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DiegoChavesRamosSampaio Dissert
DiegoChavesRamosSampaio Dissert
DiegoChavesRamosSampaio Dissert
JOÃO PESSOA – PB
2020
ESOTERISMO OCIDENTAL E NOVA ERA: A TRADIÇÃO
INVENTADA PRESENTE NA TRAJETÓRIA DA ANTIGA E MÍSTICA
ORDEM ROSACRUZ (AMORC) NO RECIFE/PE (1959-1981)
BANCA EXAMINADORA
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Agradeço a Deus, a minha família, em especial minha mãe Cláudia, minha avó Jenny
meu pai Marcelo, a minha avó Lourdes Costa, a meu tio Marconde e meu tio Frederico, este
último que ia comigo várias vezes a João Pessoa. Agradeço In Memorian a Tiago de Melo
Gomes (UFRPE), Luis Manuel Domingues (UFRPE) e Augusto Neves (UFRJ); professores
que conheci em minha trajetória acadêmica e que contribuíram para a minha formação. A
Marcília Gama(UFRPE), minha orientadora na graduação.
Aos meus alunos, que sempre me apoiaram e me ensinavam a cada aula que tínhamos.
Aos meus orientadores no percurso do Mestrado, Carlos André Cavalcant (UFPB) e Priscilla
Gontijo (UFPB). Ao professor e coordenador do PPGH, professor Tiago Bernardon (UFPB).
A professora Serioja (UFPB), pela oportunidade de fazer o Estágio em Docência. Ao
professor Carlos André Silva (UPE) e a professora Telma Delgado (UFPB), pelas observações
e por em comporem a minha banca. Ao professor Paulo Donizetti (UFRPE), por me instigar
no debate sobre História e Religiões, por ter me feito, no ano de 2016, acreditar que eu
poderia chegar ao mestrado. Ao professor Antônio Paulo Rezende (UFPE), por despertar o
aperfeiçiamento da minha escrita acadêmica.
Aos amigos Marina e Raphael, que me ajudaram na fotografia e transcrição do acervo
documental, bem como a Elias Figlioulo, que esteve presente comigo desde a etapa de seleção
do mestrado em 2017. A Walter, meu amigo antigo da UFRPE, que sempre me auxilou. Aos
amigos Carlos Abreu e Otávio Santana, que me guiaram nos estudos sobre Esoterismo
Ocidental. A todos meus amigos do PPGH que me deram força durante a jornada do
mestrado, em especial a George, Victor, Wuendisy e Lucas. A todos os professores do PPGH,
pelo conhecimento repassado, sobretudo Carla Mary. Ao todos os membros da Loja Recife da
AMORC, em especial aos Frateres Marcelo Sobral, Rodrigo Marinho, Paulo Dutra, Antônio
De La Maria; as Sorores Roseane, Liriany, Tereza Dutra, Márcia, Nair. A Grande Loja, pelo
envio de livros.
Dedico esta dissertação a todos os praticantes e estudiosos do Esoterismo Ocidental, a
todos os pesquisadores cujos trabalhos acadêmicos contribuíram para esta pesquisa (Fábio
Mendia, Marcelo Leandro, Amauri Pereira, Magnólia Gibson, Vitor Oliveira, Leandro
Hecko), aos membros da AMORC e a todos aqueles que amam e se dedicam aos trabalhos na
área de História, bem como aqueles que valorizam a profissão do Historiador na Sociedade.
Por fim, dedico esta dissertação a minha namorada e companheira, Clara Sande, que
acompanha em meu crescimento pessoal e acadêmico.
RESUMO
This dissertation analyzed the invented tradition present in the trajectory of the Ancient and
Mystical Order Rosicrucian (AMORC) in the city of Recife, during the time period from 1959
to 1981. This period covered the foundation of the group, in the name of Pronaos (1959), its
elevation to Chapter (1962) and expansion to the Lodge (1971). We can say that the
consolidation of AMORC in Capital Pernambucana took place between 1971 and 1980, a
time of intense activities when compared to previous periods. We consider it important to
approach the Cultural History of Religions in the understanding of Agnolin, Carlos André
Silva, Elaine Moura and Benatte to analyze the religious phenomenon, as we understand
Religion as a cultural product of its time. The period covered in this research is related to the
Counterculture movement, started in the 1960s by young people who criticized the current
moral values. Such questions reflected in spirituality, in the search for explanations outside
the Judeo-Christian religions. This phenomenon when reaching the spiritual field is
understood by the historians of Esoterism as a New Age movement, whose context brought
social actors into contact with esoteric ideas disseminated in books, music and in excerpts
from newspapers. We see AMORC as a group linked to Western Esotericism, which is
defined as a tradition of thoughts present in the West since the Renaissance period. This
research leads us to understand how the New Age favored the spread of Esoterism,
contributing to influence the expansion of AMORC. It was confirmed through this
dissertation that AMORC sought to legitimize its teachings through its “traditional origin”,
which alludes to civilizations and events with which, according to its belief, it maintained
links. In presenting herself in this way, she tried to distinguish herself from other esoteric
orders due to the authenticity with which she claimed to transmit knowledge about Esoterism
and Rosicrucianism. We face this fact through the understanding of E. Hobsbawm as an
Invention of Tradition, where our work identified the present elements of this Tradition
Invented by AMORC during your trajectory in the city of Recife, like festivities related to
Ancient Egypt, such as the Feast of Pyramid and the New Year Rosacruz, as well as lectures,
social events and advertisements in the newspapers. Our theoretical framework in E.
Hobsbawm also contextualized cultural changes in the 1960s-81, as well as the works of
Amauri Pereira, Magnólia Silva and Silas Guerriero that allowed us to understand the New
Era and its presence in Brazilian territory. The understanding of Western Esotericism was
based on the views of Antoine Faivre and Hanegraaff. Our methodology was based on the
crossing of private documentation, available in the current Store Recife - involving meeting
minutes, annual reports, letters, photographs - to the periodicals available in the Digital
Library of the National Library, specifically, the diary of Pernambuco. We highlight the
originality of the documentation worked on in this research, which had never been exposed
academically, but which is now available as an attachment at the end of this dissertation to
instigate new research on the topic.
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
1 ESOTERISMO OCIDENTAL: NOTAS E APONTAMENTOS..........................................27
1.1 A Historicidade do Esoterismo Ocidental...............................................................27
1.2 O Esoterismo Ocidental enquanto objeto de estudo: a institucionalização
acadêmica......................................................................................................................33
1.3 O Esoterismo Ocidental e visões conceituais a partir de Antoine Faivre e Wouter
Hanegraaff.................................................................................................................................36
1.4 Pensadores do Esoterismo Ocidental......................................................................45
2 A NOVA ERA E A DIFUSÃO DO ESOTERISMO OCIDENTAL EM TERRITÓRIO
BRASILEIIRO..........................................................................................................................53
2.1 A Revolução Cultural e a Contracultura.................................................................53
2.2 Os meios de difusão do Esoterismo Ocidental no Brasil: imprensa, editoras e
músicas......................................................................................................................................59
2.3 A propagação das Ordens Esotéricas......................................................................71
3 ANTIGA E MÍSTICA ORDEM ROSACRUZ: A HISTÓRIA DO ROSACRUCIANISMO,
A FUNDAÇÃO DA AMORC E A SUA CHEGADA AO BRASIL.......................................86
3.1 Primórdio do Rosacrucianismo: os manifestos rosacruzes (XVII).........................86
3.2 A fundação da Antiga e Mística Ordem Rosacruz................................................106
3.3 A AMORC NO BRASIL......................................................................................113
4 A TRAJETÓRIA DA AMORC NO RECIFE E A TRADIÇÃO INVENTADA (1959-
1981).......................................................................................................................................124
4.1 A Tradição Inventada: os usos do passado pela AMORC....................................124
4.2 A trajetória da AMORC no Recife: a instalação e atividades do Pronaos (1959-
1962)............................................................................................................................129
4.3 CAPÍTULO RECIFE (1962-1971) ......................................................................147
4.4 A Loja Recife (1971-1981) ..................................................................................156
CONCLUSÃO........................................................................................................................169
REFERÊNCIAS......................................................................................................................172
ANEXOS................................................................................................................................180
11
INTRODUÇÃO
Para isto, o historiador tem a vantagem de mapear os dados que vão desde a escala
temporal ao espaço geográfico, estando ele alicerçado às fontes que norteiam a sua pesquisa e
o levam a descobertas. Esta pesquisa teve como motivação inicial o exercício de organização
de documentos e periódicos da Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC)1, uma Ordem
2
Esotérica presente em diversos locais do mundo e também na cidade Recife, cujo
pesquisador esteve envolvido. Na condição de historiador, coloquei-me à disposição para
organizar o acervo privado em ordem cronológica. Tal acesso também permitiu a
possibilidade de contabilizar um significativo número de atividades e discussões internas
abordando os mais variados temas. Ao analisar tais documentos, notei a troca de
correspondências em 1959 entre a Grande Loja3 da AMORC, localizada na época no Rio de
Janeiro, com o senhor Moacir, Rosacruz residente no Recife. Tão logo percebi que aqueles
documentos se tratavam dos primeiros registros históricos da existência de um organismo
afiliado4 da AMORC, tanto no Recife como no Nordeste.
1
Iremos nos referir a Antiga e Mística Ordem Rosacruz nesta dissertação pela siga, AMORC.
2
Ordens Esotéricas são grupos de ensinamentos ligados ao Esoterismo Ocidental, propostos a transmitir em seus
ensinamentos a maneira de como entendem o conteúdo esotérico.
3
A denominação Grande Loja representa a hierarquia administrativa máxima presente em um país. Antes da
Grande Loja do Brasil, os ensinamentos da AMORC, bem como as correspondências, vinham diretamente da
sede mundial, a Suprema Grande Loja, presente naquela época na Philadélfia. Assim, notamos a divisão
administrativa da AMORC em disignar uma Grande Loja em cada país, para atender melhor a demanda dos
Rosacruzes locais e presentes naquele espaço.
4
De acordo com os ensinamentos Rosacruzes, Organismo Afiliado é a atribuição utilizada para designar um
grupo subordinado a AMORC, podendo ser ele: Pronaos, Capítulo ou Loja. O termo Pronaos é utilizado para
designar um grupo em até 30 membros, podendo realizar atividade de Pronaos, que são os estudos de Átrios-
ensinamentos iniciais quando ingressado na AMORC. Já o termo Capítulo, abrange um grupo de 30 a 50
indivíduos, diferenciando-se do Pronaos por poder realizar as Convocações Ritualísticas em um Templo
Rosacruz. Por sua vez, a Loja , abrange mais de 70 indivíduos, sendo responsável por fazer as chamadas
Iniciações de Graus, algo que nem o Pronaos nem o Capítulo estão autorizados. As iniciações de graus
simbolizam um avanço na etapa dos estudos rosacruzes, divididos em: Neófilo, Postulante e Iniciados.
12
5
Informação contida quanto analisamos os Organismos Afiliados da AMORC no Brasil. Informação retirada do
livro A História da AMORC na Jurisdição de Língua Portuguesa (2000), de autoria da própria Grande Loja.
6
Informação presente na carta enviada pela Grande Loja aos membros do Pronaos Cavaleiros da Loja.
Disponível na atual Loja Recife.
13
exemplo da aquisição da sua sede atual e do maior quantitativo atividades se comparados aos
períodos anteriores da elevação a Loja. Feito isso, resolvemos fazer um trabalho acadêmico
tomando como base essa documentação inédita, a fim de contribuir para a historiografia.
Sérgio da Mata em seu livro História e Religião (2010) expõem as formas de como as
religiões foram concebidas pela humanidade, em suas diversas crenças, destacando a
amplitude do termo Religião. Compreendemos à AMORC como um fenômeno religioso 7
presente no tempo histórico, cujo conceito é definido por Antônio Benatte (2014) da seguinte
forma:
Religião pode ser compreendida como um sistema mais ou menos aberto de crenças
e práticas transmitidas historicamente (tradições) e que orientam comportamentos,
ações e relações de indivíduos e coletividades; ela compõe estilos de vida, modos de
pensar, sentir e agirm de conceber a vida, o mundo, a morte e o além”(BENATTE,
2014, p.65).
A História das Religiões propriamente dita teria surgido como disciplina no século
XIX, porém somente no século XX despertou a atenção dos historiadores, haja vista a
necessidade de a História operar neste campo de estudo (MATA, 2010). Mata reitera que um
dos principais cuidados que o historiador deve ter para o estudo do fenômeno religioso diz
respeito à sua compreensão no âmbito temporal, pois, o fenômeno religioso pode se
manifestar em diferentes períodos históricos e assumir características distintas ou semelhantes
com as quais se manifestou em outras ocasiões (MATA, 2010). Dessa maneira, caberia ao
historiador, através de uma análise Histórico-Comparativa (AGNOLIN, 2013), delitimar o seu
objeto de estudo mediante uma contextualização dos acontecimentos do recorte temporal
selecionado, sobretudo ao analisar os elementos culturais do período.
O historiador das religiões ao compreender as manifestações dos grupos religiosos tem
a oportunidade de contribuir com a historiografia destacando fatores ligados à religião e a
cultura, expondo como o contexto histórico influenciou na difusão de um determinado
fenômeno religioso. Isto possibilita identificar os artifícios utilizados por um grupo religioso
para se legitimar; compreender as negociações estabelecidias entre os religiosos e a
sociedade; conhecer o campo de disputas existente entre os demais movimentos religiosos.
Esta perspectiva de estudo das religiões pela ótica histórica e cultural parte do entendimento
7
A AMORC apresenta um conjunto de ensinamentos definidos em sua tradição buscando o conhecimento
interior e o contato com uma força sobrenatural. Ao mesmo tempo, a AMORC é um ambiente que une pessoas
com interesses em comuns. Tais aspectos permitem classificá-la como um fenômeno religioso através do
entendimento de Sergio da Mata e na definição de Antônio Benatte. Portanto, um fenômeno religioso não precisa
ser definido como uma Religião propriamente dita para ser visto de tal maneira- tendo em vista a maneira
polissêmica que o termo adquiriu. Também utilizaremos este termo para os grupos esotéricos ao longo da
pesquisa.
14
da Escola Italiana de História das Religiões, que de acordo com Rafaelle Pettazzoni (1883-
1959), um dos primeiros historiadores desta corrente a se dedicar ao estudo da religião, “toda
religião é um produto histórico, culturalmente condicionado pelo contexto e, por sua vez,
capaz de condicionar o próprio contexto em que opera” (MAZZENZIO, 2005, p.149). De
acordo com Agnolin:
O eixo teórico desta dissertação paira sobre a História Cultural, interligando-se com a
História Cultural das Religiões. A Nova História Cultural como campo de estudos trouxe
novas formas de abordagem da religião para os historiadores. Até meados do século XX, os
estudos em Religião estiveram associados à visão teológica ou eclesiástica das instituições
como objeto de estudo (SILVA, 2018). Isso significa que essa perspectiva se fundamentava
mais em analisar instituições, como a Igreja e o seu poder ao longo dos períodos históricos, do
que adentrar na percepção cultural dos agentes envolvidos neste processo.
Pela perspectiva da História Cultural das Religiões, a compreensão dos fenômenos
religiosos é vista quando analisamos as instituições religiosas e os diálogos culturais que se
estabelecem entre elas e a sociedade, destacando - por exemplo - as trocas culturais entre a
igreja e os agentes históricos. De acordo com Carlos André Silva de Moura, estes estudos.
8
Autores como Peter Burke em sua obra O que é História Cultural? (2008) caracterizam a Virada Cultural
como um movimento de proximidade entre a História e a Antropologia, ocorrida entre os anos 70 e 80. De
acordo com Peter Burke, “a preocupação Antropológica com o cotidiano e com sociedades...encorajou o termo
do emprego “cultura” em um sentido amplo. (BURKE, 2008; p 45).
9
A exemplo da obra do historiador italiano Marcello Massenzio, A História das Religiões na cultura moderna
(2005)
10
Estes estudos deram atenção a novos objetos, como diversidade cultural, intolerância religiosa, trocas
culturais, religião e movimento operário, além do estudo de religiões propriamente ditas além das matrizes
Judaico-Cristãs, a exemplo do Esoterismo.
15
A fenomenologia sugere um estudo voltado para as religiões como algo que sempre
existiu independente do tempo histórico, sendo, portanto, uma visão genérica e atemporal da
religião e da relação dos seres humanos para com o sagrado (SILVA, 2010). Se comparado à
historicidade, vemos essa distinção trazida no campo da História das Religiões, visto que pela
abordagem Histórica e Cultural “há uma necessidade de definir aquilo que, em certo contexto
histórico cultural, uma sociedade entende como religião, a maneira como atribui os sentidos
ao religioso, se recusando, desta forma, a trabalhar com categorias atemporais e genéricas”
(SILVA, 2010, p. 12).
O período histórico analisado nesta pesquisa (1959-1981) se relaciona com
transformações em aspectos sócio-culturais que ocorrem no Ocidente, atingindo o Brasil. Este
cenário no campo da espiritualidade é compreendido pelos historiadores como movimento
Nova Era, que se manifestou como consequência da Contracultura em seu caráter crítico no
âmbito religioso. (MGC, 2000). A Nova Era trouxe como consequência a difusão de ideias
relacionadas ao Esoterismo Ocidental - que a AMORC está inserida. Dessa maneira, em
termos gerais, ao desenvolver a pesquisa, podemos associar a difusão da AMORC na cidade
do Recife para com a Nova Era, analisando o Esoterismo Ocidental num determinado recorte.
Assim, pela História Cultural das Religiões, podemos afirmar que as abordagens em
Religião que foram da fenomenologia à Historia têm recorrido a uma análise intertextualizada
dos acontecimentos históricos, através da maior observação cultural. Conforme o Historiador
Carlos André Silva Moura:
Nos últimos anos, os estudos sobre as religiões têm recebido atenção dos
pesquisadores das diversas áreas das Ciências Humanas no Brasil. Com as
contribuições da História Cultural, os investigadores têm se debruçado em questões
16
que ultrapassam uma análise devocional ou que prazem apenas por problemáticas
que tenha afinidades com alguma instituição, a exemplo das igrejas enquanto
organizações religiosas. Através dessa perspectiva de análise, distanciamo-nos das
classificações atribuídas apenas à fenomenologia, pois investigamos as religiões a
partir de sua historicidade, das práticas dos seus líderes e fiéis, das artes de fazer e
outros aspectos para compreendermos as representações que envolvem nossos
eventos. (MOURA, 2018, p. 132).
Destarte, justificamos nossa opção pela História Cultural das Religiões, pois nesta
pesquisa não concebo a difusão do Esoterismo e da AMORC entre 1959-1980 sem ter relação
com a Nova Era. Quando nos referimos ao termo Esoterismo Ocidental não estamos falando
propriamente de um estudo do “Esoterismo no Ocidente”, mas sim de uma tradição composta
por correntes de pensamentos que é academicamente definida como Esoterismo Ocidental. Na
visão de teóricos como Antoine Faivre (1994) e Wouter Hanegraaff (1996), utiliza-se o termo
Esoterismo Ocidental para remeter a elementos durante o período Renascentista que tem
ligação com a Cabala, Ocultismo e o Neoplatonismo (MENDIA, 2016), conforme destaca
Otávio Vieira:
11
A tradição esotérica no Rosacrucianismo se faz presente através das correntes Herméticas e Alquímicas,
presentes na publicação do manifesto Núpcias Alquímicas de Christian Rozenkreuz (1616). Este é um dos
elementos que inserem o Rosacrucianismo como elemento ligação à tradição esotérica ocidental.
Consequentemente, a AMORC e demais denominações baseadas nos ensinamentos do Rosacrucianismo passam
a ser consideradas como movimentos esotéricos.
17
submetidos à análise e contextualização histórica, como será feito com nosso objeto nesta
dissertação. Neste aspecto, Prost discorre em Doze Lições Sobre História (2008) que:
A origem em si do termo Contracultura remete “aos usos feitos pela imprensa dos
Estados Unidos no começo da década de 60 para se referir a estes acontecimentos”
12
Utilizamos as ideias apresentadas por Hobsbawm na obra A Era dos Extremos, o Breve Século XX (1914-
1991) para utilizar o termo Sociedades Contemporâneas como alusão a países do Ocidente, envolvendo a
Europa, os Estados Unidos, a América Latina e a África. Por meio das obras do historiador, temos a chance de
analisar transformações culturais que o Ocidente Contemporâneo encarou no que tange a ideias e pensamentos,
a partir das Revoluções Culturais, iniciadas nos anos de 1960. Por outro lado, a obra do mesmo autor, A Era do
Capital, mostra as bases da formação econômica dessa sociedade, no século XIX, através da industrialização e
da expansão do Capital no Ocidente. Em síntese, quando falarmos de contemporaneidade estamos nos referindo
a elementos presentes nas Sociedades Contemporâneas no recorte temporal de 1850-1990. Nesta pesquisa,
iremos levar em consideração as transformações culturais que essa sociedade encarou nos anos de 1960-80.
18
(PEREIRA, 1985, p. 12), que mostravam oposição a diveros valores vigentes em termos de
costumes. Dai a ideia “contra” a “cultura” presenciada naquele momento. Carlos Alberto
Pereira explica que os atores sociais envolvidos na dinâmica de críticas viam a cultura vigente
como um tipo de “doença” que precisa ser combatida: “o doente é o homem, condicionado
que conhecemos em nossa Cultura. Sua perda básica é a propria liberdade” (PEREIRA, 1985,
p. 14).
No Brasil, temos como exemplo de grupos de Contracultura o Underground e o
movimento Tropicália. Entre 1964 a 1988, o país esteve governado por um regime civil
militar, que além de enaltecer valores conservadores suprimiu as liberdades individuais,
atingindo inúmeros artistas e pensadores com a censura imposta. (SILVA, 2004). Tais valores
iam de encontro com a Revolução Cultural e a Contracultura, pois, se nos Estados Unidos os
adeptos desse movimento levantaram a bandeira da paz contra as guerras, principalmente no
conflito do Vietña, no Brasil, os adeptos da Contracultura após o golpe militar assumiam uma
posição contrárias às ideias e atitudes tomadas do regime.
Por outro lado, a Contracultura quando inserida no campo da espiritualidade, foi
caracterizada como Nova Era, para se contrapor com o rigor doutrinário das religiões
tradicionais, conduzindo a reflexão em uma nova forma de espiritualidade (SILVA, 2000).
Este foi o motivo pelo qual os ensinamentos esotéricos ganharam difusão neste período, visto
que a criticidade da cultura vigente, pela Contracultura, procurava uma espiritualidade que
pudesse alinhar os pensamentos e desejos daquele contexto, dando espaço à penetração do
Esoterismo Ocidental no Ocidente. Este entendimento nos possibilita entrar na perspectiva
histórica e cultural com que o Esoterismo Ocidental esta inserido nesta pesquisa.
Os movimentos Esotéricos no Ocidente entre os séculos XVI-XVIII se desenvolveram
em meio à perseguição religiosa da Igreja Católica, principalmente porque seus praticantes
foram chamados de bruxos, uma vez que discordavam de elementos bíblicos e incentivavam
pesquisas em alquimia. Tal fato aproximou os esoteristas de intelectuais e pensadores que
desejavam obter conhecimento em Ciências da Natureza, a exemplo de Giordanno Bruno
(YATES, 1964). Já no século XIX e começo do século XX, os estudos esotéricos foram
impulsionados como uma reação contrária ao materialismo positivista, quando os esoteristas
argumentavam a existência do mundo espiritual, estimulando a produção do conhecimento
das Ciências Ocultas, uma forma de estudar o universo sem descartar a existência da
espiritualidade neste processo. Neste contexto, foi criada a Sociedade Teosófica em 1875 que
realizou conteúdos críticos aos positivistas, como a obra Isis sem Véu, publicada no título
original de Isis Without Sight em 1877, pela pensadora esotérica e fundadora da Sociedade,
19
13
Raul Seixas. Álbum: Gita. Data de lançamento: 1974
14
Corrente do Esoterismo Ocidental fundamentada na Magia e no contato com a Natureza, pregando também
pressupostos voltados para a Liberdade individual. Daí, um dos motivos para que a mesma fosse enaltecida pelos
grupos de Contracultura.
15
O termo Sociedade Secreta foi utilizado a grupos esoteristas, tendo em vista que os seus ensinamentos eram
transmitidos somente a seus membros e frequentadores, dos quais deveriam passar por um ritual de “iniciação”
20
à medida que faziam comentários nos jornais destacando a importância da reflexão espiritual
no mundo contemporâneo e das práticas do Esoterismo para a harmonia no cotidiano.
Temos como exemplo de Ordens Esotéricas no Brasil durante a Nova Era: Eubiose,
Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, Sociedade Teosófica e a AMORC. Era
comum ver comentários apologéticos desses grupos destacando a vantagem de seus
ensinamentos, como forrma de atrair o público. Entendemos que a divulgação se tornou um
artifício utilizado pelas Ordens Esotericas para fazer apologia dos ensinamentos durante a
Nova Era. Ao analisar as divugações de tais grupos, o que mais chamou atenção foi à maneira
de como a AMORC se apresentava, procurando legitimar seus ensinamentos aludindo a sua
origem Antiga e Mística.
