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FICHAMENTO MEMORIAIS ACADÊMICOS (Vanessa Lea)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO” (UNESP)

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS, DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – câmpus de


Assis
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (LICENCIATURA)

Disciplina: Fontes para a Pesquisa Histórica


Professor Responsável: Wilton Carlos Lima da Silva

ALUNO: Thiago Pereira Camargo Comelli

LEA, Vanessa Rosemary. Memorial (Concurso de Professora - Titular em Antropologia


e Etnologia Indígena), Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas-UNICAMP, Campinas-SP, p 02-51, 2010.

No memorial tratado, a autora enfoca especificamente nas atividades docentes a partir


de 2001, embora trace um panorama bastante rico de sua formação acadêmica, viagens e
impressões sobre sua área de atuação. Inicia compartilhando das dificuldades que muitos
professores apresentam na escrita de si, chamando atenção às dificuldades que teve com seu
primeiro memorial, no ano 2000. Por ter como língua materna inglesa, a própria semântica do
termo “Memorial” possui uma conotação mais apropriada aos mortos (in memorian).

Neste memorial, percebe-se que a autora busca fugir de um memorial meramente


teleobjetivo e unidimensional, pois logo de início já cumpre os requisitos quantitativos do
CONSU:

Publicações: 7 capítulos de livro; 4 artigos; 1 livro no prelo. Ministrei


12 cursos de graduação e 9 cursos de pós-graduação. Participei de
25 bancas de mestrado e de doutorado. Orientações concluídas: 2
de mestrado. Obtive quatro bolsas de produtividade em pesquisa do
CNPq. Fui chefe do Depto. de Antropologia entre agosto de 2005 e
fevereiro de 2008. Atualmente ocupo a coordenação do Centro de
Pesquisa em Etnologia Indígena (CPEI). (LEA, 2010, p.2)
De modo que, vencidas as exigências objetivas do memorial, Lea apresenta sua
iniciação à cultura latina, aos 5 anos de idade quando foi para Maiorca. Passando rapidamente
pela dança flamenca, desenvolveu o espanhol aos 15 anos de idade ao trabalhar para uma
família de Valença, ensinando inglês. Em virtude desses deslocamentos e possibilidade de
intercâmbios culturais desde cedo, trouxeram à autora um “olhar relativista” desde cedo:

A partir de 1961 cursei uma escola católica depois de mudar de


casa, por falta de vaga em outra escola, dando grande desgosto a
minha avó materna, descendente de protestantes escoceses que
encarava os católicos de modo muito preconceituoso. Meu pai me
aconselhou a não revelar que eu não havia sido batizada e suponho
que foi essa exposição a pontos de vista conflituosos que me
proporcionou um olhar relativista desde cedo (LEA,2010, p.2)

É de se destacar sua convivência desde cedo entre círculos de poesia em Liverpool,


bem como a convivência com famílias espanholas, venezuelanas, peruanas, uruguaias e
brasileiras. Também começou a estudar o francês aos 11 anos de idade, e revela ter tido pouco
interesse no latim. No equivalente ao vestibular brasileiro, optou pelos estudos
latino-americanos, ingressando na Universidade de Essex em 1971, na School of
Comparative Studies. Nessa época, iniciou seus estudos da língua portuguesa. No momento,
achou grande novidade o estudo da sociologia e optou por se formar em sociologia política,
tendo em 1973 estudado continuidade e mudança num kibutz israelita:

Trabalhei em vários setores de um kibutz perto da fronteira com


Líbano, principalmente numa plantação de banana, podando
bananeiras e preparando o café da manhã para os demais
trabalhadores. Tive as tardes livres para realizar entrevistas, dando
início à experiência de pesquisa de campo. Israel era um tema
polêmico no ambiente universitário daquela época e queria entender
melhor de primeira mão o embate entre palestinos e israelenses.
Pude fazer isso viajando por Israel e a área do Sinai depois de
terminar o estágio no kibutz (LEA, 2010, p.4).

Quanto à pós-graduação, a autora em 1974 ingressou no programa de M. Phil no Latin


American Centre da Universidade de Oxford, na qual obteve uma bolsa integral do SSRC
(Social Science Research Council) já no segundo ano. Seu enfoque foram temas como o
racismo e a teoria da dependência econômica, bem como a história da América Latina. A
autora destaca a importância de sua alocação ao Prof. Peter Rivière, que apadrinhou-a no
interesse pela Antropologia. Em sua dissertação, pesquisou a participação dos índios
Mapuche do Chile no governo popular de Allende, verdadeira vanguarda política pela sua
ocupação em latifúndios. Ainda que tenha entrevistado alguns líderes mapuches refugiados
na Inglaterra, a dissertação era basicamente bibliográfica.

A autora chama atenção para a frustração de estudar América Latina sem conhecer o
continente de primeira mão:

Devido ao grau de repressão política no Chile fui aconselhada de


que não haveria condições para pesquisa antropológica lá naquela
época. Tive que aguardar o fim da ditadura de Pinochet ou mudar de
pesquisa. Era frustrante passar mais dois anos estudando América
Latina sem ainda conhecer o continente de primeira mão. Decidi
tentar obter uma bolsa de estudo para viajar à América Latina antes
de entrar no doutorado. Hoje em dia, com o endividamento de
estudantes universitários através de empréstimos para financiar seus
estudos, o tipo de trajetória que tive, o de abandonar o país de
origem, torna-se cada vez mais difícil. Em 2005 naturalizei-me
brasileira mais por minha indignação com a invasão do Iraque pela
Inglaterra do que por acreditar que esse ato modificaria minha vida
no Brasil (LEA, 2010, p.6)

Ao pleitear a bolsa de estudos no Brasil, a autora chama atenção que, ainda que em tempos de
ditadura militar, fazer pesquisa no Brasil não era tão perigoso quanto seria no Chile de Pinochet..
Nesse ínterim, aproveitou seus estudos sociológicos para redigir um projeto sobre a colonização da
Transamazônica, ministrou aulas de inglês e agiu como intérprete de refugiados chilenos. Enquanto
aguarda resultados de sua bolsa, conseguiu em Boston um emprego voluntário no jornal Mohawk
Akwesasne Notes:

