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Gorchi 2008

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número: 88/2008

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS


INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL
E DINÂMICA TERRITORIAL

FERNANDA NASCIMENTO CORGHI

Urbanização e segregação sócio-espacial em Bauru(SP):


Um estudo de caso sobre a Bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida

Dissertação apresentada ao Instituto de


Geociências como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Geografia

Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Vitte

CAMPINAS - SÃO PAULO


Agosto - 2008

i
© by Fernanda Nascimento Corghi, 2008

Catalogação na Publicação elaborada pela Biblioteca


do Instituto de Geociências/UNICAMP

Corghi, Fernanda Nascimento.


C812u Urbanização e segregação sócio-espacial em Bauru (SP): um estudo
de caso sobre a Bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida /
Fernanda Nascimento Corghi-- Campinas,SP.: [s.n.], 2008.

Orientador: Antonio Carlos Vitte.


Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Geociências.

1. Planejamento urbano. 2. Movimentos sociais. 3. Ecologia


humana. I. Vitte, Antonio Carlos. II. Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Geociências. III. Título.

Título em ingles - Urbanization and socio-spacial segregation in Bauru (SP): a case study
the hydrographic basic of Água Comprida Stream.
Keywords: - Urban planning;
- Social movements;
- Human ecology.
Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial
Titulação: Mestre em Geografia.
Banca examinadora: - Antonio Carlos Vitte;
- Julio César Suzuki;
- Lindon Matias Fonseca.
Data da defesa: 29/08/2008
Programa de Pós-graduação em Geografia.

ii
DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado às crianças.


Sempre dispostas a aprender
e a transformar o mundo
em infinitas criações melhores.

iv
AGRADECIMENTOS

Agradecer a todos os que colaboraram com a formação deste trabalho seria


tarefa por demais extensa, que exigiria um retrospecto de vida e de experiências
anteriores igualmente edificantes para a formação da pessoa que vos escreve hoje. Por
isso busquei me pautar nos agradecimentos dedicados aos novos amigos que fiz em
Campinas, aos pais e mestres que tive a oportunidade de conhecer nessa caminhada e
à FAPESP, que concedeu o apoio necessário para a efetivação do mestrado.
Inicialmente, gostaria de prestar homenagens sinceras ao orientador que tive a
oportunidade de conhecer e admirar, Antonio Carlos Vitte, pessoa de inteligência
inigualável, que me orientou também como avô dedicado e zeloso no trato para com os
meus filhos que nasceram durante o período de execução do mestrado. Sua orientação
perspicaz permitiu que esse trabalho se estruturasse e ganhasse corpo pautado numa
literatura rica, em discussões, trabalhos de campo e experiências edificantes.
Com especial carinho, agradeço aos amigos solícitos que se tornaram minha
segunda família aqui em Campinas, cuja participação ao longo dessa caminhada foi de
fundamental importância. Clécia Aparecida Gomes, segunda mãe de meus meninos e
amiga inteligente com a qual travei inúmeras discussões e compartilhamento de idéias.
Raul Reis Amorim, amigo que conheci desde o primeiro dia de exame classificatório
para o mestrado, com o qual compartilhei a vida acadêmica e a amizade sincera. A
cartografia geográfica que valoriza essas páginas é de sua dedicação e autoria.
Muitos seriam os citados, por isso me atenho novamente apenas aos nomes de
muita significância na formação, não somente de uma nova pesquisa, mas de uma
nova pessoa. Muito obrigada a todos do IGE, em especial, Val, Edinalva, Aline, Tati,
Rodrigo, Ivie, Joseane, Sérgio, Jéssica e Regina Bega; aos amigos da moradia
estudantil, entre eles, Soluna, Rosário, Senhor Campos, Kátia, Rosana, Mauro, Leila,
aos amigos Jean e Flor, professores da UNESP e funcionários da prefeitura de Bauru.
Ao ativista, professor e amigo José Aparecido dos Santos dedico a construção
deste trabalho, com especial ênfase ao registro histórico de luta da população, que
encontra neste professor tão prestativo, os esclarecimentos e meios técnico-científicos
para melhorar os rumos da cidade de Bauru. À professora, planejadora e sempre

v
estudante, Maria Helena Rigitano, agradeço os esclarecimentos indispensáveis ao
entendimento da prática de concatenar soluções teóricas e legislativas. Seus
ensinamentos, dentro e fora da academia foram uma experiência edificante.
Panini, Darlene, Reinaldo, Rose, Dona Alice, uno vocês todos num grande
abraço de agradecimento pela oportunidade de compartilhar uma parte da formação da
história de Bauru através de suas ações. O espírito inquieto dessas ilustres lideranças
fomenta e edifica no coração de tantos outros, a esperança de melhorar Bauru. A eles
não cabe a justificativa e o conformismo de que é “culpa do poder público” e graças ao
seu ímpeto ativo e à sua busca por melhorias na teoria e na prática, Bauru é mais
limpa, mais arborizada, mais humana, mais solidária, mais questionadora e lutadora.
Às crianças, em especial, as crianças do Jardim Nicéia, deixo minha especial
admiração pelo ímpeto criador e modificador. Em suas mãos o mundo ganha cores e
se torna brincadeira, e através de suas ações vislumbram-se possibilidades que os
adultos em geral, como eu, tem dificuldade de enxergar e fazer valer na prática. Em
suas mãos a erosão vira play-ground, o lago vira clube, o fundo de vale vira quadra, e a
alegria se contagia até mesmo por espaços considerados degradados. Se os adultos
como eu, passassem a enxergar o mundo com a criatividade, a inventividade e a
pureza de olhar que as crianças têm sobre o espaço, com certeza seria mais divertido e
feliz andar por estas ruas tão vazias de pessoas e tão cheias de carros, e por estes
fundos de vale tão abandonados e tão cheio de potencialidades. Agradeço às crianças
por me ajudarem a enxergar um mundo mais puro e com mais possibilidades e alegrias.
Acredito nas crianças como fonte inspiradora de solução à ação planejadora que deseja
se libertar de velhas amarras e posturas arraigadas.
Com especial carinho e de todo meu coração, dedico este trabalho à família, aos
meus filhos e ao meu marido querido, com os quais aprendo todo dia. O carinho e o
colo seguro que encontro em meio a eles, me dá o incentivo necessário para seguir em
frente. Esse trabalho é por vocês e sem vocês não faria sentido. Se hoje concluo essas
páginas é pela diferença que a minha família em minha vida. Em meus pais o apoio
sempre presente. Em meus sogros a dedicação. Aos parentes distantes, os votos de
confiança. A todos deixo um grande abraço de agradecimento. Mais uma vez obrigada.

vi
INDICE

1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ..................................................................... 1

2 OBJETIVO.......................................................................................................... 5

3 METODOLOGIA DE TRABALHO E EXECUÇÃO .............................................. 7


3.1 As observações da atividade no curso da ação 
3.2 As entrevistas 
3.3 A cartografia 

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .............................................................................. 13


4 URBANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CIDADE .............. 13
4.1 Valor de uso e valor de troca do solo urbano 
4.2 A influência do fordismo no novo tipo de sociedade 
4.2.1 Keynesianismo 
4.3 A urbanização da sociedade industrializada 
4.4 Do fordismo à acumulação flexível 

4.5 O espaço do atual momento histórico 
4.5.1 A organização regional
4.5.2 O planejamento urbano como desenvolvimento econômico 

5 URBANIZAÇÃO DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA BRASILEIRO ......... 29


5.1 As estratégias do planejamento militar  
5.1.1 O II Plano Nacional de Desenvolvimento 
5.1.2 Programa cidades médias
5.1.3 Desconcentração industrial 
5.1.4 A política habitacional do Brasil militar  
5.2 Modernização conservadora 


6 URBANIZAÇÃO BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 80 E 90............................ 42


6.1 As novas espacialidades
6.1.1 Arrebentação do padrão de urbanização: o espaço da fragmentação 
6.1.2 Loteamentos fechados: a expansão da ilegalidade 
6.2 Revoltas populares
6.3 Política urbana da década de 80 até os dias atuais


7 BAURU ............................................................................................................. 53


7.1 Clima e pluviometria  
7.2 Solo, relevo, litologia e geomorfologia  
7.2.1 Córregos e Rios
7.2.2 Assoreamento e a indústria das erosões
7.2.3 O problema do lixo 

vii
7.2.4 Depósitos tecnogênicos: a solução de fachada 
7.3 Grau de alteração da vegetação
7.4 O processo de urbanização de Bauru 
7.5 Planejamento urbano durante a ditadura
7.5.1 A indústria que não atingiu o esperado 
7.5.2 Movimentos sociais 
7.5.3 Núcleos Habitacionais e processo de favelamento
7.5.4 A didática da lógica especulativa 
7.6 Planejamento urbano durante o liberalismo econômico
7.6.1 O processo de verticalização 
7.6.2 O processo de segregação: loteamentos fechados 


ÁREA DE ESTUDO ........................................................................................ 103


8 Urbanização do córrego: produção da degradação e da exclusão................. 103
8.1 Características geomorfológicas da bacia 

8.2 Sobre o córrego da água comprida
8.2.1 Jardim Nicéia: um caso de exclusão
8.2.2 A origem 
8.2.3 Os caminhos da informalidade para as melhorias no bairro 
8.2.4 Disparates sócio-econômicos  
8.3 A luta pela regularização fundiária 
8.3.1 Os limites de atuação do plano diretor participativo 
8.4 A (re)produção da degradação: os loteamentos e as erosões  
8.4.1 A mobilização da população contra os danos ambientais 
8.4.2 Movimento socioambiental pela preservação da floresta 
8.4.3 Diretrizes do plano diretor participativo para a área

DISCUSSÃO .................................................................................................. 150


9 PLANEJAMENTO E DEMOCRACIA .............................................................. 150
9.1 O planejador como educador libertário 
9.2 Racionalidade Ambiental
9.2.1 Sustentabilidade ambiental  
9.2.2 Reapropriação social da natureza 


ANÁLISE DOS RESULTADOS....................................................................... 163


10 BAURU: CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 163
10.1 Plano Diretor Participativo 

10.1.1 Nicéia: do ativismo de bairro à mudança estrutural


10.1.2 Novas formas de se fazer política 
10.2 A verdadeira participação

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 178

12 BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 185


12.1 Referências bibliográficas  
12.2 Entrevistas temáticas  

viii
INDICE DE FIGURAS

Figura 5.1: Regiões administrativas e pólos regionais do Estado de São Paulo 1981-
1991 (adaptado de IBGE, 2006; BAENINGER, 2000)................................................... 36
Figura 7.1: Ilustração do índice de Vulnerabilidade Social do Município de Bauru com
destaque à localização do Jardim Nicéia (SEADE, 2000) ............................................. 56
Figura 7.2: Toposseqüência em arenito na Região de Bauru (adaptado de KERTZMAN;
DINIZ, 1995, p. 35) ........................................................................................................ 59
Figura 7.3: Mapa geomofológico e de sub-bacias do município de Bauru (PONÇANO,
1981 apud ALMEIDA FILHO, 2000, p. 37) .................................................................... 61
Figura 7.4: Situação da mata original no município de Bauru na cor laranja - campos de
altitude, encraves de cerrado, zonas de tensão ecológica, contatos (FUNDACÃO, 2006)
...................................................................................................................................... 76
Figura 7.5: Fragmentos de vegetação nativa no município de Bauru na cor verde
(FUNDACÃO, 2006) ...................................................................................................... 75
Figura 7.6: Ilustração dos conjuntos habitacionais (zonas leste, norte, oeste) e
loteamentos fechados (zona sul) (ALVES, 2001, p. 123). ............................................. 96
Figura 8.1: Loteamentos com data de aprovação na bacia hidrográfica do córrego da
Água Comprida (KLEIN et. al., 2005) .......................................................................... 107
Figura 8.2:Cabeceira de drenagem do córrego da Água Comprida ............................ 112
Figura 8.3:Clinografia da cabeceira do córrego da Água Comprida ............................ 112
Figura 8.4: Interferências que comprometeram as diretrizes do Plano Diretor de 1996,
com destaque aos condomínios verticais representados em laranja e cinza (adaptado
de ALVES, 2001)......................................................................................................... 116
Figura 8.5: Projeto da avenida entre os residenciais fechados instalados na cabeceira
margeando o córrego da Água Comprida (CORGHI et. al., 2006) .............................. 117
Figura 8.6: Disposição dos residenciais, do Jardim Nicéia e das erosões na cabeceira
da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida (CORGHI et.al., 2006) .............. 119
Figura 8.7: Configuração morfológica do Nicéia (modificado de ALVES, et. al, 2004)119
Figura 8.8: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para a ZEIS
onde se situa o Jardim Nicéia (BAURU, 2007 d)......................................................... 136
Figura 8.9: Cabeceira do Córrego da Água Comprida com destaque às ocupações
urbanas, erosões, antes das obras de correção, e nascente do córrego na cor azul
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005) ...................................................................................... 139
Figura 8.10:Ilustração da Carta Geotécnica com destaque para a voçoroca do Jd.
Colonial (CORGHI, 2005 adaptado de KLEIN et. al., 2005) ........................................ 139
Figura 8.11: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para as
Áreas de interesse ambiental na cabeceira do córrego da Água Comprida (BAURU,
2007 c) ........................................................................................................................ 149
Figura 8.12: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para os
Instrumentos urbanísticos na cabeceira do córrego da Água Comprida(BAURU, 2007 b)
.................................................................................................................................... 149

ix
INDICE DE FOTOS

Foto 7.1 e Foto 7.2: Erosões relacionadas à ocupação urbana (Cohab 16 e Cohab 25)
(ALMEIDA FILHO, 2000, p. 128, 156) ........................................................................... 67
Foto 7.3: Avenida Nações Unidas alagada na altura da Antártica (Fonte: JORNAL DA
CIDADE, 2005).............................................................................................................. 86
Foto 7.4: Carros no leito do córrego das flores canalizado em meio à avenida Nações
Unidas (Fonte: JORNAL DA CIDADE, 2005) ................................................................ 86
Foto 8.1: Obras realizadas pela Secretaria de Obras de Bauru, em meio aos
residenciais fechados na cabeceira do Córrego da Água Comprida, visando à
implantação futura da avenida (Fonte: F. N. CORGHI, 2005) ..................................... 117
Foto 8.2: Destaque para a diversidade de materiais presentes numa moradia (Fonte:
F.N. CORGHI, 2005) ................................................................................................... 120
Foto 8.3: Moradora levando materiais de construção para sua residência (Fonte: F.N.
CORGHI, 2005) ........................................................................................................... 120
Foto 8.4: Alguns barracos de madeira ainda resistem no bairro (Fonte: F.N. CORGHI,
2008) ........................................................................................................................... 122
Foto 8.5, Foto 8.6, Foto 8.7: Rural e urbano se misturam em meio ao Nicéia, onde é
comum se encontrar animais de grande porte (Fonte: F.N. CORGHI, 2007).............. 124
Foto 8.8: Infra-estrutura adquirida informalmente por esforços dos próprios moradores
do Nicéia (ALVES et. al., 2004, p. 6) ........................................................................... 127
Foto 8.9 e Foto 8.10 Lixo no antigo leito do córrego e um dos caminhos de
concentração de água pluvial afetado por processo erosivo (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
.................................................................................................................................... 127
Foto 8.11 e Foto 8.12: Destaque para a entrada e área de lazer de um dos loteamentos
fechados (Fonte: GSP, 2007) ...................................................................................... 129
Foto 8.13 e Foto 8.14: Muro que separa o residencial do Jardim Nicéia e sua entrada
principal (Fonte: F.N.CORGHI, 2007).......................................................................... 129
Foto 8.15: Uma das microáreas de lazer do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2008)
.................................................................................................................................... 130
Foto 8.16: Crianças no meio de uma rua do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
.................................................................................................................................... 130
Foto 8.17 e Foto 8.18: Área de lazer projetada informalmente para o bairro (CORGHI,
2005) é utilizada como retrato de parede na casa de Dona Alice, liderança no bairro
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005 ) ..................................................................................... 131
Foto 8.19: Assentamento em meio aos eucaliptos do Horto Florestal se apresenta
também como opção aos moradores do Jardim Nicéia (Fonte: F. N. CORGHI, 2008) 135
Foto 8.20 e Foto 8.21: Evolução da voçoroca do Residencial Chácara Odete e obras
paliativas como solução emergencial (Fonte: F. N. CORGHI, 2003, 2004)................. 141
Foto 8.22: Instalação dos dissipadores de energia em frente à Av: Antenor de Almeida,
de acordo com o projeto de contenção das erosões (Fonte: F. N. CORGHI, abr. 2004)
.................................................................................................................................... 141
Foto 8.23 e Foto 8.24: Obras de retificação do leito do córrego (parceria entre prefeitura
e particulares), onde o esgoto foi canalizado do lado direito da foto e a mina d´água foi
inicialmente represada e, depois drenada para se aterrar a voçoroca (Fonte: F. N.
CORGHI, 2005) ........................................................................................................... 141

x
Foto 8.25: A mina d’água represada virou área de lazer das crianças da região,
inclusive de bairros mais distantes da bacia, como o Redentor, Carolina e Geisel
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005) ...................................................................................... 142
Foto 8.26 e Foto 8.27: Assoreamento do canal e Incisões no terreno ao lado do
cachimbo nas obras da erosão do Chácara Odete (Fonte: CORGHI et. al., 2008) ..... 143
Foto 8.28, Foto 8.29 e Foto 8.30: Evolução da voçoroca do Jd. Colonial de 2002 a 2004
(Fonte: F. N. CORGHI)................................................................................................ 144
Foto 8.31 e Foto 8.32: Caminhões descarregando entulho na cabeceira da erosão do
Jd. Colonial e catadores de lixo próximos à tubulação de esgoto aberta (dez./2003) e
voçoroca já entulhada com camada de terra por cima dos entulhos (2005) (Fonte: F. N.
CORGHI) ..................................................................................................................... 144
Foto 8.33: Criança brincando nos taludes da erosão (Fonte: F. N. CORGHI, mar. 2004)
.................................................................................................................................... 145
Foto 8.34: Vista aérea da Floresta ameaçada (modificado de RODRIGUES, 2007).. 147
Foto 10.1: Diretrizes e apontamentos da população sendo feitos em reunião do Plano
Diretor diretamente sobre mapa do córrego da Água Comprida – setor 11(Fonte: F. N.
CORGHI, dez. 2005) ................................................................................................... 165
Foto 10.2: Reunião onde discute-se as diretrizes para a bacia hidrográfica do córrego
do Água Comprida (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005) ............................................... 166
Foto 10.3: Consolidação de um saber próprio dos munícipes sobre seu território
transcritos na forma de diretrizes urbanísticas (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005) ..... 166
Foto 10.4: Faixa pendurada na frente do Jardim Nicéia durante a tentativa de remoção
(Fonte: F.N. CORGHI, 2007) ....................................................................................... 168

INDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 7.1: Distribuição da população, segundo grupos do Índice Paulista de
Vulnerabilidade Social-IPVS/Estado de São Paulo e município de Bauru (SEADE, 2000)
.........................................................................................................................................56
Gráfico 7.2: Comparação dos dados anuais com a média do período de 1940-1997-
Posto D6-036 (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 85)................................................................58
Gráfico 7.3: Voçorocas na área urbana (ALMEIDA FILHO, 2000)..................................67
Gráfico 7.4: Produção de conjuntos habitacionais entre as décadas de 60 e 80 ..........94
Gráfico 7.5: Quantidade de edifícios entre as décadas de 40 e 90 .............................100

INDICE DE MAPAS
Mapa 7.1: Localização do município de Bauru no Estado de São Paulo e no Brasil......54
Mapa 8.1: Localização da bacia Hidrográfica do Córrego da Água Comprida no
município de Bauru .......................................................................................................103
Mapa 8.2: Mapa da Bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida com avenidas,
alguns bairros e rodovia................................................................................................104
Mapa 8.3: Mapa de compartimentos altimétricos do Córrego da Água Comprida com
destaque para área de estudo......................................................................................109
Mapa 8.4: Mapa clinográfico do córrego da Água Comprida com destaque para área de
estudo............................................................................................................................110

xi
INDICE DE TABELAS

Tabela 6.1: Principais diferenças ente loteamentos e condomínios .............................. 48


Tabela 7.1: Características das sub-bacias................................................................... 62
Tabela 7.2: Microbacias do Rio Bauru, número de habitantes e de voçorocas............. 63
Tabela 7.3: Redução da cobertura natural .................................................................... 75
Tabela 7.4: População dos principais municípios e Centros Urbanos na Região de
Bauru de 1920 - 1934.................................................................................................... 78
Tabela 7.5: Taxas de crescimento anual geométrico de Bauru (1950-1980) ................ 79
Tabela 7.6: Evolução dos setores na Região Administrativa de Bauru ......................... 80
Tabela 7.7: População residente por sexo e situação no município de Bauru .............. 81
Tabela 7.8: Nº de estabelecimentos e de pessoal ocupado por setor em Bauru .......... 88
Tabela 7.9: Núcleos habitacionais surgidos em Bauru ente 1966 e 1987 ..................... 93
Tabela 7.10: Produção de edifícios em Bauru por pavimentos ................................... 100
Tabela 7.11: Produção de loteamentos fechados em Bauru....................................... 102
Tabela 7.12: Loteamentos fechados em Bauru ........................................................... 102
Tabela 8.1: Tipos de ocupação do Córrego por nome e data de aprovação............... 106
Tabela 8.2: Origem do loteamento Jardim Nicéia........................................................ 122
Tabela 8.3: Acréscimo do número de barracos entre 1992-1993................................ 125
Tabela 8.4: Renda da população do Jardim Nicéia ..................................................... 129
Tabela 8.5: Grau de escolaridade dos moradores do Jardim Nicéia ........................... 129

xii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL
E DINÂMICA TERRITORIAL

Urbanização e segregação sócio-espacial em Bauru(SP):


Um estudo de caso sobre a Bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida

RESUMO
Dissertação de mestrado
Fernanda Nascimento Corghi

Esta pesquisa se fundamenta na hipótese de que a produção do espaço urbano


de Bauru é produto da relação complexa entre características do meio natural e
interações antrópicas em sítio urbano. Por isso, este projeto vem de encontro aos
processos de disputa territorial que emergem do espaço urbano desigual na cabeceira
da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida, sobre a qual se objetiva analisar o
processo de formação desigual, de acordo com a lógica de urbanização do município e
do Brasil. Bauru é um centro sub-regional do Estado de São Paulo, e como tal,
reproduz em seu território o modo de produção capitalista segregador, o que o torna
palco de constantes lutas de classes. Os debates sobre a reforma urbana se acentuam
no espaço urbano contemporâneo, pois os enclaves fortificados e as favelas, como
expressão da concentração do capital são, expressão da lógica de divisão territorial e
da (re)produção do complexo social. A área estudada chama atenção por apresentar
uma complexa fragmentação territorial e um histórico de degradação ambiental, onde
uma relativa concentração de condomínios fechados se dá em meio a um
assentamento de baixa renda não regularizado e a remanescentes florestais com vistas
a serem loteados, apesar do interesse contrário da comunidade. A ocupação irregular,

xiii
denominada Jardim Nicéia, teve origem durante o governo militar (1964-1988), governo
que busca desenvolver o capitalismo, porém não investe em política social. O processo
de favelização surgiu como sintoma de parte dos migrantes que não tinha condição de
financiar uma casa pelo sistema de financiamento da habitação e invadiu áreas
institucionais. O Nicéia se enquadra neste processo e, atualmente se encontra em
contraste fronteiriço e temporal aos loteamentos fechados que surgiram depois da
década de 90, ligados às novas centralidades, cuja idealização se encontra no modelo
de cidade que surgiu a partir da intensificação da globalização. A relação centro
periferia muda. As novas periferias urbanas são formadas por condomínios,
loteamentos, shopping centers, e o Nicéia surge como resquício da ditadura em meio a
essa nova lógica processual. Para a constituição do presente projeto procurou-se
participar do processo de luta dos ativistas da bacia, observando, fornecendo dados, e
registrando sob a forma de entrevistas a atuação dos envolvidos. As alterações físicas
foram registradas sob a forma de fotografias. A cartografia se baseou em fotos aéreas e
mapas de altimetria, clinografia e geotecnia para analisar como o processo de
urbanização se desenvolveu no sítio urbano. A bibliografia permitiu contextualizar os
movimentos no processo de urbanização brasileira e compreender a luta pela
racionalidade socioambiental no mundo contemporâneo. Os movimentos sociais
estudados lutam por interesses, aquém da mera racionalidade econômica e graças a
eles, a mata que já poderia estar loteada, hoje continua preservada, e a ocupação
irregular em meio aos condomínios, que já poderia ter sido removida, encontra-se em
franco processo de usucapião especial. Os movimentos socioambientais se pautam nas
diretrizes do Plano Diretor Participativo e continuam dispostos a lutar pela
reapropriação social da natureza, mesmo sem a aprovação da Câmara Municipal.

Palavras-chave: Planejamento urbano; Movimentos sociais, Ecologia humana.

xiv
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL
E DINÂMICA TERRITORIAL

Urbanization and socio-spacial segregation in Bauru (SP):


a case study the hydrografic basic of Água Comprida Stream

ABSTRACT
Master degree dissertation
Fernanda Nascimento Corghi

This research is based on the hypothesis that production of urban space of Bauru
is product of complex relationship between characteristics of the natural environment
and antropical interactions in the urban area. Therefore this Project is linked with the
processes of territorial dispute which emerge from the unlike urban space in the origin of
the hydrographic basin of Água Comprida stream, on which it intends to analyze the
process of unequal formation, according to the logic of urbanization of the county and of
Brazil. Bauru is a sub-regional center of the State of São Paulo, and as such,
reproduces in its territory the type of segregational capitalistic production, which turns it
into a scenario of constant class struggles. The debates on urban reform are intensified
on the contemporary urban space, since the fortified residential areas and the
shantytown, as demonstration of the concentration of capital are an expression of the
logic of territorial division and of the (re)production of the complex social situation. The
study area is distinguish for its complex territorial fragmentation and a history of
environmental degradation, where a relative concentration of closed condominiums are
located in the midst of an unregulated low-income settlement and a remaining forest in
order to be parceling, in spite of the community’s disapproval. The illegal occupation,

xv
called as Jardim Nicéia, originated during the military government (1964-1988) that
seeks to develop capitalism, but does not invest in social policy. The “ghettoing” process
emerged as a symptom from the migrants who had no means of financing a house
through the housing finance system and invaded institutional areas. The Nicéia fits in
this process, and currently is in contrast both of terms of boundary and season with the
closed lotting areas which surged after the 90s, linked to the new centralities areas,
whose idealization is the model city that emerged from the intensification of
globalization. The center-periphery relationship changes. The new urban peripheries are
formed by condominiums, lots, shopping centers and the Nicéia appears as a remaining
of dictatorship period among this new logic procedural. For the constitution of this
project attempts were made to participate in the fighting process together with the
activists of the basin, observing, providing data, and forming interviews with the people
involved. The physical alterations were registered in the form of photography. The
cartography was based on aereal photos and maps of altitude, slope and geotecnics in
order to analyze how the urbanization process has developed in the urban area. The
bibliography has contextualized the movements in the process of Brazilian urbanization,
as well as the understanding of the struggle for socio-environmental rationality in the
contemporary world. The social movements studied have interest struggles, which are
mainly linked to economic rationality, and thanks to them, the forest which could have
been parceling, continues today preserved, and illegal occupation among the
condominiums, which might already have been removed, is a free process of Land
Ownership. The socio-environmental movements are guided in the regulations of the
Participative Master Plan and still willing to fight for social relocation of nature, even
without the approval of the city council municipal.

Keywords: Urban planning, Social movements, Human ecology.

xvi
1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Os debates sobre a reforma urbana se acentuam no espaço urbano


contemporâneo. A forma de organização interna das cidades, em especial das
metrópoles, reproduz o antagonismo do uso do capital concentrador em determinadas
partes do território. A renda fundiária urbana se divide em proprietários e não
proprietários, solos com valor ou sem valor para a (re)produção do capital. Os
processos de concentração e centralização dependem da viabilidade “econômica” do
espaço, ou seja, o que se pretende realizar e os investimentos agregados ao solo,
dentre eles infra-estrutura e estradas.
Os enclaves fortificados, ou condomínios fechados, como expressão da
concentração do capital, são da mesma forma que as favelas, expressão da lógica de
divisão territorial e da (re)produção do complexo social. O espaço das cidades grandes
não é o melhor espaço para o ser humano, o que a torna um palco de constantes lutas
de classes, sob a forma de movimentos sociais urbanos, com a invasão de terrenos,
reivindicações ambientais e sociais, na luta por melhores condições de vida, e outros.
Bauru, como um centro sub-regional de destaque é um exemplo desse modo de
(re)produção da “paisagem desigual”, tal como outros centros onde o fenômeno capital–
espaço se expressa mais intensamente.
Bauru, centro interiorano do Estado de São Paulo, assiste a batalha da
população pela legitimação das diretrizes do Plano Diretor Participativo que ela própria
formulou e que foram redigidas sob a forma de diretrizes urbanísticas sob auxílio de
técnicos. Os “representantes do povo” no cenário político, porém, mantêm o Plano
Diretor participativo sem aprovação desde 2006, primeiro prazo estipulado pelo
Ministério das Cidades para a entrega do plano. Mesmo assim as diretrizes formuladas
com a participação da população subsidiam ações de cunho social e de preservação do
patrimônio ambiental.
As reuniões e as conferências realizadas entre população, órgãos públicos e
profissionais liberais, permitiram e permitem que o embate entre os diversos agentes
sociais fomentem um saber próprio do município de Bauru. Através de inúmeros
trabalhos de campo se teve a oportunidade de vivenciar encontros acalorados entre os

1
agentes responsáveis pelo processo de urbanização do município e de se acompanhar
“in loco” os resultados positivos dessa integração.
Nosso foco de estudo se concentra sobre o território da cabeceira da bacia
hidrográfica do Córrego da Água Comprida, um território tão fragmentado que convivem
lado a lado, uma favela "meio" urbanizada, em processo de usucapião; três
condomínios residenciais fechados, dos quais dois foram os responsáveis por agravar o
processo de degradação do fundo de vale do córrego e um remanescente vegetal com
possibilidade de ser desmatado para a construção de mais um residencial, mas que
encontra a resistência da comunidade para se efetivar.
Desde que se deu a maior abertura política para a participação popular nas
diretrizes de planejamento do município de Bauru, as mudanças espaciais ocorridas no
território urbano da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida, comprovam que
as mudanças positivas correspondem aos anseios da população através de ativismos e
movimentos sociais pela reapropriação socioambiental na cabeceira do córrego.
Mudanças estas que foram monitoradas desde 2003 através de trabalhos de campo e
registros fotográficos e, atualmente, foram subsidiadas pelas diretrizes urbanísticas do
Plano Diretor Participativo.
No território estudado, encontra-se uma relativa concentração de condomínios
fechados em meio a um assentamento de baixa renda e a remanescentes florestais.
Apesar da ordem econômica geralmente se sobrepujar a qualquer racionalidade
ambiental, os movimentos que hoje emergem dessa fragmentação espacial lutam pela
racionalidade ambiental e são justamente contrários a essa tendência.
O movimento social pela Preservação da Floresta urbana do Córrego da Água
comprida quer a todo custo evitar a implantação de um empreendimento residencial na
área da mata e, para tanto, se utiliza dos mais diferentes meios de lutar pela causa,
tanto institucionais quanto estratégias de propaganda e de recursos tecnológicos. Uma
parte desse trabalho, inclusive subsidia uma das ações nas instâncias públicas.
O processo de usucapião coletivo especial do Jardim Nicéia, favela urbanizada
entre os residenciais fechados, e vizinha próxima a mata citada, atualmente se encontra
em instâncias superiores do judiciário. Após a aprovação do Estatuto da Cidade,

2
prefeitura e associações comunitárias ofereceram o respaldo necessário à comunidade
do “bairro” para a aquisição da titularidade da gleba onde se situa.
O contexto de origem desse assentamento irregular, conhecida por favela do
Nicéia, remete ao Brasil militar das décadas de 60 e 70, quando há um grande afluxo
de migrantes para as cidades em busca de oportunidades de emprego. Bauru como
pólo sub-regional polariza parte desse contingente, sem, contudo prover essa
população. Essa tendência da cidade industrial de economia planificada se liga aos
movimentos internacionais em torno do “consumo”, cujos reflexos são a proliferação de
favelas e migrações.
Os primeiros que chegaram ao Jardim Nicéia, em fins da década de 60, e
mesmo os que chegaram até meados da década de 90 viveram sob finas tábuas de
madeira, e materiais rústicos, sem infra-estrutura. As melhorias ao longo dos anos
foram sendo adquiridas informalmente, pela luta da própria população, que ao longo
dos anos conseguia trazer para o bairro o arruamento e os postes de iluminação, a
creche entre outras.
Mesmo assim, essa população não é a verdadeira dona da área. O risco de
perder a moradia motiva o sonho e a luta dos atuais moradores do Jardim Nicéia,
principalmente os mais antigos, pela posse do lote. A legislação do Estatuto da Cidade
fornece subsídios para que a população do Nicéia saia da posição de ocupação
“irregular” para se tornar a autêntica dona da área, regularizada juridicamente.
O movimento de preservação da mata nativa vizinha ao Jardim Nicéia conta com
a representação deste “bairro” também em sua luta contrária a urbanização da área da
mata próxima. Pelo histórico de implantação dos residenciais fechados próximos sabe-
se que a alteração do ecossistema local pode levar a feitos erosivos danosos. Desde
2003 essa área já contava com pequeno processo erosivo que após a implantação dos
residenciais fechados se ampliaram vertiginosamente, ocasionando grande arraste de
solo e agravamento do processo de assoreamento do córrego.
No período de 2003 a 2005 conduzia-se um projeto de iniciação científica sobre
essa problemática, que permite que atualmente se tenha um histórico de
desenvolvimento das erosões, tanto pelo trabalho de campo, quanto pela atuação
voluntária dentro dos órgãos competentes. Este trabalho, inclusive, subsidia ações dos

3
ativismos no sentido de fornecer também um histórico das conseqüências decorrentes
da urbanização.
A área, com potencial como área de lazer, já utilizada pela população da região,
contou com a intervenção da população local mais AGB (Associação dos Geógrafos
Brasileiros) para que a retificação das erosões fosse efetuada por particulares e poder
público de maneira diferente da habitual de se enterrar com entulhos e lixo as erosões.
Os mesmos agentes sociais que lutaram para que as erosões fossem corretamente
corrigidas se encontram atualmente solidários ao movimento de preservação da mata
próxima aos feitos erosivos, já que uma associação de bairros lidera o movimento
apoiada por ONGs e recursos de informação.
Já em fins de 2003 verificava-se a mobilização popular como única alternativa
para barrar o vício de administração pública para com o manejo das áreas degradadas
e até mesmo para com o processo de ocupação do solo urbano por vias legais, que
ainda não garantem que interesses socioambientais prevaleçam sobre interesses
particulares. As diretrizes do Plano Diretor Participativo pautam as ações dos
movimentos sociais do território estudado, mesmo sem terem sido aprovadas,
classificando as áreas do Jardim Nicéia e da mata nativa do córrego da Água
Comprida, respectivamente, como sendo de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e
ARIE (Área de Relevante interesse ecológico).
Dada essa problemática e a possibilidade de se acompanhar os movimentos
socais que se levantam frente aos avanços burocráticos se procurou estudar o território
da cabeceira do córrego da Água Comprida através do histórico dos movimentos
sociais, de entrevistas, e profissionais dos órgãos públicos, profissionais liberais,
participantes dos movimentos sociais pela preservação da mata nativa e pela
regularização fundiária do Jardim Nicéia. A revisão bibliográfica forneceu subsídio para
se situar o processo de urbanização da área em relação às mudanças ocorridas em
Bauru e no Brasil. O fim desses ativismos ainda é incerto, porém o processo conta com
um verdadeiro resgate da cidadania por parte dos envolvidos.

