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Ego Ideal e Ideal de Ego - Uma Prisão Psicológica
Ego Ideal e Ideal de Ego - Uma Prisão Psicológica
Ego Ideal e Ideal de Ego - Uma Prisão Psicológica
SÃO PAULO
2022
À minha família..
Based on a case from the psychoanalytic clinic, this study explores observations on
the concept of Ego, Superego and its relationship with the ego ideal. Analyzing the
formation of these instances and the development throughout the individual's life pro-
vides excellent material for the management of psychotherapy as well as the under-
standing of the functioning of the Ego in face of the demands of the Superego and
Ego Ideal. The Ego Ideal becomes an essential element in this research proposal,
insofar as it differs from the Superego instance, achieving its own meta psychological
status. It is understood, therefore, that it is in the articulation of these two instances
that lies the possibility of exploring the consequences and affections in the individual
regarding the submission of the Ego. The relevance of these observations is the pos-
sibility of an advance in the understanding of these concepts in clinical practice and
the possible disorders caused in the individual when they are exacerbated. The
methodology used will be a review of the concepts of the work of Sigmund Freud and
other authors and their applicability in practice. The argument will be developed by
analyzing fragments of a case - victim of a neurosis with predominant narcissistic
disorder. They presuppose that, if there is a balance of the forces that are at stake in
the conflicts between the Superego and the Ego Ideal, it will be possible to make
their demands more flexible, allowing for a psycho-emotional quality of life that is
closer to reality. The outcome of the therapy will depend much more on the patient’s
will to change his psychological pattern than on the psychoanalyst's own handling. In
cases of narcissism like this, the tendency is to abandon the analysis in the middle of
the process, since the pain of recovering the self and getting in touch with the re-
pressed feelings is unbearable and terrifying.
1 INTRODUÇÃO 7
2 IDEAL DE EGO E EGO IDEAL: O CONCEITO NA PRÁTICA A
PARTIR DE UM CASO CLÍNICO 11
2.1 A formação do superego, ideal de ego e ego ideal 11
2.2 Relatos de um analisando 13
2.3 Vozes do Ego, Superego e seus derivados 15
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 37
5 REFERÊNCIAS 40
7
INTRODUÇÃO
Superego, Ego ideal e ideal de ego, qual a diferença e como eles estão
presentes no psiquismo humano? Para entendermos esses conceitos criados por
Freud em 1914 (Para a introdução do Narcisismo) iniciaremos com uma breve des-
crição das fases psicossexuais do indivíduo.
O desenvolvimento psíquico dá início no nascimento com a fase oral, na
qual o bebê tem apenas pulsões e luta pela sua sobrevivência, não se vê como um
indivíduo, acredita fazer parte da mãe e sua zona erógena predominante é a boca.
Essa fase se encerra por volta dos 18 meses de idade quando a criança entra na
fase anal com duração aproximada até 3 anos de idade; se reconhece como um in-
divíduo independente da mãe, percebe o mundo externo e seu relacionamento com
o outro com a introdução da figura paterna, o ânus passa a ser a zona erógena prin-
cipal, sendo o primeiro contato com o poder de controlar algo proporcionando prazer
em expelir e reter as fezes. A fase seguinte é chamada de fálica e compreende dos
3 aos 6 anos de idade, é nessa fase que a criança se depara com o Complexo de
Édipo e de Castração, ela se apega ao genitor do sexo oposto temporariamente e
identifica-se com o genitor do mesmo sexo, a zona erógena está relacionada aos
órgãos genitais e o prazer ligado a exposição desses, como não é permitido pelos
pais a exposição é transferida para o corpo de modo geral através da dança, graci-
nhas infantis, ginástica e qualquer outro tipo de exposição, nessa fase a criança de-
manda pela atenção dos genitores, para que eles a observe e observe seus gestos.
A passagem dessa fase é crucial para o desenvolvimento psíquico da criança e for-
mação do ego e superego e consequentemente as relações sociais e afetivas na
fase adulta, é caracterizado pela ambivalência dos sentimentos; ódio e amor em re-
lação aos genitores.
