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Aula 12 - Neoliberalismo

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Aula 12

O debate teórico
sobre o neoliberalismo
EDA 0101
Prof. Daniel Tojeira Cara
Importante
Todos precisam acompanhar as aulas
com os dois textos em mãos
O que é neoliberalismo?
O que vocês já ouviram falar sobre
neoliberalismo?
Leitura de Perry Anderson
“O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da
Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação
teórica e política veemente contra o Estado soviético e de bem-estar. Seu texto
de origem é O caminho da servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.

Alvo principal: Partido Trabalhista inglês nas eleições de 1945

A mensagem de Hayek é drástica: “Apesar de suas boas intenções, a


social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o
nazismo alemão – uma servidão moderna.”

Perry Anderson: Balanço do neoliberalismo


Projeto intelectual

Sociedade de Mont Pèlerin – criada em 1947: https://www.montpelerin.org/

Adversários do Estado de bem-estar europeu e inimigos do New Deal dos


EUA

Ataque ao solidarismo distributivo – ou a redistribuição social – (relatório


Beveridge) e às políticas anticíclicas (New Deal e keynesianismo)

Emergência (oportunidade) do neoliberalismo se dá pela crise da


estagflação de 1973 (recessão simultânea a uma forte disparada dos
preços).
Gestões neoliberais
● Chile: Governo Pinochet (1973/1975) – Hayek chega a dizer que
prefere “um ditador liberal a um governo democrático em que falta o
Liberalismo”;
● Reino Unido: Thatcher (1979);
● EUA: Reagan (1980), embora o keynesianismo militar;
● Alemanha: Khol (1982);
● Dinamarca: Schluter (1983);
● Crise do Afeganistão: neoliberalismo reivindica a primazia na
oposição ao regime soviético (1978).
Brasil: Eleutério Prado
● 1980 – 2015: neoliberalismo transigente
○ Privatizações e reformas neoliberais combinadas com expansão de
direitos, ainda que insuficientes
○ Manutenção do tripé macroeconômico (câmbio flutuante, meta de
inflação e meta fiscal desde 1999: governo FHC e governos petistas)

● 2016 até hoje: neoliberalismo intransigente (ou ultraliberalismo ou


ultraliberalismo obscurantista ou neoliberalismo regressivo)
○ Aliança com ultrarreacionarismo – fim da República Nova ou tentativa
de desconstrução do Pacto Constitucional de 1988: ataque aos direitos
sociais, aos direitos civis e aos direitos políticos
○ Privatizações, EC 95/2016, Reforma Trabalhista, Reforma da
Previdência e Reforma do Estado
A lógica neoliberal

2016
A lógica neoliberal – 2022
Crítica de Hayek ao estado de bem-estar social
Parte 1 de 2
“As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam
localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais
geral, do movimento operário, que havia corroído as bases da acumulação
capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua
pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos
sociais.

Esses dois processos não podiam deixar de terminar numa crise generalizada
das economias de mercado. O remédio então era claro: manter um Estado forte,
sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do
dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas.
A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. [...]
Crítica de Hayek ao estado de bem-estar social
Parte 2 de 2
Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos
gastos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou
seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar sindicatos.
Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes
econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre
os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Dessa forma, uma nova e
saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas...”

Cf. Perry Anderson, p. 10-11


Organismos internacionais
Parte 1 de 2
Bretton Woods: FMI e Banco Mundial nasceram keynesianos, viraram neoliberais.

No nascimento, o vínculo do FMI e do Banco Mundial com o keynesianismo é claro. O “Plano


Keynes”, de 1943, visava o estabelecimento de uma autoridade monetária internacional.
Embora tenha sido rejeitado de início, a proposta foi parcialmente adotada em 1944 na
Conferência de Bretton Woods (Nova Hampshire, EUA) da qual Keynes participou como líder
na delegação britânica.