4
2 OBJETIVO

Esta pesquisa fundamenta-se na seguinte hipótese: a erosão dos solos no meio


urbano de Bauru é o produto de uma relação complexa entre as características do meio
natural e as formas de produção do espaço urbano de Bauru, calcada em vícios de
administração pública e diretrizes de planejamento, que nada tem de fiel ao plano
original, quando implantadas no sítio urbano.
A formação do espaço urbano desigual da cabeceira da bacia hidrográfica do
Córrego da Água Comprida, e os processos de disputa territorial presentes nesse
fragmento, apontaram como uma alternativa ao tecnocratismo, quando estudados os
avanços dessas mobilizações socioambientais em termos burocráticos e de
reapropriação sociambiental do espaço.
Constatada a problemática inicialmente citada e a solução ora presente,
pretendeu-se estudar a complexa fragmentação do território desigual da cabeceira
hidrográfica do córrego da Água Comprida, situando-a no processo de urbanização do
município de Bauru e do Brasil, como alternativa ao conformismo generalizado da
estrutura social vigente. Seria esta a maneira mais eficaz de tornar uma lei efetiva no
território urbano? A partir desses questionamentos, hipóteses e constatações
pretendeu-se:

a) analisar o processo de constituição do atual plano diretor do município de


Bauru-SP com ênfase na participação popular;
b) analisar o processo de participação da população que reside na bacia
hidrográfica do Córrego da Água Comprida;
Específicos
a) caracterizar o processo de Planejamento Urbano no Brasil;
b) caracterizar o processo de formação da urbanização em Bauru;
c) analisar o Plano Diretor atual de Bauru destacando como os aspectos de
espaço natural e a problemática das ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e
ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) são abordadas pelo Plano Diretor;

5
d) caracterizar os agentes sociais e a tecnoburocracia envolvida na constituição
do atual Plano Diretor Participativo;
e) analisar a participação popular na constituição do Plano Diretor;
f) analisar as propostas geridas pela participação popular quando da constituição
do atual plano Diretor com especial destaque para a gestão da questão
ambiental urbana.

6
3 METODOLOGIA DE TRABALHO E EXECUÇÃO

Este trabalho vem sendo desenvolvido desde 2003 pela autora, quando era
bolsista de Iniciação Científica CNPQ, cujo objetivo visava a estabelecer uma
correlação entre as características do meio físico e as diretrizes urbanísticas da cidade
de Bauru. Com a finalização desta iniciação científica e durante o processo de
constituição do presente projeto, entramos em contato com os moradores da Bacia do
Córrego da Água Comprida e verificamos que os mesmos já questionavam algumas
propostas da Prefeitura Municipal.
Um dos questionamentos dos moradores que nos chamou à atenção foi o fato de
os mesmos estarem percebendo que na maioria dos casos, a intensificação dos
processos erosivos na Bacia do Córrego Água Comprida estava associada à
constituição de condomínios fechados que estavam ocupando os principais divisores de
água do referido córrego e, assim, os moradores passaram a questionar o poder
público sobre o processo de aprovação de empreendimentos procurando revertê-lo ao
ponto de lutar contra a implantação de outro loteamento no remanescente de mata
local.
Outro fato relevante é a obrigatoriedade pelo Estatuto da Cidade de as
municipalidades constituírem Planos Diretores, com participação não somente da
tecnoburocracia das prefeituras, mas também com a participação da população e de
entidades da sociedade civil local, com audiências públicas.
A partir destas situações, Iniciação Científica, movimento espontâneo dos
moradores do Córrego Água Comprida e obrigatoriedade do Plano Diretor, passamos a
constituir o núcleo da problemática de nosso mestrado e conjuntamente a este
processo passamos a atuar na transmissão de informações acadêmicas, como por
exemplo, a noção de processo erosivo, qualidade geotécnica dos solos, projeto de
urbanização, o significado dos loteamentos fechados e a importância da bacia
hidrográfica na qualidade ambiental urbana para os moradores.
Isto na forma de cursos rápidos ou mesmo em conversas informais com os
líderes da comunidade e agentes da Prefeitura. Em outras palavras atuamos como
“assessoria” informal da comunidade, munindo-a de instrumentos técnicos e

7
procurando resgatar e chamar à atenção dos moradores para as suas próprias
experiências, fossem elas individuais ou coletivas, visando com isto à constituição e
solidificação de um “saber”, que permitisse aos moradores não somente questionar
certas posições oficiais do corpo tecnocrático da prefeitura de Bauru referente ao Plano
Diretor, mas também formular uma proposta alternativa àquelas. Uma parte dos
estudos formulados subsidiou ações de preservação da mata num dos órgãos
deliberativos do município, o CONDEMA.

3.1 As observações da atividade no curso da ação

Outro instrumento utilizado em nossa pesquisa foi e continua sendo o da


observação da atuação dos envolvidos e das alterações físicas ocorridas em campo.
Essas observações já garantiram uma interação mais intensa com os agentes
antrópicos, assim como favoreceram que fizéssemos indagações sobre os diversos
aspectos de suas atividades modificadoras do meio físico.
Como resultado, obteve-se dentre outras coisas, um conhecimento mais
detalhado das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores durante e após a
implantação do Plano Diretor Participativo, principalmente do setor menos favorecido da
bacia Hidrográfica do Córrego da Água Comprida, bem como do conjunto de problemas
e de estratégias que ocorreram em seu cotidiano com as novas diretrizes.
A soma dos recursos anteriores com a possibilidade de continuação da pesquisa
pretendeu qualificá-la como um importante caminho para o público em geral ter acesso
a dados fundamentais no monitoramento da situação do uso das terras na Bacia
hidrográfica do Córrego da Água Comprida, do uso de seus recursos naturais e da
garantia dos direitos de suas populações com a implantação do Plano Diretor
Participativo.

8
3.2 As entrevistas

Pretendeu-se elucidar com entrevistas as informações pertinentes aos sujeitos


envolvidos no processo de constituição do Plano Diretor Participativo, nos ativismos e
movimentos sociais da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida. O roteiro de
entrevistas foi determinado de acordo com as questões pertinentes ao trabalho dos
envolvidos e com o desenrolar dos acontecimentos, desde a opinião pública, até o
interesse político e acadêmico. Em nosso processo investigativo procuramos entender
a seqüência histórica que insere o sujeito no contexto em que vive, por isso utilizamos
entrevistas individuais e coletivas, combinando questões pertinentes ao passado, e ao
processo histórico vivenciado e relacionado à realidade dos entrevistado (MEIHY, 1996,
p. 10).
(...) o que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações
é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas
de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo
tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações
de grupos determinados, em condições históricas, sócio–econômicas e
culturais específicas (MINAYO, 1996).

A metodologia da história oral (MEIHY, 1996) foi aplicada por se mostrar um


meio eficaz de documentar, interpretar e contextualizar a sociedade. Dessa maneira o
conjunto de ações dos “cidadãos comuns” constituiu um registro histórico importante do
processo de urbanização da cidade de Bauru, complementar à documentação escrita e
cartorial.
Tal como proposto por Meihy (1996), se deu especial ênfase à utilização de
Instrumentos de tecnologia como, gravador, câmera digital e computador para se
captar, transcrever e textualizar as experiências das pessoas que se dispuseram a falar
sobre os aspectos de sua vida e as questões pertinentes à realidade vivenciada. As
entrevistas resultaram numa análise social do bairro Jardim Nicéia, presente em nossa
área de estudo, e em esclarecimentos técnicos durante todo o decorrer do trabalho
pelos responsáveis dos órgãos públicos e profissionais liberais, além de permitir entrar
em contato com a percepção dos ambientalistas e ativistas atuantes no fragmento
territorial estudado.

9
Ainda conforme este autor, se optou por registrar o andamento das entrevistas
num caderno de campo logo após a rotina de trabalho. Portanto, o que vem a público é
um texto trabalhado pelo narrador, no qual se mantém o sentido intencional dado ao
conteúdo das palavras do entrevistado, e não necessariamente à transcrição perfeita de
palavras, por vezes carregadas de vícios de linguagem, erros de gramática e palavras
repetidas. Por isso, verificar-se-á ao longo da dissertação, um texto de predominância
do narrador. Determinou-se por utilizar a aplicação da teoria da amostragem no caso
das entrevistas realizadas no Jardim Nicéia, pela necessidade de confirmação das
seguintes hipóteses e questionamentos:

•a origem do bairro estar ligada a movimentos de expulsão do campo;


•descobrir se a atividade rural ainda é predominante entre os moradores;
•descobrir se os moradores foram para Bauru por movimentos de
migração nacional ou regional;
•contextualizar a origem do bairro com o movimento de urbanização
brasileiro ou regional.

Goode; Hatt (1952, p. 269-298) propõem o método da amostra intencional, no


qual se seleciona um grupo de pessoas para a entrevista com as características mais
adequadas para compor o quadro de respostas aos questionamentos que se almeje
responder. Dessa maneira, a atividade por demais extensa de se entrevistar todo o
complexo social do qual se pretende analisar é substituída pela seleção de um grupo
com características seletas, de maneira que este possa representar a realidade do
conjunto.
Dado os questionamentos, se optou por definir um grupo de entrevistados com
características semelhantes para a entrevista, dessa maneira, pais e mães, quando não
avós de família, que morassem no Jardim Nicéia, foram priorizados como fornecedores
de informações referentes à história do bairro, desde sua origem até o perfil atual. O
processo de escolha dos informantes se deu com a ajuda de colaboradores do bairro
que já conheciam o público local e também aleatoriamente dependendo do como a
pessoa se enquadrasse no perfil proposto (GOODE; HATT, op.cit.).

10
3.3 A cartografia

A cartografia foi elaborada no sentido de permitir uma leitura do trabalho de


campo fora do sítio estudado e mapas temáticos que elucidassem os dados de
clinografia, altimetria, geotecnia, planejamento e processo de urbanização na bacia
hidrográfica estudada. No que se refere à análise da representação, enfatizou-se o
recorte de uma área específica desta bacia para a correlação dos mapas e fotos aéreas
com a realidade vista “in loco”. Para a interpretação das diretrizes do Plano Diretor
ilustrou-se a área com os instrumentos proposto nas diretrizes urbanísticas.
O mapa de níveis altimétricos foi elaborado para gerar um modelo 3D com
auxílio do software Arc Sene pela interpolação dos layers “pontos cotados”,“curva de
nível”, e “limite municipal”. Optou-se por se dividir em seis classes os desníveis
altimétricos da bacia e do recorte territorial para melhor representação e identificação
das áreas com maior desnível altimétrico, áreas de topos e nascentes. A variação
altimétrica vai de 490 a 590 metros e os intervalos se dividem da seguinte maneira, de
490 a 510, 510 a 530, 530 a 550, 550 a 570, 570 a 590, 590 a 630 metros.
A mesma interpolação de layers permitiu elaborar o Mapa Clinigráfico da área
utilizado com o objetivo de caracterizar o grau de inclinação das vertentes, de acordo
com a metodologia proposta por De Biasi (1992) no qual a primeira classe (inferior ou
igual a 2%) representa áreas sujeitas a inundações; e a segunda classe (2,01-5%)
áreas dentro do limite urbano industrial, utilizado em trabalhos de planejamento urbano
efetuados segundo norma do IPT e Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande
São Paulo.
Visando a esse critério de análise delimitaram-se seis classes de declividade
distintas, cuja variação vai de inferior a 2 % a acima de 30 %. Os intervalos se dividem
em inferior a 2, de 2 a 5, de 5 a 12 de 12 a 20, de 20 a 30 e acima de 30%. A classe
que abrange as faixas de 5,01-12% define o limite máximo do emprego de
mecanização agrícola segundo a proposta de Chiarini e Donzelli (1973) citado por De
Biasi (1992). O intervalo de 12,01%-30% corresponde ao limite definido pela Legislação
Federal Lei 6.766/79, como área para urbanização sem restrições. No entanto para esta
pesquisa, optou-se por acrescentar intervalos de classe entre 12,01-20% e 20,01-30%
visando um melhor detalhamento da morfometria da área.
11
A última classe corresponde às áreas com declividade superior a 30,01% que
seguem as diretrizes da Lei 6.766/79, a qual define esta porcentagem como limite
máximo para urbanização sem restrições, a partir da qual os parcelamentos do solo
devem seguir diretrizes específicas para ocupação. As áreas de primeira classe
inferiores a 2% foram destacadas por serem mais propensas à inundações segundo De
Biasi (1992), mapa de fundamental importância nos estudos vinculados ao
planejamento do uso e ocupação das terras, além de constituir um documento
cartográfico que pode, somado a outros Mapas Temáticos, identificar áreas com
susceptibilidade a movimentos de massa.

12
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

4 URBANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CIDADE

Para se compreender a cidade deve se compreender o processo de urbanização


que levou à constituição do território em determinado período, visto que, a urbanização
remete à materialização da cidade no processo espaço-tempo.
Território é aqui compreendido não somente como as fronteiras territoriais, mas
também como o enfoque político, ao se considerar as macroestruturas de poder, de
valores instituídos na sociedade e das imagens que essa sociedade institui acerca dos
territórios que domina etc. Os territórios são “campos de força”, que só existem
enquanto durarem as relações sociais das quais eles são projeções espacializadas, e o
espaço é um instrumento de poder. A questão é quem domina, governa ou influencia
quem nesse espaço e como. As razões específicas para se desejar territorializar um
espaço e manter o controle sobre ele são várias, sempre ligadas ao substrato espacial
em seu sentido material e eventualmente, também, aos significados atribuídos às
formas espaciais (SOUZA, 2006, p.334-5).
A cidade ao longo da história tem se mostrado o dispositivo topográfico e social
que melhor propicia o encontro e a troca entre os homens, já que a proximidade e a
aglomeração multiplicam as interações no âmbito de uma sociedade. O par
urbanização-cidade nos possibilita compreender a cidade pelo seu movimento no
tempo e pela dialética rural-urbano ocorrida na divisão social e territorial do trabalho.
Por isso Sposito (2004, p. 61) afirma ser importante caracterizar o processo de
urbanização pelo qual passou a formação das cidades para se compreender as forças
que impulsionaram a formação do território. Nesse sentido, a cidade revela-se como
expressão de cada corte de tempo da urbanização e ao mesmo tempo, como somatória
desigual destes tempos, diferindo em modos de produção e de formações, como
escolha da sociedade em ação.

13
4.1 Valor de uso e valor de troca do solo urbano

A diferença entre valor de uso e valor de troca (SMITH apud HARVEY, 2006, p.
13, et. seq.) é um dos pontos de partida da economia política e de tributação ricardiana
assim como para o Capital (Marx). Harvey explica que para Marx as mercadorias têm
duplo valor, o de uso quando se destina a um uso particular e o de troca quando possui
uma relação dialética em relação a outras mercadorias.
Para Marx os aspectos da alienação universal presentes na mercadoria são
expressão das inúmeras relações sociais da qual ela é produzida e consumida, portanto
não se trata de dois conceitos separados e fixos. O método marxista coloca o solo em
relação dialética aos estudos geográficos e sociológicos, por constituir uma ponte entre
as abordagens espaciais e econômicas (dos problemas do uso do solo) (HARVEY,
1980, p. 134-5).
A sociedade urbana tem uma lógica diferente da lógica de mercadoria. O mundo
da mercadoria tem sua lógica imanente, a do dinheiro e do valor de troca generalizado
sem limites. O urbano se baseia no valor de uso e nos atos que se desenrolam no
tempo, tornando o espaço altamente significante. O processo industrialização-
urbanização, concebido numa relação dialética, tende a destruir a cidade e a realidade
urbana, ao subordiná-la a uma virtual predominância do valor de troca e da
generalização da mercadoria pela industrialização (HARVEY, ibid.; LEFEBVRE; 2001,
p. 82).
A troca e a equivalência reduzem a simultaneidade e os encontros ao mercado, à
racionalidade economicista e produtivista, cujo conteúdo ideológico está ligado ao da
produção industrial e do mercado de produtos. Uma racionalidade que nada tem de
inofensivo. É a partir do processo industrialização-urbanização que se situa a atual
problemática da cidade e da realidade urbana (do urbano) (HARVEY, 1980, p. 134-5).
O capitalismo transforma o espaço em mercadoria. Nesse sentido o volume de
investimentos fixado no território determina o valor do espaço e, este passa a interessar
segundo sua favorabilidade frente ao fluxo de mercadorias. “Sendo o capitalismo um
agente essencialmente desnaturalizador da relação homem-natureza, (...) o capital
tenderá mais à quantidade de valor de trabalho morto agregado ao solo, do que,
propriamente, pelas condições naturais dos lugares” (MORAES; COSTA; 1984, p. 163).
14
Harvey (op.cit.) ressalta seis aspectos que colocam o solo e suas benfeitorias como
mercadoria na economia capitalista:

• Eles não se movem, portanto a localização confere privilégios de monopólio a


quem tem o direito de determinar o uso;
• Nenhum indivíduo pode dispensar já que ninguém pode existir sem ocupar
espaço, sem moradia de alguma espécie;
• Mudam de mãos com relativa pouca freqüência mesmo que estejam em
constante uso, visto que a troca ocorre num determinado momento;
• O solo é permanente e a vida das benfeitorias razoável ou considerável, ou
seja, ambos têm valor de uso e de troca atual e futuro;
• Os usos são numerosos e exclusivos para o usuário e grupo, na
determinação de diferentes valores de uso, e portanto, consomem diferentes
moradias em suas vidas.

Como a propriedade privada se põe como base ideológica desse sistema


produtivo, as terras habitáveis são consumidas para a ocupação. A privatização do
solo, promovida inclusive pelo Estado em sua política de terras, faz juz ao fato de se
encontrar contradições nesse sistema produtivo, como a co-existência de grandes
extensões de terra desabitada e ociosa ao lado de populações numerosas sem acesso
ao espaço necessário à sua vivência e produção. Neste processo geral de privatização,
o acesso ao espaço distancia-se da possibilidade de expansão apenas sobre áreas
favoráveis a ocupação humana, interessa-lhe antes a renda fundiária (MORAES;
COSTA, 1984, p. 176-7).
É importante entender o processo de decisão sobre o solo urbano, pois é o
momento em que valor de uso e de troca se colidem para tornar o solo e suas
benfeitorias mercadorias. Somente quando as características das pessoas são
consideradas conjuntamente com as características das moradias o valor de uso
assume real significado, pois os valores de uso são um misto de necessidade e
reivindicações sociais ou “sistema de sustentação da vida” do indivíduo em seu sentido
cotidiano fora da esfera econômico-política (HARVEY, 1980, p. 134-7).

15
4.2 A influência do fordismo no novo tipo de sociedade

O sistema fordista inaugura um novo padrão de funcionamento da indústria


segundo forte sistematização e controle do tempo, visando à máxima eficiência e
controle sobre a produção. O trabalho automatizado e centralizador encontra muita
resistência por parte dos trabalhadores nas primeiras décadas do século XX, vindo
somente a se consolidar, por volta do período entre guerras, quando se exige a
necessidade de elevar a produção (HARVEY, 2006, p. 124-130).
O "novo homem" do tipo de sociedade que Ford antevê, além de disciplina para
operar o sistema de montagem deve contar com horas de lazer para consumir e ter
uma rotina familiar, por isso exige uma política de controle que garanta esse sistema de
reprodução da força de trabalho, o que seria canalizado para um Estado centralizador,
racionalizado, modernista e populista.
Após o colapso de 30 surgem novas concepções sobre o uso do Estado e sua
intervenção autoritária será vista como alternativa para estabilizar o capitalismo e evitar
movimentos nacional-socialistas, fruto da estase democrática dos anos 20. Esse seria
um dos motivos que levaria os principais modernistas da época como Corbusier a se
aliar aos regimes autoritários, e Ebenezer Howard a forjar planos utópicos inspirados no
anarquismo para serem apropriados pelos desenvolvimentistas capitalistas.
As configurações sobre os poderes do Estado só serão resolvidas após 1945,
quando o fordismo já se definir como regime de acumulação acabado e subsidiar base
a um longo período de expansão pós-guerra, onde as diferentes nações-Estado
capitalistas avançadas obterão aumento dos padrões de vida e redução da crise e da
ameaça de guerras.
O Estado assume novos poderes institucionais na medida em que a produção de
massa requer condições de demanda estável para ser lucrativa, dirigindo suas políticas
para a área de investimento público (transporte, equipamentos, etc) e complementos ao
salário social, como seguridade social, assistência médica, educação, habitação, etc
(HARVEY, 2006, p. 124-133).
O ataque aos movimentos operários radicais, que se reergueram após a guerra é
justificado como ameaça comunista, e culmina na legalização dos sindicatos e no maior
controle por parte do Estado sobre os trabalhadores, através dos acordos salariais e de
16
direitos. O trabalhador cada vez mais é acuado à disciplina fordista pela dominação dos
interesses capitalistas.
A ascensão de uma série de indústrias tecnologicamente avançadas propulsiona
o crescimento econômico mundial ao se concentrar em regiões de grande produção,
garantindo uma demanda efetiva para os mais variados produtos (carros, navios,
eletrodomésticos, produtos petroquímicos). Outra parte da demanda seria escoada para
economias devastadas pela guerra e em reconstrução pelos Estados Unidos, que
buscava dominar o “mercado de massa crescentemente homogêneo com seus
produtos”, incentivando práticas de planejamento mono/oligopolistas (HARVEY, op. cit.)
A combinação do Estado do bem estar social, com uma administração
econômica keynesiana de controle de salários, cria um crescimento econômico estável
nos governos capitalistas, assegurando o poder estatal de base corporativa para a
realização de lucros. Essa base no equilíbrio de poder da expansão pós-guerra está no
pacto tenso, mas eficaz entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e as
nações-Estado. As corporações passam a definir os caminhos do consumo de massa e
o poder corporativo garante processos estáveis para manter a demanda de produtos
mediante grande investimento de capital fixo.

4.2.1 Keynesianismo

O keynesianismo renovou profundamente a ciência econômica contemporânea e


inspirou as políticas conjunturais ocidentais durante o segundo terço do século XX
como resultado do aperfeiçoamento das teses liberais. Entre seus princípios
fundamentais o emprego dependia da demanda efetiva, que por sua vez dependia do
consumo e do investimento; portanto quando se aumentava o investimento, aumentava-
se o consumo e o emprego, ciente de que à medida que se aumenta a renda aumenta-
se o gasto com investimentos (DEFAULD, 1977, p.14; CAMARGO, 2005, p. 80-2).
Suas teorias vão ao encontro de uma visão de sistema “bem governado” como
forma de se alcançar uma política global apropriada a assegurar em primeiro plano o
pleno emprego, e depois, um desenvolvimento econômico capaz de assegurar a
manutenção das motivações da coletividade e sua fortuna com vistas a consagrar as

17
atividades mais excitantes. Por isso a intervenção Estatal global e limitada era
justificada como forma de assegurar o equilíbrio harmonioso do sistema.
Os seus antecessores economistas clássicos e neoclássicos acreditavam numa
“mão invisível” reguladora do mercado, onde qualquer nível de produção sempre teria
assegurado o seu escoamento. As crises e desempregos resultariam de fatores
externos, como a intervenção estatal e a pressão dos trabalhadores pelo aumento dos
salários. A lei de Say, parte dessa “teoria clássica econômica” por acreditar que “toda a
oferta cria a sua própria procura” viu seu fim justamente com a superprodução pela
falta de compradores e de emprego. As inovações de Keynes segundo Defauld (1977,
p.14) e Camargo (2005, p. 80-2) são:

• nem todo o produzido será gasto;


• o investimento torna viável cobrir o déficit de consumo e garantir emprego
pleno;
• a intervenção estatal tem o propósito de diminuir as taxas de juros para se
aumentar o investimento.

As posições de Keynes refletiam o olhar burguês que acredita num estado de


equilíbrio do capitalismo sem perturbações, por isso prefere os rendimentos de um
capitalismo inteligente à revolução social proletária ou de cunho reformista social-
democrata. As teorias de Marx eram por ele consideradas sem interesse prático para o
mundo moderno, já que para o marxismo o capitalismo não poderia deixar de existir
sem se destruir minado pelas suas próprias contradições internas e extensão do
exército industrial de reserva dos trabalhadores. A crítica marxista foi essencial à
compreensão das sociedades ocidentais de hoje:

18
A função objeticva do keynesianismo, na interpretação da corrente marxista;
encontra-se assim confirmada. A teoria keynesiana, sem que o seu autor tenha
disso verdadeira consciência, veio justificar uma intervenção generalizada do
Estado que permite diferir temporariamente a crise generalizada do
capitalismo. O intervencionismo keynesiano é assim a ideologia de referência
do ‘capitalismo monopolista de Estado’ como haveria de testemunhar o seu
sucesso nos períodos de crise, nos quais nunca o processo de acumulação foi
tão intenso, e a sua adopção pelos governos democratas no poder dos
Estados Unidos, explicitamente apoiados pelas grandes indústrias (...). Todavia
como foi frisado por H. Denis, o ‘nacionalismo econômico’ de Keynes (...) são a
negação do ‘problema do imperialismo’ e da questão do subdesenvolvimento
do Terceiro Mundo, caracteres, todavia, fundamentais do capitalismo
contemporâneo (DEFAULD, 1977, p.135).

4.3 A urbanização da sociedade industrializada

Segundo Lefebvre (2001, p. 72 et. seq.) planificação racional da produção,


disposição do território, industrialização e urbanização global são aspectos que tendem
a pular o nível da moradia e da vizinhança para o nível da escala geral da disposição do
território e da produção industrial planificada (da urbanização global). Nessa
perspectiva, as trocas de mercadorias e de bens de consumo não passam pelo nível
das relações imediatas. Até a cultura dissolve-se nesse processo de nivelamento e se
torna objeto de consumo, pela falta de uma censura em nível do individual.
Para este autor a urbanização da sociedade industrializada não ocorre sem a
explosão da sociedade industrializada. Tanto entre os países mais industrializados
quanto entre os mais atrasados, por toda parte a cidade explode. Nos países altamente
industrializados se tem a proliferação de subúrbios, e nos países em desenvolvimento,
a favela se torna um fenômeno característico enquanto. A favela acolhe os camponeses
expulsos pela destruição da estrutura agrária.
Os problemas do conjunto da organização geral da indústria passam a ser
subordinados ao urbanismo. A cidade se alinha pela empresa industrial pautada na
planificação para organizar a produção, controlar a vida cotidiana dos produtores e o
consumo dos produtos e não mais desempenha seu sentido como obra e predomínio
do valor de uso, ou seja, a cidade é valor de troca.
A cidade não mais consegue determinar suas condições de estabilidade e
desempenhar seu sentido como obra, como domínio do valor de uso. A racionalidade
passa acima da cidade na escala do território. O racionalismo burocrático do Estado e o

19
da organização industrial apoiados pela exigência da grande empresa impõe um
funcionalismo simplificador onde contextos sociais transbordam do urbano. Com o
pretexto da organização as “zonas “ e “áreas “ reduzem a cidade a uma justaposição de
espaços, de funções elementos práticos, subordinados aos centros de decisão. A
homogeneidade predomina sobre as diferenças provenientes da natureza, do meio
camponês da história. É inútil procurar racionalmente a diversidade.
A gestão centralizada das “coisas“ e da “cultura” onde são tomados os centros
de decisão ideológicos, econômicos e políticos olham com desconfiança a cidade como
forma social que tende para a autonomia, e passa a ser entendida como mera
interposição entre ele e o operário. Dessa situação nasce a tendência para a destruição
da cidade para a intensificação da problemática urbana.
O “urbano” contém o sentido da produção industrial no sentido da dominação
técnica sobre a natureza. A própria produção industrial implica a urbanização da
sociedade e exige conhecimentos específicos da urbanização, que se mantém numa
ordem planificada e programada. O fetichismo pelo programa trás uma racionalidade
que nada tem de inofensivo, garantida pelas instituições, onde o urbano cada vez mais
se torna uma estratégia distante do seu conceito fundamental como realização efetiva
da sociedade enquanto prática sensível de intensificação da vida urbana (LEFEBVRE,
2001, p. 82-3).

4.4 Do fordismo à acumulação flexível

O modo como o sistema fordista se estabelece se baseia numa série de


decisões individuais, corporativistas, institucionais e estatais, muitas escolhas políticas
ao acaso e improvisadas de acordo com as tendências de crise do capitalismo,
particularmente na Grande Depressão dos anos 30. O fordismo do pós-guerra, após
1948, legitima a padronização, o consumo em massa, a racionalidade técnico-
burocrática e a alta produtividade numa cultura internacional capaz de distribuir
informação (HARVEY, 2006, p. 122-3).
Com a formação dos mercados de massa internacionais surge uma série de
novas atividades e o desenvolvimento econômico mundial fica atrelado à política fiscal
e monetária norte-americana. Nos países ditos avançados, o fordismo se mantém até o

20
fim de 73 como propulsor da expansão pós-guerra sendo seu tripé o trabalho
sindicalizado, os benefícios do consumo e da produção de massa e o aumento dos
padrões materiais com o surgimento de ambientes estáveis para os lucros corporativos.
Apesar dos ganhos de estabilidade financeira e material para o mundo, os
problemas do fordismo se intensificam de 1965 a 1973 pela sua incapacidade em lidar
com as contradições do capitalismo. Nem todos eram atingidos pelos benefícios
fordianos, principalmente as mulheres e os que apresentavam diferenças étnicas. O
descontentamento dos excluídos das alegrias do consumo em massa eclodem,
principalmente na década de 60, em movimentos de libertação nacional em certas
nações que tem a destruição das economias locais pela opressão cultural em troca do
aumento do padrão de vida e aumento dos serviços públicos
A rigidez dos instrumentos do capital fixo de larga escala, de longo prazo e dos
sistemas de produção em massa impedem a flexibilidade de planejamento. Toda
tentativa de superar esses problemas encontrava resistência da própria classe
trabalhadora. Os sindicatos são acusados de perda do ideal democrático e de entrave
às tentativas de superar os problemas de rigidez (HARVEY, 2006, p.133-4).
O ímpeto da expansão pós-guerra leva a um excesso de fundos e, com a
escassez de áreas produtivas, dispara-se uma crise mundial pela forte inflação. A
recessão é exacerbada pelo choque do petróleo gerando entre as décadas de 70 e 80
uma reestruturação da economia marcada pela transição da acumulação rigidez
fordista para a acumulação flexível.
Nesse aspecto, a competição internacional se intensifica a medida que Europa
Ocidental e Japão já recuperados desafiam a hegemonia dos EUA, sendo seguidos por
uma gama de países recém industrializados do terceiro mundo, nos quais passa a
ocorrer a migração de multinacionais, como sudeste Asiático e América Latina,
movimento denominado de “fordismo periférico” (HARVEY, 2006, p.134-141, 174). As
corporações dos EUA se vêem com muita capacidade ociosa em condição de
intensificação de competição, levando a dispersão para zonas de controle mais fáceis.
Assim, surgem novos focos de acumulação flexível em regiões sem tradição
industrial, onde os contratos de trabalho são fracamente respeitados ou inexistentes.
Os patrões são os primeiros a tirar proveito do enfraquecimento do poder sindical e da

21
grande quantidade de mão-de-obra excedente, proporcionando a substituição do
trabalho regular pelo temporário ou sub-contratado, voltados para as necessidades
específicas das empresas.
Mulheres, negros e minorias étnicas adquirem relativa paridade de trabalho,
antes de predominância masculina branca, porém com ressalvas quanto à exploração
da mão-de-obra feminina, a baixa remuneração e a falta de segurança no trabalho. As
cooperativas patriarcais ressurgem em meio a novas práticas, como o comércio ilegal,
enquanto os trabalhadores do grupo central de empresas, geralmente do outro lado do
Atlântico gozam de estabilidade e segurança de emprego (HARVEY, 2006, p.143-6).
Novas técnicas e formas organizacionais de produção põem em risco os
negócios de organização tradicional, ameaçando até as corporações mais poderosas.
As próprias empresas fordistas correm atrás das novas tecnologias, movimento
denominado por alguns de “neofordismo”.
A tensão sempre existente no capitalismo entre monopólio, competição,
centralização e descentralização de poder se manifesta de modos novos. O capitalismo
mostra-se cada vez mais organizado através da dispersão e da mobilidade geográfica,
das respostas flexíveis dos mercados de trabalho e de consumo. As informações agora
são uma mercadoria muito valorizada, pois a análise instantânea de dados se mostra
essencial à coordenação de interesses corporativos descentralizados.
O conjunto das novas tecnologias implica o surgimento de novos modelos
tecnológicos, como os setores de microeletrônica e telecomunicações. As
transformações ocorrem em todos os meios de organização do processo reprodutivo
demandando mudanças profundas nos hábitos e costumes, principalmente de consumo
(PONTES, 2006, p. 329-330). Por isso o controle do fluxo de informações e dos
veículos de propagação do gosto e da cultura populares também se converte em arma
vital na batalha competitiva:

A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo, portanto, por


uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilidade de todos os
artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso
implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a
todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-
moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a
mercadificação de formas culturais (HARVEY, 2006, p. 148).