Conforme Freud o complexo edipiano é universal, os desejos e fantasias
de incesto com o genitor do sexo oposto e a raiva homicida contra o genitor do
mesmo sexo é comum a todos os seres humanos, a questão é como cada um per-
corre por essa fase e os impactos que têm na vida adulta.
A mãe é o primeiro provedor de cuidados tanto dos meninos quanto das
meninas. Essa condição estabelece uma poderosa ligação que provavelmente nun-
ca será de fato rompida. Contudo, essa ligação contém um aspecto assustador para
a criança, a mãe tem um poder avassalador e as perspectivas da criança de desen-
8
Embora o menino fuja do poder assustador de sua mãe, ela ainda é o seu
primeiro amor. A medida que ele se identifica com o pai e que percebe a importância
do pênis, o amor inicial pela mãe assume a forma de desejo erótico. Além de sua
identificação com o pai, o menino o enxerga como um rival nessa nova forma de
amor pela mãe, o que faz com que ele sinta ressentimento e hostilidade. A rivalidade
com o pai é perigosa e, portanto, surge o medo de ser eliminado e ao mesmo tempo
a culpa de querer tomar o lugar do pai no relacionamento com a mãe. O curso inevi-
9
tável da vida inconsciente de um menino faz com que ele entre em um conflito agu-
do e doloroso com dois dos mais proibidos dos desejos: o incesto e o patricídio.
Como o menino, ela se volta para o pai e, nesse momento, tem um desa-
pontamento. Não consegue se identificar com o pai da mesma forma que o menino
em virtude da diferença fisiológica entre eles, a ausência do pênis é fator significati-
vo para essa relação. Em geral, o pai não a acolhe como uma pequena camarada,
fica mais propenso a tratá-la como uma pequena criatura, adorável e sedutora. Sur-
ge então a primeira consequência dolorosa de não ter pênis; é excluída da identifi-
cação e da camaradagem com seu poderoso pai, que poderia protegê-la do poder
avassalador da sua mãe e defender sua demanda por autonomia e individuação.
Diante desse dilema surge a hipótese de que o amor da mãe pelo pai é erótico e se
a menina, ainda fortemente identificada com a mãe, for amante do pai poderá possu-
ir o pênis do pai compartilhando o seu poder. Nesse raciocínio o principal objeto de
amor deixa de ser a mãe e passa a ser o pai.
Se for menina, não existe nenhum meio pelo qual ela possa substituir a
mãe como amante do pai sem que os resultados sejam desastrosos. Sua tarefa ago-
ra é se desembaraçar dessa posição insustentável, de uma maneira que lhe propor-
cione as melhores chances possíveis de ter uma adolescência e vida adulta saudá-
veis. Isso significa a melhor adaptação sexual possível. A forma como ela resolve o
Complexo de Édipo indicará em que medida ela poderá se aceitar como mulher, e
terá um impacto importante nos seus relacionamentos com homens e mulheres.
Há outras duas variações do ego que serão pautadas no caso clínico; ego
ideal e ideal de ego.
Ego ideal é definido por diversos autores como um ideal narcísico de oni-
potência adulterado a partir do modelo do narcisismo infantil. É o processo de ideali-
zação da personalidade pelo qual o indivíduo tem como objetivo retomar o estado de
onipotência do narcisismo infantil. Para Daniel Lagache, (psicanalista francês 1903-
1972), o ego ideal serve de suporte proveniente de uma identificação primária com a
mãe, chamada de identificação heroica (identificação com personagens excepcio-
nais e prestigiosos) e é revelado por uma administração apaixonada por persona-
gens da história ou pessoas caracterizados pela independência e orgulho. Para La-
can, também é uma formação narcísica que tem a sua origem na fase do espelho e
pertence ao registro do imaginário. Na clínica ele aparece na conjugação do verbo
no presente do indicativo (Eu sou!) construção baseada na fantasia ilusória da oni-
potência, “ter é igual a “ser” e por isso o sujeito sempre busca o máximo de si mes-
mo. As identificações são primárias e superficiais, diante de frustrações, o sentimen-
to que emerge é o de humilhação.
rego aparece com uma estrutura com três funções; auto-observação, consciência
moral e função do ideal. A diferença entre a consciência moral e a função do ideal
está relacionada ao sentimento que acompanha, na primeira o sentimento de culpa
e na segunda o sentimento de inferioridade, os quais são resultado de uma tensão
entre o ego e o superego. Para Hermann Nunberg (psicanalista polonês 1884-1970)
o ego obedece ao superego por medo do castigo e submete-se ao ideal de ego por
amor, dessa forma o superego é formado pelos personagens temidos e o ideal de
ego pelos amados. D.Lagache menciona uma relação estrutural onde o superego
remete à autoridade e o ideal de ego à forma como o sujeito deve se comportar para
atender às expectativas do superego.
