
dum deslocamento entre os degraus de potência das pulsões, que faz com que os ideais se
exprimam através do sistema de valor em vigor (WOTLING, 2001, p. 38). Na primeira leitura
de Wotling, o niilismo passivo significa, por assim dizer, um erro de alvo, mira. O que
domina o mundo é o sentimento generalizado de tristeza, desencorajamento, paralisia e crença
no nada, porque o mundo não é mais o que o homem moderno acreditava que ele valia.
Wotling denomina isso de “niilismo do declínio, do esgotamento, de uma forma de imersão
no pessimismo e no sentimento inibidor do vazio de todas as coisas, nada tem valor, nada vale
a pena.” (WOTLING, 2001, p. 38) 12
Bibliografia
COPLESTON, Frederick S.J. Nietzsche: filósofo da cultura. Trad. Eduardo Pinheiro. Porto:
Livraria Tavares Martins, 1958, p. 60.
12
“Il s’agit donc d’um nihilisme du déclin, de l’épuisement, d’une forme de immersion dans le pessimisme et le
sentimento inhibant de la vacuité de toute chose rien n’a de valeur, rien ne vaut la peine.”
13
“La reconnaissence face au caractere insondable et protéiforme de la realité, et de la vie, qui se joue de nos
efforts pour la fixer dans une forme facile à maîtriser.”
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ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. In: Escritos sobre história (0rg: Noéli Correia de Melo
Sobrinho). Trad. Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2005, p.
67.
NORBERT, Elias. Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e
XX. Editado por Michael Schröter. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de janeiro: Zahar, 1997, p.
60-61.
SOBRINHO, Noéli Correia de Melo. Escritos sobre Educação. 6. Ed. Rio de Janeiro: PUC-
Rio; São Paulo: Ed. Loyola, 2012, p. 14-19.
RESUMO: O presente artigo busca apresentar algumas reflexões – ainda em estágio incial-
sobre a produção das crônicas coloniais no Novo Mundo – Índias Ocidentais espanholas -,
tendo como foco algumas crônicas franciscanas produzidas na Nova Espanha/Galícia e Nova
Granada no século XVI, visando corroborar a idéia do Historiador Francisco Esteve-Barba e
sugerindo a existência de uma Historiografia Indiana.
ABSTRACT: This article aims to present some reflections - still in initial stage- about the
production of colonial chronicles in the New World – Spanish West Indies - focusing on some
Franciscan chronicles produced in Nueva España / Galicia and Nueva Granada in the
sixteenth century. It aims to corroborate the idea of the Historian Francisco Esteve-Barba, and
suggests the existence of an Indian Historiography.
No que tende à “circulação de bens, pessoas e instituições”, supomos que, por mais
que as evidenciações institucionais, administrativas, ou mesmo conquistadoras, sejam as
mesmas nos mais diversos cantos do globo, ainda assim, como nos lembra Eliott (ELLIOT,
2004), cada contexto colonial é um contexto, com suas peculiaridades, inovações e
improvisos.
The fact that they recorded a new reality also endows these writings with an
enormous intrinsic interest. As they "invented" the New World, to use
Edmundo O'Gorman's famous phrase, the early writers framed the founding
images and topics — of Utopia, civilization and barbarism -which would
resonate in European and Latin American writings, as well as influence
colonialist policies, for centuries to come. At the same time, for the players
of the Conquest writing to the Crown was more a routine than a reflective
act, an act of obligation, service and reporting. (MERRIM, 1996, p. 59)
(…) So it was that men of arms, at times ill-prepared for the task, became
men of letters, who could create texts as nuanced and strategically crafted
as many works of literature. Carefully couched in the languages of success,
they would proffer their failures. So it was, too, that their texts would often
acquire a complexity proportionate to those of the malfeasances of which
the authors seek to render accounts (…).
A primeira seria a noção de família textual, apresentada por Stephanie Merrim, para
avaliar o que seriam os 50 primeiros anos da produção historiográfica no Novo Mundo:
For these reasons, and for the purposes of analysis, we might therefore understand the
historiography of the first fifty years of the Hispanic New World as a textual "family"
and series. As in any family, its members at once share certain defining traits and
retain their individuality. In order to showcase both familial aspects, of communality
and uniqueness, we shall treat the works as a textual series, drawing comparisons
between them and showing how they echo and fold back on each other. (Merrim,
1996, p. 60)
Ainda que Merrim direcione a noção de família textual a um contexto específico -
noção essa que também pode ser encontrada em reflexões de Walter Mignolo (MIGNOLO,
1982) sobre as crônicas coloniais-, entendemos que esta noção é mais que uma característica
literária ou estilística que aproxima escritos diversificados, é fruto de um evento conjuntural.
Dessa forma, os agentes histórico-sociais precisam esclarecer e justificar o que estão vivendo.
14
- Sobre a produção textual de indígenas e mestiços não confeccionada no espaço interno, específico, oficial,
mas nas franjas do arcabouço de ocidentalização, vinculada e remetida à ordem da monarquia, ver as reflexões
sobre Garcilaso de la Vega e Poma de Ayala, elaboradas por Garcindo (GARCINDO 2013).
campus, que se constitui nessa lacuna intermediária, dotado de agentes sociais e instituições e
que possui características e normatividades próprias.
Sendo ainda mais claros, um mesmo individuo, ou cronista, pode transitar por diversos
campos e microcampos, trocando experiências com eles, ainda que exista uma estrutura
política maior, detentora da permissividade do que se escreve, que é a coroa.
Para usar uma expressão cara a Jacques Revel (REVEL, 1998), ainda que exista uma
tentativa de oficialização da administração da vida social, isso não impede que exista um
“jogo de escalas”. Ao mesmo tempo em que os cronistas e ordens religiosas atendem a
demandas políticas, atendem também a necessidades internas e regionais de uma sociedade
que aos poucos será colonial e consolidada. Como nos lembra Hausberg e Mazin:
(…) Así, pues, cada historiador es como um nuevo Heródoto: triple padre a
um tiempo de la Historia, de la Etnografia y de la Geografía, a la vez
alborozado y extrañado ante el contacto imprevisto con los nuevos aspectos
que se van presentando a sus ojos. (...). (ESTEVE-BARBA, 1964, p.12)
15
- Porém é necessário dizer novamente que, ainda que distinções geográficas e socioculturais quanto aos
territórios coloniais sejam perceptíveis, uma mesma conjuntura política pode dar um contorno ou um sentido
comum a essas distinções. Interessante trabalho é o de Patrícia Faria, ao analisar a produção textual de dois
cronistas Franciscanos: Frei Buenaventura Salina y Córdoba e Frei Miguel da Purificação. O primeiro residente
em Lima e o segundo, em Goa - Índias espanholas e portuguesas, respectivamente-, porém inseridos em
contextos políticos comuns: a expansão ultramarina e a União Ibérica. Faria, por meio de uma análise
comparativa, irá mostrar como esses cronistas, habitando espaços sociopolíticos distintos, destinam seus escritos
a um único fim: a reivindicação de direitos e reconhecimento eclesiástico dos franciscanos nascidos nas Índias
(Filhos das índias) em relação aos peninsulares. (FARIA, 2013)
XXXV: “En que se suman muchas cosas que para la cristandad de los indios han hecho y
hacen daño” do livro quarto e na introduçao de Historia de Santa Marta y Nuevo Reino de
Granada do frei Pedro de Aguado (AGUADO, 1916).
Concluindo essa reflexão, ainda em estágio inicial, podemos dizer que pensar a
historiografia indiana nos leva a avaliar constantemente o papel da escrita e a capacidade que
ela possui de fazer com que centro e periferia no mundo colonial alternem suas posições. A
oficialização do cargo de cronista por parte da coroa e a institucionalização da forma de se
organizar o passado são as bases de sustentação política para a existência desse campo
historiográfico indiano, porém ele não possui apenas dimensões exógenas, com vias a nutrir
as curiosidades da velha Espanha, mas também endógenas, que são orientadas em função dos
direcionamentos e interesses dado pelos atores e grupos sociais às suas superfícies sociais
específicas.
A escrita é, como nos lembra Certeau (CERTEAU, 2000), um instrumento técnico que
promove o contato entre os contemporâneos e os mortos, possui um local sociopolítico,
econômico e cultural de produção. Advogar por uma historiografia indiana é supor que, no
avançar do comércio, da burocracia e da escrita – estando esta sempre articulada a um jogo de
escalas-, esses instrumentos de administração são também instrumentos de autoridade e
regularização da expansão. Esses aspectos estão presentes em uma ótica de produção textual
fragmentária, inerente à dispersão geográfica e suas especificidades, mas estão inseridos em
uma homologia que se caracteriza pela temporalidade dos séculos XVI-XVIII, pela existência
de famílias textuais e, sobretudo, por uma convencionalidade cultural.
Bibliografia:
AGUADO, Fray Pedro de: Historia de Santa Marta y Nuevo Reino de Granada. Tomo. I.
Madrid: Estabelecimiento Tipográfico de Jaime Ratés, 1916.
BOURDIEU, Pierre O Poder Simbólico. Ed: 15ª. Tad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2011.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Ed: 2ª Trad, Maria de Lourdes Menezes Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2000.
GARCINDO DE SÁ, Eliane. Mestiço: Entre o Mito, a Utopia e História. Reflexões sobre a
Mestiçagem. Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2013.
HAUSBERG, B; MAZÍN, Ó. Nueva España: los años de autonomia. In. GARCÍA, E. V. et al.
Nueva Historia General de Mexico. México D.F.: El Colégio de México, 2011, p. 263-306.
MENDIETA, Fray Gerónimo de. Historia Eclesiástica Indiana. México: Antigua Librería
Portal de Augustinos n. 3, 1870.
MERRIM, Stephanie. The first fifty years of Hispanic New World historiography: the
Caribbean, Mexico, and Central America. In: ECHEVARRÍA, R; PUPO-WALKER, E. (org)
The Cambrige History of Latin American Literature. V1. Discovery to Modernism.
Cambrige: Cambrige University Press, 1996. p. 58-100
MIGNOLO, Walter. Cartas, crónicas y Relaciones del descubrimiento y la conquista. In: Luis
Iñigo Madrigal (Coord), Historia de la literatura hispano-americana. Epoca Colonial.
Madrid: Cátedra, 1982. Tomo I
O’GORMAN, Edmundo. A Invenção da América. Ed. 1ª Trad: Ana Maria Martinez Corrêa;
Manoel Lelo Belloto. São Paulo: UNESP, 1992.
REVEL, Jacques (org). Jogos de escala: A experiência da microanálise. Ed. 1ª. Trad: Dora
Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
VAINFAS. R. Historia das mentalidades e história cultural, In: Dominós da história. Ensaios
de Teoria e metodologia, Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 127-164.
RESUMO: O presente artigo analisa os debates entre Robert Darnton e Roger Chartier, desde
as críticas desenvolvidas pelo historiador francês ao estudo intitulado “O grande massacre de
gatos e outros episódios da história cultural francesa”, passando pelas diferentes
interpretações acerca das origens da Revolução Francesa, o papel dos livros nesse processo,
até o desenvolvimento de dois caminhos diferentes para a consolidação do campo conhecido
como História do Livro e da Leitura.
ABSTRACT: This article analyzes the debates between Robert Darnton and Roger Chartier,
from criticism developed by French historian to the study entitled "The great slaughter of cats
and other episodes in French cultural history" through different interpretations of the origins
of the French Revolution, the role of books in the process, to the development of two different
paths to the consolidation of the field known as the history of books and reading.
Introdução
Robert Darnton e Roger Chartier são dois dos historiadores mais influentes de sua
geração. O primeiro nasceu em Nova Iorque, Estados Unidos, em 1939, formou-se em
Publicidade e Jornalismo na Universidade de Harvard e doutorou-se historiador pela
Universidade de Oxford em 1964. É presidente do American Historical Association e da
International Society of Eighteenth-Century Studies. Foi professor da Universidade de
Princeton entre os anos de 1968 e 2007, durante esse período dedicou-se aos estudos culturais
e culturais populares da França do século XVIII com ênfase nos meios de comunicação e na
história e circulação dos impressos, gênero hoje conhecido por História do Livro e da Leitura.
Após esse período se tornou diretor da Universidade de Harvard e em seus cinqüenta anos de
carreira, publicou mais de quinze livros, além de inúmeras outras obras em conjunto,
trabalhos em periódicos, além de ter apresentado diversas palestras e seminários.
Dois aspectos da vida de Robert Darnton tiveram forte influência sobre sua maneira de
pensar a História, sobre seu estilo ensaístico e sobre os questionamentos conduzidos por ele
ao passado, o que acabaria por marcar toda sua produção historiográfica. O primeiro deles foi
a iniciativa de seguir o caminho de seu pai. Seu trabalho como repórter e, posteriormente,
como colunista no jornal The New York Times lhe garantiu a possibilidade de “estar em
contato com segmentos marginais da sociedade nova-iorquina” (GODOY, 1995). O outro
episódio diz respeito ao seminário de “História e Antropologia”, lecionado por mais de vinte
anos na Universidade de Princeton ao lado do antropólogo Clifford Geertz. Originalmente
criado pelo historiador estadunidense como “History 406: The history of Mentalities”. Ao
ouvir a pergunta do antropólogo sobre qual seria a definição de “mentalidades” para os
historiadores e após respondê-la ouvir “isso parece antropologia” foi que aos poucos o
seminário sobre história das mentalidades transformou-se em um seminário sobre “História e
Antropologia”.
Norbert Elias e Michel Foucault, ampliaram os horizontes das pesquisas culturais na França,
rechaçaram a idéia de uma História de “Terceiro Nível”, tornaram-se pilares fundamentais na
consolidação do campo dos estudos culturais e das representações dentro da esfera da luta de
classes e de uma História Social.
Any French historian will find Robert Darnton's most recent book' an
invitation to reflection, but-and let me make this clear from the start- that is
what makes the work of such engrossing interest. An invitation to reflection,
first, because it combines two purposes generally considered incompatible:
understanding the radical foreignness of the behavior and thought of men of
three centuries ago and distinguishing a lasting French identity in that alien
world. (CHARTIER, 1895, p. 682)
O livro apresenta seis capítulos independentes uns dos outros e agrupados pela
tentativa do autor em examinar o universo mental da sociedade francesa do Antigo Regime.
Darnton buscou as maneiras de pensar e de se expressar, tanto de homens e mulheres comuns,
como camponeses e artesãos urbanos, passando tanto por personagens anônimos, como um
simples burguês ou um policial com seus arquivos, quanto por personagens consagrados
como Rousseau e os enciclopedistas Diderot e d’Alembert.
There is an incontestable rupture in the book between the first two essays
and the last four. The first two aim at recreating a situation on an
anthropological terrain; hence they take the written texts only as a means of
access to the spoken tale or to the act of the massacre. The remaining four
attempt to show how both a position within society and an intellectual stance
are expressed by means of a piece of writing (descriptive, administrative,
philosophical, or epistolary). A common question underlies both groups, to
be sure: How do men organize and manifest their perception and evaluation
of the social world? But whereas the views and judgments of the peasants
who told or heard the tales and of the workers who did away with the cats
are accessible only through the mediation of texts relating what they are
supposed to have heard, said, or done, the views of the burghers,
administrators, and Philosophes are available to us in the first person in texts
wholly organized according to strategies of writing with their own specific
objectives. (CHARTIER, 1985, P. 686-687)
Chartier procurou evidenciar que apesar das fontes utilizadas em todos os capítulos
possuírem a mesma tipologia - textos escritos -; elas possuem especificidades enquanto
“portas de entrada” para a forma como pensavam os franceses no século XVIII, e essas
especificidades não podem ser ignoradas ou descartadas, o que obrigaria Robert Darnton a
fazer uso de abordagens distintas:
But can we qualify as a text both the written document (the only remaining
trace of an older practice) and that practice itself? Is there not a risk here of
confusing two sorts of logic, the logic of written expression and the logic
that shapes what ‘practical sense’ produces? (CHARTIER, 1985, P. 685)
Essas condições ignoradas por Darnton seriam, de acordo com Chartier,
diametralmente opostas às condições que permitem a abordagem antropológica de Geertz no
qual o historiador estadunidense tanto se inspira.
Outro aspecto ao qual Chartier objeta-se reside na afirmação “Frenchness exists”, uma
espécie de identidade francesa que, segundo Darnton, seria perceptível nos contos
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camponeses, incorporada pela literatura e seus personagens e que estaria presente na tradição
popular. Para o historiador francês é impossível traçar uma continuidade segura que sustente
essa afirmação, devido, entre outros fatores, pelo próprio conteúdo que os contos sustentam.
O terceiro elemento de discordância entre os dois autores reside na compreensão da
historiografia francesa e sua produção em meados da década de 1980. Darnton apresenta seu
trabalho de uma “história antropológica” como um esforço para superar as limitações da
“história das mentalidades” definida, majoritariamente, por seu modelo serial e quantitativo,
uma História de Terceiro nível, na definição de Chaunu. Roger Chartier opõe-se à essa
interpretação afirmando que a História produzida pelos franceses naquele momento já não é
mais a mesma elaborada por Volvelle e teorizada por Chaunu. Ao afirmar que a definição de
“mentalidade” utilizada pelos franceses era demasiado vaga, Darnton colocou em evidência
sua noção de “representação” e “símbolo” em rota de colisão com Roger Chartier, para quem
as noções utilizadas por Darnton seriam amplas demais e pouco operativas.
Philiph Benedict, Giovanni Levi, Dominick LaCapra, Pierre Bourdieu foram outros
nomes envoltos na polêmica do “Grande Massacre dos Gatos”, obra que ao completar trinta
anos ainda permite à seus leitores debaterem sobre a epistemologia do conhecimento histórico
e os caminhos e descaminhos da historiografia.
Durante a década de 1980 outros embates foram travados entre os dois historiadores,
com questões ainda maiores do que as apresentadas no “massacre dos gatos”. Esses embates
remetem diretamente a atuação de Robert Darnton como um historiador estadunidense
interessado pelo período pré-revolucionário francês, a partir dos intocados documentos da
Sociéte Typographique de Neuchatel. As obras de Darnton revelaram o submundo das letras
no Antigo Regime e seu universo de produção e comércio literário. Essa produção atendia a
demanda das ruas e editoras, com impressoras nas fronteiras da França que eram encarregadas
de piratear e contrabandear obras “filosófica”, desde Voltaire até publicações de caráter
pornográfico, consideradas subversivas pela monarquia francesa. Esse submundo,
negligenciado durante anos, era significativo, como demonstra o historiador francês Roger
Chartier:
Nos capítulos “Será que livros fazem revoluções?” e “Um rei dessacralizado”,
publicados no livro “Origens culturais da Revolução Francesa” Roger Chartier mais uma vez,
estabeleceu um diálogo com as pesquisas e idéias defendidas por Robert Darnton. Dessa vez
sobre o papel social desempenhado pela “baixa literatura” no Ancien Regime e sua relação
com a eclosão da Revolução Francesa.
A História do livro proposta por Darnton contribuiu com a ruptura do paradigma que
colocava cultura popular e cultura erudita em lugares opostos e distintos, Darnton conseguiu
recuperar os espaços de intersecção ao acompanhar a trajetória partindo dos documentos
encontrados na Société Typographique de Neuchâtel. Porém, ao mesmo tempo em que seu
estudo ampliou as possibilidades metodológicas presentes na História do Livro até aquele
momento, a elaboração de um circuito foi duramente criticada por seu caráter rígido e
inflexível, não sendo possível utilizá-lo em todos os diferentes contextos em que a disciplina
se debruçava. Ao revisitar seu artigo vinte e quatro anos depois, Darnton afirmou que o
16
Os atuais estudos sobre a História do Livro e da Leitura possuem na obra “L’apparition duLivre”, de Lucien
Febvre e Henri-Jean Martin, de 1958, seu ponto de partida.
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circuito criado por ele anos antes não tinha como objetivo “dizer aos historiadores dos livros
como eles devem realizar seu trabalho” (DARNTON, 2008, p.156), muito menos fornecer um
modelo a ser seguido independentemente do contexto histórico do objeto e do período
estudado.
Em seu artigo Darnton realizou um balanço dos caminhos e descaminhos que suas
pesquisas produziram, além de observar o avanço da historiografia dentro do campo da
História do Livro, com destaque para as pesquisas de Mckenzie, em Oxford, acerca da
materialidade dos textos e de uma “sociologia dos textos”. Don Mckenzie também foi um dos
autores lembrados por Chartier em sua aula inaugural no Collège de France em 2007, assim
como Lucien Febvre e Henri-Jean Martin como alguns dos percussores da História que vêem
sendo produzida hoje dentro desse campo de pesquisa.
Para mim, tratar-se-á de sempre vincular o estudo dos textos, quaisquer que
sejam, com o das formas que lhes conferem a própria existência e com
aquele das apropriações que lhes proporcionam o sentido. Febvre zombava
desses historiadores “cujos camponeses, em matéria de terra gorda, pareciam
cultivar somente velhos cartulários”. Não vamos incorrer no mesmo erro,
esquecendo-nos de que o escrito é transmitido a seus leitores ou auditores
por objetos ou vozes, cujas lógicas materiais e práticas precisamos entender.
É exatamente esta a proposta da cátedra, da qual cabe-me agora justificar o
título”. (CHARTIER, 2010, p. 14)
A afirmação acima demonstra a importância dada por Chartier à materialidade dos
textos e o papel desempenhado pelas regras de leituras intrínsecas ao próprio texto e sua
materialidade, diferentemente de Darnton, para Chartier a “história serial do livro” ocupa
papel fundamental em suas formulações, entendendo que à esse quadro geral construído pelo
levantamento serial das fontes, deve-se acompanhar as questões referentes as diferentes
práticas de leituras, à materialidade dos textos, os diferentes significados que as práticas e
materialidades ajudam a construir. Nesse sentido pode-se buscar uma proximidade entre os
trabalhos de Chartier e os trabalhos de dois dos autores que mais o influenciaram, Pierre
Bourdieu e Michel de Certeau.
Referências
______. Origens culturais da Revolução Francesa. São Paulo. Editora UNESP. 2009.
______. História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa. Editora Difel. 2002.
______. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo. Editora UNESP. 2004.
______. Text, Symbols, and Frenchness. In: The Journal of Modern History, Vol. 57, No. 4.
(Dec., 1985)
______. Escutar os mortos com os olhos. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v.24, n. 69,
2010.
______. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de
Janeiro. Graal. 1986.
______. Boêmia literária e Revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo,
Companhia das Letras, 1987.
______. O que é história do livro? Revisitado. Revista ArtCultura, vol.10, nº16. 2008.
Disponível em < http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF16/R_Darnton.pdf > acessado em
17/07/2013.
______. Os dentes falsos de George Washington. São Paulo. Companhia das Letras. 2005.
RESUMO: Este artigo esboça alguns conceitos presentes na teoria do efeito estético de
Wolfgang Iser, frequentemente referidos pelas tendências críticas contemporâneas da Teoria
da História. São eles ficção, real, imaginário, metaperspectiva, e dentre os quais destacam-se
os dois últimos.
ABSTRACT: This article outlines some concepts in the theory of aesthetic effect of
Wolfgang Iser, often referred to by contemporary trends in critical theory of history. They are
fiction, real, imaginary, metaperspectiva, and among which are the last two.