22
A formação de um mercado global significa a criação de um único mercado
mundial de dinheiro e de crédito, onde a estrutura desse sistema financeiro global
alcança tal grau de complexidade que as fronteiras entre bancos, corretoras, e
instituições de serviços financeiros se faz com tamanha fluidez que parece desprezar
as restrições de espaço tempo:

A acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do


fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se
pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras
de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.
A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do
desenvolvimento desigual, tanto em setores como entre regiões geográficas,
criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado”setor de
serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões
até então subdesenvolvidas [...] “ como os “países recém industrializados”. Ela
também envolve um novo movimento [..] de “compressão do espaço-tempo”
no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada
e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos
custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas
decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado (HARVEY, 2006, p.
140).

4.5 O espaço do atual momento histórico

A urbanização que prevalece durante o século XX é resultado da tendência


centralizadora do modo capitalista de produção influenciado pela 2º Revolução
Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVII e que modificou todo o
processo político, econômico e social ao longo do século XIX. A produção de formas
espaciais que expressaram essa tendência se manifestou a partir da constituição de
grandes áreas metropolitanas e aglomerações urbanas. As grandes cidades a partir da
segunda metade do século XIX passam a deter as alavancas de todas as atividades da
sua região. A concentração econômica constitui uma verdadeira rede urbana regional
por seus banqueiros, industriais e negociantes (ROCHEFORT, 1998, p. 17; SPOSITO,
2004, p. 9).
Rodrigues (1998, p. 68-9) salienta através das palavras de Borja (apud
LEFEBVRE, 1976) que o capitalismo descobriu-se capaz de atenuar suas próprias

23
contradições internas por meio da produção do espaço1, onde para se compreender a
diferença entre a cidade pré-industrial e a que se desenvolve a partir da industrialização
e do desenvolvimento do modo capitalista de produção torna-se necessário distinguir
um marco de oposição entre o valor de uso e o valor de troca, ou seja, a cidade pela
vida urbana e pelo tempo urbano e, os espaços como produtos consumíveis
(LEFEBVRE, 1972, apud SPOSITO, 2004, p. 38).
Neste processo de sucessivas formas organizativas do capitalismo mundial, a
transformação do colonialismo ao imperialismo, do fordismo à acumulação flexível, do
moderno ao pós-moderno, deixa claro na atual transformação do espaço a superação
da dependência fordista por espaços para sediar grandes unidades produtivas
(RODRIGUES, 1998, p. 68-9). O ritmo acelerado das alterações tecnológicas,
organizacionais e territoriais surgidas em fins do século XX com a Terceira Revolução
Industrial impõe rupturas em todos os espaços-tempo e uma série de contradições ao
movimento geral da sociedade (SPOSITO, 2004, p. 12-7).
Os significados do espaço e do tempo mudam com a transição do fordismo para
a acumulação flexível, com cada vez mais valorização da escala temporal. Em sua
análise do pós-modernismo, Harvey situa este movimento como um processo de
ruptura com a idéia modernista de planejamento e desenvolvimento de larga escala e
explicita o projeto urbano pós-modernista como parte de um:

(...) conceito de tecido urbano (...) necessariamente fragmentado(...) uma coisa


independente e autônoma a ser moldada segundo os objetivos e princípios
estéticos que não têm necessariamente nenhuma relação com algum objetivo
social abrangente, salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza
‘desinteressada’ com fins em si mesma (HARVEY, 2006, p. 69).

O modelo tradicional de concentração da cidade fordista nas áreas centrais


mostra-se cada vez mais superado no conjunto de mudanças das novas formas de
produção do espaço urbano. A partir da intensificação da globalização os modelos
regulatórios vão mudar a cidade porque são novos atores e novos conflitos que vão se

1
O espaço condiciona as próprias relações sociais e o exercício de poder, portanto espaço e dinâmica
política são indissociáveis, tanto no sentido das relações instantâneas de poder existentes na sociedade,
quanto no questionamento das instituições e nomes, estabelecidos na base do conflito e do negócio
(SOUZA, 2006, p.318, 334-5).

24
estabelecer. Essa cidade pós-moderna, difusa e fragmentada faz relação com a função
que ocupa nos sistemas urbanos nacionais e internacionais, do ponto de vista político,
econômico ou cultural, posição de vanguarda ou de centralidade (UEDA, 2006, p. 237).
As teorias e conceitos teóricos que fundamentaram a compreensão da
concentração urbana do século XX não mais subsidiam as novas formas de produção do
espaço urbano, que necessitam de uma análise que contemple as escalas intra e
interurbanas (aqui entendidas respectivamente como, escala de estruturação interna das
cidades, e de estudo das relações entre as cidades) acompanhando a escala dos
investimentos que não mais se limitam aos mercados locais ou unicamente a essas
áreas urbanas (SPOSITO, 2004, p. 12-7).
O espaço do atual momento histórico compreende todos os espaços do mundo,
a paisagem mundial é a da produção espacial capitalista. O que se busca são
“vantagens comparativas” num único sistema, o que cria a ilusão de integração. Nas
palavras de Octavio Ianni (1995, p.89 apud RODRIGUES, 1998, p. 69) encontra-se
explicação para a contradição existente neste processo:

Ainda que os processos de globalização e modernização desenvolvam-se


simultânea e reciprocamente pelo mundo afora, também produzem
desenvolvimentos desiguais, desencontrados, contraditórios. No mesmo curso
da integração e homogeneização, desenvolve-se a fragmentação e a
contradição. O que cria a ilusão da integração é o fato indiscutível da força do
ocidentalismo, conjugado com o capitalismo (IANNI, 1995, p. 89 apud
RODRIGUES, 1998, p. 69).

4.5.1 A organização regional

A cidade antes das relações fabris do século XIX se configura num organismo
relativamente autônomo. A maneira pela qual se dá a sua inserção geográfica em
relação a sua região repercute na maneira pela qual ela cumpre certo papel econômico
no curso da história, geralmente artesanal.
Rochefort (1998, p. 17) afirma que a implantação das fábricas gera a
necessidade de ampliar o mercado consumidor para além das fronteiras do local de
produção e é com essa polarização das atividades econômicas a partir das grandes

25
cidades que começa a surgir uma verdadeira rede urbana regional, que se torna base
da geografia urbana da cidade do século XX.
A noção de rede urbana começaria a se assentar na análise das zonas de
influência das cidades grandes e médias, que constituiriam os dois primeiros escalões
de hierarquia para o conhecimento da organização urbana da região como um todo. Daí
advém o princípio de que uma organização racional deveria dominar as particularidades
individuais de cada aglomeração com o intuito de adaptá-la às novas perspectivas da
economia regional (ROCHEFORT, 1998, p. 54 et. seq.).
A necessidade crescente de organizar esse espaço e prever a sua expansão
leva a necessidade de planejar o território. Essa organização racional do espaço
provém das necessidades de expansão das cidades e deve se efetuar numa concepção
global, já que a organização espacial dos serviços, principalmente industriais, modifica
o conjunto de toda a sociedade.
O problema dessa organização é racionalizar o desenvolvimento e organizar a
localização e o funcionamento das atividades, donde a cidade grande por cumprir um
papel primordial de centro regional deve dispor de um centro comercial de fácil acesso.
Podem-se deixar as coisas por si só e corrigir seus efeitos desastrosos ou agir de
antemão na busca pelo espaço que se almeja no futuro, de forma a se prever a
escassez de equipamentos urbanos, moradias, água, espaço, etc.
Com as mudanças do sistema capitalista no século XX, para se compreender a
cidade é necessário ultrapassar o âmbito da rede urbana regional e entender os laços
que a subordinam a uma unidade econômica mais vasta. Os bancos regionais cedem
lugar aos nacionais, as empresas industriais abrem suas portas aos capitais exteriores,
e parte da riqueza regional é investida em outras regiões (ROCHEFORT, 1998, p. 18).
Como resultado dessa apresentação da organização setorial, convém refletir
sobre a organização e desenvolvimento de grandes cidades numa concepção global
que abarque uma política combinada de organização do espaço regional, já que ele
permite abrir campo para as perspectivas de uma reorganização global.

26
4.5.2 O planejamento urbano como desenvolvimento econômico

Para Souza (1998, p. 7-11) a expressão desenvolvimento urbano sempre esteve


ligada ä modernização da cidade, à transformação do espaço e à “modernidade”
capitalista em nome do “bem comum”, mediante obras de embelezamento, melhoria de
transportes e outras. Esse tipo de visão tem entre suas origens o viés economicista
sobre desenvolvimento, que sempre privilegiou excessivamente a operacionalização
dos processos econômicos. Na versão convencional, economicista e europeicêntrica,
desenvolver significava dominar a natureza e hominizá-la, por mais distante que este
termo estivesse da humanização.
As correntes urbanísticas do século XX colaboram para a espacialização local-
urbana dessa idéia dominante de desenvolvimento econômico, e os ditames da
funcionalidade e da modernização do espaço urbano como portadores do ‘bem
comum”. Os sentimentos e as identidades coletivas foram postos de lado, e junto com
eles o conceito de espaço como componente fundamental da existência humana.
Essa ideologia positivista-cientificista está na base da visão “progressista” de
reestruturação das cidades, dando corpo a idéia do conhecimento científico como o
verdadeiro promotor do bem-estar e da melhoria da vida da população. A idealização
desta cidade “contemporânea”, decorrente da análise científica e da idéia de segurança
e simplicidade social, passa para o espaço da cidade: o “bairro residencial-tipo para o
homem-tipo”, esse “novo homem” da sociedade que Ford antevê.
O urbanismo modernista provoca a substituição de uma situação denominada
caótica por uma ordem lógico-ideal esquemática e determinista. Acredita-se que as
condições sanitárias e a tipologia dos arranjos físicos das cidades seria a principal
responsável pela infelicidade e péssimas condições de vida da população (NYGAARD,
2005).
A carta de Atenas passa a ser o referencial para modelar as cidades existentes,
projetar as novas e fomentar os planos diretores urbanos. A ampla divulgação dessa
idéia leva a se construir um novo e organizado espaço físico para as cidades
(NYGAARD, 2005, p. 116-7). O resultado dessa questão foi uma maneira setorialista de
se pensar desenvolvimento, sem maiores vinculações com o espaço social e, por conta
disso, a expansão da cidade por loteadores, construtores, promotores e incorporadores

27
imobiliários passou a ser ela própria um sinal de desenvolvimento urbano (SOUZA,
1998, p.11).
O planejamento comandado pelo Estado foi encarado como pivô dessa
modernização excludente e contraditória. E ao mesmo tempo em que se tinha a
concentração espacial de privilégios, outras deformidades do espaço urbano passaram
a incrementar a exclusão social, como a segregação residencial e a geração de vazios
urbanos, especialmente em cidades do Terceiro mundo.
Lefebvre (1981 apud SOUZA, 1998, p.12) esclarece que o espaço tornou-se ele
próprio uma força produtiva das mais estratégicas ao longo da evolução do capitalismo,
sendo perfeitamente compreensível que a noção de desenvolvimento urbano se
apresentasse como uma apoteose da modernização tecnológica da sociedade em
sentido capitalista.
Por isso, nada mais comum do que se ouvirem alusões ao “desenvolvimento
urbano” como o propósito do crescimento de uma cidade ou da modernização do
espaço urbano, sobretudo relacionado à verticalização, à expansão territorial e à
realização de obras viárias, sem que isso signifique uma maior justiça social para o
maior número de pessoas ou um desenvolvimento social autêntico (SOUZA, 1998, p.8).

28
5 URBANIZAÇÃO DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA BRASILEIRO

O modelo nacional desenvolvimentista, desenvolvido na era fordista,


corresponde ao modelo autoritário de planejamento regulatório clássico cuja
intervenção objetiva desenvolver o capitalismo. O modelo desenvolvimentista
preconizado nos marcos do Estado “forte” se traduz no modelo de estado nacional-
desenvolvimentista brasileiro dos anos 60 e 80, que repercute práticas políticas
keynesianas e colabora para aquecer os mais diferentes setores econômicos (SOUZA,
2006, p. 152 et. seq.).
O discurso de planejamento imprime a imagem do Estado como promotor do
bem comum baseado em uma racionalidade técnica politicamente neutra, porém as
intervenções autoritárias se manifestam em detrimento dos interesses da maior parte
da população, tal como os zoneamentos segregatícios que favorecem os bairros ricos,
enquanto removem-se favelas e lançam-se medidas de alcance restritivo para aliviar o
déficit habitacional. (SOUZA, op. cit.).

5.1 As estratégias do planejamento militar

A ditadura militar (1964-1988) foi o período em que a modernização e o


desenvolvimento do capitalismo no Brasil culminam numa urbanização estratégica para
o desenvolvimento da indústria. O período militar teve importância no processo de
formação territorial urbano-industrial brasileira, com especial destaque aos Planos
Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) – I PND (1972-1974) e o II PND (1975-1979). A
lógica de se estender o controle estatal a todas as atividades e lugares já estava
presente no “Plano de metas”2 com o intuito de legitimar o Estado. Divulga-se a idéia de
integração do território para a construção do “Grande Brasil” e para o conseqüente
fortalecimento da pátria, mas a própria ação planejadora altamente centralizadora e
excludente garante que a população não participe das decisões políticas. Muitos dos

2
O Programa de Metas desenvolvido do governo Juscelino Kubitshek, que governou de 1956 a 1961,
fixa metas de cinco anos para setores básicos da economia, com o objetivo de intensificar o ritmo de
industrialização do país e construir a nova capital federal, Brasília. Cinco grandes áreas foram cobertas:
energia, transporte, alimentação, indústrias básicas e educação, esta última, em especial, voltada a
formação de técnicos (BAER, 1983, p. 56 apud ALCOFORADO, 2005, p. 128)

29
que tentavam ir contra esse excessivo centralismo conhecem as duras táticas de
repressão militar, sob o pretexto de garantir a “segurança nacional” (BECKER; EGLER,
1993, p. 124-148).
O projeto “Brasil-Potência” (1967–1974) já tinha a intenção de transformar a
economia brasileira numa das maiores potências econômicas mundiais e com o
desenvolvimento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, o governo militar
consolida o projeto de industrializar o território nacional e modernizar o país para
acelerar o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, o que resultou, porém, numa
modernização conservadora, sob forte endividamento externo e emersão no país no
sistema mundo como semi-periferia (BECKER; EGLER, 1993).

(O engajamento brasileiro) na Segunda revolução Industrial fez-se em dois


momentos: o primeiro esforço de industrialização pesada, com o Plano de
Metas, no qüinqüênio 1956/1960 e, passada a crise de 1962/1967,
ingressaríamos em sua etapa culminante (a do “milagre brasileiro”), entre
1967e 1974, que se estende – embora com uma desaceleração- até 1980
(CANO, 1993, p. 19).

Tanto no “Plano de Metas” quanto no “Milagre” houve dinâmicas diferentes na


urbanização em São Paulo. Primeiro com a implantação massiva de indústrias na
grande São Paulo, reforçando a metropolização, e no segundo com a descentralização
da atividade industrial.

(...) o termo industrialização não pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito,
isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua mais
ampla significação, como processo social complexo, que tanto influi na
formação de um mercado nacional, quanto nos esforços de equipamentos do
território para torná-lo integrado, como a expansão do consumo em formas
diversas, o que impulsiona a vida de relações (leia-se terceirização) e ativa o
processo de urbanização (SANTOS, 1993 apud LOSNAK, 2004, p. 121).

O Estado impõe uma malha programada3 sobre a ordem político-administrativa


vigente, e passa a controlar técnica e politicamente o território de forma a canalizar os

3
Malha programada foi uma estratégia promovida pelo governo militar de integrar o território visando à
promoção de uma expansão capitalista moderna, segundo o movimento de valorização articulado a
indústrias e serviços. A malha governamental, sob rígido controle técnico e político, envolveu o território
como um todo e atuou sobre todos os tipos de redes - comunicação, transporte, viária , urbana, etc - e
criou novos territórios superpostos à divisão política administrativa vigente, que seriam geridos por
instituições estatais para as quais seriam canalizados os investimentos. Os efeitos da “malha” são mais

30
investimentos para si. Os órgãos de planejamento setorial sucumbem às diretrizes
dessa ordem imposta e ampliada em várias escalas e redes: viária, de comunicação,
bancária, institucional, etc.
A estratégia espacial aplicada principalmente durante o II PND aparece no
planejamento oficial com a criação da Comissão Nacional para o Desenvolvimento
Urbano (CNDU), desdobramento da antiga Comissão Nacional de Política Urbana
(CNPU) criada no governo Geisel durante o I PND. Com ela implanta-se o programa
cidades médias, cuja estratégia governamental consiste em transferir a escala macro
regional para a sub-regional através de pólos de crescimento responsáveis por interligar
os circuitos nacionais e internacionais aos fluxos financeiros e de mercadorias (REIS,
FILHO, 1996).
O Brasil se transforma em um país urbano em poucas décadas pelo elevado
crescimento urbano, porém esse crescimento econômico se sustenta por uma
esmagadora maioria de mão-de-obra barata. Uma crescente pobreza dependente da
economia informal sustenta o crescimento metropolitano, onde as estruturas
econômicas formais se complementam (BECKER; EGLER, 1993).

(...) nossa inserção na Segunda Revolução Industrial (1968-1980) consistiu


também no agravamento de nossa crise social, política e econômica,
institucional e financeira, com o recrudescimento inflacionário. O substancial
aumento e explicitação de conflitos políticos, sociais e econômicos entre
Estado e sociedade faria com que esta reagisse mais decididamente, a partir
do final dos anos 70, buscando o retorno à democracia, através de uma longa
“transição democrática” que se estende por toda a década de 1980 (CANO,
1993, p. 20).

A concentração econômica se configura como alta mobilidade e alta


concentração espacial, tanto pela alta rotatividade no emprego resultante da liberação
das empresas do ônus legal da demissão de seus empregados, mas principalmente
pelo imenso deslocamento de trabalhadores rurais atingidos negativamente pela
implantação do Estatuto do trabalhador rural da Terra (1963-1964) e pelas medidas
adotadas em relação à Previdência Social no setor rural que promovem a imediata
expulsão dos que habitavam nas fazendas e os transforma em bóias-frias ou migrantes.

visíveis nas políticas de urbanização, desenvolvimento regional, pólos de crescimento e ocupação da


Amazônia (BECKER; EGLER, 1993,p. 144-5).

31
Como conseqüência os camponeses se vêem a mercê da exploração associada ao
paradoxo da concentração de terra (BECKER; EGLER, ibid., p. 138).

5.1.1 O II Plano Nacional de Desenvolvimento

A política do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975 - 1979) é formulada


pelo governo Geisel na tentativa de aprofundar a industrialização pesada (de infra-
estrutura, insumos básicos de bens de capital), “completando” a inserção do Brasil na
segunda revolução industrial. O modelo de urbanização foi calcado no modelo de
investimento de alguns setores localizados em pontos específicos do território. O II PND
enfatiza essas vantagens comparativas das diversas regiões do Brasil encorajando as
especializações regionais, onde foram criados programas de pólos de desenvolvimento
sob a administração das superintendências regionais, com exceção do Sudeste,
(BECKER; EGLER, 1993, p. 146).
A expansão das redes se dá em todas as direções do país, visando à articulação
territorial e a unificação do mercado nacional, de forma a aumentar a velocidade do
sistema de transporte e das comunicações internas. Com isso, há a ruptura da
organização da rede urbana interna e o desmantelamento das políticas dos órgãos
públicos das cidades médias.
O II PND condiciona o crescimento da economia nacional à internacional que
passa por uma forte crise pelo aumento do preço do petróleo, pois os países
industrializados erguem barreiras que impossibilitaram a exportação. A retração da
economia dos países industrializados se reflete nos países em desenvolvimento que
exportam matéria-prima e importam bens de capital.
“A crise da dívida e a retomada da hegemonia americana a partir de fins de 1978
mostrariam imensas dificuldades (...) aos países subdesenvolvidos mais
industrializados para continuarem avançando na industrialização” (CANO, 1993, p. 20).
As elevadíssimas taxas de juros norte-americanas inviabilizam o pagamento da dívida,
levando o Estado brasileiro a estatizar os débitos do setor privado devedor junto aos
bancos internacionais. A partir de 1979, para cobrir o déficit, o governo emite títulos
públicos e papel moeda, o que gera altas taxas de inflação e juros internos.

32
A partir desse momento nasce a “ciranda financeira”: dívida externa, dívida
interna, déficit público, emissão de títulos públicos e nova ampliação da dívida interna, o
que viria a provocar o descontrole inflacionário. O Estado autoritário amplia a cooptação
e a corrupção, defendendo prioritariamente os interesses privados, setoriais e regionais
(CANO, 1993, p. 20).

5.1.2 Programa cidades médias

O programa cidades médias foi organizado em escala nacional pelo poder


federal, representado pela Comissão Nacional de Política Urbana (CNPU) do Ministério
do Planejamento entre 1974 e 1978 e após essa data, pela Comissão nacional de
Desenvolvimento Urbano (CNDU) do Ministério do Interior (MINTER) (BECKER;
EGLER, 1993, p. 146-8, REIS FILHO, 1996, p. 5-8).

(...) a partir de 1974 aparece a idéia de promover ações que visariam antes
frear o crescimento das grandes cidades do que corrigir as conseqüências
sobre o seu espaço, num esforço geral para repensar a reorganização do
território e para considerar certo número de condições que permitiriam a
interiorização do desenvolvimento. Foi assim que nasceu o programa dito
“programa das cidades médias”, visando dar a algumas delas condições de
desenvolvimento que lhes permitissem desempenhar (...) um papel mais
importante no conjunto do sistema urbano brasileiro (ROCHEFORT, 1998, p.
95).

Tenta-se modificar inicialmente o papel das bases espaciais do desenvolvimento


regional na busca por fortalecer as cidades médias relativamente próximas dos grandes
centros industriais para refrear o crescimento das metrópoles. Dentre as estratégias,
está a de reter os migrantes rurais nos organismos urbanos médios e acompanhar o
crescimento das cidades, de forma que se despendam menos investimentos do que o
gasto com as grandes cidades.
Estabelecem-se princípios gerais de intervenção por setores. O primeiro
pretende assegurar a melhoria das condições de vida dos habitantes, pela melhoria de
qualidade dos recursos humanos capazes de fornecer a força de trabalho das
atividades econômicas e de lutar contra a pobreza. O segundo se dá sobre os bairros
de nível de vida baixo. Tenta-se remediar as deficiências da organização do espaço
habitado pelo abastecimento de água, esgoto, drenagem entre outros, e melhorar os

33
serviços de saúde, educação e transporte. O terceiro setor de intervenção é o
“informal”, com o intuito de aumentar o emprego. Isso representa um aspecto original
do programa, visto que as medidas específicas para a melhoria da pequena produção
dos bens e serviços são quase sempre sistematicamente esquecidas no
estabelecimento das políticas urbanas (ROCHEFORT, 1998, p. 99).
Esses principais objetivos, absolutamente corretos, definidos nos PNDU, porém,
foram negados pela prática e as reais conseqüências se mostraram antagônicas a
todos eles. Com o aumento da concentração de renda, retrocede o índice de geração
de empregos. As áreas que mais crescem são as de maior contenção populacional, os
custos de infra-estrutura se elevam e os investimentos se reduzem. Um dos motivos foi
a visão muito simplista sobre a estruturação de cidades na rede urbana, que culminou
numa modernização do processo produtivo limitada a alguns setores e em pontos
específicos do território. As migrações internas aumentam em direção a esses centros,
levando as cidades médias e os centros urbanos de grande porte a atingirem seu
saturamento (REIS FILHO, 1996, p. 142-3).
Os PNDs não estabelecem uma política territorial e populacional para orientar a
distribuição da população no território, face ao desenvolvimento tecnológico e, “admitir
um acréscimo de 70 a 80 milhões de novos habitantes urbanos, em apenas duas
décadas, sem uma profunda alteração no sistema de planejamento, é caminhar para o
caos”.O programa deveria ter fortalecido o sistema urbano regional para fortalecer a
economia de cada setor e região com a escolha das cidades prioritárias, ao invés de
tentar subverter de uma maneira muito simplista a atual dependência das cidades
médias em relação aos grandes pólos do Sudeste. O programa como um todo mostra-
se dissociado da política econômica do país, a exemplo da escolha das cidades para
implantação do BNH. As cidades médias se vêem agora com problemas extremamente
graves para os planejadores, a urbanização acelerada, a concentração crescente e o
agravamento das desigualdades (REIS FILHO, op. cit.).

34
5.1.3 Desconcentração industrial

O processo de desconcentração industrial da cidade de São Paulo, entre as


décadas de 1960 e 1970, sobretudo ocasionado pela formação dos pólos regionais nos
eixos de desenvolvimento do Estado, é marcado pela saída de população em direção
ao Interior sob a forma de fluxos inter-regionais, deslocamentos intra-regionais,
conurbação territorial e emergência de cidades de diversos portes. Dentre as principais
mudanças destacam-se (BAENINGER, 2000):

• economias de aglomeração em pólos regionais;


• descentralização da atividade industrial e de serviços;
• atração de centros de pesquisa, mão-de-obra qualificada e cara ;
• sofisticação dos padrões de consumo ;
• infra-estrutura (transporte, comunicações, universidades e centros de
pesquisa);
• desenvolvimento de novos pólos em cidades pequenas e médias;
• mecanismo de comunicação e homogeneização de certos estilos de vida.

As taxas de crescimento populacional no entorno de São Paulo e nos centros


regionais do interior passam a ser superiores às da região metropolitana de São Paulo,
principalmente em São José dos Campos, Sorocaba, Campinas, Ribeirão Perto, Bauru
e São José do Rio Preto (Figura 5.1).
Segundo Baeninger (2000), a expulsão da população para a periferia diversifica
os movimentos intra-urbanos, com novas formas espaciais de redistribuição da
população associada ao crescimento inter-regional e intra-urbano regional - processos
sociais semelhantes aos metropolitanos, porém noutra escala de espaço/tempo. A
redistribuição interna da população (núcleo/periferia) contribui para um processo de
desconcentração populacional no Estado e de interiorização da indústria, que cria
mecanismos de homogeneização de certos estilos de vida e da comunicação.
A flexibilização da produção é tida como continuidade da migração da pobreza e
determinados fatores passam a pesar como condicionantes sobre a decisão de migrar,
35
tais como: rede familiar, violência urbana, possibilidades de acesso a determinadas
políticas sociais, como saúde, educação, serviço de infra-estrutura básica e habitação,
entre outras.

Escala

Figura 5.1: Regiões administrativas e pólos regionais do Estado de São Paulo 1981-
1991 (adaptado de IBGE, 2006; BAENINGER, 2000)

5.1.4 A política habitacional do Brasil militar

A questão da habitação popular foi estrategicamente colocada num momento de


mudança e sobrevivência do regime militar como forma de conter e reduzir as pressões
inflacionárias oriunda do período de 1963 a 1967. O governo militar encontra no projeto

36
da casa própria, a saída, tanto em relação às necessidades de reestruturação
produtiva, quanto de suprimento da demanda habitacional nacional.
A situação interna do país, porém, era incompatível à dimensão desse plano,
dada nossa fragilidade financeira público e privada (CANO, 1993, p. 17-20). Para que
fosse possível sua implantação, o novo regime escolheu os salários dos trabalhadores
como vítima (GUIMARÃES, 1990, p. 56-7 apud CAMARGO, 2005, p. 73).

O governo autoritário, que tomara o país pelo golpe militar em 1964,


proporcionara as reformas necessárias à continuidade do avanço material do
capitalismo brasileiro: a reforma financeira, a tributária, a monetária e bancaria
e a das relações entre o capital e o trabalho, modernizando estas, mas
também praticando a mais longa e uma das maiores quedas do salário real
(CANO, 1993, p. 19).

Como era necessário conservar o apoio das classes menos privilegiadas


atingidas pela política de contenção salarial, ao mesmo tempo em que são criados os
principais mecanismos de redução do preço da mão-de-obra, possibilita-se a aquisição
da casa própria através dos financiamentos públicos (BOLAFFI, 1979, p. 44; OLIVEIRA,
1979, p. 16-7 apud CAMARGO, 2005, p. 62 -72). Valladares (1983, p. 39) elucida tal
afirmação com a carta de Sandra Cavalcanti enviada ao então presidente Castello
Branco:
Achamos que a revolução vai necessitar agir vigorosamente junto às massas.
Elas estão órfãs e magoadas, de modo que vamos ter de nos esforçar para
devolver a eles uma certa alegria. Penso que a solução dos problemas de
moradia, pelo menos nos grandes centros, atuará de forma amenizadora e
balsâmica sobre as suas feridas cívicas (VALLADARES, 1983, p. 39).

Rodrigues (1994, p. 57) salienta as palavras do Ministro Roberto Campos,


quando afirma a contribuição da “casa própria” para a “estabilidade social“ para tornar
os proprietários “aliados da ordem”. Nesse momento configura-se o mais marcante
desenvolvimento morfológico das cidades brasileiras e a conformação dos processos
de verticalização, periferização e favelização do espaço urbano excludente
(CAMARGO, 2005, p. 76).

37
 
         

Em agosto de 1964, com a Lei 4.380, é instituído o Banco Nacional de Habitação


(BNH) e o Sistema Federal de Habitação (SFH), com o objetivo de coordenar a política
habitacional dos órgãos públicos, estrategicamente elaborada no período da “revolução
de 1964” (RODRIGUES, 1994, p. 57).
Dentre objetivos outros da política habitacional encontrava-se o de atender o
déficit habitacional, gerar empregos através da indústria de construção civil, orientar a
iniciativa privada na construção das moradias populares; financiar a aquisição da casa
própria, melhorar o padrão da habitação e do ambiente; eliminar as favelas; aumentar o
investimento da indústria de construção e estimular a poupança privada e o
investimento.
Quanto ao financiamento, o BNH definiu um agente específico para cada um dos
segmentos do mercado. Para o mercado popular (renda mensal inicial de um a três
salários mínimos, limite posteriormente ampliado para cinco), cujas companhias
habitacionais são as COHABs. Para o “mercado econômico” (renda familiar entre três e
seis salários mínimos), atendidas pelas Cooperativas Habitacionais INOCOOPs. O
mercado médio (renda mensal mínima de seis salários) seria onde atuam
principalmente os agentes privados, e instituições voltadas para a classe média
(RODRIGUES, 1994, p. 58).
O grande mecanismo de financiamento da produção da habitação passa a ser o
Banco Nacional da Habitação, cujo capital financeiro em grande medida será por ele
representado na produção da cidade e da casa própria (RODRIGUES, 1994, p. 57-8).
Uma de suas fontes de recursos é proveniente das Cadernetas de Poupança e a outra
do Fundo de Garantia por tempo de serviço – FGTS, criado em 1966 (Lei 5.107 de
14.9.66), visando à resolução da escassez de recursos e que também tem o BNH por
gestor financeiro.
Uma das operações do BNH foi a de transmitir suas funções para a iniciativa
privada. Isso possibilitou a passagem indireta do dinheiro dos trabalhadores ao setor
privado para financiar atividades econômicas outras que não as relacionadas à
habitação popular e a construção civil. “Após os primeiros anos de experiências mal

38
sucedidas com a habitação de baixo custo, o Banco Nacional da Habitação reorienta
seus investimentos para os mercados de maior poder aquisitivo, mais claramente a
partir de 1969” (MARICATO, 1979, p. 85 apud CAMARGO, 2005, p. 92).
A própria Constituição de 1969 estabelece a produção de habitação como
atividade econômica de competência da iniciativa privada, cabendo ao Estado o papel
de atuar de forma complementar em relação à essa primazia capitalista.

(...) os capitais supostamente reservados para a casa popular fluem dos


pequenos fundos de cada assalariado e vão se concentrar nas mãos dos
iniciadores – reais pioneiros de uma nova arte de enriquecimento sem gerar
qualquer inversão socialmente significativa na economia (BOLAFFI, 1979, p.
54 apud CAMARGO, 2005, p.88).

Como pode se perceber, o SFH, apesar do objetivo de criar condições ao


planejamento urbano, parece somente contribuir para agravar os problemas urbanos.
Ao conceder a gestão de créditos ao BNH, seu significado fica contraditório, visto que
ele pode ser visto como um artifício para extrair do trabalhador os recursos que irão
inflar o mercado imobiliário especulativo (BOLAFFI, 1979, p. 55 apud CAMARGO, 2005,
p. 88; RODRIGUES, 1994, p. 57-58; VALLADARES, 1983, p. 40).
O BNH a partir dos anos 70 passa a investir em obras de infra-estrutura urbana e
recebe a influência das grandes construtoras nas áreas de energia e transporte. O
problema de gerenciamento desses recursos eleva o preço de comercialização dos
imóveis ao invés de privilegiar a construção de unidades mais baratas.
Não à toa, isso se reflete no aumento do número de favelas, cortiços, ocupações
e autoconstruções da maior parte da população das cidades sem recursos suficientes
para conseguir participar do mercado imobiliário. De 1975 a 1978 o número de barracos
em São Paulo sobre de cerca de 21.500 para cerca de 90.000, resultando num
aumento de 414% em três anos (MARICATO, 1987, p. 66).
O BNH ficou com grande déficit habitacional e carência de recursos para poder
produzir novas unidades. Passado o período de intensa construção sustentada pelo
Estado, a crise habitacional persiste e as favelas se adensam em centros e periferias. O
mercado capitalista é incapaz de responder à maior parte da população urbana
(RIBEIRO; AZEVEDO, 1996, p. 13) e possui a conivência do Estado já que esta é a
única forma de viabilizar a política habitacional oficial (MARICATO, 1987, p. 65, 88-91).

