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A IMPLANTAÇÃO DO NÚCLEO DE TRABALHO, PESQUISA E

PRÁTICAS SOCIAIS NA EEMTI MATIAS BECK – FORTALEZA/CE


Roberta Kelly Santos Maia Pontes

Secretaria de Educação do Ceará – robertakellysm@yahoo.com.br

Resumo:
O presente artigo traz uma análise sobre a implantação do Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas
Sociais (NTPPS) na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Matias Beck, localizada na periferia
de Fortaleza/Ceará. O NTPPS, projeto da Secretaria de Educação do Estado do Ceará, em parceria
com o Instituto Aliança, tem por objetivo o desenvolvimento das competências socioemocionais no
ambiente escolar, através de uma proposta metodológica que perpassa as três séries do Ensino Médio,
tendo como foco de discussão: a escola e a família (1ª série), a comunidade (2ª série) e o universo do
trabalho (3ª série). Durante as aulas, os estudantes são convidados a participarem de vivências,
oficinas, discussões de textos, filmes, músicas, além de produções escritas e artísticas, em que refletem
a importância das competências socioemocionais a partir de temas geradores de interesse. Ao final de
cada ano, é possível observarmos o desenvolvimento dessas competências nos estudantes com a
apresentação de pesquisas desenvolvidas a partir das propostas trazidas pelo NTPPS. Assim,
identificamos o amadurecimento dos estudantes, o protagonismo juvenil, o engajamento com o outro,
a autogestão, a amabilidade, a abertura ao novo e as demais competências socioemocionais que
desenvolvemos nas atividades do NTPPS. Desta forma, o artigo traz uma reflexão, a partir da visão
docente, de como se deu o processo de implantação desta metodologia no ambiente escolar, bem como
sobre o impacto dela para os estudantes que estão em vias de concluir o Ensino Médio e tiveram o
NTPPS como disciplina obrigatória do currículo escolar.

Palavras-chave:
Competências Socioemocionais; Educação Básica; Ensino Médio em Tempo Integral.

INTRODUÇÃO

Refletir sobre as práticas educacionais que envolvem as relações entre a


adolescência, a escola e a comunidade é um desafio que deve ser enfrentado pelos docentes
que se preocupam com os rumos do Ensino Médio brasileiro, que passa por uma
reformulação, a qual culminará com a implantação da base nacional comum curricular
(BNCC) , sobre a qual ainda pesam muitas dúvidas.

Nesse sentido, é importante discutir projetos que estão sendo realizados em vários
lugares do país que priorizam o desenvolvimento integral dos estudantes, não corroborando,
por ventura, para uma proposta que comprometa o aspecto cognitivo da aprendizagem dos
adolescentes.

Assim, iremos apresentar a implantação do Núcleo de Trabalho, Pesquisa e


Práticas Sociais (NTPPS), na Escola Estadual de Ensino Médio em Tempo Integral Matias
Beck, localizada no bairro Vicente Pinzón, na região do Grande Mucuripe, periferia de
Fortaleza.

Salientamos que a região em que a escola está inserida é considerada de alta


vulnerabilidade, com índices preocupantes de assassinatos de jovens, tráfico de drogas, dentre
outros crimes. A situação levou o Governo do Estado a implantar na região o chamado “Pacto
por um Ceará Pacífico”, projeto que envolve vários seguimentos da sociedade em prol da
promoção da cultura de paz. Sendo assim, as escolas da região foram contempladas com
propostas diferenciadas para os estudantes, como o tempo integral e os círculos de paz e
mediação de conflitos.

Nesse boje, no ano de 2015, a Escola Matias Beck foi uma das selecionadas pela
Secretaria de Educação do Ceará para fazer parte do Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas
Sociais (NTPPS). Este projeto já estava em desenvolvimento em outras escolas, as quais,
desde o ano de 2012, faziam parte de um projeto piloto de implantação do Núcleo.

O NTPPS traz em seu bojo a ideia do desenvolvimento integral do estudante,


apoiada na teoria das competências ou habilidades socioemocionais, as quais são consideradas
fundamentais na formação dos jovens na atualidade, uma vez que os ajudam a definir seus
projetos de vida, as escolhas que farão nas áreas pessoais e profissionais, assim como os deixa
mais preparados para lidar com problemas, a se relacionar melhor com seus pares e, além
disso, forma lideranças, estudantes mais responsáveis, curiosos e protagonistas.