Ela (a interação própria ao texto) está disposta ou afixada pelo próprio texto e sua
variabilidade depende da experiência, denominada pela tradição hermenêutica da Escola de
Kontanz, de horizonte de expectativas do leitor. Vê-se então que Iser demonstra que a
circularidade quebra-se nesta interação e o que movimento que a descreve é um movimento
percebido pela leitura. “A teoria da recepção de Iser é uma teoria das variáveis da recepção,
cujas constantes se encontram apenas no lado do próprio texto. Em Iser as constantes são
sempre e apenas constantes do texto, que têm a função de gerar as variáveis da recepção”
(STIERLE apud LIMA, 1979, p. 28.).
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No campo teórico iseriano, no entanto, a interação do leitor com o objeto estético não
se dá apenas como uma interpretação ou semantização, e sim, muito além, como uma
experienciação do efeito estético produzido no texto, o imaginário. Esta teorização vai se
distanciar, em muitos elementos, da tradição hermenêutica, provocando algumas rupturas, que
justificam a mudança de nome na continuidade teórica. Enquanto Jauss defende a Estética da
Recepção, Iser propõe a Estética do Efeito.
inteiramente com o real. É na modernidade, defende Iser, que o homem toma ciência desta
limitação e da descontinuidade do próprio pensamento, e, para tanto, dobra-se a ele a fim
elaborar uma teoria do conhecimento, que investiga a natureza humana fragmentária. E
constata que “a mente humana não tem condição de dar conta inteiramente do real - e
decorrente de procedimentos que implicam forçosamente cortes, ruptura de convenções,
travessias de limites e novas articulações, o mundo se mostra diferente de qualquer suposto
correlato seu” (BASTOS In ISER, 2013, p. 9.).
A literatura, como apenas uma pequena parte, pequena mostra dos acontecimentos
humanos em que o processo de ficcionalização ocorre, executa severas transgressões nos
limites do real, e detém para si uma “vocação transgressora, de cuja realização depende
fundamentalmente sua própria razão de existir” (BASTOS In ISER, 2013, p. 9.). Ela é uma
materialidade em que se verifica a fragmentação do pensamento humano, e, por conseguinte,
sua fragmentação identitária.
O escopo de obras literárias que Iser se propõe a analisar, em sua última teorização, é
aquele em que primeiro se vislumbram as operações de ficcionalidade emancipadas do mito,
na tentativa de compreender o próprio movimento de ficcionalização, são obras modernas que
tematizam a modernidade, e tematizam assim também a ficcionalização, estão flutuando,
sobretudo, no limiar da era moderna. Era à qual a contraposição ao período antigo é
especialmente profícua para evidenciar como o emprego humano da ilusão ocorre: a ficção na
Antiguidade preenchia o desconhecimento “oferecia, por meio do mito, o que a existência não
faculta, o sentido” (BASTOS In ISER, 2013, p. 11.). Na Modernidade, no entanto, a ficção
serve à observação do desconhecimento do homem sobre si mesmo e sobre a natureza e à
constatação de que “a mente não somente não é integrada a um cosmo de que receberia todos
os dados, como padece de limitações perturbadoras” (BASTOS In ISER, 2013, p. 11.).
Vista, de modo irrefletido, “como antípoda da realidade”, a ficção foi assim tratada
desde a modernidade e naturalizada em “um saber tácito”, sem que tenha sido reconhecida
como uma produção de conhecimento, status dado apenas a formas discursivas cientifizadas,
analíticas ou filosóficas. Entretanto, a ficção estaria, conforme defende Iser, não apenas nos
textos percebidos como literários ou como predominantemente ficcionais, mas em qualquer
processo especulativo do pensamento, seja ele um esforço de teorização ou mesmo um
procedimento científico, uma vez que o próprio experimento realiza-se como uma formulação
hipotética, uma expectativa, e se dá, assim, como um trabalho resultante da imaginação e não
prontamente empírico.
Desde o inicio de sua teorização, Iser propõe uma quebra na estrutura binária de
oposição do real ao ficcional, que se naturalizou no já mencionado “saber tácito” e
“irrefletido” sobre a ficção, para assim formular uma estrutura triádica em que se verifica, na
disposição da ficcionalidade, também uma configuração do imaginário. Defende Iser, que o
ato de fingir não é uma finalidade em si mesma, mas “a preparação de um imaginário (Die
Zurüstung eines Imagininären)” (ISER, 2013, p. 31.).
na tríade, importa a natureza relacional dos termos, sem que se possa jamais
estabelecer fundamentos. Assim, pode-se afirmar que o fictício é uma
realidade que se repete pelo efeito do imaginário, ou que o fictício é a
concretização de um imaginário que traduz elementos da realidade, mas a
rigor não se pode dizer o que são o real (a não ser que este corresponde ao
“mundo extratextual”), o fictício (além de que se manifesta como ato,
revestido de intencionalidade) e o imaginário (exceto que possui caráter
difuso, e que deve ser compreendido como um “funcionamento”)
(BRANDÃO, 2003, p. 7.).
O ato de fingir, como repetição do real, atribui, por meio dela “uma configuração ao
imaginário, pela qual a realidade repetida se transforma em signo e o imaginário em efeito
(Vorstelbarkeit) do que é assim referido” (ISER, 2013, p. 34.). Assim, como Iser propõe em
sua teoria literária marcada pela necessidade antropológica de ficcionalização, há sempre a
necessidade humana de experimentação do imaginário, transposto ao texto e transmutado em
efeito.
“Como produto de um autor, cada texto literário é uma forma determinada de acesso
ao mundo (Weltzuwendung)” (ISER, 2013, p. 34.) e esta forma, esta determinação, é
resultante da inserção de elementos do real que foram pelo autor selecionados. Esta seleção
defende Iser, é um ato de fingir, “uma transgressão de limites, na medida em que os
elementos acolhidos pelo texto agora se desvinculam da estruturação semântica ou sistemática
dos sistemas de que foram tomados” (ISER, 2013, p. 35.).
A rima poética, conforme descreve Iser, também propõe a relação de “forma e fundo”
que, à semelhança do exemplo anterior, por contraste e alternância, “revelam [ou enfatizam] a
diferença [semântica] na semelhança [sufixal, sonora ou de realização acústica]” (ISER, 2013,
p. 37.). O exemplo dado por Iser, é visto nos versos de Eliot, em Prufrock:
O primeiro grande rompimento, produzido pela combinação, aos limites do real, tem
estreito vínculo com o ato da seleção e está a circunscrever, colar e articular as mais diversas
linguagens, línguas, perspectivas, imagens, formulando uma bricolagem de materiais,
elementos de naturezas díspares, abarcados em um texto, um uno, fragmentado. “A ficção
pode manter unidas dentro de um único espaço uma variedade de linguagens, de níveis de
focos, de pontos de vista, que seriam contraditórios noutras espécies de discurso, organizados
quanto a um fim empírico particular” (SNELL apud ISER, 2013, p. 39.).
ficção. São esses “espaços semânticos” os sistemas de valores formulados no texto, que se
revelam a partir da caracterização e convivência dos personagens distintos, e, em dado
momento, estes sistemas podem ser subvertidos, superados pelos próprios personagens que os
detém ou pelo choque de um outro, ou transgredidos na relação que se formula com a
convivência dos personagens de sistemas de valores distintos, com a feitura do impossível:
quando um herói realiza o irrealizável.
Conclusão
Referências
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Leitor. Textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
ROCHA, João Cezar de Castro. Teoria da Ficção: Indagações à obra de Wolfgang Iser. Rio
de Janeiro: Eduerj, 1999.
Simpósio Temático 08
História e Natureza
Coordenadores:
ABSTRACT: This paper presents the partial results obtained through research on the
representation of diseases in newspapers from the 20th century first decades. Minas Gerais
State University Research Support Program finances the activities, which consists in research,
data gathering and analysis of the sources. The project is justified by the need of further
studies on the role of press within southern Minas Gerais’ social and political life.
Introdução
1
Pesquisa financiada pelo Programa PAPq/UEMG no biênio 2013-2014.
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Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Segundo Kellner, a cultura da mídia produz imagens, sons e espetáculos que ajudam a
urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e
comportamentos sociais, fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade.
Essa cultura é constituída pela imprensa, entre tantos outros produtos da indústria cultural, e
se organiza com base no modelo de produção de massa, para a massa, a partir de fórmulas,
códigos e normas convencionais (2001, p. 9). A imprensa nasce com o capitalismo e
acompanha o seu desenvolvimento. Em outras palavras, “a história da imprensa é a própria
história do desenvolvimento da sociedade capitalista” (SODRÉ, 1999, p. 1). Ao longo dos
séculos, os impressos tomaram grande variedade de formas que englobam livros, almanaques,
jornais, revistas, pasquins, panfletos avulsos, boletins, opúsculos etc. Na realidade crescente
de sua circulação, as publicações periódicas desempenharam papel ativo nos processos de
transformações culturais, sociais e políticas que eclodiram na modernidade ocidental, a
exemplo da secularização, urbanização e democratização de suas sociedades. O Brasil se
insere no mundo capitalista ocidental desde o século XVI. Pode-se dizer, então, que a história
do país e a história da imprensa caminham juntas. Nesse passo, ritmado pelo desenvolvimento
das relações capitalistas no Brasil, estabeleceu-se a empresa jornalística.
e cultural da comunicação impressa. Nas palavras de Sagan, “divulgar a ciência – tentar tornar
os seus métodos acessíveis aos que não são cientistas – é o passo que se segue natural e
imediatamente” (2006, p. 42). Por fim, objetivamos oferecer à comunidade local maior
contato com a própria cultura, de modo a contribuir para a construção de sua identidade.
As fontes documentais
Resultados Parciais
2
Dados de acordo com a entrevista concedida a Adelino Ferreira por Angélica Andrès, então Diretora da
Biblioteca Pública Municipal Cônego Vítor e coordenadora do Centro de Estudos Campanhense Monsenhor
Lefort no período de realização da entrevista, em 21 de maio de 2005.
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Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Segundo Cohen, uma radiografia rápida da imprensa brasileira desde suas primeiras
publicações evidencia as raízes políticas da atividade jornalística, que se teria constituído
sempre a partir de grupos de interesse que viam na imprensa um meio de propagação de suas
ideias e aspirações. “Jornalismo e literatura, imprensa e política: equações que se
desenvolvem no ritmo das transformações sociais, apontando a formação de círculos de
intelectuais dispostos a interferir nos destinos nacionais por meio da difusão de ideias”.
Porém, Cohen sugere que a variedade de tendências políticas não se repetia na aparência
material. No início do século XX, ou até que os avanços técnicos permitissem diferenciações,
os impressos eram muito parecidos, sendo o formato mais comum o de quatro folhas e duas
colunas (2008, p. 104; 111). Ao menos até 1934, o jornal A Campanha seguia o padrão (que
em algumas ocasiões podia variar) de duas folhas, cada qual dividida em quatro colunas.
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Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Para Sodré, a grande e a pequena imprensa existem desde o século XX. A primeira
teria feito do tema político a tônica de sua matéria. A segunda, no início do século, estaria
ainda na transição da fase artesanal para a fase industrial – eram raros os jornais de província
com estrutura de empresa. “Mas a matéria principal deles é também a política, e a luta política
assume, neles, aspectos pessoais terríveis, que desembocam, quase sempre, na injúria mais
vulgar” (1999, p. 324). A redação do A Campanha, órgão republicano do município, era
composta por membros da elite sul-mineira, os “doutores” Ferreira Brandão, Brandão Filho,
Braz Cesarino e Leonel Filho, sob a gerência de João Baptista de Mello. As paixões políticas
dos redatores pareciam refletir na imprensa, que as estimulava. Assim, parece-nos evidente o
papel desta na articulação, divulgação e disseminação de projetos, ideias, valores e
comportamentos das elites. Sabe-se que os impressos ocupavam importante parcela do
cotidiano do público letrado, muitas vezes influenciando os costumes. Dessa maneira, os
discursos destilados no A Campanha permitem relacionar a história da imprensa com as raízes
políticas da atividade jornalística, que chegava aos leitores à medida que avançava o
capitalismo. O papel político do semanário era comumente destacado:
Considerações finais
A reflexão acerca do papel dos impressos na construção da vida social nos tem
permitido traçar conjecturas sobre a representação da saúde e das doenças em práticas
letradas. O posicionamento da imprensa, em relação à moralidade ou à conduta social, tem
revelado feições políticas que operam em vias de articular e disseminar valores, sempre
determinados por estratos da sociedade, que, em seu contexto, almejavam deter e manter o
poder. Justamente, eram os membros desses estratos que produziam os impressos, veículos
solidificadores da força política das elites nas diferentes esferas da vida social. Suas vozes,
muitas vezes, exigiam a construção de mecanismos de controle de doenças; clamavam por
medidas profiláticas que afastassem os miasmas da epidemia. No mundo moderno, que
parecia caminhar rumo à saúde e à riqueza universais, as reluzentes possibilidades de
consumo apareciam estampadas nos jornais, impondo-se com toda a força, modificando
valores, introduzindo padrões e conformando o imaginário social. No entanto, não podemos
esquecer que a tenda do A Campanha se levantou na liça do jornalismo mineiro. Falamos de
um ambiente externo ao dos grandes centros urbanos, com ethos particular. Portanto, devemos
compreender o modo pelo qual essas realidades eram construídas, pensadas e interpretadas no
universo sul-mineiro de início do século XX, em que os triunfos da ciência dividiam espaço
com os métodos tradicionais de cura, ainda muito presentes naquele contexto espaço-
temporal. Pode-se falar na retenção de traços arcaicos? Talvez. Além disso, resta avaliar o
papel dos impressos na formação da opinião pública. Importante ressaltar que a pesquisa Das
Moléstias e dos Prodígios encontra-se em fase de desenvolvimento, longe de esgotar todas as
possibilidades de análise suscitadas pelas fontes documentais.
Referências
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Rede Alfredo de Carvalho – GT História do Jornalismo. Anais. Florianópolis: UFSC, 2004.
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SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
RESUMO: Este trabalho visa discutir brevemente o aparecimento recente de obras históricas
com análises anacrônicas sobre a percepção ambiental de empreendedores e empresas na
história de Minas Gerais. Esses erros de análise se devem à confusão entre a abordagem
administrativa que encarava de forma capitalista e por finos cálculos as relações de
custo/benefício. Tanto essa lógica operacional como interesses pessoais dos administradores
produziram decisões geradoras da manutenção de áreas verdes próximas aos
empreendimentos, adoção de energias hoje consideradas menos danosas ao meio ambiente ou
do uso de certos tipos de matérias-primas renováveis. Porém, se durante o século XIX a
Província de Minas Gerais conheceu as primeiras companhias de capital estrangeiro no ramo
da mineração aurífera, e estas intensificaram a utilização de tecnologia de ponta, introduzindo
uma maior racionalidade na gestão de recursos materiais diversos, por outro lado, diversos
estudos indicam que nenhum efeito positivo no meio ambiente se relacionou com uma
preocupação genuinamente ambiental, como algumas obras teimam em apontar.
ABSTRACT: This paper aims to shortly discuss the recent appearance of historical works
with anachronistic analyzes on environmental perception of entrepreneurs and companies in
the history of Minas Gerais. These errors of analysis are due to confusion between the
administrative approach that viewed the capitalist form and detailed calculations the cost /
benefit. Both operational logic and personal interests of managers, produced decisions that
generated the maintenance of green areas next to the enterprises, adoption of energy today
considered less harmful to the environment or the use of certain types of renewable raw
materials. However, if during the nineteenth century the province of Minas Gerais met the
first companies of foreign capital in the business of gold mining, and these intensified the use
of the best available technology, introducing greater rationality in the management of various
material resources, on the other hand, several studies indicate that no positive effect on the
environment was related to a genuine worry about the environment, as some works insist to
tell.
Por vezes há polêmica sobre o uso que se deve fazer da expressão História Ambiental.
Por isso muitos optam por definir a abordagem metodológica específica como História e
Natureza, retirando o termo contemporâneo que apesar de parecer amplo, pode, ao contrário,
tolher os muitos aspectos das relações que pretende tal linha de pesquisa abordar.
Tal discussão se insere nos limites que se devem perceber os discursos sobre a
natureza, que são sempre temporalmente, espacialmente ou socialmente marcados. E se o
discurso sobre a natureza e sua conservação se protrai até tempos remotos, por outro lado tais
discursos devem ser analisados com cuidado, em suas motivações, nos fins e nos limites dos
conhecimentos que os orientam. Não se trata, pois, de negar a existência de múltiplos
discursos sobre a natureza na história, mas de determinar-lhes os limites através da análise de
seus tempos, sujeitos e sociedades.
Assim, é evidente que as visões sobre a natureza existentes no século XIX comportam
limites e perspectivas que têm de ser consideradas em seu tempo. Assim como as formas do
registro e a que fins se destinam, sob a pena de incorrer o historiador em profundo
anacronismo, criar (ou recriar) utopias e até mesmo heróis.
do Novo Mundo sem percebê-las de pontos de vista que incluam as mentalidades que
acompanharam o desenvolvimento do capitalismo. Em suas obras fica evidente que a forma
de gerir problemas sociais, entre eles a questão primeira da sobrevivência, tinha aspectos
muito diferenciados entre as sociedades do novo mundo, e que a conquista da América pelos
europeus se evidenciou por uma postura predatória que está na base do mercantilismo e
servirá de entrada posteriormente às posturas do capital. (TURNER, 1990; WOLF, 2005)
Porém, como lembram os autores citados, outros modelos de gestão de sociedades não
se centram primordialmente na apropriação predatória da natureza como eixo de sua
reprodução social. Neste aspecto, o antropólogo deve lembrar ao historiador que outras
sociedades, ao cuidar de seus problemas e tensões, têm outras soluções e procuram válvulas
de escape criativas e diversas. Na busca da riqueza predatória, que visa acumulação e
aumento exponencial das necessidades, criadas constantemente e incessantemente, o estilo de
vida capitalista no século XIX sofre de profunda incompatibilidade com a crítica ambiental.
Assim, outras soluções para estas questões visam gerir as relações entre indivíduos e
sociedade através de esquemas simbólicos ou relacionais, ou seja, muito menos focadas na
perseguição e produção incessante de ‘riqueza’ material, o que, aliás, note-se que qualquer
tipo de gestão, para adquirir o qualificativo de ambiental teria que internalizar a resolução de
problemas relacionados com bem estar, qualidade de vida e perspectivas sociais, para além da
acumulação material de caráter individualista ou empresarial.
Warren Dean mostra, por exemplo, que muitos naturalistas do século XIX se
horrorizavam com o impacto de atividades as mais variadas que se desenvolviam no Brasil.
Ele cita que a derrubada de árvores enormes e centenárias pelos caboclos para a retirada de
uma orquídea e vendê-la a colecionadores era algo tão corriqueiro quanto queimar toda uma
floresta para plantar café. O horror dos naturalistas, contudo, gera poucos comportamentos
efetivos no sentido da defesa da natureza, exatamente por não encontrar eco na sociedade de
então. Ele conta que alguns naturalistas sonegavam informações de localização de plantas
colecionáveis para não produzir uma corrida exploratória para atender o mercado de
colecionadores europeus, mas, no entanto, a defesa de espécies consideradas raras não era
acompanhada de críticas severas à forma de produção predatória geral, que de qualquer forma
só encontrava eco nas legislações do XIX no sentido econômico mais comum, da manutenção
de recursos úteis. Uma orquídea não seria considerada algum recurso digno de produzir uma
legislação protetora no século XIX. (DEAN, 2002)
Nas obras de naturalistas como Eschwege, Saint Hilaire, Burmeister, Spix, Martius,
Vieira Couto, José Bonifácio, Sir Richard Burton e outros, ou nas referências contidas em
relatórios de governadores e outros funcionários públicos podemos perceber, com os olhos de
hoje, que a mineração colonial deixara profundas cicatrizes ambientais: rios assoreados;
margens de córregos e rios desnudas e reviradas; montes de cascalhos amontoados como
rejeito de minerações; profundas ravinas sem vegetação e em desmoronamento constante
(voçorocas); morros cuja vegetação de suas vertentes e arredores havia sido retirada a ferro e
fogo para facilitar a descoberta de veios e aproveitar madeiras para escorar minas e grupiaras,
fazer bicames suspensos por vigas, escoramentos e tudo mais necessário à atividade de
mineração e para a vida ordinária dos mineradores e de quem vivia nos arredores. (DEAN,
2002; PÁDUA, 2002)
como fim dos grandes desmontes hidráulicos, porém o maior ritmo de lavagem dos minérios
assoreia mais rápido os rios. (LIBBY: 1984; 1988)
Essa tecnologia é defendida por um jovem engenheiro escocês, George Chalmers, que
se tornara o mais longevo administrador da Saint John del Rey Mining Company no Brasil,
proprietária da exploração de Morro Velho e algumas minas menores. (HOLLOWOOD,
1955; EAKIN, 1989; LIBBY: 1984; RODRIGUES, 2012)
Neste momento, final do século XIX, há o ápice de um liberalismo voraz que encontra
eco nas práticas monopolísticas das grandes empresas e está em diversas partes do globo em
atividades diversas. O mote é o progresso, objetivo inconsequente e disforme que tem em sua
base o eurocentrismo e as novas conquistas de escala do capitalismo industrial. Se já existiam
critica sociais fortíssimas sobre esse fenômeno, no entanto não há críticas significativas.
carvão, e teria um modus operandi para lidar com essa demanda, destacado por Douglas Cole
Libby:
Comprovada por meios documentais que a administração das matas visa manter o
preço da madeira e do carvão baixos, concluindo que “essas matas, então, serviam como
reservas florestais, já que dentro da racionalidade capitalista da empresa, a opção mais
cômoda era de concentrar na produção de ouro, deixando para outros o fornecimento de
materiais essenciais, a não ser nas horas de grande necessidade.” (LIBBY, 1984: 83-84)
isso pudesse ser uma característica de empreendedores de origem inglesa, nem por isso as faz
preservacionistas em sentido atual. Ainda que a existência dos animais para a caça no longo
prazo se apresentasse aos caçadores, a manutenção de seu esporte não pode ser visto
anacronicamente. Estudar tal relação é inevitável à história ambiental, mas não tomá-la sem a
devida valoração no tempo, distorcendo a intencionalidade dos agentes.
Ainda, no livro Morro Velho: História, fatos e feitos, de 1996, um capítulo tem o título
de ‘Desenvolvimento sustentável – conceito atual praticado desde o passado’. O capítulo
defende que tal conceito já era praticado pela década de 1930, ‘ao dispor seus rejeitos em
depósitos engenhosamente construídos em vales ao longo do Ribeirão do Cardoso.’