Os interesses da AMORC em se expandir no território brasileiro ficam evidentes após
a instalação da Grande Loja no Brasil, na qual acabou encontrando um ambiente favorável
durante a Nova Era. Pode-se dizer que a AMORC foi uma das ordens esotéricas que mais
conseguiu se expandir neste período, basta analisar que no ano de 1959 este grupo aumentou
de apenas 5 organismos afiliados para mais de 80, no ano de 1970. Além disso, vários
organismos afiliados tiveram suas elevações de Pronaos a Capítulo e Loja. Esses dados
corroboram com a afirmação do pesquisador Antoine Faivre, de que “a AMORC é o primeiro
movimento de massa da História do Esoterismo Ocidental (FAIVRE, 1994, p. 104)”.
Historicamente, a AMORC é um grupo esotérico baseado nos ensinamentos do
Rosacrucianismo (OLIVEIRA, 2009), este que tem como base as publicações de três
manifestos Rosacruzes no século XVII, são eles: Confessio Fraternitatis (1614), Fama
Fraternitatis (1615) e o Casamento Aquímico Rosacruz (1616). Entre o século XIX e XX,
surgiram grupos Rosacruzes influenciados pelos manifestos: Lectorium Rosicrucianum,
Confraternidade da Rosa+Cruz (CR+C), Fraternitas Rosicruciana Antiqua (FRA). Dentre
estas denominações, a AMORC, fundada em 1915, é a única que se autodefine em sua
bibliografia como uma ordem autêntica e legítima do Rosacrucianismo. Com isto, a AMORC
procurava dizer que a sua origem se deu na antiguidade16, sendo os eventos rosacruzes nos
séculos posteriores fragmentos de sua história. Daí o porquê do nome da ordem se chamar
Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC).
para poder fazer parte do grupo. A origem do termo remete a perseguições que sofreram diante da Igreja Católica
diante a inquisição, visto que somente os seus membros sabiam da sua origem. Assim, o status de sociedade
secreta permanece até à atualidade para com as ordens esotéricas.
16
Realizamos uma análise da origem dos citados grupos influenciados pelo Rosacrucianismo
21
contudo, alegava que a sua existência antiga tinha como origem o Egito Antigo, por volta do
ano 1353 a.C. Portanto, àquele ano seria o ano da fundação da AMORC que marcou o
começo do seu seu ciclo 17 . Tão logo percebemos que este fator se trata de uma tradição
inventada que está presente na história da AMORC, na qual a ela fez uso em seu favor
durante a sua trajetória na Nova Era para se distinguir dos demais grupos esotéricos e assim
garantir a autenticidade de seus ensinamentos. O historiador Eric Hobsbawm em sua obra A
Invenção das Tradições (2012) nos apresenta uma Tradição Inventada como
17
Encontramos menções a isto nos conteúdos biográficos analisados, que serão expostos nesta dissertação. Este
fator da tradição inventada é algo que está inteiramente relacionado à biografia da AMORC.
18
Iremos detalhar este fato no Capítulo 3, porém, segue a referência: Diário De Pernambuco, Recife, 10 de
Março de 1960, Caderno B, p.9.
19
Diário de Pernambuco, 02/12/1962.
22
destacamos a figura de José Sironi, que chegou a ser mestre 20 do Organismo Afiliado no
Recife, cujos artigos publicados fazem alusão à AMORC no Recife. Também era comum que
os Rosacruzes debatessem fatos ligados a acontecimentos no Brasil e buscassem explicações
dentro do Esoterismo, a exemplo do senhor Aguinaldo Garcia 21·, que em uma matéria do
Diário de Pernambuco no dia 02/02/1962 faz uma previsão de que um eclipse solar, no dia
04/02/1962, poderia acabar com o mundo caso a humanidade não modificasse suas atitudes
para com o próximo. Chamou-nos atenção à rápida expansão que a AMORC teve na Capital
Pernambucana, no quantitativo de membros e atividades que influenciaram na sua elevação de
Pronaos a Loja. Este grupo no Recife assumiu uma importância regional para a AMORC,
sendo visto com atenção pela Grande Loja.
Ao adentrar nesta investigação visando compreender as manifestações dessa tradição
inventada, partimos do entendimento da História Cultural das Religiões ao “compreender o
modo de como indivíduos e grupos produzem, inventam e reinventam sua cultura, seus
símbolos e valores religiosos, seus estilos de vida e suas próprias identidades e
subjetividades.” (BENATTE, 2014, p.70). Destarte, esta pesquisa tem como objetivo
compreender a difusão da AMORC na cidade do Recife/PE, dentro do recorte temporal
selecionado, que se inicia em 1959 e termina em 1981. Durante a sua trajetória, iremos
apresentar como a AMORC fez uso de sua tradição, tomando como base a trajetória do grupo
na cidade do Recife. Destaco o inedidismo desta pesquisa acadêmica referente à noção sobre a
Invenção das Tradições no tocante a AMORC, como artifício utilizado pela ordem para
difusão na Nova Era. Ao mesmo tempo, é inédito a produção referente a trajetória do presente
grupo esotérico na Cidade do Recife.
Justificamos a escolha desse período por iniciar a pesquisa com o ano de fundação do
Pronaos Cavaleiros da Rosa, em 1959 e finalizar no ano de 1981, na primeira década após o
Capítulo ter se elevado a Loja Recife, no ano de 1971. Consideramos que no recorte de 21
anos da trajetória da AMORC na cidade do Recife aconteceram eventos que contribuíram
para a sua consolidação, ocorrida em 1981. Nossos critérios de análise levaram em
consideração as atividades iniciais realizadas, o aumento no quantitativo de membros, as
festividades, as elevações de categoria do Organismo Afiliado, as relações com a Grande Loja
e a influência na criação de outros grupos da AMORC na Região Metropolitana do Recife
20
Mestre é uma referência a administrador das funções Administrativas e Ritualísticas, sendo este elegido para
tal função através de votação do conselho de membros locais. O mesmo tem atuação a frente desta finalidade por
um ano.
21
Representado como membro de mais de uma Ordem Esotérica, além de astrólogo e “vidente”, de acordo com
a matéria do Diário de Pernambuco de 02/02/1962.
23
intitulado de O Domínio da Vida (2006) foi difundido após a fundação da Grande Loja do
Brasil, o qual contém os objetivos da filosofia da AMORC. Isto nos permitirá conhecer não só
a maneira na qual ela expõe os seus ensinamentos, como também entender qual a justificativa
utilizada para sua definição histórica e antiga.
Concluimos em nossa pesquisa que esta forma de apresentação da AMORC acabou
sendo utilizada na Nova Era por esta instituição para legitimar seus ensinamentos diante as
demais ordens esotéricas, a fim de facilitar a sua expansão e atrair mais adeptos. Este foi,
portanto, um mecanismo utilizado pela propria ordem ao fazer apologia de sua tradição.
Através da trajetória da AMORC na cidade do Recife, iremos conhecer estes elementos da sua
Tradição Inventada na medida em que divulgava seus eventos e festividades para o público
externo.
composta por uma vasta correntes de pensamentos, cujas origens remetem a Europa do século
XIV-XVI (FAIVRE, 1994). O contexto histórico em que o Esoterismo floresceu no Ocidente
teve influência do Renascimento, devido ao momento da retomada de ideias associadas à
cultura latina Greco-Romana no período, tais como a filosofia helenística, o estoicismo e o
antropocentrismo; em contraponto com a visão teológica que a Igreja Católica pregava
durante a Idade Média.
Os indivíduos responsáveis por pregar esta nova de visão de mundo e difundir novos
hábitos no eram chamados de Humanistas.
A partir do final do século XV, esses afluentes são a Cabala Cristã (adaptação da
cabala judaica), o Hermetismo Neoalexandrino, os discursos inspirados na ideia da
Philosophia Perennis, a filosofia da Natureza do tipo Paracelsista e depois
romântica (Naturphilosophie alemã), e a partir do século XVII, a Teosofia e o
Rosacrucianismo, assim como as associações ulteriores, as sociedades iniciáticas.
(FAIVRE, 1994, p.14)
Todos eles mantêm relações entre si, como também com as tradições religiosas ou
culturais que não podem ser totalmente separadas ou dissociadas, pois ambas são
fontes para uma estrutura do imaginário esotérico. Há um distanciamento das
questões teológicas, entretanto se mantêm as filiações religiosas (ou talvez
espirituais) e culturais, aspectos mitológicos e sociais que envolvem toda a formação
esotérica de seus componentes (VIEIRA, 2014, p.16).
Martinismo
Tarot
ALQUIMIA Cabala
Quiromancia
Numerologia
Soc. Iniciáticas
Venerável ordem hermética
Teosofia Eubiose
Antroposofia
MAGIA
AMORC
Lectorium Rosicrucianum
Rosacrucianismo
Confraternidade da Rosa+Cruz
ainda que possa haver tido trocas culturais entre o Esoterismo e algum grupo religioso 22-
adquirindo o Esoterismo um estatuto próprio ou um campo de saber que pudesse identificar
sua tradição como “práticas esotéricas”. Situação esta que foi oposta no Oriente, onde as
Religiões e o Esoterismo não são vistos de maneira separadas, mas sim relacionadas. Faivre
destaca que “no extremo oriente e em outras áreas culturais, o Esoterismo nem mesmo tem
estatuto próprio, ao contrário do que acontece no Ocidente” (FAIVRE, 1994, p.12).
Isto consiste em dizer que nas religiões Hinduístas e Budistas, o Esoterismo está
embutido dentro delas. Já no Ocidente, os movimentos esotéricos – Rosacrucianismo,
Hermetismo, etc - compõe a sua própria historicidade dentro de uma tradição própria, na qual
é atribuída de Esoterismo Ocidental 23 , justificando a utilização do termo para se referir a
Tradição Esotérica Ocidental e demais movimentos esotéricos. O pesquisador José Emanuel
Anes em sua obra Uma introdução ao Esoterismo Ocidental e suas iniciações (2014) reitera
que este entendimento:
Faivre acredita que uma vez que o Esoterismo foi negado por parte das Religiões
Ocidentais, das quais até mesmo chegaram a perseguí-lo em determinados contextos, este
fator resultou na tese que o Esoterismo Ocidental partilha de um “conhecimento esquecido” a
ser desenvolvido fora das religiões.24 Assim, os movimentos esotéricos foram adqurindo suas
características e tendo sua difusão no Ocidente.
Por este motivo que quando nos referimos ao Rosacrucianismo, Hermetismo
Neoalexandrino, Teosofia, Martinismo ou Ordens Esotéricas como a AMORC e a Sociedade
Teosófica, estamos citando movimentos ou correntes de pensamentos que se inserem como
integrantes da tradição esotérica Ocidental, sendo, portanto, pertencentes ao Esoterismo
22
Durante a Nova Era, autores como Amauri Pereira mostram como elementos do Esoterismo Ocidental
estiveram presentes com outros grupos religiosos. Ele utiliza o termo é “neo-esoterismo”, do qual o autor chama
esta relação de “Hibridismo”. Ainda que não trabalhemos com o conceito de Hibridismo e nem adentremos esta
noção de neo-esoterismo, iremos citár no terceiro capítulo estre trabalho como uma referência para o estudo do
esoterismo.
23
Por este motivo, quando nos referimos ao Rosacrucianismo, Teosofia, Gnose, Martinismo e Ordens Esotéricas
como a AMORC, Sociedade Teosófica, etc; estamos citando movimentos que se inserem como parte integrante
da tradição esotérica Ocidental, sendo, portanto, pertencentes ao Esoterismo Ocidental.
24
Embora possamos encontrar a elementos que poderiam ser classificados como esotéricos no próprio
Cristianismo, como a Eucaristia e a benção de objetos. Ver a obra O Cristianismo Esotérico (2015) de Annie
Bensant.
33
O que teria motivado os historiadores para realizar as primeiras pesquisas foi à difusão
com que os movimentos esotéricos tiveram no Ocidente, com a Nova Era. Ao ver
pensamentos de esoteristas famosos como Helena Blavatsky (1831-1981), Aleister Crowley
(1875-1947), Krishnamurti (1985-1986) se popularizarem, os historiadores realizaram grupos
de estudos dedicados ao Esoterismo. O Esoterismo como objeto de estudo envolve
pesquisadores de diversas áreas: Ciências das Religiões, História, Sociologia e Filosofia. A
sistematização dos estudos esotéricos na academia ocorreu por volta dos 60.
A partir desta década, destacam-se os trabalhos de autores como Frances Yates,
Antoine Faivre, Wouter Hanegraaff, Pierre Riffard, Jean Pierre Laurent, Juan Bubello e José
Antônio Anes em âmbito internacional. No Brasil, temos trabalhos produzidos por Francisco
Mendonça Júnior, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por Fábio Mendia, na
PUC-SP; e Carlos Abreu, Otávio Vieira e Vitor Oliveira, estes três últimos na UFPB, no
departamento de Ciências das Religiões.
Através da figura de Giordanno Bruno, Yates deu início ao estudo histórico de uma
corrente de pensamento que integrou à Tradição Esotérica Ocidental, o hermetismo. A partir
desse estudo, tiveram inícios outros trabalhos voltados para compreender as diversas
tradições esotéricas, a exemplo de Pierre Riffard e Antoine Faivre, dando início a
constituição de um campo de estudos destinados ao Esoterismo Ocidental. Neste sentido
residem as constribuições de Yates: no pioneirismo em analisar as correntes esotéricas
renascentistas. Sobre este pontapé inicial dos estudos da esoterologia, Fábio Mendia destaca
que:
presente grupo de pesquisa e a criação desta disciplina possibilitaram que os estudos sobre
Esoterismo Ocidental se beneficiassem com divulgações de trabalhos, seminários, teses e
eventos acadêmicos (MENDIA, 2016). Este reflexo é visto quando a disciplina tem sua
nomenclatura alterada em 1979 para “História das Correntes Esotéricas e Místicas na Europa
Moderna e Contemporâneas”, oferecendo maior abrangência dos trabalhos sobre o Esoterismo
Ocidental.
Faivre também participou de revisões de estudos envolvendo Alquimia, Magia,
Cabala, Astrologia, Tarot, Teosofia e Ocultismo. Em seus estudos, destacava que as
representações Teosofia e Ocultismo se apresentam na contemporaneidade como herdeiras
dos conhecimentos esotéricos e Neoplatônicos difundidos na Renascença, tendo se
popularizados no Ocidente (MENDIA, 2016). Com seus artigos, Faivre teria influenciado
outros estudiosos. Por volta da década de 90, havia uma grande quantidade de pesquisadores
internacionais tratando do tema Esoterismo Ocidental, como cita Faivre em O Esoterismo.
p. 31).25
Até o presente momento, sabemos que o Esoterismo Ocidental engloba uma gama de
correntes de pensamento do período renascentista, na qual se definem como Tradição
Esotérica Ocidental. Estas correntes teriam dado início aos demais movimentos esotéricos,
cujo termo Esoterismo Ocidental abrange todos estes estudos no Ocidente. Atualmente, o
estudo do Esoterismo é um campo acadêmico presente em presentes em diversos países.
Contudo, o que podemos entender conceitualmente pela definição de Esoterismo Ocidental?
25
O trabalho de Fábio Mendia pode se considerar uma referência para o Esoterismo Ocidental em língua
portuguesa, devido às traduções inéditas feitas para o Português em sua pesquisa. Daí ao utilizarmos estas
citações traduzidas de Hanegraaf em sua tese, referendamos com o apud Mendia.
37
26
Faivre cita este exemplo da concepção de Esoterismo algo associado a busca por “um lugar espiritual a ser
atingido para além dos caminhos ou técnicas apropriadas” (FAIVRE, 1994, p. 6).
38
Ha, entretanto, inúmeras religiões que têm seus rituais de iniciação (e que não são
secretos), a exemplo da Igreja Cristã pelo Batismo. Destarte, nem por isso são considerados
grupos esotéricos. Em contrapartida, temos também o fato de que a Sociedade Teosófica,
organismo que difunde o Esoterismo Ocidental, não realizar iniciação ritualística a seus
membros, diferentemente da AMORC. Em meio a essas questões, Faivre argumentou que o
estudo do Esoterismo, portanto:
não se trata de interrogar sua etimologia, mas sua função, que evocar um feixe de
atitudes e um conjunto de discursos. A questão que colocamos é saber se essas
atitudes e esses discursos permitem que o observador-o estudioso do Esoterismo-
circunscreva um campo de estudos possíveis. Trata-se, sobretudo, de não partir do
que seria Esoterismo em si (FAIVRE, 1994, p. 7).
Assim, a análise sobre o que seria Esoterismo Ocidental não reside em buscar algo
que delimite conceitualmente o Esoterismo Ocidental, mas sim expor elementos cujos
aspectos definam características centrais deste pensamento através dos componentes: (I) a
ideia de correspondência com o Universo ou com o todo; (II) a ideia de Natureza viva; (III) a
importancia ou papel das mediações e da imaginação; (IV) a experiência da transmutação;
(V) a “prática da concordância”; e (VI) a “ideia de transmissão”. Estes componentes são os
elementos que as correntes de pensamento da Tradição Esotérica Ocidental possuiam em
comum, fazendo com que elas fossem associadas a ramificações do tronco do Esoterismo
Ocidental.
Destacamos que das seis componentes apresentadas, Faivre define as quatro primeiras
como “componentes fundamentais”. Isto consiste em dizer que elas se fazem presentes em
todas as tradições esotéricas, independente de qual seja. Já as duas últimas (concordância e
transmissão), são chamadas de “componentes secundárias” ou “não fundamentais”, pois sua
presença não é obrigatória na definição do Esoterismo Ocidental, embora possam está
presentes em alguns grupos esotéricos.
Tais seriam os quatro componentes de base sobre as quais repousa a abordagem
metodológica aqui proposta do Esoterismo Ocidental moderno. A estes vêm
associar-se dois outros, relativos, na medida em que não são indispensáveis à
39
27
Estes princípios do hermetismo estão presentes no livro Cabailon (2015), que é uma literatura famosa no
ambiente esotérico cuja autoria se deve a “três iniciados” que não se identificaram.
40
Sociedade Teosófica, cita a ideia da Natureza Viva quando quer atribuir, de maneira análoga,
certos elementos físicos constituintes de um “ser” material para com o Universo 28 , como
demonstra o trecho abaixo:
Também no campo esotérico, a Magia encontra fundamento neste principio, visto que
“o termo Magia, tão evocado no Renascimento, evoca bem essa ideia de Natureza viva,
conhecida, sentida, viva essencialmente em todas as partes” (FAIVRE, 1994, p. 17). A
correlação entre Natureza Viva para com os praticantes de magia é perceptível uma vez que a
Magia é representada como uma concentração de energias, em que “para apoderar-se do
grande agente mágico, duas operações são necessárias: concentrar e projetar; em outros
termos, fixar e mover. O Autor de todas as coisas deu base e garantia do movimento a fixidez:
o mago deve agir da mesma forma” ( LEVI, 2008, p. 147).
Para os magistas ou magos conseguirem realizar aquilo de desejam através da magia,
é necessário controlar as leis da natureza e utilizá-las para obtenção de um propósito. É
justamente neste princípio que a Magia se torna, portanto, uma manifestação da natureza viva
em ação. Vejamos o que fala Eliphas Levi, pensador esotérico e praticante de magia, em seu
livro Dogma e Ritual de Alta Magia (2008):
28
Este princípio de Natureza Viva também serve para fundamentar a corrente esotérica do Panteísmo, na qual
diz que a existência de Deus não se atribui a um ser físico, estando a sua existência manifestada através dos dos
fenômenos que ocorrem na natureza.
41
29
Ato em que o indivíduo deveria utilizar o poder da mente para focar no que deseja conseguir, a sua
materialização com a ajuda cósmica. Encontramos referências desse método esotérico em autores como Spencer
Lewis: Princípios Rosacruzes para o Lar e os Negócios. Ao mesmo tempo, a criação mental simboliza uma
mentalização de alguém com qual deseja-se enviar alguma mensagem ou manter contato.
30
Neste caso, o Universo acaba sendo o mediador, não um anjo ou ser específico.
42
O Aspirante passa a fazer parte do santo rebanho. É conduzido pelo sumo sarcedote,
juntamente com os iniciados, à torrente que circula na cripta do templo, onde vai
submeter-se ao rito do batismo; ou seja, a purificação simbólica de seu corpo físico
pela água vai preceder a purificação de seu astral. Torna-se um novo homem, e,
nesse mesmo dia começa a sua vida real sobre a terra. Até então, ele não era mais do
que um profano entre o rebanho dos profanos (PAPUS, 2002, p. 21)
A pessoa que adquiri o conhecimento esotérico deve utilizá-lo além do ponto de vista
intelectual, ou seja, aplicá-lo em situações práticas no dia a dia a ponto de se colocar à
disposição para ajudar os demais serem humanos no processo de “evolução espiritual”.
Vejamos este exemplo em um trecho de um livro de autoria da própria AMORC:
Os Rosacruzes buscam sua própria elevação pessoal na escala da consciência,
trabalhando pela implantação da fraternidade de homens e mulheres na senda da
Luz, Vida e do Amor, através do trabalho Rosacruz, do profundo serviço à
humanidade, no propósito de estabelecer os padrões de uma vida superior para todas
as personalidades do nosso planeta ( AMORC, 2000, p. 9)
diferentes, até entre todas as tradições, com a esperança de se obter uma iluminação, uma
gnose, de qualidade superior”. (FAIVRE, 1994, p.23).
Para a Philosofia Perennis, através da concordância, as diferenças existentes entre
demais religiões e tradições deveriam ser suprimidas para que fosse criado um pensamento
que buscasse a fraternidade Universal.
A concordância de que aqui se trata é de outra natureza. Pretende-se mais criadora,
concerne à iluminação individual pelo menos tanto quanto à coletividade, exprime a
vontade não apenas de eliminar as diferenças ou de descobrir harmonias entre
tradições religiosas, mas sobretudo de adquirir uma gnose que abrase e abrace num
mesmo caminho diversas tradições para revelar ao homem de desejo a imagem de
um tronco vivido e escondido do qual as tradições particulares seriam apenas os
ramos visíveis. (FAIVRE, 1994, p.23)
Com relação à expansão do campo de estudos do Esoterismo Ocidental nos anos 90,
destaca-se a atuação do professor Wouter Hanegraaff.
Em sua tese de Doutorado no ano de 199631, Hanegraaff propõe uma análise histórica
do Esoterismo Ocidental a partir da visão de semelhança familiar. Este entendimento
compreende que os movimentos esotéricos podem se manifestar no decorrer da história em
diversos períodos, com distintas especificidades, mas, ao mesmo tempo, estar ligado com a
tradição que o originou:
A "Nova Era" pode ter pouco ou nada em comum com o hermetismo renascentista
do século XV (para não mencionar os hermetistas da antiguidade tardia) e, ainda
assim, estar historicamente ligada a ele por meio de conexões intermediárias, como
31
New Age Religion And Western Culture: Esotericism in the mirror of secular Thought. Leiden: Brill, 1996
45
Os Pensadores aqui citados são adeptos do Esoterismo que, com seus ensinamentos,
contribuíram para fundação de Ordens Esotéricas, a exemplo de Helena Blavatsky, fundadora
da Sociedade Teosófica (1875), Harvey Spencer Lewis, fundador da AMORC (1915), de
Papus e Aleister Crowley, estes dois últimos com influências em produções bibliográficas e
até mesmo incentivando poesias e grupos musicais. Estes pensadores nasceram ou no século
XIX ou no século XX, mas que sistematizaram o Esoterismo de séculos anteriores e deu um
caráter contemporâneo tal qual é conhecido estas práticas na atualidade.
46
Assim, o seu Tratado de Ciências Ocultas foi fundamental para a difusão dessa
interpretação do Esoterismo Ocidental. Utilizando o entendimento de Semelhança Familiar de
Hanegraaf, notamos que esta sistematização do Ocultismo pelo qual Papus foi responsável no
século XIX inspirou indivíduos na Nova Era a procurarem o conhecimento Esotérico. Eles
procuravam benefícios que tal conhecimento poderia fornecer. Desse modo Leadbeather
reitera que:
32
O Martinismo Contemporâneo é um movimento esotérico fundamentado no Hermetismo e no Esoterismo
Judaico-Cristão, tendo como exponente os ensinamentos de Louis Claude de Saint-Martin
48
111).
A ideia de conhecimento do Oculto e oposição ao Materialismo cientificista do século
XIX são uma das justificativas pela qual ela julgava necessário difundir os ensinamentos do
Esoterismo Ocidental naquele período. Para isto, a Sociedade Teosófica foi criada: para
identificar os mistérios da natureza e assim transmitir os ensinamentos dos Mestres cósmicos
a homens e mulheres. Ela utiliza, em termos teóricos, a mesma concepção que norteava Papus
quanto a Ciência Oculta. Papus, inclusive, era um leitor de Blavatsky e chegou a se afiliar a
Sociedade Teosófica (PAPUS, 1973). Na sua obra Isis sem véu, Blavatsky destina o capítulo
A "Infalibilidade" da ciência moderna: coisas novas com nomes velhos para ressaltar que
muitos dos ensinamentos transmitidos no cientifismo residem na metafísica.
