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Ego Ideal e Ideal de Ego - Uma Prisão Psicológica

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CURSO DE PSICANÁLISE INTEGRATIVA 2021

FABIANA BERTIN CHUBA

EGO IDEAL E IDEAL DE EGO: Uma prisão


psicológica

LOCAL SÃO PAULO


ANO 2022
FABIANA BERTIN CHUBA

EGO IDEAL E IDEAL DE EGO: Uma prisão psicológica

Trabalho apresentado a SBPI (Escola –


Sociedade Brasileira de Psicanálise Inte-
grativa) como requisito para obtenção do
título de psicanalista.

Orientador: Psicanalista. Valéria Reis (psi-


canalista formada pela SBPI)

SÃO PAULO
2022
À minha família..

Ao meu cunhado, Fabio Baldassari, que me


sugeriu a psicanálise no momento de transição
de carreira por questões pessoais. Ao meu es-
poso, Luiz Guilherme Palhares, que esteve ao
meu lado nesse momento tão importante e que
sempre me apoiou em buscar o melhor para
mim.
AGRADECIMENTOS

A vida por me mostrar o caminho


A Prof. Dr. Fátima Moura, pelas excelentes aulas
A Prof. Dr. Regina por ter me ensinado Lacan de forma clara e objetiva
A minha psicanalista e supervisora, Valéria Reis, que me ajudou a
enxergar as minhas sombras e meus medos. Me conhecendo melhor pude elaborá-
los e superar muito deles e outros (conhecidos e ainda desconhecidos) continuo a
trabalhar no caminho do autoconhecimento.
Aos meus analisandos que me ajudaram a construir essa estrada e me
ensinaram a essência de ser um psicanalista. A troca de energia entre psicanalista e
analisando é essencial para o crescimento de ambos na jornada da individuação.
Somos sempre espelhos interativos.
" Leva muito tempo para perceber que a fe-
licidade e a infelicidade dependem de você,
porque é muito confortável para o ego achar
que os outros estão fazendo você infeliz.”
"
Osho
RESUMO

Baseado em um caso da clínica psicanalítica explora-se nesse estudo


observações sobre o conceito de ego, superego e a relação deste com o ego
ideal e ideal do ego. Analisar a formação dessas instancias e o desenvolvimento
ao longo da vida do indivíduo proporciona excelente material para o manejo da
psicoterapia como também, o entendimento do funcionamento do ego diante das
exigências do superego, ego ideal e ideal de ego. O ideal de ego torna-se um
elemento essencial nesta proposta de investigação, na medida em que se
diferencia da instância superegóica, alcançando um estatuto metapsicológico
próprio. Entende-se, pois, ser na articulação dessas duas instancias que reside a
possibilidade de explorar as consequências e afetos no indivíduo referente à
submissão do ego. A relevância dessas observações é a possibilidade de um
avanço na compreensão destes conceitos na prática clínica e os possíveis
transtornos causados no indivíduo quando são exacerbados. A metodologia
utilizada foi uma revisão dos conceitos da obra de Sigmund Freud e de outros
autores e a sua aplicabilidade na prática. O argumento foi desenvolvido pela
análise de fragmentos de um caso - vítima de uma neurose com transtorno
narcísico predominante. Pressupõem que, se houver um equilíbrio das forças que
estão em jogo nos conflitos do superego e do ideal do ego, será possível,
flexibilizar suas exigências permitindo uma qualidade de vida psicoemocional e
mais próxima da realidade. O resultado da terapia dependerá muito mais do
analisando em querer mudar seu padrão psicológico do que o próprio manejo do
psicanalista. Em casos de narcisismo com este a tendência é o abandono da
análise no meio do processo, visto que, a dor de recuperar o self e entrar em
contato com os sentimentos reprimidos aproximando-se da realidade é
insuportável e aterrorizante.

Palavras-chave: Ideal de Ego; Ego ideal; Narcisismo; Dissociação do Self.


ABSTRACT

Based on a case from the psychoanalytic clinic, this study explores observations on
the concept of Ego, Superego and its relationship with the ego ideal. Analyzing the
formation of these instances and the development throughout the individual's life pro-
vides excellent material for the management of psychotherapy as well as the under-
standing of the functioning of the Ego in face of the demands of the Superego and
Ego Ideal. The Ego Ideal becomes an essential element in this research proposal,
insofar as it differs from the Superego instance, achieving its own meta psychological
status. It is understood, therefore, that it is in the articulation of these two instances
that lies the possibility of exploring the consequences and affections in the individual
regarding the submission of the Ego. The relevance of these observations is the pos-
sibility of an advance in the understanding of these concepts in clinical practice and
the possible disorders caused in the individual when they are exacerbated. The
methodology used will be a review of the concepts of the work of Sigmund Freud and
other authors and their applicability in practice. The argument will be developed by
analyzing fragments of a case - victim of a neurosis with predominant narcissistic
disorder. They presuppose that, if there is a balance of the forces that are at stake in
the conflicts between the Superego and the Ego Ideal, it will be possible to make
their demands more flexible, allowing for a psycho-emotional quality of life that is
closer to reality. The outcome of the therapy will depend much more on the patient’s
will to change his psychological pattern than on the psychoanalyst's own handling. In
cases of narcissism like this, the tendency is to abandon the analysis in the middle of
the process, since the pain of recovering the self and getting in touch with the re-
pressed feelings is unbearable and terrifying.

Key-words: Ego Ideal, Narcisism, Self Dissociation


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 7
2 IDEAL DE EGO E EGO IDEAL: O CONCEITO NA PRÁTICA A
PARTIR DE UM CASO CLÍNICO 11
2.1 A formação do superego, ideal de ego e ego ideal 11
2.2 Relatos de um analisando 13
2.3 Vozes do Ego, Superego e seus derivados 15

3 A PRISÃO PSICOLÓGICA DO IDEAL DE EGO 29


3.1 Narcisismo - Negação dos sentimentos 29
3.2 Mecanismos de defesa 35

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 37

5 REFERÊNCIAS 40
7

INTRODUÇÃO

Superego, Ego ideal e ideal de ego, qual a diferença e como eles estão
presentes no psiquismo humano? Para entendermos esses conceitos criados por
Freud em 1914 (Para a introdução do Narcisismo) iniciaremos com uma breve des-
crição das fases psicossexuais do indivíduo.
O desenvolvimento psíquico dá início no nascimento com a fase oral, na
qual o bebê tem apenas pulsões e luta pela sua sobrevivência, não se vê como um
indivíduo, acredita fazer parte da mãe e sua zona erógena predominante é a boca.
Essa fase se encerra por volta dos 18 meses de idade quando a criança entra na
fase anal com duração aproximada até 3 anos de idade; se reconhece como um in-
divíduo independente da mãe, percebe o mundo externo e seu relacionamento com
o outro com a introdução da figura paterna, o ânus passa a ser a zona erógena prin-
cipal, sendo o primeiro contato com o poder de controlar algo proporcionando prazer
em expelir e reter as fezes. A fase seguinte é chamada de fálica e compreende dos
3 aos 6 anos de idade, é nessa fase que a criança se depara com o Complexo de
Édipo e de Castração, ela se apega ao genitor do sexo oposto temporariamente e
identifica-se com o genitor do mesmo sexo, a zona erógena está relacionada aos
órgãos genitais e o prazer ligado a exposição desses, como não é permitido pelos
pais a exposição é transferida para o corpo de modo geral através da dança, graci-
nhas infantis, ginástica e qualquer outro tipo de exposição, nessa fase a criança de-
manda pela atenção dos genitores, para que eles a observe e observe seus gestos.
A passagem dessa fase é crucial para o desenvolvimento psíquico da criança e for-
mação do ego e superego e consequentemente as relações sociais e afetivas na
fase adulta, é caracterizado pela ambivalência dos sentimentos; ódio e amor em re-
lação aos genitores.
Conforme Freud o complexo edipiano é universal, os desejos e fantasias
de incesto com o genitor do sexo oposto e a raiva homicida contra o genitor do
mesmo sexo é comum a todos os seres humanos, a questão é como cada um per-
corre por essa fase e os impactos que têm na vida adulta.
A mãe é o primeiro provedor de cuidados tanto dos meninos quanto das
meninas. Essa condição estabelece uma poderosa ligação que provavelmente nun-
ca será de fato rompida. Contudo, essa ligação contém um aspecto assustador para
a criança, a mãe tem um poder avassalador e as perspectivas da criança de desen-
8

volver individualidade e autonomia podem ser significantemente ameaçadas por es-


se poder. O elemento do mundo externo para equilibrar essa relação é a figura pa-
terna, que desempenha um papel menos relevante por não estar tão presente quan-
to a mãe, porém ele também representa o desconhecido com a sua fascinante liber-
dade. A criança passa a ver o pai como uma pessoa mais poderosa que a mãe por
suas atitudes, porte físico e pelo ambiente sociocultural que está inserida, onde ain-
da a predomina o domínio da masculinidade. A medida que o papel do pai adquire
importância nessa relação, surge uma ligação entre o pai e a criança como um meio
de neutralizar o poder da mãe.

A relação triangular passa a ser diferente para meninos e meninas. Os


meninos sabem que são semelhantes ao pai em um aspecto significativo, o pênis,
não encontrado na mãe. De modo inverso, as meninas percebem que a ausência de
um pênis é uma diferença visível do pai. Freud acreditava que tanto os meninos
quanto as meninas achavam que não ter pênis era ser incompleto e inferior. E a hi-
pótese infantil mais provável para explicar essa diferença é de a menina ter perdido
o pênis que um dia teve.

Para o menino, com cerca de 5 anos, o pai aparece como um auspicioso


antídoto ao poder assustador da mãe. Identificar-se com o pai proporciona um sen-
timento do seu próprio poder e, de fato, o pai ter um pênis representa um importante
sinal de semelhança entre pai e filho diferenciando- o da mãe. O pênis se torna um
símbolo do poder paterno (falo), do eventual poder do filho e do poder da masculini-
dade. Assim identifica-se com o pai protegendo-se do poder materno. O pai o aco-
lhe, reconhecendo-se como um menino e, desse modo, identifica-se com ele estabe-
lecendo uma camaradagem masculina.

Embora o menino fuja do poder assustador de sua mãe, ela ainda é o seu
primeiro amor. A medida que ele se identifica com o pai e que percebe a importância
do pênis, o amor inicial pela mãe assume a forma de desejo erótico. Além de sua
identificação com o pai, o menino o enxerga como um rival nessa nova forma de
amor pela mãe, o que faz com que ele sinta ressentimento e hostilidade. A rivalidade
com o pai é perigosa e, portanto, surge o medo de ser eliminado e ao mesmo tempo
a culpa de querer tomar o lugar do pai no relacionamento com a mãe. O curso inevi-
9

tável da vida inconsciente de um menino faz com que ele entre em um conflito agu-
do e doloroso com dois dos mais proibidos dos desejos: o incesto e o patricídio.