(MINERAÇÃO MORRO VELHO LTDA, 1996: 145)
Porém, se isso se destinava a explorar o rejeito ainda aurífero no futuro com técnicas
que se esperava aprimorar, nenhuma preocupação havia com a natureza. Podemos reduzir o
conceito de desenvolvimento sustentável apenas na administração de rejeitos para serem
explorados posteriormente? Não acredito que tal conceito se reduza a isso. A conclusão disso
é a poluição e o assoreamento do mesmo córrego pela mesma empresa na década de 1950,
quando passava por dificuldades financeiras e a barragem do Cardoso já estava cheia. A
questão do lucro esteve na frente de qualquer outra. O córrego mudou de nome, inclusive nos
mapas, para ribeirão da água suja. Qual a sustentabilidade disso? (MINERAÇÃO MORRO
VELHO LTDA, 1996: 145-146; MAY, 2010; MOTTA, 2006)
Certo que nem todo historiador é um ambientalista e nem vice-versa, contudo a análise
da formação dos conceitos ambientais complexos é recente. E o estudo sobre a percepção
sobre a natureza, ao contrário, pode ser considerada muito antiga. A proteção sugerida de
ambientes onde se apresentam recursos naturais por agentes históricos do passado, que surge
geralmente em obras históricas pela expressão ‘crítica ambiental’, merece certo cuidado. O
que ocorreu em geral foram críticas econômicas em que a natureza aparece em evidência, mas
como coadjuvante da atividade humana, não como objeto em si ou principal preocupação.
Nesse aspecto toda gestão capitalista de recursos terá o meio ambiente como coadjuvante
secundário.
Mesmo que tenhamos que reconhecer com certa naturalidade o fato das empresas
buscarem reescrever sua história de forma mais simpática, isso, entretanto não pode passar os
limites, ao menos para o meio acadêmico, dos conceitos e da trajetória histórica de sua
elaboração. Usar termos atuais para contextos do passado pode não ter o objetivo de falsear a
história, mas não deixa de produzir, muitas vezes, o anacronismo, que é o estabelecimento de
uma dissonância, conceitual ou ideal, entre o que realmente era e a interpretação que se faz
fora das chaves de pensamento do período que se analisa.
Isso abre outras questões, não metodológicas, mas, políticas: Há certa teimosia em
recriar heróis? O herói econômico e civilizador do século XIX estará sendo transmudado à
força para um novo herói ecológico? É o que parece.
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RESUMO: Este artigo discute, através das teses de alguns pesquisadores, como pode ter sido
construído uma perspectiva antagônica, “paraíso” e “inferno”, sobre o clima amazônico,
representado aqui nos relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira e Henry Walter Bates.
Estudada por viajantes desde o início da conquista europeia, os relatos de viagem
contribuíram para forjar as bases que suportaram a construção de conceitos sobre a Amazônia.
ABSTRACT: This article debates, through the theses of some researchers, how could be
maked a conflicting perspective, “paradise” and “hell”, over amazonian climate, represented
here by Alexandre Rodrigues Ferreira and Henry Walter Bates’ reports. Since the beginning
of the europen conquest, the travel reports helped to invent the bases which supported the
construction of concepts about Amazônia.
Esta participação, ainda bastante introdutória, faz parte de um projeto em execução na Universidade Federal da
Paraíba, e financiado pela CAPES.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 599
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
uma verdade que atravessou séculos. Os relatos de viagem contribuíram, assim, para forjar as
bases em que conceitos sobre a Amazônia foram confeccionados (GONDIM, 2007).
Isto mostra Antonello Gerbi num de seus estudos sobre o continente americano, La
Naturaleza de las Indias Nuevas, a cuja tese o mesmo declara: “El presente estudio (...) nació
de las investigaciones acerca de la ‘debilidad de América’, (...) la tesis de que el continente
americano es (...) inferior, (...) inmaduro, en comparación com el mundo antiguo” (GERBI,
1992, p. 15). No quadro da natureza estudado pelos primeiros naturalistas e historiadores da
América, unido à fauna e flora e seres humanos está o clima, e não surpreende o fato de que
exerça atração significativa e ocupe espaço privilegiado no discurso dos viajantes. O início da
conquista assiste a uma reação estupefata diante desta natureza edênica. Se primeiramente
houve tendência favorável naqueles que puderam, de visu, sentir o Novo continente, outros
foram desfavoráveis e denunciaram o caráter maligno do ambiente. Estudos revelam que do
conjunto dessas narrativas sobressaem pelo menos duas perspectivas: a) de que o clima é
perfeitamente saudável, ao contrário do que se dizia nos círculos intelectuais europeus quanto
à sua má influência sobre o organismo humano e desenvolvimento físico dos animais;3 b) por
outro lado, de que zonas de clima quente impossibilitavam a adaptação do ser humano,
impróprias para o desenrolar da vida.
3
Oviedo pôde dizer que “el clima [ tropical caribenho] es de una dulzura inigualable, y haciéndose día a día más
benigno”. GERBI, 1992, p. 347. Ou cf., do mesmo autor, La Disputa del Nuevo Mundo: história de uma
polémica (1750-1900), 1982.
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De relato em relato, as crenças nos antigos modelos cosmográficos cedeu lugar à outra
visão do globo, sem mais espaços escondidos ou distâncias incalculáveis. O pensamento
geocêntrico de C. Ptolomeu, bem como o climático de Aristóteles, ou o de Plínio, ganhou
cada vez mais críticos contrários. Para o padre capuchinho d’Abbeville, a “experiência”
compreende, por excelência, o método de interpretação. Em sua chegada ao Brasil pela
armada de Daniel de la Touche em 1612 revelou um conjunto de dados sobre os caracteres
climáticos da região, quando os franceses implantaram a França Equinocial em São Luis.
Surpreendido, maravilhado esteve o ele? Talvez esperasse deparar um clima insuportável?
Atile-se ao momento em que escreve (estava mais quente ou frio?) e às circunstâncias
subjetivas do viajante. Pois que demonstra Mary L. Pratt não serem poucas as questões que
podem influir na composição de um relato de viagem (PRATT, 2011). A crença antiga fora
contraposta, embora não recuse de todo que o clima era meio inconveniente. A “providência
divina” parece ter dado um jeito no “ardor”, ao temperar e atenuá-lo com “meios
maravilhosos”.
4
É para se dizer que não apenas Aristóteles pensou imerso na perspectiva. Trata-se de conceitos que tangeram o
pensamento de pensadores antigos diversos. Sobre, veja-se Holanda (2000).
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Marcado por intensas disputas entre Portugal e Espanha e outros países, o século
XVIII assistiu a coibição de trânsito de viajantes em certas partes da América do Sul, em
particular regiões amazônicas. Outros estudiosos da natureza amazônica no século XVIII se
mostraram favoráveis ao pensamento de Buffon. No aglomerado de pensadores embevecidos
pelo espírito das luzes estiveram Charles-Marie de La Condamine e Alexandre Rodrigues
Ferreira. Puderam conhecer a olho e descrever aspectos do clima e sua relação com as
populações amazônicas. A fim de solucionar o que se considerava um dos maiores debates
científicos do período, o formato da terra, La Condamine (1701-1774), em viagem de 1735 à
América, deixou suas impressões acerca do clima na formação dos nativos amazônicos. Na
incursão de registrar a potencialidade de territórios portugueses no ultramar, a coroa
portuguesa enviou o naturalista baiano Rodrigues Ferreira, cuja função, seja no sentido
administrativo e colonialista, seja para a História Natural, atuou na confecção de obra
extraordinária, considerada um inventário da fauna e flora do Estado do Grão-Pará e
Maranhão, sua “Viagem Filosófica ao Rio Negro”. Além da equação clima-ser humano, o
discurso de ambos sobre o clima amazônico apresenta também outros matizes:
5
Veja-se também em SAFIER (2009, p. 103-104) a polêmica entre La Condamine e o judeu sefardita Isaac de
Pinto (1717-1787). Acompanhe-se também a contestação do Padre João Daniel aos delírios de gabinete de
Montesquieu sobre o clima da zona tórrida, “nem todos os discursos são evidências na praxe, e que nem toda a
especulação é infalível nos experimentos”, em: COSTA, 2002, p. 92-93.
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pudessem, a partir de então, penetrar em regiões ainda não catalogadas em sua biodiversidade
pela ciência natural do período, visto a América Portuguesa estar com suas portas fechadas
por longo tempo aos viajantes. A. v. Humboldt, a quem se pode dizer que é um dos marcos
iniciadores “das grandes explorações científicas no Novo Continente”, não conseguiu entrar,
portanto, na parte territorial portuguesa. Em companhia do botânico Aimé Bonpland, e depois
de percorrer países da costa do oceano pacífico em sua conhecida viagem (1799-1804), teve-a
interrompida quando decidira transpor as cabeceiras do rio Orenoco e entrar em território
português. Neste sentido, Humboldt e Bonpland inspiraram, direta ou indiretamente, outras
viagens ao território português, que depois veio a se tornar Brasil em 1822, ao qual o Grão-
Pará e Maranhão aderiu em 1823. Estavam lançadas as bases, em virtude de mudanças
políticas nas metrópoles, para que viajantes de todas as partes viessem a esse país em
gestação, sondar sua natureza, quantificar, qualificar, descrever, ao estilo da ciência
positivista seus minérios, recolher e colecionar plantas e animais e... enviar para a Europa,
onde a ficariam nos museus metropolitanos. De maioria alemã, francesa e inglesa, pode-se
dizer que aquilo que Humboldt não presenciou, não cunhou nas páginas de sua obra, ficou
para os seus sucessores e simpatizantes de seu paradigma de viagem levarem adiante. E entre
os que fitaram sua curiosidade sobre o Brasil, houve os que tiveram a Amazônia no seu
itinerário, como os casos, entre outros, de componentes da Expedição Austríaca, da
Expedição Thayer, e daquela encabeçada pelo Barão de Langsdorff (PINTO, 1976, p.
444,445).
Henry Walter Bates foi um dos que estudaram a região no século XIX. De acordo com
Hideraldo Costa (2002), a influência do romantismo nos relatos de viagem sobre a Amazônia
fez com que propusessem desfazer os rótulos que viajantes anteriores haviam feito sobre um
clima impróprio para a vida humana. Não seria de estranhar o então comportamento dos
viajantes do XIX, cujo olhar imperialista e que envolvia políticas metropolitanas e ciência,
agissem no sentido de isentar o clima amazônico de tamanhos discursos maledicentes. A
colonização era, portanto, tão possível como o fato de que o clima não apresentava esses
aspectos infernais. Assim, em 1848, pôde dizer que em “geral prevalece uma temperatura
alta”, oscilando entre “89º e 94º”, “nunca desce abaixo de 73º, numa média de “81º
Fahrenheit”:6
Embora muito próxima do Equador (1º 28’ lat. Sul), o seu clima não é
excessivamente quente. Os norte-americanos residentes na região afirmam
6
89, 94, 73 e 81 graus Fahrenheit correspondem, na escala Celsius, vigorante no Brasil, a 31,667, 34,444, 22,778
e 27,222 graus, respectivamente.
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que o calor ali não é tão opressivo quanto em Nova York e Filadélfia no
verão. É claro que a umidade é excessiva, mas as chuvas não são tão pesadas
nem tão contínuas, na estação das águas, quanto em outros climas tropicais
(BATES Apud COSTA, 2002, p. 103).
Com diferença a relatos de outros viajantes com tendências detratoras, Bates considera
o clima amazônico agradável, delicioso, e mostra como mesmo habitantes do sul dos EUA se
encontravam habituados e sequer sentiam grandes diferenças nas temperaturas. Este
posicionamento denota o ser favorável a colonização branca e a introdução de traços
correspondentes a civilização da região, como comércio, povoamento e aproveitamento das
riquezas naturais.
Referências Bibliográficas
COSTA, Hideraldo Lima da. Questões à Margem do “Encontro” do Velho com o Novo
Mundo: saúde e doença no país das Amazonas (1850-1889). 264 f. Tese (Doutorado) – PUC,
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Fondo de Cultura Económica, 1982.
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de (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, v. III, 5. ed. (O Brasil
Monárquico – Reações e Transações. São Paulo: Difel, 1976.
PRATT, Mary Louise. Ojos Imperiales: literatura de viajes y transculturación. Buenos Aires:
Fondo de Cultura Económica, 2011.
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Quixote, 1987.
ROSSI, Paolo. O Nascimento da Ciência Moderna na Europa. Bauru: SP: EDUSC, 2001.
RESUMO: Esta apresentação procura perceber e discutir como a natureza da região de Ouro
Preto e Mariana foi representada nos versos do poeta Claudio Manoel da Costa na segunda
metade do século XVIII. No contexto de sua produção, o imaginário sobre a natureza idílica
do interior e as possibilidades de riquezas minerais ainda estava presente na cultura literária.
Claudio Manoel buscou vislumbrar em sua terra natal o desejado paraíso da “Arcádia”. Mas a
paisagem idealizada contrastava com o ambiente de densas florestas e altas serras que
desafiavam a dominação e civilização da região, mesmo depois da intensificação da
mineração e surgimento de grandes vilas.
Introdução
O Parnaso de onde Apolo conclama suas musas para cantar alegrias e gloriar as Minas
está situado ali, entre a antiga Vila Rica e Mariana. O penhasco, por sua vez, foi descrito no
poema como de paisagem áspera, dura e pedregosa, dominada pelo Gênio do Itamonte8,
representante do poder da Coroa Portuguesa que controlava e vigiava a região, assim como o
Itacolomi dominava as demais serras.9
Para além do drama citado, vários dos poemas de Claudio Manoel da Costa trazem em
seus versos descrições da natureza da região de Minas Gerais. Nas suas “Obras Poéticas”, que
reune composições desde que estudava na Europa, o poeta constantemente se referiu à
paisagem de sua terra natural, fonte de sua inspiração.
7
Glauceste Satúrnio é, na verdade, Claudio M. da Costa.
8
Personificação criada pelo poeta para o Pico do Itacolomi. COUSIN, 1958, p. 225, nota 3.
9
Sérgio Alcides analisa como o estado emocional e psicológico de poeta, tanto no retorno da Europa quanto no
descontentamento com o poder exercido em Minas Gerais, influenciou na caracterização da natureza da Serra do
Itacolomi. Cf. ALCIDES, 2003.
10
Ou Várzea, em algumas biografias. O documento original está ilegível. IGREJA Católica de Nossa Senhora da
Assunção de Mariana-MG, Capela N.S. Conceição do Sitio da Vargem de Itacolomy, Arquidiocese de Mariana-
MG, Certidão de Batismo (descrição online) de Claudio Manoel da Costa. Salt Lake City: Filmado pela
Sociedade Genealógica de Utah, 1980. nº. 1284522/Item 17Fls. 110 e 110v.
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Dedicado ao Conde de Bobadela, Villa Rica foi escrito antes de 1768 e divulgado em
1773. Na “Carta Dedicatória” e no “Prólogo”, o poeta deixa clara sua intenção em honrar “a
mais importante capitania dos domínios portugueses”, as Minas, que “lhes tornaram dignas de
lembranças e alvo de seu amor pátrio” pelas suas riquezas.
Villa Rica trata da epopéia dos desbravadores dos sertões das Minas em busca das
riquezas tão desejadas e, principalmente, dos conflitos pela posse da região na Guerra dos
Emboabas. Nos “Fundamentos Históricos”, ao narrar as entradas em Minas Gerais, o poeta
atribui à natureza participação fundamental na localização das riquezas. Tal referência
influenciou diversas produções posteriormente, utilizando-se, inclusise, de descrições como
“o faról dos bandeirantes” para se referir aos altos picos.
já no seculo XVIII, Pedro de Rates Hanequim, que viveu nas Minas por 26 anos, é julgado e
condenado à morte pelo Santo Oficio por sustentar que o paraíso terreal estaria conservado
entre as serranias daquela capitania. Mas Sergio Buarque também adverte que os bandeirantes
não sairiam em busca desse lugar paradisíaco se não fossem às esperanças de encontrar
imensos tesouros. Na verdade, para ele, o simples atrativo do ouro, ou ainda da prata, a
exemplo de Potosí, bastaria para autorizar o longo prestígio alcançado por uma região
imprecisa. (HOLANDA, 2004)
Esse paraíso, portanto, não era desejado como uma selva fechada, um lugar de
bárbaros ou de natureza indomada. Era antes de tudo visto à luz das descrições bíblicas, como
um jardim planejado e prazeiroso, um horto de bem-aventuranças. (BÍBLIA, Gênesis, cap. 1 e
2). Ainda segundo Sérgio Buarque, o paraíso tinha um clima temperado, bosques frondosos,
de frutos saborosos e prados férteis, cortados em vários trechos por águas nos lugares
elevados e íngrimes e em formas de ilhas. Essa paisagem idílica é associada às descrições
ufanistas sobre o Brasil desde os textos de Padre de Nóbrega, em 1549, que descreveram as
possessões portuguesas na América, restrito a costa brasileira, como “horto das delícias”,
bondade dos ares, sanidade da terra, temperança do clima, mantimentos abundantes e beleza
da vegetação. (HOLANDA, 2004, p. 354)
Todavia, o quadro descrito que seduziu as entradas pelo sertão contrastava com a
realidade da natureza encontrada no interior. Um grande número de comunidades nativas, os
matos fechados na subida da serra para o interior e as íngrimes serras pedregosas foram
elementos humanos e do mundo natural que os bandeirantes enfrentaram na difícil entrada
para o interior do país (DELVAUX, 2009).
Para Sérgio Alcides (2003), o poeta estava dividido entre dois mundos: o mundo rude
dos sertões e o mundo mais culto dos centros urbanos do Reino. De volta depois de uma longa
temporada de estudos em Coimbra, Claudio Manoel teve que percorrer o caminho novo rumo
à sua cidade natal, cortando montanhas elevadas e de trajetos perigosos. Para o poeta, era
como entrar num mundo incivilizado novamente, com suas águas barrentas e turvas e seus
picos que atemorizavam aqueles que os observavam. Natureza muito diferente das águas
calmas do Mondego e das colinas arcadianas de terras férteis, onde as musas se deleitavam na
beleza de uma paisagem harmoniosa.
Na “Écloga XII”, o poeta fala dos campos de Elísio, onde reinavam um fino amor
quando se estendia o olhar sobre a ribeira, cujo rio era brando e mansamente inundava os
ferteis campos. Na “Écloga XIV”, já temos o triste pastor desterrado, em um lugar funesto e
carregado de rústica floresta, banhado por um feio e turvo ribeiro, cercado por penhas
medonhas. No “Soneto VIII”, tudo é horror na paisagem: “rio, montanha, troncos e penedos”.
Era um lugar áspero demais para ser amado, conforme conclui no “Soneto LXXXVII”. As
Obras Poéticas, com seus sonetos melancólicos e saudosistas de uma Arcádia, trazem versos
se assemelham a literatura de desterro.
Para o poeta, Vila Rica e os arredores precisavam que a ordem cultural dominasse a
natureza e a civilização conseguisse chegar à região. É preciso que o “gigante de mármore” o
escute e permita que as musas venham lhe cantar versos. Aos pés do Itamonte, o “horrendo
penhasco”, o pastor chora de saudades das ninfas e dos amores. (Écloga XIV e IX). Ao
observar as “duras penhas”, seu peito aperta e se entristece. (Obras Poéticas, Soneto LVII).
contimo mesmo
(Obras Poéticas, Soneto XLVII; LIII; LVIII e Epicêdio III)
Finalmente, o gigante o escuta e volta a falar com o pastor depois de seu pedido. Este
é o momento da chegada do novo governador, o Conde de Valadares, no qual o poeta deposita
suas esperanças e vê essa nova fase como de oportunidades para mudar a realidade da região:
civilizar, desenvolver a vila e descobrir os tesouros ainda escondidos no seio do gigante, isto
é, no interior das serras. O Parnaso Obsequioso, então, já canta as maravilhas que o pastor
vislumbraria. A paisagem ainda é a mesma, o rio ainda é o Ribeirão do Carmo e o Parnaso
ainda é o íngrime Itacolomi. Mas sua pátria, reconhecida rica e apta à civilização sob o
dominio do novo governo, passa agora a ser amada e digna de ser lembrada pelo poeta.
Fontes:
ANTONIL, Andre João. Cultura e opulencia do Brasil por suas drogas e minas. Trad.
française et commentaire critique par Andree Mansuy. Paris: Institut des Hautes Etudes de
l'Amerique Latine, 1968.
[Notícias dos primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas
Gerais, pessoas mais assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos
desde os seus princípios]. Bento Fernandes Furtado, ca.1750. In: Códice Costa Matoso.
Coleção das Notícias dos primeiros descobridores das minas na América que fez o doutor
Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em
fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais, 1999.
COSTA, Claudio Manoel da. Obras poéticas de (Glauceste Saturnio) – T. 2. Costa, 1729-
1789. Rio de Janeiro, 1903. [online]. www.brasiliana.usp.gov.br
LIMA JUNIOR, Augusto de. Claudio Manoel da Costa e seu poema: Vila Rica. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1969. 246p.
SENNA, Nelson Coelho de. A terra mineira. 2. ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926.
______. História antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 4ªed. 2 vol. 1974.
Referencias Bibliográficas
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1753-1773. São Paulo: Hucitec, 2003.
COUSIN, Almeida. Itamonte: epopeia brasilista. 2. ed. Rio de Janeiro: Pongetti, 1958. 263p.
COUTO, José Vieira. Memoria sobre a Capitania das Minas Gerais; seu território, clima e
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DIEGUES, Antônio Carlos S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec,
1996.
THOMAS, K. O homem e o mundo natural. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente, 1980.
ABSTRACT: The process of colonization proposed by the Espírito Santo government, in the
second half of 19th century, forecasted the population and occupation of lands with coffee
cultivation, from sale of plots of land to Italian immigrants into the Núcleo Timbuhy.
However, these plots were covered with Atlantic Forest, which although delighted and
provided wood and hunting to the immigrants, imposed them great difficulties of adaptation.
Introdução
*
Pesquisadora do Núcleo de Estudos Históricos e Territoriais da UNIVALE.
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Na busca por riqueza, terras férteis e paz, emigrar representava a melhor forma de
fugir do Velho Mundo e construir uma nova vida em outra pátria. Assim, no último quarto do
século XIX, milhares de italianos migraram para o Espírito Santo, em especial para o Núcleo
Timbuhy/ Santa Teresa-ES. Esse Núcleo foi uma extensão da Colônia Santa Leopoldina,
localizado a pouco mais de 70 quilômetros de Vitória. Sua população foi formada
predominantemente por imigrantes italianos.
No total 4.401 imigrantes se estabeleceram no Núcleo Timbuhy, sendo 4.197 italianos 13.
Ao se estabelecerem a grande maioria dos imigrantes recebia um lote de terra que deveria ser
pago algum tempo depois com o dinheiro conseguido da venda do que era produzido na
própria terra. Contudo, os primeiros tempos desses imigrantes no novo território não foram
tão fáceis. Na maioria das vezes os lotes estavam cobertos por uma densa e exuberante
floresta tropical, a Mata Atlântica, que guardava em seu interior além da caça e da madeira
para construção, muitas ameaças e clima de difícil adaptação aos recém chegados. Esta
exuberante floresta em algumas décadas foi sendo substituída por lavouras e vilarejos.
Esta breve reflexão pode contribuir para uma melhor compreensão dos desafios
enfrentados pelos recém-chegados, nas primeiras décadas no Núcleo Timbuhy; além de nos
11
Esta é a primeira expedição de imigrantes italianos a chegar ao Espírito Santo em fevereiro de 1874.
12
Informações Banco de dados Projeto Imigrantes ES - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES)
consulta em 24/02/2014.
13
Informações Banco de dados Projeto Imigrantes ES - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES)
consulta em 24/02/2014.