O ideal de ego acaba sendo o herdeiro do ego ideal, projeções nos pais
adicionando às aspirações deles. O tempo verbal do ideal de ego é o futuro condici-
onal (“devo ser”, “se não...”). o ideal de ego está muito presente nos estados narcísi-
cos e fóbicos. O sentimento predominante é o de culpa e vergonha pelo fracasso
diante das frustrações da vida.
pessoa introvertida que se preocupava com o futuro dos filhos (materialmente), teve
uma infância pobre e suas conquistas materiais foram fruto de sua dedicação aos
estudos e trabalho árduo. A formatura de Eric foi para ele um orgulho, na sua
experiencia de vida conheceu apenas as dificuldades para chegar ao topo e com o
intuito de poupar o filho, automaticamente entrou em contato com conhecidos em
busca de um emprego para Eric. Porém, na concepção de Eric seu pai o queria fora
de casa, e por isso a cobrança de obter um emprego. Há uma hipótese que essa
cobrança na perspectiva do outro, poderia ser apenas perguntas de um pai
preocupado com o futuro de um filho ou até mesmo interesse na vida profissional.
Eric, construiu um mecanismo ao longo de sua infância no qual se apoia até os dias
de hoje... sua estratégia foi ser o melhor aluno da sala, o mais obediente, o mais
querido, o filho perfeito e assim teria o amor/ aceitação do pai, como teria também
suas gratificações materiais. “Ora se sou exemplar, fiz o meu papel, o outro tem que
me recompensar por isso, através da realização dos meus desejos” (“eu faço a
minha parte e o outro me recompensa”). Esse mecanismo funcionou até a fase
adulta por conta das gratificações adquiridas através de sua mãe. Suas vontades
eram atendidas por ela, muito embora, seu pai discordasse em atender a maior
parte. Essa realidade desmoronou na fase adulta, quando sua mãe não pode mais
ser provedora de seus desejos e protetora de suas quedas ou frustrações, o conforto
da vida que levava desapareceu. Eric não se relacionava muito bem com o irmão,
era muito diferente dele que levava a vida mais solta, geralmente não se submetia
aos pais e não era exemplo do filho ideal dentro do contexto da família. Eric não teve
uma infância de grandes emoções e travessuras de criança, era de poucos amigos e
não expressava suas emoções, preferia não ser visto, mas em suas fantasias ele
sempre quis (e ainda quer) ser o herói, reconhecido e aplaudido. Sempre foi
recompensado pela mãe e cobrado pelo pai.