39
As metas nacionais abstratas pela expansão urbana programada e a quase
nenhuma participação da população cria imensas dificuldades de base. As cidades são
necessárias às políticas econômicas, mas se deixa aos agentes informais a tarefa da
produção do espaço urbano. Assim, o contingente populacional que chega às cidades
conta com sua força de trabalho como recurso principal, já que não dispõe de capital.
Essa população não constitui mercado para a produção de habitações através de
relações essencialmente capitalistas, portanto ela não afeta o processo de acumulação
de capital do Brasil baseado na abundante oferta de mão-de-obra barata e de fácil
renovação.
A grande concentração de renda e o intenso fluxo migratório interno ficaram
aquém da reforma política habitacional demagógica, implantada para minorar o
problema. A maior parte da população acabou por morar em favelas, periferias,
cortiços, debaixo de viadutos, ou sendo expulsa para locais distantes dos seus locais
de trabalho, em loteamentos clandestinos ou irregulares, ao mesmo tempo em que a
especulação imobiliária verticaliza as áreas centrais urbanizadas.
A ausência do Estado, junto à maior parte da população de renda mais baixa,
define a ilegalidade da política da habitação e sua dualidade, uma produção tipicamente
capitalista e a outra de subsistência, que se configura no espaço da miséria. O
problema da produção de moradia é deixado por conta do indivíduo, já que as reformas
do governo de 1964 seriam maiores do que os recursos para resolvê-las.

5.2 Modernização conservadora

A malha programada gera a fragmentação social e a revolução demográfica. O


regime autoritário tentou fazer uma massificação das políticas sociais, degradando com
isso a qualidade dos serviços. A urbanização acelerada como instrumento das políticas
governamentais autoritárias se reflete na modernidade da pobreza, porque a
urbanização é o nexo da articulação do Brasil a economia – mundo como
semiperiferia). A problemática social da semiperiferia se manifesta em grande
descompasso entre expansão das redes de serviços e equipamentos coletivos e o
precário estado social da nação (BECKER, EGLER,1993, p. 170-181).

40
Assim, o Brasil ingressa na modernidade pela via autoritária, pelo projeto
geopolítico do Brasil-potência. A economia alcança a posição de oitavo PIB do mundo,
o parque industrial atinge elevado grau de complexibilidade e diversificação, a
agricultura apresenta indicadores flagrantes de tecnificação e dinamismo, e uma
extensa rede de serviços interliga a quase totalidade do território nacional (BECKER,
EGLER,1993, p. 169).
Os núcleos urbanos são a sede das novas instituições, da circulação de bens,
capital e informações e também o lugar onde a força de trabalho, expulsa pela
modernização agrícola, reside, circula e se ressocializa. A pobreza constitui um entrave
à maior expansão das grandes empresas, mas permite a proliferação de fabricação
menos capitalizada e criadora de emprego. O mercado unifica a economia urbana e,
quanto maior a cidade, maior a possibilidade de multiplicação das atividades informais.
Explica-se a expansão do emprego mal remunerado e das metrópoles como local da
crise urbana, das carências sociais se manifestando em movimentos de “posseiros,
invasões dos sem-teto e loteamentos clandestinos, ao contrário do que ocorre nas
economias centrais. No Brasil a periferia cresce com a indústria e a migração de baixa
renda. O lugar da pobreza torna-se invariavelmente o lugar da riqueza (BECKER,
EGLER,1993).
Nas metrópoles tem-se os problemas de gestão complexa comum às grandes
aglomerações urbanas que se repartem entre as distintas administrações locais, bem
como os problemas específicos das cidades de economia periféricas (redes) resultando
em elevado potencial de conflitos reivindicatórios de direito á cidadania, as grandes
aglomerações se tornam palco da luta pela redemocratização da sociedade e pela
preservação do parque industrial nacional. A modernização conservadora moderniza o
aparelho tecnológico e de distribuição das redes, mas a estrutura social continua a
mesma, com a maior parte servindo de mão de obra barata e não se beneficiando das
próprias benesses da modernização que propulsiona. Ao contrário do que percebe nas
metrópoles dos países centralizados, São Paulo é formada á partir da exclusão. Ao
mesmo tempo em que tem-se a difusão do capital, da indústria e do emprego, se tem
favelas, marginalização, periferização e outros efeitos demográficos que refletem a
nossa conservadora instituição social modernizadora (BECKER, EGLER,1993).

41
6 URBANIZAÇÃO BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 80 E 90

Até o fim dos anos 80 prevalece no país do pós-guerra um arranjo econômico


fundado na complementaridade inter-regional das estruturas produtivas e na integração
do mercado nacional, a exemplo do padrão de localização industrial, das regiões de
fronteira e da dinâmica migratória, que conformou, em termos estruturais, áreas de
atração e expulsão da população (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 45-6).
Nas décadas de 80 e 90, o processo de urbanização no Brasil mantém-se
acelerado pelos processos resultantes da reestruturação econômica. Configura-se
nesse quadro a interiorização do fenômeno urbano, o crescimento das cidades médias,
a periferização dos centros urbanos, a formação e consolidação de aglomerações
urbanas metropolitanas e não-metropolitanas e a articulação comercial da indústria e da
agropecuária (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. XI).
O Estado em crise encontra dificuldades em expandir e manter a imensa rede
implantada, ameaçando a segmentação do mercado, num momento em que as
grandes corporações em escala planetária se encontram em franco processo de
incentivo ao rompimento dos limites territoriais dos Estado-Nação, em favor de lugares
e posições. O novo capitalismo Industrial tende a diminuir as barreiras nacionais e a
enfraquecer os Estados-nação, aumentando a transnacionalização e mundialização
dos mercados. Este processo não esconde o desejo dos interesses locais de se
relacionar diretamente com o mercado mundial,da mesma forma que as transnacionais
buscam negociar diretamente esses mercados regionais, cujos interesses nem sempre
são coincidentes aos nacionais (BECKER; EGLER, 1993, p. 224-7; ROLNIK, 1994, p.
351-4).
As grandes beneficiadas são as transnacionais por centralizarem na cidade
mundial a gestão e a produção, obtendo o controle sobre o mercado interno e externo
da semiperiferia, implicando em espacialidades novas e emergência de impactos
territoriais de natureza distinta daqueles que se faziam presentes no passado, como
parece sugerir a idéia de fragmentação do território (BECKER; EGLER, 1993, p. 224-7,
CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 45-6).

42
Encontra-se, assim, mesmo em pequenos núcleos urbanos, bem como no meio
rural, uma parcela da população residente totalmente integrada, através de circuitos de
produção, de comunicações e transportes, ao mais avançado padrão de consumo
ofertado pelos grandes centros, ao mesmo tempo em que, nos grandes e médios
centros, existem significativos contingentes e geração de renda. Verifica-se, uma
expressão nova do atual ciclo da acumulação, que produz uma face moderna e de alta
renda e complexidade, e outra de características opostas. O novo desenho dos
mercados reflete uma reconversão industrial pós-fordista com maior flexibilidade,
automação e terceirização, onde a grande planta industrial perde sua razão. Os novos
recortes territoriais se dão através da reestruturação dos investimentos aos chamados
eixos de desenvolvimento influenciados ou por ou áreas polarizadoras ou pelo tipo de
articulação e integração existentes entre os centros urbanos hierárquicos
(CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 54).

6.1 As novas espacialidades

A tendência da urbanização brasileira e do desenho do sistema urbano do Brasil


são os de incorporar as transformações espaciais da economia, configurando uma rede
dispersa de cidades, em razão do movimento de desconcentração da atividade
econômica. Com base nessa concepção, identifica-se uma nova hierarquia de cidades
na composição da rede urbana brasileira, com destaque para dois centros principais,
configurados a partir de fortes relações internas com os demais centros urbanos
nacionais e das relações que esses centros estabelecem com o sistema mundial de
cidades: São Paulo e Rio de Janeiro (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 35 et.seq.).
São Paulo e Rio de Janeiro destacam-se como foco irradiador das decisões
tomadas em escala global para as demais cidades do sistema nacional. Por elas
transitam as decisões financeiras, mercadológicas e tecnológicas capazes de moldar a
economia nacional e articulações com fluxos internacionais de comércio, informação e
conhecimento. As aglomerações urbanas concentram-se, sobretudo, no entorno da
metrópole paulista e ao longo dos eixos rodoviários principais, o que liga São Paulo ao
vale do Paraíba, ao Rio de Janeiro, e ao eixo Anhanguera/Bandeirantes, em direção a
Campinas indo até Ribeirão Preto (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 54-6).
43
Isso se reflete numa malha urbana desarticulada inter e intra regionalmente com
áreas de concentração de pobreza, ao mesmo tempo, em que nelas se concentram
atividades de alta qualificação, realçando o grave desequilíbrio do processo de
urbanização da sociedade brasileira. Uma das repercussões importantes desse
processo de reestruturação econômica da Região Metropolitana de São Paulo recai
sobre a informalização das relações de trabalho. As taxas de desemprego elevam-se
expressivamente durante os anos 90, devido às oscilações bruscas no nível de
atividade econômica e aos ganhos de produtividade que acompanham a reestruturação
da indústria metropolitana, potencializando as dificuldades para a reversão dos
processos de desigualdade social (CARACTERIZAÇÃO, op. cit.).

6.1.1 Arrebentação do padrão de urbanização: o espaço da fragmentação

As aglomerações urbanas metropolitanas do Sudeste/Sul do país, onde a


produção industrial tem peso significativo na estrutura produtiva, passa por uma
ampliação das funções de alta gestão na participação do setor de serviços. Acrescem
as atividades que requerem ampliação das articulações entre os centros
metropolitanos, e conexões internacionais. Esse fato somado às novas características
do Capitalismo Mundial Integrado repercutem no desaparecimento clássico de cidade
industrial e numa nova tendência: o superespaço multifuncional privado como substituto
da cidade. Isso é expresso fisicamente por um padrão de urbanização que incorpora
novas áreas às cidades e implanta novas estruturas de habitação e consumo, como
condomínios fechados, flats, apart hotéis, shopping-centers, centros de convivência e
outros (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 122-3; ROLNIK, 1994, p. 354 et. seq).
As aglomerações urbanas não–metropolitanas, na rede urbana, tendem a
aproximar o seu padrão de urbanização ao das grandes metrópoles nacionais,
culminando na queda da participação da produção industrial e do emprego. As novas
relações de trabalho dessa reconversão industrial “pós-fordista” resultam no acréscimo
do mercado informal de “subempreiteiros” e prestadores de serviços sem garantias
trabalhistas. Essas questões ampliam a agenda dos problemas urbanos, em relação ao
passado recente, uma vez que surgem, além das tradicionais demandas ligadas á luta
por moradia, nova demanda de emprego, segurança, transportes, infra-estrutura–
44
urbana e equipamentos sociais. Isso se expressa no lado perverso do padrão de
urbanização dos grandes centros, denominado de arrebentação do padrão de
urbanização (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 122).
As áreas urbanas apresentam uma redefinição de suas estruturas urbanas,
devido à ampliação dos interesses fundiários e imobiliários na economia, decorrentes
da concentração econômica e do aumento da competitividade. Surge a implantação de
loteamentos privados murados, que acentuam a diferenciação socioespacial, e grandes
equipamentos comerciais e de serviços, concorrentes aos centros tradicionais,
classicamente entendidos como concentradores de comércio e serviços (SPOSITO,
2004, p. 14).
Esses fatos ampliam o padrão de urbanização articulado ao grande capital e são
responsáveis pela atração de novos investimentos produtivos para a cidade com
polarização e concentração de renda. A cidade, antes industrial, ajusta-se a uma
economia em transição e reforça a flexibilidade espacial, ligada cada vez mais à
localizações probabilísticas e dispersas, ligadas ao comércio, aos serviços e à fluidez
territorial, não mais dependente da hierarquia setorial (CARACTERIZAÇÃO, 2001, p.
122; ROLNIK, 1994, p. 355).
A nova forma de produção do espaço urbano leva à fragmentação da cidade pela
implantação de empreendimentos em dissonância brusca com o tecido que os cerca,
seja pelos interesses fundiários e imobiliários, através da expansão do tecido urbano,
com a ocorrência de “vazios urbanos”, seja pela introdução de novas tecnologias
(veículos automotores e eletrodomésticos), que propiciaram o distanciamento entre a
moradia e o abastecimento, condição necessária para a cidade moderna (SPOSITO,
2006, p. 180-181; SPOSITO, 1999, p. 17).
O processo de verticalização predominante da década de 80, em cidades não–
metropolitanas, permitia a concentração em alguns pontos, porém não deixava de
reforçar as estruturas urbanas, centro-periferia, existentes. O que se observa, com o
aparecimento dos loteamentos fechados nas cidades de porte médio, é um anel
periurbano, geralmente formado por glebas não loteadas e sem uso rural, aparecendo
como novo habitat urbano e servido por boa infra-estrutura (SPOSITO, op. cit..).

45
A ordem centro-periferia é redefinida pela criação de “ilhas” de classe média
incrustadas na periferia, antes normalmente formada por conjuntos habitacionais, frutos
da autoconstrução e precariedade dos meios de consumo coletivo das décadas de
1950 e 1960 (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996, p. 28–9; SPOSITO, 2006, p. 181). Sob esse
ponto de vista, se tem uma cidade fragmentada, que não se relaciona entre si, seja pela
presença de vazios urbanos, seja pelos muros segregadores dos residenciais fechados.

As novas territorialidades e práticas sócio-espaciais decorrentes da


descontinuidade dos tecidos urbanos, do ponto de vista das representações
mentais e das possibilidades sociais, podem significar que esta “unidade”
esteja comprometida pela sua não apropriação como conjunto. Isso não
significa que a cidade esteja com sua unidade rompida em todos os aspectos,
do ponto de vista funcional os interesses sobretudo econômicos buscam e
alcançam em alguma essa medida essa unidade (SPOSITO, 2004, p. 17-8).

A cidade, paulatinamente, é dotada de uma infra-estrutura eficiente, já que o


acesso geralmente é restrito a autopistas. Nas cidades de porte médio este fenômeno
praticamente inexiste, já que as distâncias percorridas entre os loteamentos e os
espaços de consumo, lazer e trabalho são relativamente pequenas. Nesse novo
conceito de viver, a construção de altos muros, para se proteger do outro, é uma
constante do cenário urbano (UEDA, 2006, p. 236-8).
O convívio forçado dos estratos médios e altos com os setores populares num
contexto de desagregação social e de baixo crescimento econômico, tende a aumentar
os preconceitos sociais, com a identificação dos pobres como classe perigosa. A
paranóia coletiva por segurança acaba por cristalizar preconceitos nas elites e
incentivar soluções econômicas imediatistas, que acabam por afetar a estrutura urbana
da cidade e as próprias condições habitacionais destes setores (RIBEIRO; AZEVEDO,
1996, p. 28-9).
A rua perde seu papel de espaço social, enquanto os condôminos se
enclausuram em suas ilhas particulares de conforto e lazer. Cada vez mais o espaço
público se transforma numa “terra de ninguém”, tomada pelos circuitos criminais,
enquanto se espalha uma arquitetura dos espaços semipúblicos privados e controlados,
e a fortaleza dos condomínios (ROLNIK, 1994, p. 355).

46
6.1.2 Loteamentos fechados: a expansão da ilegalidade

O parcelamento do solo urbano está previsto na lei nº 6766/79 e prevê apenas


duas modalidades: o loteamento e o desmembramento. Os loteamentos fechados são
loteamentos convencionais regidos pela lei federal 6766/79, posteriormente fechados
pelo loteador ou associação de moradores, portanto juridicamente eles não existem, por
falta de amparo legal. Neste tipo de empreendimento, os espaços livres e as áreas
destinadas a edifícios públicos e equipamentos urbanos passam a se integrar ao
domínio municipal na categoria de bens públicos de uso comum do povo, conforme
define o código civil brasileiro nos artigos 98 e 99, inciso 1º (FOSCHINI, 2007, p.74-6):

Loteamentos: Aprovado o arruamento, para urbanização em terrenos


particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam
automaticamente para o domínio público do município, independente de título
aquisitivo e transcrição visto que o efeito jurídico do arruamento é exatamente
o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do
povo (STJ, 2º T. ac.un. de 28.9.76 RE 84.327 SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra
apud FOSCHINI, 2007, p. 76).

Ao se fechar um loteamento, altera-se a destinação das áreas públicas verdes e


institucionais, tal como foi o empreendimento aprovado pela lei 6766/79, (art. 22).
Entende-se que, por serem bem público, são de uso comum, e deveriam estar em
situação de igualdade com todos, ao invés de servir exclusivamente aos proprietários
dos imóveis dos loteamentos. O empreendedor isenta-se da obrigação de edificar
casas como o exigido na legislação que regulamenta condomínios (nº 4591/67, Artigo
nº 8º), mas fere o princípio da isonomia da Constituição de 1988 (art.nº5, caput, inciso
XV) ao impedir o acesso das pessoas não moradoras às ruas e espaços públicos
localizados dentro dos muros (FOSCHINI, 2007).
O “Poder Público é obrigado a garantir o livre trânsito das pessoas,
independentemente de lei, a teor do disposto no art. 5, XV, da Constituição da
República” (acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Ap. Civ.
Nº 225629-1/5 – de 16.2.95 – Comarca do Guarujá – Rel. Dês. Aguilar Cortez apud
FOSCHINI, 2007, p. 74-6), não deixando dúvidas sobre a natureza ilegal da utilização
dos bens de domínio público sob a forma privada.

47
Diferentemente do loteamento fechado, o condomínio está previsto na Lei
Federal nº 4591/64. Nesta modalidade não se tem a obrigação legal de transferir
espaços ao Poder Público. O aproveitamento do espaço de uma gleba é condominal,
cada titular é proprietário de uma unidade de casa ou sobrado seguindo o mesmo
princípio jurídico. Não é permitido dissociar a unidade do conjunto condominal e
tampouco apropriar-se das partes de uso comum.
O incorporador comercializa unidades e os próprios condôminos são donos de
uma fração ideal do terreno, com domínio sobre as áreas comuns, conforme o Art. 1º
desta lei: “As edificações ou conjunto de edificações [...] sob a forma de unidades
isoladas [...] constituirá, cada unidade, propriedade autônoma, sujeita às limitações
desta lei”. As matrículas no Cartório de Registro de Imóveis são abertas em função da
edificação que está vinculada ao terreno e coisas de uso comum. Abaixo uma tabela
explicativa para efeito de diferenciação entre loteamento (lei nº 6766/79) e condomínio
de casas ou sobrados (lei nº 4591/64), lembrando-se que loteamento fechado não
existe do ponto de vista jurídico, vide Tabela 6.1.

Tabela 6.1: Principais diferenças ente loteamentos e condomínios

Loteamento Condomínio
As vias e logradouros passam a ser do As ruas e praças, jardins e áreas livres
condomínio público, podendo ser continuam de propriedade dos
utilizados por qualquer do povo, sem condôminos, que delas se utilizarão
nenhuma restrição a não ser aquelas conforme estabelecerem em convenção
impostas pelo próprio município.
Cada lote tem acesso direto à via Os lotes têm acesso ao sistema viário do
pública. projeto condomínio, que, por sua vez,
alcançara a via pública.
A gleba loteada perde sua A gleba inicial perde a sua
individualidade, deixa de existir para dar caracterização; ela continua a existir
nascimento aos vários lotes, como como um todo, pois o seu aproveitamento
unidades autônomas destinadas a é feito também como um todo, integrado
edificação. por lotes de utilização privativa e área de
uso comum.
FONTE: Freitas, 2000, p. 73 (apud FOSCHINI, 2007, p. 72-4)

48
6.2 Revoltas populares

Como se vê, a modernização econômica não foi acompanhada pela


modernização política, e lentamente as práticas do Estado autoritário entram em
choque com as próprias mudanças estruturais advindas pela modernização. A
sociedade não se deixa mais enquadrar numa dominação autoritária do regime militar,
mas também não possui a tradição de se organizar independentemente do Estado. Os
grandes centros urbanos constituíram-se como núcleos difusores da oposição que
esgota as pretensões do regime militar, de se legitimar pela via eleitoral. Os
movimentos de oposição à ditadura eclodem, primeiro com o movimento estudantil,
depois com a Igreja Católica entre 1970 e 1978 (BECKER; EGLER, 1993).
As comunidades Eclesiásticas de Base passam a atuar em nível nacional, nas
cidades e nos campo em apoio a movimentos sociais das classes populares
reivindicadoras dos direitos de acesso à terra e à cidadania (DELLA CAVA, 1988 apud
BECKER; EGLER, 1993, p. 229-230). Na periferia das grandes cidades atum junto aos
desempregados, trabalhadores de baixa renda e operários, e no campo, junto aos
camponeses expropriados e comunidades indígenas.
A partir de 1978 emerge o “novo sindicalismo” e em 1979 assiste-se ao fim dos
poderes excepcionais e o retorno ao pluralismo partidário, que redireciona as lutas
sociais, no sentido de perderem gradualmente peso na sociedade civil, movimento do
qual a Igreja se exclui. O novo sindicalismo opta por fundar o Partido dos
Trabalhadores, o PT. Em 1984 a pressão democrática reivindica a antecipação das
eleições para presidente com o movimento “Diretas Já”, culminando na eleição
(indireta) do primeiro presidente desde 1964 (BECKER; EGLER, 1993, p.228-232).
Esse lento processo de transição autoritária para o governo civil (1974/1985)
leva as elites regionais a buscarem novos mecanismo políticos para garantir seu
poder. Os “currais eleitorais” ressurgem nas áreas urbanas e periurbanas com o intuito
de trocar apoio político por recursos e o “clientelismo”, instrumento para obter votos
através da troca de favores, atinge níveis sem proporção, estimulado pelo forte abalo
sofrido nos pactos tradicionais de fidelidade eleitoral, baseado na propriedade da terra
(BECKER; EGLER, 1993, p.223).

49
O Estado encontra-se incapaz de expressar os interesses da sociedade civil e
de consolidar um novo pacto social para superar as raízes autoritárias da crise
institucional. A elaboração de uma nova constituição e a eleição direta de um novo
presidente representam uma nova fase de liberdades políticas sociais no Brasil,
assegurando plena liberdade de expressão e participação, porém extremamente
conservadora no que diz respeito à propriedade territorial, inviabilizando qualquer
reforma consistente de reforma agrária.
Em parte, isso se deve ao fato, da reforma constituinte emergir do confronto de
posições entre grupos de pressão da área de especulação imobiliária ou ligados à
dinâmica de produção do espaço e entre a área de administração pública brasileira
técnico corporativista (ROLNIK, 1994, p. 357). O Estado assiste à diminuição de sua
autonomia e ao fortalecimento de corporações autônomas. A ele cabe o papel de
atender a imensa demanda social reprimida, sem contudo, ter capacidade de controle
e gerenciamento suficientes dos recursos públicos para isso. Acentua-se a lógica
empresarial e configura-se a crise do Estado (BECKER; EGLER, 1993, p. 234).
Para vencer a miséria são necessários recursos vultosos que só poderiam ser
de proveniência estatal, que não poderá ser eximido de uma distribuição mais
eqüitativa da renda nacional, apesar de envolver a captação de recursos privados. O
resgate da política é também peça chave para a conquista da cidadania. A
governabilidade depende de instituições democráticas, sujeitas ao controle social da
nação e voltada para seus interesses (BECKER; EGLER, 1993, p.250).

6.3 Política urbana da década de 80 até os dias atuais

O colapso do modelo pautado na matriz central do Estado concorreria para que o


movimento do Brasil da década de 80 focasse os movimentos sociais, as organizações
e as instituições, que lutavam pelas eleições do primeiro presidente civil, desde 1964, e
por uma nova Constituição. Passado os mais de dez anos de crise da década perdida
(80) e a ilusão de que o milagre do desenvolvimento fordista ainda poderia ser
retomado, e que a miséria e a fome poderiam ser suprimidas com o pleno emprego e o
Estado do Bem-Estar social, sobra para as próprias cidades administrar esse produto

50
polarizado e desestruturado em que elas se tornaram. Os artigos 182 e 183 da nova
constituição transferem todas as responsabilidades aos planos diretores municipais,
legitimando sua autonomia para planejar e gerir suas realidades numa nova perspectiva
econômico-político–territorial (ROLNIK, 1994, p. 356; SOUZA; RODRIGUES, 2004, p.
66).
E isso ocorre num momento em que as cidades passam por um momento de
experimentação de novas formas de democratização da gestão e de constituição da
cidadania, já que faltava tradição dessa ordem no plano social. A organização sindical
emerge desse quadro de tensões sociais e leva a questão social a ser entendida dentro
de sua especificidade, e não como fruto do crescimento econômico, como vinha sendo
encarado pelos reformadores. Ao final do período a dimensão social passa a
predominar na tematização da questão urbana e o urbanismo é acionado como
instrumento na formulação de diagnósticos preocupados em gerir com eficiência a
cidade existente (RIBEIRO; CARDOSO, 1994; BECKER; EGLER, 1993).
Nos anos 90 o Estado sucumbe ao papel de auxiliar de forma mais direta
possível os interesses empresariais, e de desburocratizar, privatizar e flexibilizar as
exigências legais, além de oferecer incentivos fiscais para que a própria cidade
funcione como uma empresa, e seja competitiva para atrair investimentos e turistas
(SOUZA, 2006, p. 152 et. seq.). A Agenda 21, aprovada pela Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), aborda os assentamentos
humanos como um problema ambiental, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo se
fortalece, trazendo legitimidade ao mercado (RIBEIRO; CARDOSO, 1994).
O figurino neoliberal acentuadamente “mercadófilo” do empresarialismo ou
empreendedorismo urbano, quer fazer crer que a palavra gestão possui a conotação de
um controle mais democrático, em contraposição ao termo planejamento, taxado de
rígido e tecnocrático pela prática das décadas anteriores. Decerto, o empresarialismo
urbano não se mostra antipático a idéia de participação, diversamente do que ocorria
com o planejamento corbusiano ou regulatório clássico, mas a conjuntura do
imediatismo do planejamento pouco ou nada tem a ver com avanços democráticos
(SOUZA; RODRIGUES, op. cit.).

51
Em termos de legislação, os planos diretores participativos são aprovados como
parte do planejamento municipal, de modo a garantir a função social das áreas do
município pela lei federal do Estatuto da Cidade, que já vinha sendo apontada desde o
projeto de lei da Constituição Federal de 1988 nos artigos 182 e 183 (NYGAARD, 2005,
p.19-20). Para garantir a gestão democrática da cidade, o Estatuto disponibiliza
diversos instrumentos de gestão participativa e instaura como obrigatória a participação
significativa da população e das associações representativas dos vários segmentos da
comunidade no âmbito municipal, de modo a garantir o controle direto de suas
atividades e o pleno exercício da cidadania.
Assim, durante boa parte dos anos 90, há certa euforia com os planos diretores,
como se estes fossem verdadeiros reformadores urbanos, porém a diferença é que um
bom plano posto em prática depende da dinâmica da sociedade civil, em particular dos
ativismos e movimentos sociais. E isso ainda hoje se apresenta como um problema
visto que muitos prefeitos os tem tratado com negligência (SOUZA; RODRIGUES,
2004, p. 59-68).

52
7 BAURU

O município de Bauru está localizado na parte central do Estado de São Paulo,


implantado num anfiteatro natural de cerca de 5 km de raio, modelado por diversos
cursos d’água formadores das cabeceiras do rio Bauru. O relevo regional é de colinas
amplas e suaves, modeladas em arenitos das Formações Marília e Adamantina
(SALOMÃO, 1994 a).
Segundo dados da Prefeitura Municipal de Bauru (BAURU, 2008), a Longitude
está entre os meridianos 48 e 50 ao Oeste de Greenwich e a latitude entre os paralelos
21,30 e 23 ao Sul do Equador. A área do município é de 674 Km² e a população é de
356.680 habitantes. O município confronta-se ao Norte com o município de Reginópolis,
a Noroeste com Avaí, a Nordeste com Arealva, a Leste com Pederneiras, ao Sul com
Agudos e Sudoeste com Piratininga, conforme Lei Estadual 8092 de 28/02/1964, vide
Mapa 7.1.
Em Bauru encontra-se o maior Terminal Multimodal hidrorrodoferroviário da
América Latina. A cidade integra-se ao sistema rodoviário nacional por meio das
rodovias estaduais, é rota aérea, e entroncamento ferroviário da malha RFFSA – Rede
Ferrroviária Federal Sociedade Anônima - da Novoeste e da Fepasa, que permitem
acesso aos portos do litoral na direção leste, aos países do oeste e do sul. Toda essa
confluência permite que Bauru seja um importante entreposto comercial de São Paulo,
pela logística instalada (CARACTERIZAÇÃO, 2002, p. 138)

53
zona
urbana

Mapa 7.1: Localização do município de Bauru no Estado de São Paulo e no Brasil

54
De acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social 4, vide Gráfico 7.1,
Bauru possui 8,1% de sua população muito vulnerável à pobreza e 12% com nenhuma
vulnerabilidade à pobreza, ambos os índices são extremos do índice que conta com 6
escalas de classificação e mesmo assim apresentam os resultados dos dois extremos
muito próximos, em termos de porcentagem populacional.
Miséria e riqueza se distribuem de forma quase equitativa pela população de
Bauru, porém destoam das porcentagens médias do Estado de São Paulo da seguinte
maneira. Em relação à porcentagem das pessoas que não apresentam nenhuma
vulnerabilidade social à pobreza, o estado de São Paulo apresenta 6,9 % de sua
população vulnerável, enquanto Bauru apresenta um índice de 12%. Isso significa que
em Bauru uma concentração de riqueza superior em aproximadamente o dobro da
média do Estado de São Paulo.

4
O índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) permite obter uma ampla visão sobre as condições
de vida, dos riscos sociais e das possibilidades de mobilidade social dos vários segmentos sociais. A
partir da compreensão do local da residência como um dos condicionantes de uma vida digna e segura, a
segregação residencial é compreendida como um dos determinantes do processo de manutenção e
reprodução da pobreza. Portanto, analisar as condições de vida de determinado segmento social implica
relacioná-lo às reais possibilidades de acesso a mercados e bens de serviços públicos e privados. Nesse
sentido, a dimensão espacial somada aos indicadores de renda, escolaridade e ciclos e vida familiar,
torna-se condição decisiva para se localizar as áreas que concentram os contingentes populacionais
mais sensíveis aos efeitos negativos da segregação residencial e que a tornam mais vulneráveis à
pobreza. Com essa abordagem a dimensão espacial é introduzida na operacionalização do IPVS,
resultando numa cartografia temática, cujo detalhamento espacial faz referência aos pontos que precisam
de ações focalizadas, especialmente por parte do poder público municipal. Os seis grupos que
constituem o IPVS, juntamente com a representação cartográfica são contemplados da seguinte maneira.
Grupo 1- Nenhuma vulnerabilidade- engloba os setores censitários em melhor situação econômica (muito
alta), com os responsáveis pelo domicílio possuindo os mais elevados níveis de escolaridade e
renda.Seus responsáveis tendem a ser mais velhos, com menor presença de crianças pequenas e de
moradores nos domicílios, quando comparados ao conjunto do Estado de São Paulo. Grupo 2 –
Vulnerabilidade muito baixa – nessas áreas concentram-se , em média, famílias mais velhas, em temos
de dimensão socioeconômica média ou alta, cujos setores censitários se classificam em segundo lugar
no Estado. Grupo 3- Vulnerabilidade baixa – formado pelos setores censitários que se classificam nos
níveis altos ou médios da dimensão socioeconômica e seu perfil demográfico caracteriza-se pela
predominância de famílias jovens e adultas. Grupo 4 – Vulnerabilidade Média – composto pelos setores
que apresentam níveis médios na dimensão socioeconômica, estando em quarto lugar na escala em
termos de renda e escolaridade do responsável pelo domicílio. Neste setor concentram-se famílias
jovens, com forte presença de chefes de família com menos de 30 anos e de crianças pequenas. Grupo 5
–Vulnerabilidade alta – engloba os setores censitários que possuem as piores condições na dimensão
socioeconômica (baixa), estando entre os dois grupos em que os chefes de família apresentam em
média, os níveis mais baixos de renda e escolaridade. Concentra famílias mais velhas com menor
presença de crianças. Grupo 6 – Vulnerabilidade Muito Alta – o segundo dos dois piores grupos em
termos da dimensão socioeconômica (baixa), com grande concentração de famílias jovens. A
combinação entre chefes jovens, com baixo nível de renda e de escolaridade e presença significativa de
crianças pequenas insere este grupo no de maior vulnerabilidade à pobreza (SEADE, 2000)

55
Gráfico 7.1: Distribuição da população, segundo grupos do Índice Paulista de
Vulnerabilidade Social-IPVS/Estado de São Paulo e município de Bauru (SEADE, 2000)

Figura 7.1: Ilustração do índice de Vulnerabilidade Social do Município de Bauru com


destaque à localização do Jardim Nicéia (SEADE, 2000)

56
Como o índice considera a segregação residencial como uma das características
de vulnerabilidade à pobreza, além dos níveis de acesso a serviços públicos, Bauru se
apresenta como uma cidade especialmente marcada pela distribuição desigual das
habitações e dos serviços públicos em relação ao Estado de São Paulo. Na Figura 7.1
observa-se a predominância dos maiores índices de vulnerabilidade às margens do
perímetro urbano e em alguns poucos pontos distribuídos pela mancha urbana,
enquanto os extratos que representam pouca vulnerabilidade à pobreza concentram-se
na área central e ao sul do sítio. Note-se pela mesma ilustração, na área destacada por
um círculo em meio à zona Sul da Cidade, área de predominância de grupos 4 e 1, a
presença de um único grupo de grau 6. Ele representa o Jardim Nicéia, única ocupação
irregular da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida, rodeada por condomínios
de alto padrão.
Esta ocupação, em especial, apresenta uma grande familiaridade com o sítio
urbano, o qual ocupa, e apesar dos altos índices de vulnerabilidade á pobreza, em meio
a índices nem tão baixos assim, ela se porta como pioneira no uso da legislação mais
democrática pela regularização fundiária na cidade de Bauru.