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permitir perceber como a floresta era vislumbrada tanto pelas autoridades quanto pelos
imigrantes.
Na segunda metade do século XIX extensas áreas da Província do Espírito Santo ainda
estavam cobertas pela Mata Atlântica. Essa exuberante natureza que encantava os imigrantes
era também vista pelos governantes, como um obstáculo ao desenvolvimento econômico da
província. Sob esta ótica a terra seria mais produtiva se fosse povoada e ocupada por cultivos
agrícolas.
É exatamente esse cenário que era avistado pelo imigrante italiano ainda do navio. De
um modo geral, os imigrantes ficavam impressionados com o pano de fundo verde da floresta
tropical que se descortinava diante de seus olhos (BUSATTO, 1990, p.248).
As imensas florestas que cobrem este território são ricas em madeira para
construção, entre as quais o vinhático, o pau d’arco, o jacarandá, a
Contudo, adentrar este paraíso não foi tarefa fácil. “A floresta era um intrincado de
vegetação que parecia repelir o homem” (GROSSELLI, 2008, p.395). E o contato com a
floresta era um dos primeiros desafios que o imigrante tinha que enfrentar. As características
naturais do Espírito Santo eram bem diferentes das presentes no Norte da Itália. O clima era
bem mais quente e úmido e a floresta, em muitas regiões, encontrava-se ainda praticamente
intocada.
O primeiro ponto que devemos considerar era o tipo de relação que o imigrante
desenvolveria com a floresta. Ao contrário do índio que vivia integrado com a floresta, em
perfeito equilíbrio ecológico, o imigrante veio para viver sob o modo capitalista de produção,
e muitos sonhavam enriquecer (BUSATTO, 1990, p.250).
Como parte deste projeto o governo passou a vender lotes de terras a imigrantes. Ao
receber seu lote o imigrante assinava o Contrato de Designação do Lote de Terra junto ao
governo local, este documento impunha algumas exigências para que o mesmo obtivesse o
título definitivo de sua terra.
imediatamente se estiverem caídas na estrada, isto para conservar o trânsito livre.” Por fim na
oitava exigência, temos a obrigação de desmatar para manter limpas as divisas dos lotes: “Os
proprietários dos lotes deverão abrir caminho nas divisas com outros lotes, cuidar da
conservação, desmatar e limpá-los anualmente, conservando as marcas divisórias como foi
dito.”
Há ainda muito trabalho para nós aqui. Fala-se em ampliar a clareira para
levantar uma Vila neste lugar. Parte dos homens trabalhará derrubando o
mato no contorno dos morros, parte deitando abaixo e afastando as árvores
nas margens do Timbuhy, para dar curso livre às águas e afastar as cobras.
(TAMANINI, 1980, p.55).
A tarefa penosa que é descrita no romance também aparece no relatório do Presidente
de Província Manoel da Silva Mafra. No relatório (MAFRA, 1878, p.44) ficam expressas as
dificuldades que os imigrantes encontram em derrubar a floresta e que os mesmos quase
desanimavam frente ao difícil e indispensável trabalho de derrubada da floresta.
Mas, apesar das dificuldades aos poucos os terrenos iam sendo desmatados. No
relatório do então Presidente de Província Manoel Mascarenhas (1876), a substituição da mata
pela povoação no Timbuhy, foi assim descrita: “O lugar em que se acha o Núcleo Timbuhy,
há poucos meses mata virgem, acha-se transformado em uma povoação florescente”
(MASCARENHAS, 1876, p.8).
Parte dessa povoação pode ser observada na foto abaixo. Estima-se que a foto tenha
sido tirada na década de 1870. Na imagem podemos observar a clareia aberta na Mata
Atlântica, e muitos troncos espalhados pelo terreno. Muitos deles serviam de pontes para
superar o pequeno curso d’água que se formou no vale.
Como se percebe na foto, aos poucos surgia uma povoação em meio as destroços dos
gigantescos troncos abatidos da floresta (MÜLLER, 1925, p.14). Em nome do progresso e da
civilização é feita a grande derrubada de árvores seculares. O trabalho na derrubada e
queimada das matas era um trabalho de todos, dada a necessidade em abrir espaço para os
plantios (MÜLLER, 1925, p.21).
Vencer a floresta era mesmo um grande desafio. As famílias ficavam nos barracões,
enquanto os homens adentravam a mata para construir as primeiras cabanas e permitir a
instalação dos familiares (GROSSELLI, 2008, p.396). Mas derrubar a primeira quadra de
mata, não resolvia o problema do imigrante. Uma vez estabelecido em seu lote de terras, o
imigrante, suas criações de animais e plantações precisavam conviver com os ataques que
vinham da floresta. Dessa forma, o imigrante queria apenas um espaço para morar e
desenvolver suas atividades (BUSATTO, 1990, p.250), iniciou uma luta desigual com a
floresta. Eram comuns os ataques de onças, gatos do mato, periquitos, serpentes e os
mosquitos transmissores de doença (BUSATTO,1990 p. 250-1). Era necessário descobrir,
dominar e apossar-se do novo território (GROSSELLI, 2008, p. 397). Um informante, ouvido
em trabalho de campo, afirma que, no início do século passado poucos eram os que tinham
coragem de se aventurar para os lados do Rio Doce, pelo medo das doenças que eram
transmitidas por mosquitos.
Eliminar a floresta era “uma vitória e uma conquista humana, um sinal de progresso e
de prosperidade.” (BUSATTO, 1990, p.249). Este fato também é descrito nos relatos orais
dos descendentes dos imigrantes. O entrevistado Edimar Dossi relatou que: “As famílias eram
grandes e querendo seu espaço, seu pedacinho de terra. Então eles começaram a se espalhar,
mas, a região toda, era tudo mata, né! Não tinha como. (pausa) Foram trabalhando,
derrubando mata, fazendo, achando seu espaço.” Desmatar era ganhar espaço da floresta, aos
poucos a família fazia uma nova “derrubada14” e podia cultivar mais um pedaço de terra.
Mas, vale lembrar que todo esse processo ocorreu de forma paulatina. O
desmatamento ocorreu em consonância com as necessidades dos imigrantes. Talvez, por isso,
apesar de ter enfrentado mais de um século de desmatamento, Santa Teresa ainda é
reconhecida nacionalmente por sua biodiversidade. Segundo pesquisa de 2011 cerca de 24,6%
14
Termo muito ouvido em trabalho de campo, utilizado para designar prática que na maioria das vezes envolvia
derrubar e queimar um pedaço da mata para abrir nova área de cultivo.
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da área total do município são cobertos pela Mata Atlântica, uma porcentagem bem acima da
média nacional (MARTINELLI, 2011, p.3). Mesmo assim não há muito o que comemorar,
mas sim um compromisso de preservar o que restou, para que os problemas ambientais não se
agravem ainda mais.
Considerações Finais
Por vezes a mata, fez parte do imaginário do imigrante e de seus descendentes, onde se
destacam o medo dos animais selvagens e o encantamento da beleza das paisagens. Os relatos
históricos conseguem demonstrar o sentimento de uma época em que a floresta era vista como
algo que precisava ser destruído para alcançar o progresso. E mais do que isso algo que era
tão grande que nunca acabaria, continuaria a fornecer a carne da caça, a madeira para queimar
nos fogões e para construção. O progresso chegou a muitas áreas, mas hoje paga-se um alto
preço.
Fontes
MAFRA, Manoel da Silva. Relatório apresentado pelo Exm. Sr. Dr. Manoel da Silva Mafra
a Assembleia Legislativa Provincial do Espírito Santo no dia 22 de outubro de 1878. Vitoria.
Typographia da Actualidade.
15
Referência a Augusto Ruschi, filho de imigrantes italianos, ecologista, natural de Santa Teresa.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 624
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
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Fondazione Giovanni Agnelli. 1990.
GASPARINI, Sandra. Santa Teresa: Viagem no Tempo 1873-2008. Santa Teresa: 2008.
Simpósio Temático 09
História da polícia, do crime e da
justiça criminal no Brasil:
perspectivas historiográficas e
teórico-metodológicas
Coordenadores:
RESUMO: O objetivo desse artigo é discutir a militarização da polícia e como esse processo
aconteceu no final dos anos 60 em São Paulo. Após o fim da ditadura do Estado Novo se
estabeleceu uma discussão crítica sobre o caráter militar da Força Pública. Tal discussão foi
abortada após o golpe de 1964. Após a ação dos diversos agentes envolvidos, acabou-se com
a perspectiva de uma corporação civil, colocando-se o policiamento sob a lógica da contra-
guerrilha.
ABSTRACT: The subject of this article is to discuss the militarization of the police and how
this process ocurred in the late 60's in São Paulo. After de end of the Estado Novo dictatorship
it rised a critical discussion on the Força Pública military caracter. Such discussion was
aborted after the 1964 coup. By the action of many agents involved, the perspective of a civil
police force ended, and the policing was put underneath a counter guerrilla logic.
A "militarização" é uma expressão muito utilizada nas discussões mais recentes sobre
segurança pública ao redor do mundo, porém não há um consenso sobre seu significado. A
segurança pública dos EUA, por exemplo, é entendida pela sociologia como estando em um
processo de militarização, intensificado após o 11 de Setembro, devido, principalmente, à
influência dos conflitos bélico internacionais na vida urbana e ao uso grande crescimento de
tecnologias de vigilância. (GRAHAM, 2009). A polícia britânica (a "melhor polícia da
mundo"), também é vista em um processo de militarização, principalmente após o governo
Tatcher, quando, após décadas, se colocou a tropa de choque, com suas bombas de efeito
moral e balas de borracha, contra trabalhadores em greve. (REINER, 2004). As polícias de
ambos os países são conhecidas por serem corporações civis e exercerem, ao menos no nível
da retórica, o policiamento comunitário.
1
Devo essa ideia a André Rosemberg, em texto ainda não publicado.
década de 1930, a Força Pública possuia mais poder de fogo do que o Exército lotado em São
Paulo (BICUDO, 1977).
Com o fim da Ditadura do Estado Novo e a constituinte de 1946, o papel das polícias
militares sofre questionamento de diversos setores, inclusive de dentro de seu oficialato. A
sua postura repressiva durante o Estado Novo e a estrutura similar ao Exército são alvo de
várias críticas. Ao estudar os artigos de oficiais em jornais e revistas da Força Pública de São
Paulo, Glauco de Carvalho observa o forte debate em torno da "dupla função", policial e
militar, da corporação através de artigos em jornais e na revista do clube de oficiais. O caráter
militar é visto por alguns oficiais como um empecilho a uma atuação de acordo com a nova
situação democrática. (Carvalho, 2011, p. 110-122).
A Guarda Civil ganhava poder no período democrático. Era uma corporação civil,
criada em 1926, inspirada na polícia metropolitana de londres, em contraste com a Força
Pública, que seguia o medelo da Gendarmerie francesa. Os guardas civis recebiam melhores
salários e estavam sujeitos a carreira única. Diferentemente da Força Pública, para atingir os
postos de comando, um guarda deveria passar por todos os níveis da hierarquia
(BATTIBUGLI, 2010, p. 48, 55).
Ela atuava nas principais ciddes do Estado de São Paulo e na zona central da capital.
Em 1947 foi estabelecido o "paralelo 38", que dividia a capital, deixando o centro e as zonas
sul e oeste sob policiamento da guarda civil, enquanto a Força Pública era responsável pelas
zonas norte e leste e pelo entorno de seus quarteis no centro. Além disso a GC possuia
inserção na área da FP, através de vários postos policiais de cumprir funções de subdelegados
em alguns distritos policiais. Em 1960, a capital possuía 7168 policiais, sendo 6165 guardas
civis e apenas 1003 policiais da FP. Por outro lado, o interior do Estado possuía 5183
policiais, sendo 319 da GC e 4864 da Força Pública. (BATTIBUGLI, 2005, p. 232). O
efetivo da Guarda Civil sofreu um aumento proporcional muito maior do que a Força Pública
após 1946. Entre 1947 e 1964, enquanto a FP teve um aumento de 170%, a GC esperimentou
um crescimento de 275% (BATTIBUGLI, 2010, p. 109). Além disso, a GC executava o
policiamento de locais estratégicos, como prédios públicos – incluindo o Palácio dos
Bandeirantes, a Assembléia Legislativa, e o Palácio de Justiça - presidios, casas de detenção,
aeroportos, escolas, cinemas, correio, o Parque Ibirapuera, a Companhia de Armazéns
(Ceagesp), entre outros. Além disso, possuia o serviço de rádiopatrulha, uma das principais
tecnologias de policiamento da época (SYLVESTRE, 1985, p. 51).
O ambiente político das polícias era bastante conturbado no fim dos anos 50 e inicio
dos anos 60. Grupos alinhados aos diferentes governadores, nacionalistas e até mesmo
comunistas (apesar da ilegalidade do PCB) disputavam a liderança dos movimentos de
policiais e das entidades de categoria. A Força Pública, apesar do rígido regimento disciplinar
militar, envolveu-se em manifestações por questões salariais e até mesmo uma greve em
1961, quando foram fortemente reprimidos pelo Exército e por Batalhões da própria
Nos anos iniciais da ditadura não há nenhuma modificação relevante nas polícias, com
exceção da criação, em 1966, de Serviços Reservados nas duas corporações, visando o
combate a subversão interna. É somente em 1967 que se iniciam um movimento de maior
controle pelo Exército e ameaças a existência da GC. No início do ano, o recém-empossado
Secretário de Segurança Pública, Cel. Ex. Sebastião Ferreira Chaves, extingue a assessoria da
Guarda Civil que havia sido criada junto a sua pasta pela gestão anterior (SYLVESTRE,
1985, p. 94). No dia 13 de março do mesmo ano seria promulgada a nova "Lei Orgânica da
Polícia" (Decreto-lei n°317/67) que instituiu a Inspetoria Geral das Polícia Militares (IGPM),
subordinada ao Ministério do Exército. Esse órgão teria função de "centralizar e coordenar
todos os assuntos da alçada do Ministério da Guerra relativos às Polícias Militares", devendo
"baixar normas e diretrizes e fiscalizar a instrução militar das Polícias Militares em todo o
território nacional". Se torna prática, que se manteria até o fim da ditadura, que os
comandantes das polícia militares e os Secretários de Segurança sejam militares do Exército.
De acordo com Vicente Sylvestre, esse decreto foi entendido como uma ameaça à
existência da GC, pois ela sequer era citada em seu texto (SYLVESTRE, 1985, p.91). Diante
desse decreto e da nova Constituição da ditadura, as Constituições estaduais tinham o prazo
de até 15 de abril para se adequar. O Secretário de Segurança Sebastião Chaves, visivelmente
hostil à GC, interpretava a nova "Lei Orgânica" como destinando o policiamento ostensivo
exclusivamente à Força Pública. Diante disso, as entidades de categoria da Guarda Civil se
mobiliam junto ao Governador Abreu Sodré, conseguindo que ele incluísse a GC no seu
2
Boletim Geral da Força Pública do Estado de São Paulo nº 68, 10 de abril de 1964, Anexo. Museu de Polícia
Militar; Boletim Geral da Guarda Civil de São Paulo nº 62, 3 de abril de 1964, Anexo. Museu de Polícia Militar.
A proposta do governador, mantendo a GC foi aprovada, o que fez com que as suas
entidades de categoria presenteassem a Assembléia com uma placa de bronze. Essa aparente
vitória, porém, deslocou a disputa para a nova "Lei Orgânica da Polícia" estadual que deveria
ser criada. Em 11 de agosto de 1967, uma "Comissão de Alto Nível" integrada por inspetores
da GC, oficiais da FP, delegados da Polícia Civil e membros do gabinete de Segurança
Pública iniciam discussões para um projeto. O clima da comissão era "tenso", de acordo com
Sylvestre, sendo que os representates da GC foram substituídos por serem considerados
"muito radicais na defesa dos interesses da corporação" (SYLVESTRE, 1985, p. 95).
3
DEOPS, 50-D-1018, Arquivo Público do Estado de São Paulo. O ofício original não tem data, mas foi
arquivado pelo DEOPS em 8 de Abril de 1968
4
DEOPS. Relatório. 50-D-18-1020, Arquivo Público do Estado de São Paulo, 28/01/1968
Pólicia da FP passaria à GC, o que efetivamente não se cumpriu. Por outro lado, as Polícias
Feminina, Marítima e Aérea e a Guarda Noturna, antes independentes, foram incorporadas à
GC.
Com a ascenção das grandes mobilizações de rua em 1968, no qual as polícias são a
primeira linha de frente da ditadura e as crises de sucessão entre os generais presidentes, a
necessidade de o Exército assumir o controle da repressão se torna mais patente. O AI-5 fecha
o Congresso Federal e as Assembléias estaduais, acabando com o respaldo político que a GC
tinha para defender seus interesses.
Porém, mais uma vez, a modificação na Constituição Federal, obriga uma mudanças
nas respectivas estaduais. Sem apoio dos parlamentares ou da imprensa, agora sob censura
ferrenha, a unificação com a Força Pública em uma corporação militar parece algo inevitável
para a GC. As entidades de categorias, então controladas pelo PCB, mudam sua orientação.
Passam a trabalhar para que os guardas civis permaneçam unidos na nova corporação ao invés
de debandarem para outra função no Estado. Um novo grupo formado por guardas civis e
oficiais da FP para estabelecer condições para uma unificação. Vicente Sylvestre, integrante
desse grupo, descreve o clima como amistoso (SYLVESTRE, 1985, p. 102).
O grupo que discutia a unificação chega a um consenso com oito itens: fusão das duas
corporações em uma terceira de caracteristica militar, com uniforme, denominação e insignias
distintas das atuais; denominação única dos postos hierárquicos, que pode ser a da FP;
igualdade de direitos e deveres nos novos postos; proporcionalidade de representação da nova
corporação; respeito ao direito de acesso a todos que estejam habilitados por cursos
proprios; respeito ao direito de matricula no curso de formação de oficiais aos elementos que
preencham os requisitos de aptidão fisica e intelectual necessários até o limite dos 30 anos de
idade; os elementos da base hierárquic da nova corporação denominar-se-ão "policiais";
representação de elementos de ambas as corporações no Estado Maior da nova
organização (SYLVESTRE, 1985, p. 104).
A novo Constituição estadual não cita a GC, conforme esperado, o que faz com que
vários policiais das duas corporações se aposentem. No entanto, mesmo a espectativa de um
5
Boletim Geral da Força Pública , n 200, 21 de dezembro de 1969, Museu de Polícia. p. 3046.
6
FORÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretriz Geral de Instrução. 1969. Museu de Polícia.
Caixa 164, pp. 7-8
A partir daí, a Polícia Militar teria grande influência do Exército, sendo inserida na
lógica da Doutrina de Segurança Nacional e da Guerra Insurrecional. Ao longo dos primeiros
anos da década de 70, diversos oficiais da PM vão fazer cursos em escolas das Forças
Armadas. Treinamentos contra-guerrilha se tornam algo constante. Conforme os manuais, o
treinamento tem aspecto fortemente militarizado, envolvendo combates na floresta e com
armamento pesado. São criados grupos especializados nesse tipo de combate, como a ROTA
(Rondas Ostensivas Tobias deAguiar) e o COE (Comando de Operações Especiais). Técnicas
militares passariam então a ser utilizadas no policiamento cotidiano. O intercâmbio entre
práticas militares de combate ao crime político e as práticas usuais de combate ao crime
comum se estabelece e a eliminação do inimigo passa a ser um obejtivo (PINHEIRO, 1982).
A consequência mais visível é a escalada de mortos em confrontos com a polícia. Em 1960 a
polícia matou uma pessoa na cidade de São Paulo. Dez anos depois esse número subiria para
28 e, em 1975, atingiria 59 mortos (MELLO JORGE, 1983, p. 188).
Foi dessa maneira que se reverteu toda a discussão em torno da unificação em torno de
uma única polícia de caráter civil em São Paulo. Do discurso de adaptação ao contexto
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 635
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
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ABSTRACT: The police intelligence activity in Brazil has its roots in the information
community formed on the last civil-military dictatorship period. With the democratization of
the country and the crisis in public security, new goals and challenges were posed for this
activity. Thus, we seek to raise a discussion on the theoretical debate around this activity, as
well as feature the history of the Federal Police, and if there was an institutionalization of the
police intelligence in this institution.
profissionais e acadêmicos, e também com notícias veiculadas por revistas e jornais de grande
circulação, cujos conteúdos estão disponíveis no banco de dados interno do Centro de Estudos
Estratégicos e Inteligência Governamental da Universidade Federal de Minas Gerais
(CEEIG/UFMG). Por sua vez, ressalta-se que tais complementos passaram por profundo filtro
de análise crítica e têm a devida menção bibliográfica.
Por essa natureza, a inteligência classicamente tem sido utilizada como gatilho para
ativar a defesa daquilo que se entende como Estado-Nação, e tem sido comumente dividida
em inteligência de âmbito exterior e âmbito interior, de acordo à origem das potenciais
ameaças. Conhecida por suas subdivisões, inteligência de segurança, inteligência doméstica,
inteligência de segurança pública, a inteligência interna basicamente tem por objetivos a
obtenção e análise de “informações sobre identidades, capacidades, intenções e ações de
grupos e indivíduos dentro de um país, cujas atividades são ilegais ou alegadamente
ilegítimas” [CEPIK, 2003, p. C-25].
Lima Ferro (2006, p. 85) aponta que a SENASP (Secretaria Nacional de Segurança
Pública), define a inteligência de segurança pública, com esteio no Decreto 3.695/2000, como
a atividade sistemática de produção de conhecimentos de interesse policial, apoiando as
atividades de prevenção e repressão dos fenômenos criminais no país.
se ocuparia com assuntos que norteiam as atividades da instituição como um todo e podem
implicar em medidas de grande escala. O nível tático, que cobriria ações de médio prazo, é
voltado para as demandas do órgão. Sua função é produzir conhecimento que sirva para
subsidiar políticas internas voltadas ao enfrentamento do crime. Por último, o nível
operacional cobriria um prazo menor, estando atrelado a ações imediatas. Este último nível é
o mais característico da inteligência de polícias judiciárias, pois volta-se para a investigação
criminal (muitas vezes se confunde com ela) e a confirmação de evidências de delitos. Ainda
segundo Gonçalves (2009, p. 15), o nível tático atuaria de forma probatória, no sentido de
fundamentar autoria ou materialidade do ilícito penal (ref. Com página).
Num processo de institucionalização, esse relativo “atraso” pode ser um indicador que
demonstra o quão lenta ou difícil é a definição de consensos em torno de determinado assunto
ou o quão ‘impermeável’ se encontra determinado grupo burocrático frente a reformas ou a
novas práticas. E para decifrar as especificidades da inteligência policial dentro da Polícia
Federal, cabe, então, realizar um recorrido histórico deste órgão para mapear os porquês desse
lapso, e a possível impermeabilidade ou relutância para sistematizar a inteligência policial,
mesmo após o fim do último período ditatorial, a Constituinte e as crises de segurança pública
que se abateram e que ainda persistem nos anos recentes.
atividades para a segurança pública no Distrito Federal que outrora era no Rio de Janeiro, e
para o controle nas fronteiras em nível nacional. Essa foi, de fato, a primeira ação
federalizante no sentido de constituir uma polícia em nível nacional.