A sua crítica aos cientistas se deve ao fato de acreditar que a reformulação de conceito
que foi feita no século XIX limita e exclui análises seriam fundamentais para a compreensão
do Universo:
Para Blavatsky, Lúcifer teria um significado diferente daquele transmitido pela Igreja.
Procurando responder aos críticos, em 1887 ela escreveu um artigo intitulado de O que há em
um nome? Porque a revista se chama "Lúcifer” para tentar explicar o as origens desse nome.
tão profundamente arraigados, de fato, mesmo entre as classes mais cultas, estão o
preconceito e a aversão ao nome Lúcifer, que significa nada mais que "portador da
luz" (de lux, lucis, "luz" e ferre , "portador"). Para adotá-lo como nome de sua
revista as editoras têm diante de si a perspectiva de uma longa luta contra o
preconceito público. Tão absurdo e ridículo é este preconceito que ninguém parece
jamais ter-se perguntado como Satã veio a se chamar portador da luz. É exatamente
uma dasfraquezas de nossa época. Não obstante, o preconceito aí está para vergonha
de nosso século (BLAVATSKY, 1887, p. 1).
33
Bhagavad Gita, escritura sagrada Hindu.
50
Por isso, ele acabou se distanciando da Sociedade Teosófica, fazendo com que
assumisse uma postura de autodidata para transmissão dos ensinamentos esotéricos. Os
indivíduos que estavam em busca de um caminho que pudesse guiá-lo espiritualmente,
Krishnamurti deixa tal recado:
Eu afirmo que a Verdade é uma terra sem caminhos, e vocês não podem alcançá-la
por nenhum caminho, qualquer que seja, por nenhuma religião, por nenhuma seita
ou credo. Este é o meu ponto de vista, e eu o confirmo absoluta e
incondicionalmente. A Verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inacessível por
qualquer caminho que seja, não pode ser organizada; nem pode qualquer
organização ser constituída para conduzir ou coagir pessoas para qualquer senda
particular”(OMMEN, Holanda. Discurso de Dissolução. Ordem da Estrela, Adyar, 9
de Setembro de 1929. Boletim II, n°8. Disponível em
https://pt.scribd.com/document/52678327/Discurso-da-Dissolucao-da-Ordem-da-
Estrela Acesso em:14/01/2020
A ideia de transmissão vinda por um mestre se torna ainda mais evidente no trecho:
Entre o bem e o mal não deveria ser difícil escolher, pois aqueles que desejam seguir
o Mestre já se decidiram a seguir o bem a todo custo. Porém, o homem e o seu
51
corpo são dois, e a vontade do homem nem sempre está de acordo com a do corpo.
(KRISNAMURTI, 2006 p. 10).
Destarte, essas citações indicam como este esoterista procurava se relacionar com o
universo e a maneira escolhida para transmitir seus ensinamentos. Assim, a contribuição deste
esoterista é perceptível pela reprodução de conteúdos e frases que tem durante a Nova Era,
sobretudo mostrando o caminho do autodesenvolvimento sem que seja preciso estar filiado a
algum grupo para dispor da “elevação espiritual”. Em periódicos como o Diário de
Pernambuco é possível encontrar citações de trechos desse filósofo, bem como anúncio de
suas obras, o que ratifica a noção de que ele era popular neste período.
Este livro estabelece um código de conduta simples. Faze o que tu queres há de ser
todo da lei. Amor é a lei, amor sob a vontade. Não há outra lei além de faze o que tu
queres. Isso significa que cada um de nós, astros, deve se mover em sua verdadeira
órbita, conforme marcada pela natureza de nossa posição, a lei de nosso
crescimento, o impulso de nossas experiências passadas. Todos os acontecimentos
são igualmente lícitos (CROWLEY, 2017, p.33)
Crowley estava longe dos ideais de padrão da ascese espiritual que um místico
52
praticava: hedonista e crítico social, assumiu-se publicamente como pansexual e rompia com
valores conservadores esotéricos que um iniciado deveria ter.
Fora dos templos, Crowley tornou-se uma celebridade. Sua vida de Libertino
pansexual, suas declarações contra o cristianismo, as polêmicas com outros magos, o
uso de drogas, as orgias, as bravatas, os poemas pornográficos, a suspeita de que
fosse um espião ou um comunista ou um agitador, tudo fez de Crowley alvo da
imprensa (M.B. In: CROWLEY, 2017, p. 7)
Muito de sua personalidade e seus pensamentos fizeram com que ele tivesse grande
receptividade nos anos 60 a 80, praticamente como um Guru da geração Contracultura. No
ano de 2001, uma enquete da BBC o colocou como o septuagésimo terceiro “maior britânico
de todos os tempos”.34 A Thelema ia ao com o rompimento de tabus e crítica a estruturas
religiosas, tornando-se popular na Nova Era entre aqueles que procuravam conhecer o
Esoterismo.
Fábio Mendia (2006, p.385) em sua tese de doutorado reserva um item para abordar as
correlações entre Fernando Pessoa e Aleister Crowley, nos poemas produzidos pelo poeta
português. Inclusive, convém destacar que a primeira tradução da obra O Livro da Lei para o
português foi feita por Fernando Pessoa, junto a Marina Della Valle35.
Pelo que percebemos, houve inclusive um encontro entre ambos, “Pessoa adquiriu
pelo correio o livro 777, onde Crowley, baseado sitematicamente nos ensinamentos da Golden
Daw, fornece suas chaves das correspondênciass mágica” (MENDIA, 2016, p. 385). Assim, o
poeta teria tido acesso aos ensinamentos mais detalhados do Ocultista britânico. Na visão de
Mendia
podemos, grosso modo, dividir as referências a ideias ou noções que Pessoa tomou
de Crowley em três grupos diferentes: (1) Ordens iniciáticas e graus estruturados
segundo o modelo da A.A de Crowley, (2) a Noção de Relação Mágica com o Anjo
da Guarda, (3) a doutrina da Thelema). (MENDIA, 2007, p. 385-386).
34
http://www.bbc.co.uk/pressoffice/pressreleases/stories/2002/08_august/21/100_list.shtml
35
Informação contida na ficha catalográfica do Livro.
53
Assim, essa juventude produzia críticas sobre o modelo de sociedade que elas queriam
para si mesmas e o futuro. Este embate, segundo Luiz Carlos Maciel, reflete um choque de
gerações e foram fundamentais para a construção das sociedades ocidentais tal qual
conhecemos
54
Este termo contracultura foi criado pela imprensa norte-americana, que a princípio
possuia uma visão negativa daqueles que seriam seus propagadores desse estilo de vida que
foi influenciado por intelectuais e universitários ligados a setores marginalizados pela
sociedade (PEREIRA, 1985). De maneira geral, os conservadores viam com maus olhos este
movimento e ofereceram resistência a esse estilo de vida. Contudo, ainda que surgissem
críticas a esse movimento, a contracultura se expandia e ratificava a sua premissa de ser um
fenômeno de mudanças e rupturas.
[...] o Pensamento New Age em geral se caracteriza por um padrão de crítica cultural
implícita ou explícita, que permeia o conjunto. Dentro do contexto do New Age
podemos encontrar uma ampla variedade de ideias e convicções, mas há uma
insatisfação com alguns aspectos do pensamento ocidental, conforme encontrados na
cultura contemporanea. Aqueles que são atraídos pelo New Age não têm
necessariamente ideiam muito explícitas sobre a vinda de uma “nova era”, mas
todos concordam que essa sociedade poderia ser diferente. (HANNEGRAFF, 1998,
p. 291, apud, MENDIA, 2013, p. 186).
A nova Nova Era tem em sua definição uma alusão com a astrologia da Era de
Aquário, representando um “novo tempo”.
o termo Nova Era remete a uma referência astrológica, que ao situar o plano astral a
partir dos percursos do planeta e das constelações na abobada celeste, aponta para
era que durariam em torno de 2000 mil anos, de modo que estaríamos no crepúsculo
de uma era, e no início de uma nova, no caso, a Era de Aquário, marcada por uma
série de transformações, e de superação de pólos historicamente antagônicos, seria
uma época de harmonização entre os binômios corpo/mente, natureza/sociedade,
masculino/feminino, dentre outros, de modo que a humanidade estaria sendo
preparada para este conjunto de mudanças. (PEREIRA, 2011, p.5)
Um fator que nos chamou atenção foi à maneira de como a Nova Era possibilitou a
existência de trocas culturais entre os agentes envolvidos. Isso explica o porquê de
encontrarmos indivíduos-que possuiam mais de uma religião-dando espaço a compreensão de
um determinado pensamento diferente da sua, mostrando que “o universo da Nova Era
possibilita aos praticantes também uma imersão em termos de profundidade, seja em uma
única prática, ou em meio ao circuito em que os agentes são postos em circulação.”
(PEREIRA, 2011 p.72). Dentre os pensamentos que teriam se difundidos com esta Nova Era,
o movimento esotérico foi o que mais ganhou representatividade dentro da “nova
espiritualidade”. Com isso, vimos a difusão do Esoterismo Ocidental ganhar impulso
Para a Nova Era, o termo esoterismo recebe a conotação de tudo aquilo que está no
interior do indivíduo, ainda de forma oculta, e que é passível de ser desvendado e
alcançado mediante práticas, procedimentos e estudos, cabendo ao indivíduo a tarefa
da descoberta. Ao contrário de se referir a uma tradição histórica, passou a significar
um tipo de religião que tem sua base em elementos subjetivos focados na
experiência interior (GUERRIERO, 2016, p.15)
56
Em praticamente todos os países da América latina por onde a Nova Era teve algum
tipo de repercussão, surgiram a partir dos anos 1970 inúmeros serviços relacionados
à astrologia. Entre eles podem-se destacar as escolas de astrologia erudita. Convém
ressaltar que a astrologia já estava popularizada através dos horóscopos publicados
em jornais, mas o estudo de uma astrologia erudita representava uma iniciação no
mundo esotérico. Surgiram institutos de astrologia, voltados ao estudo, pesquisa e
ensino da disciplina; associações nacionais, como a Associação Brasileira de
Astrologia, fundada em 1977; e também sindicatos de astrólogos, mostrando que
essa é uma profissão que luta por um reconhecimento na sociedade. O Sindicato dos
Astrólogos do Estado de São Paulo foi o primeiro do Brasil, fundado em 1980, e
desde então luta pela representação legal da categoria perante os poderes públicos.
(GUERRIERO, 2016, p.20)
36
Ramo do Esoterismo Ocidental conforme apresentado no organograma do Capítulo 1.
57
Este contexto fez, ao mesmo tempo, com que emergessem movimentos de contracultura que
se colocaram contrários ao regime 37 , sendo exemplo o movimento Tropicália. Ao mesmo
tempo, estes grupos Hippies eram voltados para abertura de pensamento e liberdade espiritual,
fator que acabou estimulando a Nova Era no Brasil e assim a difusão dessas práticas
esotéricas, conforme Magnani em seu livro O Brasil da Nova Era ressalta:
no contexto da agitação toda dessa época, foi o Tropicalismo que abriu espaço para
uma postura identificada com a estética libertária e dionisíaca da contracultura:
Caetano Veloso, sem lenço, sem documento, nada nos bolsos ou nas mãos,
alegremente celebra a recusa aos valores do sistema. Ainda hoje Gilberto Gil
demonstra afinidade com alguns dos temas holísticos; o disco Quanta, de 1997, é o
mais recente sinal dessa abertura. No entanto, foi Raul Seixas quem explorou
explicitamente em suas composições aspectos mais místicos, chegando inclusive a
participar, juntamente com o então parceiro Paulo Coelho, de sociedades iniciáticas
inspiradas na doutrina do famoso esoterista inglês Aleister Crowley. Os títulos de
alguns de seus discos – Por exemplo Aeon, Gita, este último contendo a música
'Sociedade Alternativa' – atestam essa tendência. (MAGNANI, 2000, p.19 Apud.
PEREIRA, 2011. p. 73).
Sobre estas trocas culturais, Guerra, em sua tese de doutorado em Sociologia, sobre o
Mercado religioso no Brasil : competição, demanda e a dinâmica da esfera da religião
comenta que
Isto explica porque, embora grande parte da sociedade se mantivesse cristã no Brasil,
muitos católicos ou até membros de outras religiões pertenciam a grupos esotéricos, como o
Círculo Esotérico e a própria AMORC. Por exemplo, ao acessar a documentação na loja
Recife/PE, identifiquei no levantamento interno de registro dos membros a presença de uma
religião praticante mesmo após permanecer na AMORC, o que reitera o não abandono de sua
crença religiosa. Entendemos este fator como uma troca cultural, na qual a Nova Era
possibilitou entre os sujeitos históricos: vide um cristão lendo um texto budista ou praticando
Yoga, costume das religiões orientais.
37
Levando em consideração a censura do Regime Civíl Militar instaurado em 1964 , houve grupos espiritualistas
que foram mal vistos pelos militares, como os Hare Krishna .O Historiador Leon Adan Gutierrez de Carvalho em
sua dissertação A suave invasão: práticas e representações do movimento Hare Krishna em Pernambuco1973-
1996 comenta que houve hostilidade a alguns desses grupos por assemelharem suas práticas a elementos
subversivos contrárias ao regime. Por parte dos militares, não consegui identificar reações de ataques e censuras
aos grupos esotéricos. Contudo, houve reações por parte da Igreja Católica que lançou ataques difamatórios a
diversas práticas e ordens esotéricas- vide a coletânea Vozes em defesa da Fé que estará em anexo nessa
dissertação.
58
Amauri Pereira utiliza o termo “New Age Popular” para se referir a grupos de
religiões de matriz afro-descendentes ou originários das camadas populares que tiveram sua
procura ampliada durante a Nova Era. É o exemplo do movimento Vale do Amanhecer,
identificado no seu trabalho pela sigla VDA-V.
Argumentamos que o VDA-V se insere no movimento New Age de modo singular,
configurando o que denominamos New Age Popular, que vem a ser uma nova
releitura, a partir de um contexto social próprio, de práticas e de tradições culturais
originadas no Brasil e no exterior - entre as quais, a umbanda, elementos da
religiosidade popular, o espiritismo kardecista e, o catolicismo popular,
principalmente - nos moldes típicos da New Age, que recria aspectos culturais –
como os rituais, principalmente os de possessão, das religiões populares no Brasil,
além do aspecto estético – , que até então, não haviam sido enfatizados pelo
movimento (PEREIRA, 2011, p. 62).
Embora nosso objetivo seja analisar a difusão do Esoterismo Ocidental na Nova Era,
baseado nas definições conceituais do termo em Faivre a Hanegraaff, destacamos a
importância da tese de Amauri Pereira para a academia por analisar a mescla do Esoterismo
com as religiões em território brasileiro. O seu trabalho também nos forneceu uma análise
interessante de como o contexto histórico e cultural brasileiro trouxe condições pro
38
Anexo 1 de jornais
59
39
Anexo 2 dos Jornais
60
Por esta matéria acima da Revista Manchete, há diversas formas de prender a atenção
do leitor. A primeira é fazer alusão à Astrologia como elemento de autocompreensão. Outra
forma é utilizar a linguagem verbal das ideias da Nova Era: a de mudança, evolução e
autoconhecimento; que refletiam a circularidade de pensamentos do período. Portanto, este foi
um dos artifícios encontrados pelos jornais para poder atrair a atenção do público que se
interessava pelo esoterismo: destinar colunas e matérias fazendo alusão a um conteúdo
místico-esotérico. Temos outro exemplo: a publicação de um conteúdo em 1968 no Diário de
Notícias do Rio Grande do Sul que republicou o trecho da Revista O Pensamento
61
Apesar de muitos leitores não poderem ter essa percepção, a imprensa procurava
explanar a Nova Era e o Esoterismo como elementos positivos associados a ideias de
liberdade. Podemos dizer que a publicação dos conteúdos esotéricos pela imprensa, na
62
vigência do regime Civil Militar, representou uma forma de expressar às ideias de liberdade
em contraponto à censura rígida imposta pelos militares. Ou seja, a explanação de conteúdos
esotéricos e místicos nos jornais, com suas ideias de liberdade espiritual, poderiam representar
uma manifestação da mídia naquele contexto e, dessa forma, fazer uma crítica indireta ao
regime ditatorial vigente. Assim era de interesse da mídia ter em seus assuntos conteúdos que
enalteciam a liberdade de pensamento.
Indo nesta ótica, temos como exemplo uma publicação de um Rosacruz chamado José
Sironi40, no artigo que foi chamado de “Rearmamento Moral”41 em 5 de Fevereiro de 1965.
Sironi inicia o texto fazendo um breve questionamento a respeito dos valores morais: “muitas
pessoas perguntam pelo Rearmamento Moral. Indagam se desapareceu: juízes, advogados,
comerciantes, industriais, jornalistas. Essa pergunta demonstra interesse de todos, em trabalho
a favor da moralização de costumes” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, caderno 2,
05/01/1965, p. 5). O título “rearmamento” reflete um simbolismo quando levado em
consideração o golpe de 1964, cujo discurso de moralidade e armamentista foram pautas dos
militares.
40
Desembargador e pessoa de influência que chegou a ser Mestre da sede da AMORC no Recife.
41
Anexo 3 de Jornais
63
FIGURA 4 - Blavatsky, representada como destruidora de mitos e exemplo de lutas contra o preconceito.
Com isso percebemos que era de interesse da imprensa divulgar conteúdos esotéricos,
uma vez que ela fez uso da linguagem/termos ligados a conteúdos esotéricos para representar
uma visão de liberdade e contraponto ao enrigecimento dos militares- ainda que de maneira
sutil, sem fazer críticas diretas ao regime em si. Corroborando com o nosso entendimento do
estudo das representações presentes nos exemplos citados, finalizamos este ítem fazemos jus
às palavras da historiadora Sandra Pesavento:
no domínio da representação, as coisas ditas, pensadas e expressas têm outro sentido
além daquele manifesto. Enquanto representação do real, o imaginário é sempre
referência a um ‘outro ‘ ausente. O imaginário enuncia, se reporta e evoca outra
coisa não explícita e não presente. Este processo, portanto, envolve a relação que se
estabelece entre significantes (imagens, palavras) com os seus significados
(representações, significações (Castoriadis), processo este que envolve uma
dimensão simbólica ( PESAVENTO, 1995, p.15)
Com as menções feitas pelos jornais aos conteúdos esotéricos, as revistas e editoras
esotéricas viram a imprensa como vitrine para seus produtos. Neste sentido, a imprensa
ganhou reforço no seu conteúdo explanando o esoterismo. Em uma reportagem citada acima,
produzida pela revista Manchete envolvendo a Astrologia, ao virar a página na mesma
matéria, nos deparamos com a obra de uma autora que produziu diversos livros astrológicos:
Linda Goodman. É o exemplo da sua obra Seu Futuro Astrológico, traduzido pela Editora
Record no ano de 1970.
A imagem e alusão a Roberto Carlos na matéria não era por acaso: o cantor brasileiro
estava fazendo sucesso naquele momento. De acordo com a leitura da matéria, Linda
Goudman fala das virtudes do signo de Áires, dentre eles, dinheiro e fama. Assim, a figura de
Roberto Carlos cairia bem nas definições expostas no conteúdo. Outra forma que percebemos
acima para atrair os olhares e atenção dos curiosos era que as previsões não entravam apenas
nos signos, mas também eram voltadas a públicos específicos como a mulher, homem, criança
e até mesmo patrão e empregados. Com isto, procurava a editora mostrar que a obra serviria
para todas as camadas sociais, sexos e idade.
Um dos motivos que teria resultado nesta tradução de conteúdos se deveu ao crescente
mercado e procura da literatura esotérica no Brasil, resultando na sua popularização para o
público leigo. A análise de Magnólia Silva destaca o crescimento literário qanto ao sucesso de
vendas na temática do Esoterismo Ocidental:
a literatura esotérica tornou-se um filão que permitiu não somente a expansão do
mercado editorial neste campo literário por mais de 20 anos consecutivos,
assegurando a publicação e venda de antigos e de novos títulos, como também,
estimulando o aparecimento de novos escritores, de novas editoras, e de novos
postos de venda especializados.(SILVA, 2000, p.190).
espaço para o surgimento e publicações de outras que, além de abordar autores semelhantes
como Blavatsky e Krisnamurti, procuravam também expandir no tocante as obras de autores
esotéricos. No ano de 1973, a Editora Três, sediada no Rio de Janeiro e ligada à Biblioteca
Planeta, resolveu fazer uma série de obras remetendo aos mais variados assuntos e autores
esotéricos. Em um total de 10 volumes, obras dos autores Krishanamurti, Paracelmo,
Nostradamus, Helena Blavatsky, Roso de Luma e Figanière foram publicados e traduzidos
pela editora. Analisando os títulos das obras que eram comercializadas por este grupo,
encontramos os dois volumes de Tratado de Ciências Ocultas, uma das mais importantes
bibliografias para a compreensão dos preceitos do Esoterismo Contemporâneo na ótica de
Papus. De Blavatsky, a leitura citada era do seu livro a Chave da Teosofia, de Perguntas e
Respostas. Durante a pesquisa tivemos a oportunidade de ter acesso a alguns volumes
originais dessa editoria, publicados em 1973.
FIGURA 7 – Anúncio de Livros de Teosofia, Magia e Ciências Ocultas
produto era bastante consumido, valendo àpena que fossem feitos investimentos para captar
os leitores simpatizantes do Esoterismo Ocidental. Assim os “mistérios maiores” do “grande
arcano esotérico” iam sendo divulgados para o público de forma rotineira.
FIGURA 9 – Biblioteca Planeta: livros publicados e propaganda para futuros lançamentos com a temática
Esotérica.
2.2.3 Músicas
adeptos da New Age proclamam a vinda de uma Nova Era, a era de aquarius, caracterizada
por um progresso na humanidade na direção de uma harmonia reencontrada de uma
consciência ampliada” (FAIVRE, 1994, p. 106). Ao observar um trecho da citada música,
identificamos uma representação expressa nela que faz justamente alusão a esses termos
expressos por Faivre:
A presença de termos esotéricos referentes a uma “Nova Era” foram uma das
intepretações que algunas pessoas tinham daquele período, não podendo deixar de representar
um determinado simbolismo. Assim, através de músicas, os ensinamentos esotéricos foram
transmitidos e, evidentemete, se popularizando.
No Brasil, temos na composição de um músico brasileiro, Raul Seixas, que tinha uma
admiração por Aleyster Crowley, o mesmo ao representar a sua Sociedade Alternativa em
uma música onde, através da letra, percebemos ser uma legião de adeptos a contracultura. A
manifestação espiritual se nota neste trecho:
A premissa de “faça o que tu queres tudo há de ser lei” , como já falamos, é do trecho
do livro da Lei de Aleister Crowley, cuja premissa de liberdade que é pregada pela Thelema
se faz presente. Nesta narrativa, encontramos uma vontade de realizar certo desejo, que em
meio a ele poderia haver proibições. Mas, “se eu quero e você quer” onde “faça o que tu
Texto original da música no idioma Inglês: “When the moon is in the Seventh House, And Jupiter aligns with
42
Mars, Then peace will guide the planets. And love will steer the stars, This is the dawning of the age of
Aquarius, The age of Aquarius, Aquarius! Aquarius!”.
70
queres, pois tudo é da lei”, vemos que não há empecilhos que impeça a concretização dessa
vontade. Assim a Thelema concebe a evolução dos indivíduos através do esforço próprio,
desde que assuma sua responsabilidade.
De inspiração pelo Ocultista Aleister Crowley, o grupo muscial Ozzy Osbourne em
1981 gravou a música “Mr. Crowley” como homenagem ao britânico. Na letra dessa música,
notamos questionamentos sobre determinadas situações, perguntando o que Crowley faria. A
intepretação que passa é de que este esoterista poderia ajudar, através de seus ensinamentos,
na busca por um caminho.
Sr. Crowley, o que se passava pela sua cabeça?
Sr. Crowley, você falava com os mortos?
Seu estilo de vida me parecia tão trágico
Com toda aquela emoção
Você enganou todas as pessoas com magia
Você esperou ao chamado de Satã
Sr. Encantador, você achava que você era puro?
Sr. Alarmante, em Rapport noturno
escobrindo coisas que eram sagradas
E manifestando neste planeta
Concebido no olho de um segredo
E eles espalharam a placenta
Sr. Crowley, porque não cavalga no meu cavalo branco?
Sr. Crowley, isso é simbólico, é claro
Aproximando-se de um tempo clássico
Ouço o chamado das donzelas
Aproximando-se de um tempo drástico
De pé com as costas contra a parede
Foi polemicamente enviado?