7.1 Clima e pluviometria

O clima segundo a classificação de Koeppen (apud Santos, 2007, p. 28) é


Tropical de altitude; no período de 91 a 95 a temperatura média máxima foi de 29,1 °C
e a temperatura média mínima 16,6 °C. Em 2004 a tem peratura média no mês mais frio
foi 17,5 °C e do mês mais quente 24,°C. Os ventos s opram de L e SE, no período de
janeiro a maio, para SO em junho e NO em julho e no mês de dezembro,
continuamente para o Sul, passando por O e SO (INSTITUTO, 2003).
O Gráfico 7.2 faz uma média dos dados anuais do período de 1940-1997
segundo os estudos de Almeida Filho (2000, p. 79 et. seq.) que afirma ocorrer na região
de Bauru chuvas tipicamente tropicais e convectivas, caracterizadas por temporais
violentos (trombas d´água), pancadas intensas e de curta duração, geralmente no final
da tarde ou no início da noite. Entretanto, constatou que, as chuvas de grande
intensidade também ocorrem em períodos considerados secos, e de inverno e, que as

57
chuvas de alta intensidade e curta duração são características das chuvas que podem
deflagrar processos erosivos.

Gráfico 7.2: Comparação dos dados anuais com a média do período de 1940-1997-
Posto D6-036 (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 85)

Segundo o mesmo autor, as chuvas no município de Bauru se distribuem por


todo ano, com a particularidade de se concentraram nos períodos de primavera e verão
e escassearem no período de outono e inverno. Os meses de outubro a março têm
participação menos efetiva que os meses de dezembro a fevereiro, entretanto janeiro
se destaca sobremaneira com aproximadamente 17% das chuvas. O período menos
chuvoso vai de junho a agosto, correspondendo a 2,1% das chuvas anuais.

7.2 Solo, relevo, litologia e geomorfologia

O solo de Bauru é um solo de característica predominantemente arenosa pouco


argilosa, residuária dos arenitos das Formações Marília, Adamantina do Grupo Bauru e
Cenozóicas, predominantes em toda a região oeste do estado de São Paulo, com
relevos colinosos e morrotes. Os solos variam bastante de acordo com a morfologia e
as mudanças de declividade do terreno. No topo plano ocorrem os latossolos, de
textura média, onde a infiltração é rápida e as condições são de estabilidade: na

58
encosta, os solos podzólicos, de textura arenosa/média, onde predominam os
processos erosivos; e na baixada, os solos hidromórficos, onde ocorrem alagamentos,
surgências d'água, etc (Figura 7.2) (KERTZMAN; DINIZ, 1995; SALOMÃO, 1994 b).

Figura 7.2: Toposseqüência em arenito na Região de Bauru (adaptado de KERTZMAN;


DINIZ, 1995, p. 35)

Nota-se o predomínio de solos muito desenvolvidos, com alteração pronunciada


dos minerais primários, característica dos climas quentes e úmidos: solos com horizonte
B latossólico (Bl), o Latossolo Vermelho Escuro textura média, ou com horizonte B
textural (Bt), o Podzólico Vermelho Amarelo textura arenosa/média (abruptico e não
abruptico) (RADAMBRASIL, não publicado apud SALOMÃO, 1994 a).
De maneira genérica o solo pode ser classificado em: Latossolo Vermelho Fase
Arenosa, provavelmente originário do Arenito Bauru, com ocorrências de solos
podzolizados de Lins e Marília, da variação Marília. A formação desse solo em clima
tropical é marcada pela alternância de estações chuvosas e secas, o que intensifica a
lixiviação do solo superficial. Além de apresentar elevada erodibilidade os solos
também são colapsíveis. Foram encontrados solos rasos (litólicos, cambissolos e
brunizens) associados às escarpas em relevos de transição junto à borda do platô, e
solos Hidromórficos (Glei Húmico e Glei pouco Húmico) junto aos fundos de vales
(SALOMÃO, 1994 a, 1994 b).
Segundo Salomão (1994 b, p. 61) a cobertura latossólica ocupa praticamente
toda a vertente, desde o seu topo até a porção inferior, próxima ao fundo de vale. No

59
sistema de colinas médias sua ocorrência limita-se ao topo, mas somente quando este
apresenta-se ligeiramente convexo e não muito expesso.
O município de Bauru situa-se na bacia Sedimentar do Paraná e está inserida no
Planalto Arenítico Basáltico do Estado de São Paulo (Planalto Ocidental), onde o
quadro geológico regional é caracterizado por Rochas do Grupo Bauru (Cretáceos
Superior), recobrindo as rochas vulcânicas da formação Serra Geral, que afloram em
direção ao Vale do Tietê. O substrato rochoso é formado quase totalmente por rocha do
Grupo Bauru, com as rochas básicas da Formação Serra Geral ocorrendo apenas no
limite sudeste (SALOMÃO, 1994 a).
Bauru situa-se no Planalto Ocidental Paulista, que em linhas gerais, pode-se
dizer ter sido elaborado por erosão diferencial sobre rochas de distintas composições
que resultaram na formação de diversos platôs (PONÇANO et.al., 1981 apud
SALOMÃO, 1994 a). Assim, o relevo da região de Bauru apresenta um domínio de
colinas amplas ocupando generalizadamente as porções mais elevadas do platô e
parcialmente as porções rebaixadas de domínio da Bacia do Rio Batalha. Nota-se a
presença de relevos muito movimentados em forma de escarpas, morrotes alongados,
isolados e colinas médias constituindo relevos de transição, junto às bordas do platô
(SALOMÃO, op. cit.).
As formas de relevo potencializam os processos erosivos regionais e locais, uma
vez que são formadas por rampas longas e inclinadas com rupturas e declives que
favorecem a concentração de fluxo de água. Quando associada a substratos areníticos
esses processos erosivos são do tipo de reativação de drenagens naturais freqüentes
nas áreas de cabeceiras de drenagem e linhas preferenciais de concentração de fluxo
d´água (SALOMÃO, 1994 a).
Bauru está inserida na Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de Recursos
Hídricos da bacia Tietê-Batalha e Tietê-Jacaré, ocupando respectivamente 74,3% e
25,7% da área municipal (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 5). O sítio urbano do município se
divide em quatro sub-bacias hidrográficas (Tabela 7.1,Figura 7.3). A bacia do Ribeirão
Campo Novo abrange principalmente a área rural. As bacias do Rio Batalha e a do Rio
Bauru, em maior proporção, sediam a área urbana (SANTOS, 2007, p. 30).

60
Figura 7.3: Mapa geomofológico e de sub-bacias do município de Bauru (PONÇANO,
1981 apud ALMEIDA FILHO, 2000, p. 37)

61
A área urbana encontra-se praticamente inteira na Bacia do Rio Bauru, divididas
em 10 sub-bacias hidrográficas dos afluentes do Rio Bauru. O primeiro trecho é
chamado Água da Ressaca, depois estão Água da Forquilha, Água do Sobrado,
Córrego da Grama, Água do Castelo e Ribeirão das Flores, Córrego do Barreirinho,
Água Comprida, Vargem Limpa (com dois trechos distintos) e Córrego do Arroz
(INSTITUTO, 2003).

Tabela 7.1: Características das sub-bacias


Sub-bacia Área
Número Nome Km2
Ribeirão
1 360,28
Água Parada
2 Rio Batalha 454,85
3 Rio Bauru 136,66
Ribeirão do
4 73,62
Campo Novo
Fonte: Almeida Filho, 2000, p. 5

A ocupação urbana de Bauru desencadeia a quase totalidade dos processos


erosivos, muitos desses de pequeno porte e não mapeáveis, do tipo laminar e em
sulcos, atuando em solos descobertos. As sub-bacias do Rio bauru destacam-se como
grandes fornecedoras de sedimentos, em geral pela implantação de conjuntos
habitacionais sem a infra-estrutura necessária, por rodovias e grandes avenidas.
Destacam-se como grandes produtoras de sedimentos as sub-bacias dos córregos
Vargem Limpa, Barreirinha, Água Comprida, da Grama e da Ressaca, muito afetadas
por erosões provenientes especialmente dos loteamentos. O assoreamento do Rio
Bauru dentro da área urbana e as enchentes periódicas são resultado do intenso
processo de urbanização (SALOMÃO, 1994 a, p. 68-9).
Observa-se pela a Tabela 7.2 que a microbacia hidrográfica do córrego da Água
Comprida representa pouco mais de 10% do total de habitantes da bacia do Rio Bauru,
não representando uma das bacias mais populosas, tal como a microbacia do Córrego
da Grama, responsável por cerca de 22% do total de habitantes; porém quando verifica-
se a porcentagem de erosões em relação ao total de erosões da bacia, percebe-se que
esta é a segunda maior contribuidora do alto percentual que ela apresenta, sendo

62
responsável por 19% das erosões, atrás somente da bacia do córrego da Grama que
corresponde a quase 35% do percentual total.
A alta porcentagem de erosões verificada na Bacia Hidrográfica do córrego da
Água Comprida relaciona-se ao seu forte processo de urbanização, sobretudo
relacionado à grande concentração de capitais ao longo de sua extensão, por ser
cortada pelas avenidas de maior fluxo da cidade, com numerosa implantação de
edifícios e serviços públicos, próxima ao shopping da cidade e a grandes redes de
supermercado. Esta bacia, principalmente a zona da cabeceira, na região Sudeste, se
posta como setor de atração de capitais na cidade de Bauru.

Tabela 7.2: Microbacias do Rio Bauru, número de habitantes e de voçorocas


Nº habitantes da Nº habitantes da
Microbacias do Rio Bauru bacia (censo IBGE microbacia / Nº habitantes Nº voçorocas
2000) da bacia (%)
Córrego da Ressaca 23.559 7,79 1
Córrego Água da Forquilha 9.677 3,20
Córrego Água do Sobrado 33.768 10,96 2
Córrego Água da Grama 66.524 22,02 9
Córrego Água do Castelo 41.931 13,88 2
Córrego do Pau d’Alho 20.284 6,71 2
Córrego Barreirinho 23.284 7,70 1
Córrego Vargem Limpa 12.210 4,04 2
Córrego Vargem Limpa 22.011 7,28 2
Córrego Água Comprida 31.717 10,49 5
Córrego das Flores 17.117 5,66
TOTAL 302,082 100 26
Fonte: adaptado de Santos, 2007, p.33

7.2.1 Córregos e Rios

O Rio Batalha é um dos mais importantes afluentes do Rio Tietê, responsável por
58% do abastecimento do município, faz a divisa entre Bauru e Piratininga. Na área
rural o rio Batalha possui quase 200 afluentes (INSTITUTO, 2003). Em 1996 foi criada a
criação da APA - Área de Proteção Ambiental - do Rio Batalha, com intenção de
recuperar este rio.
Em suas margens se encontram importantes remanescentes florestais e
espécies ameaçadas de extinção. Grande parte deles compõe um cenário calamitoso,
principalmente dentro do perímetro urbano da cidade. Nas margens do Rio Bauru, a

63
mais de cem anos, começou a expansão humana em Bauru. Hoje a cidade inteira está
dentro de sua Bacia Hidrográfica, lançando mais de 1000 litros por segundo de esgotos
sem tratamento em seus afluentes, tornando praticamente nula a quantidade de
oxigênio na água ao sair do município (INSTITUTO, op. cit.; SILVEIRA, 2004 b).
Em mais de três pontos despeja-se cerca de 60 litros de esgoto por segundo no
Rio Batalha, comprometendo inclusive a qualidade de suas águas. As matas ciliares
foram desmatadas a mais de 50 anos e por isso o processo de erosão e
assoreamentos é marcante. O DAE – Departamento de Águas e Esgoto- tem planos de
abastecer parte da cidade com suas águas (INSTITUTO, op. cit.).
A situação continua crítica e pouco foi feito ao longo dos últimos anos para
revertê-la. Rios e córregos são atacados em várias frentes - poluição, assoreamento
decorrente de erosões, degradação de mata ciliar e ocupação de áreas de preservação
permanente. Mesmo possuindo extensas bacias de drenagem, o município de Bauru
ainda dispõe de uma ineficiente e precária rede de galerias de águas pluviais
(SILVEIRA, 2004 b).
Alguns córregos de Bauru já receberam interceptores às suas margens,
tubulações que recolhem o esgoto que seria despejado no trecho do leito, jogando o
esgoto em algum ponto mais adiante. Mendonça (op. cit.) explica que, através de
instalação de uma grande rede de interceptores, seria possível despoluir os córregos e
concentrar o esgoto apenas no rio Bauru, até que uma estação de tratamento fosse
construída e começasse a operar. Os problemas não foram resolvidos mesmo nesses
córregos que já têm interceptores, pois os vazamentos de esgoto por tubos estourados
continuam a manter a água poluída.

7.2.2 Assoreamento e a indústria das erosões

A maior parte das nascentes da bacia do rio Bauru está em locais de erosão,
agredidas por lixo e esgoto. Além da poluição da água por detritos orgânicos, a mata
ciliar que protege o leito sofre degradação. O assoreamento também é o principal
problema do rio Batalha. Acredita-se que suas águas são suficientes para abastecer

64
Bauru por mais três anos apenas. As erosões ocuparam o leito do rio e soterraram as
nascentes (MENDONÇA, 2004 apud SILVEIRA, 2004 b).
A ocupação das áreas de preservação permanente por favelas e avenidas
deixam-na sob risco, pois a ocupação descontrolada das margens destrói áreas
prioritárias para a conservação do rio, devido à má utilização do solo, que aumenta o
problema das erosões. Embora haja tantos entraves, há também avanço na avaliação
do ambientalista Mendonça (op. cit.), que considera um avanço, o fato de Bauru
compreender esses problemas e realizar seu planejamento com base neles,
subsidiando as discussões do novo Plano Diretor, baseadas na degradação ambiental.
Os processos erosivos acompanham Bauru desde o início de sua urbanização,
justamente pela sua localização numa região de afloramento de arenitos no Planalto
Ocidental Paulista. O regime de chuvas tropicais, é propício ao surgimento de erosões,
quadro agravado consideravelmente quando somado às ações antrópicas. As causas,
basicamente, são relacionadas com a ausência de critérios técnicos, tanto para nortear
a expansão urbana, que ocorre de forma expressiva nas últimas décadas, quanto para
a aprovação de projetos de loteamentos residenciais e de conjuntos habitacionais,
muitas vezes em locais não apropriados (IPT, 1994).
A falta de investimento inicial com materiais e mão–de–obra para infra-estrutura,
a forma de organização do sistema viário perpendicular às curvas de níveis do terreno e
o parcelamento do solo de forma especulativa justificam boa parte do aparecimento de
erosões nos loteamentos urbanos, pela concentração de águas pluviais e servidas no
sistema viário inadequado, não raro, com ausência de pavimentação, guias e sarjetas,
e deficiente sistema de drenagem (IPT, op. cit.).
A área urbana de Bauru encontra-se, hoje, intensamente degradada, por erosões
lineares (ravinas e voçorocas), de médio e grande porte, que causam destruição de
obras, assoreamentos de fundo de vales, desvalorização do solo urbano, riscos à vida e
prejuízos municipais incalculáveis. As medidas preventivas durante as fases de
planejamento e implantação das obras urbanas certamente reduziriam os elevados
custos em obras de recuperação e controle, que se mostram, ao longo do tempo, de
eficiência e durabilidade reduzidas, pela falta de aplicação correta dos conhecimentos
técnico científicos no combate à erosão. Além disso, os custos para a correta

65
reabilitação das áreas degradadas são muito elevados e, bem superiores aos da
implantação de todas as obras de infra-estrutura preventivas necessárias para que se
evite problemas futuros nos loteamentos (CAVAGUTI, SILVA, 1995).
Segundo Salomão (1994, p.31-2) as diversas ravinas e voçorocas de grande
porte no perímetro urbano são desencadeadas pela concentração do escoamento de
águas superficial propiciada pela ocupação urbana. As maiores concentrações se dão
nos solos podzólicos, seguido pelos de textura média, e, com menos importância nos
solos de textura argilosa, Latossolo Roxo, e vermelho escuro e terra roxa estruturada.
Fatores geomorfológicos, geológicos e os tipos de solos são importantes para
desencadear os processos erosivos, mas independentemente da litologia, originam-se
da ação do homem, pelo desequilíbrio causado no comportamento das águas
superficiais e subsuperficiais (SALOMÂO, 1994, p. 31, 67).
Salomão (1994 a, p.67) verificou que as erosões de grande porte concentram-se
em cabeceiras de drenagem e originam-se logo após desmatamento, devido alterações
hidrológicas. A combinação da ação de águas superficiais e de sub-superfíciais, causa
alargamento e aprofundamento das calhas deixando expostas surgências d’água. A
ocupação urbana, principalmente na periferia, altera ainda mais as condições
hidrológicas pelo grande aporte de água nos cursos de água.
Segundo o mesmo autor, outro tipo de erosão linear origina-se da concentração
do escoamento superficial das águas pluviais e/ou servidas. O processo erosivo inicia-
se em superfície através do ravinamento, susceptível de ser aprofundado e de atingir o
lençol freático. Dadas as condições de origem, as voçorocas de reativação de
drenagem são mais difíceis de controlar do que as erosões causadas por escoamento
concentrado, sendo esta a razão por continuarem expostas por muito tempo e surgirem
em maior quantidade.
As observações de Almeida Filho (2000, p. 107-8), sobre as fotos aéreas de
1962 na bacia do rio Bauru, concluem que os processos erosivos urbanos em franca
evolução, desencadearam-se em decorrência da expansão da cidade a partir da
década de 60. Alves (2001) cita que a indústria das erosões em loteamentos foi um
dos maiores problemas da cidade antes da década de 80, quando a prefeitura não
exigia implantação de galerias de águas pluviais.

66
Rigitano (2003) esclarece que até a década de 1960 a produção de pequenos
conjuntos habitacionais estava inserida dentro da área urbana e aproveitava as infra-
estruturas existentes, mas a partir da década de 1970 a produção de grandes conjuntos
habitacionais aconteceu muito distante da área já urbanizada. Alves (2001)
complementa que esse processo de parcelamento do Período da "Cidade sem Limites",
na década de 70 gerou as maiores erosões da cidade, caracterizado por loteamentos
sem ou com implantação tardia de infra-estrutura, com implantação das ruas
perpendicularmente às curvas de nível (Foto 7.1, Foto 7.2, Gráfico 7.3).

COHAB 16 COHAB 25

Foto 7.1 e Foto 7.2: Erosões relacionadas à ocupação urbana (Cohab 16 e Cohab 25)
(ALMEIDA FILHO, 2000, p. 128, 156)


Gráfico 7.3: Voçorocas na área urbana (ALMEIDA FILHO, 2000)

67
A falta de uma rede de captação de drenagem, somada a impermeabilização e a
ocupação sem planejamento de fundos de vale e áreas de cabeceira, acabam por
formar extensas erosões, e conseqüentes problemas de inundações devido ao
assoreamento dos rios. Tanto as erosões mais antigas quanto as mais recentes, em
sua maioria surgiram por causa de loteamentos feitos de maneira equivocada,
desprovidos de ações preventivas e pela negligência de execução das obras de infra-
estruturas, como dissipadores de energia e pavimentação.
Alves (2001) afirma que nesse modelo especulativo a parte mais valorizada é o
interflúvio, onde na maioria dos casos não se tem preocupação com galerias de águas
pluviais ou bocas de lobo, e destina-se aos lotes particulares. As obras de drenagem
concentram-se na porção médio inferior da vertente. A energia das águas aumenta no
descer dessas encostas e destrói a rede de drenagem e a pavimentação, geralmente
de má qualidade.
As primeiras áreas a serem afetadas pelo processo erosivo, segundo este
mesmo autor, são as institucionais destinadas à região próxima às Áreas de
Preservação Permanente - APPs, onde são necessários gastos maiores com
dissipadores de energia de águas pluviais. Em trabalhos de campo pode-se constatar,
que mesmo os residenciais fechados, apresentam problemas com dissipação adequada
de águas pluviais, sendo comum a presença de sulcos e ravinas ao redor dos muros.
Segundo Alves (op. cit.) os próprios investidores impõem essa forma de
parcelamento, pois transferem a responsabilidade da manutenção da execução de
dissipadores de energia e dos fatores de risco do sistema ao poder público, que não
exige deles tais medidas. Dessa forma fica a critério dos órgãos públicos a manutenção
e o custeio dessas obras, enquanto os empreendedores economizam com infra-
estrutura. Os riscos de erosão sempre foram de conhecimento dos parceladores de
terra, no entanto o poder municipal se encarregou de arcar com as conseqüências.
Os custos para a correta reabilitação das áreas degradadas são muito elevados
e, bem superiores aos custos da implantação de todas obras de infra-estrutura
preventivas necessárias (CAVAGUTI, 1995). Santos (2007, p.97) afirma que o
EIA/Rima na prática significou um avanço no aspecto normativo de controle ambiental,
mas de fato essa legislação tem colaborado para legitimar atividades potencialmente

68
impactantes. A assinatura de responsabilidade técnica (ART) do profissional pode ser
utilizada para atender aos interesses do cliente, apesar da legislação prever punições.
Rigitano em entrevista ao Jornal da Cidade (MOLINA, 2004) afirmou que desde o
início de 2002 já se havia gasto mais de R$ 3 milhões com obras de estabilização
somente com projetos que passaram por licitação para sua execução, ou seja, que não
acrescentaram ações realizadas pela Secretaria de Obras. Com a grande quantidade
de erosões, o problema do assoreamento torna-se cada vez maior. No leito desses rios,
aparecem os problemas de enchentes e inundações em época de chuva (MENDONÇA,
2004 apud SILVEIRA, 2004 b), problemas que demandam de 15 milhões de reais em
galerias de águas pluviais, bacias de contenção, aterramentos e reflorestamento de
áreas de preservação permanente (IPT, 1991).
Segundo depoimento de Mendonça (2003), o EIA/Rima foi exigido somente uma
vez para a ampliação do loteamento Quinta Ranieri, dentro das diretrizes municipais,
mas o empreendedor acabou desistindo do empreendimento devido ao alto custo
cobrado por esse tipo de estudo. Rigitano (2003) complementa que a prefeitura, nesse
aspecto, não pode assumir o ônus de fazer o planejamento de um empreendimento,
sendo que é o proprietário particular quem vai lucrar com a sua instalação. O correto
seria o monitoramento das obras, principalmente as de drenagem, desde a implantação
do loteamento.
A cidade no ano de 2005 possuía 28 áreas com problemas de erosão, de acordo
com dados da Prefeitura, os quais já haviam carreado mais de 1,6 milhões de metros
cúbicos de terra para os fundos de vale (SILVEIRA, 2004 b).
Atualmente o número de erosões é de aproximadamente 30. Seria interessante a
efetivação de uma Carta de Risco de Erosão, para apontar as áreas de risco e
estabelecer orientações para o monitoramento das áreas críticas, porém sabe-se que a
problemática faz correlação com problemas ligados à descontinuidade política,
especulação imobiliária, falta de corpo técnico suficiente para respaldar toda a
fiscalização do município, desarticulação entre as próprias secretarias, dificuldades de
acesso às informações, e principalmente, falta de conscientização ambiental e de
parceria entre os setores civil, particular e público.

69
E de fato não faltam dispositivos legais e técnicos para respaldar uma política de
prevenção às erosões. O IPT já fez uma Carta Geotécnica em 1991, o Plano Diretor de
1996 o exige como um dos instrumentos de parcelamento do solo, em 2002 aprovava-
se a Lei Municipal 4.796 que dispõe sobre o combate de erosões. As reuniões do
Seminário temático Bauru + 10 já propuseram uma maior fiscalização do poder público
na restrição aos loteamentos, com a adoção de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV),
do EIA – Rima e a implantação do conceito Impactador-Pagador. Em todos estes
dispositivos, o proprietário do terreno erodido é considerado o responsável pelo evento.
A execução de parques ao longo dos fundos de vale foi e continua a ser proposta
do Plano Diretor, ou seja, já se passou mais de uma década entre o antigo e o novo
Plano Diretor e a quantidade de parques construídos entre os previstos é nula.
A integração entre os diversos setores e à princípio, entre os próprios órgãos
públicos, facilitada pela adesão aos recursos tecnológicos, pode propiciar o
gerenciamento do município, de acordo com suas particularidades, graças a
sobreposição das informações, hoje, espalhadas entre os diversos órgãos e presentes
nos saberes da população. Se todos os instrumentos existentes para gerir uma política
urbana fossem devidamente implantados, em respeito às particularidades de Bauru, o
Planejamento Urbano poderia ser melhor estruturado e condizente às próprias
limitações e potencialidades municipais.
A concepção e as diretrizes para instalação de loteamentos devem estar
fundamentadas na análise substancial das características dos terrenos e dos possíveis
processos do meio físico que podem vir a ocorrer nesses terrenos. Daí a necessidade
de um a legislação que exija dos empreendedores uma avaliação ambiental condizente
com o objetivo de seu empreendimento, a fim de provocar o mínimo de alterações
ambientais possíveis.

7.2.3 O problema do lixo

Erosão, lixo e esgoto se encontram na maior parte das nascentes da bacia do rio
Bauru, além da poluição da água por detritos orgânicos. A mata ciliar que protege o
leito sofre degradação. O assoreamento é o principal problema do rio Batalha. Acredita-

70
se que suas águas são suficientes para abastecer Bauru por apenas mais três anos
(MENDONÇA, 2004 apud SILVEIRA, 2004 b).
Os mais de 300 mil habitantes de Bauru produzem quase 1 Kg de lixo por dia
cada um, totalizando uma quantidade de aproximadamente 300 toneladas por dia,
destes, 200 toneladas de lixo doméstico são destinadas para o Aterro Sanitário e 100
para bolsões de entulho, terrenos baldios e lugares inapropriados espalhados pela
cidade, como fundos de vale, erosões e áreas de mata. De acordo com a EMDURB -
Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural (apud INSTITUTO, 2003) - são
coletados mensalmente, algo próximo de 5.000 toneladas de lixo domiciliar.
Segundo o Instituto Ambiental Vidágua (2003), o destino do lixo coletado é o
Aterro Sanitário, construído em 1993 após uma Ação Civil Pública, provocada pelas
inúmeras irregularidades no destino dado ao lixo na época, como erosões e fundos de
vale. Na época, a Prefeitura chegou a jogar o lixo de Bauru em municípios vizinhos,
como Arealva. O Aterro com capacidade inicial para 550 mil toneladas de lixo está
localizado nas proximidades das Penitenciárias I e II de Bauru.
O lixo hospitalar é destinado ao lado do aterro, em valas sépticas
impermeabilizadas. Já foram construídas no local mais de 10 valas. Sua coleta é
diferenciada do lixo doméstico e transportada por veículos especiais que chegam a
fazer diversas viagens ao aterro por dia. Os entulhos, provenientes de demolições e de
construção civil são depositados em 5 bolsões de entulho especialmente destinados
para isso. Bauru já teve mais de 70 bolsões oficiais, a maioria nas margens de
córregos, o que contribuía com a contaminação da cidade.
Apenas 1,57 % do lixo coletado em Bauru é reciclado, aproximadamente 6
toneladas por dia, algo em torno de 80 toneladas ao mês. São 23.461 residências por
onde os caminhões da coleta seletiva passam por semana, cerca de 32 % da cidade,
porém a grande maioria da população não participa. O lixo recolhido pela Coleta
Seletiva é classificado, separado e prensado por 24 catadores de lixo em duas centrais.
A Secretaria do Bem Estar Social comercializa o lixo reciclado separado e repassa os
recursos para a Associação dos Catadores.

71
7.2.4 Depósitos tecnogênicos: a solução de fachada

Bauru utiliza lixo no controle da erosão, tal como a maioria dos municípios
brasileiros, acreditando estar resolvendo dois problemas de uma vez, o da disposição
final do lixo e o da erosão, a denominada voçoroca-lixão. Nesse procedimento, o lixo
coletado pelos caminhões compactadores é transportado até a montante da erosão e
empurrado para seu interior com trator-esteira. Ao compactar o lixo com uma fina
camada de solo inferior a 30 cm, a aparência externa encobre, sob um aparente bom
aspecto visual, uma série de problemas conseqüentes do uso de lixo no controle de
erosão, tal como (CAVAGUTI, SILVA, 1995):

• formação de depressão alongada acompanhando o eixo da erosão original


devido ao recalque provocado pela decomposição gradual da fração orgânica
do lixo aterrado, o que favorece a concentração das águas de escoamento
superficial e reativa o processo erosivo na estação chuvosa;
• desenvolvimento lento de cobertura vegetal na superfície aterrada, devido à
elevação da temperatura da camada de terra que cobre o lixo, conseqüência
do processo exotérmico de decomposição da matéria orgânica;
• surgimento de trincas e desnivelamento da superfície por recalque causado
pela redução do volume de lixo por decomposição, o que favorece a
infiltração da água de escoamento superficial e acelera a retomada do
processo erosivo;
• inadequação da área para qualquer tipo de construção;
• retomada do processo erosivo em maior intensidade, devido à alta
permeabilidade e menor resistência do lixo à erosão, implicando na
reabertura e ampliação das dimensões das boçorocas, bem como no
espalhamento de lixo à jusante;
• poluição visual, contaminação do ar e proliferação de vetores transmissores
de doenças no front dos aterros de lixo sem cobertura de terra e nas
boçorocas reativadas;

72
• contaminação dos recursos hídricos superficiais, pela exudação de chorume
no pé do talude em erosões de lixo visível, contaminação do lençol freático
pelo lixo enterrado em erosão, desprendimento do biogás proveniente da
decomposição do lixo e contaminação de crianças e animais que entram em
contato direto com a água.

O licenciamento ambiental5 aponta as exigências técnicas e as regras na


utilização de determinada tecnologia na recuperação de uma erosão, e apesar disso,
além de Bauru não ter nenhuma recuperação de erosão licenciada, é uma constante, a
falta de rigor técnico para a solução definitiva do problema. A Prefeitura municipal
incentiva o depósito de entulho de construção nas depressões, mas o Conselho
Nacional do Meio Ambiente aponta uma resolução proibindo a recuperação com
entulho, restringido-a a situações excepcionais autorizadas pela Secretaria de Meio
Ambiente (MENDONÇA, 2003).
O principal motivo do insucesso das medidas de controle emergencial urbana,
segundo Cavaguti (1995), é o desconhecimento da complexidade do processo erosivo
por parte dos técnicos das Prefeituras Municipais, responsáveis pelas obras de controle
da erosão, que não buscam dados e assessoria técnica, utilizando somente do
levantamento planialtimétrico da erosão e de seu entorno. Assim, as obras são
projetadas sem base científica quanto à eficiência e durabilidade, visto que, inexistem

5
A licença ambiental é o ato administrativo pelo qual a SEMMA - Secretaria Municipal do Meio Ambiente
-estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas para
operar atividades utilizadoras dos recursos ambientais que possam causar degradação ambiental; para
tal, estabelece estudos ambientais que apresentam subsídio para a análise da licença requerida, tais
como relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar,
diagnóstico ambiental, plano de manejo, de recuperação da área degredada e análise preliminar de
risco.Dentre os objetivos da Lei estão o de identificar os ecossistemas do Município, definindo as funções
específicas de seus componentes, as fragilidades, as ameaças, os riscos e os usos compatíveis,
procurando a conservação das áreas protegidas e compatibilização do desenvolvimento econômico e
social com o uso racional dos recursos ambientais. Em relação ao solo, prioriza o controle do processo
erosivo, a captação e disposição das águas pluviais, a contenção de encostas, o reflorestamento das
áreas degradadas, e restringe a disposição de quaisquer resíduos, mediante comprovação de sua
degradabilidade, capacidade de autodepuração, grau de percolação, garantia de não contaminação dos
aqüíferos subterrâneos, limitação, controle da área afetada e reversibilidade dos efeitos negativos. A
conservação é definida como o conjunto de medidas técnico-científicas, periódicas ou permanentes
necessárias a fim de promover a manutenção dos ecossistemas existentes, garantindo-se a
biodiversidade por tempo indeterminado.

73
dados técnicos a esse respeito, como vazão do escoamento superficial e subterrâneo à
época de execução da obra para chuvas de qualquer período de retorno. Normalmente
os Órgãos Municipais executam obras de controle paliativas para acalmar
temporariamente a população, sem objetivar a resolução definitiva do problema.
O uso do lixo urbano no controle de erosão não resolve o problema da erosão e
nem o do lixo, afirma Cavaguti; Silva (1995), as voçorocas–lixões contaminam o ar, o
solo e os recursos hídricos, gerando problemas sociais, sanitários, de saúde pública e
de engenharia. O aterramento das erosões não é mais uma prática indicada. Uma das
soluções para o problema instalado aponta para a alteração da topografia nas áreas
atingidas realizando o retaludamento do local. A água que normalmente surge no fundo
das voçorocas é drenada e canalizada. A terra das bordas do talude é depositada no
fundo, e o local pode sediar parques e outros projetos (RIGITANO, 2004 apud MOLINA,
2004).

7.3 Grau de alteração da vegetação

Florestas, cerrados e cerradões cobriam o município de Bauru no passado.


Atualmente, nas áreas periféricas dos fundos de vale subside uma vegetação
diversificada composta por resquícios de cerrado, mata secundária e pastos. Nas áreas
úmidas e de nascente subsidem taboas e outras espécies vegetais, ao lado de áreas
mais vastas de capoeira e macegas nas partes mais íngremes das sub-bacias (Figura
7.5). Tal processo de desmatamento foi conseqüência primeira do processo de
colonização, baseado inicialmente na atividade cafeicultora e no transporte ferroviário e,
posteriormente na atividade pecuária e na expansão urbana da cidade (SALOMÃO,
1994 a; SANTOS, 2007, p. 132).