Inicialmente, o projeto NTPPS foi pensado a partir de relatório da Unesco que


propõe quatro pilares para o desenvolvimento do ser humano: aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a ser e aprender a conviver. A partir daí, várias ciências se dedicaram ao
estudo das habilidades necessárias para se chegar à proposta da Unesco.

Entre os psicólogos, tem crescido o reconhecimento de que é possível


analisar a personalidade humana em cinco dimensões, conhecidas como
Big Five: abertura a novas experiências, extroversão, amabilidade,
consciência (também traduzida como conscienciosidade, do inglês
conscientiousness) e estabilidade emocional (em inglês, usualment e
identificada na carga de instabilidade emocional, ou neuroticism). Os
Big Five são resultado de uma análise das respostas de questionário s
sobre comportamentos representativos de todas as características de
personalidade que um indivíduo pode ter. Quando aplicados a pessoas
de diferentes culturas e em diferentes mo mentos do tempo, as respostas
a esses questionários demonstraram ter a mesma estrutura, o que deu
origem à hipótese de que os traços de personalidade dos seres humanos
se agrupam efetivamente em torno de cinco grandes domínios.
(PORVIR, 2014)
Desta forma, o projeto foi pensado para desenvolver tais habilidades entre os
jovens do Ensino Médio. Para tanto, os estudantes passam por uma série de discussões de
temas relevantes no seu cotidiano, como a sexualidade, a afetividade, o preconceito, o
bullying, as drogas e o álcool, os problemas ambientais, dentre outros (no 1º ano), o
reconhecimento do pertencimento à sua cidade e comunidade, percebendo-se como parte
integrante da sociedade e aprofundando os conhecimentos sobre suas identidades (2º ano) e,
por fim, as escolhas profissionais, as carreiras, o comportamento exigido no ambiente de
trabalho e na universidade (3º ano).

Essas discussões são pensadas a partir de um material desenvolvido pelo Instituto


Aliança e trabalhado previamente com os professores do NTPPS, em formações periódicas
(bimestrais). Acreditamos que essas formações são essenciais para o bom andamento do
projeto, uma vez que nelas os docentes vivenciam as experiências que levarão para os
estudantes em sala de aula. Assim, acreditamos que a proposta se aproxima do que Freire
reflete acerca do fazer docente, quando diz que:

Uma das tarefas da prática educativo-crítica é propiciar as discussões em que os


educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a
professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser
social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como
sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. (FREIRE, 1996, p. 41)

Desta maneira, nos reconhecemos, enquanto professores, sujeitos capazes de atuar


para a transformação de nossos estudantes e levamos para a sala de aula não apenas mais uma
proposta de transmissão de conhecimento, mas sim uma proposta de discussão, reflexão e
prática sobre o papel de ser cidadão, preparando estudantes para conseguirem obter sucesso
em suas escolhas futuras, uma vez que dedicam um período da vida escolar para refletirem
sobre eles próprios e seu lugar no mundo.

As aulas do NTPPS acontecem em dois encontros semanais, durante 2h/aula,


perfazendo uma carga horária de 200min semanais. Durante as aulas os alunos passam por
uma série de oficinas, que vão desde dinâmicas de grupo a leituras de textos, reflexões sobre
músicas e filmes, dramatizações, produções de textos, dentre outras atividades. O projeto
culmina, a cada ano, com a realização de pesquisas acerca dos temas trabalhados em sala de
aula, devendo os estudantes sistematizarem um projeto de pesquisa, sob orientação de um
professor da escola, apresentarem-no a uma banca examinadora, formada por professores, e,
por fim, realizarem a pesquisa de campo, cujos resultados são tabulados e apresentados em
feiras escolares e ainda devem propor ações para a resolução ou amenização dos problemas, a
partir dos resultados obtidos com as pesquisas.

Após a seleção que contemplou a escola com o projeto, passamos pela primeira
formação de professores. Num primeiro momento, tudo era bastante novo e os professores
que foram convidados para participar desse momento não conseguiam compreender como
seria possível viabilizar a implantação do NTPPS na escola, uma vez que modificaria a
estrutura de horários das turmas que ingressariam no projeto, assim como a lotação dos
professores, mas um ponto era comum: deveríamos sim adotar o projeto na escola.