As conferências de Bretton Woods definiram o Sistema Bretton Woods de gerenciamento


econômico internacional e estabeleceram, em julho de 1944, as regras para as relações
comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo. O sistema Bretton
Woods foi o primeiro exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente
negociada, tendo como objetivo regular as relações monetárias entre Nações-Estado
independentes.
Organismos internacionais
Parte 2 de 2
O FMI é a organização internacional criada por esse evento, a outra foi o Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development, ou BIRD, mais tarde
dividido entre o Banco Mundial e o "Banco para Investimentos Internacionais"). O objetivo inicial era ajudar na
reconstrução do sistema monetário internacional no período pós-Segunda Guerra Mundial.
Atualmente, de todos os Estados-membros da ONU, apenas Coreia do Norte, Cuba, Liechtenstein, Andorra,
Mônaco e Tuvalu não integram o órgão. Desde o thatcherismo, o FMI está mais próximo de Hayek e Friedman do
que de Keynes.

OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico)


A OCDE é uma organização internacional composta por 36 países que estabelece uma plataforma para
comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais.
A maioria dos membros da OCDE é composta por economias com indicadores positivos elevados, como PIB per
capita e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Ou seja, são considerados países desenvolvidos.
A OCDE teve origem em 1948 com o intuito de ajudar a gerir o Plano Marshall, dedicado a reconstruir a Europa
após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, a sua filiação foi estendida a Estados nacionais não europeus.
Neoliberalismo: termo em disputa
● Usado pelos críticos
● “Abandonado” por seus adeptos, por ser desnecessário

O neoliberalismo é sistêmico, mas também se apresenta como antissistêmico


e contraditório:

“Como o projeto neoliberal seria paradoxalmente definido pela intangibilidade


de seu objetivo fundamental – o governo de mercado sem atritos –, não é tanto o
seu objetivo utópico, mas as oscilações em torno da expectativa frustrada que
moldam o neoliberalismo como forma contraditória que recorre sempre
novamente (sic) a uma envergonhada re-regulamentação estatal.”
Andrade, p. 216
Lembrem-se:
Para cada necessidade, um modelo de
Estado. (1ª aula)
Contribuição foucaultiana
“Além de disciplinar condutas, o neoliberalismo promove um autogoverno
dos indivíduos de modo que eles se conformem a certas normas.”

Atenção: o neoliberalismo não é um limitador, mas um constituidor do


Estado.

Atenção: "Este Estado muitas vezes foi erigido por governos de esquerda
que, acreditando contrariar o neoliberalismo ao “modernizar” a burocracia,
acabam por realizar as reformas que consolidam sua racionalidade.”

“A legitimidade do Estado acaba atrelada à sua capacidade de garantir e


alimentar a racionalidade econômica.”
Neoliberalismo e democracia

“Wendy Brown (2003) acrescenta que o neoliberalismo coloca a democracia


liberal em risco. O Estado neoliberal – enxergando por toda parte agentes de
mercado e vendo-se como empresa – estabelece como seu critério considerações
de rentabilidade.