Eu quero saber o que você quis dizer
Eu quero saber
Eu quero saber o que você quis dizer”.
(Ozzy Osbourne. Álbum: Blizzard of Ozz, Data de lançamento: 1980. Tradução Nossa)43
Outro grupo musical ligado do Rock internacional e que teve suas músicas propagadas
no Brasil, foram os Beatles. No ano de 1967, na capa do álbum Pepper´s Lonely Hearts Club
Band" a banda colocou a imagem de 62 pessoas que os componentes da banda admiravam.
Dentre eles, estava a figura do guru Aleister Crowley como uma das personalidades que
gozavam de admiração dos Beatles. Crowley é o segundo da última fileira de cima, da
43
Texto original, idioma inglês:” Mr. Crowley, what went on in your head? Oh, Mr. Crowley, did you talk to the
dead? Your life style to me seemed so tragic. With the thrill of it all. You fooled all the people with magic You
waited on Satan's call, Mr. Charming, did you think you were pure? Mr. Alarming, in nocturnal rapport.
Uncovering things that were sacred. And manifest on this Earth. Conceived in the eye of a secret. And they
scattered afterbirth. Mr. Crowley, won't you ride my white horse? Mr. Crowley, it's symbolic of course.
Approaching a time that is classic. I hear maidens call. Approaching a time that is drastic. Standing with their
backs to the wall. Was it polemically sent? I wanna know what you meant I wanna know. I wanna know what
you meant, yeah.
71
44
Neste quesito, quando nos referemos a estudo, não se trata de algo acadêmico: mas sim de praticar àquela
crença espiritual.
73
A enfatização na prática do pensamento era bastante difundida pelo CECP, à qual tem
uma relação com a revista fundada por Antônio Olívio em 1907, denominada de O
Pensamento, influenciando na escolha do nome do grupo. O Pensamento abrange conteúdos
que destacam a importância dos usos de técnicas esotéricas para conseguir realizar os seus
objetivos através da prática do mentalismo, cuja comunhão de todos os pensamentos serviria
para o auxílio e bem estar da humanidade. Fausto Nogueira em sua Tese (2015) Os espíritos
assombram a metrópole: sociabilidades espiritualistas (espírita e esotérica) em São Paulo na
Primeira República enfatiza que
À medida que essas ideias do círculo esotérico foram se propagando, setores ligados a
Igreja Católica destinaram a fazer ataques à instituição. No andamento da pesquisa
encontramos uma coletânia denominada de Vozes em defesa da Fé, publicada em 1959 pelo
Frei Carlos José Boaventura. As publicações reuniam um compêndio de grupos que foram
alvos de setores da Igreja. O CECP compôs um destes grupos atacados, tendo a sua base no
mentalismo criticada conforme podemos ver aqui:
45
Convém destacar que, diferentemente da AMORC, que alega ter herdado sua tradição da sua origem no Egito
Antigo, que compõe à sua Tradição Inventada, o Círculo Esotérico se dizia baseado no estilo de tempos
passados, mas não que teria sido originado naquela antiguidade ou composto este local.
75
os herdaram dos Atlantes, raças que deminara o mundo até dez mil anos antes de Cristo”(
SILVA, 2006, p.231-232, apud NOGUEIRA, 2015, p.162).
Durante a Nova Era, encontramos trechos de jornais citando as meditações e alguns
conteúdos de O Pensamento, como exemplificamos no item anterior. Acreditamos que o
método propagandístico de expor trechos nas revistas, junto à exposição de ideias de
tolerância e igualdade religiosa, previstos em seu estatuto, contribuiu para atrair os
simpatizantes. Em sua apresentação, o CECP fez uso dos seus princípios para atrair os
simpatizantes: mostrava-se como um grupo destinado a auxiliar no desenvolvimento mental,
de maneira que destacava a importância do pensamento para a vida diária e se colocava como
exponente de tais ideias. Vemos como exemplo esta matéria publicada no Diário de Notícias
do Rio Grande do Sul: o pensamento governa o mundo.
Na sua sede provisória, na rua da Palma, n°429, 2° andar, sala n°16 do Edifício São
46
Anexo 4 de jornais
76
João, realiza-se, hoje, às 20horas, no Tattwa Cavalheiros da Luz, uma sessão solene
de comemorativa do oitavo ano da fundação do Centro, sob a direção do sr. Antônio
Roque, presidente-delegado, que está convidando à comunidade esotérica,
associados, famílias e sociedades congeneres. Será sido a mensagem aos Tattwas,
enviada pelo Círculo Esotérico da Comunhão do pensamento. (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, 26/02/1960, p 8)47.
A sociedade Teosófica possui como lema de fundação três objetivos declarados, que
se tornaram extremamente atrativos pelo fato de não fazer nenhuma discriminação ou
imposição de alguma doutrina: I- formar um Núcleo da Fraternidade Universal da
Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor; II, encorajar o estudo de
Religião Comparada, Filosofia e Ciência; III- investigar as leis não explicadas da Natureza e
os poderes latentes no Homem. (TAIMI, 1979)
47
Anexo 5 de Jornais
77
A sua sede mundial está localizada na Índia desde 1899, quando foi tranferida da
cidade de Nova York. Nos diversos países, a Sociedade Teosófica possui uma unidade
administrativa máxima que representava os diversos grupos naquele país. Assim como a
Ordem Rosacruz possui a denominação Loja, os teosofistas também a utilizam, sendo esta a
nomenclatura adotada para um grupo teosófico com mais de 8 membros. Tendo menos que
isto, o grupo físico passa a ser chamado de GET- Grupos de Estudos Teosóficos. A Sociedade
Teosófica se instalou no Brasil no ano de 1919, tendo ganhado notoriedade a partir da década
de 1950, tendo seu impulso nos anos seguintes na Nova Era, com a disseminação dos livros
de Helena Blavatsky. Os ensinamentos de Teosofia propostos pela sociedade eram feitos
através de reuniões intenas com seus membros, além de palestras públicas e estudos de
leituras sobre esoteristas que pertenceram a Sociedade.
Na cidade do Recife, a primeira menção que encontramos à Sociedade na capital
pernambucana foi o da Loja Teosófica Henry Olcott48, cujos convites a palestras se fizeram
presentes no Diário de Pernambuco: “a Loja Teosófica Henry Olcot, com sede na rua das
Ninfas, está convidando todos os sócios e pessoas interessadas a fim de assistirem, quarta-
feira, proxima, mais uma reunião de estudos. Será debatido o tema Fundamento da Teosofia”
(DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, caderno 1, 2/09/1962, p.1). Com o intuito de auxiliar
no crescimento da Teosofia no estado49, esta loja chegou a receber a visita de teosofistas da
48
Este nome faz referência ao Coronel Henry Olcott, que junto com Helena Blavataky, fundou a Sociedade
Teosófica internacional.
49
Destacamos que a loja Henry Olcott chegou a ser conhecida como elemento de utilidade pública para o estado,
como consta uma matéria no Diário de Pernambuco em 18 de Junho de 1960
78
seção Nacional da Sociedade, a exemplo de Armando Sales, que foi membro do Diretório
Geral do Partido Social Progressista. Nesta matéria encontramos um encontro dele com o
então deputado Augusto Lucena, na época50.
No ano de 1975, para comemorar os 100 anos da Teosofia no mundo, a Loja Henry
Ocoult fez um convite aberto à população do Recife para participação do evento,
demonstrando haver uma quantidade de atividades no seu interior:
A loja Henry Ocoult situada na rua das Ninfas, 73, da Sociedade Teosófica no
Brasil, tem o prazer de convidar a todos os seus amigos e admiradores para as
festividades do centenário da fundação da Sociedade Teosófica Mundial, no
próximo domingo, a partir das 16 horas .(DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife,
Caderno 2, 12/11/1975, p.2).
50
Augusto Lucena chegou a ser Vereador do Recife (1968, 1975), Deputado estadual de Pernambuco (1954,
1958, 1962), vice-prefeito do Recife (1963), e prefeito do Recife por duas vezes (1971-1975)
51
Anexo 6 de Jornais
79
citar que “ doutrina de todas as crenças chega ao Recife”, na própria matéria faz-se uma
menção a Loja Henry Ocult, esta que foi pioneira nos ensinamentos teosóficos na cidade.
Conforte a matéria, houve uma relação de Maria José e a Loja Henry Ocoult, na qual ela teve,
através deste grupo, o primeiro contato com as ideias teosóficas: “amigos levaram na então
(era 1945) à Sociedade Teosófica Henry Ocolt, situada à época na rua das Ninfas. Ali
começou a participar de reuniões semanais e descobrir múltiplas facetas da doutrina, que
preenchia perfeitamente as suas aspirações”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, Caderno
-Seção B, 13/08/1978, p.1).
Contudo, Maria José demonstrava insatisfações na forma de como os ensinamentos
eram transmitidos para a população, uma vez que ela acreditava que a Loja deveria ser mais
aberta ao público- embora houvesse atividades públicas que a loja divulgava.
Eu senti que a teosofia não podia ser conduzida como naquela loja, de portas
fechadas, misteriosamente, sem alcançar a tantos com os mesmos conflitos
interiores que eu tivera um dia. Era preciso ser mais divulgada. E foi a partir de
um Encontro Nacional de Teosofistas, em São Paulo, onde fui a única
representante de Pernambuco, que decidi optar por outro caminho. (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, Recife, seção B, 13/08/1978, p.1)
Este fatou levou Maria José a abrir uma divergência com os membros e fazer um apelo
à seção nacional para fundar outro grupo teosófico na cidade. Visto que isto simbolizava a
expansão da Teosofia, seu desejo teve boa receptividade pelos coordenadores da sede da
Sociedade Teosófica, que a ajudaram a transformar a garagem de sua casa em uma sede da
teosofia no Recife.
Com o apoio de teosofistas famosos, como Carmen Pisa, Jhon Coats( atual
presidente da sociedade teosófica mundial) e Ulisses e Eneide Rezende, dona Maria
José fundou, no início desta década, a Loja Estrela do Norte, na garagem de sua
própria casa. Hoje, ampliando uma sala, ela reune 40 pessoas, às terças-feiras pela
manha e às quartas-feiras, à noite, numa pregação que, em geral, dura hora e meia,
mas que pode prolongar-se por tempo indeterminado, dependendo do debate que
provoque. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, seção B, 13/08/1978, p.1)
De fato dona Maria José conseguiu popularizar a Teosofia através da Estrela do Norte,
bem mais que a antecessor Loja Henry Olcoult. As suas inquietudes quanto aos seus
“conflitos interiores” fizeram-na pensar que outras pessoas deveriam também disfrutar do
conhecimento teosófico. Assim, a Loja Estrela do Norte se tornou mais acessível ao público e
recebeu, consequentemente, maior circulação de pessoas com maior divulgação. O que
corrobora com a nossa tese foram as quantidades de matérias falando da Estrela do Norte nos
jornais, com conteúdos e temáticas bem maiores que a Loja Henry Ocoult:
Numa casa modesta da rua Diogo Alvares, na Torre, Maria José de Jesus, mãe de
duas filhas, avó de quatro netos, recebe dia e noite, dezenas de pessoas que, aflitas,
80
buscam em seus conselhos, uma orientação para um sem número de problemas. São
adolescentes, jovens e pessoas de uma idade avançada, vindas das mais diferentes
áreas de atuação humana, de bairros distantes e situações variadas que procuram
numa palavra, um caminho. Não há bola de Cristal, nem búzios, nem cartas de
baralho. Numa pequena sala de reunioes, tendo à sua frente um quadro de Cristo,
Dona Maria apenas fala, ouve e... “vê”. Ali, os de alguns ou nenhuma religião, se
reunirem duas vezes por semana para discutir e divulgar uma doutrina que vem do
início da era cristã, mas só agora começa a tomar vulto em pernambuco: a Teosofia.
(DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, seção B, 13/08/1978, p.1)
Quando procuramos saber o perfil dos atores sociais que procuravam a Loja Estrela do
Norte, notamos indivíduos que demonstravam suas inquietudes com a vida, à fim de encontrar
respostas no Esoterismo para questões religiosas. A própria Maria José falou que antes da
Teosofia “ comigo não acontecia aquilo que sucedia aos outros. E eu procurava um caminho”,
o fazer alusão à criação religiosa que teve. Tal cenário se encaixa no cenário da Nova Era, que
se fez presente no Recife. O fato das pessoas pertencerem a alguma religião ou nenhuma,
mostra o caráter variável e heteogêneo dos agentes que tinham interesse no conteúdo
Esotérico, evidenciando as trocas culturais no aspecto religioso na Cidade do Recife. Assim, a
Teosofia, bem como as ordens esotéricas, tinham no perfil de membros um grupo bastante
diversificado neste aspecto. Apesar das imposições da sociedade patriarcal, uma mulher, mãe
e avó conseguiu levar adiante as ideias teosóficas na cidade, transformando-se em uma
espécie de guru para diversas pessoas- sobretudo os jovens.
Pode-se dizer que esta Loja cumpriu com o papel de auxiliar no desenvolvimento da
Teosofia e, consequentemente, do Esoterismo na cidade do Recife. O período de maior
importância se deveu ao fato de que em 1979, a sociedade conseguiu fazer uma conferência
de Betsan Coats, considerada na época uma pessoa de grande importância para a Teosofia
mundial.
Figura 13: Reunião de seguidores da Sociedade Teosófica no Recife
81
Em uma visita ao Brasil pela primeira vez, ela aportou em Recife a Convite da Loja
Teosófica, tendo realizado uma palestra sobre o tema “ a ponte entre a Ciência e a Religião”,
no dia.14 de Maio de 1979, no Teatro Valdemar de Oliveira.
52
SOUZA, Henrique. Eubiose a Ciência da Vida. São Paulo, 1978, Ed. Dhraranâ.
53
Raça neste quesito não tem nenhuma relação com a tonalidade da pele, mas sim de desenvolvimento através
de Mônadas ou Rondas espirituais, definidas pelos ensinamentos teosóficos.
83
Mas não tem dogmas, não é uma religião, não é sectária. É, porém, a raiz comum de
todas as filosofias, ciências, artes e religiões do mundo. Por isto mesmo não é
contrária a nenhuma delas. E da aos homens a nítida compreensão do seu destino no
lento evoluir das idades. Aprende-se a compreender a bondade, o amor, a
simplicidade, as virtudes, enfim, quem nos somos. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO,
Recife, caderno 1, 31/12/1971, p. 2)
54
Assim ele era chamado pelos seus adeptos
55
Anexo 7 jornais
84
FIGURA 14 – Matéria destacando o papel da Eubiose, neste caso, em uma posição de poder.
Ao mostrar que o “Brasil comandará o mundo por uma ordem divina”, a Eubiose
expõe os objetivos dela. Ainda na entrevista, o vice-presidente, coronel Britto, cita quando
nascerá à pessoa, uma espécie de messias, encarregado pela paz no Brasil. Conforme as
crenças do grupo, o ano seria 2005.
Dentro de 24 anos, precisamente, o Brasil será o núclro central da civilização
terrena. Não é Ficcção. Nem há exagero. O trabalho de preparação do povo
brasileiro para essa posição comeou no princípio deste século, e prossegue um ritmo
normal. No ano de 2005- podemos garantir e que ninguém duvide- que a
humanidade estará iniciando a nova e grandiosa etapa de sua evolução. Maytrea
surgirá então na face da Terra, como um novo portador da mesma essência divina,
que já nos chegou com Buda e Jesus (Diário De Pernambuco, Recife, caderno 1,
31/12/1971, p.2.)56
Essas afirmações mesclam o caráter esotérico com elementos nacionais, sem abrir
mãos da tradição esotérica. Pois, ao mesmo tempo em que o Esoterismo Nacional focava na
simbologia que o Brasil tinha a ordem, todavia, mantém como base “ensinar os meios de se
viver em harmonia com as Leis da natureza, Com as leis Universais”, (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, Recife, caderno 1, 31/12/1971, p.2.) onde também tinha como objetivo
“proporcionar ao homem uma readpatação do meio cósmico. Portanto, podemos dizer
também que Eubiose é a vivência do conhecimento”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife,
caderno 1, 31/12/1971, p.2.)
Com a sua preocupação focada no país, era comum ver a Eubiose organizar eventos
para discutir a realidade social brasileira, bem como acontecimentos políticos e econômicos.
No artigo do Correio da Manha (1960), fica evidente quando acontece uma reunião cuja
finalidade se define a tratar questões envolvendo o Brasil a partir do ano de 1960. O tema
encarado parece ser a questão atômica, entrando no contexto da Guerra Fria em que países do
Ocidente e União Soviética iniciaram a corrida armamentista. A sociedade procura atribuir ao
Brasil uma responsabilidade em tal questão, visando uma posição que deveria ser tomada.
Instala-se-à, dia 21, próximo a cidade de São Lourenço, Minas Gerais, a XII
convenção da Sociedade Teosófica Brasileira, que se destina a debater os problemas
relacionados com o temário previamente elaborados, à luz dos conhecimentos
teosóficos. O temário prevê os seguintes debates: o ano de 1960 e o seu verdadeiro
nome na escala evolucional- descoberta do Brasil nao foi por acaso - o papel da
56
Anexo 9 jornais
85
Com isso, temos um exemplo de uma ordem que está interligada com as definições de
Faivre a respeito do Esoterismo Ocidental, porém a grande importância do conhecimento
esotérico dessa ordem tinha um objetivo diferente das demais: o Brasil. No entanto, apesar
disso, ela se expandiu para outros países do mundo, a exemplo de Portugal. O próprio fato de
ela ter mudado de nome para Eubiose e se conceber como um grupo que prepara indivíduos
para a Era de Aquarios, mostra como a Nova Era estimulou o crescimento de grupos
esotéricos.
Em suas publicações da revista interna, a Dharâna, ela procurava fazer alusões a
conteúdos identitários brasileiros, como a descobrimento europeu e as origens do povoamento
brasileiro, vide a publicação Brasil-Fenício. Para a Eubiose, os tupis teriam tido relações com
os fenícios e eles os ajudaram a se instalar em território brasileiro, visto que os Tupis tiveram
origem em outro continente que não existia. Do ponto de vista histórico, reiteramos que tais
conteúdos possui uma visão pseudocientífica, mas serve de embasamento para a compreensão
a respeito de como a Eubiose compreendia parte dos habitantes brasileiros e assim tratavam
em seus ensinamentos.
Os Tupis não podiam voltar; sua pátria fora vítima da fúria do mar. Procuravam uma
nova pátria, uma Terra da Promissão, destinada para eles por Tupã, como disseram
seus sacerdotes. Os Fenícios tinham simpatia pelos Tupis, que eram da mesma
estirpe dos povos Cários; entenderam sua língua geral “do bom andamento”; eram
brancos, um pouco amarelados, como todos os povos do sul da Europa e da Ásia
Menor, e tinham uma religião com sacerdotes, semelhante à organização religiosa
dos Fenícios. Além disso eram agricultores e tinham um caráter guerreiro. Um tal
povo, transferido para o continente brasileiro e nele domiciliado com o auxílio dos
Fenícios poderia tornar-se um bom aliado desses.(DHARANÂ, nº 09 e 10 - Ano
XXXIV)
A análise das representações das ordens Esotéricas nos mostra que, apesar delas
apresentarem diferenças quanto a origem, tradição ou ensinamento, elas procuravam se
apresentar como detentoras do conhecimento interior, dos mistérios da Natureza, como um
caminho da harmonização para busca de uma vida melhor. Por outro lado, a Nova Era
simbolizava mais que uma busca pela espiritualidade, pois refletia o ser humano na procura de
sua completitude que não aceitava mais limites impostos para esta sua realização interna
como sendo algo exclusivamente ligado a uma igreja, por exemplo. Esta busca pelo absoluto
também não significava necessariamente que as pessoas iriam perder o interesse em suas
religiões, mas sim que tinham outro caminho complementar.
57
Anexo 10 jornais
86
Notamos grupos de indivíduos que buscavam mais de uma ordem para se afiliar.
Podemos perguntar se uma órdem só não seria o bastante, ou se o indivíduo se sentia
incompleto em apenas um grupo esotérico. Perguntas como essas podem entendidas dentro da
ótica de plenitude: da busca insensante pelo absoluto e respostas sobre si mesmo. Nas
palavras de Todorov: “A aspiração à plenitude e à realização interior se encontram no espírito
de todo ser humano, e isto desde os mais remotos”. (TODOROV, 2011, p.10). Assim, o
movimento espiritual da Nova Era possibilitou no ocidente que os indivíduos encontrassem os
mais diversos caminhos que pudessem leva-lo a respostas de suas inquietações, estando eles
disseminados e acessíveis sobre as mais variadas formas do Esoterismo Ocidental. O fato das
sociedades e ordens não exigirem exclusividade para os membros se afiliarem no grupo passa
a ideia de liberdade de pensamento, sem condenações quanto as suas crenças.
XVII.
Tais manifestos foram intitulados pelos ses autores como Fama Fraternitatis (1614),
Fraternitatis Confiessio (1615) e Chemical Wedding de Christian Rosenkreutz (1616). A
publicação dos manifestos integrou no contexto histórico do Renascimento e da Reforma
Protestante, além do Iluminismo, cujas ideias dos textos rosacruzes procuravam associar a
espiritualidade com as descobertas científicas de modo que se aproximasse dos intelectuais da
época. De acordo com Frances Yates em sua obra Iluminismo Rosacruz (1983):
Ainda que publicado e fazendo alusão à existência de uma Fraternidade, todos os três
os manifestos Rosacruzes estavam em anonimato. Mas já na publicação do Fama
Fraternitatis (1614) ou Reforma Universal, é feito o uso pela primeira vez do termo
Fraternidade Rosacruz para apresentação de onde viriam tais ideias. Por isso, adotaremos este
ano como de fundação do Rosacrucianismo.
58
Defendida em 2009 no departamento de Ciências das religiões da UFPB. Este trabalho pode ser considerado
um dos pioneiros a respeito do Rosacrucianismo
88
Com intenção de Reforma geral, o mui divina e altamente iluminado Pai, nosso
Irmão C.R., um alemão, o chefe e aquele que originou nossa Fraternidade, trabalhou
muito e por longo tempo, ele que por razão de sua pobreza (embora descendesse de
pais nobres) foi colocado em um Claustro, onde aprendeu a língua grega e a língua
latina, ele que (segundo seu desejo ardente e a seu pedido) estando ainda em seus
anos de crescimento, foi associado a um certo Irmão, P.A.L., que havia decidido
viajar à Terra Santa. (AMORC, 1998, p. 74, Apud OLIVEIRA, 2009, p.48).
O caráter de “pai”, “irmão” demonstram uma forma respeitosa que o líder, C.R,
adquiriu no caráter representativo para os rosacruzes. A AMORC atualmente remete em sua
tradição a utilização do termo Frater para designar os membros do sexo masculino, como uma
forma de fazer memória a este manifesto. Ao mesmo tempo, ao mostrar que C.R teria uma
“missão divina” com tais ensinamentos, é construída uma ideia mítica sobre C.R e sua
missão, sendo algo que abordarei adiante para que possamos fazer uma diferenciação histórica
e lendária quanto a ele. A respeito da viagem e retorno a Europa que C.R teria feito,
encontramos a seguinte narrativa com mais detalhes na obra A Trilogia dos
59
Apesar de pessoas ligadas ao Círculo terem publicado os manifestos, isto não significa que eles tenham sido os
autores dos mesmos. Todavia há uma discussão envolvendo ou não a autoria desses três místicos quanto aos
manifestos. De certo, podemos dizer que eles publicaram os conteúdos. Acredita-se que eles tenham tido alguma
relação com a Fraternidade Rosacruz, ou talvez fossem rosacruzes e não quiseram se assumir.
60
Tomemos como base o ano em que os manifestos falam que C.R nasceu há mais de 100 anos
89
Rosacruzes(1998):
Depois de dois anos, o Fr. C.R deixou a cidade de Fez e navegou para a Espanha
com muitos objetos precioso, esperando que, tendo ele próprio passado seu tempo de
maneira tão agravádel e proveitosa, os homens instruídos na Europa se regozijaram
altamente com ele e começariam a regulamentar e colocar em ordem seus estudos
segundos aquelas bases fundamentais e seguras. Por conseguinte, ele conferenciou
com os homens instruídos da Espanha, mostrando-lhes os erros e nossas artes, como
eles poderiam ser corrigidos, a partir do que deveriam reunir os verdadeiros inditia
dos tempos viradouros, e onde deveriam estar em concordancia com as coisas do
passado, mostrou-lhes ainda como os erros da Igreja e de toda a Philosophia Moralis
deveriam ser corrigidos, mostrou-lhes novas culturas, novos animais, o que
concordava com a Philosophia antiga e lhes prescreveu novos axiomais, pelos quais
todas as coisas poderiam ser restauradas.(AMORC, 1998, p.74).
Não há uma data específica sobre a viagem de C.R, muito menos sobre quando a
Fraternidade Rosacruz apresentada no manifesto teria sido fundada.