[...] Fui morar numa casa de madeira, sem água encanada ou luz
elétrica, nas montanhas Adirondack no estado de Nova Iorque, na
fronteira com Canadá. Depois de pouco tempo, um voluntário
cubano convenceu os Mohawk a expulsar os não índios da
comunidade (eu e um holandês; o cubano permaneceu). Em seguida
encontrei um ride center, coordenando pessoas oferecendo e
precisando de carona. Parti com um motorista de ônibus de Oregon
para entregar um carro em Los Angeles numa viagem de uns dez
dias. Convenci meu co-motorista a visitar Grand Canyon e as áreas
indígenas dos Hopi e Navajo no meio do caminho. Viajei de Los
Angeles a San Francisco e de lá a México e Guatemala. (LEA, 2010,
p. 8-9).

Em 1977 sua bolsa é aprovada, de modo que pôde começar a pôr em prática seus
estudos sobre os indígenas da Amazônia. Sua primeira experiência de campo foi com a tribo
Kayabi, um povo Tupi-Guarani do Parque Xingu. Ali, teve seu primeiro contato com um
Mebengokre, povo no qual viria a realizar estudos significativos por toda sua carreira, tanto
etnologicamente quanto linguísticamente. No Museu Nacional, a autora aprofundou seus
estudos em antropologia econômica, etnologia, campesinato, linguística e nomenclaturas
indígenas. Entre 1977 e 1978, iniciou seu programa de doutorado em antropologia:

Apresentei um projeto que foi aceito e obtive a nota mais alta na


prova de francês. O conhecimento de francês tem sido útil devido à
grande influência da antropologia francesa e porque é mais fácil ler
obras em francês do que inglês para 10 apresentá-las em português
na sala de aula [...] foi difícil escolher entre o LSE e o Museu. Acabei
achando que fazia mais sentido ficar no Brasil, já que ia realizar
minha pesquisa de campo em Mato Grosso, do que voltar para
Inglaterra e batalhar bolsas para um diploma e o doutoramento
(incluindo pesquisa de campo no Brasil). Obtive uma bolsa de
doutorado do CNPq a partir de 1980, que foi renovada várias vezes
e depois transformada em complementação salarial até setembro de
1984. Eduardo Viveiros de Castro era outro aluno da primeira turma
do doutorado e também foi orientado por Seeger. Foi Eduardo quem
me sugeriu a leitura de Lévi-Strauss sobre as "sociedades de casas",
peça fundamental para o desenvolvimento da minha tese.

Dando continuidade a sua formação na Inglaterra, Lea entrou em contato com Darcy
Ribeiro, sendo influenciada também pela obra de N. Wachtel, La vision des vaincus, bem
como Pierre Bourdieu, autor que não era muito bem visto pelos etnólogos da época. Com
esse arcabouço epistemológico, somada às primeiras experiências de campo, tem o mote de
sua tese: Bens simbólicos, matrilinearidade e genealogias Mebengokre. Segundo Lea:
[...]Encontrava-me na contramão do clima intelectual do meu tempo,
sintetizado por um artigo do meu orientador intitulado “By Gê out of
Africa”, ou seja, propondo uma rejeição dos modelos provenientes
da Antropologia inglesa, e em particular a teoria de descendência e
todas as suas implicações, tais como a existência de grupos
corporados e transmissão de propriedade[...] O tema da rejeição dos
modelos africanistas clássicos foi divulgado no Brasil através do
artigo “A construção da pessoa nas sociedades indígenas
brasileiras”, de Seeger, DaMatta e Viveiros de Castro, publicado em
1979 no Boletim do Museu Nacional (NS 32. pp. 2–19. [...] Na minha
opinião, o corpo é elaborado simbolicamente de forma universal,
embora o tema só ganhasse proeminência e outras áreas
etnográficas mais tarde. Acontece que o destaque dado ao corpo
nas humanidades deu um novo alento à noção de pessoa, ligado a
um novo enfoque na questão da subjetividade e à noção de agency.
Uma das lições importantes para mim daqueles anos no Museu
Nacional foi a percepção de que o indivíduo é um produto histórico e
não uma pedra angular das sociedades de modo universal (LEA,
2010, p. 13)

Na mesma toada, a autora chama atenção para a eclosão de propostas de governo de


emancipação indígena, bem como suas participações em reuniões da Comissão Pró-Índio no
Rio de Janeiro. No final da década de 70, também é simbólico nos círculos intelectuais
cariocas a explosão das temáticas feministas. A autora destaca a publicação da revista
Perspectivas Antropológicas da Mulher por companheiras de turma, bem como a constante
presença da questão de gênero em suas pesquisas de campo. Simbólicas são as dinâmicas
entre a autora e sua convivência entre os homens e mulheres Mebengokre.

Em 1978, propõem a elaboração de uma cartilha de alfabetização em português para


os índios Metyktire no Parque do Xingu, onde o projeto foi aplicado entre setembro de 1979
e fevereiro de 1980 e haviam somente alunos de sexo masculino. “Vários alunos desistiram
depois de pouco tempo ao descobrir que a alfabetização era bem mais complicada do que
imaginavam” (LEA, 2010, p.14). Tal iniciativa não foi frutifica, visto que a cartilha foi tirada
de circulação pela FUNAI, que acreditava colocar os índios contra si, trazendo alguns
empecilhos à autora:
[...] Nessa mesma época fui alertada por uma professora no Posto
de Diauarum, no Parque do Xingu, Mariana Ferreira (hoje
antropóloga), que ela tinha visto um relatório sendo preparado pelo
Chefe do Posto, o qual me denunciava como insuflando os índios,
acusação corriqueira aos antropólogos naquela época. Algum tempo
depois a FUNAI me recusou autorização para voltar à área. Gilberto
Velho, chefe do depto. De Antropologia no Museu Nacional,
corajosamente convocou o Coronel Zanoni do SNI em Brasília para
dar explicações sobre os motivos de estar impedindo a realização de
pesquisa desenvolvida por um de seus estudantes. Após a reunião
no Museu a autorização acabou sendo liberada. Numa ocasião
anterior a autorização havia sido conseguida somente com a
intervenção direta do chefe Metyktire Ropni. (LEA, 2010, p.15)