Finalmente, no ano de 1967, ainda sob o governo Castelo Branco, pelo Decreto-Lei nº
200, Art. 210, o Departamento Federal de Segurança Pública passa a denominar-se
Departamento de Polícia Federal. Tais acontecimentos e marcos regulatórios reforçam os
sentidos de federalização e centralização de órgãos públicos levados a cabo por governos mais
fechados e autoritários na história da administração pública brasileira (SOARES, 1998, p.
137-163). Também explicaria, em parte, o porquê dos órgãos policiamento já carregarem,
desde esses tempos, pessoal e quadros de acentuada inclinação castrense.
Diversos países da América Latina viram suas vias de participação e democracia ruir
diante deste novo paradigma. Para os serviços de informação ou inteligência, a diferenciação
entre os âmbitos externo e interno não faria muito sentido, já que os esforços eram
canalizados para o outro, o adversário encontrado entre aqueles que se posicionavam
contrários às disposições do governo militar, ou seja, os chamados subversivos dentro do
próprio território.
Mas é justamente a partir do fim da ditadura que ocorreu uma relativa desagregação
dos fins e das muitas funções do Departamento de Polícia Federal (DPF). A Polícia Federal,
convive durante boa parte dos anos 80 e 90, com disputas internas, casos de corrupção e
desvios de suas atividades de polícia judiciária. Por exemplo, aos escândalos envolvendo o
diretor Romeu Tuma8, recorrentes na mídia da época, somam-se grampos ilegais, quando das
discussões sobre a licitação do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), em plena
Esplanada dos Ministérios. (RAYMUNDO COSTA, 1999). Somem-se a tal quadro as
rachaduras internas na corporação ocasionadas pelos embates entre os comandados pelo então
Diretor Geral, Vicente Chelloti, contra as alas ligadas à Diretoria de repressão a
8
O compadre doleiro. As perigosíssimas ligações do delegado Romeu Tuma com cambistas em ação na capital
federal. Revista Veja, 04 de Dezembro de 1991; Delegado (Tuma) é suspeito de prevaricação. O Ministério
Público está investigando denuncias de omissão e conivência do secretario Nacional de Polícia Federal (PF).
Folha de São Paulo, 04 de Abril de 1992.
9
Crise Federal. Policiais 'grampeiam' conversa de diretor do órgão com funcionária que investiga setor de
entorpecentes. Folha de São Paulo, 19 de Julho de 1998.
10
Entrevista Alexandre Bustamante, realizada em Cuiabá, MS, em Out. 2002 por Priscila Brandão.
Isso se deve também ao fato de que houve, no final da década de 90 e início dos anos
2000, a renovação com certa frequência dos quadros internos, promovendo-se concursos com
alto grau de exigência para todos os cargos da estrutura burocrática. Tais mudanças
possibilitaram empreender a repressão ao crime organizado e à corrupção de maneira mais
sistemática em nível Federal, o que vem sendo demonstrado desde 2003 em um largo
histórico de operações disponíveis na própria página web do Departamento, as quais muitas
vezes são noticiadas pela mídia em geral.
11
A exemplo da maior participação do Ministério Público junto à Polícia Federal nas investigações relacionadas
à corrupção e improbidade administrativa em meados dos anos 2000, ver ARANTES (2010).
Conclusões
Referências bibliográficas
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RÉSUMÉ: Le présent article a d’abord pour objectif discuter les notions de “spontanéisme
gréviste” et de “grève de masse”, sous l’optique du “populisme”, pendant le second
gouvernement Vargas. Et, en deuxième place, caractériser les instruments coercitifs du
gouvernement de l’Etat, basés sur la Loi et sur la répression policière, dirigés vers les grèves
travailleuses entre 1953-1954.
Introdução
12
Embora assumindo todas as responsabilidades, agradeço ao Prof. Dr. Jorge Ferreira, professor do
Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, por seus comentários a uma versão preliminar
deste texto.
Para tanto, o estudo traz para a reflexão fontes ainda pouco investigadas nos estudos
históricos sobre o período, como a Revista Forense, na qual as medidas governamentais,
decisões da Justiça e processos envolvendo trabalhadores encontram-se fartamente
documentados – analisada em conjunto com outras fontes documentais.
13
Discurso proferido pelo Ministro da Justiça, Francisco Negrão de Lima, na I Conferência Nacional de Polícia,
realizada no Rio de Janeiro, em 1951. Relatório da Polícia Militar do Distrito Federal. Ano III, n.. 15,
Setembro-outubro de 1951, p. 75, 76. “As comemorações do dia do Trabalho”.
14
Entre 1951-1952, antes da entrada em vigor da nova Lei de Defesa do Estado e Segurança Nacional, instituída
em janeiro de 1953, para julgar os crimes políticos e sociais ou contrários à organização do trabalho, os órgãos
da Justiça baseavam-se no decreto 431, de 18/05/1938, que definiu os “crimes políticos e sociais”, nas diversas
sanções da CLT (1943) às greves e na Lei 1.207, baixada pelo Congresso em 25/10/1950, que delimitava o
“direito de reunião” e impedia manifestações políticas e sociais, sem a autorização prévia da Polícia.
detenção e multa de CR$ 500,00, a ser paga no prazo de 6 meses (Revista Forense, março-
abril de 1953, p. 385).
Já em 1954, o operário Elício Guimarães Lima protestou contra a injustiça de que fora
vítima ao ser preso em flagrante, praticando ato incurso na legislação criminal. Para tanto,
contribuiu a declaração das testemunhas que o classificaram: “como agitador contumaz”. De
acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal: embora o trabalhador acusado “não se
achava dentro da fábrica”, estava na “porta desta”, situada na Rua dos Açudes (RJ.), “com um
papel na mão, convidando a massa de operários, que acabava de almoçar, a acompanhá-lo até
o escritório”, onde reclamariam um abono, não recebido. Em caso de recusa dos patrões,
“[levantariam] a greve”. Em face da “desordem” suscitada por seu ato, o Tribunal decide-se
pela manutenção do auto de prisão do operário e negação do habeas corpus. (Revista Forense,
maio-junho de 1954, p. 402-403, 444).
Dessa forma, a “questão social” continuará recebendo nos anos 1950 um tratamento
político simultâneo ao tratamento policial. Greves, movimentações operárias, comissões de
trabalhadores nas fábricas permanecem alvo constante da mira patronal e policial.15 (SILVA e
COSTA, 2001, p. 245).
Para José Álvaro Moisés, seguindo as pegadas de Francisco Weffort (1978), a “greve
dos 300 mil” foi expressão da “espontaneidade” operária, resultado da “política de massas”
do governo Vargas e da suposta “incapacidade” dos trabalhadores em conduzir de forma
autônoma seus interesses de classe para o nível das lutas políticas, manifestando-se somente
como “massa”, de modo “instintivo”. “Massas”, por definição, “desorganizadas” e
“inconscientes” de seus interesses de classe. (MOISÉS, 1978, p. 135-136).
Apesar das diferenças de enfoque, essa questão foi também desenvolvida por
Armando Boito Jr. com base no que define como o “culto populista do Estado”. Esse “culto”
introjetado na memória dos trabalhadores corresponderia, de um lado, à “passividade das
massas”, caracterizadas pela “inércia” ou “fragilidade” organizativa; e de outro, à
“expectativa da iniciativa salvadora do Estado”. Para o autor, a função primordial do referido
“culto” seria a de afastar ou “desviar” os trabalhadores das “concepções revolucionárias”,
impedindo a formação de uma “verdadeira” consciência de classe. (BOITO JR.., 1991, p. 74,
90-93). O “espontaneísmo” das greves e seu “caráter de massa” constituíram, assim, exemplos
emblemáticos e corolários do recorte “incapacidade de organização”/resultado da
“massificação” dos trabalhadores, atribuídos à greve dos 300 mil e a outros movimentos
grevistas entre 1953-54. (SILVA e COSTA, 2001, p. 251).
Todavia, ao nos debruçarmos sobre a experiência dos atores sociais de carne e osso
nos anos 1950, não encontramos trabalhadores “manipulados”, “greves espontâneas”; e, muito
menos, operários “desviados” da “consciência real” de seus interesses pela “política de
massas”, encetada pelo “populismo” getulista.
A greve dos tecelões cariocas, além de considerada o “estopim” das greves que se
seguiram, desfralda uma bandeira: o fim da exigência da “assiduidade integral”, imposta
pelos empregadores na Justiça do Trabalho para o recebimento de reajustes salariais pelos
operários e a quebra das exceções feitas a empresas, de mesma categoria econômica, que
alegassem “dificuldades financeiras” e de “produção” para solicitar sua “isenção” no
cumprimento dos acordos salariais. Nesse contexto, seria fundada a CISCAI – Comissão
Intersindical Contra a Assiduidade Integral – com uma direção nacional e unidades em vários
estados, designadas CISCAIs estaduais. Sua direção apoiou quase todas as greves no período.
Entre os dias 27 e 30, do mesmo mês, informa o jornal: “Palavra de ordem [do
movimento]: pela união dos grandes sindicatos”; “Concentração nos bairros operários da
capital bandeirante”; “A polícia presente em todas as manifestações”; “Novos entendimentos,
hoje, na Federação das Indústrias e no Centro das Indústrias sobre a situação de greve, custo
de vida e produção”. Apesar das declarações dos grevistas de que o movimento era “pacífico”,
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 654
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
o Departamento de Ordem Pública e Social (DEOPS) divulga em nota que: “Em face do
movimento grevista, com indício de agitação extremista”, estaria “pronto” a intervir. E
previne: “A ordem será, rigorosamente, mantida, sendo proibidos desfiles, passeatas... e
reuniões de [paredistas], não permitidas por Lei”. (Última Hora. 28/03/1953, p. 2).
Por seu turno, esposando os princípios da política estatal contrário às greves (comparadas à
“guerra social”) e defendendo o “trabalho como dever social”, declarava o comando da
Polícia Militar em 1953: “[As] massas operárias precisam trabalhar sob controle e
fiscalização. Do contrário, ficariam entregues aos azares de qualquer propaganda
tendenciosa” e subversiva [sic].16
Considerações finais
16
Relatório da Polícia Militar do Distrito Federal, 1953. Boletim 102 do Quartel General.
simbólicos) auferidos pelo operariado, sob o governo Vargas. Nesse ponto, reduzindo a
complexidade da política estatal a polarizações ou dicotomias simplificadoras: “repressão” às
greves, estrutura institucional de natureza autoritária/esvaziamento ou “anulação” de direitos
sociais. O que significaria ignorar os laços construídos entre Estado/trabalhadores, com vistas
em um modelo que deixaria profundas raízes no terreno histórico, econômico, político e social
brasileiro – considerando-se estar presente até os nossos dias a herança da Consolidação das
Leis do Trabalho, legada pelo governo varguista. Como lembra Michele Perrot, a “repressão é
totalmente insuficiente” para explicar a adesão operária, sendo preciso apreciar as relações
sociais e a mediação do Estado, em todas as suas dimensões: “sociológicas, psicológicas,
políticas, simbólicas...”. (PERROT, 2010, p. 62, 133).
Nesse sentido, pode-se refletir com John French, quando o autor observa:
Na sua visão, trata-se de um sistema complexo no qual deixar de fora uma ou outra
dimensão levaria ao “abandono das complexidades”.
Segundo French, tal aparato foi “criador simultâneo do corpo da Lei... e de agências
policiais especializadas, controladas e parcialmente financiadas pelos industriais para ter os
‘seus’ fichados”. O mesmo sistema que produz a CLT e a Justiça do Trabalho, também
concebe a “Polícia”, a Lei de Segurança Nacional e o “Deops, que durante as greves de 1953-
54, não apenas tinham especialistas para bater nas pessoas, mas iam de porta em porta
apanhar os trabalhadores e trazê-los de volta ao trabalho, para não mencionar [as] detenções,
espancamentos e torturas”. (French. Apud FORTES, 1999, p. 193-194). 17
De fato, distinguindo “os bons” dos “maus cidadãos”, vale dizer, os “bons” dos “maus
trabalhadores”, era necessário, sob a ótica da política estatal, como medida de “eugenia
social”, separar os segundos, aplicando-lhes outras medidas. Nesse particular, o “SERVIÇO
17
- Sobre a maior especialização da Polícia e a atuação do Departamento Federal de Segurança Pública consultar
a Revista Lei e Polícia, 1951-1954. Em meados de 1954, é inaugurado o Museu do DEOPS com a exposição de
documentos comunistas desde 1926, apresentado como: “MAIS UMA PEDRA COLOCADA NO GRANDIOSO
MONUMENTO DA ORDEM PÚBLICA E SOCIAL [sic]”. (Lei e Polícia. Junho-julho de 1954, p. 7).
Referências Bibliográficas
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sindical). São Paulo/Campinas: Hucitec/Editora da Unicamp, 1991.
FORTES, A., FONTES, Paulo et. alii. Na luta por direitos: estudos recentes em História
Social do Trabalho. Campinas/SP.: Editora da Unicamp, 1999.
MOISÉS, José Álvaro. Greve de massa e crise política: um estudo da Greve dos 300 mil em
São Paulo (1953-1954). São Paulo: Pólis, 1978.
18
- A autora refere-se aqui aos novos estudos sobre os governos varguista, cardenista e peronista.
Fontes documentais
Lei e Polícia. Órgão Técnico de repressão à delinquência e defesa do regime democrático.
Rio de Janeiro, 1951-1954.
RESUMO: Estudos acerca da história da justiça em Minas Gerais durante os séculos XVIII e
XIX tem se destacado na produção historiográfica atual. Muitos foram os documentos
produzidos pela Justiça, especificamente a criminal, durante a prática de seus ofícios desde os
primeiros anos do setecentos. O Rol de Culpados era um livro no qual se registrava todos
aqueles considerados culpados pela Justiça. Através da análise quantitativa dos registros do
Rol, destacam-se os indivíduos acusados através das devassas, instrumento de investigação
oficial que voltava suas ações para delitos que atentavam contra a ordem, podendo assim, ser
interpretadas como tentativa de estabelecimento de controle social. Neste sentido, propõe-se
analisar quem eram os culpados por devassas e os crimes cometidos por eles que foram
registrados no Rol de Culpados entre os anos de 1711 e 1740, no termo da Vila do Ribeirão do
Carmo. A importância desta análise é dada pelo momento marcadamente reconhecido pela
historiografia como um período de consolidação dos aparelhos administrativos e judiciais nas
Minas na primeira metade do século XVIII, considerando a ampla incumbência da Justiça
naquilo que a distingue nas tentativas de ordenamento da sociedade.
“Tanto que o réu é culpado por querela ou devassa logo o escrivão é obrigado a
escrever o nome do criminoso no rol dos culpados antes de principiar a acusação.”
19
Segundo Sousa, “as Cartas de Seguro eram emitidas pelos corregedores das Relações e das Comarcas, cuja
finalidade era de permitir ao réu responder em liberdade a causa; a Homenagem era concedida somente aos
nobres o privilégio de não serem remetidos à cadeia pública; o Alvará de Fiança funcionava como O alvará que a
reconhecia somente era concedido quando o réu tinha os pedidos de carta de seguro e homenagem negados,
devendo ser entendido como uma graça concedida ao réu mediante o pagamento de certa quantia. Era rompido
quando o réu não comparecia às audiências e, a Carta de Perdão Através do perdão, o réu podia conseguir não só
o alívio da pena, como também anulá-la. Porém Vanguerve Cabral destaca que, mesmo alcançando o perdão, o
réu deveria se livrar da acusação por parte Justiça, pois “os delitos respeitam tanto as partes ofendidas como a
República e acusando a Justiça com perdão da parte ofendida, respeita então o castigo a República ofendida.” (
SOUSA, 1820 Apud CABRAL, 1730, p. 127).
Nele eram lançados os nomes dos culpados, a tipologia do crime, o tempo em que este
se deu e as informações necessárias sobre o culpado. Era um livro conservado em segredo no
cartório e dele só saia para as audiências ou para ser apresentado em correição.21 Vanguerve
Cabral orientava que, assim que a culpa estivesse formada, o escrivão deveria registrar o
nome do réu no rol (CABRAL, 1863, p. 37).
Ou seja, quando o réu se apresentava para a primeira audiência, seu nome já constava
no rol e, a partir dai deveria responder pela culpa formada na etapa investigativa. Geralmente,
quando este era inscrito no livro, um mandato de prisão era expedido (TEIXEIRA, 2011, p.
47).
Sob a guarda do escrivão e mantido em segredo, neles eram lançados dados sobre os
procedimentos legais, as etapas do processo, a tipologia criminal, a data do ocorrido, bem
como informações relacionadas ao réu, como moradia, cor, etc. Trata-se de uma fonte
dinâmica que permite não só o estudo da condição daqueles considerados culpados pela
Justiça, mas também a compreensão das etapas e situações nas quais os réus estiveram
envolvidos desde a acusação até a sua condenação ou livramento.
20
DUARTE, 1863. Vale destacar que este manual pertence a segunda metade do século XIX, porém, poucas são
as informações localizadas sobre este tipo de documento, o que justifica a inserção desta no texto.
21
As correições, segundo Sousa, consistiam no “poder de julgar e de castigar inerente ao sumo império. Porém,
em significação restrita, é a jurisdição e poder dado aos corregedores das comarcas. (SOUSA, dic, tomo II, p.
413)
todos os procedimentos legais pelo qual o réu passa. Assim, nas “cotas” – isto é, entradas
geralmente no canto esquerdo do livro - eram registradas os procedimentos legais que
sucediam ao lançamento no rol, os procedimentos pelos quais o réu passava, bem como as
situações diversas que influenciavam no andamento do juízo, tais como: “fuga”, “ausente”,
“morto”, “apelado”, “livre”, “preso”,“seguro” ou “encaminhado à Junta da Justiça”. Assim,
todo este movimento da justiça e do réu, nos permite acompanhar os caminhos percorridos
pelo culpado até o fim do livramento.
Para Laura de Mello e Souza, a justiça foi uma das facetas do poder que contribuiu
para a manutenção do sistema colonial, tendo a violência, a coerção e a arbitrariedade
presentes na aplicação desta nas Minas, determinando pactos e especificidades em diferentes
escalas dentro desta sociedade. Para a autora, a ineficiência do poder em normatizar e
controlar as populações que estavam às voltas com o universo da transgressão, de cooptação
de autoridades e violação das normas, apontando para particularismos e adaptações no
funcionamento da justiça. ANASTASIA, 1998, p. 20). Marco Antônio Silveira, por sua vez,
apresenta um desenvolvimento do processo de formação social em Minas Gerais a partir de
1735 em termos paradoxais, em que de um lado estava sendo delineado um aparato
institucional reafirmando o poder do Estado e de outro, a criação de um quadro de
instabilidade que colocavam de lado os conflitos expressos por meio de revoltas para se
manifestarem na violência cotidiana (SILVEIRA, 1997, p. 26).
22
Definidas pelas Ordenações, os casos passíveis de devassa eram: mortes, forças de mulheres que se queixarem
que dormiram com elas carnalmente a força, fogos postos, moeda falsa, incêndios propositais, sobre fugida de
presos, quebrantamento de cadeia, resistência, ofensa da Justiça, cárcere privado, furto de valia de marco de
prata e dai pra cima, arrancamento de arma em igreja ou procissão, ferimentos feitos à noite seja a ferida grande
ou pequena; ferida no rosto ou aleijada de algum membro, ou sendo ferida com besta, espingarda, ou arcabuz
seja de dia ou de noite e das assuadas. Ordenações Filipinas, liv. 1. tit. 65-68 dos Juízes Ordinários e de Fora;
§31 – Casos de devassa. Porém, se fosse requerido pelas partes, furtos de menor valor “(contanto que não
desçam da valia de 200 réis) que tirem sobre isso inquirição, tirá-la-ão dando primeiro juramento dos Santos
Evangelhos á parte se se queixa bem e verdadeiramente e se lhe foi feito furto juntamente duzentos reis ou dai
pra cima ou sua valia. E jurando que sim, tirarão somente ate oito testemunhas a custa das partes que que
requerem.” p. 139-141. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p144.htm. Acesso em
social. Eram atos pelos quais testemunhas eram inquiridas sobre algum crime. Bluteau as
define como “ato jurídico em que por testemunha se toma a informação de algum caso de
crime. Este ato faz público e manifesto o crime e o autor dele. É um ato de inquirição.”
(BLUTEAU, 1712 - 1728. 8 v. ). As devassas foram instituídas para descobrir os delitos e
seus autores e dar-lhes o castigo devido:
Por ser “ato jurídico pelo qual se inquirem testemunhas por autoridade do juiz para
informação de algum delito” (SOUSA, 1825, p. 356), tanto os manuais utilizados quanto as
Ordenações Filipinas eram claros quanto aos procedimentos para se perguntar sobre os
crimes. Compreendendo as devassas como uma ação direta da Justiça sobre um delito,
fizemos um levantamento dos tipos de crime e dos culpados por este tipo de procedimento
jurídico que constam no rol dos culpados. No quadro abaixo encontramos a listagem de todos
os crimes cometidos e suas respectivas origens: querelas, devassas ou devassas janeirinhas. A
maior incidência dos crimes ocorridos entre 1711 a 1745 são crimes de “morte”, “ferimentos”,
“furtos” e “resistência aos oficiais de Justiça”.
10/06/2014; 27/04/2013. Assuadas são de acordo com Gomes, são ajuntamentos de pessoas que não são
parentes nem “domésticos do convocante”, porém caso seja comprovado que esse ajuntamento não foi para fazer
o mal, não é caso de devassa.
23
Segundo Gomes, podem ser especiais ou gerais. Há também as devassas particulares, as quais devem seguir o
mesmo método que a querela, aberta a partir da petição de denúncia.
24
As devassas janeirinhas, de acordo com Marcos Magalhaes Aguiar, extrapolavam suas atribuições “(apuração
de desvios e faltas dos oficiais) e também viravam campo de investigação os concubinatos, roubo e venda de
aparelhos litúrgicos, mas tinham como caráter principal revelar os erros de ofício e desvios de atribuições
jurídicas”. AGUIAR, 1999, p. 63.
visível e temível à ordem pública, mesmo que em determinadas ocasiões, ela pudesse ser útil
ao controle local, em outras, tornava-se ofensiva ao utilizar destas formas alternativas de
resolução de conflitos (ANTUNES, 2007, p. 9), demandou do Estado uma ação impositiva das
autoridades e órgãos oficiais (ANTUNES, 2007, p. 4) a fim de estabelecer controle e normatizar a
sociedade. Assim sendo, nos crimes violentos o Estado agia no sentido de manter a paz,
abrindo os processos para evitar desordens públicas tão ameaçadoras para a manutenção da
ordem nas minas do século XVIII.
Fontes impressas
______. Pratica judicial muytoutil e necessária para os que principiao os officios de julgar e
advogar, & para todos os que solicitao causas nos auditorios de hum, & outro foro, tirada de
vários autores praticos, e dos estilos mais praticados nos auditórios, Coimbra, Officina de
Ferreyra, 1730.
GOMES. Alexandre Caetano. Manual Prático Judicial, cível e criminal em que se descrevem
os meios de processar em um ou outro juízo etc. Lisboa: Officina de Caetano Ferreira da
Costa, 1766.