Enquanto o objeto de amor edipiano do menino é a mesma pessoa que


ele amou e de quem necessitou desde o início, a menina tipicamente muda sua ori-
entação da mãe, seu vínculo inicial, para o pai, seu novo objeto amoroso. A menina
também necessita de um antídoto contra o poder avassalador da mãe para estabe-
lecer sua independência.

Como o menino, ela se volta para o pai e, nesse momento, tem um desa-
pontamento. Não consegue se identificar com o pai da mesma forma que o menino
em virtude da diferença fisiológica entre eles, a ausência do pênis é fator significati-
vo para essa relação. Em geral, o pai não a acolhe como uma pequena camarada,
fica mais propenso a tratá-la como uma pequena criatura, adorável e sedutora. Sur-
ge então a primeira consequência dolorosa de não ter pênis; é excluída da identifi-
cação e da camaradagem com seu poderoso pai, que poderia protegê-la do poder
avassalador da sua mãe e defender sua demanda por autonomia e individuação.
Diante desse dilema surge a hipótese de que o amor da mãe pelo pai é erótico e se
a menina, ainda fortemente identificada com a mãe, for amante do pai poderá possu-
ir o pênis do pai compartilhando o seu poder. Nesse raciocínio o principal objeto de
amor deixa de ser a mãe e passa a ser o pai.

O relacionamento da menina com a mãe entra em uma fase extremamen-


te complicada, de um lado a mãe como seu primeiro amor e pessoa com quem se
identifica e por outro sua rival em relação ao amor do pai. Em resumo o Complexo
de Édipo nas meninas é um desejo erótico pelo pai, associado a uma rivalidade con-
fusa, ambivalente e raivosa com a mãe. Por causa de seu poder, a mãe sempre foi
tanto temida quanto amada, e agora a menina tem uma nova razão para esse medo.

Menino e menina temem o poder avassalador da mãe e voltam-se para o


pai em busca de proteção. Ambos acabam desejando o progenitor do sexo oposto e
considerando o progenitor do mesmo sexo como um rival. O menino depende de
sua semelhança com o pai para obter sua proteção, e a menina de sua atratividade.
O menino acaba desejando o progenitor que ele sempre amou e de quem foi depen-
dente. A menina tem de fazer a transição do amor pela mãe para o amor e desejo
pelo pai.
10

Se for menina, não existe nenhum meio pelo qual ela possa substituir a
mãe como amante do pai sem que os resultados sejam desastrosos. Sua tarefa ago-
ra é se desembaraçar dessa posição insustentável, de uma maneira que lhe propor-
cione as melhores chances possíveis de ter uma adolescência e vida adulta saudá-
veis. Isso significa a melhor adaptação sexual possível. A forma como ela resolve o
Complexo de Édipo indicará em que medida ela poderá se aceitar como mulher, e
terá um impacto importante nos seus relacionamentos com homens e mulheres.

A menina pode emergir se sentindo culpada em relação ao sexo ou aos


seus relacionamentos com mulheres mais velhas, pode entrar em conflito com a sua
identidade sexual e pode ter sua vida amorosa seriamente dificultada por uma inabi-
lidade de se sentir apaixonada e afetuosa pela mesma pessoa. O menino enfrenta a
mesma tarefa e as mesmas armadilhas, embora existam diferenças. Pode ser que
ninguém passe por essa crise de desenvolvimento sem ficar com algumas marcas e
alguns fardos duradouros nas costas. Pais sensíveis e amorosos podem reduzir o
fardo, mas provavelmente não podem eliminá-lo.

Em ambos os casos os desejos do período edipiano despertam a ansie-


dade de castração e como a criança não está madura fisicamente e nem sexualmen-
te só poderá resolver esses conflitos se renunciar ou controlar por diversos meca-
nismos de defesa do ego.

Após a passagem do Complexo de Édipo a criança entra na fase fálica,


dos 6 anos a puberdade, um período de calmaria dos impulsos sexuais, os quais
retornam na fase genital que se inicia na puberdade até a idade adulta quando a
sexualidade está madura.

Importante relembrar esses conceitos para uma melhor compreensão do


caso de uma neurose narcísica e o comportamento do superego e do ideal de ego
na clínica psicanalítica.

O caso em questão foi alterado para preservar a identidade da pessoa e


a confidencialidade do material, embora o conteúdo seja original, não é possível tra-
zer todos os fatos transcorridos ao logo das sessões analíticas e, portanto, essa é
uma produção do analista baseada em anotações, falas e histórias descritas pelo
analisando.
11

2 EGO IDEAL E IDEAL DE EGO: O CONCEITO NA PRÁTICA A PARTIR DE UM


CASO CLÍNICO

2.1 A formação do superego, ego ideal e ideal de ego

Freud em 1896 fala pela primeira vez sobre o aparelho psíquico e ao


aprimorar seus estudos apresenta 2 hipóteses as quais fazem parte dos conceitos
básicos da psicanálise. A primeira hipótese remete a topografia, responsável pelo
local (forma subjetiva) da mente e foi dividida em três níveis: CONSCIENTE, com-
preende a menor parte e armazena as informações mais recentes; PRE-
CONSCIENTE local onde estão armazenadas as lembranças de fácil acesso, possi-
bilitam execuções motoras sem muita exigência e; INCONSCIENTE, é a maior parte
da mente, estão armazenadas lembranças, ideias e experiencias indisponíveis ao
consciente. A segunda hipótese trata-se da parte estrutural, ou seja, os aspectos
funcionais entre o consciente, pré-consciente e inconsciente. São eles ID, EGO e
SUPEREGO. O EGO é a expressão da consciência em respostas aos estímulos in-
ternos e externos. ID, impulsos biológicos (dor, fome, sede, necessidade de carinho,
atenção, agressividade etc.), nos leva ao desejo por conta da falta. SUPEREGO re-
fere-se as censuras, crenças, aprendizados, leis e ordem que nos são introjetados
pelos pais e sociedade (educação) baseados nos princípios morais. Assim, a mente
funciona como um computador onde o HD é a topografia e o software a sua estrutu-
ra.

EGO e SUPEREGO são derivados do ID e desenvolvidos ao longo da


primeira e segunda infância. O SUPEREGO se forma por uma modificação de parte
do ego devido às exigências e introjeções do mundo externo, como se houvesse um
desmembramento do ego em relação a suas funções.

Superego, seu papel é assimilável ao de um juiz ou de um censor


relativamente ao ego. Freud vê na consciência moral, na auto-observação,
na formação de ideias, funções do superego. Classicamente é definido
como herdeiro do complexo de Édipo, constitui-se por interiorização das
exigências e das interdições parentais (VOCABULÁRIO DA PSICANÁLISE,
1983, p.643).
12

Por herdeiro do complexo de édipo, fica entendido que a criança ao re-


nunciar à satisfação de seus desejos edipianos, transforma o seu investimento nos
pais em identificação com eles interiorizando a imagem do superego deles, ou seja,
assimilando o mesmo conteúdo de juízos e valores que são passados por gerações
de pai para filho.

Há outras duas variações do ego que serão pautadas no caso clínico; ego
ideal e ideal de ego.

Ego ideal é definido por diversos autores como um ideal narcísico de oni-
potência adulterado a partir do modelo do narcisismo infantil. É o processo de ideali-
zação da personalidade pelo qual o indivíduo tem como objetivo retomar o estado de
onipotência do narcisismo infantil. Para Daniel Lagache, (psicanalista francês 1903-
1972), o ego ideal serve de suporte proveniente de uma identificação primária com a
mãe, chamada de identificação heroica (identificação com personagens excepcio-
nais e prestigiosos) e é revelado por uma administração apaixonada por persona-
gens da história ou pessoas caracterizados pela independência e orgulho. Para La-
can, também é uma formação narcísica que tem a sua origem na fase do espelho e
pertence ao registro do imaginário. Na clínica ele aparece na conjugação do verbo
no presente do indicativo (Eu sou!) construção baseada na fantasia ilusória da oni-
potência, “ter é igual a “ser” e por isso o sujeito sempre busca o máximo de si mes-
mo. As identificações são primárias e superficiais, diante de frustrações, o sentimen-
to que emerge é o de humilhação.

Ideal de ego, resultante da convergência do narcisismo (idealização do


ego) e das identificações com pais, com os seus substitutos e com os ideais coleti-
vos. Por fim, o ideal de ego é a criação de um modelo ilusório que o indivíduo procu-
ra se encaixar. A função de ideal é atribuída a uma subestrutura do superego, em
Para Introdução do Narcisismo, 1914 a expressão deu vida a uma formação intrap-
síquica de origem principalmente narcísica que serve de referência ao ego para
apreciar as suas realizações efetivas. O que o sujeito projeta diante de si como seu
ideal é o substituto do narcisismo perdido da sua infância, na qual o seu ideal era ele
mesmo. Há muita discussão em torno da expressão ideal de ego e muitos autores
referem-se ao superego como ideal de ego, o que não pode ser descartado baseado
no texto de Freud Novas Lições de Introdução à Psicanálise, 1932. No qual o supe-
13

rego aparece com uma estrutura com três funções; auto-observação, consciência
moral e função do ideal. A diferença entre a consciência moral e a função do ideal
está relacionada ao sentimento que acompanha, na primeira o sentimento de culpa
e na segunda o sentimento de inferioridade, os quais são resultado de uma tensão
entre o ego e o superego. Para Hermann Nunberg (psicanalista polonês 1884-1970)
o ego obedece ao superego por medo do castigo e submete-se ao ideal de ego por
amor, dessa forma o superego é formado pelos personagens temidos e o ideal de
ego pelos amados. D.Lagache menciona uma relação estrutural onde o superego
remete à autoridade e o ideal de ego à forma como o sujeito deve se comportar para
atender às expectativas do superego.

O ideal de ego acaba sendo o herdeiro do ego ideal, projeções nos pais
adicionando às aspirações deles. O tempo verbal do ideal de ego é o futuro condici-
onal (“devo ser”, “se não...”). o ideal de ego está muito presente nos estados narcísi-
cos e fóbicos. O sentimento predominante é o de culpa e vergonha pelo fracasso
diante das frustrações da vida.