61
Não à toa que a Alemanha foi o país de origem de C.R e de fundação da Fraternidade, sendo anteriormente
berço da Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero. No manifesto encontramos o seguinte trecho do
retorno de C.R à Alemanha: “retornou a Alemanha que (em razão das mudanças que iriam em breve se
reproduzir e das estranhas e perigosas disputas que ali aconteciam) ele amava de todo o seu coração”.
90
Mas para que todo Cristão possa saber de qual religião somos e qual é a nossa
crença, confessemos ter conhecimento de Jesus Cristo (pois este, sobretudo, na
Alemanha de nossos dias, é compreendido de maneira mais clara e pura, e está agora
livre e purificado da presença de todos aqueles que dele se desviaram os hereges e
falsos profetas), conhecimento certo e preservado, defendido e propagado em certos
países: utilizamos também dois Sacramentos, conforme estão instituídos, com todas
a formas e cerimônias renovadas da Igreja Primitiva (AMORC, 1998, p.135).
Este trecho mostra como a Reforma Protestante deu liberdade de pensamento para que
os adeptos da Fraternidade Rosacruz pudessem incorporar uma interpretação livre de Jesus
Cristo, pois os reformadores usavam como fonte de leitura a Bíblia, no intuito de deslegitimar
a Igreja Católica das suas interpretações consideradas errôneas de Cristo. Na Bíblia, também
continha elementos da Igreja Primitiva, de Pedro e Paulo, no livro ato dos apóstolos. De
acordo com Vitor Oliveira, “a expressão igreja primitiva se refere à igreja cristã antes dos
concílios. Quanto aos dois Sacramentos, correspondem ao batismo e à eucaristia”.
(OLIVEIRA, 2009, p.30).
Erros da Igreja como a venda de indulgência, seria uma forma herética de desvirtuação
dos conhecimentos de Jesus Cristo que os protestantes criticavam. Portanto, por tudo
apresentado, podemos relacionar as ideias do manifesto como “conhecer Jesus de maneira
mais clara”, de interpretações “livres dos hereges”, para com a circularidade de ideias tanto do
Renascimento quanto na concepção reformadora protestante. Observemos este trecho do
Confessio Fraternitatis, em que destaca que na Alemanha os blasfemadores de Cristo haviam
sido punidos:
o que é a justa recompensa dos sedutores romanos que vomitaram suas blasfêmeas
contra Cristo e que, mesmo na luz que agora brilha, ainda não se abstiveram de suas
mentiras: na Alemanha, todas as suas abominações e todas as suas abomináveis
trapaças foram descobertas, a ponto que Deus pode preencher plenamente a medida
de seu pecado e conduzí-los para mais perto do prazo de sua punição (AMORC,
1998,p.134).
91
Para nós, a expressão “sedutores romanos” é uma clara referência a Igreja Católica
Apostólica e Romana, assim como o enaltecimento do ocorrido na Alemanha reflete que o
caráter reformador serviu para criticar os sarcedotes e clérigos católicos. Portanto, os
manifestos rosacruzes nos mostram que o conteúdo expresso neles teria sido produto desse
meio e vivenciado estas transformações, ratificando a ideia da História Cultural das Religiões,
expresso na introdução da dissertação, de que a Religião é um produto do seu tempo.
Isto se torna mais evidente no trecho do manifesto que destaca a viagem que ele fez
pela a Europa a fim de dialogar com outras pessoas e assim transmitir sobre os conhecimentos
adquiridos. No entando, segundo o manifesto, as ideias apresentadas por C.R inicialmente não
tiveram boa aceitação por onde ele passou:
Mas, foi motivo de riso para eles, e, sendo isso coisa nova para eles, temeram que
seus grandes nomes fossem diminuídos se tivessem então de recomeçar e aprender e
de reconhecer seus muitos anos de erros, aos quais etavam habituados e graças aos
quais tinham acumulado muito dinheiro: aqueles que não amam o repouso que sejam
reformados.( AMORC, 1998, p. 8)
Tal evento teria levado C.R a se resguardar no seu país de origem, a Alemanha,
dedicando-se a um recolhimento para reflexão e aprofundamento sobre as transformações da
Sociedade e dos conhecimentos adquiridos em sua viagem. Contudo, a viagem na Europa
teria servido para que C.R adquirisse conhecimentos além dos que aprendera em Jerusalém.
Mas não esqueçamos que nosso amoroso Pai, o F.r C.R. após muitas penosas
viagens e depois que suas instruções verídicas ficaram sem frutos, retornou a
Alemanha que (em razão das mudanças que iriam em breve se reproduzir e das
estranhas e perigosas disputas que ali aconteciam) ele amava de todo o seu coração:
lá, embora ele pudesse gabar sua arte, especialmente a das transmutações dos metais,
estimava mais os céus e os cidadãos (do seu país) que toda vã glória e inútil pompa
(AMORC, 1998, p.78).
Por outro lado, a existência até mesmo de um personagem como C.R, da maneira na
qual os manifestos rosacruzes o narram, divide também a opinião de historiadores por
considerá-lo um personagem lendário. Para Vitor Oliveira, “é necessário que fique bem claro
que Christian Rosenkreutz deve ser entendido como um personagem e não como um
indivíduo histórico.” (OLIVEIRA, 2009, p.20). Isso consiste em dizer que os membros da
atual Fraternidade Rosacruz no ano do manifesto, em 1614, poderiam ter dado ao seu
fundador um caráter mítico: uma possível construção da imagem de C.R teria sido feita para
atribuir-lhes características “sobrenaturais”.
Não se exclui, contudo, o fato de que, embora este indivíduo carregue outro nome e
não C.R, ele possa ter fundado a Fraternidade Rosacruz e assim pudéssemos identificar a sua
existência histórica pelo conteúdo expresso nos manifestos, apesar de lhe atribuírem um
caráter divino e mítico.62 Cabe, portanto, ao historiador realizar esta análise. Afinal, como diz
Kosellech: “o conhecimento histórico é sempre mais do que aquilo que se encontra nas fontes.
Uma fonte pode existir previamente ao início da investigação ou ser descoberta por ela [...]
assim, o historiador vê-se na necessidade de arriscar proposições”. (KOSELLECH, 2006,
p.186). Para tanto, é importante que procuremos distinguir o que é ou não histórico quanto a
C.R.
62
Bebendo nos ensinamentos de E. Carr. em sua obra O que é História (1961), levamos em consideração a
liberdade do historiador em construir os fatos históricos, de acordo com as fontes e seu caráter crítico, vide o
trecho “ como qualquer historiador ativo sabe, se ele pára para avaliar o que está fazendo enquanto pensa e
escreve, o historiador entra num processo contínuo de moldar seus fatos segundo sua interpretação e sua
interpretação segundo seus fatos”(CARR, 1961, p.34). Para nossa análise, cremos na existência de um ser
metafórico, mas que por razões aqui apresentadas teria este pseudônimo C.R, sendo transformado em um mito
pelos rosacruzes.
93
tendo se reunido com outros simpatizantes esotéricos e assim dado início a fraternidade
Rosacruz. O nosso embasamento parte do conteúdo expresso no manifesto para concluir este
quebra-cabeça, na qual acreditamos que os membros da Fraternidade Rosacruz optaram por
atribuir a metáfora a C.R como forma de preservar o anonimato do seu fundador, bem como
dos membros antigos, por questões de segurança no período inquisitorial e da contrarreforma.
Outro exemplo que ratifica a nossa ideia de existência do personagem C.R, é vista no
segundo manifesto Rosacruz, o Confessio Fraternitatis, no qual atribui uma data de
nascimento a C.R na região do Renio, na Alemanha: “poderíamos relatar aqui o que
aconteceu o tempo todo, desde o ano de 1378 da era de nosso senhor (ano em que nasceu
nosso pai Cristhian)” (AMORC, 1998, p.128). Ou seja, C.R, o “pai do rosacrucianismo” teria
nascido 236 anos antes do primeiro manifesto o Fama Fraternitatis. Tais informações podem
adentrar no quesito histórico sobre o personagem e fundador do grupo.
Mas, por outro lado, acreditamos que deixa de ser histórico e adentra no aspecto
dogmático do rosacrucianismo os trechos nos manifestos que atribuem a ele um caráter
mítico para a missão rosacruz. É neste aspecto que ocorre a construção do mito, que C.R
deixa de ser um personagem histórico e adquiri uma característica lendária conforme as
representações dos membros rosacruzes fizeram do seu fundador, querendo-lhe atribuir um
papel segundo a tradição rosacruz. Sobre a construção mitológica da existência religiosa de
C.R, Rodriguez no artigo O Mito de Christian Rosenkreutz: uma visão a partir de Mircea
Eliade (2016) nos fala que
indivíduo que teve experiências místicas e entradas em contato com seres superiores, tendo
assim transferido este conhecimento para os Irmãos e seguidores. Dessa forma, concluimos o
que pensamos a respeito da figura de C.R: um indivúdio histórico, que possivelmente
carregava outro nome, que teve sua história transformada em caráter mítico para os rosacruzes
e adquiru toda esta representação para o Rosacrucianismo. Conforme Rodriguez
Foi desse modo que começou a Fraternidade da Rosa-Cruz: inicialmente com apenas
quatro pessoas, que elaboraram a linguagem e a escritura mágicas acompanhadas de
um grande Dicionário que ainda utilizamos diariamente para louvar e glorificar Deus
e onde encontramos grande sabedoria; eles também escreveram a primeira parte do
Livro M: mas como esse trabalho era muito pesado e o auxílio aos doentes, do qual
não se pode falar, os atrapalhava, e considerando que sua nova edificação (chamada
Espírito Santo) tinha sido terminada, eles decidiram (uma vez que tinha chegado a
hora) atrair e acolher outros membros em sua Fraternidade; para este fim forma
escolhidos o irmão R.C., filho do falecido irmão de seu pai, o irmão B., um hábil
pintor, G. e P.D., seus secretários, todos alemães, exceto I.A.; assim, eram eles oito
ao todo, todos solteiros que tinham feito voto de castidade, os quais compilaram um
volume ou livro de tudo o que o homem pode desejar, aspirar ou esperar. (AMORC,
1998, p. 80, Apud OLIVEIRA, 2009, p.).
Conforme a análise do manifesto, bem como onde residia C.R, podemos atribuir a
Alemanha como país de origem do rosacrucianismo, como também a naturalidade dos
primeiros membros. Com a publicação do manifesto em 1614, temos o início do primeiro
grupo histórico e pioneiro do Rosacrucianismo, baseado nesta tradição: a Fraternidade
Rosacruz. Nos primórdios dessa fraternidade, os “Irmão” tiveram que fazer um juramento,
que são apresentados no manifesto por Livro M.
95
Em primeiro lugar, que nenhum deles deveria professar outra coisa além da cura dos
doentes, e isso gratuitamente. 2. Dali em diante nenhum deles seria obrigado
particular, mas nesse respeito deveria seguir o costume dos pais. 3. Todo ano, no dia
C., eles deveriam se reunir na casa do Espírito S, ou escrever informando o motivo
de sua ausência. 4. Cada irmão deveria procurar uma pessoa digna que, após sua
morte, pudesse sucedê-lo. 5. O termo C.R deveria ser o seu selo, emblemas e
característica. Entre si eles se comprimeteram a obedecer estas seis cláusulas.
(AMORC, 1998, p.82).
A missão dos rosacruzes contemporàneos ao ano da publicação deste manifesto era dar
andamento ao trabalho iniciado por C.R e os Irmãos do passado. Segundo a Tradição
Rosacruz, os membros que publicaram este manifesto teriam herdado os conhecimentos
anteriores dos Irmãos, que foram a diversos países da Europa difundir os ensinamentos. Nisso
destacamos que tanto C.R quanto os irmãos tiveram uma importância no citado manifesto,
bem como para a história do Rosacrucianismo.
E apesar de que neste momento não fazemos qualquer menção de nossos nomes ou
de nossas reuniões, a opinião de cada um chegará a nós com certeza, qualquer que
seja o idioma empregado; assim como chegará certamente até nós a pessoa que
apenas dê seu nome para entrar em contato conosco, seja de boca para ouvido, seja
por meio de um escrito. E em verdade afirmamos que para àquele que nos traga
afeição, ardendemente no coração, isto lhe será profícuo em bens para o corpo e a
alma. Mas quanto aquele que não tiver o coração sincero, ou só ávido de riquezas,
este não conseguirá de forma alguma nem por qualquer astúcia nos causar prejuízo,
mas provocará sua completa ruína e destruição. E também declaramos em verdade
que nosso edifício (embora uma centena de milhares de pessoas o tenham visto bem
de perto e o tenham notado) permanecerá para sempre sem sofrer alterações ou
destruições e oculto à perversidade do mundo, à sombra de tuas asas, Jeová.
(AMORC, 1998, p. 97)
Apesar do texto não citar de forma explícita o local onde edifício se localiza, para
Vitor Oliveira, “O edifício mencionado acima corresponde ao edifício intelectual da
Fraternidade. A expressão em latim à sombra de tuas asas, Jeová tem a função de um selo e
encerra o Fama Fratenitatis” (OLIVEIRA, 2010, p.2).
Podemos concluir este item dizendo que o manifesto cumpria com seu papel de contar
96
a origem dessa fraternidade e expor à sua crítica à Igreja Católica. Para tanto, os ensinamentos
eram destinados apenas aos membros, como uma forma de proteger os conhecimentos
transmitidos: “mas prestaremos um auxílio secreto a uma tão boa causa tanto quanto
pudermos, segundo o que Deus nos permita ou impeça” (AMORC, 1998, p.91). Por outro
lado, ficam evidentes no manifesto algumas componentes do Esoterismo Ocidental (FAIVRE,
1994), a exemplo do papel das mediações e da imaginação, da experiência da transmutação e
ideia de transmissão. Com o intuito de fortalecer as premissas do rosacrucianismo e da
Fraternidade, foi publicado no ano seguinte o segundo manifesto, a Confissão ou Confessio
Fraternitatis.
O documento afirma que tem por objetivo traçar “trinze e sete razões relativas ao
nosso propósito e a nossa intenção, as quais poderão a teu critério comparar e pesquisar”
(AMORC, 1998, p.103). Inicialmente, o texto começa fazendo duros ataques ao Papa,
chamando-o de “Anticristo:”
E assim como declaramos agora com certeza, liveremente e sem qualquer temor de
que isso nos prejudique, de que o Papa de Roma é o Anticrismo, cientes de que
aqueles que declaram a mesma coisa foram condenados à morte por causa disso, que
até hoje é considerado um pecado mortal em todos países, com a mesma convicção
sabemos também que da mesma maneira virá o tempo em que aquilo qie
mantivemos em segredo nos publicaremos abertamente, livremente e em voz alta,
perante o mundo(AMORC, 1998, p.103).
Notamos que os Rosacruzes com isso apresentavam as suas confissões quanto ao seu
propósito e as suas intenções. O conteúdo crítico nos leva a um campo de disputas religiosas,
contra duas religiões que na época com consiráveis números de fiés: o cristianismo católico,
presente na maioria dos países Europeus; e o Islã, que havia dominado o Oriente, o Norte da
África, a península Ibérica e outros territórios Europeus, provenientes da expansão islâmica.
Em decorrência dos eventos que travaram abrangendo estas duas grandes religiões, os
Rosacruzes mantinham seu caráter contestatório, colocando-se à disposição seus
ensinamentos, vide o trecho “e oferecemos de boa vontade nossas preces, nossos segredos e
nossos grandes tesouros feitos de Ouro” (AMORC, 1998, p.117).
Cabailon63, livro esotérico, de que o que está em cima é como o que está embaixo, e tudo o
que está embaixo é como o que está em cima (CABAILON, 2015). O Rosacrucianismo
mostrava dentro de sua filosofia um equilíbrio a fim de sair do embate terreno x material,
buscando um meio termo entre a oposição enfrentada durante o Renascimento. Assim era
esperado atingir um maior número de pessoas cultas e letradas.
Deus se alegra de um outro modo, pois ele eleva aquele que é humilde e rebaixa
com desdém o que é orgulhoso; aos que falam pouco ele envia os seus santos anhos
para que falem com eles, mas faz os faladores impuros se perderem no deserto e em
lugares de solitude; o que é a justa recompensa”( AMORC, 1998, p. 134).
63
Citado no Capítulo 2
99
no manifesto, Vitor Oliveira faz esta breve análise a respeito das interrogações presentes no
Confessio Fraternitatis:
O Confessio Fraternitatis faz uma série com cinco interrogações e uma exclamação:
Por que não repousar e permanecer tão-somente na verdade? Não seria bom se não
tivesse preocupações e temor pela fome, pobreza, doença e velhice? Não seria
magnífico viver conforme no começo do mundo e assim continuar até o seu fim?
Não seria excelente viver sem que povo algum pudesse esconder qualquer coisa?
Não seria extraordinário ler num só livro e mediante esta leitura compreender tudo
aquilo que nos outros livros aconteceu, acontece e acontecerá? Como seria
agradável cantar de modo a atrair pérolas e pedras preciosas e comover os
poderosos príncipes deste mundo! (AMORC, 1998, p. 121 e 123; YATES, 1983, p.
313, apud OLIVEIRA, 2010, p.45).
C.R passa a ter um papel fundamental na mediação entre a divindade e o que lhe foi
transmitido, por esta característica, o conhecimento Rosacruz mostra que a sua filosofia
estaria, portanto, ligando o céu e a terra através da Componente do Esoterismo da ideia da
transmissão.
Ah sim, vós que ledes estas palavras, o desígnio de Deus é bem outro, que decidiu
agora fazer crescer e expandir o número de nossa Fraternidade, coisa em que nos
empenhamos com tanta alegria que até o presente obtivemos este grande tesouro que
ultrapassa nossos méritos, sim, que ultrapassa todas as nossas esperanças, todos os
nossos pensamentos e tudo o que projetamos com a mesma fidelidade que tenhamos
tido ao colocar em prática esta empresa da qual nem a compaixão nem a piedade
para com os nossos filhos (como têm alguns que fazem parte de nossa Fraternidade)
nos afastará, pois sabemos que esses bens inesperados não podem ser herdados nem
obtidos por acaso. (AMORC, 1998, p. 123)
Uma observação de Vitor Oliveira ao ler este trecho é a parte cujo manifesto fala da
existência de membros com filhos. Nos primórdios da fraternidade dos oito irmãos, era
necessário que houvesse o celibatário (OLIVEIRA, 2010). Acreditamos que por razões deles
terem sido primordiais para expandir a ordem, o celibato foi uma forma encontrada para que
eles não tivessem que se ocupar com outras funções, senão a de transmitir os ensinamentos do
Rosacrucianismo. Tal ponto também ratifica a existência de C.R e dos “Irmãos” que tiveram a
100
Concluimos nossa Confissão, devemos seriamente vos pedir que rejeiteis, se não
todos, pelo menos a maior parte dos livros escritos pelos falsos aquímistias, que
pensam que estão só gozando de um lazer ou passatempo quando fazem mau uso da
santa Trindade, quando aplicam coisas vãs, ou quando engana, as pessoas simpes
com as mais estranhas imagens, as setenças e os discursos mais tenebrosos, e
aliviam as pessoas simples de seu dinheiro[...]. Vós que sois sábios, abstende-se
desses livros e voltai-vos para nós, que nao queremos vosso dinheiro e que vos
oferecemos com a maior vontade nossos grandes tesouros (AMORC, 1998, p.136).
Por essa razão que ratificamos a premissa de que a temporalidade histórica dos
manifestos sofreu influência das ideias dos reformadores protestantes, como mostramos no
item do Fama Fraternitatis. Pode-se pensar que os livros dos quais os rosacruzes citam no
trecho acima seriam as escrituras bíblicas. Mas não, pelo contrário: o que os rosacruzes
criticam, são os concílios da Igreja Católica, que visam ditar leis e ordens; não as leituras
bíblicas. A prova disso, era que os Rosacruzes incentivavam a leitura da Bíblia como forma
de conhecer as escrituras e a natureza, cuja tradução e popularização da Bíblia para outros
idiomas foi um feito da Reforma, atribuído a Lutero.
Esta é a razão pela qual advertimos todos a lerem diligente e continuamente a Bíblia
sagrada; pois quem encontrar nisso um grande prazer saberá que terá preparado para
si um excelente caminho para entrar em nossa Fraternidade: pois, assim como a
soma total e o conteúdo de nossa Regra é que cada letra ou caractere que está no
Mundo deve ser cuidadosamente examinado e estudado, assim também são
comparáveis a nós e estão muito próximos aqueles que fazem da Bíblia sagrada sua
101
regra de vida e o objetivo e a finalidade de todo o estudo; sim para fazer dela um
resumo para o mundo inteiro e para sua satisfação e não só para tê-la continuamente
na boca, mas para saber como aplicá-la e dirigir sua compreensão a todas as idades e
épocas do Mundo. Assim, no que nos tange, não é nosso costume prostituir e
banalizar as Santas Escrituras. (AMORC, 1998, p. 132).
Apesar da Rosacruz não instituir o seu credo ou dogmas de maneira específica pelos
manifestos, ela dizia que a forma de como as pessoas iriam adquirir por expontânea vontade
os conhecimentos transmitidos, serviriam para a verdadeira compreensão da palavra de Cristo.
Que pensais, amáveis pessoas, e de que modo vos sentis tocados, vendo que agora
compreendeis e sabeis que nos mesmos reconhecemos professar de modo verdadeiro
e sincero o Cristo, condenar o papa, ater-nos a verdadeira filosofia, levar uma vida
cristã e chamar diariamente muito mais pessoas a se unire, a nossa Fraternidade, na
qual a mesma luz divina igualmente aparece.(AMORC, 1998, p.137).
conhecimento de Jesus Cristo. Tal forma pode ser encarada como uma apropriação religiosa,
que consiste em usar um dogma de outro grupo religioso para fazer uso e propagar a sua fé,
porém com outra interpretação. Ao mesmo tempo, é uma espécie de “negociação”, à medida
que visa usar a fé de outro grupo religioso para propagar seus ideais, porém no intuito de
agariar fiéis da Igreja Católica e do cristianismo. Portanto, embora se faça uma crítica à
instituição religiosa cristã, destacamos que os rosacruzes no conteúdo do manifesto adotam
esta estratégia na forma discursiva: de pregar a importância dos valores de Cristo, sem, no
entanto, procurar se associar com a Igreja. Pode-se, inclusive, cogitar a ideia de serem
simpatizantes do Cristianismo Primitivo.
Podemos analisar que todo o percurso de C.R. fora marcado por diversas experiên-
cias religiosas. Sua necessidade de sair do mosteiro e empreender uma viagem pelo
mundo em busca de maiores conhecimentos nos mostra sua inquietude, sua vocação
e abertura para uma nova experiência religiosa, diferente daquela que, até então, ele
estava inserido.(RODRIGUÊS, 2016, p.129).
O texto, diferentemente dos gêneros anteriores, exprime uma linguagem pessoal, como
se fosse o próprio C.R que tivesse escrito o conteúdo (GOECEIX, 1993). A experiência
mística tem início no período da Páscoa, equinócio de primavera no hemisfério norte 64 ,
quando ele, através de um sonho, contactou um ser sobrenatural, atribuído ao sexo feminino e
descrito da seguinte maneira:
Era uma mulher de maravilhosa beleza, cujas vestes, totalmente azúis, estavam
gracionsamente consteladas de estrelas de ouro, como o firmamento. Na mão direita,
ela seguava uma trombeta de ouro maciço, onde estava gravado um nome que eu
podia ler nitidamente, mas logo após me foi proibido revelá-lo. Na outra mão, ela
segurava um maço espesso de cartas redigidas em toda espécie de lingua que ela
devia- soube-o depois, levar a todos países( GOECEIX, 1993, p.120-121).
64
O ano Novo Rosacruz da AMORC se inicia nesta época, onde podemos perceber a relação entre as “núpcias
de C.R” para com o recomeço da Ordem.
104
Outros simbolismos também estão presentes nesta narrativa, desta vez no tocante a
Alquimia, descrita como algo de apreço por C.R e pelos irmãos da Fraternidade. A linguagem
poética deixa transpassar as metáforas do conhecimento Rosacruz de que a transformação
Alquímica dos metais em ouro deveria ser feitas na vida humana. A associação com o ouro
mostra pureza, beleza e sinal de transformação; daí o fato dos rosacruzes fazerem alusão aos
alquimistas e trazer para os seus ensinamentos esta analogia. Segundo Goeceix:
De maneira geral, o nosso objetivo ao citar este presente manifesto tem por objetivo
expor os elementos simbólicos presentes na experiência de C.R que acabam se tornando
fundamentais para rosacruzes. A relação da Rosa coma Cruz é citada durante a viagem de
C.R, após despertar daquele sonho que ele considerou ter sido uma “noite de núpcias”. Com
comentários de Vitor Oliveira:
Quando ele acordou compreendeu que Deus lhe tinha concedido a graça de
participar do casamento secreto e oculto. Então, rogando sabedoria e compreensão
ele iniciou os preparativos para a viagem, colocando sua veste de linho branco,
cingida com uma faixa vermelho sangue disposta por cima dos ombros em forma de
cruz e colocando quatro rosas vermelhas no chapéu, como sinal de identificação e
sua provisão, composta de pão, sal e água.(OLIVEIRA, 2010, p.56).