Dissemina por toda a vida social, cultural e política modos de recompensa


institucionais que acabam por criar efetivamente a concepção preconcebida. A
legitimidade do Estado acaba atrelada à sua capacidade de garantir e alimentar
a racionalidade econômica.”
Contribuição marxista
Parte 1 de 4
“Segundo a abordagem estrutural marxista, o neoliberalismo é definido como
estratégia política que visa reforçar uma hegemonia de classe e expandi-la
globalmente,marcando o novo estágio do capitalismo que surgiu na esteira da crise
estrutural da década de 1970. O neoliberalismo se caracteriza por uma ordem social em
que uma nova disciplina é imposta ao trabalho e novos critérios gerenciais são
estabelecidos, servindo-se de instrumentos como o livre comércio e a livre mobilidade
de capital.
Esse modelo legitima-se ideologicamente por meio de uma teoria político-econômica
que afirma o livre mercado como garantidor da liberdade individual de empreender e
que confere ao Estado o papel mínimo de reservar a ordem institucional necessária.
A crescente desigualdade se justificaria como meio de estimular o risco dos
empreendedores e a inovação, elementos centrais da competitividade e do crescimento
econômico.”
Contribuição marxista
Parte 2 de 4
Harvey:
Podemos, portanto, interpretar a neoliberalização seja como um projeto utópico de realizar um
plano teórico de reorganização do capitalismo internacional ou como um projeto político de
restabelecimento das condições de acumulação do capital e de restauração do poder das
elites econômicas. Defenderei a ideia de que o segundo desses objetivos na prática
predominou. A neoliberalização não foi muito eficaz na revitalização da acumulação de capital
global, mas teve notável sucesso na restauração ou, em alguns casos (a Rússia e a China, por
exemplo), na criação do poder de uma elite econômica. O utopismo teórico de argumento
neoliberal, em conclusão, funcionou primordialmente como um sistema de justificação e de
legitimação do que quer que tenha sido necessário fazer para alcançar esse fim. Os dados
sugerem, além disso, que quando os princípios neoliberais conflitam com a necessidade de
restaurar ou sustentar o poder da elite, esses princípios são ou abandonados ou tão
distorcidos que se tornam irreconhecíveis
(Harvey, 2008: 27).
Contribuição marxista
Parte 3 de 4
A dinâmica geral do capitalismo sob o neoliberalismo operou em benefício das camadas mais
altas de renda. A nova estratégia seria o resultado de um compromisso entre as classes
capitalistas e a camada superior da classe gerencial, constituindo uma ordem social assentada
sobre a hegemonia financeira. A configuração de classe sofreu uma parcial alteração,
incorporando, ao lado de estratos tradicionais, novos empreendedores dos setores da
computação, internet, comunicação e do varejo, além de reforçar a participação de financistas e
CEOs. Duas tendências gerais foram observadas. Primeira, a fusão dos privilégios da
propriedade com os da gerência por meio da remuneração dos CEOs com opções de ações,
impondo a valorização financeira como guia das atividades. Segunda, a redução da separação
entre capital rentista e produtivo, com grandes corporações assumindo orientações
crescentemente financeiras sem deixar de se voltar para a produção e o comércio (Harvey, 2008:
40-41). Essas tendências vinculam-se à expansão e sofisticação da atividade financeira, com
sua integração global, à desregulamentação das operações, à constituição de novos mercados
de securitização, derivativos e futuros e à ampliação da massa de ativos e passivos
(Harvey, 2008: 41; Duménil & Lévy, 2014: 43).
Contribuição marxista
Parte 3 de 4
Paralelamente, Harvey (2008: 172-178) chama atenção para os
mecanismos de “acumulação por espoliação”, ou seja, o caráter contínuo
de formas de acumulação que Marx acreditou estarem presentes apenas
no início do capitalismo, caracterizadas pelo furto, pela rapinagem e pelo
uso da violência, até mesmo por parte do Estado. Seus métodos atuais
são:

1. Privatização e mercadização;
2. Financialização;
3. Administração e manipulação de crises;
4. Redistribuições via Estado.
Contribuição marxista
Parte 4 de 4
“O Estado joga um papel decisivo no neoliberalismo. O ímpeto de restauração do
poder de classe distorce na prática a teoria do Estado mínimo.”

Os resultados das políticas neoliberais em termos de crescimento econômico


global são vistos pelos marxistas como medíocres, sendo o seu verdadeiro
sucesso a ampliação dos lucros, o controle da inflação, a redução dos salários, o
aumento da desigualdade social e a expansão da mercadorização. O lucro não se
converte em crescimento, pois não é investido produtivamente, mas
especulativamente, o que apenas promove transferência de renda dos mais
pobres para os mais ricos (Anderson, 1995; Harvey, 2008; Duménil & Lévy, 2014).
Diante da crise de 2008, Duménil e Lévy (2014) diagnosticaram uma crise
estrutural resultante do caráter insustentável da estratégia neoliberal, marcando o
início da transição para um novo regime de acumulação.”
Contribuição bourdieusiana
Parte 1 de 3
A visão de Bourdieu foi exposta nos dois volumes da coletânea Contrafogos (1998 e 2002),
cujo artigo mais sistemático é “Neoliberalismo. Esta utopia, em vias de realização, de uma
exploração sem limite”. Nesse texto, Bourdieu considera a concepção do mercado
autorregulador como uma utopia da teoria econômica convertida em projeto político,
embora seja apresentada como mera descrição científica do real (Bourdieu, 1998: 135). A
visão idealizada do mercado é construída de maneira lógico-dedutiva na teoria pura
neoclássica, por meio de modelos matemáticos que raramente são colocados à prova e
que desdenham as ciências históricas.