2.2 Relatos de um analisando

No período de atendimento na clínica social chegou até a mim um


analisando que chamarei de Eric, o motivo pelo qual me procurou foi que precisava
de alguém para desabafar e assim iniciou sua história. Eric é o filho mais velho de
um casal de classe social média alta, tem um irmão 3 anos mais novo, nunca teve
proximidade com os avós por morarem distantes e pouco com tios e primos. Sempre
foi uma criança introvertida, oposto ao irmão, e muito bem disciplinada. Filho
preferido de sua mãe que compartilhava um relacionamento de amor, proteção,
companheirismo e nada lhe faltava. Se sentia protegido e seguro com ela, sabia que
se algo desse errado ela o tiraria de qualquer situação. Sua mãe, profissional da
área de humanas, tinha Eric como seu filho favorito e teve papel fundamental na sua
infância e adolescência. O relacionamento de Eric com o pai era mais frio, via nele o
castrador, a cobrança e a censura. Como o pai era médico passava longas horas no
trabalho e sua conexão com os filhos era baixa, não foi um pai presente
emocionalmente. Era o provedor do lar, dos estudos, bens materiais e viagens,
14

pessoa introvertida que se preocupava com o futuro dos filhos (materialmente), teve
uma infância pobre e suas conquistas materiais foram fruto de sua dedicação aos
estudos e trabalho árduo. A formatura de Eric foi para ele um orgulho, na sua
experiencia de vida conheceu apenas as dificuldades para chegar ao topo e com o
intuito de poupar o filho, automaticamente entrou em contato com conhecidos em
busca de um emprego para Eric. Porém, na concepção de Eric seu pai o queria fora
de casa, e por isso a cobrança de obter um emprego. Há uma hipótese que essa
cobrança na perspectiva do outro, poderia ser apenas perguntas de um pai
preocupado com o futuro de um filho ou até mesmo interesse na vida profissional.
Eric, construiu um mecanismo ao longo de sua infância no qual se apoia até os dias
de hoje... sua estratégia foi ser o melhor aluno da sala, o mais obediente, o mais
querido, o filho perfeito e assim teria o amor/ aceitação do pai, como teria também
suas gratificações materiais. “Ora se sou exemplar, fiz o meu papel, o outro tem que
me recompensar por isso, através da realização dos meus desejos” (“eu faço a
minha parte e o outro me recompensa”). Esse mecanismo funcionou até a fase
adulta por conta das gratificações adquiridas através de sua mãe. Suas vontades
eram atendidas por ela, muito embora, seu pai discordasse em atender a maior
parte. Essa realidade desmoronou na fase adulta, quando sua mãe não pode mais
ser provedora de seus desejos e protetora de suas quedas ou frustrações, o conforto
da vida que levava desapareceu. Eric não se relacionava muito bem com o irmão,
era muito diferente dele que levava a vida mais solta, geralmente não se submetia
aos pais e não era exemplo do filho ideal dentro do contexto da família. Eric não teve
uma infância de grandes emoções e travessuras de criança, era de poucos amigos e
não expressava suas emoções, preferia não ser visto, mas em suas fantasias ele
sempre quis (e ainda quer) ser o herói, reconhecido e aplaudido. Sempre foi
recompensado pela mãe e cobrado pelo pai.
As suas primeiras sessões foram conturbadas, pois alternava os assuntos
e não se aprofundava em nenhum deles. Passou pelo trauma da morte do pai há 4
anos da data de início da terapia e nunca falou diretamente a esse respeito. Depois
de alguns meses de análise, disse estar pronto para falar sobre a tragédia, na
sequência foi solicitado a ele que relatasse como o fato havia ocorrido e qual tinha
sido a sua participação. Diante disso, mudou de assunto e começou a falar sobre o
relacionamento dos pais, o qual era instável, se lembrava de ver raramente seus
pais trocarem afeto e sua mãe muitas vezes alterada em uma discussão, mas
15

sempre trouxe para a sessão os momentos da família em viagens, churrascos aos


finais de semana, passeio ao shopping, compra de um brinquedo ou de outro bem.
No vocabulário de Eric o sentido de felicidade não está relacionado às vivências ou
momentos junto aos pais. Seu quadro de felicidade está muito mais ligado para o
“ter” do que para as “experiências” vividas. Sofre de profunda tristeza e solidão aos
finais de semana, pois sente falta das viagens, das compras, dos passeios e de ver
todos ao mesmo tempo em casa, mesmo estando cada um em seu canto, sem
socialização. Para ele estar todos em casa era significado que os pais estavam bem
e que ele tinha um lar e proteção contra a maldade do mundo.
A pergunta referente à tragédia por algumas vezes foi abordada e a
informação ora era desviada ou fragmentada sem começo, meio e fim. Claramente
havia uma trava em sua garganta, pois se agitava, não conseguia falar, se
engasgava e tomava água de forma a empurrar o que vinha em sua mente, assim
ganhava tempo para elaborar o que falar e como falar.
Com grande dificuldade de expressar seus sentimentos, Eric se
preparava semanalmente sem atraso para sua sessão, sua aparência estava
sempre alinhada, e suas frases sempre bem elaboradas para falar dele, como se
fosse uma inteligência artificial. Para tentar alcançar algo mais profundo (self) pedi a
ele que começasse a escrever como se sentia e que colocasse no papel o que não
conseguia dizer. E assim o resultado foi promissor descartando algumas das
hipóteses e levantando outras.

2.3 Vozes do Ego, Superego e seus derivados

“Às vezes tenho a sensação de que o mundo não se encaixa em mim – co-
mo se eu fosse uma peça de um quebra-cabeça solta, sem preenchimento
equivalente. Na verdade, talvez seja eu que não queira me inserir no mun-
do, como se eu não aceitasse fazer parte dele, de alguma forma. O que se-
ria isso? De onde vem essa sensação que tende a me isolar, ou qual o mo-
tivo de eu sempre ter sido mais sozinho, solitário, vazio, incompleto?” (re-
produção do texto de Eric)

Ao mencionar que o mundo não se encaixa nele e que é uma peça solta
sem encaixe, sugere a interpretação que ele se sente “diferente” ( Qualidade do que
é raro; anormal - dicionário da língua portuguesa) nesse caso trabalhou-se com a
16

hipótese do espelhamento do seu ego ideal, uma formação narcísica que tem a sua
origem na fase do espelho (entre 6 e 18 meses) e que pertence ao registro do ima-
ginário¹. Eric se coloca em uma situação de superioridade diante do mundo e dos
outros, o que o torna especial e por isso não encontra seu lugar na sociedade, pois
ninguém está em seu nível intelectual para compreendê-lo e nesse momento é a sua
visão imaginária de si mesmo, seu ego ideal toma as rédeas de sua vida. Quando os
fatos o trazem para a realidade, há um confronto entre o ego e o ego ideal, inflado
pelo ideal de ego, no qual o ego se submete e passa a trabalhar para atender as
demandas do ego ideal. Esse conflito mental gera muito desgaste de energia com
efeitos de vitimização e raiva, sendo a forma compensatória de satisfazer as exigên-
cias do superego e ego ideal, o ganho secundário do sofrimento.

Quem sou eu? Intelectual, calmo, sereno, introvertido, perfeccionista. Per-


feccionista. Talvez essa palavra tenha regido toda a minha vida. Talvez seja
o que eu sou. Meu ideal é tão grande que talvez seja essa a razão do meu
sofrimento, do meu isolamento, do me sentir antiquado ao mundo – afinal,
se as pessoas não seguem os padrões que eu espero, eu tendo a não me
interessar por elas. Se elas são fofoqueiras, eu tendo a me isolar; se não
gostam tanto de leitura, filmes e música, também já é um ponto para eu me
afastar. Eu sempre tive vontade de namorar uma garota muito bonita e atra-
ente fisicamente, mas acho que elas nunca se interessaram em mim. Ou se-
rá que eu nunca me interessei por elas e projetei esse sentimento nestas
belas figuras femininas? Será que, só o fato de imaginar que “mulheres
atraentes fisicamente não possuem bons dotes intelectuais” me fez afastar
os olhares das belas, mas poucas garotas, que passaram pelo meu cami-
nho? Confesso que tenho esse desejo latente e inconsciente em mim, pe-
dindo ardentemente para que seja satisfeito. Loira, doce, inteligente, caris-
mática – meu sonho de consumo. E não, não será apenas um sonho. Tor-
nar-se-á realidade. (reprodução do material de Eric)

Eric descreve as suas próprias características de forma a atender seu


ego ideal, como também, projeta no mundo externo sua criação imaginária do pa-
drão perfeito de pessoa. Na vida real se frustra com as pessoas que cruzam seu
caminho por não atenderem os quesitos padrão do seu ego ideal e que provavel-
mente nunca atenderão. Inconscientemente busca o amor materno acrescido das
características que assume para si mesmo. Assim, se defende de seus medos e
possibilidades de fracasso. Para Eric não há o meio termo, ele funciona nas extre-
midades opostas conforme a persona da vez. O que isso quer dizer? Para se sentir
17

vivo e se reconhecer como indivíduo ele criou suas personas que são assumidas
como, “eu (ego)” influenciado pelo ego ideal e ideal de ego. O trecho acima retrata
sua persona intelectualizada e perfeita, a qual, em sua concepção, é aceita e admi-
rada por todos. Não é surpresa que ele tenha escolhido essa para iniciar seu diário
de autoanálise, sendo o intuito a aceitação e aprovação do analista, deixando-o mais
confortável para as próximas sessões. Ao longo desse primeiro trecho o conflito en-
tre suas vozes é sutilmente manifestado quando relata seu desejo de namorar uma
garota “muito bonita e atraente fisicamente”, logo na sequência contesta o desejo
revelando a sua baixa autoestima, que é substituída por uma pergunta sobre a real
intenção de seu desejo e sem tempo de avaliar concluiu com a frase “mulheres atra-
entes fisicamente não possuem bons dotes intelectuais”. Nesse “looping” de pensa-
mentos o seu ego ficou anulado, gratificou sua inferioridade assumindo que mulhe-
res atraentes não são inteligentes e, portanto, não condiz com a sua persona intelec-
tual. Porém, sua conclusão “Confesso que tenho esse desejo latente e inconsciente
em mim, pedindo ardentemente para que seja satisfeito. Loira, doce, inteligente, ca-
rismática – meu sonho de consumo...” reforça a ideia dessa persona de ter uma mu-
lher maravilhosa (desejada pelo outro) e consequentemente autoafirmando-se. Eric
o busca em um corpo de mulher, assim não teria que lidar com o desconhecido, com
a possibilidade de uma rejeição ou frustração de não ser desejado pelo outro. Outro
aspecto interessante de sua fala é dizer que tem um desejo latente e inconsciente;
latente pode ser, mas inconsciente? A partir do momento que assume um desejo ele
deixa de ser inconsciente. O inconsciente é esotérico e o propósito da psicanálise é
justamente trazer seu conteúdo para o consciente, expandindo assim a consciência
e o autoconhecimento. Essa afirmação de Eric abre caminhos para explorar a hipó-
tese da dissociação1 do self. A defesa pela dissociação durante uma experiência
traumática permite que a pessoa se distancie emocionalmente da experiência e
molde-se às exigências externas, seu uso continuado permite o desligamento das
emoções escapando das lembranças da experiência traumática e de seu impacto
devastador. É um processo defensivo presente em vários distúrbios de personalida-

1
Fenômeno defensivo que visa manter a estabilidade física e mental decorrente de uma variedade
de experiências que pode ser desde um leve desapego emocional do objeto, até uma desconexão
mais severa das experiências físicas e emocionais. A principal característica é um distanciamento
da realidade.
18

de, distúrbios de stress pós-traumático e distúrbios esquizoides, como também, em


situações mais simples frequentemente mascaradas por ansiedade ou depressão.