Com o decorrer da pesquisa de campo, Lea pôde se aprimorar na língua Mebengokre


e trabalhar mais ativamente em sua tese. Complementando o censo da aldeia por meio de
genealogias, chegou à conclusão de que a aldeia não era endogâmica, material que viria a ser
anexado em sua tese em 1986. Em 1981, realizou de um levantamento de dados sobre índios
do Nordeste (Bahia, Pernambuco e Sergipe) para o CEDI (Centro Ecumênico de
Documentação e Informação), enriquecendo sua bagagem etnológica ao entrar em contato
com os Tuxá e seu elaborado sistema de canais de irrigação.

Não obstante, pôde visitar etnias distintas daquelas pesquisadas diretamente, como as
aldeias Waurá, Kamayura, Yawalapati e Trumai, vitais para entender o contexto de criação e
funcionamento do Parque do Xingu e as especificidades dos Metyktire. Nessa dinâmica de
pesquisa, a autora chama atenção pelas proximidades de aparência, linguísticas e culturais
entre etnias e aldeias. No que concerne à linguística, seu contato com os Apinajé é
sobremaneira ilustrativo:

[...] Numa reunião para a preparação dos depoimentos dos Apinajé


para a Polícia Federal, um dos índios chegou a referir à morte dos
brancos como “um crime bárbaro”. Foi corrigido pelo Procurador da
República que afirmou que os índios agiram em legítima defesa.
Posteriormente, perguntei ao porta-voz Apinajé que palavra
correspondia a “bárbaro” na sua língua. Respondeu-me que era
“tàjtx”, que traduz como ‘duro’ ou ‘valente’, o que é diferente do
significado corrente da palavra “bárbaro” em português. Esse
episódio demonstra a importância de estar sempre atenta à língua
indígena, fazendo a conversão para suas próprias categorias daquilo
que dizem em português. Pude então finalmente verificar a
proximidade linguística entre os Apinajé e os Mebengokre. (LEA,
2010, p.17).

No que diz respeito à docência, em 1983 a autora ingressa no Conjunto de


Antropologia da Unicamp. A autora chama atenção para sua convivência profissional com o
etnólogo Robin Wright, que ingressou no IFCH em 1987, do qual discordava em muitos
aspectos quanto à universalidade da religião e do sagrado. Lea chama atenção para a marca
definidora da Unicamp no campo da antropologia urbana, “ainda que a heterogeneidade dos
interesses etnológicos tenha dificultado a elaboração de um projeto comum para a obtenção
de recursos financeiros mais sólidos” (LEA, 2010, p.18).

Em 1986, termina sua tese de doutorado. Após uma troca de orientadores, comenta
sobre sua banca, na qual:

[...] Participaram Seeger, Eduardo Viveiros de Castro, Roberto


DaMatta, J.C. Melatti e Aracy Lopes da Silva. Meu então
companheiro, Caio Navarro de Toledo, me disse que nunca havia
assistido uma defesa tão polêmica. Roberto DaMatta foi
particularmente contestador. Soube depois que ele não entendeu
bem a tese e não conseguiu acreditar que um povo Jê pudesse fazer
uma distinção entre donos plenos e usufrutuários, conforme eu
argumentava (LEA, 2010, p.18-19).

Ainda sobre a banca da tese, afirma que a questão da matrilinearidade levantada não
estava bem resolvida, em virtude da noção de “sociedade de casas” de Lévi-Strauss como
ferramenta de análise para sociedades cognáticas. A autora nega a pertinência do cognatismo
no que diz respeito à sociedade Mebengokre, a não ser no sentido de que “todas as sociedades
reconhecem uma parentela cognática, mesmo tendo descendência matrilinear, patrilinear ou
dupla” (LEA, 2010, p.19).

Ao estudar e publicar mitos das sociedade Jê, a recorrência de nomes pessoais e seus
usos entre a população foi importante para a percepção entre conexões entre diferentes
organizações sociais, aspecto que retornaria em seu livro. Na mesma toada, a geração
ascendente de “jêoólogos” trouxe novas problemáticas e questionamentos que levaram Lea a
se aprofundar na relevância matrimonial entre os Mebengokre. Em 1987, retorna para a
pesquisa de campo, financiada pelo FIEP, onde consegue verificar que as matri-casas
provenientes das duas aldeias que estudou no doutorado (que tinham se juntando em 1985)
estavam situadas no círculo de acordo com sua posição tradicional em relação aos pontos
cardeais. Por conseguinte, também pôde gravar mitos e realizar censos sobre os casamentos.

Entre 1994 e 1996, após um tempo afastada da pesquisa de campo pelo nascimento de
sua filha Julia, desfrutou de uma bolsa da Fundação Wenner-Gren dos EUA, menos
burocrática, que proporcionou a oportunidade de viajar até duas novas aldeias Metyktire,
levando à questionamentos sobre a relação do papel dos homens na vila como provedores
exclusivos de dinheiro, bem como o levantamento de genealogias, a pesquisa de histórias
conjugais, gravação de mitos e as forma de narração pelos homens e mulheres da aldeia. Em
1990, passa a digitalizar suas pesquisas e utilizar o CorelDraw para desenhar plantas das
aldeias no computador.