Os economistas são inclinados assim a confundir “as coisas da lógica com a lógica das
coisas” (Bourdieu, 1998: 135-136 e 144). Ao partir de pressupostos falsos, reduzem a
racionalidade à concepção estreita da racionalidade individual, ignorando as condições
sociais que produzem a disposição calculadora (Bourdieu, 1998: 136).
Contribuição bourdieusiana
Parte 2 de 3
“A análise do neoliberalismo operou um deslocamento na obra final de Bourdieu (Bourdieu,
2001; Laval, 2018). Ao manter o mesmo esquema conceitual anterior, o autor o reativa para
pensar a nova estrutura da dominação social e a formação histórica das disposições
necessárias à inclusão na economia capitalista. No neoliberalismo, a sociedade francesa
passou a uma estrutura na qual a ciência econômica tomou o lugar da filosofia, o capital
econômico ganhou em importância frente ao capital cultural, a mídia tomou o terreno da escola
no exercício da “violência simbólica” e o Estado foi cada vez mais controlado pela alta função
pública fundida com dirigentes financeiros. Como o neoliberalismo estende a lógica econômica
a todos os campos – assentando-a como a racionalidade em geral –, Bourdieu procurou mostrar
a gênese social dessas disposições e da autonomização do campo econômico. Sua teoria do
habitus passou a operar como suporte metodológico da desconstrução histórica dos valores da
conduta econômica racional, desfazendo o idealismo universalista que permite à teoria
econômica produzir evidências e estabelecer leis pretensamente neutras, mas politicamente
eficazes.”
Obs.: ver “disposições” e “habitus” na teoria bourdieusiana.
Contribuição bourdieusiana
Parte 3 de 3
Loïc Wacquant (2012): O autor reconhece um núcleo institucional do
neoliberalismo que “consiste numa articulação entre Estado, mercado e
cidadania que aparelha o primeiro para impor a marca do segundo à
terceira” (Wacquant, 2012: 510).

“O que há de novo no neoliberalismo é, justamente, a reengenharia e a


reestruturação do Estado como principal agência que conforma
ativamente as subjetividades, as relações sociais e as representações
coletivas apropriadas a tornar a ficção dos mercados real e relevante”
(Wacquant, 2012: 507).
Contribuição weberiana
Parte 1 de 2
Na linha teórica de Max Weber, destaca-se o trabalho de William Davies (2014). Ao
analisar o governo da Terceira Via britânica da década de 1990, Davies nota que não
havia uma redução do Estado, mas uma expansão das políticas públicas no sentido de
melhorar a “competitividade nacional”.

A definição de neoliberalismo, segundo Davies (2014), é “uma tentativa de substituir os


julgamentos políticos por uma avaliação econômica, incluindo, ainda que não
exclusivamente, as avaliações oferecidas pelo mercado”. Mesmo que as lógicas
políticas e econômicas sejam plurais, a característica definidora central de toda a
crítica neoliberal é a sua hostilidade à ambivalência do discurso político, e um
compromisso com o caráter explícito e a transparência dos indicadores econômicos
quantitativos, dos quais o modelo é o sistema de preços de mercado. Neoliberalismo é
a busca do desencantamento da política pela economia (Davies, 2014: 4).
Contribuição weberiana
Parte 2 de 2
“As novas autoridades são os especialistas que estabelecem as regras e
as arenas de competição, que desenvolvem técnicas de pontuação e
ranqueamento e que oferecem consultorias para competidores em
ambientes imprevisíveis (regulador, risk manager, estrategista, coach e
gurus) (Davies, 2014: 29).”

Obs.: observem o papel desempenhado pelas fundações e associações


empresariais dedicadas à educação, via-de-regra vinculadas ao sistema
financeiro. Em especial, observem o papel desempenhado pela
associação de base empresarial “‘Todos pela Educação” e Fundação
Lemman.
Definição hibridismo governamental
Aihwa Ong

“O neoliberalismo é caracterizado pela gestão de si via cálculo econômico nas


diferentes esferas da vida, reforçando a autorresponsabilização dos indivíduos.”