As defesas surgem como uma proteção contra o desconforto causado por


necessidades não satisfeitas e emoções não expressas. Como são contínuas, elas
interrompem a habilidade de contato do indivíduo com o self e com os outros. Sendo
assim, as experiências traumáticas mantêm-se dissociadas como estado separados
do ego.

Eric passou pelos traumas da morte do pai, da perda da relação protetora


que tinha com a mãe e da acusação de ter envolvimento no assassinato. Muitos fa-
tos que tiraram a base de Eric e o que fizeram se afastar do seu verdadeiro self. As
necessidades durante o trauma não receberam respostas ou validação satisfatórias.
Eric esperava que sua mãe o salvasse desse pesadelo, o libertando das acusações
em uma cena desenfreada de emoções diante das autoridades, como sempre resol-
veu e protegeu Eric das frustrações da vida, porém isso não ocorreu, ela simples-
mente se calou e assumiu o crime muitos dias depois. Isto inicia o processo de iso-
lamento da experiência da consciência e, levando ao isolamento de aspectos do self
em relação à consciência. O indivíduo faz uso de um conjunto de defesas organiza-
das para impedir que a experiencia traumática, sentimentos e necessidades relacio-
nados tenham acesso ao consciente, portanto elas permanecem no ego como um
estado separado de consciência e não se integram posteriormente.

Após o trauma existe uma necessidade intensa de acolhimento do outro


para responder empaticamente às reações emocionais extremas e às necessidades
não satisfeitas. A dissociação começa porque as pessoas presentes na vida do indi-
víduo não conseguem de forma empática prover uma função protetora restauradora
que harmonize e valide o fato com a realidade. O indivíduo perde o contato com as
necessidades de relacionamento e surge uma fragmentação do ego através de um
conjunto de defesas.

O Modelo Internal Family Systems2 descreve o ego como partes, cada


uma com a sua história, crenças e sentimentos, repartindo-se em três categorias:

2 É uma abordagem integrativa à psicoterapia individual desenvolvida por Richard C. Schwartz na


década de 1980. Combina o pensamento sistêmico com a visão de que a mente é composta de sub-
personalidades relativamente discretas, cada uma com seu próprio ponto de vista e qualidades úni-
19

gestores, orientados para execução das tarefas quotidianas, mantendo outras partes
exiladas da consciência; os exilados, ligados a memórias dolorosas relacionadas
com o trauma, afastados pelos gestores, mas que em alguns momentos podem
ocupar o comando levando o indivíduo a identificar-se com as suas memórias.
Quando isso acontece, são ativados os bombeiros, com a função de aliviar as emo-
ções intensas, através de comportamentos autodestrutivos ou perturbações alimen-
tares (Schwartz, 2001; Sweezy & Ziskind, 2013) desmembramento da experiência
em partes, que constituem repositórios de memórias específicas, representando
uma porção da memória traumática. Desenvolve-se uma parte comprometida com a
vida quotidiana – que rejeita as memórias do trauma –, e outras partes, que movi-
mentam respostas de defesa para sobrevivência face ao trauma: luta (comportamen-
tos autodestrutivos), fuga (atitudes ou pensamentos compulsivos) e paralisação (an-
siedade). Por fim, a Teoria de Estado do Ego postula o self como sendo constituído
por partes inconscientes do Ego (Kluft, 2006; Muller, 2002). Estas denominam-se de
estados do ego, consistindo num sistema organizado de comportamentos e experi-
ências, sendo que, num processo de diferenciação saudável, apesar de subjetiva-
mente separadas, estas possuem barreiras permeáveis e interligam-se (Watkins,
1993). Na dissociação, estas barreiras apresentam-se mais impermeáveis, formando
a própria identidade com um significado próprio para as memórias, ações, pensa-
mentos e sentimentos. O desenvolvimento destes estados possui a função de adap-
tação a situações de vida intoleráveis provocando a desconexão da mente e do
evento real, e desmembrando a experiência, para a manutenção da sobrevivência
(Fisher, 2017; Strait, 2014). O mecanismo isola o sujeito das memórias, e conse-
quentemente, do afeto e impacto associado à experiência do evento traumático, fra-
gmentando o ego para a manutenção da estabilidade mental e capacidade para es-
tabelecer relações (Erskine, 1993; Loewenstein, 1993). Os aspetos do self isolados,
em proporções extremas, desenvolvem-se em diferentes identidades – partes, al-
ters, estados de identidade (Reinders, 2006) –, protetoras da personalidade central.
Estas alternar-se-ão em função da que tem maior competência para gerir a situação,
assumindo o controlo executivo do corpo (ISSTD, 2011; Rappoport, 2012) para a
regulação afetiva (Paulsen & Lanius, 2014).

cas. A IFS usa a teoria dos sistemas familiares para entender como essas coleções de subpersonali-
dades são organizadas.
20

Pude notar isso diante de um encontro agradável com uma amiga (?) neste
último sábado. .... Durante a conversa, senti algo diferente, talvez um olhar,
um sentimento que eu não sentia há anos.
Eu me senti acolhido diante daquela conversa leve, e até quando tocávamos
em assuntos extremamente desagradáveis e traumáticos para mim, eu não
sentia tanta dor ao relatá-los de maneira discreta. Era como se eu realmente
estivesse nos braços da minha mãe, envolto numa esfera de proteção e
apoio. Também não costumava me sentir “com obrigação” de agradá-la, ou
me esforçar para fazer transparecer meus melhores dotes e habilidades –
eu simplesmente pude ser eu mesmo, apesar de ainda me questionar bas-
tante sobre isso. Quem realmente eu sou ? Talvez
alguém que queira mudar o mundo... Estar longe das pessoas que eu amo e
que me abandonaram naquele passado sombrio, e ainda não saber onde
ela está – minha futura namorada e esposa – me deixam profundamente
triste. Acho que nunca fui efetivamente feliz em um relacionamento a 2 –
talvez com Marcia, nos primeiros meses de 2016. Talvez eu nunca fui feliz
porque sempre busquei (e ainda continuo a buscar) alguém que substitua o
papel que minha mãe exerceu em minha tenra idade – cuidadosa, atencio-
sa, amorosa, presente, apoiadora e admiradora do meu esforço intelectual
presente desde meus primeiros anos. Forte, corajoso, inteligente, racional,
dedicado, introvertido, dificuldade de exposição, medo do fracasso, choro si-
lenciosamente, quero mudar o mundo, a mim mesmo e o que estiver ao
meu alcance, pensativo e reflexivo, quero ser incrível, quero ser feliz, sofro.
(Reprodução do texto deEric)
21

Eric trouxe o texto acima após uma sessão de análise em que o tema foi
sua mãe e o complexo de édipo3. Aqui ele enquadra uma outra persona um tanto
romântica e fragilizada, que se sentiu acolhida nos braços de sua amiga, a possibili-
dade de não ser feliz em um relacionamento e o conto de fadas (busca pela princesa
que realizará seus desejos). Não há identificação de traço de sofrimento oriundo da
perda de seu pai, apenas uma menção do abandono no passado sombrio pelas
pessoas que ele ama e que foi contradito em uma sessão presencial na qual ele
respondeu à pergunta “Quem você ama?” “Eu”. A sua persona intelectual e narcísica
aparece sutilmente quando fala sobre si, como alguém que quer mudar o mundo.
Qual o tamanho dessa grandeza? Qual o significado de mundo? O que ele quer mu-
dar? Na sessão clínica foi trabalhado essas questões, no que chamo, de funil de
significante e significado, as ideias são analisadas a partir da ideia macro para o mi-
cro, até o ponto em que o indivíduo entende que a mudança do mundo é uma ideia
vaga e distante projetada no exterior (outros) porque não quer olhar para si mesmo.
Uma característica narcísica de proteger uma inferioridade interior.

Eric trabalha com a persona que melhor convém formando uma barreira
de proteção do seu self, isso lhe proporciona uma sensação de segurança e de con-
trole, o que faz pensar que ele tem o poder de manipular situações conforme seus
desejos.

Abaixo o quadro que reflete a barreira de proteção do self, as personas


se relacionam com o mundo externo como um mecanismo de defesa do Ego, se dis-
tanciando do self.