ORDENAÇÕES Filipinas, liv. 1. tit.65-68 dos Juízes Ordinários e de Fora; §31 – Casos de
devassa. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p144.htm. Acesso em
10/06/2014. 10/06/2014.
SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Esboço de hum dicionário jurídico, theoretico, e
prático, remissivo ás leis compiladas, e extravagantes. Tomo primeiro A-E. Lisboa,
Typographia Rollandiana, 1825.
Compilações das Ordenações, por ordem chronologica, e com hum índice dos regimentos por
ordem alfabética. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1820
Fontes manuscritas
Rol dos Culpados (1711-1745) – 2º Ofício. Caixa 69.
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primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
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Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
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Edições Graal. 2004.
TEIXEIRA, Maria Lúcia Chaves. As cartas de seguro: de Portugal para o Brasil Colônia. O
perdão e a punição nos processos-crime das Minas do Ouro (1769 – 1831). Tese (Doutorado
em História). Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas/USP, São Paulo, 2011.
RESUMO: Esta comunicação pretende discutir a estrutura física das cadeias na América
Portuguesa tendo como foco principal a cadeia velha de Vila Rica (1720 – 1785),
considerando as várias reclamações em relação à precariedade do prédio contrastante com a
significativa população carcerária. Tentar-se-á, assim, contribuir para o entendimento das
funções das cadeias no Antigo Regime Português.
ABSTRACT: This paper discusses the physical structure of the prisons in Portuguese
America, focusing mainly on the old chain of Vila Rica, considering the various complaints
regarding the precarious building and contrasting with the large population of prisoners. The
main objective is to contribute to the understanding of the functions of the chains in the
Portuguese Ancient Regime.
KEYWORDS: Prison - Brazil’s colonial period – Vila Rica – Punishment - Ancient Regime
Entre 1725 e 1785 a cadeia de Vila Rica foi motivo de preocupação para as
autoridades. Uma das principais vilas de todo o Império Português, Vila Rica teve uma
cadeia de pau a pique durante um período de grande exploração aurífera. Mesmo com a
decadência da mineração na segunda metade do XVIII a localidade ainda era de fundamental
importância, afinal ali estava o centro da administração das Minas, que eram consideradas, a
essa altura, como porção central da monarquia dos Bragança como um todo (MONTEIRO,
2000: 136).
Entretanto, Carlos Aguirre afirma que “as cadeias não eram instituições
demasiadamente importantes dentro dos esquemas punitivos implementados pelas autoridades
Coloniais. […] Na maioria dos casos, tratavam-se de meros lugares de detenções para
suspeitos que estavam sendo julgados ou para delinquentes já condenados que aguardavam a
execução da sentença” (AGUIRRE, 2009, p. 37 – 38). Tal afirmação se assenta no fato de que
a pena de restrição da liberdade não estava prevista no livro V das Ordenações Filipinas.
Diferentemente da ideia contemporânea de punição individual, reclusa, voltada para a
reinserção do infrator na sociedade e baseada, sobretudo, na restrição da liberdade, a punição
no Antigo Regime era corporal e pública, espetacularizada.
Outro fator significativo para que as cadeias não sejam consideradas como importantes
na administração colonial é que as condições sanitárias e estruturais desses prédios não eram
nem razoáveis, implicando em um elevado número de fugas e altos índices de enfermidades e
mortalidade. A lentidão da justiça e as péssimas condições sanitárias poderiam transformar a
passagem pela cadeia em prisão perpétua e sentença de morte. Além disso, “a superpopulação
carcerária já era um dos grandes problemas enfrentados pelos governantes em fins do século
XVIII,” (FERREIRA, 2009:219).
Para Minas Gerais, Liana Reis menciona as péssimas condições das cadeias, com
destaque negativo para a de Vila Rica. Eram espaços pequenos e insalubres nos quais vários
presos se amontoavam, as enfermidades eram frequentes e a mortalidade altíssima. Em alguns
casos, por causa da ocupação rápida do território, o terreno escolhido para a construção da
cadeia não era o mais apropriado, e sofria, por exemplo, com inundações. “As cadeias
públicas mineiras parece terem constituído mais um problema para as autoridades” (REIS,
2008: 99). José Antônio Lopes fala da dificuldade de haverem cadeias que merecesse tal
nome nas Minas (LOPES, 1955: 93).
A velha casa de Câmara e cadeia de Vila Rica, cuja rematação ocorreu em 1723 e que
ficou pronta, provavelmente, em 1725, era um prédio sobrado todo ele de pau a pique; no
térreo ficava a cadeia e no segundo pavimento a câmara. Segundo o documento referente à
rematação das obras, deveria ter 30 palmos de pé direito, 90 de frente e 60 de fundo 25. A
cadeia dos brancos seria debaixo da casa de audiências e teria 40 palmos em quadra com duas
grades com portas. Seria de xadrez no chão e madeira de três quartos em quadra, assoalhada
por cima do xadrez. As paredes seriam de pau a pique, barreadas por fora e por dentro e
forradas de taboado de alto a baixo. A prisão dos negros, sem assoalhos, porém com o seu
xadrez debaixo do chão, aterrado, as paredes de taboado na mesma proporção da dos brancos
e haveria uma porta forte no taboleiro da escada que vai para a casa de cima. A das mulheres
ficaria a um lado por detrás da cadeia dos brancos, com sua grade e janela por dentro.
(LOPES, 1955: 106). Um requerimento dos soldados da guarnição de 1741 (APM, CC - Cx.
128 – 21016) faz menção, também, a uma casa do carcereiro nos fundos da cadeia, dividindo
quintal, não havendo outra saída pelos fundos a não ser passando por dentro da dita casa.
25
Se considerarmos o palmo português como 1/5 de vara, ou 22 cm, é possível estimar que a Casa de Câmara e
Cadeia deveria ter 6,60 m de pé direito, 19,80 m de frente e 13,2 m de fundo, portanto, dois pavimentos de
261,36 m².
26
Refere-se aqui às seguintes listas depositadas no Arquivo Publico Mineiro: APM CMOP Cx. 02 Doc. 18;
APM CMOP Cx. 03 Doc. 01; APM CMOP Cx. 03 Doc. 15; APM CMOP Cx. 03 Doc. 37; APM CMOP Cx. 04
Doc. 17; APM CMOP Cx. 08 Doc. 06; e APM CMOP Cx. 08 Doc. 28.
A cadeia de pau a pique é controversa desde antes de sua construção. Dom Pedro de
Almeida, governador da capitania, em 1720 impede a construção da mesma, pois com pouca
diferença de preço se faria uma de pedra e cal. Portanto a predileção por um prédio de pedra e
cal, resistente e seguro, existe desde muito cedo nas Minas. Em 1747 há uma certidão do
escrivão da Câmara Manuel Pinto de Queiroz referente à ordem régia relativa à construção de
cadeia de pedra e cal, pela debilidade que a cadeia oferece aos presos, por ser de barro e pau a
pique, ter as paredes podres, pela tenuidade da madeira. Essa ordem é de 1730, mostrando a
preocupação da Coroa com a precariedade da cadeia de Vila Rica, e determina “fazer a cadeia
de pedra e cal para que nela estejam os prezos e criminozos com toda a segurança a vista das
rendas que administra a mesma câmara” (APM, CC– Cx. 14 – 10296).
As obras da nova cadeia (de pedra e cal – atual Museu da Inconfidência) só seriam
iniciadas em 1785 e, poucos anos antes, em 7 de julho de 1780, é feita mais uma
representação da Câmara sobre a “necessidade de edificar uma cadeia publica para a
segurança dos prezos que a ella se remetem das diferentes jurisdições desta Capitania. He
constante a ruina em que se acha a Caza de que ao prezente nos servimos, e o perigo evidente
que há de que de todo chegue a cahir, e a demolir-se haja por bem dignar-se de informar sobre
a nossa propozição porque parecendo ajustada”. A representação passou pelo governador
Cunha Menezes, que escreveu em seu despacho para a Rainha D. Maria I que “hé verdade que
a Cadêa actual sendo velha e de Madeira, naõ póde conter os facinorozos que néla estaõ”
(AHU – Cons. Ultram. – Brasil/MG – Cx.: 116, Doc.: 35).
Fontes
Ordenações Filipinas. Em http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/, acesso em 06/07/2013
Lista nominativa dos presos brancos, pardos e negros (1730). APM CMOP Cx. 02 Doc. 18.
Auto de inventário da cadeia entregue pelo carcereiro José da Costa Novais ao escrivão
(1731). APM CMOP Cx. 03 Doc. 01.
Relação de presos brancos, negros e forros da cadeia (1732). APM CMOP Cx. 03 Doc. 15.
Auto de inventário da entrega dos presos da cadeia ao arrematante Agostinho Fernandes
Pereira (1732). APM CMOP Cx. 03 Doc. 37.
Autos de inventário de presos que se acham na cadeia de Vila Rica e suas sentenças (1733).
APM CMOP Cx. 04 Doc. 17.
Inventário dos presos, forros e demais pertences da cadeia de Vila Rica (1736). APM CMOP
Cx. 08 Doc. 06.
Inventário dos presos, forros e demais pertences da cadeia de Vila Rica (1736). APM CMOP
Cx. 08 Doc. 28.
Certidão do escrivão da câmara Manuel Pinto de Queiroz referente à ordem régia relativa à
construção de cadeia de pedra e cal. (18/09/1747). APM CC– CX. 14 – 10296
Requerimento dos soldados da guarnição sobre a permissão para limpeza da cadeia através da
porta do quintal para evitar moléstias (01/03/1741).APM CC - Cx. 128 – 21016.
Consulta do Conselho Ultramarino sobre a carta de 1737, abril, 15, de Martinho de Mendonça
de Pina e Proença, dando conta da falta de se-gurança nas cadeias das Minas e ainda mais no
que toca aos carcereiros (04/02/1738) AHU – Cons. Ultram. – Brasil/MG – Cx.: 34, Doc.: 45
Representação dos oficiais da Câmara de Vila Rica, dando conta do péssimo estado em que se
acha a cadeia local e solicitando providências no sentido de se edificar uma outra. Em anexo:
vários documentos (01/07/1780) AHU – Cons. Ultram. – Brasil/MG – Cx.: 116, Doc.: 35
Referências
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dos oitocentos. In.: MAIA, Clarissa Nunes. NETO, Flávio de Sá. COSTA, Marcos. BRETAS,
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LARA, Sílvia Hunold (org.). Ordenações Filipinas: Livro V. São Paulo, SP: Companhia Das
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ABSTRACT: This article discusses the evolution of the sentence in Brazil and how the Bill
established of the Colonia Correcional Agrícola do Bom Destino was inserted in this context.
Thereby, analyzed how the Institution became an "area of discipline" in the fight against
stray, in Sabara (1895-1901), which aimed to civilize and moralize the bum through
econsequentemente work prepare you for the workforce, work in the fields.
Michel Foucault (1987), em sua obra Vigiar e Punir, buscou analisar a genealogia
das prisões nas sociedades modernas, enunciando a emergência da “sociedade disciplinar”
como forma de universalização do controle social, através de práticas de vigilância e de
disciplina e a produção de corpos/almas dos sujeitos. Para isso, o autor relaciona o surgimento
das prisões e a consequente reforma dos criminosos com a necessidade de manutenção do
status quo industrial e a formação de indivíduos disciplinados.
Tomando como base a Lei Federal de n.º 143/1893, o Deputado Bueno Brandão
submeteu à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7 de 10 de maio de 1894. Entre as
especificações, consta o artigo 1º que “fica o Governo auctorizado a fundar cinco colônias
correcionaes na conformiade da lei Federal n.º 145 de 12 de julho de 1893”, em Minas Gerais.
No seu discurso, afirmava que
disse-o no meu passado relatório e convictamente ratifico neste, que ‘no seio
das prisões arruinadas o criminoso não se regenera; não existe uma
classificação moral dos detidos, no intuito de salientar-lhes os caracteres,
affastando-os o mais possivel uns dos outros, conforme o grau de
perversidade; não há finalmente um regimen de trabalho susceptivel de
tornar effectivamente a pena um principio de defezadocial; pois, o criminoso
habituado por muito tempo à ociosidade, ao cumprir a pena, continua a ser
um elemento mais perigoso do que quando para elle se abriram as portas do
carcere. [...] Consiste esse plano em melhorar as cadeas existentes que forem
Além de criada pela Lei n.º 141/1895, a Colônia Correcional Agrícola do Bom
Destino foi regulamentada pelo Decreto n.º 858, de 16 de setembro de 1895, aprovado pelo
Congresso Mineiro, e elencou, entre os pontos principais:
Além disso, cada colônia teria acomodações para 150 reclusos, divididos em três
repartições com capacidades para 60 homens adultos; 60 para menores homens; e a terceira
para as mulheres. Tais cômodos seriam incomunicáveis e vigiados constantemente. O
policiamento, portanto, tinha a função de vigiar todos os caminhos do estabelecimento e todos
os passos dos reclusos. Antes do toque de recolher, era feita uma chamada nominal dos
reclusos recolhidos aos dormitórios.
nos idas úteis, o horário de trabalho era estipulado de acordo com as estações
do ano, no verão iniciava às cinco horas da manhã, no inverno às seis e
encerrava às cinco da tarde; [...] os trabalho agrícolas desempenhados nas
colônias abrangiam: horticultura, plantas alimentares e industriais (chás,
algodão, alfafa e outras) que seriam plantadas de acordo com o clima. [...]
Cada colônia deveria ter oficinas de ferreiro, carpinteiro e alfaiate, além de
uma lavanderia para a ocupação das mulheres. (SILVA, 2006, p.44-5).
A escola, por seu turno, funcionou até 1898, quando foi dispensado o professor.
Além da incapacidade em manter o professor, o diretor lamentava a precariedade do seu
funcionamento, destacava principalmente a falta de livros. Além disso, nos diversos relatórios
da Colônia, perceberam-se queixas quanto à alimentação dos presos, na qual as autoridades,
frequentemente, pediam para aumenta-las, pois não conseguiam suprir a necessidade do local.
Em 1898, devido à baixa produtividade da Colônia, o governo institui que fosse feito
o corte de lenha nas proximidades, com o intuito de enviá-las para o ramal férreo da capital,
para a Imprensa Oficial de Minas Gerais e para alguns particulares. Todo esse trabalho era
feito sem nenhum rigor ou disciplina, contrários à proposta inicial da Instituição.
Destino se tornasse uma instituição que só trouxe despesas aos cofres públicos, não atuando,
na prática, como seu objetivo principal: espaço de disciplina dos reclusos.
Considerações Finais
O aparato teórico proposto por Foucault, ao pensar a sociedade disciplinar como uma
forma de universalização do controle social, através de práticas de vigilância e disciplina, e de
produção de corpos/almas dos sujeitos, leva a pensar na criação da Colônia Correcional como
uma instituição capaz de objetivar o saber-poder específico das autoridades mineiras em prol
de um assujeitamento dos desviantes. Tornar os vadios trabalhadores disciplinados, conforme
exigia a sociedade capitalista emergente, era fundamental para a manutenção do status quo da
elite mineira.
A teoria de submissão dos vadios ao imperativo do trabalho não foi capaz de abarcar
a prática. Os indivíduos não podem ser considerados como tábulas rasas das quais se imprime
condutas e hábitos de obediência. Os indivíduos carregam consigo experiências, práticas e
valores que são definidoras de sua própria identidade enquanto indivíduo e do seu lugar na
sociedade.
Fontes Primárias
ANNAES da Câmara dos Deputados de Minas gerais. Quarta sessão da primeira legislatura.
Anno de 1894.
MELLO, Alfredo Pinto Vieira de. Relatório ao Dr. Chefe de Polícia. In.: DINIZ, Henrique
Augusto de Oliveira. Relatório apresentado ao Dr. Presidente do Estado de Minas Geraes
pelo Secretário de Estado dos Negócios do Interior. Ouro Preto. Imprensa Official do Estado
de Minas Geraes, 1895.
Bibliografia
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SILVA, Karla Leal Luz de souza e. A atuação da justiça e dos políticos contra a prática da
vadiagem: as colônias correcionais agrícolas em Minas Gerais (1890-1940). 2006.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Viçosa, Programa de Pós-Graduação em
Extensão Rural, Viçosa.
ABSTRACT: At the turn of the nineteenth century, the brave Maria Coelho Midão
demonstrated at various points of her career to have a strong personality. Aggressive, defiant,
with a history of confrontation and enemies, Midão transgressed idealized and sacralized
spaces. This work seeks to understand the female social role in Rio de Janeiro, in cases
involving Maria Midão, through the crime news of Rio press in the decades between 1880 and
1910.
Maria Augusta Midão era natural de Portugal, filha legítima de Antonio da Silva
Midão e de Anna de Jesus, solteira, residente no número 35 da rua São Bento, com o também
português Antonio Coelho Pereira27. Não foi possível precisar a data de desembarque deles no
porto do Rio, porém, é provável que estivessem na cidade desde o inicio da década de 1880.
27
Após o casamento, passa a chamar-se Maria Coelho Midão. Conforme informações da Habilitação de
Casamento, Ficha 57640, Número 1446, Maço 2957.Arquivo Nacional (Doravante AN).
28
AN - Habilitação de Casamento, Ficha 57640, Número 1446, Maço 2957.
29
Localizada aos pés do Morro do Castelo, Segundo Brasil Gerson (2000), a rua foi aberta antes de 1690 e teve
várias denominações. Como beco do Cotovelo, por ter um trajeto sinuoso. Depois beco do Açougue Grande,
quando ali se instalou um açougue na esquina da rua da Misericórdia. Beco do Padre Vicente, ali morador.
Conhecida como rua do Cotovelo, desde 1815. Em sessão da Câmara Municipal de 20.5.1878, recebeu o nome
de rua do Bispo Dom Vital, que perdurou até 1882, quando teve o nome restabelecido de rua do Cotovelo. Em
1917 passou a se denominar rua Vieira Fazenda, desaparecendo com os novos arruamentos realizados na
urbanização da Esplanada do Castelo.
diante do custo de vida cada vez mais elevado, qualquer gasto extra certamente causava
desequilíbrio no orçamento doméstico, entretanto, não podemos excluir a possibilidade de que
Maria Midão também sentisse ciúmes da situação que envolvia seu esposo e a vizinha-
proprietária.
A narrativa dada por Manoel é bem diferente da primeira versão colhida pela
reportagem e que traz somente o depoimento de Midão. No texto encomendado pelo
proprietário do imóvel, Manoel negou que a agressão tenha partido de sua esposa (JORNAL
DO BRASIL, 06 de Fevereiro de 1896, p.2). Pois, segundo ele, Josepha teria sido
surpreendida em casa, quando amamentava sua criança, no momento em que Maria Midão,
"na sua cólera cega" iniciou a agressão, inclusive atingindo com um soco a criança que estava
no colo. Contrapondo o argumento que Midão declarara à reportagem de O Paiz de que havia
reagido a uma agressão e que e eventuais danos teriam sido acidentais. Ainda segundo
Manoel Rosa, mesmo as testemunhas convocadas por Antonio Coelho para depor sobre o
caso do despejo, "nada disseram em desabono" a sua própria família.
Nem histérica é, por que se assim fosse seria desculpável, porém, nas suas
ações divisa-se perfeitamente uma organização criminosa pouco rara.
O seu marido em parte é culpado: não teve a energia bastante para guardar
n'uma jaula sua consorte fera, nem tampouco exportá-la para bem longe do
Rio de Janeiro.
Tais métodos não eram ocultados por ela, expressavam muito mais a articulação
entre insubmissão e estratégias de resistência. Como no confronto com Dr. Monteiro Lopes,
advogado contratado por Josepha Ferreira para o inquérito, em que Midão, numa das poucas
vezes que aceitou comparecer à delegacia, afirmou diante de um policial a respeito do
inquérito que respondia como acusada: "Pouco me importa com isto; pois tenho doze contos
para gastar na pretoria de Santo Antônio" (O PAIZ, 20 de Março de 1896, p. 3) , sugerindo
comprar decisão favorável da justiça.
O dr. Monteiro Lopes, reconhecido na Capital Federal por seu engajamento nos
movimentos abolicionista e republicano, era também um forte defensor de diversos grupos de
trabalhadores , fazia uso de espaços nos jornais de grande circulação da cidade para informar
sobre o andamento do seu trabalho inclusive publicando textos integrais de cartas endereçadas
a autoridades do judiciário, como a que o advogado encaminhou à redação de O Paiz (20 de
Março de 1896, p. 3), denunciando possível ligação entre o pretor de Santo Antonio e a
matriarca da família Coelho. Segundo Montes Lopes, além de assinar muito contrariado o
mandado de prisão preventiva contra Midão, o pretor teria enviado um emissário da pretoria a
sua casa, com objetivo de avisá-la para que ela conseguisse fugir para Montevidéu antes que a
prisão fosse concretizada.
Desta vez Montes Lopes conseguiu atingir seu objetivo, Midão já estava de malas
prontas para viajar, mas finalmente foi conduzida até a 4ª pretoria. Pelo que conhecemos da
nossa portuguesa podemos imaginar a reação dela durante o trajeto. O próprio advogado
Lopes nos sugere: "não devo aqui repetir [as palavras ditas por Midão] pelo respeito sincero
Além de Antonio Coelho, foram acusados ainda sua esposa, Maria Coelho Midão, e
Pedro Lema Peres, proprietário de um hotel na praça das Marinhas, ao lado do dito boteco.
Uma das suspeitas era de que o casal Coelho e Pedro Lema teriam provocado o incêndio por
conta do valor referente ao seguro. Evidentemente, Antonio Coelho e Maria Midão, tinham
uma questão pessoal e a vingança devido ao despejo do botequim do qual eram proprietários
pode ter motivado o atentado.
O caso do incêndio traz algumas informações sobre Maria Midão, uma delas diz
respeito ao novo endereço residencial da família Coelho, que passou a ser no número 227 da
rua da Alfândega, e finalmente a afirmação das testemunhas de que a portuguesa teria
executado a ação incendiária ateando "petróleo no assoalho" do botequim . Suponho que de
fato Midão tenha sido executora do sinistro. Mais uma vez, expressão da sua coragem, pró-
atividade e confiança de que o judiciário lhe será favorável, como de fato, novamente,
aconteceu, em 1902 os acusados de terem incendiado a Praça de Mercado da cidade são
absolvidos.
Antonio Coelho, tentando "burlar a ação da polícia", correu em disparada indo "por
um caminho mais curto prevenir a mulher", porém, o delegado atento à situação, conseguiu
chegar simultaneamente ao esposo de Midão. Ao ser perguntado sobre sua investida,
respondeu Coelho "que andou mais rápido para abrir a porta, no entanto, começou logo em
altas vozes prevenir a mulher do fim da visita da polícia".
Ao subirem as escadas, foram todos recebidos por Maria Midão, que estava
acompanhada por uma mocinha que afirmou ser Dolores Motta,
Não contente, "a virago, raivosa, acompanhada do marido, fez cair sobre os policiais
terrível chuva de projéteis que encontrou à mão". Agredir a um delegado e trancar-se em casa,
provocando transtorno em mobilizar forças, como o marceneiro para abrir a porta do cômodo
em que trancou-se na tentativa de resistir a ação policial, sinalizam em parte a resistência a
valores misóginos interligado a ações criminosas. Midão retrata a dualidade da mulher
oprimida e guerreira, que busca na sociedade patriarcal e excludente da virada dos Oitocentos
condições iguais de reação.