“A partir dos países liberais avançados, a lógica neoliberal viajou para ambientes
tão variados quanto Estados militares, oligarquias pós-socialistas, formações
autoritárias e ex-colônias, sem substituir suas práticas políticas.

Essas forças passam a operar conjuntamente, reconfigurando espaços que não


são previamente definidos, mas constituídos pela atuação desse agenciamento.”
Definição neorregulacionista
Peck: neoliberalismo é crítico ao Estado e, ao mesmo tempo, tem por objetivo
principal capturá-lo e transformá-lo.

Reação: no Brasil, destaque para a Campanha Nacional pelo Direito à


Educação e campo do direito à educação.

“A neoliberalização também recebe sua dinâmica da contestação ao seu


projeto e suas consequências. Em certos lugares e momentos, as resistências
reais ou antevistas moldam o ritmo, a esfera e o público das reformas de
mercado. Constituem-se, assim, “no-go areas”, ou zonas de incursão leve.

Em outras circunstâncias, criam-se redes de movimentos e atores produzindo


reações, mesmo em nível internacional, obrigando os governos neoliberais a
reverem suas estratégias e a alterarem sua racionalidade.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 1 de 9
Definição:
Segundo uma acepção muito difundida, o termo neoliberalismo se refere
tanto a uma ideologia que defende um “retorno” ao liberalismo originário
quanto a uma política econômica de retração do Estado que abre ainda
mais espaço ao mercado. Em suma, a caução de Adam Smith vem
legitimar uma mercantilização implacável da sociedade.

Em suma, não há nada de novo sob o sol da acumulação capitalista, ou


melhor, como disse Foucault de um modo farsesco, é “sempre a mesma
coisa e sempre a mesma coisa pior”.
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 2 de 9
“(...) deve-se prestar atenção às particularidades das condições em que surgiu o neoliberalismo: ele
acabou prevalecendo numa sociedade permanentemente marcada por forte regulação administrativa
em vários campos de atividade, devido ao espaço ocupado pelo Estado “social” e “educador”.

Esse modo de regulação estava fundado numa fictícia centralidade do “interesse geral” na definição
das políticas, na prevalência do direito público na organização da ação social, na difusão de normas e
formas de organização burocrática nos mais diversos setores, inclusive na produção de bens e
serviços, no compromisso salarial entre as classes sociais e na distribuição dos ganhos de
produtividade. Para minar e suplantar essa poderosa racionalidade administrativa e burocrática, o
neoliberalismo tinha que se constituir como uma forma “total” ou “transversal”, com base em um modelo
de relação social que fosse transferível para todas as atividades. Tudo aconteceu como se a passagem
de uma racionalidade à outra nova, em virtude de uma lógica que não é a de um mero confronto
intelectual, impusesse a essa nova racionalidade que ela viesse a prevalecer mantendo a abrangência
e a simplicidade de sua antecessora. Na verdade, o que estava em questão, muito mais do que a
ideologia ou a política econômica, era um sistema eficaz de normas que operasse, desde o início, em
termos de práticas e comportamentos.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 3 de 9
O neoliberalismo é um fenômeno totalmente novo.

“O capitalismo não cresce simplesmente porque conquista novos territórios,


submete populações cada vez maiores, transforma em mercadoria todos os frutos
da atividade humana. Certamente, este é o modo clássico da acumulação
capitalista tal como foi analisado por Marx, Rosa Luxemburgo e Hilferding. Mas o
capitalismo cresce também de outra maneira, a qual, mesmo sendo quase sempre
esquecida, não é menos poderosa: a da difusão social de um sistema de regras
de ação. Este sistema de normas ultrapassa largamente aquele da empresa para
abraçar, por meio de um processo de ligações cruzadas, múltiplas instituições e
relações sociais. Longe de ser, como se acredita, um obstáculo à extensão da
lógica do mercado, o Estado tornou-se um de seus principais agentes, se não o
seu principal vetor.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 4 de 9
“Sob seu controle [Estado], os instrumentos de política pública
herdados da gestão social-democrática e keynesiana tornaram-se,
paradoxalmente, alavancas para transformar, de dentro, a lógica de
funcionamento da ação pública em função de uma mudança
profunda da sociedade. Por isso, é perfeitamente inepto pensar essa
transformação nos termos convencionais como se viesse para limitar
a intervenção governamental: ela não vem para limitá-la, mas, em
certo sentido, vem para estendê-la, ou melhor, vem para transformar o
Estado e para expandir a lógica do mercado.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 5 de 9
“É esta pelo menos a tese deste trabalho: a autonomização e a
extensão da concorrência não procedem da ação subterrânea de
supostas “leis imanentes da produção capitalista”, algo que a
concorrência veio impor a cada capitalista individual sob a forma de
um “constrangimento externo”.