Trabalho importante e de densidade foi o de revisão ortográfica da língua


Mebengokre e a listagem de nomes, que realizou com a assessoria de Wilmar Rocha
d’Angelis, linguista da UEL:

[...] Isso foi indispensável para fazer uma lista de todos os nomes
Mebengokre anotados no campo (totalizando 63 páginas), para
padronizar sua escrita. Por tratar-se de um povo ágrafo, tive que
decidir como uniformizar a ortografia dos nomes para evitar, por
exemplo, listar duas vezes uma mesma pessoa num banco de
dados, devido à mudança de uma letra ou apenas um acento. Uma
mera diferença desse tipo pode subverter tal organização
provocando diferenciações espúrias. Wilmar indicou uma aluna de
iniciação científica, Patrícia Azeredo, para digitalizar dados
linguísticos, uma tarefa que durou sete meses, de dezembro de 1994
a julho de 1995. Ela incorporou dados provenientes de Earl Trapp,
um missionário do Miceb que estudou a língua na década de 1950, e
os dados provenientes dos missionários do SIL nas décadas de
1960 e 1970.

Com tantas viagens de campo, obtenção e digitalização de dados, a autora chama


atenção para a dificuldade de encontrar tempo para rescrever sua tese de doutorado para
publicação. Não obstante, em 1999 o CNPq não renova sua bolsa de produtividade em
pesquisa, chamando seu projeto de “peripécia cibernética”, pela utilização de gráficos,
interface entre imagens, gravação e escrita (LEA,2010, p.22). Porém, conseguiu pela
FAPESP a aprovação de seu pós-doutorado na Universidade de Cambridge, onde pôde
perceber que a Etnologia brasileira não era nem um pouco periférica.

No ano em Cambridge, entrou em contato com novas bibliografias e se aperfeiçoou na


informática, vitais para deslocar sua perspectiva dos nomes e nekretx enquanto objetos para
observá-los como aspectos partíveis da pessoa. Ao contribuir para algumas publicações e
workshops, se convence a retornar à publicação de seu livro, do zero:

[...] Resolvi então que, após a atualização teórica relativa às


“sociedades de casas”, era insensato continuar desvinculando o
manuscrito do livro da tese. De volta ao Brasil redigi um capítulo
novo (sobre o cotidiano) e depois resolvi apenas modificar os demais
capítulos. A tese foi defendida quando os computadores pessoais
estavam começando a serem usados e, consequentemente, foi
datilografada, o que significou digitá-la inteira. Foi feita a tentativa de
escanear a tese, mas não deu certo, sobrando tantos erros que
inviabilizaram a correção. Somente pude retomar a revisão e
tradução em inglês no final de 2003. Depois de inúmeras
interrupções, a versão em inglês foi terminada no início de 2005. Em
julho de 2005, durante a revisão final do manuscrito do livro, dei
conta do fato de que minha decisão de excluir as vinte oito
genealogias do livro acabou eliminando o eixo vertical das
matri-casas, algo essencial para o argumento de que tais Casas
estão estruturadas em termos de uma matri-linha de ancestrais.
Exclui as genealogias porque, além de não estarem digitadas,
algumas delas medem mais de um metro horizontalmente, algo que
dificulta sua publicação num livro. (LEA, 2010, p.23).

Para a confecção da obra, Lea precisou reler uma série de mitos Jê, bem como
examinar os bens simbólicos, a fauna e a flora, e comparações semânticas entre o latim,
português e Mebengokre. Após se convencer que seria melhor a publicação no Brasil que no
exterior, a autora optou por traduzir por si mesma a obra, aproveitando-se da oportunidade
para melhorar o português, empreendimento que se mostrou gigantesco, pois começou a
tradução em 2007 e a finalizou apenas em 2010. Após ter sua publicação recusada por
algumas editoras, teve a confirmação por parte da Edusp com recursos fornecidos pela
FAPESP em 2012.
Em 1988, lecionou Tópicos da Linguística Antropológica e Língua Kayapó pela IEL
da UNICAMP, demanda que ofereceu a Lea mais possibilidades para se aprofundar na
fonética, sintaxe e fonologia, bem como no processo de educação bilíngue nas tribos. Porém,
visto que não houveram alunos para levarem a demanda adiante, apenas em 1995 começou a
digitalizar os dados lexicais disponíveis, além da padronização da escrita dos nomes
Mebengokre. O resultado foi a publicação de um artigo sobre a poética dos nomes em 2008,
pela Universidade Federal de Pernambuco.

Por meio do FAEP da Unicamp, a autora pôde completar o material léxico


Mebengokre, além de iniciar a escrita um dicionário da língua com a ajuda de dois linguistas
que conheceu num evento no Museu Nacional. O projeto foi executado entre 1998-2000,
porém não pôde ser finalizado, por dificuldades com a FUNAI e contratempos entre as
aldeias. Para a autora, o saldo positivo dessa empreitada foi a oportunidade de reflexão em
cima dos dados lexicais, de modo que não esqueceu da língua à medida que sua permanência
no campo diminuiu, em virtude do doutorado, aulas regulares na UNICAMP e a maternidade.

Desde 2002, a autora participa dos Encontros Macro-Jê, que resultaram na publicação
de artigos, publicações e contribuições internacionais no que tange a linguística, poética dos
nomes e terminologia de parentescos. Ainda que sem muito vulto no Brasil, suas
contribuições sobre o fenômeno dos termos triádicos Mebengokre não passaram
despercebidas pela Australian National University da Austrália.