74
Figura 7.4: Fragmentos de vegetação nativa no município de Bauru na cor verde
(FUNDACÃO, 2006)

A Tabela 7.3 mostra como ocorreram reduções expressivas nas categorias,


cerradão, cerrado e campo cerrado, chegando a 70,43%, principalmente na década de
70, relativas à expansão urbana para o interior do Estado de São Paulo, em destaque.
A Área ocupada com pastagens totabiliza 43.213,20 hectares em 566 Unidades de
Produção Agropecuária e, a utilização das terras na área rural, de acordo com o Censo
Agropecuário 95-96 do IBGE, é de 69 % com pastagens, 17 % com lavouras e apenas
14 % com matas e florestas, incluindo as áreas de reflorestamento (Eucalipto e Pinus).
Hoje os remanescentes de cobertura Original da Mata Atlântica são de contrastantes
11%, contra os 83% do passado (Figura 7.5) (FUNDACÃO, 2006).

Tabela 7.3: Redução da cobertura natural


Tipo de vegetação (área em hectares) 1990-1992
Campo
Região Mata Capoeira Campo Cerrado Cerradão
Cerrado
Bauru
50.161 14.502 - - 30.778 11.314
Várzea Restinga Mangue Não Classif. Total (%)
5.403 - - 2.395 77.692 2,33

Mata e capoeira Cerradão, Cerrado e Campo Cerrado


Região 71-73 90-92 redução 71-73 90-92 redução
Bauru (ha) (ha) ha (%) (ha) (ha) ha (%)
77.360 64.663 12.697 16,41 142.350 42.092 100.258 70,43
Fonte: Inventário Florestal do Estado de São Paulo, 1993 (modificado de Hogan et. al.,
2000, p. 319)

75
Figura 7.5: Situação da mata original no município de Bauru na cor laranja - campos de
altitude, encraves de cerrado, zonas de tensão ecológica6, contatos (FUNDACÃO,
2006)

A vegetação de Cerrado, Cerradão e Mata Semidecídua ocupa 3.770,50 ha. Na


Zona Sul da cidade, cabeceira do Rio Bauru e Jardim Botânico encontram-se 320 ha. A
área da nascente do córrego Vargem Limpa e do córrego da Água Comprida em seu
alto curso também possuem amostras de cerrado. A partir do ano 2000 o
desmatamento do cerrado é intensificado com a implantação de loteamentos fechados.
A legislação que ampara a mata atlântica não ampara o cerrado da mesma forma. O
máximo avanço nas discussões dos conselhos municipais é a preservação de 20% de
área verde de cerrado ao invés dos 10% exigidos na legislação de loteamentos
(SANTOS, 2007, p. 133).

7.4 O processo de urbanização de Bauru

Até o século XVIII, a região de Bauru era habitada pelos índios Caigangues.
Aventureiros e colonos interessados na posse das terras devolutas, proposta pelo
governo imperial no século XIX, se dirigem ao interior do território brasileiro. A
ocupação da região se concretiza com o extermínio dos índios e, com a conseqüente
oferta de grande quantidade de terras virgens. O processo de ocupação toma forma por

6
As áreas de tensão ecológica estão entre 2 regiões fitoecológicas, e na interpenetração de seus
ambientes ocorre tanto mistura de espécies quanto enclaves que não se misturam (BRASIL, 1973).

76
volta de 1856. Nessa época o desenvolvimento do interior paulista é estimulado pelo
cultivo de café, atividade econômica base do modelo agro-exportador no fim do século
XIX, e subsidiado pela cana-de-açúcar e a pecuária (LAVEZO, 2005, p. 45-9).
Com o advento da República, a questão dos transportes ganha maior ênfase. Em
outubro de 1904, o presidente Rodrigues Alves decreta o traçado da ferrovia que
integraria a província de Mato Grosso à capital Rio do Janeiro. Em 1905 chega a E. F.
Sorocabana, já nessa época havia cerca de 200 casas e 600 habitantes. Em 1916 a E.
F. Paulista trás novos investimentos e a migração aumenta a procura de possibilidades
de emprego e de fazer fortuna. Entre 1910 e 1920 chegam os bancos conferindo um
maior dinamismo financeiro (CAMARGO, 2005, p. 67).
A Estrada de Ferro Noroeste, bem como a E.F. Paulista e a E.F. Sorocabana
conferiram a integração da região ao mercado europeu e norte-americano do café,
contribuindo à expansão material e organizacional do modo de produção capitalista na
região (CONTEL, 2000, p. 225). A chegada da E. F. Noroeste salienta uma primeira
divisão social do trabalho com o seu corpo técnico, elite do Rio de Janeiro, acostumado
à vida da metrópole nacional, condicionando o cotidiano local a tomar dimensões como
a capital do Estado (CONTEL, 2000, p.24), enquanto os migrantes dependiam
basicamente de seu salário relativamente baixo, para satisfazer as suas necessidades
habitacionais (SANTOS, 1994, p. 96 apud CAMARGO, 2005, p. 70).
Os trilhos da Estação Ferroviária da NOB abrem caminho ao café, da mesma
forma que os abre à especulação de terras, ao comércio e ao tráfico internacional,
atraindo os que buscam além do emprego o enriquecimento fácil (SANT´AGOSTINO,
1995, p. 181-7). A complexificação das atividades no meio urbano proporciona a
conseqüente polarização do município em relação aos municípios vizinhos, atraindo
novos fluxos de mercadorias e pessoas para a região como um todo (CONTEL, 2000,
p.15, p. 32 apud CAMARGO, 2005, p. 67-8).
Por volta de 1930, Bauru se destaca como pólo urbano regional de prestação de
serviço e se torna uma das mais importantes cidades do interior paulista. A população
mais do que dobra, vide Tabela 7.4, mas a cidade não se encontra equipada para
absorver toda a mão de obra excedente. Os índices de desemprego são altos
(SANT´AGOSTINO, ibidem). No contexto nacional entre as décadas de 30 a 50 a

77
maioria das habitações construídas não contava com nenhum tipo de política dos
órgãos públicos, sendo praticamente restrita ao setor privado, que obtinha ganhos com
o processo especulativo. Segundo Contel (2000, p. 224) a E. F. Noroeste supria as
políticas sociais, com atuação nas áreas de saúde e habitação, enquanto a Prefeitura
cobria ações urbanísticas, como a pavimentação e o arruamento.
A década de 30 é marcada pela crise do café e rompimento da política agro-
exportadora, dando lugar a uma acumulação industrial, que confere à São Paulo a
liderança na economia nacional. Como conseqüência, se tem o declínio do café nas
regiões noroeste e centro-oeste. A E.F. Noroeste perde o sentido e deixa de receber
investimentos governamentais (SANT´AGOSTINO, 1995, p. 190-3).

Tabela 7.4: População dos principais municípios e Centros Urbanos na Região de


Bauru de 1920 - 1934

Índice de
População População População Urbana
Município urbanização
total 1920 Total 1934 do Centro 1934
1934
Bauru 20.386 45.852 22.733 51,50
Jaú 42.586 53.779 18.069 35,05
Lins 12.692 67.039 11.657 23,11
Bariri 23.830 25.398 5.356 23,39
Cafelândia 8.157(2) 32.556 4.839 17,46
Dois 19.590 17.577 4.660 39,69
Córregos
Pederneiras 28.488 23.312 4.247 21,02
Promissão 3.490(2) 25.923 4.236 16,69
Pirajuí 29.042 58.830 4.166 12,63
Agudos 15.702 23.509 3.592 19,02
(1) Inclui as populações urbanas de todos os distritos
(2) População com distrito
Fonte dos dados brutos: Fundação IBGE apud Sant'Agostino, 1995, p.188.


As plantas urbanas de 1936 e 1945 demonstram que os pequenos sítios e novos


bairros da periferia tomam o lugar das grandes fazendas em áreas mais baratas, onde
se concentram operários e comerciários, ao Norte e Noroeste de Bauru. Ao sul,
separados pelos trilhos da ferrovia, se concentram a burocracia estatal da NOB e seu

78
staff de apoio: médicos, advogados e outros profissionais liberais (SANT´AGOSTINO,
1995, p. 188).
Entre 46 e 67 o território brasileiro como um todo é incrementado por novas
necessidades advindas das demandas urbanas, num mundo ainda de predominância
rural. Com a introdução da nova constituição, a Prefeitura do município adquire status e
começa a se destacar como principal elemento de controle do espaço local pela maior
possibilidade de arrecadação de receita e de intervenção no espaço urbano (CONTEL,
2000, p. 228).
A passagem da ferrovia para a rodovia é marcada pela mudança do sistema de
ações locais da política bauruense da E.F. Noroeste para a Prefeitura. Em meio à
euforia desenvolvimentista do governo Kubitschek, dos anos 50, Bauru encontra no
Prefeito Nicola A. Junior ou “Nicolinha” (1956-1959) a idealização do projeto de Bauru
como uma metrópole interiorana, destacando-se nos transportes e na comunicação.
Esse período é marcado pelos movimentos migratórios, principalmente por causa
da modernização agrícola, do surgimento de faculdades e da crescente interiorização
da indústria de bens de consumo não duráveis, voltada para o consumo da própria
região. O comércio e todo o segmento terciário de apoio à agricultura e à população se
desenvolvem destacadamente, conferindo à cidade altas taxas de crescimento urbano,
vide Tabela 7.5.
Devido à estagnação do setor ferroviário aumentam a variedade de serviços
especializados e o número de estabelecimentos comerciais de médio e grande porte,
bem como as atividades financeiras e a administração de imóveis acentuando a
característica de Bauru como pólo terciário e ao mesmo tempo firmando a cidade como
pólo regional (LOSNAK, 2004, p. 176; SANT´AGOSTINO, 1995, p. 199).

Tabela 7.5: Taxas de crescimento anual geométrico de Bauru (1950-1980)


Taxa de crescimento Crescimento da
Bauru Taxa de Urbanização.
da População Total População Urbana
1950/1960 3,68 5,03 91,4
1960/1970 3,72 3,76 91,5
1970/1980 3,27 3,86 96,8
Fonte: Faria,1998, p. 51

79
Observe-se pela Tabela 7.6, que a perda de mão-de-obra do setor primário é
absorvida em parte pelo setor secundário e principalmente pelo setor terciário. Tal fato
se deve a pouca mão-de-obra necessária ao setor secundário devido a sua tecnologia,
o que limita a criação de vagas e reforça a tendência de substituição de trabalho na
produção por trabalho em escritório, ao mesmo tempo em que a “tecnologia do setor
terciário” é “profundamente intensiva de trabalho” (VERVIER, 1989 apud LOSNAK,
2004, p. 133).

Tabela 7.6: Evolução dos setores na Região Administrativa de Bauru


1960 1970
Bauru
Número pessoas % Número pessoas %
Setor primário 116.796 57,5 76.177 40
Setor secundário 22.128 10,5 33.138 17,3
Setor terciário 65.028 32 81.288 42,7
Total 203.052 100 190.603 100
Fonte: SEADE - Análise Demográfica Regional, 1983 (CONTEL, 2001 apud MOURA, 2003)

Em relação ao decréscimo do setor primário, ente 1963-1964, as reformas da


legislação do trabalho no campo acarretam um intenso deslocamento de trabalhadores.
Entre 67 e 88 as pastagens ampliam-se devido à divisão dos grandes latifúndios e à
baixa produtividade do solo, condicionando a população rural a concentrar-se ainda
mais na cidade como alternativa à redução das propriedades rurais e a pouca
necessidade de mão-de-obra estável (SANT´AGOSTINO, 1995, p. 196).
Percebe-se pela Tabela 7.7 que a população residente na zona urbana de Bauru
mais do que dobra entre 70 e 2000, em contrapartida à população do campo que sofre
expressível decréscimo desde a década de 70, contando com redução de pelo menos
metade da população, sendo a maior parte mulheres. Esse fato pode ser associado ao
fato de os homens continuarem a trabalhar no campo, devido a programas de estímulo
do governo, como o Próalcool, enquanto as mulheres vêm para a cidade trabalhar,
geralmente como domésticas. Ao se estruturarem trazem a família para a cidade. Tal
dado é confirmado pelo expressivo número de homens nos campos.

80
Tabela 7.7: População residente por sexo e situação no município de Bauru
Variável = População residente (Habitante)

Ano
Sexo Situação do domicílio
1970 1980 1991 1996 2000

Total Total 131.936 186.659 261.112 292.566 316.064


Urbana 121.060 180.772 255.669 287.530 310.442
Rural 10.876 5.887 5.443 5.036 5.622
Homens Total 64.851 91.671 128.141 143.390 154.435
Urbana 58.952 88.203 124.468 139.769 150.254
Rural 5.899 3.468 3.673 3.621 4.181
Mulheres Total 67.085 94.988 132.971 149.176 161.629
Urbana 62.108 92.569 131.201 147.761 160.188
Rural 4.977 2.419 1.770 1.415 1.441
Fonte: SIDRA/IBGE, 2006

Como reflexo do modelo de estado nacional-desenvolvimentista brasileiro dos


anos 60 e 80, o federalismo da constituição de 1967/69 produz uma centralização
excessiva por parte da União, o que repercute em práticas políticas keynesianas. As
prefeituras municipais se encontram impossibilitadas, fiscal e juridicamente, de
resolverem os problemas oriundos das demandas urbanas que as pressionam
(CONTEL, 2000, p. 228 et. seq.). O governo federal exige que as cidades de porte
médio façam seus planos diretores e em Bauru o resultado foi um plano desconexo da
realidade local, e a construção de uma cidade independentemente de suas diretrizes.
O Estado tenta imprimir uma imagem técnica politicamente neutra no discurso de
planejamento para se auto afirmar como promotor do bem comum, porém os interesses
da maior parte da população ficam reféns das intervenções autoritárias, que se
manifestam sob a forma de zoneamentos segregatícios, da política de remoção de
favelas e das medidas de alcance restritivo para aliviar o déficit habitacional.
A crise do petróleo, em 1974, abre uma fase de ascensão inflacionária e
endividamento interno e externo no país e essa conjuntura atinge tanto metrópoles,
quanto áreas periféricas e interioranas. Nas cidades de porte médio, como Bauru, os
primeiros grupos de imigrantes ou excluídos do sistema de produção encontram nas
favelas uma forma barata de moradia. Por isso, mesmo com a expansão do setor

81
industrial nos anos 70-80, e a consolidação de Bauru entre os principais pólos
comerciais do interior paulista, a cidade não se livrou das conseqüências da recessão
constatada no País.
No setor da habitação, a Cohab-Bauru contribuiu para o incremento das
densidades populacionais, ao mesmo tempo em que, de acordo com dados fornecidos
pela Secretaria de Projetos Comunitários do município, aumenta o número de favelas
de Bauru (apud CAMPARGO, 2005; LAVEZO, 2005).
A pressão do sistema de ação estatal no início de seu funcionamento (67/69)
ainda permitia uma grande intervenção por parte da Prefeitura, porém na década de 90
não mais está ao seu alcance a intervenção na infra-estrutura física do município, como
foi possível até 80, dado os gastos com todas as políticas sociais devido aos
incrementos populacionais. A pressão das demandas urbanas torna quase impossível
se investir na infra-estrutura urbana (CONTEL, 2000, p. 234).
O sistema público de financiamento apresenta sinais de enfraquecimento. Um
dos exemplos é o viaduto inacabado sobre o pátio das antigas estradas de ferro. A
ferrovia outrora, própria razão de ser do dinamismo urbano bauruense, agora se
apresenta muito mais como obstáculo ao desenvolvimento dos novos vetores sobre a
mancha urbana (CONTEL, 2000, p. 232).
A Prefeitura recorre então a duas tomadas de capital externo, uma em 1992 com
a Caixa Econômica Federal e outra em 1996 com o Banco Chase Manhattan. Bauru
nesse empréstimo internacional abre as portas para a globalização, com todos seus
requintes de juros extorsivos e de “violência ao dinheiro” (SANTOS, 1996,p. 268 apud
CONTEL, 2000, p. 235).
Em 99 o governo federaliza a dívida possibilitando um aumento no prazo de seu
pagamento, porém Bauru fica refém do controle federal sobre as finanças locais, tal
como o controle centralizado estabelecido pela União durante o período da Constituição
militar (67-88), o que leva a repensar o modelo de federalismo dito “democrático” nos
quais as relações ente os entes federativos se propõem a pautar (CONTEL, op. cit.).

82
7.5 Planejamento urbano durante a ditadura

Apesar das prefeituras terem se tornado o marco geográfico mais importante das
cidades interioranas, a excessiva centralização por parte da união torna os municípios
fracos financeiramente. As prefeituras se tornam dependentes das verbas federais e os
planos diretores são impostos pelo governo federal como forma de manter a
organização e o controle do espaço urbano para o repasse de verbas (CONTEL, 2001,
p. 228; MOURA, 2003).
Assim, tem-se uma metodologia única para promoção dos planos diretores do
Estado, reflexo da política implementada pelo SERFAU- Serviço Federal de habitação
e urbanismo, criado em 1964 e encarregado por difundir a elaboração de Planos
Diretores por todo país.A Lei orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo (Lei n°
9.205 de 28/12/1965) estabelece que os municípios só receberiam auxílio financeiro se
possuíssem um Plano Diretor regularmente aprovado.
Rigitano (apud MOURA, 2003) enfatiza aquela época como uma época de
realizações de planos diretores mirabolantes, tal como o Plano Diretor de Bauru, onde
os fatores econômicos e financeiros do município parecem não terem sido
considerados na implantação real da cidade, apesar do rico levantamento de dados.
Em 1967, no governo de Nuno de Assis, o Centro de Pesquisas e estudos
Urbanos da FAU-USP (CPEU) fez o primeiro Plano Diretor para Bauru. Cria-se o
Escritório Técnico com a intenção de planejar e gerir a cidade baseado no
aprofundamento dos problemas socioambientais. O Plano era influenciado pelo
movimento moderno denominado urbanismo “progressista” tendo por destaque Le
Corbusier e a Carta de Atenas. Assim, a cidade é pensada tal como os pressupostos
teóricos de uma cidade modernista, ou seja, uma cidade estrategicamente dividida em
funções: habitação, circulação, trabalho e lazer (LOSNAK, 2004, p. 190 et. seq.).
Para a área da “habitação” o plano propôs a criação de quatro áreas residenciais
que diminuiriam de densidade no sentido periferia. Para facilitar a “circulação” previu-se
a construção de vias integrando todas as regiões da cidade de forma hierarquizada, as
vias principais saindo do centro para os bairros e as secundárias ligando as vias
principais às residenciais. Para o “trabalho” programou-se três distritos industriais de
portes distintos e um “centro cívico” reunindo os prédios públicos do centro ao Jardim
83
Bela Vista. Para o lazer denominou-se “recreação passiva” as áreas livres ao redor da
cidade que funcionariam como cinturão verde, e as “áreas de recreação”, lugares onde
estariam inclusos os parques, praças, parques infantis e lotes de recreio.
Este plano, porém não foi utilizado como diretriz para a organização do espaço
urbano, nem mesmo as diretrizes técnicas viárias. Segundo a visão do arquiteto
Jurandyr Bueno, um dos idealizadores do Plano, segundo entrevista realizada por
Sant´agostino (1995, p. 209), o Plano Diretor apresentava uma “linhagem urbanística
inglesa”, tal como as “cidades jardins”, e se apresentava utópico e importado demais
para a realidade da cidade.

A proposta moderna de planejamento urbano desejava promover a


transformação social: era financiada pelo Estado, considerado neutro, e visava
ao controle da liberdade do capital de explorar o espaço urbano; era concebida
pelo técnico redentor da sociedade, arquiteto/urbanista, detentor de um saber
científico neutro e superior em relação às classes sociais, ao capital e à cidade;
pressupunha que a reorganização do espaço mudaria a cidade e a sociedade,
buscava a beleza das formas e trabalhava a técnica como possibilidade de
monumentalidade, planejava a racionalização da organização urbana e a
otimização de seus custos, como se a razão constituísse as coisas (LOSNAK,
2004, p. 192-3).

O arquiteto Jurandyr Bueno Filho assume o escritório técnico de planejamento da


Prefeitura na década de 70 e opta por concentrar esforços na região próxima à zona sul
da cidade, cortada pelo córrego das Flores e marcada por terrenos erodidos. Tal
decisão foi conseqüência da época pela qual o país estava passando, vivia-se a euforia
do “milagre econômico”, e Bauru constrói grandes avenidas, como a Avenida Nações
Unidas e a Nuno de Assis” (SANT´AGOSTINO, 1995, p. 209). Segundo Losnak (2004,
p.36, p. 188-9) a imensa difusão das avenidas em Bauru foi possível por meio da
proximidade dos políticos da cidade com a ditadura militar no pós-64, o que insere a
cidade Bauru à dinâmica Nacional do transporte rodoviário e do carro.
No ano de 1967 o escritório Técnico de Planejamento inicia os estudos para
estabelecer a lei de zoneamento, e tratar de questões referentes a loteamentos
urbanos, restringindo ainda mais a Lei 6766/79 que havia sido recém aprovada a nível
federal. Segundo Rigitano (apud MOURA, 2003) o único avanço desta lei foi a abertura
de vias e de sistema de água pluvial e encanada, mas não havia garantia da execução
e nem da fiscalização das obras de infra-estrutura.

84
A aprovação dos loteamentos era feita pelos próprios prefeitos sem critérios
técnicos para aprovação, execução ou fiscalização. Esse fato somado a ênfase
sanitarista típica da época, canalizando rios e cobrindo-os com avenidas implicou num
crescimento urbano desordenado, sem a devida preocupação com a ocupação
sustentável do solo, o que resultou num dos maiores problemas urbanos da atualidade,
erosões, assoreamentos, enchentes e oneração dos recursos públicos no saneamento
das carências de infra-estrutura.
Como fruto da denominada “Cidade Sem Limites“ se tem uma Bauru
fragmentada pela contradição centro-periferia, reforçada pela recém construída Avenida
Nações Unidas que escoa o trânsito em sentido “região nobre”, com loteamentos em
áreas de fundo de vale e sérios problemas ambientais como enchentes (Foto 7.3, Foto
7.4).
No pós-64, o Estado criou vários órgãos e programas para investimentos
urbanos, em sua maioria ligados ao SFH e ao BNH. Alguns foram substituídos;
outros fracassaram, mas mantiveram uma tecnocracia que pretendia orientar o
desenvolvimento urbano. Com o Estado direcionando a economia para os
investimentos em infra-estrutura dos mais variados aspectos: das rodovias
necessárias ao transporte de mercadorias, passando pelo escoamento do
trânsito urbano, exigência e orientação de planejamento urbano, às melhorias
das condições ambientais (saneamento, captação e fornecimento de água e
canalização de esgoto, drenagem de rios) e da moradia de setores das classes
trabalhadoras (LOSNAK, 2004, p. 189).

A partir de 1964 essa característica serve para sediar aparelhos de repressão.


As vinculações políticas com a Ditadura Militar tornam Bauru posto avançado do Estado
na região sob as formas de repressão política, articulação de aliados, serviços públicos
e a constante presença de autoridades ligadas ao Governo Federal e Estadual
(LOSNAK, 2004, p. 188-203). Bauru cresce em infra-estrutura e serviços urbanos. A
Cohab é instalada em 1967 e a estação de tratamento de esgoto em 1970. Entre 68 e
73 são criadas inúmeras escolas públicas ligado ao aumento do crescimento
populacional e, hospitais e visando ao atendimento da população regional.
Apesar de não ter sido implantado de fato, o plano era citado como símbolo do
progresso, como um documento que pairava sobre os destinos da cidade e do “homem
comum”, anunciando as determinações dos novos tempos (LOSNAK, 2004, p. 188-
203).

85
Foto 7.3: Avenida Nações Unidas alagada na altura da Antártica (Fonte: JORNAL DA
CIDADE, 2005)

Foto 7.4: Carros no leito do córrego das flores canalizado em meio à avenida Nações
Unidas (Fonte: JORNAL DA CIDADE, 2005)

86
7.5.1 A indústria que não atingiu o esperado

O plano teve como referência o movimento industrial do Estado e buscou


acentuar a industrialização em Bauru, já que esta era uma rica fonte de arrecadação de
impostos Os arquitetos da FAU incorporavam a idéia da indústria como transformadora
do interior e o Plano Diretor parece ter mantido acesa a polêmica do Distrito Industrial
enquanto alternativa para se atingir a industrialização (LOSNAK, 2004, p. 188-203).
Durante o mandato de Nuno de Assis (1956-1959) ocorreram as maiores ações
governamentais do município ligadas ao desenvolvimentismo, à modernidade, à
modernização e à indústria local, articulada ao boom do pós-guerra e à difusão do
capital internacional aos grandes centros e áreas interioranas. As estratégias da
produção e homogeneização da sociedade de mercado e consumo se traduzem na
construção de rodovias, expansão dos meios de comunicação e sofisticação da
publicidade (LOSNAK, op. cit.).
A imprensa divulga a idéia de indústria como a instauração do progresso, que
representava modernidade e ligada aos grandes centros do país e do mundo. Em 1961
no mandato de Irineu Bastos foi criada a Comissão Municipal de Desenvolvimento
Industrial (CMDI), oficializando o Parque Industrial, mas somente no ano de 1969 foi
decretada a criação do Distrito Industrial de Bauru. Experimentam-se estratégias para
atrair indústrias, como a criação do Distrito Industrial, sob o pressuposto de que com
incentivos as indústrias seriam atraídas, porém as regiões que participam com maior
intensidade da industrialização estão ligadas a “modernização agrícola” (eixo
Campinas-Ribeirão-Preto) ou a áreas de base industrial de influência da metrópole,
como o Vale do Paraíba, Baixada Santista e Sorocaba (LOSNAK, 2004, p. 125-134).
Bauru embora se encontre num entroncamento rodoviário importante não obtém
vantagens significativas, pois o norteamento do processo de industrialização se
encontra nos eixo Anchieta-Washington Luis, a rede rodoviária que a atinge não possui
completa infra-estrutura e a rede ferroviária está estagnada (FARIA, 1988, p. 34). Na
região Oeste do Estado observa-se a tendência de crescimento urbano dos municípios
que ocupam a posição de centros regionais, como Bauru, que tem suas atividades

87
industriais intensificadas, mas não tanto como em outras regiões do Estado, e nem com
tanto número de empregos pela tecnologia empregada no setor (LOSNAK, op. cit.).
De 1960 a 1970 criam-se apenas 151 empregos na indústria, já na década de 80
o movimento de descentralização industrial se acentua no Estado, e o número de
empregos se torna significativo em Bauru, vide Tabela 7.8. A dinâmica do processo
industrial de Bauru está ligada diretamente à dinâmica de crescimento da região, que é
basicamente a de abastecer o mercado regional (FARIA, 1988, p. 34).

Tabela 7.8: Nº de estabelecimentos e de pessoal ocupado por setor em Bauru


1950 1960 1970 1980
Setor industrial
Nº estabelecimentos 143 207 280 332
Pessoal total 2.253 3.666 3.817 8.930
Setor de serviços
Nº estabelecimentos - 584 850 1.505
Pessoal total - 1.447 2.201 5.758
Setor comercial
Nº estabelecimentos 331 604 1.129 1.162
Pessoal total 1.157 3.079 5.175 8.280
Fonte: Vervier,1989, p. 104 apud LOSNAK, 2004, p. 134

7.5.2 Movimentos sociais

A memória dos velhos ferroviários militantes é o melhor registro de resistência


política dos civis da primeira década do século XX até a ditadura militar. Apesar do
silêncio da imprensa pela clara conivência com o grupo das elites e autoridades, esses
relatos constituíram-se no melhor histórico de resistência dos civis em relação à
ditadura militar (LOSNAK, 2004, p. 247-251).
O Sindicato dos ferroviários teve uma participação importante na conformação
política de Bauru desde sua fundação em 1929 com apoio político do PC do B (Partido
Comunista do Brasil), por ex-militantes anarquistas, tendo por objetivo a oposição à
corrupção dos governos oligárquicos e o controle do Estado. Apesar dos entraves à
mobilização política na era Vargas, com o seu fim em 1945, os militantes voltam a se
organizar. O espaço da diversidade até o golpe de 64 possibilita vivências democráticas
e pluralidade política, mas a repressão da ditadura viria a acabar com a agitação

88
política. Muitos ferroviários, mesmo os que não tinham vinculação política tiveram suas
carreiras arruinadas (SANTOS, 2007, 165-6).
Em 1962 já havia a existência da Frente Anticomunista (FAC), que considerava
ameaça comunista o movimento social popular, grupos políticos ligados a teorias
marxistas, posições críticas ao catolicismo etc. Ela se proliferou pela região e recebeu
apoio das autoridades eclesiásticas e do exército. Seus discípulos se concentravam na
faculdade de direito e tinham práticas de depredação e violência (LOSNAK, 2004, p.
247-251).
Com a presença dos militares no estado os setores mais conservadores se
sentiram provavelmente mais a vontade. A repressão foi arrasadora para diluir a
efervescência política e as agitações de esquerda até 1964. De fato a repressão política
ao movimento dos ferroviários já existia de longa data sob práticas de controle,
segregação e até exclusão física dos grupos considerados perigosos pelas as elites.
Com as perspectivas de mudança durante o governo João Goulart os militantes
ferroviários ganharam forças para lutar por melhores condições de trabalho em meio a
mistos de reuniões e festas onde se misturavam família e sindicato, política e lazer.
Porém, logo após o golpe, vários sindicalistas foram presos. A eficiência da repressão
abalou a vida pessoal de muitos militantes (LOSNAK, op. cit.).
O interessante era o apoio das elites bauruenses, como o prefeito Nuno de
Assis, proprietários e empresários, à repressão dos chamados subversivos e
“comunistas”. Somente a partir de 1970 as articulações políticas e interações sociais
puderam fluir com relativa naturalidade pelos grupos subalternos que procuravam fazer
a vida fluir apesar da repressão (LOSNAK, 2004).

Industrialização, progresso, modernidade, cidade moderna, repressão política,


exclusão sociopolítica eram dimensões de um mesmo tempo em uma mesma
cidade. Havia de um lado, controle, ordem normativa, prisão, exclusão para os
pobres e trabalhadores; de outro, liberdade política e econômica, discussões
de idéias, decisões e intervenções no espaço urbano, meios de comunicação à
disposição para as elites e classes dominantes. A ditadura militar (...) deu
suporte para elites e setores dominantes edificarem uma cidade á sua
semelhança com imagens e monumentos que a representavam (LOSNAK,
2004, p. 251).

89
Na década de 70 entra em cena o paradigma ecológico no planejamento. O
ambiente passa a ser tema das discussões em torno das idéias de autonomia local. O
nível local e o planeta passam a ser territórios de ação coletiva e, o homem passa a ser
visto como parte da natureza e não apenas como objeto de ação sobre ela. A cidade
como questão ambiental inclui a questão dos assentamentos humanos e a questão
social no âmbito de uma política global, tal como regulamenta a Agenda 21 (RIBEIRO;
CARDOSO, 1994, p. 87-8).
Em Bauru, o movimento ambiental inicia-se como vertente da saúde, quando o
problema de intoxicação por chumbo em funcionários das fábricas de baterias, inclusive
com um caso de morte, leva a questionar o processo de produção e de contaminação
do meio. Há a participação da Pastoral Operária, Comunidades Eclesiásticas de Base e
Centro Bauruense de Ação Comunitária (SANTOS, 2007, p. 169-170).
Mendonça, em entrevista realizada por Santos (2007, p.172 et. seq.), faz
referência aos marcos do movimento ambiental em Bauru, entre eles a criação do
CONDEMA – Conselho de Defesa do Meio Ambiente - em 1984, órgão que obteria
maior respaldo quando se cria a Secretaria Municipal de Meio Ambiente em 1992, com
autonomia perante as outras secretarias municipais. As Organizações Não
Governamentais - ONGs - também tem desempenhado um papel importante no
município, entre elas a já desaparecida Gaia e, as atuantes Vid´água e Fórum Pró-
Batalha. A criação do Código Ambiental de Bauru em 1999 é o primeiro passo no
suprimento da carência de legislação ligada à questão ambiental.
Em fins da década de 90 as associações de bairro passam a se preocupar com
as questões ambientais, sobretudo devido ao surgimento de graves problemas de
erosão. A AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros) - seção Bauru representa um
papel importante de auxílio à comunidade, através da elaboração de laudos ambientais
e encaminhamentos às autoridades competentes, quando necessário. Entidades como
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), AGB, Sindicato dos Engenheiros, Associações
de Bairro, Pastorais e Ministério Público, entre outras, se mostram compromissadas
com a resolução dos problemas socioambientais da cidade, frente à omissão do poder
público (SANTOS, 2007, p. 173).

90
É imprescindível frisar a importância dos Conselhos Municipais como Condema,
e Condurb (Conselho municipal de desenvolvimento urbano) nas questões sócio-
ambientais do município; e de partidos políticos como PC do B (Partido comunista do
Brasil), PMDB (Partido do movimento democrático brasileiro) e PSTU (Partido socialista
dos trabalhadores unificados) conquistaram frente à problemas do município como
enchentes e inundações (SANTOS, 2007, p. 175-6).