Muito ao contrário, elas são o efeito de práticas, técnicas, discursos


que generalizam aquilo que no jargão gerencial é chamado de
“melhores práticas” e que, portanto, vem homogeneizar para toda
sociedade certas maneiras de fazer e de ser.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 6 de 9
“Marx apreendeu com clareza a lógica própria que a concorrência
imprime a todo sistema capitalista. Longe de garantir uma coordenação
espontânea das atividades que supostamente beneficia a todos, esta
lógica, aos seus olhos, gera uma instabilidade crônica e crises
recorrentes. Em uma passagem marcante de A Miséria da Filosofia (1847),
ele respondeu nos seguintes termos a Proudhon que definira a
competição como “emulação para a indústria”: “a competição não é
emulação industrial, é emulação comercial. Na verdade, a emulação
industrial só existe em função do comércio. Há mesmo fases na vida
econômica dos povos modernos em que todo mundo é tomado de uma
espécie de vertigem para obter lucro sem produzir.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 7 de 9
● Fundamental para a educação:

O fetichismo da quantidade
“Para pôr os indivíduos em concorrência, para empurrá-los ao máximo
desempenho, é preciso pôr um preço sobre o que eles fazem e mesmo
sobre o que eles são. Avaliar significa dar um valor aquilo que, posto nas
condições específicas de um mercado, apresentaria um preço. Construir
um quase-mercado, portanto, envolve a definição de uma quase-moeda.
É preciso dispor de um sistema de informação que seja análogo ao
sistema de preços que existe num mercado. Um sistema de mercado
concorrencial requer um dispositivo de produção de valor.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 8 de 9
“Agir de modo eficaz se torna, então, agir apenas com base no sistema de informação de
preços. E esse tipo de quantidade, de acordo com Hayek, torna-se o único “conhecimento
relevante” para a ação: “a economia de mercado funciona atribuindo um índice numérico
a cada tipo de recurso escasso, o qual não tem ligação alguma com qualquer
característica desse recurso em particular, mas que reflete – e, assim, resume – o seu
significado tendo em vista a estrutura da produção”.

Ideb:
“Codificar e quantificar uma atividade consiste precisamente em reduzi-la a uma dada
informação, bem simples, a qual permite uma decisão rápida e, eventualmente, uma
sanção mercantil, sem discussão. É bem essa lógica que se espalhou por meio da difusão
das ferramentas que servem ao gerenciamento dos serviços e dos homens no mundo dos
negócios e, agora, nos mais diversos campos de atividade. Por meio desses métodos e
técnicas, toda uma disciplina contábil passa a regular a vida dos indivíduos.”
Pierre Dardot e Christian Laval
Parte 9 de 9
Fabricar a subjetividade contábil

“Trata-se de governar os indivíduos apelando aos seus interesses


pessoais, fazendo com que entrem numa lógica contábil que põe metas
quantificáveis que eles devem atender, assim como sanções que podem
receber.”
Boa provocação
Francisco de Oliveira

“Uma boa pista é dada por Francisco de Oliveira. Para ele, em um mundo
em que “o padrão da crise do desenvolvimentismo [Estado de bem-estar
social desenvolvimentista] tornou-se o padrão normal do período neoliberal
(OLIVEIRA, 2018, p. 68), a “educação se tornou não funcional para a
melhoria do mercado de trabalho” (Ibid., p. 74).

Ou seja, a questão educacional perdeu a funcionalidade sistêmica que a


fez ser incorporada pelo capitalismo, especialmente na forma do modo de
produção social-democrata com a perspectiva do antivalor (OLIVEIRA,
1998).”

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