No início do século XVIII, sob forte influência da alquimia, Sincerus Renatus, como
pseudônimo de Samuel Richter, publicou, em 1710, em Breslau, na Alemanha, a
obra A verdadeira e perfeita preparação da pedra filosofal pela Fraternidade da
Ordem da Rosa Cruz Áurea e da Rosa Vermelha. Era um tratado de alquimia que
apresentava práticas de laboratório e trazia como apêndice as cinqüenta regras que
regiam a fraternidade. (OLIVEIRA, 2010, p.67)
Em 1747 Hermann Fictuld escreveu Aureum Vellus, que menciona uma sociedade
dos rosacruzes áureos, herdeiros do Tosão de Ouro. Posteriormente, em 1757, ele
criou um rito maçônico, com tendência alquímica e pietista e composto de um
conjunto de graus rosacruzes, denominado Societas Rosae et Aureae Crucis ou
Sociedade da Rosacruz Áurea, cujos estatutos declaravam que a fraternidade deveria
ser reformada a cada dez anos. Esta ordem se desenvolveu, principalmente, na parte
sudeste da Europa que falava alemão, com centros em Viena, Hof, Frankfurt am
Main, Marburg, Kassel, Regensburg e Praga, bem como no norte alemão, com
centros principais em Berlim e Hamburgo, onde foi publicado em 1785 a obra
Símbolos Secretos dos Rosacruzes dos Séculos XVI e XVII. (OLIVEIRA, 2010.
p.59).
Não tardou para que os rosacruzes chegassem ao continente Americano, tendo sido os
Estados Unidos o país onde os adeptos da filosofia rosacruz puderam se organizar melhor.
Este acontecimento histórico é descrito por Harvey Spencer Lewis, na obra A ordem Rosacruz
em Perguntas e Respostas citando no século XVII:
106
A relação que esta agremiação de Toulouse tem com a AMORC, deve-se ao fato do
seu fundador, Spencer Lewis, ter sido iniciado Rosacruz nesta Sociedade e através dela ter
adquirido um conteúdo documental para poder em solo americano fundar a AMORC. Apesar
de ele ser americano e tido contato com o rosacrucianismo em seu continente, teria optado por
se iniciar na Europa, visto a organização que estes rosacruzes tinham na França. Outro fato
que deveu esta escolha foi que ele tratava esta ordem como autêntica em meio a diversas
rosacruzes. Spencer Lewis na obra A Ordem Rosacruz em Perguntas e Respostas cita
informações contendo esta ordem na França.
Uma premissa que Spencer Lewis se valeu para poder buscar legitimidade no
conhecimento rosacruz desse grupo Francês, reside no fato de que, para ele, em 1909, a
Grande Fraternidade Branca65 teria influenciado o renascimento de outros grupos esotéricos.
65
Alusão que os Esoteristas fazem a um grupo de indivíduos e Mestres Cósmicos que mandam enviados para
fundarem ordens esotéricas e assim transmitir-lhes conhecimentos. A AMORC bem como a Sociedade Teosófica
e outros grupos esotéricos aceitam em comum este elemento quanto a sua origem religiosa.
108
Um exame da História dos vários movimentos ocultos que contam com o apoio
moral e psíquico da Grande Loja Branca, revela que, em 1909, mais movimentos
místicos do mundo renasceram, foram reformado, ou sofreram alterações em seu
gênerode atividades, do que em qualquer outro ano da história do ocultismo. Foi
neste ano que Heinel, fundador de uma sociedade semi-rosacruz independente, na
América, viajou para a Europa a fim de tentar obter informações rosacruzes.
(LEWIS, 1983, p.116).
Este entendimento expõe que Lewis procurou associar o ano da sua iniciação para
correlacioná-los com os acontecimentos no mundo esotérico, sobretudo os rosacruzes. Além
da iniciação de Spencer Lewis ter sido em 1909, neste mesmo ano ele também viajou à
Europa com o propósito de adquirir conhecimento daquilo que considerava ser verdadeiro na
Rosacruz, o que incluia os rituais secretos e as práticas místicas daquela fraternidade. Spencer
Lewis narra como era a relação dele com a Loja de Paris, que facilitou o acesso ao corpus
documental da ordem.
Foi igualmente em 1909 que visitei a França, com idêntico propósito. Durante
muitos anos, mantivera eu uma grande corporação de homens e mulheres dedicados
à pesquisa Esotérica, metafísica, nos moldes rosacruzes. Como editor de várias
revistas esotéricas, viera a conhecer diversos manuscritos rosacruzes (LEWIS, 1983,
p.115).
Spencer Lewis procurou dar um significado a 1909: I) sua viagem ao grupo a fim de
adquirir documentos secretos daquela fraternidade Rosacruz; II) sua iniciação, que
possibilitou o ingresso na Ordem Rosacruz,e ; III) também foi o ano em que ele iniciou um
grupo de estudos nos Estados Unidos, agora como iniciado, que serviu de base para a
AMORC.
É importante destacar que esta narrativa de Spencer Lewis, por considerar o grupo da
França como o suposto movimento rosacrucianista que continha os conhecimentos
verdadeiros do rosacrucianismo, também pode ser compreendida como uma forma de
legitimar àquela ordem e, consequentemente, validar seus ensinamentos que seriam trazidos
para dar andamento a AMORC. Desse modo, Spencer Lewis caracterizou a AMORC como
um grupo esotérico herdeiro do conhecimento Rosacruz de séculos anteriores, sendo aí que se
inicia a Tradição Inventada da AMORC, que será debatida ao final deste capítulo.
A relação construída por Spencer Lewis para que a AMORC herdasse este
conhecimento da Ordem Rosacruz de Toulouse começa através de contatos que ele teria feito
na França com outros Rosacruzes, quando ele descreve que
Dirigi-me para a França no verão de 1909 e, após breve entrevista com uma pessoa
que se recusou a comprometer claramente, fui enviado a várias cidades e, em cada
caso, enviado a outro lugar, até que finalmente consegi um contato definitivo em
109
Toulouse. Ali, pude afinal verificar que meus planos e desejos haviam sido
antecipados e conhecidos há algum tempo. (LEWIS, 1983, p.117)
Após o seu retorno, Spencer Lewis tinha um arcabouço documental que lhe permitiam
retomar as atividades do Rosacrucianismo na América, uma vez que as organizações
rosacruzes do século XVIII e XIX daquele país estavam desativadas pelo fato de muitos
rosacruzes participarem da Rosacruz Francesa. Spencer Lewis pode ser chamado de “pai do
rosacrucianismo” contemporâneo no continente Americano. Para a ordem que ele pretendia
criar em solo americano, Spencer Lewis resolveu utilizar a denominação de Antiga e Mística
Ordem RosaCruz ou Antigua et Misticae Ordo Rosae Crucis (AMORC), como alusão ao
termo latina de Antigus Arcanus Ordo Rosae Rubeae et Aureus Crucis.
Os franceses aprovaram a criação da AMORC em continente americano, tratando-a
como herdeira dos conhecimentos ensinados na França, dos quais também foram herdeiros do
passado dos Rosacruzes.
No dia 1º de abril de 1915, quinta-feira, cerca de trinta membros dos mais ativos se
reuniram na 7th Avenue, em Nova York, local que logo se tornaria a primeira loja
rosacruz da AMORC. May Banks-Stacey, Legado da Índia, entregou solenemente a
Lewis os documentos que recebeu neste país e conforme seu desejo Harvey Spencer
Lewis foi escolhido por unanimidade para ocupar o cargo de Imperator e Grand
Master General do Supreme American Council of the Ancient and Mystical Order of
the Rose Cross, tal qual atesta este documento fundador da AMORC.( OLIVEIRA,
2009, p. 78).
No entanto, a forma utilizada por Spencer Lewis para falar da AMORC não era de
publicar livros expondo seus ensinamentos, que deveriam permanecer secretos: mas sim
convidar as pessoas a se afiliarem a AMORC e com isso ganhar novos membros:
Assim sendo, prosseguiu a AMORC com o antigo costume e prática de não publicar
livro algum com os ensinamentos, insistindo, ao invés disso, em que todos aqueles
que desejassem estudar deveriam se afiliar e ajudar a formar Lojas ou capítulos
regulares em várias localidades. Este tipo de atividade foi tão bem sucedido, no
decorrer do ano de 1916, que foram estabelecidos corpos subordinados por todo o
país, Canadá e México. No verão de 1917, havia tantos corpos subordinados da
AMORC promovendo o movimento com tal entusiasmo, que foi realizada uma
convenção nacional de uma semana, em Pittsburgh, Pensilvânia (LEWIS, 1983,
p.120).
Tal fato acabou dando notoriedade a AMORC como sendo o maior grupo Esotérico
ligado a vertente do Rosacrucianismo. Esta breve “comemoração” de Spencer Lewis acima
pelo sucesso que a sua organização teria adquirido, foi objeto de análise de um dos
historiadores do esoterismo, Antoine Faivre, que quanto ao expansionismo da ordem
comentou que:
A AMORC teve como um dos fatores que contribuiu para o seu crescimento, se
comparado a outros grupos rosacruzes e esotéricos, o fato de muitos países na Europa terem
que parar suas atividades durante a I e II Guerras Mundiais. Neste período, a Rosacruz de
Toulouse foi desativada 66 e suas atividades não retornaram mais, tendo se incrementado à
AMORC. Apesar dos Estados Unidos terem participado dessas duas guerras, as suas cidades,
66
Muitos rosacruzes e maçons franceses foram perseguidos pelos Nazitas, pois eles consideravam as atividades
rosacruzes como subversivas e de resistência.
111
com exceção de Pear Harbor, não chegaram a sofrer bombardeios, fator que possibilitou que a
AMORC naquele país continuasse com suas atividades. Spencer Lewis descreve este
episódio:
A Suprema Grande Loja da AMORC constitui o corpo supremo da Ordem para esta
jurisdição internacional, de modo que várias Grandes Lojas, em muitas partes do
mundo, estão a ela subordinadas, Nos Estados Unidos, a Suprema Grande Loja
constitui corporação legalizada como organização educacional, não lucrativa, sendo
assim registrada em muitos países da jurisdição. Jurisdições separadas, afiliadas à
jurisdição internacional, ainda funcionam nos países escandinavos, na Holanda e em
algumas regiões do mundo. Em todo o mundo, é a Ordem conhecida pelas iniciais
da sua denominação completa, A.M.O.R.C, que são as primeiras letras das palavras
112
Como podemos perceber a Grande Loja não necessariamente tem que estar localizada
em cada país, podendo ela ser responsável por mais de um país, cujo critério de idiomas e
localização geográfica é utilizado como forma de instalação da Grande Loja, através das
“jurisdições de idiomas”. Em países que não há grande Loja, podem-se criar um núcleo de
administração regional, a exemplo da Administração Regional da Finlândia; Administração
Regional da Grécia, Rússia, Hungria, Nigéria, Polônia e Armênia.
67
Disponível em: https://www.amorc.org.br/amorc-no-mundo/. Acesso: 05/09/2020).
113
Os Pronaos em média são compostos por poucos membros, mas constitui a principal
célula da AMORC para expansão de suas atividades com seus estudos em uma localidade. “A
medida que o número de afiliados da região aumenta, o Pronaos pode passar a Capítulo e
Loja” (AMORC, 2006, p.19). Essa afirmação é de grande importância metodológica para
analisarmos o crescimento de um determinado Organismo Afiliado, a partir da sua elevação à
categoria de Capítulo e Loja. Trazendo para Recife, os documentos internos da hoje Loja
Recife mostram que suas atividades se iniciaram em 1959 com a denominaçao de Pronaos,
passando a ser um Capítulo em 1962, Loja em 1971.
Além da questão ligada ao quantitativo de membros maior, a diferença entre os
Pronaos e Capítulos também incidem na atividade ritualística do organismo afiliado:
O capítulo proporciona um ritual que chamamos de convocação. É mais elaborado
do que o ritual de Pronaos. Essa convocação é aberta somente a Rosacruzes que
tennham feito a Iniciação de Grau ao Primeiro Templo. Não obstante, o capítulo
realiza as outras atividades acima citada. (AMORC, 2006, p.19).
Dentre essas atividades citadas, encontramos menções entre 1960 a 1981 no Diário de
Pernambuco como “Ano Novo Rosacruz”, que seriam as trocas de oficias também realizadas
em Pronaos e Lojas, além da Festa da Pirâmide, festividade Rosacruz perto do equinócio de
Outono no Hemisfério Norte. Ao que parece, a questão ritualística das convocações era a
principal atividade entre um pronaos e capítulo. Porém, para participar de uma convocação,
seria necessário que o indivíduo fosse apreciado por um “ritual de iniciação”, como citado
acima. Estas iniciações só poderiam realizar em um organismo maior que os capítulos: a Loja.
Percebe-se o valor que a Ordem dava a iniciação. Antes da existência da Loja Recife,
quando ainda era Capítulo e Pronaos, muitos membros tinham que se dirigir ao Rio de
Janeiro para iniciar estas iniciações, assim como rosacruzes de outras localidades do Brasil. A
elevação dos Pronaos e Capítulos para Lojas foi uma forma de conceber autonomia regional a
diversas localidades. No Nordeste, por exemplo, após a Loja Recife (1971), frequentadores de
outros organismos afiliados do Nordeste se dirigiam a Capital Pernambucana, por ser a
primeira Loja da Região. Em um determinado local pode haver uma Loja e um Capítulo,
como é o caso da Região Metropolitana do Recife, que em 1982 teve a fundação do Pronaos
de Piedade, passando a elevação de Capítulo permanecendo até hoje com essa denominação.
114
presente intuito aos membros da localidade através de uma círcular, no dia 12 de Junho de
1947:
69
Reiteramos que não tivemos acesso ao documento original, o qual não é aberto para consultas, mas sim a
transcrição do mesmo na obra A História da Amorc na língua portuguesa.
70 Membros que recebem a finalidade dentro de um organismo afialiado para atuar em funções ritualísticas.
116
Essa referência nos mostra como esse Capítulo exerceu atividades importantes em
pouco tempo de fundação. No dia 7 se Setembro de 1952, o Capítulo foi elevado a categoria
de Loja. Belém foi a terceira cidade do Brasil a receber um organismo afiliado da Ordem
Rosacruz, sendo então denominado Pronaos Belém, com fundação datada em 1954, se
instalado na Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, n° 890. O Pronaos foi elevado a
No ano de 1961 a Grande Loja foi transferida para a cidade de Curitiba/PR, local que
permanece até os dias de hoje. O motivo da transferência se deu pelo fato de que o grupo
pagava um aluguel no Rio de Janeiro, tendo então recebido uma doação de um terreno que
pudesse ser construído um espaço para atividades. Foi aí que surgiu um espaço na cidade de
Curitiba, que cumpriu com os anseios dos Rosacruzes brasileiros.
Este processo de transferência da Grande Loja para Curitiba coincidiu também com o
maior crescimento da AMORC no Brasil, com o maior número de Pronaos, Capítulos e
Lojas. A ligação que a Grande Loja fazia com seus organismos afiliadas era através de
correspondências, onde encontramos uma comunicação da Grande Loja ao Pronaos Recife,
em 1960, informando o momento em que transferiu sua sede para Curitiba. Na carta, a
119
Grande Loja lista o seu novo Endereço, bem como envia um material antecipado ao
organismo afiliado.
Segundo nossa análise da lista de organismos afiliados, entre 1961 a 2000 houve o
crescimento de mais de 150 organizações ligadas a Ordem Rosacruz (AMORC, 2000, p.109-
119). O maior crescimento foi entre 1961-1981, o que demonstra a influência que o período
conhecido como Nova Era, exposto no capítulo anterior, também teve para o expansionismo
Rosacruz.
Também neste mesmo prédio foi construído no ano de 1990 o Museu Egípcio e a
Biblioteca Alexandria. Este museu foi objeto de estudo na tese de doutorado do professor
Leandro Hecko, Egiptomania e usos do passado: O Museu Egípcio e Rosacruz de Curitiba
(2013).
(HECKCO, 2013) que a AMORC faz em sua tradição inventada- que podemos ver, inclusive,
no parque da Suprema Grande Loja, que leva o nome de Akenaton, imperador onde a tradição
da AMORC diz ter sido o primeiro Imperator da ordem.
Os assuntos eram sobre diversos temas, muitas vezes ocorrendo em paralelo com as
convenções rosacruzes para os adultos. Acreditamos que esta foi uma estratégia da Grande
122
Loja do Brasil para poder introduzir as famílias de maneira geral na AMORC. Após a
instituição da Ordem Rosacruz Juvenil, como podemos ver no último exemplo citado, o tema
envolvendo o misticismo, na “egrégora” (unidade) Rosacruz vem à tona. Importante destacar
que para as crianças e adolescentes fazerem parte da Ordem, era preciso ter autorização dos
pais- independente deles serem ou não rosacruzes. A AMORC tem intuito em trabalhar com
esta faixa etária para ofilicalizar-los na Ordem a partir dos 18 anos.
Para o historiador Carlos André Silva Moura, em sua tese de doutorado (2015)
Histórias Cruzadas: debates intelectuais no Brasil e em Portugal durante o movimento de
Restauração Católica (1910 -1942), as religiões podem inventar uma Tradição. Uma dessas
formas é vista pela AMORC, ordem esotérica que embora tenha os seus ensinamentos
baseados no Egito Antigo, acreditava que a sua história residia no Egito Antigo, tendo a sua
fundação em 1915 como parte dessa história.
origem tradicional da AMORC faz com que a sua fundação oficial na América, em 1915, seja
apenas um detalhe se comparado à sua história tradicional e antiga.
FIGURA 15- Cartão postal rosacruz para os simpatizes pedirem o livreto Domínio da Vida
Esta caixa postal da AMORC foi publicada no Jornal do Brasil, no ano de 1960. O
endereço dado era para os leitores que desejassem adquirir o livreto Domínio da Vida, feito
pela AMORC para expor a sua história aos que desejassem conhecê-la. Chama atenção o
detalhe abaixo, em que ele diz que as iniciais AMORC “indicam a verdadeira e autência
ordem Rosacruz”. Com isso, apesar da existência de outros organismos rosacruzes, a exemplo
da Lectoruim Rosacrucianum (ou Rosacruz Áurea) e a Fraternidade Rosacruz, a AMORC
visava trazer para si o título de autêntica, objetivando ter a credibilidade dos leitores e demais
127
simpatizantes do Esoterismo.
Logo, tornou-se comum a AMORC fazer uso dessa Tradição Inventada durante a
Nova Era como elemento propagandístico, a fim de promover diante os demais grupos que se
diziam rosacruzes. Além desse quesito de se indicar como a única e verdadeira ordem
rosacruz, notou também que a AMORC explorava, em sua origem antiga, associações com
figuras do passado, que teriam pertencido a AMORC em algum momento da História. Dentre
eles, citaremos Leonardo da Vinci e Benjamin Franklin.
Figura 16 – Matéria associando Benjamin Franklin como pertencente a Rosacruz, cujo conteúdo do texto é
baseado na Tradição Inventada da AMORC.
Fonte: JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro,Caderno 1, 07/02/1960, p.8
Leonardo da Vinci também era um Rosacruz. Na verdade, grande parte da matéria em si tem
como objetivo falar sobre a Ordem, a respeito do que ela simbolizava e previsões para o ano
de 1977. Somente no final é citado Leonardo da Vinci, afirmando que “Leonardo da Vinci
pertencia à Rosacruz, “a Verdadeira Rosacruz”, explica a AMORC californiana”(DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, Recife, caderno B, 14/03/1977, p. 8.). Ou seja, as matérias da AMORC
tinham como estratégia recorrer a auto legitimidade, com o uso de sua tradição inventada.
Por meio deste enunciado que citava este grupo na cidade do Recife/PE, sendo
apresentado como “uma sociedade internacional dedicada à prática do bem estar e estudos
filosóficos da vida humana”, procurava a AMORC utilizar a sua credibilidade como um grupo
internacional, não local, cuja intenção era adquirir credibilidade dos leitores. O Livreto Por
que estamos aqui é uma publicação da Revista O Rosacruz de 1974, falando da importância
espiritual do homem para com os seus semelhantes.
Queremos ressaltar a ligação pela qual a AMORC coloca Franklin, Da Vinci e outras
figuras históricas como pertencentes à Ordem, deve-se ao fato que, se em algum momento da
história esses indivíduos tiveram contato com o rosacrucianismo, logo eram membro da
AMORC- visto que a AMORC se considerava herdeira de toda tradição rosacruz. Portanto, a
Tradição Inventada da AMORC se iniciava no Egito Antigo e abrangia as demais etapas do
Rosacrucianismo, como os Manifestos Rosacruzes e a associação de personagens que, se um
dia tiveram contato com os conhecimentos rosacruzes, logo, pertenceram a AMORC. Para
129
Este fato corrobora com o entendimento de que a Nova Era, momento de difusão das
ideias esotéricas no Ocidente, teve seu reflexo na cidade do Recife. Temos o exemplo de
matérias do Diário de Pernambuco não só falando sobre o Esoterismo, como também
destacando o crescimento de pessoas que buscavam os ensinamentos das ordens esotéricas-
vide a matérias do Diário de Pernambuco, falando sobre a Sociedade Teosófica: “Teosofia
doutrina de todas as crenças chega ao Recife”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, Seção
B, 13/08/1978, p.1). A trajetória da AMORC na capital pernambucana se deu em meio à Nova
Era e a difusão do Esoterismo através dessas ordens, sendo fruto desse contexto histórico.
130
Contudo, a AMORC em sua difusão no Recife contou com um artifício que essas
ordens não dispuseram: a força da sua Tradição Inventada para atrair os simpatizantes.
Leandro Hecko (2013), cuja tese de doutorado sobre o Museu Rosacruz de Curitiba já foi
citada nessa dissertação, demonstrou que em meados século XX houve uma procura no Brasil
por temas egípcios. A AMORC soube explorar a curiosidade desse público através de
publicidades nos jornais ligando a ordem com o Egito- além de falar de seus rituais baseados
nesta tradição: Ano Novo Rosacruz e Festa da Pirâmide. Todas estas festas foram exploradas
pela AMORC no Recife, fazendo atividades abertas e convidando a população recifense a
participar delas.
A Antiga e Mística Ordem Rosacruz tem sua história iniciada no Brasil a partir de
membros que se afiliaram a Suprema Grande Loja. Sem a existência de Organismos
Afiliados, as atividades estavam restritas individualmente, onde o membro fazia o estudo
rosacruz em sua residência. São Paulo foi à primeira cidade do Brasil a contar a presença
física de um organismo afiliado da AMORC, datando o ano de 1947. Além de São Paulo,
destacamos o Rio de Janeiro, em 1950 e Belém, no ano de 1954. Como visto no último
capítulo anterior, o estabelecimento da Grande Loja do Brasil representou um interesse da
131
Caro Frater. Apreciamos imensamente sua pronta resposta à nossa última carta e
ficamos satisfeitos pela sua oferta em no auxiliar a estabelecer uma atividade
Rosacruz organizada, em sua comunidade. Estamos, portanto, enviando-lhe as
informações necessárias, juntamente com instruções completas para a realização de
uma reunião preparatória. As folhas inclusas abrangem todas as fazes do
procedimento e sabemos que as estudará atenciosamente. Quando tiver se
famiarizado completamente, com estas instruções, providenciando o local e
determinando a hora da reunião, queira nos enviar o formulário de permissão, no
envelope especial que lhe fornecemos. Devido ao tempo necessário ao Serviço
Postal, sugerimos que o local da reunião seja obtido para uma data posterior a três
semanas da data em que receber esta. O local, em adição as sugestões dadas nas
incluões inclusas, pode ser uma sala pequena afastada a da sala de refeição de um
dos hotéis locais, uma sala que comporte lugares para aproxidamente 20 a 25
pessoas. Um número dessas salas pode, usualmente, ser conseguido por preço
módico. Notificaremos cada Membro dentro de uma área conveniente, que tal
reunião será realizada (CARTA DESTINADA À MOACIR, AMORC-GRANDE
LOJA DO BRASIL, acervo da Loja Recife, Rio de Janeiro, 22/09/1959)
A presente carta expõe a dificuldade de contato entre as regiões na época, que tinham
que ser enviadas via correspondência. Por este motivo, é sugerido que a data marcada para os
eventos fosse com base nos recebimentos da carta. Dentro do material em anexo que foi
72
Dentro da documentação que consta na AMORC, não foram encontramos as cartas enviadas à Grande Loja,
mas sim as cartas que a Grande Loja enviada a Moacir.
73
Anexo documental 1.