Quanto sua atuação em perícias, a autora é breve em seu memorial, ainda que frutífera
no que diz respeito ao aprendizado de certas dinâmicas da legislação brasileira relativa aos
povos indígenas:

[...] Em 1987 fiz um primeiro trabalho técnico para a Procuradoria


Geral da República, analisando um laudo feito por outro antropólogo.
Em 1994 realizei duas perícias histórico-antropológicas como perita
da Justiça Federal. Ambas incluíram pesquisa de campo, no Parque
do Xingu e na Área Indígena Kapoto. As duas perícias foram
publicadas pela UNICAMP em 1997. A elaboração das perícias me
deu a oportunidade de reestudar a legislação brasileira relativa aos
índios, incluindo a Constituição de 1988 e de entender melhor a
linguagem jurídica. Também me possibilitou visitar/revisitar diversas
etnias no Parque do Xingu, tais como os Suyá (um povo Jê), os
Juruna ou Iudjá (Tupi) e os Kayabi (Tupi Guarani). Em abril de 1998
foi realizado um seminário sobre perícias referentes às Áreas
Indígenas cuja transcrição seria colocada no site da ABA. Uma das
participantes, Virginia Valadão, morreu um mês depois do seminário
e havia concordado com a transcrição do seminário. Bruna
Franchetto, do Museu Nacional, outra participante, também
concordou e a procuradoria da república manifestou seu interesse. O
texto foi enviado inicialmente ao jurista Sérgio Leitão, vinculado
naquela época à ONG ISA em São Paulo. No seminário, uma das
questões levantadas por ele era se os antropólogos estavam
recebendo a formação necessária para elaborar perícias. Pouco
tempo depois ele foi morar em Brasília e nunca devolveu o material
do seminário, apesar de várias tentativas da minha parte para
recuperá-lo (LEA, 2010, p.29).

Já no que diz respeito ao trabalho docente na UNICAMP, a autora reserva uma boa
parte de seu memorial, o que deixa implícito a importância da universidade e do trabalho de
pesquisa com seus discentes em sua trajetória acadêmica. Neste momento do memorial,
pouco depois da metade, a autora prefere recapitular sua trajetória na instituição antes de se
concentrar no período após 2001. De 1983 até 2001, ministrou cursos regularmente na
graduação do curso de Ciências Sociais (LEA, 2010, p.30).

Após ter defendido o doutorado, no fim de 1986, passou a ministrar aulas de


pós-graduação no mestrado em Antropologia e no doutorado em Ciências Sociais e
Antropologia (após a criação da área em 1995). Ministrou cursos na graduação de
Organização Social e Simbolismo, Etnologia Indígena, Família e Parentesco, História da
Antropologia e Introdução à Antropologia. Já na pós-graduação, ministrou os cursos de
Etnologia, Organização Social e Parentesco, Tópicos Avançados em Família e Relações de
Gênero, e História do Pensamento Antropológico.

Já entre 2001 até o final de 2009, ministrou treze cursos na graduação nas áreas de
parentesco, etnologia, pesquisa antropológica e mito/rito. A autora destaca sobremaneira o
curso sobre parentesco, que foi ministrado 8 vezes entre 2001 e 2007, com temáticas como
Natal, Réveillon, relacionamentos modernos, gênero e sexualidade, moral familiar. Para Lea:
Já que se trata de um curso obrigatório para a formação em
antropologia os alunos tendem a encará-lo sem muita empolgação,
embora eles mesmos tenham resistido durante muitos anos às
tentativas de reforma curricular propostas pelo Departamento para
transformá-lo em curso optativo. Para tornar o tema menos árido
venho propondo a realização de pesquisa por parte dos alunos sobre
um determinado assunto. Em 2006 o tema elegido foi o natal como
palco para representar a família e o parentesco na sociedade urbana
contemporânea. Foi um desafio convencer os alunos a dissociar
natal de suas conotações religiosas para concentrar no seu aspecto
de ritual de parentesco, mas acabou rendendo trabalhos
interessantes. Os alunos eram unânimes em interpretar o natal como
ritual que mobiliza a parentela enquanto o réveillon é um evento que
envolve os amigos. Ou seja, configura-se de modo ego-centrado
uma rede de parentes no natal, marcada pela comensalidade. Foi
interessante constatar a dificuldade em fazer os alunos
reconhecerem que se dá um presente para mãe, irmão etc. não por
ser parente, mas para marcá-los como parentes, ou seja, para
reafirmar uma relação. Foi proveitoso concentrar num tema
específico, pois esse permitia maior aprofundamento (LEA, 2010,
p.31)

Já no segundo semestre de 2008, ministrou o curso de Pesquisa Antropológica, no


qual o leque de temas era amplo e pautado em problematizações das noções de sociedade,
cultura e desconstrução da antropologia contemporânea:

[...] Bandas de rock cristãs, uma eco-vila, a ideia da previdência


investigada em uma agência bancária, atendimento na rede pública
de saúde, grafite em São Paulo, segurança fornecida pelo tráfico de
drogas num bairro de periferia; uma obra de reforma numa usina
hidrelétrica; um projeto educativo de integração social (PEIS);
anorexia; o “design inteligente” no contexto da UNICAMP; revistando
a sociedade d’Os Parceiros do Rio Bonito; o chamado
“desenvolvimento” e as populações indígenas; Le Parkour em
Campinas; a distinção entre antropologia e sociologia; as mulheres
nas baterias de escolas de samba (LEA, 2010, p.32).

Já em 2009, ministrou o curso de Etnologia Sul Americana e Mito e Rito. Ainda que
com a impossibilidade de levar os alunos para o campo, Lea ressalta as tentativas de
ambientar o máximo possível a sensação, por meio do uso do audiovisual. A autora destaca
que o acesso à filmografias, bem como o conhecimento de cineastas clássicos da produção
brasileira como Glauber Rocha, foi um” ingrediente importante para sua formação” (LEA,
2010, p.33).

Quanto ao curso de Mito e Rito, novamente se percebe a importância para a autora em


utilizar da metodologia de pesquisa em sala de aula:

[...] Novamente solicitei o desenvolvimento de uma pesquisa ao


longo do semestre a ser apresentada oralmente na sala de aula e
por escrito ao final do semestre. Minhas sugestões de temas
incluíram a democracia racial, desenvolvimento e progresso
enquanto mitos hegemônicos do nosso tempo e o ritual do trote no
ingresso à universidade. Foram usados textos de autores clássicos
como van Gennep, Frazer, Malinowski, Radcliffe-Brown,
Evans-Pritchard, Lévi-Strauss e Leach, além de textos mais recentes
de autores como DaMatta e Houseman. Foi mais fácil conseguir
entendimento de ritual do que de mito. No decorrer dos últimos dez
anos fui apenas a segunda professora do departamento que julgou
pertinente usar alguns capítulos das Mitológicas de Lévi-Strauss
nesse curso. Encerrei o curso, em dezembro, com o ensaio O
suplício de papai Noel desse mesmo autor. Sintetiza vários temas do
curso e garantiu lembrar os alunos do curso cada vez que surgisse o
tema do papai Noel (LEA, 2010, p.34)