Outra ideia fundamental é a defesa dos negócios da família. Midão levou isso com
sua dedicação e empenho particulares. Afinal, diante das ameaças de despejo e/ou da perda da
estabilidade residencial ou comercial, Midão adotou métodos de resistência extremos.
Podemos imaginar a dificuldade em conseguir moradia perto do local de trabalho,
especialmente diante das demolições frenéticas realizadas a partir de 1880, ou mesmo os
prejuízos provocados pela perda de um ponto comercial como o da praça do Mercado. Talvez
essas sejam algumas pistas que nos ajudem a entender parcialmente as motivações do
comportamento de Maria Midão.
Contudo isso não deve reduzir os possíveis pensamentos de Midão. Os limites das
suas atitudes ultrapassam os padrões estabelecidos. Estavam na fronteira do crime, da
agressividade, dividindo terreno com a conquista de espaços de participação, de direitos, de
autonomia. Assim, a agressão ao delegado pode ser lida também como uma reação aos
padrões e convenções opressoras. Tais padrões serviam com um instrumento ideológico em
que as posições sociais estavam marcadas, ou seja, distinguindo a mulher burguesa (recatada,
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 689
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Conclusão
Bibliografia
BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio
de Janeiro, 1907-1930. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
FONSECA, Claudia. Ser mulher, mãe e pobre. In.: PRIORE, Mary Del. História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 1997, p.510-553.
GERSON, Brasil. História das ruas do Rio. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2000.
GONÇALVES, Andrea Lisly. História & Gênero. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
Simpósio Temático 10
Pensar a ditadura no cinquentenário
do golpe: sociedade, política e cultura
no regime militar brasileiro
(1964-1985)
Coordenadores:
ABSTRACT: Before AI-5, in 1968, the revolutionary pretensions of engaged art are replaced
by the reflection on the contradictions of modernization planned by the dictatorship. These
changes are present in Rogério Sganzerla’s O Bandido da Luz Vermelha. This article
identifies relations with the previous artistic events and reveals affinities with Tropicalism in
representing Brazil.
Introdução
1
Decreto baixado no dia 13 de dezembro de 1968, sem prazo de vigência, que garantiu o reforço do poder
executivo: o presidente passa a ter o poder de suspender as atividades do Congresso – o que de fato acontece
com o AI-5 - e de intervir nos estados e municípios. Há, com o AI-5, uma nova onda de cassações de direitos
políticos, além da suspensão do direito de habeas corpus para acusados de crimes políticos. A censura à
imprensa e às diversões públicas também se intensifica a partir deste decreto.
(NAPOLITANO, 2005, p. 45). Ou seja, procurar-se-á aqui, por meio da análise de diálogos,
falas, imagens e outros recursos narrativos, associados a elementos extrafílmicos importantes,
como entrevistas e depoimentos do cineasta, investigar o modo como foi pensada e construída
a representação alegórica do país naquele momento de grandes crises e tensões nos campos
social, cultural e político. A fonte fílmica deverá ser compreendida aqui como um
entrelaçamento de discursos distintos que interagem entre si (BARROS, 2012); desse modo, o
referencial teórico de autores como Marcos Napolitano e Ismail Xavier será de grande
importância ao possibilitar a identificação de relações entre as muitas propostas e ideias –
estéticas e políticas – que inflamavam os debates culturais da época.
Por outro lado, alguns diretores iniciantes começam a empreender uma produção
estética e tematicamente mais radical: surge o chamado Cinema Marginal. Esse conjunto de
novos diretores, filmes e propostas não constitui um movimento articulado, mas revela uma
“sensibilidade estética, artística e política que aflora durante o endurecimento do regime
militar” (PEDREIRA, 2011, p. 1).
Na ótica desses cineastas, elementos tão interpretados e comentados nas mais diversas
manifestações artísticas, como a miséria e o subdesenvolvimento do país, deixam de ser
tratados com a rigidez da esquerda cinematográfica e recebem uma abordagem mais agressiva
e, ao mesmo tempo, debochada. A representação do brasileiro, por exemplo, sofre um
deslocamento: antes, figuras como a do sertanejo ou do operário eram vitimizadas e/ou
enobrecidas, conforme a proposta dos cinemanovistas de levar o público a se reconhecer nos
filmes; com o Cinema Marginal, surge o anti-herói impotente, desiludido e desesperado, a
vagar pela grande metrópole em processo de modernização, sem propor reflexões ou provocar
catarses. O personagem Luz, de O Bandido da Luz Vermelha, é o maior exemplo desse novo
modelo de protagonista para o cinema brasileiro.
A história, que se passa na cidade de São Paulo, baseia-se em um personagem real que
provocara pavor na mesma metrópole no ano de 1967. A apropriação por Rogério Sganzerla
do famoso caso policial ocorre, entretanto, por ser “um bom pretexto para refletir sobre o
Brasil da década de 60” (SGANZERLA, 1968, s/p). O bandido da luz vermelha do filme,
assim, quase nada, além do epíteto, tem a ver com o bandido real que lhe serviu de inspiração.
Luz, como o bandido é chamado, é marcado por uma indefinição quanto à identidade,
simbolizada por uma mala que carrega consigo em vários momentos e na qual se pode ler, na
parte interna, o pronome “eu”. Além da desorganização da sua “mala egótica”2, há ainda
outros elementos que tornam mais confusa a delimitação da história do personagem, como a
multiplicidade de versões e discursos acerca de sua origem, personalidade e seus atos. Há, por
exemplo, momentos em que uma dupla de locutores radiofônicos narra a trajetória de crimes
do bandido, atribuindo-lhe todo o caos social, enquanto em cena o personagem se mostra
patético e inserido em um campo de ação bastante reduzido. Segundo Ismail Xavier, a
indagação “Quem sou eu?”, proferida pelo personagem inúmeras vezes ao longo do filme,
representa “a expressão irônica da crise de identidade própria ao ‘depois da queda’ de todo
um projeto nacionalista” (XAVIER, 2001, p. 67).
O filme, desse modo, insere-se no contexto de reflexões acerca da queda das utopias
revolucionárias diante do golpe militar, mas, diferente de filmes do Cinema Novo, como
2
Termo utilizado por Jean-Claude Bernardet no livro O voo dos anjos: Bressane, Sganzerla (1991).
Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, e O Desafio (1965), de Paulo César Saraceni,
cujos protagonistas são intelectuais que agem racionalmente e buscam soluções para suas
aflições, o “herói” de O Bandido da Luz Vermelha é marcado pela aceitação debochada do
fracasso. Suas falas e diálogos são bastante representativos desta situação, como nos seguintes
exemplos: “Eu sei que fracassei..,”; “Eu sou um boçal”; “Eu tinha que avacalhar, um cara
assim só tinha que avacalhar pra ver o que saía disso tudo”.
Essa mudança no cinema autoral se relaciona com outro importante evento daquele
período: a emergência do Tropicalismo. Esse movimento envolvia vários nomes da vanguarda
artística, da música ao cinema, passando pelo teatro e pelas artes plásticas, e baseava-se em
ideais da Antropofagia modernista, encabeçada por Oswald de Andrade, na década de 1920.
[...] a maioria dos tropicalistas era crítica da ditadura militar, bem como dos
grupos de esquerda, preferindo posições políticas alternativas, um misto de
contracultura, anarquia e deboche, tendo no máximo simpatia em relação a
grupos de esquerda que lhes pareciam, à distância, ter afinidade com a
contestação tropicalista (2014, p. 253).
Em O Bandido, a trilha sonora de fato não poderia ser ignorada, pois é um dos
componentes reveladores dos diálogos do cineasta com as muitas possibilidades estéticas em
voga naquele momento. É preciso lembrar que, no campo da música, debatia-se a fusão
promovida pelos tropicalistas entre guitarras elétricas e estilos populares brasileiros. No III
Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, por exemplo, Caetano Veloso e Gilberto Gil
foram alvos de grande polêmica devido às performances das músicas Alegria, Alegria e
Domingo no Parque, que receberam o acompanhamento, respectivamente, das bandas Beat
Boys e Os Mutantes.
modernização, mas também por uma decadência material e moral. Nessa mudança de
preferência na ambientação dos filmes, é evocado, mais uma vez, o paradoxo de coexistência
entre atraso socioeconômico e modernização.
3
Ironicamente, a Boca do Lixo era também um importante polo de produção cinematográfica, de onde saiu parte
considerável da produção do Cinema Marginal.
Referências
BERNARDET, Jean-Claude. O voo dos anjos: Sganzerla, Bressane. SP: Brasiliense, 1990.
NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.).
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 235-287.
PEDREIRA, Flávia de Sá. Confrontando identidades no filme O bandido da luz vermelha. In:
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXVI, 2011, São Paulo. Anais eletrônicos... XXVI
Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH-SP, 2011, p. 1-7. Disponível em: <
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1309546130_ARQUIVO_OBandidodaLuz
Vermelha2.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2012.
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV.
2ª ed. São Paulo: UNESP, 2014.
Fonte fílmica:
ABSTRACT: The Song Festivals played during the 1960s and early 1970s, besides
modernizing and innovating Brazilian music of the period, also served as focus of resistance
to civil-military government that ruled in Brazil between 1964 and 1985. The highlight was a
kind of politically engaged song known as "protest song" with left leanings that tried to rescue
the Brazilian folk tradition and politicize the society.
e nos ideais do Centro Popular de Cultura (CPC)4, assim como nos catárticos espetáculos
Opinião, Arena Conta Zumbi, Arena Canta Bahia e outros. Na esfera musical Carlinhos Lyra,
Nelson Lins e Barros, Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo (ala esquerda da Bossa Nova), foram
os personagens que se envolveram de corpo e alma nessa clivagem. Outros como Edu Lobo,
Vinícius de Moraes, Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale (os três últimos integrantes da pela
Opinião) também contribuíram para este quadro. José Ramos Tinhorão nos esclarece que:
Daí em diante a vertente “canção de protesto”, que se iniciava, passa a ganhar fôlego e
dezenas de compositores seguem o exemplo, vindo, a partir 1965, a integrar os chamados
Festivais da Canção.
A “Era do Festivais” (ou Festivais da Canção, como eram chamados) foi um período
de grande fertilidade na Música Popular Brasileira na década de 1960, surgiram inúmeros
artistas que vieram a substituir os grandes nomes surgidos durante a “Era do Rádio”. Com o
advento da televisão, ainda em 1950 no Brasil, foi possível recorrer à essa nova linguagem
midiática que aproximava ainda mais o público de seus artistas preferidos, público este, agora,
de classe média, consumidor e massificado. Jairo Severiano nos mostra que:
4
Grupo fundado no Rio de Janeiro em 1962 e ligado a UNE.
Com o advento dos Festivais da Canção ocorre uma catalização da “música engajada”
que passa a atingir um público mais vasto, a servir de molde para a chamada “música de
festival” e também de alicerce para o surgimento da própria MPB. A primeira canção a
sintetizar todas essas questões foi Arrastão (Edu Lobo/ Vinicius de Morais), defendida de
forma ímpar por Elis Regina no I Festival Nacional da Música Popular Brasileira da TV
Excelsior, em 1965. A canção de Edu e Vinícius preocupava-se com o pescador do litoral,
com sua religiosidade e seu desejo de bonança traduzido no trecho: “Nunca, jamais, se viu
tanto peixe assim”. Aliás “Nas canções de Edu Lobo, os temas, em geral, giram em torno dos
excluídos sociais: sertanejos ou pescadores (...)” (CONTIER, 1998, p. 25).
início o I Festival Internacional da Canção (FIC) pela TV Rio, onde o segundo lugar, com O
Cavaleiro (Geraldo Vandré/ Vanelisa Zagni da Silva), defendida por Tuca, trazia uma
mensagem de paz para os homens simples, seja o sertanejo, seja o jangadeiro.
5
Os tropicalistas embora fossem acusados de não ter uma posição direta quanto à oposição ao governo,
representavam o movimento contracultural, de modo a também não se subordinarem ao regime vigente, situação
que só se resolveu com o exílio de Gil e Caetano, incorrendo numa reconciliação com a esquerda.
O mais político dos festivais foi o III Festival Internacional da Canção da TV Globo,
realizado em 1968 no ginásio do Maracanãzinho. A juventude esquerdista, que vinha se
fortalecendo desde a fundação do PCB, proliferava e formou um parti pris ante o regime
militar, que foi seu ostensivo inimigo. Neste ano, as ruas se transformaram em praças de
guerra, foi feita a “Passeata dos Cem Mil” e surge o Comando de Caça aos Comunistas
(CCC). Esses acontecimentos influenciaram a intelligentzia e a classe artística da época, que,
por vezes, adentraram os valhacoutos do regime. “A questão da consciência política envolvia
diretamente as tarefas culturais e, neste sentido, podemos ter uma idéia da responsabilidade
que recaiu sobre os artistas e intelectuais.” (NAPOLITANO, 2001, p. 39). Dessarte, nunca
houve tantas canções protestando num mesmo festival, basta ver os títulos: É Proibido
Proibir (Caetano Veloso), Canção do Amor Armado (Sérgio Ricardo), Questão de Ordem
(Gilberto Gil) e América, América (César Roldão Vieira). Geraldo Vandré participaria do
festival com a revolucionária Pra não Dizer que não Falei das Flores (Geraldo Vandré), que
apesar do título trazia, sem tergiversar, versos como: “Há soldados armados/ Amados ou não/
Quase todos perdidos/ De armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam/ Uma antiga lição:/ De
morrer pela pátria/ E viver sem razão.”, que atingiam em cheio o regime militar, foi o auge do
festival e da “canção de protesto”. Além destas havia outras canções politizadas, mas com
títulos despretensiosos como Flor e Pedra (Carlos Castilho/ Vitor Martins).
Neste período a ditadura militar se encontrava em sua fase mais dura. Malgrado os
entraves, em 1969 foi anunciado o IV Festival Internacional da Canção da TV Globo, onde
destacaram-se Charles Anjo 45 (Jorge Ben) e Gotham City (Jards Macalé/ José Carlos
Capinan), entre outras. No mesmo ano se realiza o V Festival da Música Popular Brasileira da
TV Record, que iniciou com uma das canções sendo proibida pela censura, era Clarice
(Eneida/ João Magalhães), mas que depois seria liberada e ficaria com o segundo lugar no
certame, interpretada por Agnaldo Rayol. Sairia vencedora a canção Sinal Fechado (Paulinho
da Viola), defendida pelo autor, na letra: “(“Olá como vai?/ Eu vou indo, e você, tudo bem?”),
com a censura, devido à palavra “pátria”. Outras canções que se tornaram evidentes foram
Cabeça (Walter Franco) e Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua (Sérgio Sampaio), esta última
sugerindo já no título uma manifestação pública.
Conclusão
Referencia bibliográfica
FICO, Carlos. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio de
Janeiro: Record, 2004.
MELLO, José Eduardo (Zuza) Homem de. A Era dos Festivais: Uma parábola. 1ª edição. São
Paulo: Editora 34, 2003.
______. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância
política (1968-1981). Rev. Bras. Hist., v. 24, n. 47, p.103-126, 2004.
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SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: Das origens à modernidade.
São Paulo: Editora 34, 2008.
SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A Canção no Tempo: 85 anos de músicas
brasileiras (vol. 2: 1958 – 1985). São Paulo: Editora 34, 1998.
RESUMO: Partindo de editoriais veiculados pelos quatro maiores jornais do Brasil durante
três momentos fundamentais da transição política (a anistia de 1979, o vigésimo aniversário
do golpe de 1964 e a promulgação da Constituição de 1988), esta comunicação procura
discutir as identidades políticas da grande imprensa brasileira e sua atuação na definição dos
rumos brasileiros desde então.
ABSTRACT: From the editorial articles of the four largest newspapers in Brazil for three key
moments in the political transition (the amnesty of 1979, the twentieth anniversary of the
coup of 1964 and the promulgation of the 1988 Constitution), this communication discusses
the political identities of the Brazilian press and its actions in the definition of Brazilian
directions since then.
Introdução
De uma forma geral, os grandes jornais receberam bem o projeto. Se é verdade que,
em textos assinados, alguns articulistas criticassem aquelas contradições, os editoriais que
expressavam a opinião das direções viam a anistia como oportunidade para uma grande
conciliação de forças políticas em torno do projeto de transição dirigido pelo regime. Percebe-
se, em alguns textos, uma certa rejeição pelo conflito, pelo dissenso, pelo confronto de
projetos e modelos políticos e sociais.
Por sua vez, O Estado de S. Paulo fazia coro ao deputado Ernâni Satyro, autor do
substitutivo aprovado pelo Congresso, ao dizer que “muito vai depender do comportamento
dos anistiados nesta primeira fase” (“A anistia e a esperança”, 1979, p3). A própria anistia
via-se, assim, condicionada, e o anistiado não estava, na visão do parlamentar e do jornal,
livre para fazer política como julgasse melhor. Deveria manter-se nos parâmetros esperados
pelo regime, sob pena de melindrar os ânimos militares e comprometer o processo de
“abertura”.
Em relação a essa relação com o passado, deve ser notado, também, o quanto as
noções de “esquecimento” e “silêncio” eram centrais nos editoriais da grande imprensa acerca
da anistia. A Folha de S. Paulo, quando do envio do projeto, criticava o fato de a mensagem
presidencial que o acompanhava tecer juízos de valor acerca dos beneficiados, o que estaria
“em flagrante conflito, portanto, com o propalado desejo de esquecer o passado.”. No mesmo
texto, buscava-se ditar qual seria a “concepção oposicionista de anistia”: “esquecimento e
perdão sem ressalvas” (“A anistia do palácio”, 1979, p. 2). O Estadão, por sua vez, subscrevia
a recomendação do presidente Figueiredo: “certos eventos, melhor silenciá-los, em nome da
paz e da tranquilidade da família brasileira” (“A anistia e o desafio”, 1979, p. 3).
Porém, mesmo esta concórdia não era um desejo universal entre a imprensa. O Globo
abria seu editorial afirmando que “Ninguém em sã consciência poderia almejar que a anistia
política viesse a beneficiar criminosos comuns, bandidos que, sem nenhuma motivação
política, atentaram com violência contra a pessoa ou a propriedade” (“O símbolo da palavra
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 712
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
cumprida”, 1979, p. 1, itálico nosso). Ao referir-se de tal forma aos presos excluídos da
anistia, o jornal da família Marinho não só fingia ignorar o caráter evidentemente político das
ações de guerrilha urbana, mas tentava circunscrever a própria noção de “política” a
atividades que se mantivessem dentro da institucionalidade vigente.
Assim, na visão dos editoriais dos principais jornais brasileiros no período, a anistia
reincorporava os perseguidos ao sistema político, apenas sob a condição de “bom
comportamento”, ou seja, de não prejudicarem o “consenso” que se buscava. A democracia a
ser construída, de acordo com aqueles discursos, deveria ter limites rígidos quanto à liberdade
de ação política da sociedade.
Observe-se que o jornal carioca não apenas pugnava pela conciliação como saída para
o impasse, mas também entendia que ela teria que partir do Poder Executivo; uma conciliação
de cima para baixo, vertical, dirigida pelo poder então instituído. Além disso, não devemos
perder de vista a significância do trecho final da citação: a construção do modelo conciliador
era atribuição exclusiva das “lideranças”; dela, fica patente, não deveriam participar os
liderados, meros seguidores. Reafirmava-se a concepção elitista da participação política, bem
típica da grande imprensa brasileira.
Uma visão parecida impregna o texto publicado na mesma data pela Folha de S.
Paulo. Inicialmente, o editorial coloca que o golpe de 1964 “correspondeu às exigências de
significativos setores da sociedade”, já que Jango foi incapaz de manter os movimentos
sociais “dentro da ordem e da lei” (“Vinte anos depois”, p. 2). É sintomático que a ideia de
“ordem”6 preceda a de “lei” no raciocínio da Folha. Fica sugerido que, para o jornal paulista,
era mais importante manter uma dada hierarquia social do que preservar a Constituição de
1946.
Logo à frente, a Folha acusa o regime de ter mutilado a democracia após ter sido
instalado em nome dela. Era hora de abandonar o autoritarismo. Mas isso, no entender do
editorial, não era uma tarefa para a sociedade ou as organizações que dela fazem parte: “Ao
presidente João Batista Figueiredo, oriundo e continuador do sistema político implantado em
1964, cabe a tarefa histórica de encerrá-lo em definitivo, desobstruindo o caminho para a
efetiva democratização do país.” (Ibidem). Para a Folha, como para o JB, não cabia à
sociedade eliminar o regime, mas sim a ele próprio. Era o retrato da transição que,
efetivamente, se fez.
O Estado de S. Paulo expressa visão parecida, mas segue um outro caminho. Também
ele defende o golpe de 1964 e o credita à “progressiva perda do controle da situação social e
política, durante o governo do sr. João Goulart”, e manifesta nostalgia pelo governo de
Castello Branco e sua marca “asséptica e ascética”. Após ele, o regime teria se degenerado
pela corrupção de uma “oligarquia” que se dedicara a “criar e depois ampliar o fosso entre a
Nação e o Estado” (“A Revolução e a política”, p. 3).
6
Para Giuseppe Vergottini (1998, p. 851, itálico no original), para quem “A Ordem pública é comumente
evocada como limite ao exercício de direitos”. Já Caio Graco Pinheiro Dias (2009, p. 339, itálico nosso) coloca
que “há ordem quando os comportamentos humanos se adéquam a critérios ordenadores, de forma que as
relações que deles resultam entre os indivíduos sejam compatíveis com os objetivos perseguidos por quem
instaura a ordem”. Na medida em que a Folha apoia e justifica o golpe de 1964 com o argumento da “ordem”,
fica patente que ela ela rejeita a atuação dos movimentos sociais pré-1964, que visavam a um novo modelo de
relações entre as classes sociais, que alteraria a hierarquia entre elas.
como alguém que tolera condições ruins que se tornaram de algum modo inevitáveis, mas
que, cedo ou tarde, serão superadas, como estava, de fato, acontecendo.” (REIS, 2014, p. 8).
Omite-se a o apoio e a participação de diversos setores da sociedade civil mesmo nos
momentos mais fechados da trajetória autoritária.
7
Ainda não nos foi possível localizar editorial do Jornal do Brasil acerca da Constituição de 1988.
democrática soberanamente escrita por representantes eleitos para tal fim”. Mas não deixa de
registrar os “elementos de atraso, autarquização e estatismo” que entende haver no texto
aprovado (“O fim da transição”, p. 2).
Considerações Finais
iluminam um posicionamento político-ideológico que vai além dos jornais, sendo partilhado
hegemonicamente no interior das elites civis.
Nossa leitura dos editoriais da grande imprensa sugere que aquelas empresas
jornalísticas pretendiam justamente exorcizar esse dissenso, entendido enquanto possibilidade
de criação e invenção políticas. Ao tolerar o movimento social somente se enquadrado nos
limites de certa “ordem”, bem como ao pretender a manutenção de elementos autoritários
introduzidos após 1964, elas buscavam impedir uma reversão real das “conquistas” da
ditadura.
Por fim, ressaltamos um profundo elitismo nas formulações dos editoriais sob análise.