As suas primeiras sessões foram conturbadas, pois alternava os assuntos
e não se aprofundava em nenhum deles. Passou pelo trauma da morte do pai há 4
anos da data de início da terapia e nunca falou diretamente a esse respeito. Depois
de alguns meses de análise, disse estar pronto para falar sobre a tragédia, na
sequência foi solicitado a ele que relatasse como o fato havia ocorrido e qual tinha
sido a sua participação. Diante disso, mudou de assunto e começou a falar sobre o
relacionamento dos pais, o qual era instável, se lembrava de ver raramente seus
pais trocarem afeto e sua mãe muitas vezes alterada em uma discussão, mas
15
“Às vezes tenho a sensação de que o mundo não se encaixa em mim – co-
mo se eu fosse uma peça de um quebra-cabeça solta, sem preenchimento
equivalente. Na verdade, talvez seja eu que não queira me inserir no mun-
do, como se eu não aceitasse fazer parte dele, de alguma forma. O que se-
ria isso? De onde vem essa sensação que tende a me isolar, ou qual o mo-
tivo de eu sempre ter sido mais sozinho, solitário, vazio, incompleto?” (re-
produção do texto de Eric)
Ao mencionar que o mundo não se encaixa nele e que é uma peça solta
sem encaixe, sugere a interpretação que ele se sente “diferente” ( Qualidade do que
é raro; anormal - dicionário da língua portuguesa) nesse caso trabalhou-se com a
16
hipótese do espelhamento do seu ego ideal, uma formação narcísica que tem a sua
origem na fase do espelho (entre 6 e 18 meses) e que pertence ao registro do ima-
ginário¹. Eric se coloca em uma situação de superioridade diante do mundo e dos
outros, o que o torna especial e por isso não encontra seu lugar na sociedade, pois
ninguém está em seu nível intelectual para compreendê-lo e nesse momento é a sua
visão imaginária de si mesmo, seu ego ideal toma as rédeas de sua vida. Quando os
fatos o trazem para a realidade, há um confronto entre o ego e o ego ideal, inflado
pelo ideal de ego, no qual o ego se submete e passa a trabalhar para atender as
demandas do ego ideal. Esse conflito mental gera muito desgaste de energia com
efeitos de vitimização e raiva, sendo a forma compensatória de satisfazer as exigên-
cias do superego e ego ideal, o ganho secundário do sofrimento.
vivo e se reconhecer como indivíduo ele criou suas personas que são assumidas
como, “eu (ego)” influenciado pelo ego ideal e ideal de ego. O trecho acima retrata
sua persona intelectualizada e perfeita, a qual, em sua concepção, é aceita e admi-
rada por todos. Não é surpresa que ele tenha escolhido essa para iniciar seu diário
de autoanálise, sendo o intuito a aceitação e aprovação do analista, deixando-o mais
confortável para as próximas sessões. Ao longo desse primeiro trecho o conflito en-
tre suas vozes é sutilmente manifestado quando relata seu desejo de namorar uma
garota “muito bonita e atraente fisicamente”, logo na sequência contesta o desejo
revelando a sua baixa autoestima, que é substituída por uma pergunta sobre a real
intenção de seu desejo e sem tempo de avaliar concluiu com a frase “mulheres atra-
entes fisicamente não possuem bons dotes intelectuais”. Nesse “looping” de pensa-
mentos o seu ego ficou anulado, gratificou sua inferioridade assumindo que mulhe-
res atraentes não são inteligentes e, portanto, não condiz com a sua persona intelec-
tual. Porém, sua conclusão “Confesso que tenho esse desejo latente e inconsciente
em mim, pedindo ardentemente para que seja satisfeito. Loira, doce, inteligente, ca-
rismática – meu sonho de consumo...” reforça a ideia dessa persona de ter uma mu-
lher maravilhosa (desejada pelo outro) e consequentemente autoafirmando-se. Eric
o busca em um corpo de mulher, assim não teria que lidar com o desconhecido, com
a possibilidade de uma rejeição ou frustração de não ser desejado pelo outro. Outro
aspecto interessante de sua fala é dizer que tem um desejo latente e inconsciente;
latente pode ser, mas inconsciente? A partir do momento que assume um desejo ele
deixa de ser inconsciente. O inconsciente é esotérico e o propósito da psicanálise é
justamente trazer seu conteúdo para o consciente, expandindo assim a consciência
e o autoconhecimento. Essa afirmação de Eric abre caminhos para explorar a hipó-
tese da dissociação1 do self. A defesa pela dissociação durante uma experiência
traumática permite que a pessoa se distancie emocionalmente da experiência e
molde-se às exigências externas, seu uso continuado permite o desligamento das
emoções escapando das lembranças da experiência traumática e de seu impacto
devastador. É um processo defensivo presente em vários distúrbios de personalida-
1
Fenômeno defensivo que visa manter a estabilidade física e mental decorrente de uma variedade
de experiências que pode ser desde um leve desapego emocional do objeto, até uma desconexão
mais severa das experiências físicas e emocionais. A principal característica é um distanciamento
da realidade.
18
gestores, orientados para execução das tarefas quotidianas, mantendo outras partes
exiladas da consciência; os exilados, ligados a memórias dolorosas relacionadas
com o trauma, afastados pelos gestores, mas que em alguns momentos podem
ocupar o comando levando o indivíduo a identificar-se com as suas memórias.