Nessa toada, a autora chama atenção à dinâmica pedagógica de “insistir


individualmente que os alunos se manifestem em debates na aula”, fugindo de uma dinâmica
de classe meramente expositiva. Porém, acredita que isso “só é possível em turmas pequenas,
das quais sempre teve a sorte de trabalhar'' (LEA, 2010, p.34). No que diz respeito aos oito
cursos ministrados na pós graduação, a autora destaca três: Mito, Rito e Simbolismo (2001),
Tópicos Especiais, no qual abordou a obra de Marilyn Strathern (2003) e Etnologia Sul
Americana, com enfoque na questão de gênero (2007).

Em abril de 2005, passou um mês em Paris como Directeur d’études et maître de


conférences invité, na École de Hautes Etudes em Sciences Sociales, a convite de Philippe
Descola da EHESS e do Laboratoire d’Anthropologie Sociale, Collège de France (LEA,
2010, p.35). Seu programa foi intitulado: ‘Personnes, biens et parenté: nouvelles approches
de l’ethnographie des Mẽbêngôkre du Brésil central’, bem como três conferências: Les
‘matrimaisons’ mẽbêngôkre comme personnes morales; Réciprocité, revanche et prédation
chez les Mẽbêngôkre e Parenté, identité sexuelle et amitié formelle chez les Mẽbêngôkre. Não
obstante, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Lévi-Strauss.

Quanto suas orientações, das cinco dissertações de mestrado defendidas, três foram
publicadas como livros: Da terra das primaveras à ilha do amor: reggae, lazer e identidade
em São Luís do Maranhão, de Carlos Benedito Rodrigues da Silva, publicado pela editora
da Universidade Federal de Maranhão, em 1995; Cayapó e Panara: Luta e Sobrevivência de
um povo Jê no Brasil Central, de Odair Giraldin, publicado pela editora da UNICAMP em
1997 e Aspectos Fundamentais da Cultura Kaingang, de Juracilda Veiga, publicado pela
editora Curt Nimuendajú em 2006 (LEA, 2010, p.36).

Na última década, antes da publicação do memorial, teve dois alunos de


pós-doutoramento, na temática de conhecimentos tradicionais e interdisciplinaridade com o
Direito e sobre os Kaiowá do Mato Grosso. Contemporâneos à publicação do memorial, Lea
possuía oito orientandos: uma aluna de Iniciação Científica e um aluno de mestrado com
bolsa pela FAPESP, dois mestrandos Mapuche, três orientandos no doutorado em
Antropologia, com bolsas pela FAPESP, FAPEAM e CNPq e um de pós doutoramento,
pesquisando arte aborígene na Austrália. (LEA, 2010, p.37).

Tópico importante é quanto à educação indígena, tema que a autora passa rapidamente
no início e retorna, para falar de sua participação no curso para a formação de professores
bilíngues Mebengokre, na aldeia de Kubenkokre, no estado do Pará em 1998. Ali, pôde
uniformizar a escrita e elaborar a produção de materiais pedagógicos, bem como realizar
diversas modificações em sua ortografia Mebengokre, minimizando certas discrepâncias que
percebeu. É interessante perceber que a conotação da palavra “pesquisa” vai se alterando ao
longo de sua participação no curso. Inicialmente, era tido como pejorativa e associada à
predação de dados de pesquisadores para se enriquecer às custas dos povos indígenas. Para a
autora, os “próprios indígenas têm assumido gradativamente o papel de pesquisadores, ainda
que com certas ambivalências”. (LEA, 2010, p.38).

Sobre as frustrações e contratempos na experiência com os Mebengokre, Lea ressalta


que:
Em 2002 minha experiência foi bastante frustrante. Tentei abordar a
questão dos termos triádicos (mencionada anteriormente) como
exemplo de um recurso lógico, ausente em línguas como português
e inglês. Os Mebengokre exigiram a tradução em português de tais
termos, e quando argumentei que não havia um equivalente eles
achavam que eu estava recusando traduzi-los por estar levantando
dados para minha pesquisa. Outro tema que tentei abordar foi a
distinção entre história oral e documental, algo fundamental nas
perícias judiciais que dizem respeito às suas terras. Rejeitaram esse
tema alegando que se quisessem saber de sua história iam
perguntar para seus próprios velhos. No final de 2009, ao ir embora
do curso, encontrei na pista de pouso com o antropólogo Terence
Turner, que acabara de chegar para falar sobre a história
Mebengokre, trazendo consigo gravações de um velho Mebengokre.
Esse exemplo e aquele referente à “pesquisa” demonstram a
versatilidade das atitudes dos índios em relação à questão da
educação neste momento. Uma afirmação feita numa ocasião pode
mudar radicalmente quando o assunto for retomado posteriormente.
Em suma, o ponto de vista dos Mebengokre sobre a questão da
educação escolar (e outras etnias com uma história semelhante de
contato com a sociedade envolvente) está em ebulição. É importante
frisar essa falta de cristalização de atitudes para relativizar algo dito
num momento que não se sustenta em outro (LEA, 2010, p.39).

Em 2009, iniciou um módulo de antropologia pautado entre a distinção de arte e


artesanato, além da questão de gênero, indígenas presidiários no sul do Mato Grosso e a
divisão sexual do trabalho nas aldeias, assunto que levantou um verdadeiro “terremoto” em
aula, segundo a autora. Para Lea, a exposição de sua prática pedagógica na formação de
docentes indígenas é “relevante para mostrar o quanto se distancia do ensino ministrado no
Departamento de Antropologia da UNICAMP”. (LEA, 2010, p.40).