132
A Grande Loja também era bastante maleável, não exigindo que para a criação de um
Pronaos fosse necessário ter um templo, como nas demais categorias. A preocupação
principal, além de era vista em reunir as pessoas, era e ter um local certo de encontro, o qual
poderia várias desde um escritório, hotel ou até mesmo sala alugada para esta finalidade. Esta
simplicidade foi de extrema importância para os Pronaos da AMORC fossem instalados no
Brasil, mostrando que a Grande Loja tinha soluções para adaptar os rosacruzes, não
importasse a quantidade deles. A explicação é dada na carta da seguinte forma:
No entanto, o membro não podia no Pronaos ter acesso aos rituais que se teria caso ele
frequentasse um Capítulo e Grande Loja. Para isso, ele teria que realizar em outra cidade. No
ano de 1959, os únicos Capítulos que existiam eram em Belém (elevado de Pronaos a
Capítulo em 1957), São Paulo (elevado à loja, em 1958), Rio de Janeiro (Sede da Grande
Loja). Diferentemente dos Pronaos, que já existiam em Belo Horizonte (1959), Curitiba
(1959), Porto Alegre (1959), Santos (1959). Recife era a cidade geográfica mais distante dos
133
demais Capítulos e Pronaos, motivo pelo qual a sua instalação representava também um
posicionamento geográfico estratégico, para que a AMORC contasse com um representante
que atendesse os membros do local e das proximidades.
Caro Membro, acreditamos que esta comunicação especial lhe será de muito
interesse. Sem dúvida tem tido, muitas vêzes, o desejo de se associar a outros
Rosacruzes e, com êles trabalhar de maneira organizada e fraternal como é feito em
nossos Capítulos e Lojas. Estamos planejando uma atividade Rosacruz organizada
para os Membros de sua cidade e Vizinhanças. Muito se ganha, pela associação
mútua de Rosacruzes e acreditamos que receberá com satisfação esta oportunidade
de auxiliar a fundar outro Corpo Subordinado do Rosacruz do AMORC. Para que
tome conhecimento dêste plano, para estabelecimento de uma atividade Rosacruz
organizada, em sua localidade, será realizada uma reunião no seguinte endereço:
Local: - Edifício Tebas - 7º andar s/703. Endereço: - Trav. do Livramento, nº 60
Cidade: - Sto Antonio - Recife – Pernambuco ia, mês e hora: - 15 de novembro as
14:30 horas. Nessa ocasião, para representar a Grande Loja do Brasil, AMORC,
estará presente o Frater ou Soror devidamente designado como organizador, cujo
nome e endereço se encontram abaixo. Ele, certamente apreciará o seu
comparecimento e interêsse em auxiliar a organizar o grupo Rosacruz. Tal reunião,
se bem sucedida, dar-lha-á oportunidades, não só de servir a Ordem, porém, de
servir com outros Membros, auxiliando assim, seu próprio desenvolvimento com a
aplicação dos ensinamentos Rosacruzes. Acreditamos, por conseguinte, que fará
todos os esforços para estar presente à reunião. É importante levar seu Cartão de
Membro e recibo, como credenciais de sua afiliação ativa a AMORC. Com todos os
melhores desejos de Paz Profunda, somos sincera e fraternalmente. GRANDE LOJA
DO BRASIL, AMORC. ORGANIZADOR: Moacir Lopes de Mendonça Av:
Beberibe, 4093 Beberibe Recife – Pernambuco. (CONVITE AOS MEMBROS
74
Anexo documental 2
134
Na hora marcada, deverá iniciar a reunião. Poderá dizer que como consequencia de
solicitação da Grande Loja do Brasil, AMORC, teve como dever e privilégio reuni-
los para discutir o plano pelo qual os Rosacruzes ativos de sua comunidade possam
participar de atividades de grupo. Leia, então, a Parte I do Discurso de Organização,
intitulado “Formação de Pronaos”. Após a leitura dêsse Discurso, poderá iniciar um
breve debate sôbre o consentimento geral para a organização. Leia em seguida a
Parte II do discurso de Organização, denominado “Regulamentos Necessários”.
Promova, então, uma votação para verificar se é possível organizar um Pronaos
conforme o disposto nos mencionados Regulamentos. Um mínimo de quinze
Membros é necessário para que possa ser concedida Carta Patente a um Pronaos. Se
a votação fôr contrária à organização, nada mais poderá ser feito, a não ser escrever-
nos informando que os Membros presentes não estavam prontos a se organizar. Se a
votação fôr favorável, deve ser procedida a eleição de um Mestre, um Secretário e
um Guardião, para o primeiro ano. Em seguida, deverá marcar o local e data para a
próxima reunião (CARTA DESTINADA À MOACIR, AMORC-GRANDE LOJA
DO BRASIL, acervo da Loja Recife, Rio de Janeiro 20/10/1959)
Por esta leitura, nota-se que todo preparo recebido por Moacir estava de acordo com o
estabelecido pela Grande Loja, reiterando que o máximo organismo rosacruz no Brasil
desejava ter o controle do passo a passo do que se passava nos seus corpos subordinados, não
à toa que na mesma carta é dito que “pedimos que os resultados da reunião de 15/11/1959 que
serão relacionados nos formulários inclusos, nos sejam enviados por via aérea tão logo quanto
possível” (CARTA DESTINADA À MOACIR, AMORC-GRANDE LOJA DO BRASIL,
acervo da Loja Recife, Rio de Janeiro, 20/10/1959). Parece ser um procedimento padrão da
AMORC, mas também demonstra a urgência para instalar este organismo afiliado no Recife.
75
Anexo documental 3
76
A respeito dos membros, a Grande Loja pedia que se conferisse o cartão de cada membro, este que é enviado
pela AMORC dispondo do nome completo e número de afiliação.
135
Na carta também foi em anexo um questionário77 que deveria ser preenchido pelos membros
que comparecessem cujo preenchimento se dava a respeito do seu tempo para frequentar o
Pronaos, das condições financeiras para ajudar o organismo afiliado e se havia algum
impedimento interno de realizar sua participação no Pronaos.
Além disso, a carta falava que ao Mestre do Pronaos lhe seria enviado um material
restrito, para que fosse aplicado nas próximas reuniões, sendo eles: I) o ritual de Convocação,
II) os primeiros discursos para Pronaos, III) o manual administrativo, IV) uma lista de
membros rosacruzes ativos na localidade e, V) um Avental de mestre). Levando em conta este
aspecto, a preocupação da Grande Loja reside em ter o controle e fazer o envio dessas
informações o quanto antes.
77
Anexo documental 4
78
Anexo documental 5
79
Anexo documental 6
136
uma perspectiva de crescimento. Após o envio da Ata para a Grande Loja, já foi estabelecida
uma data para a próxima reunião: 29/11/1959.
80
Anexo documental 7
81
Anexo documental 8
137
Com base neste relatório da segunda reunião, percebemos que os rosacruzes recifenses
tinham uma capacidade de organização e, ao mesmo tempo, o interesse em se aprofundar em
temas rosacruzes. A respeito dos conteúdos lidos, não conseguimos também ter acesso ao
Manual Informativo, já que se trata de uma informação interna. Contudo, o Código Rosacruz
de vida é uma compilação ensinamentos tirados dos manuscritos da Ordem, sendo um total de
“30 Códigos”, onde os membros leram os 3 primeiros códigos, segundo o relatório. Há um
livro chamado de Código Rosacruz de Vida (1986), publicado por Christian Bernard, ex
imperator da Suprema Grande Loja da AMORC, o qual contém uma explicação a respeito
dos presentes códigos.
Desses 30 códigos, destacamos o código 03, pois ele se trata da afiliação rosacruz e do
papel do membro: “reserva se possível em tua casa um lugar para prece, meditação e estudo
dos ensinamentos de nossa Ordem. Faze dele o teu oratório particular, o teu Sanctum, e
conserva-o livre de toda preocupação e de toda atividade profana” (BERNARD, 1986, p.15).
Ou seja, acreditamos que intuito de ler um tema rosacruz foi uma forma de expor aos
membros o dever que lhes foi incumbido, de levar adiante a missão de funcionamento do
Pronaos. Por esta reunião, ficou estabelecido que os encontros deveriam ocorrer
quinzenalmente, após a aprovação do Pronaos, ele passou a ser chamado de Pronaos
Cavaleiro da Rosa, tendo sido anterado no ano de 1960 quando a Grande Loja decidiu
uniformizar a nomenclatura dos organismos afiliados com a categoria em que se encontravam
(Pronaos, Capítulo e Loja) seguido da cidade onde estavam localizados.
Com isso, o Pronaos Cavaleiro da Rosa se chamou oficialmente Pronaos Recife. Foi
também em 1960, no começo de janeiro, em que houve uma mudança de sede do local,
deixando o Edifício Tebas e indo para “o templo Maçônico” localizado na Rua Augusta, 699.
Os motivos alegados para mudança, segundo o boletim informativo escrito pelo secretário
Dale Smethurst no dia 4 de janeiro, dizem respeito que “em virtude de termos de termos
adequado as nossas Convocações, transferimos o local para este local”82. (INFORME SOBRE
A MUDANÇA SE SEDE, AMORC- PRONAOS RECIFE, acervo da Loja Recife, Recife, 4
de Janeiro de 1959). Especulamos que o fato de muitos rosacruzes terem tido ligações com a
Maçonaria, embora sejam grupos distintos, possa ter contribuído para que houvesse a ligação
de algum membro Rosacruz para contactar os Maçons, os quais mostraram receptivos. Um
templo Maçom está acostumado a ter eventos ritualísticos, os quais poderiam ser adaptados
82
Anexo documental 9
138
aos rituais de Pronaos. No quesito localização, a rua Augusta, não era muito distante da rua
do edifício Tebas.
A primeira reunião para o ano de 1960 ocorreu neste local, no dia 10 de janeiro. Na
ocasião, o Mestre da Loja dialogou a respeito do funcionamento de uma biblioteca Rosacruz,
da necessidade de adquirir livros de estudos e falou sobre uma taxa de contribuição mensal
que os membros deveriam pagar, para uma futura aquisição de uma sede própria e para arcar
com as despesas do Pronaos. Convém destacar que esta reunião foi de extrema importância
para que o Pronaos não encerrasse as atividades. Isto faz com que a gente tenha que expor
algumas dificuldades financeiras encontradas na vigência em que Moacir foi o mestre do
organismo afiliado, no que diz respeito aos membros. Tendo em vista os problemas de
arrecadação e pedidos de relatório da Grande Loja, Moacir envia a seguinte carta aos
membros rosacruzes do Recife no dia 12 de janeiro de 1960, detalhando os acontecimentos da
reunião:
83
Anexo documental 10
84
Os valores de quanto cada membro doou encontram-se no Anexo documental 11 deste trabalho.
139
A primeira atividade que os rosacruzes do Recife deveriam realizar era o Ano Novo
Rosacruz, no mês de março. Conforme apresentado no Capítulo III, o Ano Novo para os
rosacruzes da AMORC eram contados desde a sua fundação simbólica, atribuída ao Egito
Antigo. Eram também no Ano Novo que são escolhidos os oficiais ritualísticos e
administrativos, que iriam ficar à frente das atividades do organismo afiliado durante 12
meses. A data selecionada era de acordo com o equinócio de primavera do Hemisfério Norte,
que caiu no dia 20 de março de 1960. Tendo em vista ser o primeiro evento do Pronaos
Recife, a Grande Loja no mês de janeiro demonstrou sua preocupação, dando instruções para
os membros.
85
Anexo documental 12
140
Por outro lado, estas festividades representavam uma forma que a AMORC tinha de se
manifestar publicamente através de jornais e assim convidar novos membros a participarem
dos eventos, bem como despertar curiosidade nos indivíduos. Essa era, portanto, uma das
estratégias da Grande Loja: promover a divulgação dos eventos festivos. Em uma das
instruções enviada pela Grande Loja contendo os procedimentos do Ritual que deverá ser
realizado no Ano Novo Rosacruz, às 19h30, também é visto em anexo um artigo que deverá
ser publicado nos jornais locais.
86
A carta publicitária a ser enviada ao jornal era um modelo pronto pela Grande Loja, os espaços em branco era
onde deveria ser acrescentado os nomes dos oficiais que iriam assumir.
87
Anexo documental 13
88
Anexo documental 14
89
Anexo documental 15
141
Figura 18-: Trecho do Jornal em que foi publicado a matéria sobre o Ano Novo, por recomendação da
Grande Loja
Outro significado na matéria reafirma que este evento ocorre mundialmente, em todas
as ordens rosacruzes do mundo, destacando que todo organismo rosacruz é unido e está,
portanto, interligado. Levando em consideração a análise das representações de Roger
Chartier, que fizemos no Capítulo II, vemos que o interesse dessa matéria além de divulgar o
presente evento era fazer uma propaganda da Ordem. Pouco se cita do local, da história da
142
ordem no Recife; mas sim é focado no evento. O intuito desperta curiosidade e levaria a busca
pela AMORC de outras pessoas, cujo endereço estaria no final.
De acordo com uma carta enviada pela Grande loja no dia 27, de abril de 1960, após o
Ano Novo, a AMORC parabeniza o Pronaos Recife pelo fato das contas estarem “em perfeita
ordem”. Este exemplo mostra que os membros fizeram a arrecadação iniciada em janeiro,
para melhorar as atividades e adquirir uma sede. Também na matéria, a AMORC reitera a
importância dos eventos para o Pronaos.
O próximo evento que ocorria no ano de 1960 e era fundamental para a AMORC, era
a festa da Pirâmide, realizada em setembro. Este evento era estabelecido pelos rosacruzes em
seu calendário comemorativo como uma forma de homenagear a construção da pirâmide de
90
Anexo documental 16
91
Anexo documental 17
143
Kheops. Segundo a Tradição Rosacruz, esta pirâmide foi construída por aquele que teria sido
o seu primeiro fundador: Amenophis IV. A crença Rosacruz considera as pirâmides como
algo maior que um túmulo, mas sim como centro de estudos esotéricos da Grande
Fraternidade Branca- apesar de não haver nenhuma comprovação histórica.
Em virtude de realizar a nossa Festa Externa, anual, quando entra o Sol no signo
Zodiacal de Libra, que neste ano de 3313 cairá na data próxima de 21 deste,
dirigimo-nos a vós para que unidos, fassamos o que fizeram e fazem os Rosacruzes
neste Período - erigir uma Priâmide, simbólica Pirâmide de nobre idealismo, onde
cada qual empregará n’um local previamente indicado uma pequena pedra (que deve
ser natural, ou seja, que não tenha sido cortada ou formada pelo Homem; e a sua côr
92
Anexo documental 18
144
No próximo dia 21, quando o sol em sua trajetória elíptica cruzar o equador celeste
para o equinócio outonal, os rosacruzes de todo o mundo estarão comemorando a
construção da grande Pirâmide de Kheops. Às 10h horas, na data de 25/09/1960, em
Recifem uma reunião se fará em que simbolicamente será comemorada a construção
do grande monumento, cuja história remonta, há mais de 4000.a.C, no reinado de
Amenophis IV, Faraó do Egito, que constitui a primeira personalidade que tem
destaque na história. A cerimônia ocorrerá na Universidade Rural, em Dois Irmãos,
sendo franquiada a permanência (JORNAL DO COMMÉRCIO, Recife, caderno 1,
18/09/1960, p. 1).
Pelo teor da carta enviada por Moacir, assim como a matéria do jornal e das
informações do texto da Grande Loja, os praticantes da AMORC acreditavam, de fato,
estarem simbolicamente representando os seus antepassados nestes rituais, dando segmento
aos valores estabelecidos por Amenophis IV. Podemos dizer que esta representação do
sagrado para os Rosacruz, através de uma Tradição Inventada pela AMORC que se apropria
de elementos culturais do Antigo Egito, demonstra a construção religiosa dos seus membros
rosacruz. Dentro da História das Religiões, compreendemos este fenômeno como uma troca
cultural através da experiência religiosa que deixa de ser individual e passa a ser coletiva. De
acordo com Antônio Benatte, “historicamente falando, não há religião individual e sim,
exclusivamente religiões de grupos sociais, coletivas”. (BENATTE, 2014, p.15).
93
Anexo documental 19
145
Balém e Cristine Lia, no artigo História e egiptomania de uma pirâmide em Caxias do Sul
(1984 – 2006).
Trata-se de uma cerimônia, que pode ser realizada ao ar livre, na qual são
reverenciados os rosacruzes do passado e o seu legado aos do tempo presente,
através da construção de uma pirâmide simbólica de pedras e da leitura da origem
mítica da Rosacruz (OLIVEIRA, 2009). Essa narrativa conta que os primeiros
iniciados rosacruzes vieram do continente de Atlântida, quando este foi destruído
por uma catástrofe natural, e se instalaram perto do El Fayoum e de Gizé, no Egito.
Lá sintetizaram todo o conhecimento do universo e materializaram-no na
con2strução da Grande Pirâmide (BALÉM & LIA, 2013, p.234).
Foto 19- Cerimônia realizada da Festa da Pirâmide no Bairro de Dois Irmãos. Não há identificação do ano,
apenas legenda no álbum.
É importante destacar que toda essa vestimenta dos rituais é baseada na cultura do
Egito Antigo, sendo outro reflexo da Tradição Inventada carregada pela AMORC.
146
Encontramos uma menção semelhante as roupas utilizadas nos rituais quando Spencer Lewis
descreve que nas escolas de mistérios do Egito Antigo, “os frateres usavam vestes especiais,
que incluíam um cíngulo e uma cobertura para a cabeça, ao passo que o sacerdote do templo
usava uma sobrepeliz de linho e tinha uma tonsura circular no alto da cabeça” (LEWIS, 1986,
p.38). De acordo com Leandro Hecko, este uso do passado da AMORC ao se referir ao Egito
Antigo, no tocante a estrutura simbólica ritualística, vestimentas e formato arquitetônico dos
templos rosacruzes, refletem a marca da Egiptomania presente na Ordem.
O ano de 1961 foi o último ano em que o Pronaos Recife funcionou nesta categoria,
tendo sido em janeiro de 1962 elevado a Capítulo. Na última cerimônia de Ano Novo como
Pronaos, assumiam como oficiais: Bartolomeu Magno dos Santos (Mestre), Jose Expedito.
Herbster (Secretário Geral) e Marivaldo Botelho e Silva (guardião). Sintetizamos com isso a
94
Anexo documental 20
147
etapa do Pronaos Recife, destacando que houve a presença de dois mestres neste período
entre 1959-1962: Moacir Lopes (1959-1960) e Bartolomeu Magno dos Santos (1961-62).
95
Anexo documental 21
148
Como a modificação ocorreu antes de março, que seria o Ano Novo Rosacruz, foi
sugerido pela Grande Loja que caso houvesse a mudança de categoria, os oficiais atuais
também fossem mantidos na posição que ocupam até março de 1962. Contudo, além das
funções existentes no Pronaos, de Mestre, Secretário e Guardião, o Capítulo tinha que contar
com outros oficiais a mais, tanto de ponto de vista administrativo quanto ritualístico, sendo
eles: Mestre Substituto, Capelão, Guardião Interno, Guardião Externo, Presidente da Junta
administrativa, Secretário da Junta e Tesoureiro.
Explicando cada função dos oficiais, o documento enviado pela Grande Loja descreve
que Mestre Substituto é um assistente ao Mestre, que poderá assumir as funções daquele de
acordo com as recomendações da Junta. Já o Capelão, e os dois guardiões atuam dentro do
templo, na parte ritualística, auxiliando o desenvolvimento do ritual. Também foi pedido pela
carta que fosse designado duas mulheres da ordem para integrarem o papel de Columba e de
Matre. No que diz a estrutura física do templo, foi requerido pela Grande Loja a construção
de uma estante com um Shekinháh, que seria uma vela representando a iluminação para os
rosacruzes.
Apesar dessa limitação, nos foi autorizado descrever as vestimentas, bem como as
posições que ocupam no templo. Nas convocações ritualísticas do tempo, cada oficial fica
localizado em um local específico, sendo o mestre ao Leste, o Capelão ao Sul, a Matre ao
Oeste, e o Guardião interno ao Norte. Dentro dos rituais, o mestre carrega em sua roupa um
colar dispondo de uma Cruz Dourada da AMORC, sendo o único a usar este adereço. As
cores da roupa do Mestre são rochas. O capelão utiliza uma roupa de cor Preta, com uma
96
Anexo documental 22
149
estola de cor branca sobre os ombros. A Columba utiliza uma vestimenta branca que cobre
todo o corpo, inclusive o cabelo. Na testa, há um sinal da Rosacruz. A Matre utiliza uma
vestimenta inteiramente branca. Os guardiões, utilizam uma roupa de tonalidade cinza, junto
com um cinturão preto. Estas vestimentas têm em comum a representação de cerimônias do
que eles achavam que ocorreram no Egito Antigo, buscando assim associar as funções
ritualísticas e as vestimentas de acordo com aquela cultura.
1° Mestre: Luiz Wágner. Secretário: Raul Alves Barbosa. Mestre substituto: Moacir
Lopes de Mendonça. Capelão: Lídio Carneiro da Silva. Matre Severina Santos
Borstelmann. Cantor: José Maria Silva. Cantora: Maria Inez Silva. Columba:
Conceição de Maria Meireles Carvalho. Guardião Interno: Alcides Xavier do
Espírito Santo. Guardião Externo: Vespasiano Victor de Oliveira. Conselho
administrativo. Presidente: José Expedito F. Herbester. Secretário: Pedro Soares de
Queiroz. Tesoureiro: Marivaldo Botelho e Silva. (ATA DE REUNIÃO- AMORC,
PRONAOS RECIFE, acervo da Loja Recife, Recife, 7/01/1962)97.
A posse desses oficiais e a instalação oficial do Capítulo, no tocante a sua criação, foi
feita no dia 25/02/1962, tendo os mesmos oficiais escolhidos na reunião de votação tomando
posse no primeiro Ano Novo do Capítulo Rosacruz, em 23/03/1962. Portanto, Luiz Wágner
foi o primeiro Mestre do Capítulo, entre 1962 a 1963. Podemos afirmar que Capítulo Recife
foi fruto do Pronaos Recife, que em menos de dois anos conseguiu se expandir. Se
comparado a outros organismos afiliados da época, que foram fundados no mesmo ano de
1959 (Porto Alegre, Santos), o grupo da AMORC na cidade do Recife foi o primeiro a evoluir
a esta Categoria.
A primeira diferença que foi percebida durante o nosso estudo entre o Pronaos Recife
e o Capítulo Recife diz respeito às atividades. Um dos motivos pelo qual o Capítulo conta
97
Anexo documental 23
150
com mais oficiais que o Pronaos é justamente pela existência de rituais internos que são
prerrogativas do Capítulo: como o Ritual de Harmonização e da Convocação Ritualística-
motivo pelo qual houve a expansão dos oficiais com a criação de novas funções. De acordo
com Vitor Oliveira,
O Capítulo Recife realizou ações mais acentuadas que o Pronaos para poder convidar
mais membros, já no seu primeiro ano de existência. Um exemplo se dá com a distribuição de
uma proposta de afiliação aos rosacruzes residentes nas proximidades do Recife e em outras
capitais vizinhas, como João Pessoa:
Uma vez filiado ao Capítulo, o Rosacruz poderia disfrutar dos “benefícios”, como os
rituais realizados. Para que o membro rosacruz pudesse pertencer ao Capítulo, ele, além desse
compromisso firmado e da assinatura do Mestre, tinha que participar de um Ritual de
Iniciação ao Capítulo. Este ritual consiste em um juramento, feito em uma reunião ritualística
específico. Se as reuniões do Pronaos ocorriam quinzenalmente, no Capítulo os encontros dos
rosacruzes recifenses ocorriam todos os domingos, além de um sábado no mês em que era
152
feito a iniciação do Capítulo a Novos membros. Temos como exemplo este cronograma em
1963, com os dias, horários e atividades:
Figura 22-
Cronograma de
atividades do Capítulo
Recife
Da mesma forma que o Pronaos Recife recorria ao conteúdo publicitário para poder
informar as atividades rosacruzes, O Capítulo Recife recorreu ao mesmo método. Contudo,
percebemos uma diferença na forma com que as matérias eram escritas. Notemos que a
Grande Loja enviava uma mensagem padrão para que fossem publicados nos jornais os
eventos que iria ocorrer, devendo o Mestre do Pronaos acrescentar as informações colocando
o seu nome, o dos oficiais e o endereço do grupo.
Uma percepção que vimos foi que nesta nova etapa da AMORC no Recife, como
Capítulo, as mensagens dos jornais possuíam um conteúdo maior que os do Pronaos, com
informações mais detalhadas. O que mostra que os rosacruzes recifenses começaram a
produzir seus próprios conteúdos nesta nova etapa do Capítulo. Vejamos por exemplo o
153
98
Anexo 11 de jornais
154
A mesma mudança no conteúdo escrito dos jornais também foi percebida quando
fomos analisar a realização da Festa da Pirâmide, ocorrida no mês de setembro. Vamos nos
basear no artigo de José Sironi escrito em 1969, no tema O Simbolismo da Pirâmide, que na
ocasião era o Mestre do Capítulo Recife
O intuito no comentário de Sironi vai de além de mostrar que a Rosacruz irá realizar a
festa: pretende mostrar o que esse ritual simboliza interiormente para os rosacruzes, no
sentido de purificação espiritual e proximidade com a Ordem. Com isso, concluímos que
durante o processo de expansão do Capítulo os conteúdos nos jornais procuravam diversificar
o conteúdo sobre as festividades, dando espaço para que os rosacruzes pudessem expressar
sua opinião a respeito do acontecimento, bem como a matéria passaria a ser mais detalhada.