3
Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta em relação aos pais.
Sob a forma positiva, é desejo da morte do rival (personagem do mesmo sexo) e desejo sexual pelo
personagem do sexo oposto. Sob a forma negativa é o amor pelo genitor do mesmo sexo e ódio e
ciúmes pelo genitor do sexo oposto.
22

E ao lado de um grande homem, deve haver uma grande mulher! Às vezes


passam flashes na minha mente sendo aplaudido por ter sobrevivido a essa
“guerra mundial” torturante na qual me encontro – mundial porque vejo os ou-
tros como ameaça. Também
gostaria de escrever um livro autobiográfico, talvez, sobre tudo o que eu pas-
sei no intuito de ajudar pessoas que passam por momentos difíceis – e por ser
reconhecido, claro. Afinal, os humilhados serão e devem ser exaltados. Será
que é isso mesmo o que eu quero, ou apenas ser livre para ir e vir, ser um
ótimo profissional, marido, pai, atleta... [e uma lista infinita aqui inclusa]? Ainda
não sei.... Eu não preciso ser perfeito, minha futura esposa atraente também
não precisa, é insano. Mas, isso me leva a outra questão. Eu quero ser perfei-
to. Eu sinto como se já nasci querendo genuinamente ser o melhor aluno – e
na vida adulta, começando a projetar para relacionamentos também – ser o
melhor amigo, o melhor namorado, o sonho de toda mulher. .... esse ideal e
as minhas cobranças talvez hoje, sejam os meus piores inimigos e que trava-
rei uma árdua batalha durante toda minha vida. Não para eliminá-los porque
hoje, eu ainda quero ser esse tipo de pessoa que se destaca, que ganha mi-
mos, que é aplaudida mesmo sem plateia mesmo diante das renúncias que eu
faço inconscientemente. (Reprodução do texto de Eric)

Eric está fixado na ideia de ser o melhor, o maior, de ajudar as pessoas,


de estar com a mulher maravilhosa, de ser aplaudido e de ter sido humilhado, muito
embora tenha confessado em análise meses depois desse texto que nunca fora dire-
tamente humilhado por ninguém. Se vitimiza diante da sua situação financeira e cul-
pa os pais. Tem pavor do fracasso e exige do mundo reconhecimento e retorno fi-
nanceiro por estudar 8 horas por dia e se dedicar a sua profissão. De forma mecâni-
ca Eric funciona desde a sua infância, onde introjetou que se fosse o melhor aluno
da escola e um garoto obediente ele teria sua recompensa material e o olhar de or-
gulho de seu pai. Em parte, esse mecanismo funcionou, pois era assim que sua mãe
o gratificava, fazendo todos os desejos de seu filho. Eric não se lembra de quando
foi frustrado na infância, como também, não fala de seus sentimentos para com a
sua família. Das poucas vezes que mencionou foi o ódio do pai, por ser ele controla-
dor e amor e ódio pela mãe, por ter lhe dado tudo e ter lhe tirado quando assassinou
o pai. Para Eric a felicidade está relacionada às conquistas materiais, talvez tenha
sido criado dentro desse contexto e o intelecto que busca incansavelmente é para
provar ao pai sua capacidade, hoje na figura do ego ideal.
23

Possui uma resistência muito forte contra a análise e isso torna o cami-
nho mais longo. Traz sempre as suas personas para manipular a sessão e, entre um
assunto e outro, seu inconsciente é acessado de forma sutil e informações são cole-
tadas para a montagem do que vai além do seu controle. Em uma de suas sessões
mencionou muito rapidamente a sua fantasia com uma pessoa transexual, sem dar
mais detalhes dizendo que isso o incomodava. Esse dado é relevante para a com-
preensão da passagem edipiana e construção do ego. A psicanálise compreende
que é no tempo do complexo de édipo que ocorre a inclusão do significante do No-
me-do-Pai4 no Outro, que marca a entrada do sujeito na ordem simbólica e permite o
início da cadeia do significante no inconsciente, sugerindo as questões do sexo,
questões fechadas ao sujeito neurótico (LACAN, 1957-1958/1999). A intervenção do
Nome-do-Pai no Outro faz com que a identificação da criança com o falo (poder) da
mãe seja destruída, ou, pelo menos, recalcada (QUINET, 2006).

Por intermédio da metáfora paterna, a significação do falo é evocada no


imaginário do sujeito. Antes disso, não havia tal possibilidade. Mas o preço de tor-
nar-se significante é o próprio desaparecimento do falo. O efeito da castração apa-
rece no imaginário como falta. O falo é, pois, o significante que permitirá ao sujeito
atribuir significações a seus significantes, é o significante que, por excelência, permi-
te ao sujeito situar-se na ordem simbólica e na partilha dos sexos como homem ou
mulher (QUINET, 2006).

Em relação ao modo ao qual o sujeito se posiciona em relação ao falo,


Lacan defende:

O Complexo de Édipo tem a função normativa, não simplesmente na es-


trutura moral do sujeito, nem em suas relações com a realidade, mas quanto à as-
sunção do seu sexo [...]. [...] há no Édipo a assunção do próprio sexo pelo sujeito,
isto é, para darmos os nomes às coisas, aquilo que faz com que o homem assuma o
tipo viril e com que a mulher assuma certo tipo feminino, se reconheça como mulher,
identifique-se com suas funções de mulher. A virilidade e a feminilização são os dois
termos que traduzem o que é, essencialmente, a função do Édipo (LACAN, 1957-
1958/1999).

4
Identifica sua pessoa à figura da lei, ou seja, trata-se de uma função cujos efeitos são inconscientes
24

Destarte, as fantasias transexuais de Eric sugerem que a castração não


foi completa ou bem-sucedida. A primeira hipótese remete ao amor edipiano pela
mãe com uma intensa identificação, situação em que busca objetos amorosos seme-
lhantes a figura da mãe para ser amado e tratado como fora por ela, mas o medo da
castração por uma mulher sem pênis faz com que procure em suas fantasias o falo
na figura feminina, sendo assim o sujeito passivo da relação. A segunda hipótese é
a autoginefilia5, propensão de um homem se sentir sexualmente excitado pelo pen-
samento ou imagem de si mesmo como uma mulher, comum nos indivíduos com
características narcísicas.

O objeto sexual que consiste em um indivíduo introduzir alguma coisa no


seu corpo está ligado a fantasia que é mulher e às vezes ligado a homossexualida-
de. Baseia-se em identificação com a mãe, é um tipo de identificação que ocorre
quando há uma fixação anterior no objeto de incorporação passivo receptivos do
período pré-genital. Nesse caso a zona erógena anal é predominante, também exis-
te uma zona genital passiva nos homens (prostática), ambos muito semelhantes à
genitalidade feminina.

Há tipos de homens cuja atividade é de modo geral inibida, porque in-


conscientemente tem uma agressividade intensa. Esse tipo de homem sente as ve-
zes que se fossem mulheres, ninguém esperaria que fossem ativos. Em homens
bissexuais é difícil determinar se foi o complexo de édipo positivo ou negativo que
desempenhou o papel primário.

“...inclusive enquanto escrevo sobre mim, que se meus desejos de buscar


amor não forem atendidos, sérios problemas ocorrerão. Apesar de tudo o que
venho elaborando até aqui, confesso que ainda me sinto confuso. Há uma
famosa frase que diz “sem amor, não somos nada”. Esse sentimento de falta
me acompanha durante grande parte de minha vida e talvez seja a causa do
meu chorar silencioso e do meu sofrimento... Acho que eu nunca me senti
100% à vontade na presença, no convívio com outra pessoa – especialmente
e acho que exclusivamente, talvez, quando se trata de relacionamentos

5
Autoginefilia ("amar a si mesmo como mulher") é um termo cunhado em 1989 por Ray Blanchard,
para se referir a "propensão parafílica de um homem se sentir sexualmente excitado pelo pensamen-
to ou imagem de si mesmo como uma mulher," com a pretensão de que o termo se refira a "toda a
gama de comportamentos e fantasias entre gêneros eroticamente estimulantes". O termo é parte do
modelo explicativo proposto por Blanchard, a Tipologia do transexualismo de Blanchard, criada com
base no trabalho de seu colega, Kurt Freund.
25

amorosos. Alguma sensação estranha sempre me acompanhou e continua a


me acompanhar quando estou namorando, ou quando tenho algum tipo de
relacionamento com uma mulher. É uma espécie de “incômodo agradável”
(engraçado e trágico, mas é essa sensação ambivalente que experiencio) .....
Uma parte minha deseja estar acompanhado. Na verdade, essa parte procura
acolhimento e até alguém para substituir a figura materna que não mais está
presente – e que talvez não esteja nunca mais (aqui, deixei escapar um
desejo de que essa presença continue a estar na minha vida.... Hoje, na vida
adulta, ainda espero pela mulher que tenha os atributos que me agrade e que
afinal, que me faça apaixonar perdidamente. Seria a mulher ideal, uma forma
de me sentir seguro e protegido frente às pessoas? Seria uma forma de
resgatar a imagem materna de proteção? O isolamento atual seria uma forma
de confirmar e dar razão à minha visão de mundo de que as pessoas são
perversas, sem compaixão, más? A resposta é: talvez. Creio que os eventos
traumáticos listados acima, associados com a situação humilhante e
desesperadora na qual me encontro hoje, tenham criado vários dos sintomas
que apresento. (reprodução de textos de Eric)

Igualmente, Eric reforça a ideia de encontrar o amor de sua vida para


preencher a falta que o acompanha. Acredita que essa ausência está relacionada ao
ego auxiliar de sua mãe, porém ao escrever que essa carência o acompanha por
grande parte de sua existência revelou que a falta é da representação masculina de
forma eficiente nas funções e papéis do pai (falo). A sensação estranha que o
acompanha quando se relaciona com uma mulher afetivamente, inconscientemente,
é a falta do falo que é apenas satisfeita em suas fantasias, portanto seus
relacionamentos não avançam. A mulher maravilha que tanto sonha é a combinação
das curvas e características afetivas femininas com a atividade masculina, tendo ele
um papel passivo na relação. O superego exacerbado juntamente com o ego ideal
não permite que Eric acesse seus desejos e por isso se sente confuso em relação
aos seus sentimentos e emoções. Eric tem muito medo de se conhecer e perder a
figura do seu ego ideal que luta diariamente para conquistar, muito embora isso lhe
cause raiva, angústia, dor e sofrimento. Quando essa pulsão rompe dominando o
ego ele busca um relacionamento amoroso, mas logo vem a frustração por não
satisfazer seus desejos, e para remediar, o ego assume as justificativas do superego
e se coloca na posição de superioridade gerando um novo conflito interno entre as
instancias. Assim, a história se repete como um “looping”, sendo a persona
narcisista aliada ao superego que controla a vida de Eric. Essa compulsão neurótica
26

o afasta da realidade e cria um abismo entre o ego e o self.

O impulso da homossexualidade masculina é a passividade, pois o papel


ativo pertence a natureza hetero. Na homossexualidade masculina, naturalmente, a
aspiração da energia masculina faz do falo seu objeto de desejo. O Fato psicanalíti-
co é a fantasia com o falo, via álibi do corpo feminino para não se sentir homossexu-
al. Ou seja, o Ego utiliza um mecanismo de defesa frente ao ID com libido homosse-
xual.

A busca pelo corpo feminino se dá inconscientemente, para evitar a culpa


pela aspiração ao falo, como se seu desejo tivesse um “quê” de heterossexualidade,
se sentindo dispensado do “ônus” de se ver homossexual. Entre as possíveis causas
psicanalíticas da fantasia homossexual por “mulheres com falo” está o Complexo de
Édipo não vencido.

No Complexo de Édipo, em alguma fase o menino verá o pai como rival


no desejo pela mãe, também com afeto e curiosidade, isso pode resultar em um
sentimento posterior de projeção do falo na mãe. Destarte, o Complexo de Édipo
ganha um contorno novo: rejeição ou ódio parcial pelo pai, junto da culpa inconsci-
ente, sobrecarregando a mãe com desejo duplo: da mulher e do resquício da figura
masculina, resultando em uma “mãe com falo, portanto, mulher com falo.