No que concerne às suas publicações, a autora foca nas de caráter etnográfico, a maior
parte fruto da participação em reuniões científicas. Em especial, cita um de 1983 sobre
indigenismo (de co-autoria com Bruna Franchetto, colega de doutorado), um artigo sobre a
onomástica Mebengokre e um capítulo sobre matri-casas Mebengokre, já citado. Também
destaca um capítulo sobre a amizade formal e aliança matrimonial Mebengokre, em 1995. Já
em 2005, tem um artigo publicado numa revista polonesa de estudos latino-americanos, sobre
cerimônias de nomeação Mebengokre.
Na mesma toada, Lea passa a se interessar pela comparação entre a etnologia das
terras baixas da América do Sul e de Mali, o que renderia a publicação de um artigo no
Journal of the Anthropological Society of Oxford (JASO) em 1994. Quanto à temática de
gêneros, a autora teve a oportunidade de apresentar dois trabalhos no Núcleo de Estudos
Pagu, também em 1994. Em 2003, publicou um artigo sobre a performance do choro
cerimonial feminino em Berlim, bem como outras contribuições em capítulos e trabalhos de
iniciação científica.

Quanto suas resenhas, Lea chama atenção para quatro realizadas desde 2003: Uma
coletânea póstuma do etnobiólogo Darrell Posey; uma tradução em inglês de um livro de
Louis Dumont; tatuagem Maori da Nova Zelândia e a última uma resenha sobre
matrilinearidade e uxorilocalidade em diversas regiões do mundo (LEA, 2010, p.42).

Quanto a participação da autora em bancas, ressalta que:

Desde 2001, na UNICAMP, USP e UFRJ (Museu Nacional) participei


de quinze exames de qualificação, três bancas de mestrado e sete
bancas de doutorado. No IFCH, participei de duas bancas de
seleção de mestrado em Antropologia Social, duas bancas de
seleção de alunos para o Doutoramento em Ciências Sociais, na
área de Etnologia, e duas bancas de seleção de alunos para o
Doutoramento em Antropologia, IFCH. Em 2003 participei de uma
banca examinadora num processo seletivo no Núcleo de Estudos de
População (NEPO) UNICAMP. E em 2009 presidi a banca
examinadora do processo seletivo para o provimento de um etnólogo
para o Museu Goeldi, Belém do Pará. (LEA, 2010, p.43)

No que diz respeito ao trabalho de assessoria, a autora chama atenção por ser uma
atividade “invisível e que consome uma quantidade enorme de tempo”. Não obstante, a partir
de 2001 realizou aproximadamente trinta pareceres para FAPESP, cinquenta e três para o
CNPq, dezesseis para FAEP, UNICAMP, um para FAPES do Espírito Santo e um para a
revista Cadernos Pagu. Um total de cento e um pareceres entre 2001 e 2009. (LEA, 2010,
p.43).
No que diz respeito a atividades administrativas, Lea destaca sua participação na
criação da Área de Etnologia, no Doutoramento de Ciências Sociais, em 2004 e efetivamente
implantada em 1995 no IFCH. Segundo a autora:

Foi uma conquista importante o Departamento de Antropologia ter


conseguido sua própria área de Doutorado. Num mundo globalizado
não há como escapar de multidisciplinaridade, mas para o
antropólogo isto não se restringe a dialogar com a Ciência Política e
a Sociologia, como foi o caso quando existia apenas a Doutorado em
Ciências Sociais (LEA, 2010, p.43)

Ademais, foi uma das fundadoras do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena


(CPEI) no IFCH, em 1996, o qual coordena desde 2009. Entre agosto de 2005 e fevereiro de
2006 atuou como chefe do Departamento de Antropologia no IFCH, no qual buscou obter
novas contratações ao departamento, de modo a equipará-lo aos demais centros de
excelência, como a USP, Museu Nacional, UnB e a Universidade Federal de Santa Catarina,
bem como outras atividades voltadas à gestão do departamento (LEA, 2010, p.44).

Concernente à coordenação de grupos de trabalho e simpósios, a autora ressalta sua


coordenação de GT na ABA em 2008 e um simpósio realizado em Sevilha, Espanha. A partir
de 2001, apresentou trabalho em dezenove congressos, simpósios e reuniões científicas, no
Brasil e no exterior. No que diz respeito ao ensino de inglês e trabalhos de tradução, fora as
experiências já mencionadas, ressalta sua atuação junto à delegação de Maori da Nova
Zelândia à UNICAMP, no final de 2001, onde traduziu para os perfomers e para os
debatedores da delegação no IFCH (LEA, 2010, p.45). A autora também cita rapidamente
seu trabalho fotográfico, em 1983, juntamente com Eduardo Viveiros de Castro, na exposição
do MASP de São Paulo e no MAM do Rio de Janeiro, intitulada “Alguns Índios”.

Por último, mas não menos importante, Lea reforça que os esforços intelectuais
empreendidos em sua carreira foram, até a atualidade do memorial, na etnografia dos
Mebengokre, chamando atenção para a enorme quantidade de dados de pesquisa ainda não
processados. Como perspectivas, cita a “pretensão de uma abordagem mais aprofundada
sobre os vínculos entre as casas e mitologia e a amizade formal e a questão da aliança
matrimonial, respectivamente, temáticas que iniciou em 1987 e 1990” (LEA, 2010, p.46).
Na mesma toada, iniciou um estudo comparativo entre amizade formal em todas as
sociedades Jê, tendo em vista uma tese de livre docência, que resultou na publicação de um
enfoque mais delimitado num modelo hipotético de aliança matrimonial Mebengokre, nas
filhas das amigas formais como cônjuges virtuais. A autora pretende também, após a
publicação de seu livro, "digitalizar as genealogias e incorporar dados dos censos realizados
em 1987, 1994-5 e 2002”. (LEA, 2010, p.46).