7.5.3 Núcleos Habitacionais e processo de favelamento

A expansão especulativa descontrolada do perímetro urbano favoreceu a


formação de vazios urbanos e de voçorocas, em muito devido ao parcelamento
desprovido das devidas preocupações ambientais e de infra-estrutura. Parcelamento
este, que encontra na conivência do poder público com os agentes imobiliários, o
incentivo necessário à presença de agentes imobiliários no próprio quadro de
funcionários componentes da Câmara Municipal e do poder executivo. Alguns políticos,
prefeitos e vereadores foram os maiores promotores desses tipos de parcelamentos
desqualificados que “dobravam morros e pulavam córregos”, sem a obrigatoriedade de
ocupá-los (ALVES, 2001, p. 105-127).
Tal movimento de expansão, apenas se inicia com o prefeito Nicola Avallone
Junior, pois muitos outros trabalhariam com a especulação de terras. Ele atua no ramo
imobiliário e cria muitos bairros entre os anos 50 e 60, sob o estímulo de que os lotes
seriam um investimento rendoso aos compradores após a implantação do parque
industrial, interessado em mão-de-obra operária farta e bem situada. Além de que,
conduziria à valorização da terra e à atração de novos investimentos para a cidade
(LOSNAK, 2004, p. 77, 136-7).
Assim, a maior parte dos loteamentos é implantada em lugares distantes e até
fora da zona urbana cada vez mais à leste, nordeste, norte e oeste da cidade. A
COHAB-Bauru também contribui para esse tipo de conformação espacial da cidade.
Suas atividades se iniciam por volta de 1967 como uma empresa de economia mista
com 72% do seu capital integralizado pela Prefeitura, portanto uma empresa que visa a
lucratividade. Tanto que na década de 70, já se forma o processo de favelamento de

91
Bauru pelos excluídos do sistema de financiamento, pois a COHAB nem sempre
apresenta um preço compatível a todos (FARIA, 1988). Esse movimento de favelização
foi combatido pela Prefeitura com a realização de mutirões de construção, programa
que a COHAB lançou para o Brasil no ano de 1979.

(...) desde a década de 60 Bauru já apresentava uma taxa de urbanização


elevada; além disso, durante a década de 70 aprofunda-se um movimento de
atração de migrantes, buscando colocação no seu mercado de trabalho. (...) a
Cohab de Bauru agiu prontamente na construção de habitações populares
chegando na mesma década a haver superávit habitacional, o que inclusive
pode reforçar essa imigração (FARIA, 1998, p. 44).

Os núcleos habitacionais financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação


(SFH) se proliferam de forma acelerada em Bauru no período de 70 a 80. O aumento
do número de inscrições na COHAB coincide com o aumento do favelamento
justamente por ser opção dos excluídos do sistema de financiamento, atingidos pelas
reformas trabalhistas no campo e pela diminuição do salário real.
Para se ter uma idéia da dimensão da Cohab-Bauru, por volta de 1990, de cada
10 Bauruenses, 2,6 residia em casas de Cohab (CONTEL, 2000, p. 126 apud
CAMARGO 2005, p. 116; FARIA, 1998, p. 26; LOSNAK, 2004, p. 203) ao mesmo
tempo, de acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Projetos Comunitários do
Município (SEPROCOM), a cidade tem um aumento de mais de 400% no número de
favelados em um intervalo de menos de 10 anos. Em 1991 eram 13 favelas, onde
viviam 2.485 pessoas. Em 2002, um levantamento da Comissão Municipal de Defesa
Civil acusou que existiam 20 favelas, somando 12.894 moradores (DALOIA, p.74, apud
LAVEZO, 2005). Para ilustrar segue a Tabela 7.9 e o Gráfico 7.4, com os núcleos
habitacionais surgidos em Bauru entre as décadas de 60 e 80:
O que fica claro é que a intensa quantidade de oferta de loteamentos e conjuntos
habitacionais são, em sua maioria, aprovados sob fatores especulativos ao invés da
real demanda local. A ação da COHAB não é uma ação benevolente para com os
migrantes e sim uma ação voltada para acomodar os trabalhadores dos distritos
industriais, uma necessidade econômica de redução dos custos com mão-de-obra, que
além de tudo colabora para ampliar o quadro de fragmentação e segregação urbana
(ALVES, 2001, p. 127; CAMARGO, 2005, p. 117).

92
Tabela 7.9: Núcleos habitacionais surgidos em Bauru ente 1966 e 1987

Data de
Nome do conjunto Número de casas
inauguração
Jardim Santana 173 1966
Jardim Redentor 452 01/07/1968
Parque União 305 1968- 1969
Jardim Cecap 100 1969
Nova Esperança I 252 01/03/1970
Jardim Nova Esperança I 252 1970
Jardim Terra Branca 576 1971
Jardim Guadajara 72 1970-1972
Jardim Redentor II 662 1973-1974
Jardim América 304 1975
Bom Samaritano 105 01/04/1977
Parque Perdizes 95 27/09/1977
Jardim Nova Esperança II 400 01/06/1979
Jardim Rosa Branca 660 29/08/1978
Jardim Redentor III 132 01/07/1979
Presidente Ernesto Geisel I 800 01/05/1979
Presidente Ernesto Geisel II 1113 01/07/1980
Presidente Ernesto Geisel III 312 01/07/1980
Jardim Eldorado 199 1980
Jardim Progresso 240 1980
Alto Alegre 248 01/01/1981
Beija Flor 1220 01/07/1982
Vila São Paulo (mutirão) 104 01/12/1982
Jardim Europa (mutirão) 46 01/12/1982
Ouro Verde (mutirão) 120 01/11/1983
Parque Jaraguá (mutirão) 171 01/11/1983
Edson Bastos Gasparini 1228 01/08/1984
Luiz E. Coube (mutirão) 88 01/08/1984
DarciCésar Improta(mutirão) 137 1987
FICAM IV 262 1987
Fonte: modificado de COHAB/Bauru apud Faria (1988, p. 27; LOSNAK, p. 263-4, BAURU,
2007 b)

93
Gráfico 7.4: Produção de conjuntos habitacionais entre as décadas de 60 e 80

Tuga Angerami, atual prefeito reeleito de Bauru, cujo primeiro mandato foi de
1983 a 1988, acredita que o Plano Diretor não teve crédito devido aos critérios de
implantação dos conjuntos habitacionais, “bastante discutíveis e dirigidos por interesses
muito mais ligados à especulação imobiliária do que, na realidade, preocupados com
um crescimento disciplinado da cidade”, e classifica esse fenômeno não restrito
somente à Bauru, mas generalizado num quadro de expansão desordenada das
cidades brasileiras durante a década de 70. Anos de expansão dos núcleos
habitacionais populares, quando as COHABs, se apossam das periferias de Bauru
(MORAES, 1988).

7.5.4 A didática da lógica especulativa

Para os políticos, construir núcleos representava uma maneira de adequar a


cidade aos novos tempos, usufruir da política econômica nacional, atender às
necessidades de determinados segmentos e demonstrar prestígio e poder.
Quanto mais núcleos eram erigidos e quanto maiores eles fossem, melhor para
expressar o poderio dos setores dominantes. Desse modo, a cidade que as
elites propunham era a projeção de suas representações de seus modelos de
urbe e de política (...). A maior parte da população esteve situada com objeto
secundário à esses projetos (...) (LOSNAK, 2004, p. 213).

Os mais de 30 conjuntos instalados pela Cohab no limite da malha urbana, ao


mesmo tempo em que geram imensas demandas ao poder público possibilitam a
valorização dos vazios urbanos. Prova de que além dos lucros com a venda da unidade

94
habitacional, há um lucro potencializado pela especulação, reforçando a contradição
entre superavit habitacional e favelamento (CAMARGO, 2005, p. 118).
O isolamento periférico e o distanciamento dos equipamentos públicos e
coletivos oferecidos nas áreas centrais urbanas, acrescidos dos problemas ambientais
decorrentes da forma de ocupação do solo acabam penalizando a população mais
pobre. Os recursos que poderiam solucionar questões de melhorias dos bairros
populares acabam sendo investidos no controle de problemas ambientais (ALVES,
2001, p. 113).
A justificativa do distanciamento, das áreas adquiridas para novos
parcelamentos, tendo em vista o barateamento da terra, sob um olhar mais
crítico que nos interessa, foi uma maneira simplista e compromissada da
COHAB e outras entidades em colaborar com os proprietários de terras na sua
especulação imobiliária e, demonstra um comprometimento passivo e cúmplice
com um modelo capitalista e especulativo da cidade, que afinal também não
está comprometido de fato com o atendimento de casa própria a todos e
principalmente com os mais carentes (ALVES, 2001, p. 116).

Losnak (2004, p. 206-11) cita que quando se dava a entrega dos núcleos aos
novos moradores, estes eram entregues sem infra-estrutura, em lugares desabitados, e
distantes da dinâmica central da cidade, as melhorias tinham de ser conquistadas pelos
próprios moradores por meio de trabalhos individuais, organizações comunitárias e
mobilizações políticas. As relações de sociabilidade rapidamente se modificavam
estimulando o surgimento de diversas atividades econômicas.
A didática da lógica especulativa é a de reservar terras para maiores
valorizações futuras, de forma a ampliar o perfil de renda dos moradores adquirentes
das unidades habitacionais e aumentar o número de unidades habitacionais por área do
terreno. Com a chegada gradativa de infra-estrutura e equipamentos nas zonas
periféricas as áreas intermediárias passam a ser valorizadas. Por meio dessa prática de
valorização dos lotes. As elites conseguem atrair investimentos para áreas potenciais
em novos investimentos privados, como o shopping (ALVES, 2001, p. 127-9).
Fato é que a falta de uma gestão integral de terras públicas estruturadas relegou
as estruturas coletivas e espaços públicos a segundo plano. A maior preocupação
quase sempre foi apenas aprovar um loteamento ou conjunto habitacional privilegiando
a execução do maior número possível de unidades habitacionais e não havendo

95
maiores preocupações com a estrutura viária hierarquizada e com a organização das
áreas públicas (ALVES, op.cit.).

7.6 Planejamento urbano durante o liberalismo econômico

Desde o início da formação urbana de Bauru, há uma política claramente


definida pelo poder público, seja por meio dos setores de planejamento, seja por meio
da COHAB, de promover deliberadamente a segregação espacial entre as camadas ou
classes sociais, mais ricas e mais pobres. A classe econômica mais alta, apoiada pela
maioria absoluta dos representantes do poder político de Bauru, prefeitos e vereadores,
vai colaborar para a afirmação e regulação por leis urbanísticas, como a lei de
zoneamento e os planos diretores, para que ela ocupe as regiões sul, sudoeste e
sudeste, preferencialmente, vide Figura 7.6 (ALVES, 2001,p.127-9).

Figura 7.6: Ilustração dos conjuntos habitacionais (zonas leste, norte, oeste) e
loteamentos fechados (zona sul) (ALVES, 2001, p. 123).

96
A Lei Municipal do Parcelamento, uso e ocupação do solo de Bauru de 1982
restringe ainda mais a Lei Federal 6.766 de 1979, mas mesmo assim, a produção de
loteamentos sem infra-estrutura e em dissonância com o Plano Diretor anterior (1967)
aumenta consideravelmente, principalmente nos loteamentos executados pela COHAB
(ALVES,op.cit.).
O segundo plano diretor viria a ser defendido por todos os estratos sociais, em
face dos dados da Secretaria da economia e planejamento do estado de São Paulo
apontarem a micro região comandada por Bauru como a de maior crescimento
potencial e crescimento até o final do século e, com o ônus da metropolização
reversível. Tuga Angerami, prefeito de Bauru reeleito, cujo primeiro mandato foi de
1983 a 1988, adverte que apesar de se falar em planos, eles normalmente são
deixados de lado para permitir prevalecer outros interesses (MORAES, 1988, p. 77).
Pretendendo-se a um maior controle do solo urbano a Prefeitura amplia o corpo
técnico e o escritório técnico de planejamento fica responsável pelas diretrizes
urbanísticas para parcelamento, porém a falta de um melhor planejamento urbano e de
uma atuação diretiva e fiscalizadora do poder municipal continuou a ocorrer, agravando
os problemas já existentes com assoreamentos e enchentes (RIGITANO, 2003; ALVES,
2001).
No final dos anos 80 e início dos 90 há uma liberalização das leis através de uma
comissão de zoneamento formada pelo poder público para a construção de Shopping-
centers e de hotéis (ALVES, 2001). O comércio bauruense se dinamiza com a
expansão de grupos locais, como o Grupo de Hotéis Obeid que se espalha pela cidade,
e a instalação de filiais de grandes grupos (FARIA 1988, p. 35).
Conforme esclarecimentos de Rigitano (2003), o Escritório Técnico se transforma
em Secretaria do Planejamento – Seplan- em 1989, e embora devesse planejar
antecipadamente numa visão ampla toda a cidade, passa a ser consultado apenas
quando todo o projeto está definido e sob pressão de execução, quando o correto seria
desligar-se o órgão de aprovação dos loteamentos do de planejamento, e criar-se uma
secretaria exclusiva que não ficasse a mercê da troca de governo e da descontinuidade
administrativa. O que se percebe até hoje é a pouca estrutura da Seplan para atender a
tantas atividades (MOURA, 2003).

97
Em 1990 a Lei Orgânica Municipal (LOM) impõe ao município a elaboração do
Plano Diretor para Bauru, e em 1996 ele será elaborado por funcionários da Seplan,
DAE – Departamento de Água e Esgoto - e ENDURB – Empresa municipal de
desenvolvimento urbano e rural. O Plano pretendia abranger a todas as áreas, mas
devido à escassez de tempo para sua realização, apenas apontou as diretrizes. As três
Áreas de Preservação Ambiental foram criadas para conservação dos mananciais e
controle da expansão urbana, introduziu-se a Carta Geotécnica do IPT, a necessidade
de um plano de macrodrenagem e, a possibilidade de barragens de contenção nas
Nações Unidas, Água do Sobrado e Córrego da Grama (RIGITANO, 2003 apud
MOURA, 2003).
O IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo- elaborou
um extenso trabalho sobre a problemática das erosões em Bauru, resultando na
confecção da Carta Geotécnica, que mostra claramente as áreas de maior
suscetibilidade à formação de erosões (IPT, 1991). O atual Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado (lei 4.126/96) propõe a não ocupação das áreas definidas
com alto risco de formação de erosões, dispostas nesta Carta Geotécnica, parte
integrante do Plano Diretor de Bauru de 1996 (INSTITUTO, 2003).
As diretrizes de parcelamento foram organizadas de forma a obrigar os
empreendedores a executar as vias principais e a reservar as áreas de fundo de vale
para a criação de parques lineares (MOURA, 2003). O Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CONDURB) é criado em 1999 visando a tratar as questões
de legislação, plano diretor e diretrizes de projeto, e em 2001 é aprovada a criação do
Estatuto da Cidade, com o intuito de coibir prefeitos que se utilizam do Plano Diretor
como estratégia de governo.
Em dezembro de 2003 uma comissão foi nomeada para trabalhar na elaboração
do Novo Plano Diretor de Bauru, incumbida de prever ações a serem seguidas pelos
próximos prefeitos para normatizar o desenvolvimento da cidade. Os técnicos utilizaram
dados do Projeto Bauru + 10, Conferência das Cidades, Conferência do Meio Ambiente,
Conferência da Assistência Social, propostas da população, entre outros (SILVEIRA,
2004 b). O Plano Diretor estabeleceu diretrizes para drenagem habitação, áreas verdes,
sistema viário, vazios urbanos, saneamento, pólos de desenvolvimento, entre outros.

98
7.6.1 O processo de verticalização

São Paulo se encarrega de disseminar o espírito cosmopolita e moderno dos


arranha-céus dos países desenvolvidos em meados de 1920 e com ele o
comportamento monopolista, ligado aos setores de tecnologia e de administração
científica mais desenvolvida, o “taylorismo”. Os arranha-céus legitimam essa
modernização do complexo capitalista internacional (SOUZA, 1994, p. 65-70). Souza
(1994, p. 243-7) relaciona o processo de verticalização brasileira com as teorias
urbanas dos países desenvolvidos, mas enfatiza sobretudo a relação deste fenômeno
aos estímulos das políticas públicas e à propriedade privada da terra e disponibilidade
de grandes áreas, capazes de rentabilizar os índices urbanísticos propostos pelas
diversas legislações.
Quando os primeiros edifícios chegam a Bauru, estes acompanham o processo
de verticalização de São Paulo, onde as edificações se concentram na região central e
mantém fortes relações com o setor terciário. Até 1949 esses edifícios se situavam no
eixo das avenidas que compõe e estruturam o centro histórico: Rodrigues Alves, 1º de
agosto e Batista de Carvalho. Do final da década de 40 até o final de 50 percebe-se
uma tendência de utilização das edificações para fins residenciais.
Somente a partir de 1960 o Estado brasileiro assume a tutela da construção civil,
numa época de forte crescimento econômico e amparo às edificações, com grande
impulso pelo PNH – Plano Nacional de Habitação (SOUZA, 1994, p. 82). O
desenvolvimento da verticalização em Bauru nesta época continua a concentrar-se nas
áreas centrais e a média dos pavimentos sobe de 3,3 para 7,8 (CAMARGO, 2005, p.
120-2). Na década de 70 há uma redução da verticalização em Bauru. No regime
ditatorial, a perda de autonomia dos municípios e a lei de zoneamento têm enorme
influência no adensamento urbano. A dependência da construção civil do setor público
é agravada pela entrada de empresas estrangeiras no setor a partir de 1976.
Percebe-se que a verticalização se espalha pelos setores da zona sul e fora
dela, principalmente para fins residenciais, apenas 1 edifício se localizou no eixo
central, onde se implantaram os primeiros edifícios da década de 40 (CAMARGO, op.
cit.). O final dos anos 70 pode ser classificado como primeira fase da verticalização de
Bauru, estando fortemente ligada ao comércio. Dos 52 edificados até 1979,
99
aproximadamente 42% tinham uso estritamente comercial, 38% uso misto e 20 % uso
residencial. Na década de 80, a verticalização se expande com as determinações do
plano cruzado e se aproveita das condições de infra-estrutura produzida com as vilas
operárias, lançadas às margens da cidade na década anterior pela política habitacional
(SOUZA, 1994, p. 71). O levantamento dos dados da verticalização de Bauru produzido
pela Secretaria de Planejamento de Bauru (apud CAMARGO, 2005, p. 129) é mostrado
a seguir no Gráfico 7.5 e na Tabela 7.10.

Gráfico 7.5: Quantidade de edifícios entre as décadas de 40 e 90

Tabela 7.10: Produção de edifícios em Bauru


Década 40 50 60 70 80 90 Total

Total 8 11 20 13 208 465 725


Fonte: Modificado de SEPLAN apud CAMARGO, 2005

A maior produção de edifícios se deu nas décadas de 80 e 90. Entre 86 e 87


houve grande aumento nos investimentos de edifícios construídos, mais da metade
deles concentrado nas novas áreas de especulação de maior padrão e acesso às
classes sociais mais elevadas (CAMARGO, 2005, p. 129). A década de 90 mantém
esse padrão característico na verticalização nas áreas mais valorizadas da cidade.

Um grande momento (da verticalização) ocorreu em 1986 quando afloraram


prédios residenciais, na maioria possuindo dois apartamentos por andar, e de
dois ou três dormitórios. (...) No entanto, de 1990 a 1991 houve um grande
aumento na quantidade de edifícios se comparado aos anos anteriores. Só
podemos comparar esse crescimento ao período de 1985 a 1986 e verificar
que a evolução nesse momento corresponde a quase 50% a mais que nos
anos anteriores” (BARBOSA,1996, p. 199 apud CAMARGO, 2005, p. 124).

100
Deve-se salientar que o processo de verticalização quando se expande pela
cidade do interior, anuncia a chegada do desenvolvimento, tão ansiado pela “Bauru
sem limites”, pelas semelhanças com as cidades grandes. A partir de 1990, este
movimento de verticalização intensifica-se sobremaneira, ligado aos novos vetores de
concentração do capital, de acordo com a polarização exercida pelos novos ícones da
modernidade dispersos pelo território.

7.6.2 O processo de segregação: loteamentos fechados

Como se viu a Política Urbana dos artigos 182 – aprovada em 1988, aumenta a
autonomia dos governos municipais. A introdução do modelo neoliberal aumenta o
ingresso de capitais externos e com ele uma maior polarização e fragmentação da
cidade. Os primeiros loteamentos de alto padrão de Bauru refletem essa tendência e
são do final do século XX e início do século XXI, porém eram abertos à circulação de
pessoas nos seus espaços públicos. Com a exacerbação da propaganda da indústria
da segurança e do conforto, reforça-se o processo de implantação de loteamentos
fechados segregatícios, como demonstram a Tabela 7.11 e Tabela 7.12.
Vale-se ressaltar que os “loteamentos fechados”, diferentemente dos
condomínios fechados, são do ponto de vista jurídico ilegais, portanto todos os
loteamentos fechados de Bauru são discutíveis do ponto de vista jurídico, além de
representarem o avanço da segregação social.
A restrição à novos loteamentos desconexos da malha urbana já parcelada,
sempre foi interpretada pelos proprietários de terras e, mesmo pelo poder municipal,
como uma forma de congelar o desenvolvimento urbano. Essa confusão entre
desenvolvimento e crescimento urbano especulativo colaborou sobremaneira com o
processo de “fragmentação urbana”. O poder público geralmente submisso aos fatores
econômicos especulativos do mercado e aos aspectos políticos imediatista, raramente
consegue estabelecer diretrizes urbanísticas eficazes, para os próprios loteamentos e,
entre eles e a cidade (ALVES, 2001, p. 127-8).
O modo de implantação dos loteamentos fechados se mostra impactante do
ponto de vista ambiental, sendo atualmente um dos responsáveis pela formação das
erosões urbanas, por conta da implantação de empreendimentos em desacordo com a
101
geotecnia e as normas de dissipação de água. É comum ao redor do muro dos
residenciais, se encontrarem tubulações abertas, onde se inicia o processo de
ravinamento. Além disso, a implantação visa ao rendimento máximo do terreno. Nos
trabalhos de campo realizados juntamente com os profissionais da Secretaria de Meio
Ambiente e do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais),
era comum se verificar que, concomitantemente ao inicio das obras dos residenciais à
beira dos córregos, as nascentes eram drenadas em direção à beira do leito do rio, de
forma a se ganhar mais espaço para edificar.

Tabela 7.11: Loteamentos fechados em Bauru


LOTEAMENTO RESIDENCIAL FECHADO APROVAÇÃO

PARQUE RESIDENCIAL PAINEIRAS 13/11/72


PARQUE RESIDENCIAL SAMAMBAIA 31/08/75
JARDIM SHANGRILÁ 07/10/76
RESIDENCIAL TIVOLI 20/04/94
JARDIM COLONIAL 03/02/95
RESIDENCIAL VILLAGGIO 29/10/97
RESIDENCIAL LAGO SUL 14/08/99
RESIDENCIAL SANTA CECÍLIA 14/07/99
RESIDENCIAL VILLAGE CAMPO NOVO 23/12/99
RESIDENCIAL ODETE 12/08/02
RESIDENCIAL QUINTA RANIERI 26/08/02
RESIDENCIAL ILHA DE CAPRI 09/10/02
RESIDENCIAL TIVOLI II 03/02/03
RESIDENCIAL VILLAGGIO II 11/03/03
RESIDENCIAL VILLAGGIO III 11/03/03
RESIDENCIAL SPAZIO VERDE 09/11/04
RESIDENCIAL SAUÍPE 17/12/04
RESIDENCIAL VILA LOBOS 06/04/06
RESIDENCIAL ESTORIL V 25/08/06
Fonte: Bauru, 2007 a

Tabela 7.12: Produção de loteamentos fechados em Bauru


DÉCADA 70 80 90 2000 TOTAL

Loteamentos fechados 3 -- 6 10 19
Fonte: Modificado de Bauru (2007 a)

102
ÁREA DE ESTUDO
8 Urbanização do córrego: produção da degradação e da exclusão

A bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida se encontra totalmente


dentro do perímetro urbano da cidade de Bauru e seu fundo de vale ainda não foi
totalmente ocupado, apresentando algum tipo de cobertura vegetal. A nascente está
nas proximidades do Jardim Nicéia e a Foz no fundo do Horto Florestal. O córrego
deságua no Rio Bauru. A bacia é recortada pelas avenidas de maior fluxo da cidade:
Nações Unidas, Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves, e é próxima a Rodovia Marechal
Rondon (Mapa 8.1, Mapa 8.2).

Mapa 8.1: Localização da bacia Hidrográfica do Córrego da Água Comprida no


município de Bauru

103
Mapa 8.2: Mapa da Bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida com avenidas,
alguns bairros e rodovia Marechal Rondon

104
O processo de ocupação da bacia hidrográfica segue a mesma tendência de
urbanização do município de Bauru. Primeiro instalam-se os conjuntos habitacionais
distantes do centro, como o Geisel e o Jardim Redentor, visando ao abrigo dos
trabalhadores que sediariam o distrito industrial7 (CAMARGO, 2005, p. 117, LOSNAK,
2004, p. 203). Os vazios urbanos ficam resguardados para maior especulação a espera
de infra-estrutura e avenidas. Com o passar do tempo, a cidade se aproxima, e as
áreas vazias valorizam-se. Em seguida, os conjuntos privados são lançados para a
população de maior poder aquisitivo em áreas melhores para obter a ampliação dos
coeficientes de aproveitamento e taxas de ocupação. São exemplos dessa fase os
condomínios verticais Vila Verde, Vila Grená, Campo Belo e Campo Limpo. Por último
se dá a implantação dos loteamentos horizontais e verticais de “alto padrão” para a
classe econômica mais beneficiada, como o Jardim Colonial (ALVES, 2001, p. 118).

(...) os próprios loteadores estimulavam a organização popular para que os


seus moradores pressionassem o poder municipal para a realização de infra-
estruturas”, mesmo os destinados às classes de maior poder aquisitivo. Isso
aconteceu no caso particular no caso da Bacia hidrográfica do córrego da Água
Comprida nos loteamentos Vila. Engler e Vila.Carolina (ALVES, 2001, p. 108).

Note-se pela Tabela 8.1 e Figura 8.1 que as primeiras ocupações da bacia
hidrográfica são os loteamentos abertos surgidos em fins da década de 40 até metade
da década de 60, quando se dá a maior produção de loteamentos do município, devido
ao incremento das atividades no setor terciário, de comunicação e do setor de
transportes em meio a euforia desenvolvimentista canalizada pelas ações do Prefeito
Nicolinha. Nesse período expansionista da cidade denominado “Cidade Sem Limites”,
com início em meados de 1940 e que se estende até hoje, o parcelamento ocorreu de
forma generalizada, como é o caso da Vila Engler, Jd. Carolina e Santos Dumont
(ALVES, 2001, p. 118 et. seq.).

7
Uma das estratégias do governo da ditadura militar (1965 a 1988 ) para desenvolver o capitalismo foi
investir na industrialização. Os operários deveriam sediar os novos núcleos habitacionais com
financiamento do governo, tal como o BNH, COHABs, INOCOPs e CECAPs. O movimento migratório em
busca desses novos centros industriais intensifica-se, sobremaneira. Parte dessa população se estrutura
e tem condição de financiar um imóvel, outra parte, atingida pelos efeitos negativos das mudanças
governamentais, principalmente no campo, com a modernização agrícola e projetos como o PróAllcool,
em 1973, encontra nas periferias e áreas abandonadas da cidade o refúgio para sobreviver, agravando o
processo de favelamento.

105
Quando a COHAB chega, em fins de 1960 e ao longo de 1970, percebe-se o
declínio da produção de loteamentos abertos e o aumento da construção dos conjuntos
habitacionais, momento em que há atração de migrantes buscando colocação no
mercado de trabalho. Nesse quadro de construção de quase uma dezena de conjuntos
habitacionais, se tem origem a formação da única ocupação irregular desta bacia
hidrográfica em meia à Zona Sul, ainda distante do centro, o Jardim Nicéia.

Tabela 8.1: Tipos de ocupação do Córrego por nome e data de aprovação

Conjuntos Habitacionais data de aprovação


JARDIM REDENTOR I 1968
JARDIM REDENTOR II E III 1973
JARDIM REDENTOR III, NUCLEO RESIDENCIAL VI 1978
NUC. RES. PRES GEISEL 1979
NUC. RES. PRES GEISEL 1982
NUC. RES. PRES GEISEL 1981
NUC. RES. PRES GEISEL 1989
NUCLEO HABITACIONAL LUIZ EDMUNDO COUBE 1983
NUCLEO HABITACIONAL LUIZ EDMUNDO COUBE (J. DAS
1983
ORQUIDEAS) - MUTIRÃO
Loteamentos Abertos
VILA ENGLER 1948
VILA JD. CRUZEIRO DO SUL 1950
JARDIM CAROLINA 1951
JARDIM SANTOS DUMONT 1957
JARDIM SAMBURA 1961
JARDIM NICÉIA 1965
RESIDENCIAL JARDIM CARVALHO 1978
JARDIM ROSAS DO SUL 1986 - 1988
Ocupação Irregular
JARDIM NICÉIA 1967
Loteamentos Fechados
JARDIM COLONIAL 1995
RESIDENCIAL ODETE / TAVANO 2002
RESIDENCIAL SAUIPE 2004
Prédios
RESIDENCIAL PARQUE CAMÉLIAS I 1988
RESID. PARQUE CAMÉLIAS II – VER FLAMBOYANT 1990
CAMPO LIMPO / CAMPO BELO 1998
Fonte: modificado da Secretaria de Educação (BAURU, 2006)

106
Figura 8.1: Loteamentos com data de aprovação na bacia hidrográfica do córrego da
Água Comprida (KLEIN et. al., 2005)

107
O que de fato vai diferenciar a ocupação e o desenvolvimento desigual desses
bairros é que, desde o início da formação urbana de Bauru, a classe
econômica mais alta, apoiada pela maioria absoluta dos representantes do
poder político de Bauru, prefeitos e vereadores, vai colaborar para a afirmação
e regulação por leis urbanísticas, como a lei de zoneamento e os planos
diretores, para que ela ocupasse as regiões sul, sudoeste e sudeste,
preferencialmente. Assim é nessas áreas que de forma aleatória e sem
qualquer contrapartida social e pública maior, que vão ser concedidos os
maiores índices de coeficientes de aproveitamentos e taxas de ocupações
(ALVES, 2001, p. 122-3).

8.1 Características geomorfológicas da bacia

Pela associação do mapa de altimetria e de declividade, Mapa 8.3 e Mapa 8.4, e


baseando-se nos estudos de Kertzman; Diniz (1995) e Salomão (1994 b) analisa-se as
formas de relevo como potencializadoras dos processos erosivos, mesmo sendo o
desnível altimétrico relativamente baixo. O desnível entre o horto florestal e o Jardim
Nicéia é de cerca de 140 metros. Nele ocorrem rampas inclinadas com declives que
favorecem a concentração de fluxo de água em linhas de drenagens preferenciais. Este
fato associado aos substratos areníticos do solo e ao clima tropical, com alternância de
períodos de chuva e seca, potencializa o surgimento de processos erosivos,
Segundo os mesmos autores, os solos podem variar bastante de acordo com a
morfologia e as mudanças de declividade do terreno. No topo plano onde é comum
ocorrerem os latossolos de textura média, a infiltração é mais rápida e as condições são
de estabilidade, por isso a média e a alta vertente apresentam-se mais favoráveis a
ocupação, o que se confirma pela carta geotécnica fornecida pelo IPT (1991). Os
latossolos têm por característica a tendência a lixiviação em clima tropical como o de
Bauru. No trabalho de campo observa-se a presença de processos de sulcos e
ravinamento nas mediações do topo das vertentes.
Os solos podzólicos de textura arenosa/média presentes na baixa e média
vertente apresentam predominância de ocorrência de processos erosivos. Já na
baixada, no fundo de vale, ocorrem os solos hidromórficos, onde ocorrem os
alagamentos e surgências d'água verificadas em trabalhos de campo (Figura 8.2)
(KERTZMAN; DINIZ, 1995; SALOMÃO, 1994 b), e maior susceptibilidade a inundações
sobretudo quando de inclinação inferior a 2%, segundo a proposta metodológica de De
Biasi (1992). Tal com verificado no Jardim Nicéia (Figura 8.3).

108
Mapa 8.3: Mapa de compartimentos altimétricos do Córrego da Água Comprida com
destaque para área de estudo

109
Mapa 8.4: Mapa clinográfico do córrego da Água Comprida com destaque para área de
estudo

110
Conforme o movimento de urbanização foi se intensificando, a nascente do
córrego da Água Comprida, primeiramente próxima às margens da rodovia Marechal
Rondon, ponto localizado com o número 1 na Figura 8.2, foi migrando para as partes
mais baixas do morro, chegando a localizar-se em meio ao Jardim Nicéia, ponto
localizado pelo número 2 e, depois para o centro de onde se fez a rotatória da Avenida
Antenor de Almeida, ponto 3, até alcançar, atualmente, a altura dos residenciais
fechados na jusante do alto curso, ponto 4.
Tal fato deve-se à aceleração do processo de urbanização desta cabeceira,
processo este ligado ao aumento do nível de sedimentos que é levado para a área. Em
menos de uma década o nível do solo elevou-se de maneira que a nascente passou a
emergir em vários níveis diferentes do morro por causa da deposição gradual de
sedimentos que se sobrepunha ao nível do solo no qual ela corria. Portanto ela sempre
ia aparecendo um nível altimétrico abaixo.
O solo da cabeceira da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida
apresenta declividade inferior a 2% como pode se ver nas áreas pintadas em verde em
meio ao Jardim Nicéia na Figura 8.3, tanto no caminho anteriormente percorrido como
no atualmente percorrido pelo córrego. Nesse caso verifica-se o surgimento dos feitos
erosivos na área de cabeceira por onde se concentram linhas preferenciais de água,
fato constatado em meio ao Nicéia. Como citado por Salomão (1994) é comum o
surgimento de feitos erosivos relacionados à reativação de linhas de drenagens
naturais.
A realidade vivenciada pelos moradores do Jardim Nicéia afere com esse dado,
pois o bairro situa-se ao redor do antigo leito, e é rotineiro o fluxo de águas em meio a
essa linha de drenagem natural ligada a eventos pluviosos, o que provoca o arraste do
solo desnudo. Como há casas muito próximas dessa linha de drenagem, verifica-se o
aparecimento de rachaduras no interior de algumas residências. Além do mais, há fluxo
de água proveniente da lavagem dos ônibus situados a algumas quadras acima do
Nicéia, o que torna esse caminho natural das águas constantemente “reativado”,
quadro que somado ao lixo jogado pelos próprios moradores, acaba por formar ilhas de
água parada, que se tornam focos de contaminação e criadouro de insetos.