Quando isso acontece, são ativados os bombeiros, com a função de aliviar as emo-
ções intensas, através de comportamentos autodestrutivos ou perturbações alimen-
tares (Schwartz, 2001; Sweezy & Ziskind, 2013) desmembramento da experiência
em partes, que constituem repositórios de memórias específicas, representando
uma porção da memória traumática. Desenvolve-se uma parte comprometida com a
vida quotidiana – que rejeita as memórias do trauma –, e outras partes, que movi-
mentam respostas de defesa para sobrevivência face ao trauma: luta (comportamen-
tos autodestrutivos), fuga (atitudes ou pensamentos compulsivos) e paralisação (an-
siedade). Por fim, a Teoria de Estado do Ego postula o self como sendo constituído
por partes inconscientes do Ego (Kluft, 2006; Muller, 2002). Estas denominam-se de
estados do ego, consistindo num sistema organizado de comportamentos e experi-
ências, sendo que, num processo de diferenciação saudável, apesar de subjetiva-
mente separadas, estas possuem barreiras permeáveis e interligam-se (Watkins,
1993). Na dissociação, estas barreiras apresentam-se mais impermeáveis, formando
a própria identidade com um significado próprio para as memórias, ações, pensa-
mentos e sentimentos. O desenvolvimento destes estados possui a função de adap-
tação a situações de vida intoleráveis provocando a desconexão da mente e do
evento real, e desmembrando a experiência, para a manutenção da sobrevivência
(Fisher, 2017; Strait, 2014). O mecanismo isola o sujeito das memórias, e conse-
quentemente, do afeto e impacto associado à experiência do evento traumático, fra-
gmentando o ego para a manutenção da estabilidade mental e capacidade para es-
tabelecer relações (Erskine, 1993; Loewenstein, 1993). Os aspetos do self isolados,
em proporções extremas, desenvolvem-se em diferentes identidades – partes, al-
ters, estados de identidade (Reinders, 2006) –, protetoras da personalidade central.
Estas alternar-se-ão em função da que tem maior competência para gerir a situação,
assumindo o controlo executivo do corpo (ISSTD, 2011; Rappoport, 2012) para a
regulação afetiva (Paulsen & Lanius, 2014).
cas. A IFS usa a teoria dos sistemas familiares para entender como essas coleções de subpersonali-
dades são organizadas.
20
Pude notar isso diante de um encontro agradável com uma amiga (?) neste
último sábado. .... Durante a conversa, senti algo diferente, talvez um olhar,
um sentimento que eu não sentia há anos.
Eu me senti acolhido diante daquela conversa leve, e até quando tocávamos
em assuntos extremamente desagradáveis e traumáticos para mim, eu não
sentia tanta dor ao relatá-los de maneira discreta. Era como se eu realmente
estivesse nos braços da minha mãe, envolto numa esfera de proteção e
apoio. Também não costumava me sentir “com obrigação” de agradá-la, ou
me esforçar para fazer transparecer meus melhores dotes e habilidades –
eu simplesmente pude ser eu mesmo, apesar de ainda me questionar bas-
tante sobre isso. Quem realmente eu sou ? Talvez
alguém que queira mudar o mundo... Estar longe das pessoas que eu amo e
que me abandonaram naquele passado sombrio, e ainda não saber onde
ela está – minha futura namorada e esposa – me deixam profundamente
triste. Acho que nunca fui efetivamente feliz em um relacionamento a 2 –
talvez com Marcia, nos primeiros meses de 2016. Talvez eu nunca fui feliz
porque sempre busquei (e ainda continuo a buscar) alguém que substitua o
papel que minha mãe exerceu em minha tenra idade – cuidadosa, atencio-
sa, amorosa, presente, apoiadora e admiradora do meu esforço intelectual
presente desde meus primeiros anos. Forte, corajoso, inteligente, racional,
dedicado, introvertido, dificuldade de exposição, medo do fracasso, choro si-
lenciosamente, quero mudar o mundo, a mim mesmo e o que estiver ao
meu alcance, pensativo e reflexivo, quero ser incrível, quero ser feliz, sofro.
