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Cesario Verde
Cesario Verde
Cesario Verde
A cidade surge como um espaço que se opõe ao campo. O espaço urbano é visto como
opressivo e destrutivo (por exemplo, nos poemas «Num bairro moderno» e «O sentimento
dum ocidental»), tanto para o sujeito poético como para os populares que para aí se
deslocam em busca de melhores condições de vida, na sequência do enorme êxodo rural
que ocorreu nesta época. Em contrapartida, o campo é perspetivado como um local de
liberdade — sendo que o espaço rural não é idealizado, mas descrito de forma realista e
concreta.
Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, são feitas referências
frequentes ao campo — como que a lembrar que a vocação do ser humano se orienta para
uma vida harmoniosa e natural, que só no campo se encontra, e que a vida na cidade o
desumaniza. Deste modo, no espaço urbano há sempre um desejo de evasão para o
campo.
A oposição cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade está
associada à ausência, impossibilidade ou perversão do amor, o campo representa a
possibilidade de vivência plena dos afetos.
DEAMBULAÇÃO E IMAGINAÇÃO: O OBSERVADOR ACIDENTAL
Consciente da sua arte, Cesário afirma: «Pinto quadros por letras, por sinais». É, de facto,
um poeta-pintor, e aos seus quadros não falta perspetiva, as coisas vão-se distribuindo por
planos sucessivos e fragmentários. Em «O sentimento dum ocidental», onde o poeta é
personagem deambulante, um observador ocasional, acumulam-se notações espaciais e
sensoriais. Os quadros são por vezes dinâmicos, quer pelo movimento da «câmara» do poeta,
que se desloca, quer porque há figuram que perpassam ou avançando, entram subitamente no
campo de visão. Verbos como sair, errar, embrenhar-se, seguir, usados na primeira pessoa,
caracterizam esta poesia errante.
O único modo de falar do real é falar poeticamente dele. O trabalho do poeta é, assim, crucial:
ele será o que vê, na realidade com que se cruza, aquilo que ela é, mais sobre o real,
percebendo-o como traços dos outros reais que ele transporta consigo. Não podemos deixar de
sublinhar a importância decisiva do sujeito poético como sujeito simultaneamente que vê e que
imagina. O poeta, deambulando pelo cenário urbano, torna-se permeável a todos os
encontros do inesperado, e elege para si o papel por excelência do observador, poucas vezes
interferindo ativamente de uma outra forma que não seja a de um percurso com
distanciamento crítico que o faz aceder à atividade da observação. Trata-se entretanto de um
sujeito-observador que, moderno, se coloca perante essa observação: aquele que se observa
a observar.
Cesário Verde representa nos seus versos a cidade (e o campo) através do registo de perceções
sensoriais: embora predominem as referências visuais, o eu lírico caracteriza também o espaço
urbano pelas constatações que lhe chegam através do ouvido, do olfato e do tato. A
caracterização da cidade é feita enquanto o eu lírico caminha pelas ruas, anotando em
movimento o que vê, ouve, cheira e sente. O facto de deambular permite-lhe uma perceção
dinâmica e um conhecimento mais completo da realidade urbana, na medida em que
passa por vários lugares e encontra diferentes personagens.
Mas Cesário não se contenta em apresentar a realidade «como ela é», ou seja, de forma
«objetiva». O sujeito poético coloca a sua subjetividade nessa descrição e fá-la acompanhar de
insinuações apreciativas. Esse olhar subjetivo sobre o real e a cidade concretiza-se em vários
casos numa representação imaginativa das figuras, dos elementos e dos espaços que são
descritos. Por outro lado, a imaginação criativa e a subjetividade do sujeito poético manifestam-
se também na utilização da técnica impressionista para representar a realidade. Tal sucede
quando a caracterização de um lugar ou de uma personagem é inicialmente definida por
características suas (normalmente associadas à luz e à cor) que o observador perceciona para
só num segundo momento esse elemento ser identificado.
→ A memória épica aparece subvertida pelo tom eufórico com que o poeta olha pata as
glórias marítimas do passado fazendo-as contrastar com a trivialidade do presente. Às
soberbas naus das Descobertas opõem-se agora uns tristes botes atracados no cais. Também
no largo que hoje ostenta com o nome de Camões, o poeta refere o «recinto público, vulgar»,
em contraste com a imagem do passado heroico na descrição da estátua de Camões: «Brônzeo,
monumental, de proposições guerreiras»
A PERCEÇÃO SENSORIAL E TRANSFIGURAÇÃO POÉTICA DO REAL
Perceção sensorial
Programaticamente realista e naturalista, e, até, materialista, a intrínseca necessidade impunha
que a poesia de Cesário tendesse para o percecionismo. Com efeito, olhar e ver, ouvir e
entender, cheirar e apreciar, entre outros, eis aí como que um dos pontos de partida da estesia
(estética) do autor. Os cheiros, os sons, as cores e, nalguns outros casos, as impressões táteis
conjugam-se, mas sempre em termos de uma irremediável frustração: a da «pintura».
→ O real, apreendido pelos sentidos, é transfigurado pela arte, que ora o recompõe
tornando-o mais belo - como a bela vendedeira de legumes transformada, pela «visão do
artista», num «corpo de belas proporções carnais» - ora acentua os tons sombrios ou os odores
desagradáveis da cidade, como sucede com as «sombras», a «soturnidade» e o «gás
extravasado». Esta transfiguração pode ainda identificar-se em metáforas sugestivas como os
«mestres carpinteiros» vistos como «morcegos», ou as varinas como um «cardume negro».
→ O vocabulário surpreende pela raridade e por algum prosaísmo, e serve o verso alexandrino
(12 versos) - o mais frequente nos seus versos. As estrofes mais utilizadas são a quadra e a
quintilha, construídas em esquemas regulares, com rigor métrico e rimático muito elevado.
Um número considerável das suas produções poéticas possui uma estrutura narrativa. Os
recursos expressivos mais frequentes são a comparação, a enumeração, a hipérbole, a metáfora
e a sinestesia. Salienta-se também o uso expressivo do adjetivo e do advérbio.
RESUMINDO