Não era mais preciso que a Grande Loja enviasse um formato, pois os rosacruzes recifenses
desenvolveram suas estratégias para falar da ordem, porém sem esquecer os usos do passado
do Egito Antigo em sua narrativa.
99
Anexo 12 de jornais
100
Anexo 23 de jornais
101
Anexo 24 de jornais
155
Convém destacar que o grupo permaneceu este tempo todo sem uma sede própria,
ainda realizando seus rituais e encontros na Rua Augusta. Porém, no ano de 1970, houve
finalmente por parte dos rosacruzes recifenses a aquisição de sua sede própria.
Por muito tempo os rosacruzes no Recife tiveram que se instalar em locais que não
pertenciam à ordem, tendo que arcar com o pagamento de aluguéis. Foi o exemplo da
primeira reunião para a fundação do Pronaos, ocorrida no edifício Tebas. O mesmo houve no
ano de 1960, quando as reuniões passaram a ocorrer na Loja Maçônica, da rua Augusta. Era
preciso, portanto, que os rosacruzes tivessem um local próprio para ter um templo. Isto foi
possível graças aos esforços dos membros, que passaram 11 anos juntando caixa de
mensalidades para adquirir um imóvel e nele construir um espaço com todas as características
arquitetônicas de um templo rosacruz, semelhante a arquitetura egípcia.
Acreditamos que o fato de o imóvel ter pertencido a Sirone e por ele ter sido um
membro e mestre do Capítulo, este foi um dos motivos pelo qual a atual biblioteca da Loja
Recife carrega o nome de Biblioteca José Sironi, como forma de homenagem. A transferência
dos rosacruzes para este local se deu oficialmente no ano dia 06/02/ 1971, tendo o Capítulo
Recife comunicado a Grande Loja sobre este trâmite através de uma carta enviada no dia 25
de janeiro de 1971.
102
Anexo documental 24
156
Este último trecho analisa o recorte final da nossa dissertação: do ano de concretização
da AMORC na Capital Pernambucana. Se o grupo já demonstrava ter sido sustentação e força
em seus 20 primeiros anos de existência, estes últimos 10 anos mostram os reflexos da
expansão rosacruz. Com a transformação em Loja, além de o grupo realizar as mesmas
atividades dos Pronaos e Capítulos, pode-se também realizar as iniciações de templo, algo
que os pernambucanos tinham que viajar a outras regiões para poder fazer esta atividade.
A Loja, termo que vem do germânico leubja por meio do francês lodge e que
significa lar, casa, abrigo ou local de trabalho, abrange as atividades de um Capítulo
e tem como atividade principal a Iniciação aos Graus, ritual dirigido por quatorze ou
quinze oficiais, incluindo a Columba, com objetivo principal de despertar a
consciência de cada candidato para sua realidade interior marcando as etapas do
avanço da senda rosacruz. (OLIVEIRA, 2009, p.101)
103
Anexo documental 25
157
contando com a presença da Grande Mestra Maria A. Moura. Foi também entre a década de
70 e 80 que houve o maior crescimento de organismos afiliados rosacruzes no Brasil, bem
como o desenvolvimento de outras ordens esotéricas no Recife, como a Sociedade Teosófica
e a Eubiose.
De acordo com as regras estabelecidas pela Grande Loja do Brasil, para que um
capítulo se transformasse em Loja, o primeiro requisito era que o grupo tivesse um total de 70
membros frequentadores e assinassem uma carta compromisso de afiliação de Lojas. Quando
fomos verificar o documento encaminhado a Grande Loja, contabilizamos um total de 99
assinaturas que firmaram o compromisso, sendo enviada a Grande Loja no dia 22 de maio de
1971.
104
Anexo documental 26
105
Anexo documental 27
158
que resultou justamente nesta documentação enviada a Grande Loja com o comprimisso de
elevar o Capítulo.
Com a remessa do Relatório anual, que será um relato das atividades do Capítulo até
a ocasião da Elevação da Loja- juntamente com a devolução da Carta Constitutiva-
será encerrado imediatamente o ano de funcionamento como Capítulo.
Naturalmente, o Mestre conservará em seu poder todo o material concernente a
discursos. Também encontrará em anexo dois formulários de Relatório Anual, os
quais deverão ser preenchidos em duplicatas, ficando uma cópia em seus arquivos.
(CARTA AO CAPÍTULO RECIFE, AMORC- GRANDE LOJA DO BRASIL,
acervo da Loja Recife, Curitiba, 18/07/1971)106.
A organização da Grande Loja era imensa, sempre ratificando o seu poder sobre os
organismos subordinados. Este fator ratifica o nosso entendimento que, além da Tradição
Inventada, a organização administrativa exercida dentro da AMORC contribuiu para o seu
crescimento, por definir toda uma série de requisitos, cronogramas e atividades a serem
desenvolvidas pelos membros. Para que finalmente a elevação de Capítulo a Loja, era
necessário que houvesse um procedimento final além dos trâmites administrativos: um ritual
de iniciação.
106
Idem
159
A palavra de passe é uma frase que os iniciados recebem e que podem proferí-lo
sempre que for requisitado, ou que frequentar uma associação rosacruz no mundo. Podemos
considerá-la uma espécie de um “código secreto”. Já o juramento preliminar, é um
comprimisso que os membros assumem de não revelar o que será visto no templo durante a
iniciação, como forma de preservar o saber rosacruz. As únicas pessoas que o rosacruz
poderia comentar a respeito da iniciação, seriam com outro rosacruz, nem mesmo com
parentes ou amigos.
cumprir com a finalidade ritualística. Ressaltamos que caso esse grupo não fosse iniciado na
Loja Recife, eles teriam que procurar outra Loja, sendo as mais próximas nas cidades de Rio e
São Paulo.
Com isso, a análise dos documentos de iniciação da década de 70-81 nos mostram o
quanto a elevação do Capítulo a Loja foi importante, sendo contabilizado a presença dos mais
variados graus, como além dos documentos de iniciação, podemos perceber neste Boletim
Interno do ano de 1977, expondo as iniciações e os respectivos graus:
107
Anexo documental 28. OBS: A pedidos da Loja Recife, riscamos da fotografia o juramento, que estava
escrito, deixando somente o nome dos iniciados. Neste anexo, estaremos expondo as assinaturas e o nome do
grau em diferentes ocasiões. Convém destacar que todos os dados estão disponíveis na Loja Recife para
consulta.
108
Anexo documental 29
109
Chamamos de Convocação Ritualística todo evento Rosacruz Realizado no interior de um templo da
AMORC, independentemente de ser iniciação de grau. Quanto maior o número de convocações, maior deverá
ser o número de atividades que ocorrem no organismo afiliado.
161
Figura 23- Exemplo da quantidade de iniciações feitas pela Loja durante o ano de 1977
O fato de haver dentro de um ano diversas iniciações para graus diversos, a exemplo
do 6°, 7° e 8° grau, serve corroboram com tese de que a Loja Recife era amplamente
frequentada, tendo no quadro de membros os afiliados que poderiam pertencer a diferentes
graus, sendo alguns mais novos e outros mais antigos. Com isso, dentro da própria ordem
havia uma troca de ideias entre os membros, visto que os membros que haviam sido iniciados
em um grau superior poderiam assistir as iniciações de graus inferiores. Ao mesmo tempo, o
crescente número de iniciados mostra o elevado quantitativo de membros que a Loja passou a
contar com essa década, tendo se expandido durante a Nova Era.
Uma Loja rosacruz por comportar com um quantitativo de membros maiores que os
Pronaos e Capítulos, devem dispor de um quantitativo de atividades bem maiores que as
modalidades anteriores. Dentre elas, destacamos as conferências públicas, reuniões sociais,
estudos do misticismo rosacruz e deve dispor de um acervo bibliotecário. Palavras estas que
José Sironi deixou quando era Grande Conselheiro, estando presentes no livro Doação e
Renúncia: 60 anos de História da Loja Rosacruz Recife- AMORC.
Uma Loja, como é do nosso conhecimento, deve contar, no mínimo, com cinquenta
membros ativos, filiados a Grande Loja, dispostos a trabalhar e estudar em conjunto,
em harmonia, unidos por laços fraternais. Uma Loja, além das iniciações de graus,
realiza experimentos, revisão de estudos, conferências públicas, reuniões sociais,
162
A nossa pesquisa constituiu em analisar as atividades do grupo após ele ter se elevado
em Loja, a fim de observar como essas atividades eram feitas. Deparamos-nos com as
realizações da festa da pirâmide, que antes ocorriam no bairro de Dois Irmãos, nas etapas de
Pronaos e Capítulo. Após a elevação de Loja, o evento ocorria na sede do grupo, sua Rua
Santos Dumont. Ou seja, o estabelecimento adquirido foi de grande importância para que os
rosacruzes pudessem receber membros na Loja. Temos por exemplo esse anúncio de jornal
sobre a Festa da Pirâmide da Loja Recife, publicado pelo Diário de Pernambuco, no dia 15 de
setembro de 1975, no título Rosacruzes do Recife se congregam na comemoração do
aniversário de Quéops.
A ordem rosacruz procurou abrir as suas portas para o público, a fim de atrair a visita
deles. É o exemplo de um evento social no ano de 1979, onde foi exibido na sede um filme
chamado de Horizonte Perdido (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, caderno c,
17/07/1979, p. 8). Um ano antes, ocorreu na cidade do Recife um Conclave Regional, evento
de grande participação de rosacruzes da região Nordeste. Tal evento foi divulgado pelo Diário
de Pernambuco no dia 31 de dezembro de 1977:
Figura 24- O Diário de Pernambuco apresenta Maria Moura como “a maior autoridade da Rosacruz no
país”.
Quanto à entrevista, a Grande Mestra Maria Moura fala sobre a Ordem: “o propósito
da ordem é promover uma maior ligação ou harmonização dos homens com as forças
cósmicas criativas e construtivas. Com essa harmonização, o homem alcançará saúde, a
felicidade e a paz” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, caderno a, 24/01/1978, p.7).
É importante destacar o simbolismo que tem essa entrevista, bem como a participação
de Maria A. Moura no cargo que ocupa. Levando em consideração a sociedade patriarcal da
época, bem como os preconceitos contra as mulheres, ter uma pessoa do sexo feminimo
ocupando um cargo de grande importância em uma ordem esotérica, cuja maioria dos
membros são homens, tem uma relevância no combate a discriminação de gênero. Inclusive,
ela relata alguns preconceitos que ela sofreu desde quando assumiu o cargo em que ocupa
Além disso- continuou- homens, como estão acostumados a serem chefes da família,
acham que devem sempre liderar todos os campos e não aceitam ser comandados
por uma mulher... quando assumi a direção da ordem, sofri muitas interferências.
Tive dificuldades com isso, mas consegui superar a todas. (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, Recife, caderno A, 24/01/1978, p. 7)
110
Anexo 25 e 26 dos jornais
164
Além dos convites públicos para a população participar do Ano Novo Rosacruz, da
Festa da Pirâmide e desse concílio com Maria A. Moura, a Loja Rosacruz realizava palestras
públicas como parte das atividades sociais. Conforme consta no Diário de Pernambuco, no
dia 5 de dezembro de 1981, foi realizado a palestra sobre a Era de Aquários- Nova etapa
cósmica que a humanidade começa a viver. Essa palestra é um assunto que abrange os
conteúdos da Nova Era, conforme foi mostrado no Capítulo II desse trabalho, visto que a Era
de Aquários esotericamente representa um momento no calendário místico de “novas
realizações”. Para ministrar a palestra, foi convidado um psicólogo, que também era rosacruz.
Com isso, a Loja Recife além de ter o artifício de fazer uso da sua tradição inventada para
atrair os convidados, também realizavam palestras com diversos assuntos esotéricos para
interagir os visitantes.
O público infantil também não ficava de fora. Basta recordar que foi durante a década
de 80 que a Ordem Rosacruz passou a destinar fóruns e palestras para crianças a adolescentes.
A Loja Recife realizou em 1981 a exibição da peça infantil, Mundo maravilhoso dos
brinquedos, como parte de comemoração do dia das crianças de 12 de outubro 1981. A
Rosacruz procurou utilizar este fundo para a construção do novo templo, com os ingressos
destinados a este fim. Na presente matéria (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, em 11 de outubro
de 1981), consta que cada espectador recebeu um exemplar do livro apologético o Domínio da
Vida, que provavelmente eram entregues aos pais das crianças.
No ano de 1978, assumiu como Mestre da Loja Recife a Soror Neuza, Ferreira, sendo
a terceira mulher a comandar a Loja Recife. Neste mesmo ano, o Diário de Pernambuco
produziu uma matéria exclusivamente a respeito da Ordem Rosacruz, sem levar em
consideração a existência de algum evento propriamente dito. O título da matéria era
Rosacruz: uma ordem secular estuda os mistérios da vida, em 19 de novembro de 1978.
Dentro dessa matéria, é exposta a seguinte frase:
Cresce no Recife, o movimento da Antiga e Mística Ordem Rosacruz, que teve sua
origem no Egito, durante o reinado de Amenophis IV, no ano de 1350. A.C. Isso é o
que relata os documentos rosacruzes, que afirmam também ter a sociedade nascido
165
como Escola de Mistério, de sabedoria secreta e reunindo desde aquela época até
nossos dias pessoas interessadas em obter conhecimentos esotéricos (DIÁRIO DE
PERNAMBUCO, Recife, seção c, 19/09/1978, p. 1)111
Ao ler esta matéria, notamos duas coisas que chamam atenção: a primeira, é que o
jornal assume publicamente que o grupo Rosacruz está crescendo, fator que a gente vem
evidenciando ao longo desse capítulo. Segundo, parece comprar como verdade o discursso da
ordem de que “segundo as provas documentais da AMORC” a ordem teria surgido no Egito.
Isto serve para mostrar que a Ordem Rosacruz tinha uma forma de influenciar as pessoas com
este discurso, a crerem que ela realmente carregava aquele simbolismo egípcio a ponto de ter
sido fundada naquele loca, com as escolas de mistérios. A Tradição Inventada acaba tendo
um impacto forte nos indivíduos, fazendo com que ao se referirem a AMORC sempre
procurem associar a sua criação como sendo no Egito Antigo.
Como eu havia citado anteriormente, a data de 1915, de fundação real da ordem, acaba
assumindo um papel coadjuvante, perdendo espaço para a sua Tradição Inventada, que é
chamada pelos rosacruzes de História Tradicional. De fato, esta matéria da Ordem Rosacruz
pode ser considerada a mais apologética do grupo propriamente dita, sobretudo porque nela é
exposta a foto do Papa João XXIII como sendo um Rosacruz. Com isso, vemos uma procura
de associação com o passado através de figuras históricas, como mostramos na primeira parte
desse Capítulo, a exemplo de Da Vinci e Benjamin Franklin. Este uso do passado que busca
relacionar a ordem com membros antigos foi uma forma de conferir legitimidade a AMORC
durante a Nova Era e, ao mesmo tempo, atrair simpatizantes. Neste quesito, ao citar o Papa
como sendo um Rosacruz, visa chamar atenção dos católicos e aproximá-los da AMORC.
Assim a Tradição Inventada pela AMORC assumia um aspecto publicitário e de
autopromoção da Ordem.
111
Anexo 27
166
Podemos extrair dessas matérias que a Loja Recife procurou se fazer presente ao
público, abrindo suas portas para poder adquirir novos membros e explorando fragmentos da
sua tradição inventada para este propósito. Neste mesmo período, em 1979, a Loja voltava a
fazer divulgações nos jornais fazendo uso das palavras de José Sironi, como expostas no ítem
referido ao capítulo, sobre associar a ordem como civilização. No entanto, nova publicação
traz como novo o advento que ela convida, nas matérias, as pessoas a conhecerem a Loja
Recife, mostrando-se receptiva aos visitantes.
Figura 25- propaganda Rosacruz, valendo-se do argumento de ser uma ordem instalada em locais
civilizados.
Por outro lado, toda esta análise mostra que o grupo possuía uma agenda recheada de
atividades, tanto para o público interno, quanto para visitantes e curiosos. Ao mesmo tempo,
dispunha de uma estrutura interna voltada para o lazer e aprendizado, com cantinas e uma
167
área externa para receber o público. Quando fomos consultar os relatórios do ano de 1979 da
Loja Recife, a respeito dos livros da biblioteca, não conseguimos encontrar os livros, mas
vimos a quantidade de revistas e livros que cada membro havia doado. Até o dia 31/07/1979,
contava-se com um acervo de 1879 volumes.
Figura 26- Foto da entrada da Loja Recife, feita nos anos 90, com figuras que remetem o Egito Antigo
graças a união dos membros em dar continuidade ao trabalho Rosacruz no Recife. Após a
permanência como Pronaos, a elevação a Capítulo Rosacruz foi de grande importância que o
grupo se expandisse e tivesse maiores aparições nos jornais, no tocante a publicidade.
Destacamos a gama de atividade que era realizada, como a Festa da Pirâmide e o Ano Novo
Rosacruz. Com a elevação a Pronaos, as convocações ritualísticas no templo e a nova
composição de oficias fez com que houve uma frequência mais regular nas atividades do
Capítulo. Foi também nesta etapa do grupo em que foi conseguida a aquisição de uma sede
própria, saindo da sede provisória dos Maçons.
A Loja Recife com seus dez anos de atividade conseguiu consolidar a ordem Rosacruz.
Percebemos isto quando vemos as atividades realizadas, que incluíam iniciação de graus para
os membros, ainda que se encontrasse em etapas distintas. Foi nesta etapa também que o
grupo ganhou maior visibilidade nacional, quando foi sede do primeiro congresso Rosacruz
Nordestino, fator que demonstrou força para o grupo. A Loja Recife também realizou
inúmeras atividades sociais, a exemplo de palestras públicas, eventos para crianças,
mostrando-se assim aberta para que novos membros pudessem procurá-la. Nas décadas
posteriores a 1981, a Loja Recife foi importante para a formação de outros grupos rosacruzes
no Estado de Pernambuco. Dentre eles, destacamos os Pronaos e Capítulos da AMORC que
foram surgidos nas cidades de Paulista, Jaboatão, Belo Jardim, Caruaru, Arcoverde e
Petrolina; todas elas tendo alguma relação com a Loja Recife. A instalação da Loja de Natal
também contou com a participação de membros da Loja Recife, o que mostra que ela passou a
ser uma referência na região Nordeste.
No período de dez anos da Loja Recife, tivemos os seguintes nomes como mestres da
Loja: José Expedito (1970 e 1972), Maria Luiza Kelner (1973), José Cavalcante Lopes de
Souza (1974), Pedro Soares de Queiroz (1975), Ana Augusta de Carvalho (1976), Valfrido
Carneiro da Cunha Miranda (1977), Neusa Ferreira Dutra (1978), Marivaldo Botelho da Silva
(1979), Armando Pachedo (1980), Nair Andrade dos Santos (1981).
169
CONCLUSÃO
Além da origem antiga, a AMORC, durante a Nova Era- período em que compreende
a expansão das ideias Esotéricas no Ocidente entre os anos de 1960-1981- procurava se
afirmar como corrente autêntica do Rosacrucianismo, ao alegar que todos os fatos históricos
ligados a esta matriz de pensamento possuíam alguma ligação com ela. Logo, de acordo com
a AMORC, os manifestos Rosacruzes teriam sido difundidos por seus membros antigos.
Temos outro exemplo em matérias referendadas pela AMORC, que destacam figuras como
Leonardo da Vinci, alegando que ele teve contato com os mesmos ensinamentos no passado
que a AMORC ensina atualmente, já colocando-o como um membro antigo da Ordem
Rosacruz.
No que tange Egito Antigo, esta ligação da AMORC em sua trajetória se torna
evidente para além do discurso em sua autobiografia. Vide Spencer Lewis obra rosacruz
perguntas e repostas. São exemplos os traços presentes no seu templo ritualístico e na sua
estrutura externa, cujo ambiente se assemelha uma idealização da estética egipicia. Além do
aspecto autobiográfico e da estrutura física, notamos elementos simbólicos em seu calendário
que remetem a sua suposta ligação antiga com elementos egipcios: as festividades na Festa
da Pirâmide e o do Ano Novo Rosacruz, conforme consta na Literatura sobre os ensinamentos
da AMORC. Não é a toa que a contagem da mudança de ano da AMORC é pautada no ano
1353 a.C (OLIVEIRA, 2009). Isto justifica o nome da AMORC, no que tange “Antiga” e
“Mística”.
No entanto, historicamente, a AMORC só foi criada 1915 nos Estados Unidos, por
Harvey Spencer Lewis. Não há documentações que comprovem a existência da suposta
escola de mistérios do Egito Antigo da qual a AMORC se diz herdeira, muito podemos
170
relacionar à sua historicidade todos movimentos rosacruzes existentes na História como parte
integrante com a AMORC. Assim, não há como atestarmos se ela é a unica denominação
Rosacruz que possui autenticidade quanto aos ensinamentos. De acordo com o exposto,
entendemos que a maneira na qual a AMORC se apresenta para legitimar a sua origem
reflete a uma tradição inventada.
Por outro lado, entendemos que este aspecto acabou contribuindo para a sua expansão
durante a Nova Era. Tendo em vista a ampla circulação de ideias esotéricas, a AMORC se
respaldava na sua origem antiga por ser representante de uma tradição milenar e assim dava a
noção de que seus ensinamentos eram confiáveis. Isto atribuiu uma certa legitimidade a
Ordem, explicando a presença de indivíduos que eram membros da Ordem e praticavam
outras religiões, enfatizando as trocas culturais existentes em seu interior. Ao mesmo tempo,
as festividades aos moldes egipcios acabavam atraindo curiosos e simpatizantes sobre esta
civilização, entre os que visitavam um organismo afiliado da AMORC. Assim, a AMORC
era vista como um grupo esotérico que correspondia aos interesses do público: esoterismo,
mensagens de bem estar, auto-conhecimento e “história”.
Concluimos também que, ao analisar a sua trajetória na Cidade do Recife, a AMORC
fez utilização da sua Tradição Inventada para “vender” o conteúdo propagandístico em
jornais locais, a fim de atrair novos simpatizantes. Percebemos também que os usos do
passado estiveram presentes em sua trajetória desde a sua fundação, concebida como
Pronaos, Capítulo e Loja. O desenvolvimento da AMORC no Recife foi bem sucedido,
tendo rapidamente se tornado um organismo afiliado de referência na região Nordeste,
sobretudo após ter chegado à Loja
Embora os membros rosacruzes da cidade do Recife tenham tido grande importância
para a fundação da AMORC na capital pernambucana, destacamos também que a instalação
de um organismo afiliado em Recife representou também os interesses da Grande Loja do
Brasil, para se difundir durante a Nova Era no território brasileiro. Com este organismo
afiliado do Recife, o projeto de expansão rosacrucianista da Grande Loja foi bem sucedido,
pois hoje a Loja Rosacruz é uma das maiores Lojas da AMORC no Brasil, que teve
participação na criação de outros organismos afiliados da AMORC, tanto no Estado de
Pernambuco quanto no Nordeste.
Por último, é importante ressaltar que embora a AMORC fizesse uso de sua tradição
inventada para atrair os membros, isso em nada interfere no que diz respeito a confiabilidade
ou veracidade de seus ensinamentos, de ponto que possa comprometê-los. Partimos do
entendimento de que a crença rosacruz , bem como das religiões, independe do elemento
171
comprobatório em ser ou não histórico. Embora essa seja uma discussão mais avançada,
reiteramos que os ensinamentos transmitidos aos membros da AMORC pela ordem,
constitutem um aspecto de forúm íntimo, cuja vivência deles vai de acordo com a forma de
como os adeptos enxergam ou vivenciam o misticismo da AMORC.
172
REFERÊNCIAS
ACERVO DA AMORC
Relação de Menmbros da Loja Recife – AMORC, que foram iniciados ao 8º Grau de Templo
IMPRESOS CONSULTADOS
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ANEXOS 1– JORNAIS
ANEXOS 2 – JORNAIS
(DIÁRIO DE NOTÍCIAS, PORTO ALEGRE, CADERNO 4, 15/12/1968, P .5)
218
ANEXO 3 – JORNAIS
ANEXO 8 – JORNAIS
ANEXO 9 – JORNAIS
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, RECIFE, CADERNO 1, 31/12/1971, P.2.)
223
ANEXO 10 – JORNAIS
ANEXO 11 – JORNAIS
ANEXO 12 – JORNAIS
ANEXO 26 – JORNAIS
ANEXO 27 – JORNAIS
APÊNDICES
Pastas do acervo da Loja Recife com o corpus documental, desde a fundação à atualidade
229
230