Considerando apenas o fato psicanalítico, excluindo as questões biológi-


cas, há uma sugestão de uma falha no desenvolvimento psicossexual com bases
freudianas (fase oral, anal e fálica) combinado com o Complexo de Édipo, ou seja,
um desarranjo do desenvolvimento psicossexual da primeira e da segunda infância
impactando a adolescência, quando a sexualidade se expressa em definitivo.

Em resumo, a homossexualidade é uma defasagem da energia de gêne-


ro. O homem com baixo nível de masculinidade busca o complemento dessa energia
em outro homem. A mulher com baixo nível de feminilidade procura noutra mulher, a
energia defasada em si, a energia feminina. No sentido original e primitivo (ID) a tro-
ca de energias se dá pela relação afetivo- sexual, assim, um homem e uma mulher
com níveis satisfatórios das suas energias tendem, naturalmente, ao oposto.
27

“Eu realmente sempre esperei que algum tipo de suporte me fosse dado en-
quanto eu luto pelo ideal. Entretanto, agora que não tenho esse suporte, pelo
menos não da maneira da qual gostaria, isto manifesta a minha insatisfação
com minha atual situação. A realidade é muito dura e, em certos momentos,
cansativa, a ponto de não querer mais ir em frente. Após nossa última sessão,
senti como se estivesse saindo de um mundo ilusório para o mundo real, o
que me deixou triste. Eu não nasci para ser escasso, raso, em todos os senti-
dos. Ninguém nasceu para isso. A diferença é que existem pessoas que se
resignam com essa condição, e outras não. Eu definitivamente não sou resig-
nado, nem quero me relacionar com pessoas que assim sejam. E de fato, al-
gumas pequenas mudanças já venho fazendo, na verdade comecei a fazer
após a nossa última sessão, o insight obtido: eu não sou o centro das aten-
ções; se eu não fizer por mim, ninguém o fará; se eu deixar de existir amanhã,
o mundo continuará exatamente o mesmo; eu preciso começar a ganhar di-
nheiro de verdade. É difícil dizer e aceitar essas últimas palavras, mas são a
realidade.” (reprodução dos textos de Eric)

As fantasias são representantes psíquico da pulsão (conscientes – so-


nhos diurnos ou inconscientes), encenação imaginária com participação ativa do in-
divíduo que podem ou não serem deformadas pelos processos de defesa, realização
de um desejo inconsciente. Uma fantasia representa conteúdos próprios das pulsões
ou sentimentos como desejos, medos, ansiedade, amor, mágoas, etc. Os sonhos
diurnos são cenas, romances, dramas, que o indivíduo cria e conta a si mesmo no
estado de vigília e as vivenciam como se fossem reais. Na medida que o desejo está
ligado a fantasia, esse dá espaço para as operações defensivas mais primitivas do
ser humano, portanto, mesmo na fantasia há a interdição do desejo.

Como qualquer atividade mental, a fantasia é uma invenção, pois carece


de materialidade. Não pode ser tocada, não pode ser vista; porém, é real na experi-
ência do sujeito. E como função mental, tem efeitos reais não apenas no mundo in-
terno, mas também no mundo externo, no jeito de se comportar.

O Édipo e a castração impõem um corte na relação do sujeito com a se-


xualidade, com a primeira satisfação de cunho autoerótico, em que todos os objetos
servem ao prazer, ou seja, o ser de gozo da infância.

Ao término do complexo de Édipo, as figuras parentais serão internaliza-


das, ou seja, a lei do pai e o recalque do desejo. Pelo recalque funda-se o inconsci-
28

ente, o Outro e o sujeito. Se houve recalque, então ocorreu a identificação simbólica


no Édipo e os ditos das figuras parentais foram introjetadas, originando o Superego;
a lei que barra o gozo do sujeito de se colocar como objeto de amor da mãe. Porém,
após a castração, podemos dizer que ele volta via fantasia. Nesse processo parte da
experiência é simbolizada e inscrita no aparelho psíquico originando os sistemas
consciente e inconsciente, porém algo permanece sem ser simbolizado e por não
ser simbolizado esse resquício é representado no aparelho psíquico como um vazio
contornado por representações, em torno do qual o inconsciente, estruturado como
uma linguagem, se funda.

O desejo incide desse vazio. Assim, a impossibilidade de preenchê-lo co-


loca o aparelho psíquico em movimento, na busca do que supostamente foi perdido
e que na verdade nunca esteve lá. Encontrá-lo lá significaria deparar-se com a com-
pletude, a morte. A falta é constitutiva do ser humano, é estrutural. Viver é dar conta
dessa falta.

Freud nos lembra dos mecanismos que usamos para dar conta desse ob-
jeto faltoso, que faz a vida árdua demais, quando diz em O mal-estar da civiliza-
ção ([1930] 1996, p. 83):

“A fim de suportá-la [a vida], não podemos dispensar as medidas paliativas.


[...] Existem talvez três medidas deste tipo: derivativos poderosos que nos fa-
zem extrair luz de nossa desgraça [atividade cientifica]; satisfações substituti-
vas, que a diminuem [artes, fantasias]; e substâncias tóxicas, que nos tornam
insensíveis a ela.”

É uma busca incessante assim como a pulsão. E nesse movimento sem-


pre acionado pela pulsão, busca-se nos objetos parciais algo poderoso que dê conta
da falta, ou seja, da completude.

A função da fantasia no aparelho psíquico, como nos diz Freud ([1920]


1996), é a obtenção de prazer, algo restringido pela realidade, mas que continua
como exigência da pulsão. Assim, a fantasia funciona como conciliadora entre duas
forças imperiosas, ou seja, a pulsão, que demanda satisfação a qualquer preço, e a
renúncia da realidade, que apresenta obstáculos para que não ocorra a satisfação
da demanda pulsional.
29

A fantasia regula as forças conflituosas e visa diminuir a pressão interna e


preservar o equilíbrio do aparelho psíquico. É uma das formas de satisfação da pul-
são.

Eric ao chegar próximo da realidade se entristeceu. No seu mundo fan-


tasmagórico tem o controle da situação. Embora haja os conflitos entre os desejos,
os mecanismos de defesa e as interdições do Superego, seu terreno é conhecido e,
portanto, se sente seguro. O pavor de se confrontar e se aproximar da realidade é
muito maior que seu desejo de mudança. Tem medo de perder a figura que criou de
si, de como se vê. Não cogita a possibilidade de uma flexibilização dessa imagem
adequando-a a realidade, pois assim deixaria de ser especial, se tornaria um sujeito
ordinário como tantos outros que depara em seu dia a dia. Na onipotência imaginária
que se encontra, está seguro, ninguém pode chegar até a torre onde estão aprisio-
nados seu sentimentos e fraquezas, em sua forma sistemática de agir, pensar e sen-
tir ele possui o controle, sente-se protegido e seguro.

3 A PRISÃO PSICOLÓGICA DO IDEAL DE EGO E EGO IDEAL

3.1 Narcisismo – negação dos sentimentos

Chasseguet- Smirgel (1992) na sua obra “Ética e Estética da Perversão”


traz a relação do ego ideal e da perversão. Quando a mãe seduz o menino reforçan-
do sua onipotência em relação a ela, evita que o filho se depare com a falta, que o
direcionaria a projetar-se no pai como objeto de identificação e assim perceber a sua
insuficiência em satisfazer a mãe deparando-se com o fracasso edipiano. Na ausên-
cia dessa construção a homossexualidade ou a perversão é favorecida apoiando-se
no narcisismo infantil, onde vive a fantasia que é perfeito para a mãe e está autori-
zado a eliminar o pai.

Quanto maior a fase do estado de diferenciação (o bebê não se vê dife-


rente da mãe como um indivíduo – fase do não eu) maior será sua crença ilusória e
onipotente de que possui independência absoluta. O estado de indiferenciação é o
eixo principal em torno do qual regulam as demais características da posição narci-
sista no adulto. Outra característica apresentada de forma relevante nos textos de
30

Eric é o estado de ilusão em busca de uma completude e perfeição, como a famosa


propaganda da margarina, uma família feliz e completa. O sofrimento em saber que
precisa do outro para sua sobrevivência física e psíquica é grande e o pavor de en-
carar a incompletude intensifica o mecanismo de defesa de negação, onipotência e
onisciência causando uma busca incansável por alguém ou algo que confirme suas
ilusões preservando sua autoestima e identidade, visto que, estão constantemente
ameaçadas pelo mundo real. O narcisista tem dificuldade em reconhecer suas limi-
tações, não lida bem com o envelhecimento e a sua incapacidade para determina-
das questões, como também hierarquia, regras, doença, normas e leis. Sendo as-
sim, pessoas narcísicas não conseguem distinguir entre a imagem que eles criaram
de si mesmos e a imagem de quem eles realmente são, fato confirmado em diversos
trechos da autoanálise de Eric. Ele nega a realidade porque se recusa a olhar para o
self, olha apenas para a própria imagem (externa) de como quer ser visto pelos ou-
tros e portanto, assume personas diferenciadas conforme a situação e o objetivo do
momento.

Todo ser humano tem um pouco de narcisismo na personalidade. Antes


da formação diferenciada do ego e id a criança investe toda sua libido em si mesma
(narcisismo primário), no narcisismo secundário a libido retirada dos seus investi-
mentos objetais retorna ao ego. Para Freud, o narcisismo secundário não só indica
certos estados extremos de regressão, é também uma estrutura permanente do in-
divíduo. No plano tópico o ideal de ego representa uma formação narcísica que nun-
ca é abandonada. A questão é a intensidade que essa instancia atua sobre o ego, a
qual foi classificada em cinco níveis de narcisismo ordenados de um nível menos
intenso ao mais intenso. Primeiro nível é a característica do narcisismo-fálico, no
qual o ego é investido na sedução do outro, o cerne da preocupação é a sua ima-
gem sexual. Conforme Wilhelm Reich6 (1897-1957) é caracterizado pela autoconfi-
ança, arrogância, vigor e boa impressão.

O conceito de narcisismo fálico está relacionado a duas questões, primei-


ramente a conexão íntima entre o narcisismo e a sexualidade, principalmente no que

6 Psiquiatra, sexólogo, psicanalista, biólogo e físico austríaco-americano de ascendência judaica,


mais conhecido como uma das figuras mais radicais da história da psiquiatria. Ele foi o autor de vá-
rios livros, incluindo Psicologia de Massas do Fascismo e Análise do Caráter, ambos publicados em
1933. Ele é o pai da bioenergética.
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diz respeito a potência da ereção masculina (falo), segundo, descreve o tipo de cará-
ter relativamente saudável, naqueles que o elemento narcísico é mínimo. Reich ex-
plica que a relação com a pessoa amada nesse nível é muito mais narcisista que o
objeto libidinal. Se mostram apegadas as pessoas e objetos, seu narcisismo é mani-
festado em uma exagerada autoconfiança, dignidade e superioridade.