Cada escola, até então, era selecionada para fazer parte do projeto e podia colocá-
lo em prática da forma como melhor lhe convinha, seja aumentando a carga horária das
turmas ou diminuindo a carga horária de alguma outra disciplina e, até mesmo, propondo a
semestralidade. No caso do MB, no primeiro momento, o componente curricular
Desenvolvimento Pessoal, Social e Pesquisa (DPS/P) foi implantado aumentando a carga
horária das turmas de 1º ano, sem haver diminuição da carga horária de outras disciplinas, e
duas professoras assumiram a disciplina em três turmas, pois acreditamos que. Optamos por
essa adequação ao currículo por acreditarmos que:

É importante ter em vista que um processo de ensino transformador não poderá


deixar-se conduzir por objetivos que explicitem apenas a aquisição de
conhecimentos. Portanto, na definição de objetivos é essencial que os diferentes
níveis de aprendizagem a serem atingidos sejam contemplados: a aquisição, a
reelaboração dos conhecimentos aprendidos e a produção de novos conhecimentos.
É importante ressaltar ainda que, em um processo educativo que se propõe
transformador, os objetivos de ensino deverão estar voltados para a reelaboração e a
produção do conhecimento. Para tanto, deverão expressar ações, tais como a
reflexão, a curiosidade, a investigação e a criatividade. (LOPES, 2004, p. 60)

Foi um período de muitos desafios. Vale ressaltar a resistência dos estudantes em


aceitar a proposta de ficar na escola por mais uma hora aula todos os dias, bem como de
passar a ter aulas de uma disciplina sobre a qual eles não entendiam muito bem o que traria de
impacto para as suas vidas, já que não era mais uma aula de conteúdos tradicionais, o que
fazia muitos não valorizarem aqueles encontros.

Com a persistência, experiência e garra das professoras que assumiram essa


disciplina, as aulas foram acontecendo e a escola começava a passar por uma mudança de
paradigmas na forma de conduzir as aulas e também de acolher os estudantes, pensando em
maneiras diferenciadas de resolver os problemas de sala de aula, como a indisciplina, o
bullying e a violência.
Desta forma, no primeiro ano de NTPPS na escola já foram muitas as conquistas e
podemos ressaltar, dentre todas elas, a realização da feira em que os trabalhos foram
apresentados e o sucesso dos estudantes com as pesquisas realizadas, cujos temas versavam
sobre as mais diversas análises: violência na escola, gravidez na adolescência, bullying,
conservação do patrimônio escolar, consumo de álcool e outras drogas, dentre outros.

Em 2016, essas mudanças ganharam uma dimensão ainda maior, uma vez que a
escola foi selecionada pela Secretaria de Educação para fazer parte de um projeto-piloto do
Governo do Estado que visava à implantação de escolas de ensino em tempo integral, mas que
não tinham a mesma linha pedagógica das escolas profissionalizantes. Nesse caso, as novas
escolas de tempo integral teriam um aumento da carga horária para os estudantes, que
passariam o dia todo na escola e participariam de aulas das disciplinas da base comum
curricular, intercaladas por aulas de disciplinas eletivas, previamente propostas pelo núcleo
gestor das escolas, a partir dos anseios percebidos pela comunidade escolar.

Desta maneira, o NTPPS passou a fazer parte do currículo base das escolas de
tempo integral, sendo obrigatória a implantação deste projeto em todas as EEMTIs. É
necessário observar, ainda, que, com este processo de integralização das escolas, houve uma
mudança no planejamento do projeto, uma vez que ele passaria a atender a uma nova
realidade, que eram as escolas de tempo integral e, por isso, no ano de 2017, o material
pedagógico passou a ser atualizado e reformulado, para dar conta desta nova situação das
escolas.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a construção deste artigo foi a da observação


participante:
A técnica de observação participante se realiza através do contato direto do
pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade
dos atores sociais em seus próprios contextos. O observador, enquanto parte do
contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados.
Nesse processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar e ser modificado pelo
contexto. A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma
variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas,
uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de
mais imponderável e evasivo na vida real. (CRUZ NETO, 2001, p. 59-60).

Este contato com o objeto de pesquisa foi possível uma vez que ministramos as
aulas da disciplina de NTPPS (durante os três anos do projeto – 2016 a 2018) nas primeiras
turmas da escola que fizeram parte do tempo integral. Dessa forma, como já
acompanhávamos estas turmas desde o 8º ano do Ensino Fundamental, como docente da
disciplina de História, foi bastante interessante perceber o desenvolvimento dos estudantes a
partir da participação deles nas atividades do projeto.

Além disso, para dar corpo à discussão trabalhamos também com questionários
que foram respondidos pelos professores das referidas turmas, para que expusessem suas
opiniões acerca do comportamento dos estudantes, uma vez que é na sala de aula e no
contexto escolar como um todo que podemos identificar o desenvolvimento das habilidades
socioemocionais nos jovens.