Se no texto de O Globo citado ao final da última parte esse elemento aparece de forma
explícita e até exacerbada, em outros momentos ele não deixa de transparecer, na valorização
dos papéis das lideranças e dos “grande homens” nos momentos de definição de rumos
políticos.
Referências
RANCIÉRE, Jacques. O dissenso. In: NOVAES, Adauto (org.). A crise da razão. SP: Cia. das
Letras, 1996, pp. 367-82.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2014.
RESUMO: Tem-se como objetivo neste trabalho levantar questões e buscar compreender
momentos do período de ditadura militar no Brasil através da canção Pra Frente Brasil de
Miguel Gustavo, nos atentando para a busca da identidade nacional. Para isso, nos
embasamos em conceitos de Michel Foucault, tais como: discurso, dispositivo e verdade,
fazendo também um diálogo com Michel de Certeau quanto à sua “operação historiográfica”.
ABSTRACT: The objective of this study is to raise questions and seek understanding about
time periods of the military dictatorship in Brazil through Miguel Gustavo´s song Pra Frente
Basil, focusing in the pursuit of national identity. For this, we base ourselves in the concepts
of Michel Foucault, such as speech, device and truth, also doing a dialogue with Michel de
Certeau as to its "historiographical operation".
Bolsista de iniciação científica – PIVIC no curso de Letras UFG-Regional Jataí.
discurso é também pensar a condição do discurso, seu plano discursivo, sua vontade de
verdade, sua condição de verdade legitimada em instituições e saberes que em conjunto com
as práticas (FOUCAULT, 1996, p. 15-17) se colocam na sociedade ao longo do tempo, ao
longo da história, assim, em Arqueologia do saber diz que:
Para ele é preciso questionar nossa própria vontade de verdade e “restituir ao discurso
seu caráter de acontecimento; suspender enfim, a soberania do significante” (FOUCAULT,
1996, p. 51), tal como afirma Maria do Rosário Valencise Gregolin, estudiosa do discurso
foucaultiano da UNESP em Análise do discurso e mídia: a (re)produção de identidades:
importante é o que se produz no próprio ato do discurso, no fato de ter sido anunciado,
fazendo com que os efeitos dos discursos ganhem mais importância porque tal como afirma
Foucault: “cada ato tomaria corpo em um enunciado e cada enunciado seria, internamente
habitado por um desses atos”.
Na década de 1970 no Brasil, surgem canções como Pra Frente Brasil, ora tentando
buscar a identidade nacional junto ao povo, sendo cantadas pelo povo, ora sendo utilizadas em
propagandas institucionais direcionadas pela AERP, ou mesmo sem intenções, mas com
efeitos de sentido que ajudaram a mitificar e construir o chamado período de
desenvolvimentismo brasileiro. Acerca do sucesso Pra Frente Brasil de Miguel Gustavo:
...] Grande sucesso. Como seria, 15 anos depois, um jingle que Gustavo fez
por encomenda da Rádio Globo, para produtos que patrocinariam a cobertura
da Copa de 70. Ficou tão boa a marcha, com tanto apelo e vibração, que
pediram ao compositor para substituir os nomes dos produtos por algo mais
geral e menos comercial. Pois o resultado, “Pra frente Brasil”, acabou
virando sucesso nacional, hino da seleção tricampeã do mundo e uma das
maiores peças de propaganda dos tempos do general Médici. (MÁXIMO
apud PICCINO, 2012, p. 78)
Seria a busca de uma nova identidade nacional em meio ao caos? Seria o ufanismo
declarado ao lado de movimentos desenvolvimentistas junto ao “Brasil que vai pra frente” na
ditadura militar? Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello descrevem Pra Frente Brasil assim
em A canção no tempo:
Do fim dos anos 1950 ao início dos anos 1970, nos meios artísticos e
intelectualizados de esquerda era central o problema da identidade nacional e
política do povo brasileiro; buscavam-se a um tempo suas raízes e a ruptura
com o subdesenvolvimento, numa espécie de desvio à esquerda do que se
convencionou chamar de Era Vargas, caracterizada pela aposta no
desenvolvimento nacional, com base na intervenção do Estado. Esse tema
foi diluindo ao longo dos anos, especialmente após o fim da ditadura militar
civil (RIDENTI, 2014, p.1).
Durante a ditadura militar, se via percorrer um poder que para Michel Foucault
consiste em biopoder. O poder sobre o corpo, o poder sobre as populações. Um poder operado
segundo a governamentalidade.
Ora, a violência para que fosse executada precisava apoiar-se em justificativas. “Salvar
o país dos comunistas” era o lema da vez. Empresários apoiavam com os slogans em seus
cartazes: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Na década de 1970, a copa também precisava acontecer.
Os militares precisavam parecer protetores da nação. E o Brasil cantava algumas vezes assim:
Salve a Seleção!
De repente
É aquela corrente pra frente,
Parece que todo o Brasil deu a mão...
Todos ligados na mesma emoção...
Tudo é um só coração!
Todos juntos vamos,
Pra frente Brasil!
Brasil!
Salve a Seleção!
Era preciso cantar com o Brasil, colocá-lo novamente nos versos. Neste momento o
governo militar também acabou se apropriando desta canção, incentivando o futebol, eram
artistas cantando a brasilidade do país, o amor do verde e do amarelo, tão bonito, tão
inzoneiro... Mas em que condição estava este país? Independente das intenções destes
sujeitos, que efeitos têm este discurso neste momento sombrio da nação?
Longe de entender os sujeitos como passivos. Obviamente muitas verdades não são
aceitas. Era por isso que os protestos e resistências existiam nos anos de chumbo. É por isso
que estudos como este tentam desconstruir determinadas verdades forjadas em saberes
legitimados pelo tempo, pela mídia, pelas instituições ou até mesmo pelo próprio seio da
cultura e do povo.
segundo Carlos Fico o regime de ditadura não ficou atrás criando a AERP, órgão de
propaganda do regime militar. (FICO, 2004).
Não só para as mídias de massa, mas também para a própria indústria cultural, os anos
de 1970 principalmente, foram efervescentes e ao mesmo tempo em que a indústria cultural
crescia, o governo investia em propagandas ufanistas. (NAPOLITANO, 2002).
Dentro de um processo político temos um processo cultural que pode ser percebido
nas décadas de ditadura militar em nosso país, o que nos impede de acreditar que o poder só
se dá no campo dito “político” porque podemos enxergar claramente o papel de sujeitos
imbricados na arte, na cultura.
A canção assim se torna um dispositivo, porque nela se cruza o dito e o não dito. Ela
responde a uma urgência histórica, ela é também um tipo de estratégia social, governamental,
propagandista, um dispositivo de subjetivação, saber e poder, que é capaz de produzir uma
verdade. A verdade de um país tropical, admirado pelo mundo por suas belezas variantes, uma
verdade que generaliza, pois não contabiliza o sofrimento, a repressão e a censura vivida pelo
mesmo país chamado de paraíso.
Bibliografia
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REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. Trad. Carlos Piovezani Filho, Nilto Milanez.
Revisão técnica Maria do Rosário Gregolin. São Carlos: Claraluz, 2005.
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
Discografia
A História de 1972 – ZYD-66 - Rádio Jornal do Brasil AM/940 Khz. Documento Sonoro em
Disco Continental; Produtor: Fernando Veiga; Locutores: Sérgio Chapelin e Eliakim Araújo.
Gravações Elétricas, 1972.
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Tapecar, 1972.
RESUMO: Este artigo apresenta os caminhos iniciais de pesquisa sobre o papel político do
jornal Correio da Manhã frente ao governo João Goulart (1961-1964), tendo como eixo de
discussão a relação entre a radicalização das direitas e esquerdas e o diário carioca. Trata-se
de refletir sobre o modo pelo qual o jornal se posicionou na conjuntura do início dos anos
1960, período marcado pela reação ou defesa às reformas de base.
ABSTRACT: This article presents the initial avenues of research on the political role of the
newspaper Correio da Manhã against the government of João Goulart (1961-1964), with the
axis of discussion the relationship between the radicalization of the right and left and the Rio
daily. This is a reflection on the way in which the paper is positioned at the juncture of the
early 1960s, a period marked by reaction or defense to base reforms.
Introdução
Nos primeiros anos da década de 1960, o Brasil viveu um momento de intensa
efervescência política. O desejo por mudanças permeava o campo político, social e cultural da
sociedade brasileira. Foram anos intensos na vida política republicana brasileira, marcados,
sobretudo, pelo protagonismo dos movimentos populares.
Eram tempos de guerra fria, contexto histórico marcado pela polarização ideológica
entre os Estados Unidos e a União Soviética. As duas superpotências não mediam esforços
para empenhar todos os recursos no sentido de evidenciar as contradições existentes em escala
mundial em torno de seus interesses. Foi um contexto em que as imagens do ideário
“ocidental e cristão” se sentiam ameaçados com a projeção das ideias comunistas. Grupos e
instituições seguidores da visão de mundo ocidental se sentiam cada vez mais preocupados
com o “perigo comunista”, que se afigurava com maior grau desde a revolução cubana, em
1959, e, principalmente, com sua respectiva opção por um governo socialista, em 1961. No
entanto, para as esquerdas e grupos nacionalistas, sobretudo da América Latina, era uma
alternativa para novos tempos.
É diante desse contexto internacional que se abriu uma conjuntura de grandes lutas
sociais, até então, inéditas na história republicana brasileira. Era hora de reconhecer e praticar
os direitos de cidadania com voz, voto, opinião e decisão. Entre 1961 e 1964, os movimentos
sociais conheceram um significativo crescimento e, consequentemente, a ampliação da
participação popular no processo político detonou um conjunto de demandas sociais e
pressões reivindicatórias no meio urbano e no campo. Em contrapartida, os setores mais
conservadores da sociedade, temendo o avanço dos movimentos populares, reagiram para
conter as reformas projetadas pelo presidente João Goulart. O processo de crescente
polarização da sociedade não se limitou mais ao Parlamento, ultrapassou a esfera institucional
para impedir ou defender mudanças estruturais para o país. Grupos de orientação política
oposta se enfrentaram em alguns dos embates mais emblemáticos da nossa história política.
Nesse cenário, os atores políticos foram fazendo suas escolhas dentro de um determinado
campo de possibilidades que acabaram por minar oportunidades de acordo e fragilizaram as
instituições liberal-democráticas (cf. FIGUEIREDO, 1993).
Desse modo, cabe uma pergunta: Como a imprensa, especialmente o jornal Correio da
Manhã, se comportou na conjuntura explosiva dos anos 1960? Qual foi o papel político do
diário carioca? Analisar a trajetória do Correio da Manhã no pré-1964 poderá sinalizar sua
atuação nos idos de março de 1964.
A atuação política do diário carioca tinha como referencial os seus editoriais. Nos
depoimentos de Carlos Heitor Cony e Luís Alberto Bahia, fica notório o reconhecimento de
que o editorial era o forte do jornal (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO,
2001, p. 102). Segundo Bahia, a estrutura do Correio da Manhã seguia o modelo francês em
que o cargo de redator-chefe equivalia ao de ministro, em função das atividades que
desempenhava no jornal. O redator-chefe lia tudo de importante todos os dias, instruía,
estimulava e até pautava, enfim, tinha o comando dos editoriais que influíam o jornal. De
acordo com a avaliação de Marialva Barbosa, esse processo pode ser compreendido como
uma lógica discursiva que é determinada pela necessidade dos veículos de comunicação de
afirmarem suas concepções e legitimarem sua identidade, na qual se sobressai a imagem de
formador de opiniões (cf. BARBOSA, 2007). Podemos compreender que a imprensa em todo
momento busca espaços privilegiados não só para manifestar como para ser a detentora da
opinião pública.
Na conjuntura explosiva do início dos anos 1960, o Correio da Manhã passou a ser
entre os jornais da grande imprensa brasileira um porta-voz do discurso da legalidade.
Embora não fosse janguista, tampouco defensor da política trabalhista de João Goulart,
apoiou a sua posse em meio à crise da renúncia de Jânio Quadros, contra uma tentativa
golpista dos ministros militares Odílio Denys (Guerra), Sílvio Heck (Marinha) e Grun Möss
(Aeronáutica) (cf. LABAKI, 1986). Não titubeou em denunciar as medidas coercitivas e
inconstitucionais utilizadas na crise de agosto de 1961, como prisões, espancamentos e,
principalmente, a censura e a apreensão dos jornais por Carlos Lacerda, então governador do
estado da Guanabara. Apoiou a solução de compromisso que envolvia a adoção do
parlamentarismo, endossando as justificativas de que as mudanças no jogo político atendiam
às necessidades de uma solução negociada para se evitar uma guerra civil.
como uma estratégia de negociar uma nova forma de inserção internacional do país; na busca
de novos mercados, daí a importância de buscar relações com a América Latina e o mundo
afro-asiático (VIZENTINI, 2008, p. 210- 212). O reatamento das relações diplomáticas com a
União Soviética, com fins econômicos, e o posicionamento contrário do governo Goulart
frente a uma intervenção armada dos Estados Unidos contra Cuba, despertou o ímpeto dos
grupos conservadores, anticomunistas, do clero e da própria imprensa, como os jornais Globo,
Estado de S. Paulo e Tribuna da Imprensa, que exigiam a adoção de medidas contra o
governo cubano (VICTOR, 1965, p. 432). No entanto, o Correio da Manhã estava mais
interessado na soberania econômica e política. O diário carioca não aderiu aos discursos que
relacionavam Goulart ao comunismo internacional e à anarquia.
O segundo semestre de 1963 foi marcado por um ambiente de graves crises políticas e
com repercussões negativas no campo econômico. Aliada à insurreição dos sargentos, em
setembro, e ao pedido de estado de sítio, em outubro, episódios ocorridos naquele ano, o país
também passava por um processo de ondas grevistas, sendo que muitas vezes parte delas teve
como pano de fundo motivações políticas, mas também como reflexo do aumento da inflação,
8
O Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado, ministro do Planejamento, tinha como metas básicas o combate
à inflação sem comprometer o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, impulsionar as reformas
econômicas necessárias para manter um desenvolvimento autônomo posterior. Contudo, encontrou forte
oposição entre os conservadores e os grupos de esquerdas.
O jornal não poupa críticas aos governadores Carlos Lacerda (Guanabara) e Ademar
de Barros (São Paulo), considerados como principais políticos da ala conservadora por
incentivar o quadro de inquietação social, além de ressaltar a dificuldade de ambos no diálogo
com o governo. Defendendo a manutenção da democracia representativa, o diário insistia no
Entretanto, o ano que seria das reformas de base finalizava-se sem que elas tivessem
dados passos importantes para a sua concretização. O ano de 1963 fechava-se com a
deteriorização do campo econômico, principalmente com o descontrole inflacionário e
político, com as dissensões entre os vários grupos políticos, tanto à esquerda quanto à direita.
É nesse clima de incertezas que o ano de 1964 se iniciava. Contudo, o Correio da Manhã,
seguindo sua orientação legalista, continuava condenando os grupos da esquerda e da direita
que insistiam apenas em radicalizar o processo político, minando a ordem democrática. No
início de 1964, a posição do diário carioca era a seguinte:
O divisor de águas
(...) torna-se óbvio que a todos os setores responsáveis do país caberia, nesta
hora, o dever indeclinável de envidar todos os esforços para evitar a
desordem econômica. (...) Há ainda a considerar o problema das reformas de
base. Não podem ser adiadas. Não podem ser continuar servindo de pretexto
para intimidações e manobras extremistas. Entre o anti-reformismo
generalizado do sr. Lacerda e o reformismo indefinido do sr. Brizola e
Arraes não há diferença. (...) O sr. João Goulart e o Congresso terão uma
ótima oportunidade de não serem incluídos nessa farsa.(Correio da Manhã.
Rio de Janeiro, 13/03/1964. 1° caderno, p. 6)
O Correio da Manhã, seguindo sua orientação legalista e seu papel moderador, repudia
o extremismo das ações entre os grupos de direita e esquerda, destacando que não havia
diferença entre Carlos Lacerda e Leonel Brizola, além de Miguel Arraes, considerados pelo
jornal como principais responsáveis políticos por alimentar a intransigência de como as
reformas deveriam ser implementadas. Podemos interpretar que o jornal carioca deixa claro
que aquele era o momento para Goulart definir seu posicionamento, ou seja, rejeitar tanto a
extrema-direita quanto a extrema-esquerda.
Considerações finais
pelo governo consideradas polêmicas para a época, como a manutenção da política externa e a
reforma agrária. O Correio da Manhã, no entanto, como um agente social naquela conjuntura,
acabou sendo contaminado pelo radicalismo que tanto combateu nos idos de março de 1964.
Fontes:
Referências bibliográficas:
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VICTOR, Mário. 5 anos que abalaram o Brasil (de Jânio Quadros ao Marechal Castelo
Branco). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
PALABRAS-LLAVE: transición,diretas,periódico
Introdução
O processo de transição política brasileira é fruto de vários fatores que o
impulsionaram, sendo que as “Diretas Já”constituem esse momento. A campanha reuniu
diversos grupos sociais e políticos, que uniram e organizaram manifestações públicas para
forçar o Congresso Nacional à aprovação da Emenda Dante de Oliveira.
Embora seja a maior manifestação de massa na história brasileira até os dias atuais, há
uma grande ausência de literatura no campo historiográfico sobre o tema, tendo as ciências
sociais, o jornalismo, se debruçado e constituído a literatura existente sobre o tema.
O Brasil vivia um momento de várias crises, entre elas crises de Estado, crises do
regime, crises econômicas e várias tensões sociais latentes, além de ter se comprometido
internacionalmente com o FMI no inicio de 1983, em um plano que previa de redução do
credito, déficit e subsídios públicos, a desvalorização da moeda e restrições ao aumento de
salários. Essas medidas agravaram ainda mais a situação e a tensão entre trabalhadores e o
Estado, gerando greves de varias categorias, em 1983 foram 393 contra 144 do ano anterior.
Outra questão importante, era a divida externa que em 1983 chegou a atingir o
montante de 95 bilhões de dólares. Juntamente com o aumento das dívidas, aumentava-se
também a impopularidade do governo, demonstrado principalmente na figura de Delfim Neto,
que tentava driblar as situações econômicas, com medidas financeiras e explicações, além dos
casos de corrupção, que quase não eram apuradas e responsabilizadas.
Esse quadro colocou um grande problema as oposições que se viram com o risco de
perder a oportunidade de promover a ruptura com o autoritarismo a partir de um amplo
consenso nacional, o que fez crescer seus desafios, problemas e possibilidades. Nesse ponto
esbarramos com outra questão, a sociedade estava desacostumada em conviver com questões
da nação e seja qual fosse o desfecho, o povo teria que romper com uma crise de
sociabilidade.
Diante desse quadro, é fato que a grande dificuldade enfrentada, principalmente pela
oposição ao regime, é a luta para o fortalecimento e a autonomização da sociedade civil, que
saia da noção de abertura controlada e que seja protagonista de uma efetiva transição
democrática.
Nesse sentido, o povo que deveria ser protagonista desse processo de mudança,
continua a margem, o que pode ser expressamente refletido no processo sucessório que
intercorreu a votação da emenda Dante de Oliveira, pelo voto indireto do Colégio eleitoral em
1985. É nesse momento também, que está presente o debate sobre democracia.
Merece destaque, que o discurso pela democracia, presente na pauta de discussões
brasileira desde os anos de 1940, apesar de seu teor mudar de tempos em tempos, reaparece
mais aparente nesse momento, embora esse debate já viesse acontecendo há algum tempo.
É nesse momento também que começam discussões entre os intelectuais e a sociedade,
podemos citar aqui como exemplo a criação da Revista Presença, que nasceu da iniciativa de
se pensar e discutir questões que estavam ocupando o centro da vida social, política e cultural,
como por exemplo as discussões sobre ética, corrupção, liberdade de expressão, entre diversos
outros temas, gerando umas pauta de debate dentro do processo de transição democrática.
O caráter contraditório e ambíguo de uma transição que se começa por cima
se acentua sobre o pano de fundo dos fortes contrastes entre o “país legal”
submetido a leis e instituições anacrônicas, e o “país real’, em processo de
modernização acelerada. Compreende-se, pois, que a transição seja uma
assunto polêmico, difícil de explicar, até mesmo de
escrever.(WEFFORT,1984, p.57)
Segundo, Suzeley Kalil Mathias (1995), em seu livro Distensão no Brasil – o projeto
militar, essa preocupação quanto a explicação da transição, por conta das oscilações que
aparecem ao longo desse processo, das perdas da violência pelo Estado, de um reforço na
manutenção dessa violência, gerando assim distensões dentro do próprio Estado, o que
demonstra que essa transição embora contraditória carregava consigo algumas transições
ideológicas.
Isso é visível em toda a história brasileira, onde o público se confunde com o privado a
todo o momento, gerando assim muitas vezes processos sucessórios, como se fossem heranças
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG.
v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. 743
ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades
Anais do III Encontro de Pesquisa em História
Ainda existe a confusão dos conceitos de negociação e conciliação pelas elites, que
implica em retomar, situações do passado e torná-las paradigmáticas para a resolução dos
problemas colocados na pauta do dia, abrindo margem mais uma vez para a revolução
passiva.
Porém não podemos descartar que a década de 1980, foi um divisor de águas no que se
refere a construção de uma democracia brasileira, com uma agenda de pautas próprias; logo as
“Diretas Já” foram preponderantes para esse processo, sendo o primeiro momento em que o
povo retoma as ruas e um sentimento nacional de participação popular, volta a vigorar e fazer
parte das discussões e debates.
Nossa análise tem como fonte histórica os editoriais do jornal Estado de Minas, de
janeiro a julho 1984, compreendendo este como o período de maior efervescência da
campanha e o momento da votação da Emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional.O
jornal Estado de Minas, tinha circulação de terça a domingo, com editoriais presentes em
todos os dias em um número de dois a três editoriais por dia.
Foi possível perceber uma grande mesclagem de assuntos no editoriais, sejam eles de
ordem internacional, nacional, regional e local. Outro ponto observado era a grande
preocupação do jornal com a sucessão presidencial, destacando a figura do Presidente
Figueiredo nesse momento, e apontando possíveis sucessores, como Aureliano Chaves e
Tancredo Neves, nomes de maior destaque nos editoriais. Ainda há grande discussão sobre os
partidos PDS e PMDB e a transição de cima para baixo. Aponta também para uma discussão
referente a escassez de líderes como observado no editorial de treze de abril de 1984,
intitulado: Poucos líderes.
Por mais que o jornal tenha as diretas como tema de seus editoriais nesse momento,
ele não se mostra muito entusiasmado com a campanha, pois entende que as eleições diretas
não serão ponto determinante para se resolver a crise instaurada no Brasil, como pode se
verificar no editorial do dia vinte e sete de janeiro de 1984, intitulado: Urna e Crise. “Pois,
afinal se o voto direto representar de fato alguma coisa para superar problemas o mundo seria
uma maravilha.”
Outro ponto, que merece destaque é a posição do então governador Tancredo Neves,
como sendo um homem ético, e com capacidade impar para mudar os rumos da nação, porém
enfatiza-se que o envolvimento do governador com as diretas é de ordem pessoal.
Por fim, não podemos perder de vista que os editoriais do jornal Estado de Minas
reluzem a opinião das elites, seguindo a mesma linha editorial dos jornais da grande imprensa.
Conclusão
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