Segundo nível é chamado de caráter narcísico e é diferenciado do primei-


ro nível por ter a imagem do ego maior que o primeiro, pessoas nesse nível não se
consideram superior aos outros, “eles são os melhores” não há comparação. Tem a
necessidade de serem perfeitos e de serem olhados como tal. Embora tenham a
imagem de si como grandiosa, a realidade do self é o oposto. Em questões de sen-
timentos eles são completamente perdidos, não sabem se relacionar com outras
pessoas no mundo real. Vivem na fantasia e se identificam com as celebridades do
tapete vermelho. A grandiosidade aparente do caráter narcísico é uma defesa relati-
vamente efetiva contra a depressão e, portanto, é difícil de desarmá-la.

Terceiro nível é chamado de personalidade borderline, o indivíduo projeta


uma imagem de sucesso, competência e superioridade e que de alguma forma no
mundo dos negócios e entretenimento consegue realizar, mas a imagem projetada
se altera diante de estresse emocional e o indivíduo se revela desamparado, como
uma criança assustada. Outros apresentam-se como desprovidos, enfatizam a vul-
nerabilidade, pois como não conseguem provar sua arrogância e superioridade com
fatos reais os escondem por trás da máscara da fragilidade. Geralmente, esse tipo
de indivíduo busca a terapia se queixando de depressão. O que difere esse nível do
anterior é a capacidade do ego e o senso do self. Em borderline esse ego é mais
fragilizado e menos desenvolvido quando comparado com o caráter narcísico.

Personalidade psicopata, o indivíduo se considera superior que os de-


mais e mostra um certo grau de arrogância que beira o desprezo da humanidade.
Como os demais níveis o indivíduo nega seus sentimentos e tende a agir de uma
forma antissocial. Mentem, enganam, roubam e até mesmo matam sem nenhum
sinal de remorso ou culpa. Essa característica extrema de falta de sentimento é mui-
to difícil de tratar em terapia. O tipo de comportamento nessas condições é impulsivo
e ignora o sentimento de outras pessoas, geralmente é destrutivo porque visa ape-
nas o interesse pessoal. Os impulsos por trás desse comportamento são originados
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de experiencias na primeira infância que foram tão traumáticas que não puderam ser
integradas no desenvolvimento do ego. Como resultado, os sentimentos associados
aos impulsos estão além da percepção do ego, portanto as ações são executadas
sem nenhum sentimento consciente, por exemplo: assassinato a sangue frio. Esse
tipo de comportamento é chamado de “acting out”7 e não é exclusividade de compor-
tamentos antissociais; alcoolismo, drogas e promiscuidade sexual podem ser tam-
bém uma forma de acting out.

O acting out não é algo exclusivo do psicopata, aparece também no cará-


ter narcísico e no borderline, a diferença é que no psicopata geralmente é antissocial
e de longa duração. Tanto no caráter narcísico quanto no psicopata há a necessida-
de de gratificação imediata e inabilidade de conter desejos ou tolerar frustrações.

Personalidade paranoica, o extremo do narcisismo. O indivíduo acredita


que as pessoas não estão apenas olhando para ele, mas falando e até conspirando
contra ele porque ele é muito especial e muito importante. Em certo grau não conse-
gue distinguir fantasia de fatos. Nesses casos deixa de ser um neurótico narcísico e
passa a ser um psicótico e o tratamento é diferente, porém a maioria das caracterís-
ticas narcísicas são também encontradas nos psicóticos.

O quadro abaixo sintetiza em linhas gerais as características de um indi-


víduo com transtorno narcísico e um psicopata.

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Termo usado para designar as ações que apresentam a maior parte das vezes, um caráter impulsi-
vo, rompendo relativamente com os sistemas de motivação habituais do indivíduo, relativamente iso-
lável no decurso das suas atividades e que toma muitas vezes uma forma auto ou hetero-agressiva.
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NARCISISMO PSICOPATA

Mente Superioridade em relação aos outros


A imagem é o que importa Arrogância
Recalque de sentimentos Negam os sentimentos
Falta da ressonância da voz interna Não sentem culpa ou remorso
A imagem externa é uma compensação da
imagem interna que não é aceita Antissocial
Defesa para sentimentos que não são aceitos Não tolera frustração
Necessidade de poder Inabilidade de conter o desejo
Inibem sentimentos de tristeza e medo Manipuladores
Negando o medo e a tristeza é construída uma
imagem de independência e coragem Compulsão a mentira
Quando em terapia - estar sem o controle da Não sabe diferenciar o certo do errado
mesma é humilhante e demonstra fraqueza emocionalmente
Ausência de superego
Necessita de alguém em sua dependência e ele
no controle

Através dos textos escritos por Eric e de suas sessões de análise pôde-
se observar características narcísicas e até alguns traços de psicopata, no que diz
respeito, a intolerância às frustrações e manipulação. Eric aos 11 anos teve um surto
de fúria e quebrou seu quarto. A partir daí foi diagnosticado com depressão e pas-
sou a tomar medicamentos antidepressivos e ansiolíticos. Teve outro episódio de
fúria aos 23 anos quando foi acusado de participar do assassinato do pai e chamado
de nos tabloides locais de assassino. A fúria violenta contra si próprio ou objetos e
pessoas é uma erupção das frustrações causando um sentimento de falta de poder.
A frustração faz com que o indivíduo se sinta fraco e reforça a ilusão do poder asso-
ciada em ser especial. Quando há o colapso da ilusão a fúria associada com a trai-
ção original (na infância) na qual não pode responder, vem à tona como um vulcão
em erupção. Mas deixa de ser um remédio efetivo porque não tem o entendimento
da causa. Através do poder acredita que pode eliminar qualquer insulto que venha
ocorrer, evitando assim a humilhação. O problema de poder e controle também afeta
a situação terapêutica, a maioria dos narcisistas possui pavor de renunciar ao con-
trole, geralmente não confiam de todo no terapeuta, dados as experiencias passa-
das.
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Outra característica evidente em Eric é a lógica do tipo binário. Uma parte


representa o todo, de modo que se algum atributo do sujeito não corresponder ao
seu ego ideal ou ideal de ego, essa deficiência é generalizada para sua totalidade,
como também a escala de valores é bipolar, na qual, o sujeito oscila de um extremo
ao outro, não há o meio termo, apenas os opostos, fracasso ou sucesso, melhor ou
pior. Sua escala de valores é centrada no ideal de ego e ego ideal o que gera uma
pressão psicológica muito forte e em contrapartida uma vulnerabilidade da autoesti-
ma, acompanhada de sentimentos de vergonha, humilhação e fracasso. Desde a
infância, foi muito sensível às frustrações e insucesso, se apegou a ideia que só se-
ria respeitado, admirado e reconhecido na escola e em casa se fosse o melhor aluno
da sala, sua fortaleza se edificou no seu intelecto, assim sua autoestima está ligada
ao cumprimento das obrigações de corresponder às expectativas de si próprio ou às
provindas de seus pais e professores. A super adaptação às demandas do ideal de
ego constituiu uma personalidade tipo falso self. Sua mais dolorosa dor é o distanci-
amento entre o ego ideal (plano ilusório) e o ego real (plano da realidade) em con-
trapartida seu maior prazer é a admiração do outro, sendo assim, com o intuito de
fugir do seu sofrimento e garantir prazer Eric encontra valores e atributos que preen-
chem o vazio de sua imaginária completude e o vital reconhecimento do outro, como
são atributos supervalorizados sob a forma de beleza e erudição exercem a função
da imagem de Eric, porém ainda longe do ego real, o que torna cansativa a coexis-
tência levando a depressão e consequentemente ao sentimento de um vazio de
morte que assume a forma clínica de um estado de desistência da análise.

Eric apresenta um certo grau de desvirtuamento de sentimentos, sua for-


ma de amar e ser amado repousa na cansativa busca de alguém que preencha suas
falhas e faltas com a intenção de resgatar a completude imaginária original “a majes-
tade, o bebê” que no adulto se torna “a majestade, o ego”, como não tolera as dife-
renças apela ora por tentativas de relacionamentos por aplicativos mal-sucedidas,
ora por enclausuramento de auto suficiência, seguindo assim a eterna busca do im-
possível.

A personalidade narcísica demanda um tempo de análise longo, porém


muitos desistem no meio do caminho e outros querem provar que são melhores que
os analistas então entram em um jogo de manipulação da sessão. Trazem diversos
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mecanismos de defesa, entre eles a resistência e a negação. Sendo que o próprio


narcisismo é um mecanismo de defesa que deriva de um luto patológico de que a
criança sofreu por uma simbiose excessivamente prolongada (no caso de Eric) difi-
cultando as separações e frustrações em geral, aumentando a necessidade de no-
vas simbioses acompanhadas das fantasias de que não existirão privações e limita-
ções. A busca por essa simbiose é manifestada em vários trechos das sessões de
Eric quando menciona a sua mulher idealizada e perfeita. Ao mesmo tempo que o
analista deve acolher e mostrar um continente imenso para recebê-lo deve estar a
tento às manipulações e tentativas de inversão de papéis no setting, como também
saber frustrar o analisando de forma construtiva para guia-lo na passagem do princí-
pio do prazer para o princípio da realidade, pois sua capacidade de julgamento é
comprometida pelo seu ideal de ego e ego ideal exacerbado. Um dos caminhos a
ser percorrido é colocar o adulto para falar com a sua criança interior de forma a fle-
xibilizar os mecanismos de defesa, dando espaço para novas percepções e julga-
mentos mais próximos da realidade.

3.2 Mecanismos de defesa

A angústia é a base da neurose nos adultos e ela surge através de um


desejo pulsional tentando penetrar na consciência com a ajuda do ego para obter
gratificação. O ego não resistiria ao desejo se não fosse o superego, porém como se
submete a esfera superior trava um combate com o movimento pulsional, utilizando-
se de todos os artifícios disponíveis para se proteger, não porque acredita que a pul-
são apresenta sinal de perigo, mas sim por conta das consequências que sofrerá do
superego. Logo, o ego do neurótico adulto é motivado a se defender da pulsão pela
angústia do superego. Assim, o ego considera o superego uma força temível, sendo
este o autor de todas as neuroses que impede o ego de entrar em acordo amistoso
com as pulsões. Fixa um padrão ideal, segundo o qual a sexualidade está proibida e
a agressão é declarada antissocial. Exige determinado grau de renúncia sexual e
restrição da agressão, que é incompatível com a saúde mental. O ego é completa-
mente despojado de sua independência ficando à mercê dos desejos do superego.
O resultado é tonar-se hostil à pulsão, sendo incapaz de qualquer gozo.
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O ego não se defende unicamente contra a “dor” oriunda dos perigosos


estímulos pulsionais internos, experimenta igualmente a “dor” de origem externa. O
ego está intimamente em contato com o mundo externo, do qual recebe seus obje-
tos de amor e deriva aquelas impressões que são registradas pela percepção.
Quanto maior for a importância do mundo exterior como fonte de prazer e interesse,
maiores são as oportunidades para experimentar a “dor”.