(Reprodução do texto deEric)
21
Eric trouxe o texto acima após uma sessão de análise em que o tema foi
sua mãe e o complexo de édipo3. Aqui ele enquadra uma outra persona um tanto
romântica e fragilizada, que se sentiu acolhida nos braços de sua amiga, a possibili-
dade de não ser feliz em um relacionamento e o conto de fadas (busca pela princesa
que realizará seus desejos). Não há identificação de traço de sofrimento oriundo da
perda de seu pai, apenas uma menção do abandono no passado sombrio pelas
pessoas que ele ama e que foi contradito em uma sessão presencial na qual ele
respondeu à pergunta “Quem você ama?” “Eu”. A sua persona intelectual e narcísica
aparece sutilmente quando fala sobre si, como alguém que quer mudar o mundo.
Qual o tamanho dessa grandeza? Qual o significado de mundo? O que ele quer mu-
dar? Na sessão clínica foi trabalhado essas questões, no que chamo, de funil de
significante e significado, as ideias são analisadas a partir da ideia macro para o mi-
cro, até o ponto em que o indivíduo entende que a mudança do mundo é uma ideia
vaga e distante projetada no exterior (outros) porque não quer olhar para si mesmo.
Uma característica narcísica de proteger uma inferioridade interior.
Eric trabalha com a persona que melhor convém formando uma barreira
de proteção do seu self, isso lhe proporciona uma sensação de segurança e de con-
trole, o que faz pensar que ele tem o poder de manipular situações conforme seus
desejos.
3
Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta em relação aos pais.
Sob a forma positiva, é desejo da morte do rival (personagem do mesmo sexo) e desejo sexual pelo
personagem do sexo oposto. Sob a forma negativa é o amor pelo genitor do mesmo sexo e ódio e
ciúmes pelo genitor do sexo oposto.
22
Possui uma resistência muito forte contra a análise e isso torna o cami-
nho mais longo. Traz sempre as suas personas para manipular a sessão e, entre um
assunto e outro, seu inconsciente é acessado de forma sutil e informações são cole-
tadas para a montagem do que vai além do seu controle. Em uma de suas sessões
mencionou muito rapidamente a sua fantasia com uma pessoa transexual, sem dar
mais detalhes dizendo que isso o incomodava. Esse dado é relevante para a com-
preensão da passagem edipiana e construção do ego. A psicanálise compreende
que é no tempo do complexo de édipo que ocorre a inclusão do significante do No-
me-do-Pai4 no Outro, que marca a entrada do sujeito na ordem simbólica e permite o
início da cadeia do significante no inconsciente, sugerindo as questões do sexo,
questões fechadas ao sujeito neurótico (LACAN, 1957-1958/1999). A intervenção do
Nome-do-Pai no Outro faz com que a identificação da criança com o falo (poder) da
mãe seja destruída, ou, pelo menos, recalcada (QUINET, 2006).
4
Identifica sua pessoa à figura da lei, ou seja, trata-se de uma função cujos efeitos são inconscientes
24
5
Autoginefilia ("amar a si mesmo como mulher") é um termo cunhado em 1989 por Ray Blanchard,
para se referir a "propensão parafílica de um homem se sentir sexualmente excitado pelo pensamen-
to ou imagem de si mesmo como uma mulher," com a pretensão de que o termo se refira a "toda a
gama de comportamentos e fantasias entre gêneros eroticamente estimulantes". O termo é parte do
modelo explicativo proposto por Blanchard, a Tipologia do transexualismo de Blanchard, criada com
base no trabalho de seu colega, Kurt Freund.