Em síntese, a pesquisa de Vanessa Lea tem como enfoque a organização social, temas
de matrifocalidade, matrilinearidade, uxorilocalidade e o mito do matriarcado. No que diz
respeito a etnologia brasileira, a autora considera que a área se encontra num momento de
crise:

[...] gerada, indiretamente, pela democratização da sociedade,


acompanhada pela evolução da relação das populações indígenas
com a sociedade nacional. Aos poucos os índios passam de
tutelados a donos da palavra. Cada vez mais são as lideranças as
porta-vozes de suas comunidades e não mais os antropólogos. Isto
pode ser constatado nos filmes etnográficos. Na década de 1960,
por exemplo, em um documentário sobre sal indígena, os índios
foram filmados, mas não falaram nada, enquanto hoje em dia eles
estão fazendo seus próprios vídeos. (LEA, 2010, p.47)

A autora destaca também para o processo de assimilação da noção de cidadania no


Estado brasileiro pelos Mebengokre, bem como uma consciência de seus direitos quanto à
saúde, terra e educação. De modo que uma nova geração de líderes incorporou a linguagem
dos direitos coletivos, se autopromovendo através das associações indígenas. Contudo, para a
autora, os líderes sofrem da tirania dos projetos e da burocratização, que dissipam as energias
reivindicatórias das lideranças (LEA, 2010, p.47).

É simbólico para a autora uma metamorfose na assimilação dos Mebengokre, que


passam a assimilar a ideia de que são índios e também brasileiros, ainda que permaneça
nebulosa a distinção entre direitos coletivos e individuais. A autora também chama atenção
para a hostilidade dos indígenas perante os antropólogos, observada na ocasião em que
ministrou cursos de formação de professores bilíngues que ministrou em 1998 e 2002.
Juntamente com os linguistas, fotógrafos e missionários, eram vistos como predadores dos
conhecimentos indígenas. Para Lea:

[...] Isto tende a ser exacerbado pelo destaque crescente às


questões de biopirataria, propriedade intelectual e imaterial, e pela
reificação de cultura nos meios de comunicação de massa
(especialmente os jornais e a televisão). Na minha estadia na
França, em 2005, notei que a reificação da cultura não é apenas
uma questão brasileira. Um artigo no jornal Le Monde postulava que
a cultura europeia se diferencia da cultura americana, destacando
valores como solidariedade e fraternidade. E pouco tempo depois o
canal BBC, da televisão britânica, discutiu a necessidade de integrar
sua população muçulmana, com os mesmos argumentos que são
usados no Brasil a respeito das populações indígenas (LEA, 2010,
p.48)

Atualmente, a autora reconhece uma melhoria nesse cenário, com os povos indígenas
tendendo a ver os antropólogos como uma ajuda na obtenção de melhorias e no pleito de
melhorias nas áreas de educação, saúde e defesa de terras. Para Lea, ainda que a linguística
tenha sofrido um boom, a etnologia passa por uma crise identitária, visto a consciência
antropológica de que a cultura não é reificada, estando assim num processo de reformulação
constante. Numa perspectiva teórica, a autora comenta se interessar pela questão da
conciliação entre os polos cidadania e economia globalizada, temática que pediria uma
investigação intercultural que vá além de proselitismos neoliberais (LEA, 2010, p.48).

Segundo Lea:

[...] a noção de cidadania supostamente transcende a questão de


gênero e a UNESCO destaca atualmente a importância da educação
para mulheres, visando consolidar a igualdade de oportunidades
para ambos os sexos. No entanto, a sociedade mẽbêngôkre
continua praticando segregação sexual. É questionável a
necessidade de intervir para modificar essa situação, algo que
entraria em choque com o direito (amplamente reconhecido) de
autodeterminação. Cabe ao antropólogo apenas discutir tais
questões com a comunidade, delegando a ela a solução (LEA, 2010,
p.49)
Outro ponto importante é a percepção da autora de proselitismos no que diz respeito
às dinâmicas das sociedades indígenas, que se encontram numa delicada posição entre os
direitos humanos universais e o direito à diferença, questão recorrente quando o assunto
são minorias étnicas indígenas. Na mesma linha, a autora argumenta que a educação escolar
indígena, bem como a legislação universal em si, se encontra sustentada por pilares
euro-americanos (LEA, 2010, p.49-50). Para a autora, a febre desenvolvimentista é
equivalente ao zelo missionário de converter os indígenas ao cristianismo, responsável por
criar uma ponte entre os proponentes do desenvolvimentismo e os indígenas por meio da fé
quase religiosa em melhorias:

Não pretendo negar que modificações e melhorias possam ser feitas


[...] o problema é que a maioria das mudanças, como a introdução
da educação escolar, acaba exacerbando a diferenciação
socioeconômica nas comunidades indígenas, fomentando a
formação de novas elites. O hiato crescente entre os ricos e os
pobres, uma característica de grande parte do mundo
contemporâneo, acaba sendo assimilado pelos índios. Numa
primeira fase, os índios foram obrigados a tornarem-se cada vez
mais sedentários, uma das estratégias da sociedade colonial e,
subsequentemente, do Estado nacional para apoderar-se de vastas
extensões de suas terras. Atualmente, a depredação dos recursos
naturais – a floresta, a fauna, os rios e até o subsolo, está levando
ao empobrecimento dos índios. Isso está resultando na sua
conversão em necessitados de assistencialismo ao sucatear sua
herança de conhecimentos relativos à biodiversidade que
caracterizam a Amazônia, seja na floresta ou no cerrado (LEA, 2010,
p.50).

Por fim, quantos as projeções futuras de pesquisa, Lea pretende disponibilizar seu
livro para a língua inglesa, redigir um artigo sobre os termos triádicos, bem como
desenvolver projetos voltados para o desenvolvimento da educação e as implicações da
desigualdade, tanto entre homens e mulheres quanto indígenas (LEA, 2010, p.51). Além
disso, pretende organizar um banco de dados multimeios e transcrever seus diários de campo,
além de perspectivas de uma pesquisa sobre a escrita criativa dos povos indígenas brasileiros
e, ainda mais distante, porém dentro do horizonte da autora, pesquisar sobre a Nova Zelândia
e a literatura Maori.

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