A criança se utiliza da fantasia como contraponto da sua angústia real, na


fantasia ela transforma a dor em prazer amenizando a angústia da vida real, isso
acontece de forma natural e saudável quando consegue discernir entre a fantasia e
realidade, valendo-se desse mecanismo para se defender da angústia. Quando a
criança se apodera em excesso desses recursos se distancia demais da realidade e
permanece em seu mundo fantasioso, causando prejuízos reais como a compulsivi-
dade. É certo que, na vida adulta, a gratificação através da fantasia deixa de ser ino-
fensiva, maiores quantidades de investimento estão envolvidas tornando a fantasia e
a realidade incompatíveis.

Eric começou a reprimir seus sentimentos na infância, sua fala, expres-


sões e pensamentos raramente eram externalizados. Ainda nessa fase, o ego infan-
til é maleável e pode revoltar-se, contra o mundo exterior e aliar-se ao id para obter
gratificação pulsional. Na adolescência o ego fica mais rígido, pois não quer conflitar
com o superego. A sua relação por um lado estabelecida com o id e por outro com o
superego (formação de caráter) torna o ego inflexível, seu único desejo deve ser de
preservar o caráter desenvolvido no período da latência e reestabelecer a relação
com o ID replicando a maior urgência pulsional com esforços redobrados para se
defender. Embora sua mente fervilhasse de vontades e emoções mantinha a apa-
rência constante, não se expunha, contestava ou opinava. Não queria ser visto e ao
mesmo tempo queria ser admirado pelo seu intelecto e pelo seu comportamento
exemplar como filho e aluno. Essa foi a maneira que ele encontrou de se expor, mi-
rando a perfeição do que entendia ser perfeito para a sociedade e para os pais. Sua
mãe era a única pessoa com quem se abria, era seu continente seguro e através
dela é que conseguia obter o que desejava e que muitas vezes o pai lhe negava.
Essa armadura foi um meio de atingir certa satisfação sem expor seu ego em risco,
porém outro lado de Eric clamava por ser extrovertido, pois “as pessoas extroverti-
das são queridas e admiradas”, mais do que isso, ser introvertido é ser parecido com
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o pai, com o qual tinha uma rivalidade inconsciente e para ser melhor que ele tinha
que se tornar uma pessoa de alto nível intelectual. Eric desenvolveu uma personali-
dade narcísica pela sedução de sua mãe, criou uma fantasia, na qual não poderia
decepcioná-la e ao mesmo tempo teria que ser melhor que seu rival conquistando a
onipotência.

Nessa construção Eric utilizou demasiadamente os recursos da fantasia e


se afastou da realidade, atualmente vive um personagem criado para atender o ideal
de ego e o ego ideal. Dessa forma, seu ego luta para preservar a imutabilidade de
sua própria existência, é igualmente motivado pela angústia objetiva e pela angústia
do superego, empregando todos os métodos de defesa que está a seu alcance. Re-
calca, desloca, projeta etc.

Eric ressaltava em todos os seus textos a sua procura por um grande


amor idealizado e quando estava se sentindo bem e confiante iniciava suas buscas
em aplicativos de relacionamento, por ser uma pessoa inteligente não era difícil ini-
ciar uma amizade que evoluía da fase da conversa e conhecimento para um encon-
tro presencial. No encontro presencial seus mecanismos de defesa, instigados pela
angústia do superego, entravam em ação evidenciando as qualidades não atendidas
da mulher ideal, e imediatamente, Eric se via em um relacionamento amoroso com
as obrigações e cobranças vividas no relacionamento familiar. Atender as expectati-
vas do outro nos padrões estipulados por ele para ele mesmo e para o outro era
muito trabalhoso e angustiante e a sua imaginação de como seria dali para frente o
frustrava e o amedrontava da mesma forma de como se sentia diante dos colegas,
do pai, do irmão e de seus professores. Diante do conflito mental aterrorizante, seu
ego se submetia às exigências do superego e do ideal de ego projetando na mulher
o que não aceitava nele e uma amizade ou possível relacionamento amoroso era
suspenso de forma vaga e abrupta. Eric não consegue equilibrar a dualidade das
coisas, buscando o caminho do meio. Portanto, ressalta sempre as dificuldades, os
defeitos e os problemas desistindo de uma vida real e fazendo de sua vida fantasio-
sa a sua realidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A proposta desse estudo consiste em explorar os conceitos das instancias


psicológicas do ego, superego, ego ideal e ideal de ego e suas particularidades na
prática tendo como base um caso da clínica psicanalítica.
Para tanto iniciamos com o entendimento dos conceitos teóricos
designados nos estudos de Sigmund Freud e integramos outros autores que
desenvolveram suas teorias a partir desses estudos e puderam complementar e
expandir o campo da psicanálise. As diferentes vertentes trazidas por outros autores
ampliaram o nosso campo de visão e contribuíram para uma melhor compreensão
da metapsicologia, abrindo portas para inclusão das novas tendencias
comportamentais e culturais do ser humano.
A clínica da psicanálise integrativa possibilita agilizar a compreensão das
dores do analisando e adequar o manejo necessário para cada necessidade.
O caso clínico utilizado foi de uma neurose narcísica, o qual, nos
possibilitou observar os mecanismos do ego, o desenvolvimento do superego e o
ideal de ego e como essas instancias afetam a vida do indivíduo.
Pudemos investigar que uma passagem edípica mal formada com uma
sedução inconsciente por parte da genitora contribuíram para a personalidade
narcísica de Eric que fortaleceu o ideal de ego agravando suas exigências. Sua
personalidade narcísica também foi utilizada pelo ego como mecanismo de defesa
contra os golpes do ID pela busca de prazer e consequentemente submetendo-se
ao superego. Não foi possível identificar se o ideal de ego era perverso, mas
identificamos que o mesmo alimentava o superego que conduzia o analisando a
uma prisão psicológica que exigia do ego a busca pela perfeição, onipotência e
padrão de uma personalidade ideal formada ao longo dos anos e que, quando
deparado com frustrações da realidade se refugiava na fantasia da superioridade
projetando no outro o que mais abominava em si.
Entendemos que o ideal de ego transita de um extremo a outro conforme
as suas necessidades, se é que podemos chamar assim as suas prerrogativas.
Nossa psiquê trabalha na dualidade de tudo que vemos, sentimos, ouvimos e
processamos como informação, contundo pela perspectiva do ideal do ego essa
classificação não existe, pois, suas exigências são para atingir um objetivo traçado,
a busca pelo melhor e pelo perfeito. Para essa instância há um único caminho a ser
percorrido pelo ego. O analista fica com a função de mostrar outras opções ao
analisando e conduzi-lo à experiências diferenciadas ajudando-o a quebrar os
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paradigmas e as verdades absolutas perseguidas pelo ego para atender o seu


senhor. Ao passo que o ego experimenta outros caminhos de forma não traumática,
abre-se uma janela e uma ruptura na engrenagem, possibilitando o analisando agir
de maneira diferente, não automática e consciente.
Esse é um longo caminho a ser construído entre o analista e o
analisando. Nesse caso específico, o analisando foi acolhido por meses para que
sua resistência fosse reduzida e seus mecanismos de defesa flexibilizados partindo
para um trabalho de equilíbrio entre a ilusão e a realidade. A atenção flutuante foi
uma ferramenta essencial para a evolução da análise, através dela, a analista, em
uma posição de um observador não egóico, trouxe aos poucos circunstâncias que
confrontavam a fantasia de Eric por si só, o que o fazia reorganizar seus
pensamentos e validar a realidade x sua fantasia.
Eric não suportou a possibilidade de se aproximar da realidade e o medo
de perder sua construção fantasiosa foi tão intenso que desistiu da análise. Esse é
um caso complexo que envolve uma passagem inadequada do Complexo Édipo e
castração, uma falha no desenvolvimento psicossexual, uma personalidade
narcísica, distanciamento do self, muitos mecanismos de defesa e um superego e
ideal de ego exacerbados. Pelo pouco tempo de análise não pudemos concluir de
um todo o quadro clínico e nem a eficiência do manejo adotado. Muitas questões
ficaram abertas para serem aprofundadas, como por exemplo a sua relação com a
tragédia que nunca fora abordada diretamente; seu ódio inconsciente pelo pai e a
vontade de eliminá-lo para ter a mãe e a vida sonhada o levou a participar ou a
cometer o crime? A possibilidade de ter o ideal de ego perverso e a chance de
sublimação? O êxito no manejo em flexibilizar as instâncias do superego e ideal de
ego aproximando-o da realidade? As questões psicossexuais e seus
relacionamentos afetivos?
São temas que abrem margem para novos estudos e investigação na
clínica psicanalítica integrativa, visto que, a psicanálise é um livro escrito através dos
tempos e sem um fim.
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REFERÊNCIAS

J.LAPLANCHE/J.-B.PONTALIS Vocabulário da Psicanálise, Livraria Martins Fontes


Editora Ltda, 7º edição ,1983.

NUNBERG H, Principles of Psychoanalysis, Their Application to the Neuroses,


P.U.F. 1957.

LAGACHE D. A Psicanálise, P.U.F. 2005

ZIMERMAN DAVID E. Manual de Técnica psicanalítica, Porto Alegre – Artmed, 2004

FENICHEL Teoria psicanalítica das Neuroses, Livraria Atheneu – São Paulo, 1981

MELO RODRIGO Z Quando o Édipo não é o destino: pensando o fenômeno transe-


xual como possibilidade identificatória e de existência psíquica – Estudos de Psica-
nálise, Julho 2016

LOWEN ALEXANDER M.D. Narcissism: Denial of the True Self - Simon and Schus-
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FREUD ANA O Ego e os mecanismos de defesa, Porto Alegre – Artmed, 2006

ERSKINE RICHARD G. A psicoterapia da dissociação – Questionamento, Harmoni-


zação e Envolvimento, Instituto de Psicoterapia Integrativa

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