Desta forma, foi possível juntar as nossas observações e dos colegas professores, a
fim de identificar os aspectos mais relevantes desenvolvidos pelos estudantes e como eles
vem colaborando para a transformação da escola e das perspectivas de vida desses jovens.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Acreditamos que três fatores foram fundamentais para a mudança gradual da


perspectiva de escola do EEMTI Matias Beck e estão intrinsecamente relacionados: a
implantação do NTPPS, do tempo integral e da mediação de conflitos no ambiente escolar
(proposta também abraçada pelo núcleo gestor da escola, em 2016, e colocada em prática com
o auxílio da ONG Terre des Hommes).

No ano de 2018 encerramos o primeiro ciclo de turmas do Ensino Médio que


passaram por todo este processo de transformação da escola. Acompanhamos estas turmas
como docente responsável pelo NTPPS e também como Professor Diretor de Turma (PPDT)
de uma delas. Muitas são as experiências que temos a partilhar e muitos ainda são os desafios
que estão postos para serem solucionados.

Podemos observar que o NTPPS continua sendo uma disciplina sobre a qual os
estudantes não tem uma opinião formada. Percebemos, nas conversas em sala de aula e nos
corredores, que a maioria deles é esclarecida sobre a perspectiva do projeto e que vê nas aulas
e na realização da pesquisa os objetivos do desenvolvimento das competências
socioemocionais sendo colocados em prática.
Entretanto, alguns deles ainda são resistentes à proposta, não participando
efetivamente das aulas, discussões, oficinas e pesquisas, bem como não compreendem como
esses momentos podem ajudá-los a desenvolver seus projetos de vida, uma vez que tem a
visão tradicional de ensino, que é focada no estudo das disciplinas da base comum.

A experiência na condução do NTPPS, acompanhando as turmas durante todo o


Ensino Médio, nos mostra, todavia, que são muitas as conquistas. Percebemos, por exemplo,
um claro amadurecimento dos estudantes, o surgimento de lideranças, o protagonismo
estudantil e, além de tudo isso, uma mudança positiva nas relações pessoais entre os
estudantes e também entre eles e os professores, fazendo da escola um espaço cada vez mais
seguro para os jovens, onde eles se sentem acolhidos e são vistos, com suas individualidades,
fraquezas e sentimentos.

É importante ressaltar que a adolescência é um período bastante complexo e que é


aí que muitas das transformações pessoais acontecem:

A perda de segurança em relação aos pais, que deixam o papel de


“heróis”, leva o adolescente a buscar, no grupo de amigos, o abrigo e a
proteção que antes vinham da família. Nesse processo o adolescente
encontra-se muitas vezes perdido num mundo que ainda não é seu: a
maturação psicológica não acompanha o desenvolvimento sexual, e
ele irá utilizar o grupo para se proteger das suas angústias e temores.
Essa referência grupal atua como elemento facilitador para a aceitação
de sua nova condição de ex-criança e quase-adulto junto aos seus
iguais, que se encontram na mesma situação. Eles tanto se ajudam em
situações de dificuldade, apoiando-se mutuamente, formando
grupinhos, como também são implacáveis na exclusão daqueles que,
por algum motivo, não se encaixam nos padrões estabelecidos por
eles. (CARVALHO e PINTO, 2009, p. 13)

Por isso, é importante, enquanto docentes, estarmos atentos para o


desenvolvimento integral destes jovens, uma vez que

O encorajamento da autonomia adolescente, quando ocorre em um contexto de


apoio e de proximidade afetiva entre os pais, os educadores e os adolescentes,
permitindo o desacordo e a expressão de pontos de vista alternativos, propicia um
ótimo ambiente para o desenvolvimento da autoconfiança, da autoestima, de
responsabilidades, enfim, da identidade do adolescente, pois esses amadurecem
quando são reconhecidos, respeitados e apoiados. (IDEM)

Ao longo de todo esse processo, muitas foram as experiências que juntos


construímos, desde as primeiras aulas do NTPPS, no intuito sempre de proporcionar esse
crescimento pessoal dos estudantes. Durante as atividades do Núcleo, discutíamos questões
relativas à superação de problemas (resiliência), à concepção de família como o lugar em que
nos sentimos bem e acolhidos, ao universo da sexualidade, dos problemas relativos à vida dos
jovens, como a gravidez na adolescência, a maternidade precoce, o consumo de álcool e
outras drogas, bem como o sentimento de pertencimento à comunidade e, por fim, a imersão
nas discussões referentes ao ingresso na vida acadêmica e profissional.