25
“Eu realmente sempre esperei que algum tipo de suporte me fosse dado en-
quanto eu luto pelo ideal. Entretanto, agora que não tenho esse suporte, pelo
menos não da maneira da qual gostaria, isto manifesta a minha insatisfação
com minha atual situação. A realidade é muito dura e, em certos momentos,
cansativa, a ponto de não querer mais ir em frente. Após nossa última sessão,
senti como se estivesse saindo de um mundo ilusório para o mundo real, o
que me deixou triste. Eu não nasci para ser escasso, raso, em todos os senti-
dos. Ninguém nasceu para isso. A diferença é que existem pessoas que se
resignam com essa condição, e outras não. Eu definitivamente não sou resig-
nado, nem quero me relacionar com pessoas que assim sejam. E de fato, al-
gumas pequenas mudanças já venho fazendo, na verdade comecei a fazer
após a nossa última sessão, o insight obtido: eu não sou o centro das aten-
ções; se eu não fizer por mim, ninguém o fará; se eu deixar de existir amanhã,
o mundo continuará exatamente o mesmo; eu preciso começar a ganhar di-
nheiro de verdade. É difícil dizer e aceitar essas últimas palavras, mas são a
realidade.” (reprodução dos textos de Eric)
Freud nos lembra dos mecanismos que usamos para dar conta desse ob-
jeto faltoso, que faz a vida árdua demais, quando diz em O mal-estar da civiliza-
ção ([1930] 1996, p. 83):
diz respeito a potência da ereção masculina (falo), segundo, descreve o tipo de cará-
ter relativamente saudável, naqueles que o elemento narcísico é mínimo. Reich ex-
plica que a relação com a pessoa amada nesse nível é muito mais narcisista que o
objeto libidinal. Se mostram apegadas as pessoas e objetos, seu narcisismo é mani-
festado em uma exagerada autoconfiança, dignidade e superioridade.
de experiencias na primeira infância que foram tão traumáticas que não puderam ser
integradas no desenvolvimento do ego. Como resultado, os sentimentos associados
aos impulsos estão além da percepção do ego, portanto as ações são executadas
sem nenhum sentimento consciente, por exemplo: assassinato a sangue frio. Esse
tipo de comportamento é chamado de “acting out”7 e não é exclusividade de compor-
tamentos antissociais; alcoolismo, drogas e promiscuidade sexual podem ser tam-
bém uma forma de acting out.
7
Termo usado para designar as ações que apresentam a maior parte das vezes, um caráter impulsi-
vo, rompendo relativamente com os sistemas de motivação habituais do indivíduo, relativamente iso-
lável no decurso das suas atividades e que toma muitas vezes uma forma auto ou hetero-agressiva.
33
NARCISISMO PSICOPATA
Através dos textos escritos por Eric e de suas sessões de análise pôde-
se observar características narcísicas e até alguns traços de psicopata, no que diz
respeito, a intolerância às frustrações e manipulação. Eric aos 11 anos teve um surto
de fúria e quebrou seu quarto. A partir daí foi diagnosticado com depressão e pas-
sou a tomar medicamentos antidepressivos e ansiolíticos. Teve outro episódio de
fúria aos 23 anos quando foi acusado de participar do assassinato do pai e chamado
de nos tabloides locais de assassino. A fúria violenta contra si próprio ou objetos e
pessoas é uma erupção das frustrações causando um sentimento de falta de poder.
A frustração faz com que o indivíduo se sinta fraco e reforça a ilusão do poder asso-
ciada em ser especial. Quando há o colapso da ilusão a fúria associada com a trai-
ção original (na infância) na qual não pode responder, vem à tona como um vulcão
em erupção. Mas deixa de ser um remédio efetivo porque não tem o entendimento
da causa. Através do poder acredita que pode eliminar qualquer insulto que venha
ocorrer, evitando assim a humilhação. O problema de poder e controle também afeta
a situação terapêutica, a maioria dos narcisistas possui pavor de renunciar ao con-
trole, geralmente não confiam de todo no terapeuta, dados as experiencias passa-
das.
34
o pai, com o qual tinha uma rivalidade inconsciente e para ser melhor que ele tinha
que se tornar uma pessoa de alto nível intelectual. Eric desenvolveu uma personali-
dade narcísica pela sedução de sua mãe, criou uma fantasia, na qual não poderia
decepcioná-la e ao mesmo tempo teria que ser melhor que seu rival conquistando a
onipotência.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
38
REFERÊNCIAS
FENICHEL Teoria psicanalítica das Neuroses, Livraria Atheneu – São Paulo, 1981
LOWEN ALEXANDER M.D. Narcissism: Denial of the True Self - Simon and Schus-
ter, 2004