Nessas oportunidades, foi fácil ir identificando, aos poucos o crescimento e o


amadurecimento dos jovens, percebendo, a cada vivência proposta nas aulas do NTPPS, suas
bagagens socioculturais, trazidas de um ambiente hostil, em que convivem diariamente com a
morte de amigos, parentes e conhecidos, o tráfico de drogas, o desemprego, problemas de
relacionamento com as famílias, alcoolismo, prostituição, dentre outros.

Então, em cada uma das falas dos estudantes, suas atitudes, gestos, sorrisos e
lágrimas, foi possível conhecê-los cada vez melhor, muitas vezes conseguindo identificar
problemas que repercutiam nos seus fracassos escolares, como as repetições de séries e notas
baixas.

Com o decorrer do processo, vamos aprendendo juntos a lidar com essas


situações, a abrir e fechar portas e nós e os estudantes passamos a nos reconhecermos nos
demais, gerando um agrupamento seguro, onde podem expor suas opiniões, questionamentos,
reflexões, angústias e, claro, onde também partilham momentos de delicadezas, afetos e
alegrias.

Tudo isso culminou com as pesquisas realizadas pelos estudantes nos anos de
2016 e 2017, em que refletiram sobre as problemáticas do ambiente escolar, bem como da
cidade e comunidade. Atualmente, os estudantes realizam as atividades do projeto que visam
à reflexão sobre o mundo do trabalho.

No 1º e 2º ano do Ensino Médio dessas turmas foram desenvolvidas 20 pesquisas,


as quais versavam sobre os seguintes temas: bulliyng (1), drogas (2), gênero (1), sexualidade
(2), meio ambiente (2), saúde na comunidade (2), cultura (2), alimentação escolar (1),
homofobia e diversidades sexuais (2), esporte e lazer (1), economia e turismo (2), segurança
(1) e história da comunidade (1).

Dentre essas pesquisas podemos destacar abordagens bastante interessantes, como


a visão dos estudantes da escola sobre o papel da mulher na sociedade atual, a ocorrência de
bullying em determinadas turmas da escola, o desperdício da alimentação escolar após a
implantação do tempo integral, quando os estudantes passaram a fazer três refeições na
escola, o desperdício de água no ambiente escolar, o preconceito quanto às diversidades
sexuais, o alto índice de gravidez entre as alunas da escola, a promoção da saúde do idoso na
comunidade, a visão dos moradores sobre os postos de saúde, dentre outros aspectos relativos
à vida dos jovens na escola e na comunidade.

Os resultados dessas pesquisas trouxeram à tona situações problema que passaram


a ser não somente reconhecidas, mas também trabalhadas dentro do ambiente escolar, como o
problema do desperdício de água e alimentos. A proposta dos estudantes para diminuir o
consumo de água, por exemplo, foi conscientizar os demais colegas quanto ao gasto de água
no banho e na escovação dos dentes, levando a uma mudança clara no que diz respeito à
economia de água. Já, um outro exemplo, foi a pesquisa que identificou a presença de vários
aspectos do machismo no ambiente escolar, levando uma reflexão das estudantes da escola
acerca do tema, bem como o surgimento de outras pesquisas relacionadas a essas questões.

É aí que fica notório o envolvimento dos estudantes nos trabalhos em grupo, o


surgimento das lideranças nas turmas do NTPPS, bem como afloram as responsabilidades, a
administração dos problemas, a consciência em realizar bons trabalhos, a confiança nos
colegas e professores, características essas que passam a serem percebidas também no
comportamento dos estudantes nas demais disciplinas escolares.

A partir da aplicação de questionários com os demais professores das turmas em


estudo, perfazendo um total de 12 docentes, percebemos que eles também visualizam os
avanços obtidos com as mudanças de perspectivas da escola. Por exemplo, os professores são
unânimes em identificar que os alunos possuem “abertura ao novo”, mesmo que um grupo de
professores acredite que nem todos desenvolveram essa habilidade.

Também percebem que, apesar de ainda existirem as chamadas “panelinhas”, os


estudantes das turmas tem uma boa relação com os demais alunos, não gerando um clima de
hostilidade e intrigas no ambiente escolar. A mesma coisa acontece com relação ao tratamento
dado pelas turmas aos professores, uma vez que todos os respondentes se julgaram acolhidos
pelas turmas e apenas dois disseram ter passado por alguma situação em que se sentiu
desrespeitado por esses estudantes.

A maioria dos professores também identifica a facilidade de formar grupos para


realizar atividades em equipe e consideram que os resultados dessas atividades são
satisfatórios. Outro ponto que os docentes identificam é o engajamento dos estudantes nas
atividades escolares, como feiras, jogos interclasses, grêmio estudantil, dentre outras, apesar
de observarem que apenas um grupo geralmente participa mais desses momentos.

Quanto ao protagonismo, os docentes julgam que são vários os estudantes das


turmas que se destacam como protagonistas, em situações diversas, e, o que é mais
interessante, não sendo sempre as mesmas pessoas a sobressaírem nas atividades. Somente
dois professores apontaram que não percebem o protagonismo nas turmas.

Sobre outros pontos, os professores avaliaram que ainda carecem ser mais
desenvolvidos, como a questão das responsabilidades. A maioria dos professores aponta
terem percebido um aumento das responsabilidades dos estudantes acerca das suas obrigações
enquanto discentes, mas ainda julgam que parte dos estudantes relaxa em alguns aspectos,
levando em consideração situações como entrega de atividades, conservação do material
escolar, respeito aos horários e normas da escola. Quanto ao futuro acadêmico/profissional,
poucos professores sentem que os alunos estejam aptos a resolver situações-problema, bem
como que tenham definido projetos de vida e estejam empenhados em alcançá-los.

Por fim, os professores das turmas foram unânimes em acreditar que os projetos
desenvolvidos na escola, após a implantação do tempo integral, como o NTPPS, a mediação
escolar e também o PPDT, colaboraram satisfatoriamente para o desenvolvimento
socioemocional dos estudantes, pois percebem que boa parte deles amadureceu neste período,
apesar de não terem claramente definido projetos de futuro.

CONCLUSÃO

Concluímos, assim, que foi visível o processo de amadurecimento dos estudantes,


como aqueles que não se sentiam atraídos para participar das primeiras discussões e, aos
poucos, passaram a se interessar pelas aulas, contribuir com as discussões e trabalhar com
afinco no processo de pesquisa, bem como aqueles que desde o princípio já se mostravam
interessados e ao longo das aulas iam se revelando como lideranças em suas turmas e, para
além disso, lideranças na própria escola, fazendo parte de outros projetos e do Grêmio
Estudantil.

Como em tudo, não podemos afirmar que a proposta do NTPPS atingiu a todos os
estudantes do MB que estão concluindo o Ensino Médio, mas acreditamos que o projeto
colaborou significativamente para a formação de cidadãos mais conscientes, mais
responsáveis, mais participativos e reflexivos, com a capacidade de identificarem-se como
parte integrante da sociedade e conscientes do seu papel como homens e mulheres do século
XXI.

Acreditamos, ainda, que o sucesso do projeto seria mais satisfatório se houvesse


um aporte material que desse o suporte necessário para a realização de todas as atividades
propostas no material didático, o que muitas vezes acaba sendo prejudicado por questões
logísticas, como a falta de tempo ou local adequado para a projeção de uma mídia ou mesmo
a escassez de materiais como data-show, Xerox, cartolinas, colas, lápis de cor, canetinhas e
etc., que são extremamente necessários para a realização adequada de várias das oficinas.

Por fim, é preciso ressaltar que o sucesso do projeto tem sido construído não
apenas com a dedicação dos estudantes e professores envolvidos, mas também com o apoio
do Núcleo Gestor da escola e o suporte que é dado através das formações periódicas
articuladas em parceria da SEDUC com o Instituto Aliança. Esses momentos são
fundamentais para os docentes compreenderem os objetivos de cada vivência proposta para
ser levada à sala de aula, bem como ajudam a trabalhar alguns temas mais sensíveis
primeiramente entre os pares para depois serem levados para o ambiente da escola, o que dá
uma maior segurança ao professor que irá desenvolver o projeto na ponta, junto aos jovens.

Sem as formações, certamente, o NTPPS não teria sucesso, uma vez que seria
muito difícil para os docentes, que não são preparados pela universidade para lidar com outros
assuntos que não os de suas áreas de atuação. Além disso, a perspectiva de pensar o estudante
como indivíduo, que carrega com ele todo um arcabouço sociocultural e emocional, é nova no
campo da educação e precisa ser discutida e trabalhada com muito mais ênfase, a fim de
preparar profissionais educadores que estejam aptos para lidar com as novas realidades sociais
que, muitas vezes, no ambiente escolar, são escondidas, ou pior, ignoradas.

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