111
Figura 8.2:Cabeceira de drenagem do córrego da Água Comprida

Figura 8.3:Clinografia da cabeceira do córrego da Água Comprida

112
A classificação proposta por De Biasi (1992), no qual as áreas inferiores a 2%
são mais propensas às inundações, é fato problemático no Nicéia. No antigo leito do
córrego, no meio do bairro, onde se localizam os solos hidromórficos, ocorrem
episódios de inundação de grande intensidade que chegam a impedir a travessia de
uma margem à outra, já que as casas dispõem-se paralelamente e perpendicularmente
ao antigo leito, quando não sobre este.
Verifica-se que os processos erosivos são freqüentes no bairro, assim como em
toda a jusante do alto curso, próxima aos residenciais, identificados com os números 1
e 2 na Figura 8.3, sobretudo causadas pela má dissipação da drenagem superficial. A
forma do relevo da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida potencializa os
processos erosivos locais, por ser formada por rampas longas e inclinadas. A
associação dos substratos areníticos do solo, à reativação de linhas de drenagens
naturais, acaba por resultar em sulcos e ravinas nas linhas preferenciais de
concentração de água.

8.2 Sobre o córrego da água comprida

Essa bacia hidrográfica apresenta diversas potencialidades no campo de


pesquisa acadêmica e no de atuação social, tem um centro de tecnologia e
planejamento avançado na UNESP, um terceiro setor atuante com várias vitórias no
campo social e ambiental, uma grande concentração de órgãos ambientais regionais do
Estado (DEPRN – Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais-, CATI –
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral-, IBAMA –Instituto brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Todas essas potencialidades de
alguma forma se concentram ao redor e na bacia hidrográfica do Córrego da Água
Comprida.
Os resultados dessa parceria se refletem nas medidas mais restritivas do Plano
Diretor Participativo defendidas pela população dessa bacia hidrográfica em relação ás
áreas de preservação ambiental, como a exigência do tombamento do patrimônio sócio-
ambiental de uma reserva de mata nativa em posse de particulares. A população
presente nesta Bacia hidrográfica intervém, de modo a evitar novos processos de

113
degradação ambiental e desajustes no meio social, coibindo da forma como pode
possíveis danos decorrentes da ocupação extensiva que diretrizes municipais não
conseguem refrear. As discussões do Plano Diretor Participativo deixaram nítida a
vontade popular de preservar as reservas significativas de vegetação nativa que ainda
restam nessa bacia hidrográfica.
Já em 1998, marca a história do movimento ambiental de Bauru uma primeira
mobilização de associação de moradores, contra a abertura do sistema viário que
estava provocando erosões. Em 2004, uma forte mobilização de moradores solicitou
práticas coerentes no controle de voçorocas, e com a formulação do Plano Diretor
Participativo, as reivindicações avançaram até para a preservação de manchas de
Cerrado existentes na bacia (SANTOS, 2006).

A AGB – Seção Bauru juntamente com outras entidades e militantes


ambientalistas, reivindicam a instalação de um parque linear ao longo do
córrego, assim como, que o necessário sistema viário a ser instalado respeite
as aspirações dos moradores na bacia de não provocar maiores danos. Uma
coisa tenho como certa, se não fosse a vigilância do movimento socioambiental
a instalação de novos loteamentos teria acontecido e danos maiores teríamos
assistido (SANTOS, 2006).

A cabeceira do córrego da Água comprida é uma área bem heterogênea e foi


escolhida como área de estudo por possuir uma realidade muito rica e diversificada.
Realidade esta que foi se complexificando cada vez mais ao longo dos anos de estudo.
De fato, realidades totalmente diferentes e contrastantes acontecem ao mesmo tempo.
Para elucidar melhor o contraste. De um lado tem-se o Jardim Nicéia, uma ocupação
irregular de população de baixa renda, assentada ao redor da antiga nascente do
córrego da Água Comprida, a cerca de 40 anos, e que atualmente avança nas
instâncias burocráticas pelo processo de regularização fundiária. De outro lado, as
erosões já recuperadas, causadas pela má dissipação das águas pluviais em
decorrência das infrações das obras de implantação dos loteamentos fechados que
circundam a área, cujos reflexos dos impactos ambientais se mostram no atual
assoreamento do córrego.
Não bastasse o surgimento das erosões para atestar a fragilidade ambiental da
área, sobretudo já constatada pela carta geotécnica (IPT, 1991), outro empreendimento

114
residencial encontra-se em trâmite burocrático para aprovação sobre a mata fronteiriça
ao residencial Jardim Colonial, o loteamento responsável pela abertura da erosão
perpendicular ao córrego em 2002. Esse fato bastou para que o movimento pela
preservação da Floresta urbana do Córrego da Água Comprida eclodisse em 2007
apresentando clara relutância tanto a esse feito em particular, como na luta por causas
maiores relacionadas aos impactos da urbanização no mundo, como o efeito estufa.
Acresce-se a essa complexibilidade, a campanha para execução do plano Diretor
Participativo iniciada em 2003 e que atualmente encontra um plano em vias de
aprovação na Câmara de vereadores. As reuniões promovidas para estimular a
participação no planejamento buscaram capacitar a população, principalmente as
lideranças regionais. Esclarecimentos técnicos foram compartilhados com a população
e os termos do Estatuto da Cidade detalhadamente exemplificados, inclusive pela
autora, porém percebeu-se a ausência de muitos funcionários públicos nos debates. O
parecer de uma funcionária, em relação à participação da Seplan, nas discussões do
Plano Diretor, deixa transparecer dentro do próprio órgão responsável pelas diretrizes
municipais, o posicionamento tecnocrático8 de parte dos funcionários.

Não participou nenhum técnico da Seplan que aprova loteamento, que aprova
planta, fiscaliza a cidade ou mesmo que faz o planejamento do sistema viário
(...) É Lógico que eles não deveriam influenciar nas decisões da população,
mas entender a cidade e como a cidade funciona (ORTOLANI, 2007, grifo do
autor).

No Plano Diretor de 1996 ficou estabelecida a construção do parque urbano do


Córrego da Água Comprida e uma grande avenida margeando o córrego em ambos os
lados durante quase toda sua extensão. O poder público, inclusive desapropriou uma
extensa área de preservação permanente para a realização dessas diretrizes na área
próxima ao Parque Camélias, onde existe um manancial com 23 pontos de nascentes.

8
De acordo com Marcelo Lopes de Souza, os planejadores acabam por desempenhar o papel de
acríticos do “status quo”, quando tomados como profissionais a serviço do Estado e, portanto, de
interesses empresariais diversos. Assim, seu papel como co-promotor do desenvolvimento urbano, os
coloca como criadores e aperfeiçoadores de meios mais eficazes de permanência da ordem vigente, ou
seja, o da atuação do aparelho estatal na promoção do crescimento econômico e da modernização
capitalista. Mesmo que suas crenças pessoais anseiem por um desenvolvimento urbano sustentável,
essa “neutralidade” do planejador, sem que disso se dê conta, mantém os interesses dos grupos
dirigentes. Parte desse legado advém da própria formação introjetada na faculdade (SOUZA, 2006, p.
264-5).

115
Contraditoriamente a esse processo, em 1997 e 1998, parte dos empreendimentos
Campo Limpo e Campo Belo (Figura 8.4), edifícios verticais de oito andares, foram
aprovados sobre a área prevista para a avenida, inviabilizando o traçado previsto pelo
Plano Diretor de 1996 (ALVES, 2001, p. 120 et. seq.).

Figura 8.4: Interferências que comprometeram o Plano Diretor de 1996, com destaque
aos condomínios verticais, em laranja e cinza (adaptado de ALVES, 2001)

Esta avenida não conta com estudos técnicos, como EIA – RIMA, para se fixar
às margens do córrego da Água Comprida, principalmente depois dos impactos
ambientais desencadeados pela implantação dos empreendimentos residenciais
fechados próximos à área da nascente, melhor explicado no Subcapítulo 8.4. A
prefeitura, num dos trabalhos de campo, estava a concretar o leito do córrego sob a
justificativa de que esta obra faria parte de um projeto para diminuir a declividade do rio
em cerca de 2% através do assoreamento gradual pelos cachimbos que estão sendo
implantados, tudo visando à instalação futura das avenidas margeando o leito do
córrego (Foto 8.1). O traçado original seguiu sem nenhuma alteração nas diretrizes no
novo Plano Diretor, porém, ele só será possível na jusante do baixo curso a menos que
se empurre a avenida para a área de Preservação Permanente entre os residenciais
implantados na cabeceira do córrego, onde atualmente está uma erosão aterrada e
uma obra de canalização aberta (Figura 8.5).

116
Foto 8.1: Obras realizadas pela Secretaria de Obras de Bauru, em meio aos
residenciais fechados na cabeceira do Córrego da Água Comprida, visando à
implantação futura da avenida (Fonte: F. N. CORGHI, 2005)

Figura 8.5: Projeto da avenida entre os residenciais fechados instalados na cabeceira


margeando o córrego da Água Comprida (CORGHI et. al., 2006)

117
8.2.1 Jardim Nicéia: um caso de exclusão

A gleba onde se situa o Jardim Nicéia encontra-se na região Sudeste da cidade


na cabeceira do Córrego da Água Comprida, cercado por loteamentos residenciais
fechados de alto padrão, vide (Figura 8.6), e também pela rodovia Marechal Rondon
mais a norte. Durante muito tempo, entretanto, a ocupação permaneceu desarticulada
da malha urbana, pois quando se iniciou a ocupação em fins da década de 1960, essa
região era periférica ao centro da cidade (ALVES et.al., 2004).
Famílias humildes e sem condições financeiras de se submeter ao mercado
imobiliário se instalaram pacificamente no local com concedimento da proprietária que
cedeu parte das terras para a ocupação se desenvolver. Em troca exigiu que as casas
fossem gradualmente substituídas por alvenaria e que os arruamentos se dessem de
forma ortogonal, o que confere ao Jardim Nicéia uma tipologia diferenciada das outras
ocupações irregulares, geralmente de caráter espontâneo (Figura 8.7) (ALVES, et. al.,
2004; LAVEZO, 2005, p. 24-6).
Uma particularidade desta ocupação é sua localização na região Sul da cidade,
onde as elites bauruenses encontram privilégios para seus investimentos,
especialmente as moradias. Desde o início da formação urbana de Bauru a oferta de
lotes mais populares para trabalhadores das ferrovias é feita em sua grande parte na
região norte da cidade (ALVES, 2001, p. 121). A autoconstrução é presentemente
marcante, as casas diferem-se pelos materiais, algumas em melhor aspecto de
acabamento e outras com materiais mais rudimentares, como placas e tábuas (Foto
8.2, Foto 8.3).
O Nicéia conta com um processo de regularização fundiária em discussão e
tramitação judiciária desde 2002, logo após a aprovação do Estatuto da Cidade em
2001. A disputa dessas terras, porém, também ocorreu entre os donos particulares da
área. Duas famílias disputaram a posse, uma delas descendentes de um dos primeiros
posseiros que chegou em Bauru no século XVIII, Felicíssimo Antonio de Souza Pereira.
Muitos embates judiciários foram travados entre os particulares desde 1996, até que a
justiça desse ganho de causa para a família Madureira. Atualmente a disputa é entre
essa família e os moradores do Jardim Nicéia.

118
Figura 8.6: Disposição dos residenciais, do Jardim Nicéia e das erosões na cabeceira
da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida (CORGHI et.al., 2006)

largo central

Figura 8.7: Configuração morfológica do Nicéia (modificado de ALVES, et. al, 2004)

119
Foto 8.2: Destaque para a diversidade de materiais presentes numa moradia (Fonte:
F.N. CORGHI, 2005)

Foto 8.3: Moradora levando materiais de construção para sua residência (Fonte: F.N.
CORGHI, 2005)

120
8.2.2 A origem

Segundo os relatos dos moradores, o Jardim Nicéia teria surgido no final da


década de 60 e início dos anos 70, por famílias vindas de outras cidades do interior do
Estado de São Paulo, Paraná e Pernambuco. Menos de cinco famílias compunham a
ocupação original e segundo depoimentos, o morador mais antigo está no bairro há
quase 40 anos. A crise na lavoura e a falta de emprego no campo incentivaram a vinda
dessas famílias pelas ofertas de emprego que parentes e amigos diziam haver na
cidade. Alguns casais continuaram o trabalho no campo mesmo morando no Jardim
Nicéia, a maioria das mulheres foi trabalhar como doméstica enquanto os maridos
arrumaram serviço como ajudantes de pedreiro.
Ao longo dos anos os filhos crescidos constituíram família no próprio bairro e
algumas famílias de outros lugares da cidade, atraídas pelo baixo preço dos cômodos e
em dificuldades financeiras, também optaram pelo Nicéia como lugar de moradia.
Muitos alegaram terem ido para o bairro por já possuírem vínculos familiares ou de
amizade no local e, por gostarem do bairro. Assim, o bairro foi crescendo e se
adensando. Segundo a secretária de planejamento, Rigitano (2007), a Prefeitura nada
fez contra a ocupação, pois não teria para onde levar as famílias. Atualmente são
aproximadamente 200 lotes distribuídos pelo bairro.
Os primeiros barracos eram de tábuas e materiais rústicos, e ficavam no meio do
mato sem o mínimo de infra-estrutura. O abastecimento de água viria com a construção
de um poço artesiano e a infra-estrutura básica com o segundo mandato do Prefeito
Izzo (1997-1998), época em que também chega o arruamento por doação do prefeito
de Pederneiras.

121
Foto 8.4: Alguns barracos de madeira ainda resistem no bairro (Fonte: F.N. CORGHI,
2008)

Existe uma diferença entre o loteamento e a ocupação irregular Jardim Nicéia,


apesar de ambos constituírem uma malha contínua e ocupada por vínculos de
afetividade entre conhecidos e parentes, o loteamento Jardim Nicéia, na denominada
parte alta do bairro, iniciou a venda de lotes em 1965, vide Tabela 8.2, e conta com a
regularização dos títulos de posse. Já a ocupação dita “irregular” e que acaba por
entitular inclusive a parte alta do bairro por favela do Jardim Nicéia se formou ao redor
desse loteamento, em fins da década de 1960, concomitantemente à venda dos lotes.

Tabela 8.2: Origem do loteamento Jardim Nicéia


Loteamento Proprietário Data Quadra/lote Área lote

Jardim Nicéia Imob. Terra Branca Ltda 22/07/65 11/259 258

Fonte: modificado da Secretaria de Educação de Bauru (BAURU, 2006)

Os depoimentos confirmam o contexto de origem do assentamento irregular


Jardim Nicéia ao Brasil militar das décadas de 60 e 70, quando há um grande afluxo de
migrantes para as cidades em busca de oportunidades de emprego. Bauru atrai parte

122
desse contingente populacional atingido pela política de queda do salário real para
suprir os déficits da dívida externa, pela quebra de estabilidade do emprego ,
principalmente, pelas reformas trabalhistas do campo, e os incentivos ao programa
Proálcool, surgido em 1973, visando a substituição da gasolina pelo álcool, devido a
crise do petróleo.
O BNH procura prover a demanda por habitação, porém a renda exigida para o
processo de financiamento sobrepuja as condições econômicas dessa ala da
população mais necessitada. Ao mesmo tempo em que as habitações desse sistema
sofrem um superávit, o que se verifica é o aumento do processo de favelamento na
cidade como alternativa às conseqüência da modernização conservadora promovida
pelos militares. A grande preocupação é inserir o país na economia mundo enquanto a
população fica relegada a segundo plano. Bauru apesar de pólo sub-regional
concentrador de atividades na hierarquizada malha urbana programada não se livra dos
efeitos antagônicos da crise.
A citação de Correa (2000, p.30-5) é pertinente ao Jardim Nicéia, ao retratar o
espaço vivido como campo de representações afetivas, que torna próximo lugares e
áreas longínquas em função da afetividade. Através dessas práticas espaciais, a gestão
do território e o controle da organização se reproduzem na forma como as sociedades
produzem seus espaços (DUARTE. 1980; SANTOS, 1978 apud GOMES, 2000, p. 66).
Ao mesmo tempo em que se tem uma comunidade sendo formada essencialmente por
parentes e amigos, tem-se a reprodução de práticas rurais que acabam por denunciar a
origem de muitos moradores. A mixagem do rural e do urbano evidencia-se pelos
animais soltos pelo bairro e hortas existentes nos pequenos lotes dessas residência
(Foto 8.5, Foto 8.6, Foto 8.7).

123
Foto 8.5, Foto 8.6, Foto 8.7: Rural e urbano se misturam em meio ao Nicéia, onde é
comum se encontrar animais de grande porte (Fonte: F.N. CORGHI, 2007)

Note-se que entre 1992 e 1993 o número de habitantes mais do que dobra,
conforme pode se ver na Tabela 8.3. Associa-se esse fato à doação de lotes feita por
Dona Isaura, que na época acreditava ser a verdadeira dona da gleba. Esse fato
difundiu o Jardim Nicéia pelas facilidades de se encontrar habitação, e cidades
vizinhas, com Santa Cruz, vieram gradativamente para o bairro, trazendo família e

124
mudanças. Pelas entrevistas nota-se também o incremento populacional de origem
pernambucana em fins da década de 90.

Tabela 8.3: Acréscimo do número de barracos entre 1992-1993

Favela Número de barracos Número de pessoas


Abril / 1992 Abril / 1993 Abril / 1992 Abril / 1993
Jardim Nicéia
51 80 174 357

Fonte: Modificado da Secretaria municipal do bem-estar social do município de Bauru-SP (apud LAVEZO,
2005)

8.2.3 Os caminhos da informalidade para as melhorias no bairro

Aos poucos, os próprios moradores do Jardim Nicéia trouxeram melhorias para a


região, sobretudo durante o segundo mandato do prefeito Antonio Izzo Filho (1997-
1998), tal como água, esgoto, energia elétrica, telefone público e coleta de lixo (Foto
8.8). Dona Raimunda (SILVA, 2007) se emociona ao falar do prefeito Izzo e de sua
atual situação, visto que ele sempre estava a visitar o bairro, a levar ajuda e zelar pelos
moradores. Muitos são os depoimentos dos moradores quanto a estas benfeitorias, a
maioria delas de caráter informal, por isso alguns exemplos foram selecionados de
forma a elucidar a atuação dos moradores ao longo dos anos.
Adalto (CANDIDO, 2007) como é conhecido, trabalhava em 1997 nas obras de
terraplanagem do empreendimento Jardim Colonial. O prefeito de Pederneiras era dono
da empresa responsável por essas obras e a pedido de Adalto foi o responsável pela
abertura de quatro ruas no bairro. As máquinas foram levadas gratuitamente e em
alguns dias o arruamento estava acabado. Segundo seu relato, Antonio Tidei de Lima
como Prefeito da época (1993-1996) foi procurado, mas preferiu não se envolver dado
o caráter de irregularidade no qual se encontrava o Jardim Nicéia, o que Candido julgou
como descrença quanto a permanência do bairro, já que o loteamentos de alto padrão
acabara de chegar à região.
Adalto (CANDIDO, 2007) também nos conta que a ampliação da área útil no
bairro veio com o preenchimento da imensa erosão existente no local, com a altura de
dois carros. A finalização das obras do jardim Colonial em 1997, juntou pelo menos 15

125
caminhões de entulho, os quais ele conseguiu que fossem despejados no interior dessa
erosão, onde a casa de alvenaria em que eles moram atualmente está alicerçada.
A moradora mais antiga no bairro, conhecida por Dona Cida (SANTOS, 2007 b),
em seus 40 anos de Jardim Nicéia, conta como conseguiu os postes de luz, do qual
somente a parte alta do bairro se beneficiou por muito tempo. Estes seriam fruto de
suas reclamações diretamente ao prefeito Tidei de Lima, onde ela trabalhava como
doméstica, antes da chegada dos postes de eletricidade através do prefeito Izzo.
Também afirma que os tijolos doados para a construção do poço artesiano, do
qual o bairro se abasteceu por muitos anos, seriam os utilizados para a construção de
sua casa, mas dada a extrema necessidade de abastecimento de água, ela os cedeu
às obras. Como o bairro não tinha infra-estrutura e era no meio do mato, ela ia lavar
roupas no Jd. Samburá com suas quatro crianças.
Atualmente, não são poucos os problemas do bairro. A ausência de posto de
saúde, creche e escola obrigam os moradores a atravessar a rodovia Marechal Rondon
de tráfego intenso e a andar 1,5 km até o Jardim Europa. As ruas não são
pavimentadas, e em períodos de chuva detectam-se problemas de sulcos e erosões.
Partes do bairro sofrem inundação e chegam a inviabilizar o transporte coletivo (ALVES
et.al., 2004, p. 6). Muito lixo ainda é jogado no antigo leito do córrego por alguns
moradores, mesmo a contra gosto da maioria que gostaria de utilizá-lo como área de
lazer (Foto 8.9, Foto 8.10). O que atualmente mais aflige esta população é a incerteza
quanto ao futuro da permanência no bairro, devido à falta de titularidade dos terrenos.

126
Foto 8.8: Infra-estrutura adquirida informalmente por esforços dos próprios moradores
do Nicéia (ALVES et. al., 2004, p. 6)

Foto 8.9 e Foto 8.10: Lixo no antigo leito do córrego e um dos caminhos de
concentração de água pluvial afetado por processo erosivo (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)

127
8.2.4 Disparates sócio-econômicos

Para se ilustrar o disparate sócio-econômico em que estão inseridas essas


realidades tão distantes, apesar da proximidade física entre o Nicéia e os loteamentos
fechados, estes últimos têm todas as suas ruas asfaltadas e iluminadas, portaria 24
horas, muros com 2,8m de altura e cerca elétrica (Foto 8.11, Foto 8.12, Foto 8.14),
monitoramento por sistema de câmeras internas integrado à internet em tempo real,
acesso controlado por cancela ativada por cartão eletrônico de identificação para a
segurança área de lazer com play-ground infantil, duas quadras de tênis, e de squash,
quadras poli esportiva iluminadas, quiosques e salão de festas multiuso; sistema de
coleta seletiva do lixo; e um bosque dentro do próprio condomínio, com 12.000 m2 de
área verde. Em relação à segregação, o alto muro erigido entre o Nicéia e o residencial
vizinho, demonstra o quanto a favela é indesejada aos olhos dos empreendedores
(Foto 8.13). Uma das entrevistas de Lavezo (2005) com um vendedor de lote, deixa
claro como argumento de vendas o fato de que a “favela” do Nicéia será remanejada
em breve do local.
Os lotes dos loteamentos fechados podem chegar a 1.500 m² e custar mais de
200 mil reais. Os lotes do Nicéia variam entre 150 e 200 m², e não seria comprar um
terreno com casa, por um valor no mínimo dez vezes menor.
Os resultados da pesquisa de Alves et. al. (2004, p. 7-8) revelam que, 12% da
população do Nicéia é analfabeta e cerca de 60% nem chegou à 5ª série do Ensino
Fundamental; 68% das casas possuem de quatro a seis moradores e 70% das famílias
não possui automóvel. Constatou-se que a melhor qualidade das casas acompanha o
aumento dos índices de escolaridade e de poder aquisitivo dos moradores, apesar
destes índices se revelarem baixos, vide Tabela 8.5. No mapa do Índice Paulista de
Vulnerabilidade Social (Figura 7.1) o Nicéia aparece como único ponto marcado pela
alta propensão aos efeitos negativos da pobreza na Zona Sudeste do município de
Bauru.

128
Tabela 8.4: Renda da população do Jardim Nicéia
Sem Salário Até 1 De 2 a 4 Acima de 4 Total

14% 31% 33% 22% 100%


Fonte: Modificado de Alves, et.al. (2004, p. 8)

Tabela 8.5: Grau de escolaridade dos moradores do Jardim Nicéia


Analfabeto 1ª a 4ª E.F. 5ª a 8ª E.F. 1ª a 3ª E.M. Total

12% 49% 31% 8% 100%


Fonte: Modificado de Alves, et.al. (2004, p. 9)

Foto 8.11 e Foto 8.12: Destaque para a entrada e área de lazer de um dos loteamentos
fechados (Fonte: GSP, 2007)

Foto 8.13 e Foto 8.14: Muro que separa o residencial do Jardim Nicéia e sua entrada
principal (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)

129
A carência de equipamentos no Jardim Nicéia, porém não aparenta limitar o
encontro e as brincadeiras dos moradores. Uma característica interessante do bairro é
a criação de microáreas de lazer como extensão da casa dos moradores, ao longo de
todo o bairro. A qualquer hora do dia e mesmo em dias chuvosos encontram-se
pessoas nas ruas. As crianças brincam em todos os cantos, inclusive no processo
erosivo instalado no meio do “largo central” (Foto 8.15, Foto 8.16).

Foto 8.15: Uma das microáreas de lazer do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2008)

Foto 8.16: Crianças no meio de uma rua do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)

130
Foto 8.17 e Foto 8.18: Área de lazer projetada informalmente para o bairro (CORGHI,
2005) é utilizada como retrato de parede na casa de Dona Alice, liderança no bairro
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005 )

Em outro momento dessa pesquisa projetou-se uma área de lazer para o bairro,
projeto este que foi entregue em posse dos moradores e se situa em uma das
residências, cuja moradora o exibe como retrato de parede e o utiliza como exemplo
para a revitalização do largo central (Foto 8.17, Foto 8.18). Esta moradora, Dona Alice é
uma ativista e uma liderança no bairro. Graças aos seus esforços o Jardim Nicéia tem
angariado maior reconhecimento como movimento de reivindicações nos órgãos
públicos e entre a população de Bauru, já que ela não mede esforços para freqüentar
as reuniões e comissões promovidas para melhorias do município.

8.3 A luta pela regularização fundiária

Nos cadastros da Prefeitura Municipal de Bauru, o bairro está instalado numa


propriedade particular sob espólio de Benedita Cardoso Madureira, já falecida. Mesmo
assim, parte do bairro encontrava-se até pouco tempo atrás, em disputa judicial entre a
família do espólio de Felicíssimo Antônio Pereira e a família Madureira, ambas em
busca da definição de quem seria a real proprietária da área (LAVEZO, 2005).
Em 1990, Izaura Lima Braga argumenta ser a proprietária legítima por ser a
inventariante do espólio de Felicíssimo e faz uma doação de terras para os moradores.
Ela fez um arruamento, uma divisão de lotes e um documento se comprometendo a
doar os terrenos quando tivesse a documentação da área com escritura de propriedade

131
lavrada. Em troca, os moradores deveriam construir apenas casas de alvenaria, dentro
de um prazo de dois anos (LAVEZO, op. cit.).
Enquanto a Justiça não definia quem eram os donos particulares, os moradores
do Nicéia, juntamente com a Delegacia Regional de Bauru do Sindicato dos
Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp) e a Associação dos Mutuários e
Moradores de Bauru e Região (Ammbre) promoveram uma ação de reconhecimento de
propriedade dos terrenos em 2002, logo após a aprovação do Estatuto da Cidade,
dando início ao que seria o primeiro caso de usucapião coletivo do município (LAVEZO,
2005, p. 20; MARANHO, 2007; RIGITANO, 2007).
Conforme as especificações do Artigo 12 º do Estatuto das Cidades (BRASIL,
2005 a) somente podem ser partes legítimas para a propositura da ação de usucapião
especial urbana:

I – o possuidor, isoladamente ou em ilisconsórcio ou superveniente,


9
II- os possuidores, em estado de composse ,
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade
regulamentada constituída, com personalidade jurídica, desde que
explicitamente autorizada pelos representados”.

Maceri (2007) e Rigitano (2007), ambas funcionárias da Secretaria de


Planejamento de Bauru, esclareceram que, como a associação de moradores do
Jardim Nicéia não estava regularizada, faltava a figura de uma associação para
representá-los em estado de composse, estado necessário para se pedir usucapião
coletivo especial, ou seja, aquele no qual os moradores ganham o direito de legislar em
condomínio sobre a gleba e não individualmente. Por isso em meados de 2002, a
Prefeitura fez uma parceria com o sindicato dos engenheiros e a associação dos
mutuários, para que o bairro pudesse ser representado por uma associação ou
entidade, conforme as especificações legais, de forma a estar apto a entrar com uma
ação de usucapião coletivo.

9
Composse é a posse comum sobre o mesmo bem (divisível ou indivisível), exercida concomitantemente
por dois ou mais sujeitos (pessoas físicas e/ou jurídicas). A composse está para o mundo dos fatos,
assim como o condomínio está para o mundo jurídico. Pode se verificar a composse como se os co-
titulares fossem condôminos (posse de coisa indivisa) (GUILHERME, 2007).

132
Outra alternativa encontrada pelos moradores foi a de contratar um advogado
particular para representar a causa. O “presidente do bairro” em 2007, Maranho (2007),
explica que cerca de 60 moradores optaram por aderir a essa prática, para se
precaverem contra os possíveis interesses da associação de engenheiros e garantirem
maior eficiência no processo. Maranho, como principal responsável pela intermediação
ente os moradores e o advogado, cita o Plano Diretor com certa descrença quanto à
sua efetividade.
De acordo com os esclarecimentos do advogado, Slobodticov (2007), o bairro
não teria condições de entrar com uma ação de usucapião especial coletivo porque o
Nicéia precisaria estar numa condição de condomínio e isso seria muito difícil para
moradores que nem ao menos conseguiram legalizar a Associação do bairro devido à
falta de capital e estrutura. Administrar em condomínio significa tomar qualquer decisão
no bairro somente mediante convocação preliminar de todos os moradores, atas e
assembléias formalizas e, ao menos constando de algumas publicações em jornal. Por
conta disso, ele optou por entrar com uma ação de usucapião especial individual,
também de acordo com os termos do Estatuto das Cidades, no qual as famílias por ele
representadas estão garantidas contra qualquer ação de despejo, como de fato se
confirma.
Cândido (2007) e Maranho (2007), mais conhecidos como Adalto e Wando, são
também lideranças no bairro, e estão sempre informados sobre os avanços ocorridos
do processo de regularização fundiária nas instâncias superiores. Ambos nos informam
que o processo de usucapião coletivo realizado pela Prefeitura tomou recentemente os
mesmos rumos da documentação elaborada pelo advogado particular nas instâncias
jurídicas. Na ação movida pela Prefeitura e associados, o bairro inteiro seria incluído na
ação de usucapião coletiva.
Mesmo assim, cerca de 20 famílias vislumbraram outra possibilidade de adquirir
um pedaço de terra. Sob o auxílio da CUT - Central Única dos Trabalhadores-,
juntaram-se ao movimento de reforma agrária no Horto Florestal e atualmente almejam
somar-se às famílias selecionadas pelo INCRA para adquirir 5 ha de terra.
A área do Horto Florestal ocupada fica na divisa entre Bauru e Pederneiras e
está em processo de desapropriação desde o segundo semestre de 2005. O grupo de

133
Agricultura Familiar Terra Nossa - ligado à FAF- Federação da Agricultura Familiar-, e à
CUT, está a cerca de 5 anos vivendo em meio aos eucaliptos que compõem a
paisagem, e aos poucos conquistam mais áreas para a produção agropecuária
(MORAES, 2006).
A área desde fins de 2007 foi decretada como sendo de domínio publico e
atualmente os assentados buscam por infra-estrutura e corte dos eucaliptos. As famílias
selecionadas pelo INCRA já estão recebendo incentivos para a compra de
equipamentos à produção, construção da casa e alimentação. O cenário se compõe de
uma vasta mata de eucaliptos que se estende por quilômetros onde se encontram
pequenos núcleos compostos por casas de madeira e lona entre os troncos. Pequenos
assentamentos se distribuem tendo por origem de seus moradores causas diversas.
Num desses assentamentos, a cerca de 5 quilômetros do início da mata de eucaliptos,
se encontram os primeiros moradores do Nicéia que se aventuraram nessa empreitada
de se juntar aos Sem-Terra (Foto 8.19).
Alguns alugaram as suas casas no Nicéia, outros optaram por manter ambas as
casas, e os mais otimistas venderam as casas do Nicéia, algumas com mais de 15
anos, e preferiram se concentrar no assentamento. Dona Sueli (ANTUNES, 2008),
como prefere ser chamada, conta que prefere garantir a posse de terra junto ao INCRA
– Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -, pois assim pode desenvolver
atividades rurais e garantir o sustento da família, que atualmente se divide entre as 2
casas, a de alvenaria no Nicéia, e a de bambu e lona no horto, nenhuma regularizada.
Diz que procura uma oportunidade de sustento para sua família e com os incentivos
proferidos pelo INCRA pretende dar início à produção agrária. Seu marido, vítima do
saturnismo causado pelo chumbo da fábrica de bateria na qual trabalhou em Bauru,
onera muito do orçamento familiar com remédios.

134
Foto 8.19: Assentamento em meio aos eucaliptos do Horto Florestal se apresenta
também como opção aos moradores do Jardim Nicéia (Fonte: F. N. CORGHI, 2008)

8.3.1 Os limites de atuação do plano diretor participativo

Rolnik (BRASIL, 2005 a, p. 9) enfatiza logo na introdução do manual de


regularização fundiária, difundido pelo Ministério das Cidades, que as políticas e ações
implementadas pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos visam a alcançar a
plena regularização dos assentamentos de baixa renda reconhecendo o direito à
moradia de seus ocupantes. Isso significa programar uma política de inclusão dos
mercados de baixa renda nos planos, conferindo plenos direitos de cidadania à essa
população.
Na prática, porém, as dificuldades reais vão se mostrando bem diferentes dos
objetivos do papel. No artigo 225º do Plano Diretor Participativo de Bauru, Projeto de
Lei n 75/2006, em vias de ser aprovado, o Jardim Nicéia, ficou estabelecido como ZEIS
- Zona Especial de Interesse Social (Figura 8.8) (SÃO PAULO, 2006).

135
Figura 8.8: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para a ZEIS
do Jardim Nicéia (BAURU, 2007 d)

Apesar disso, em maio de 2007 algumas famílias receberam uma ordem de


despejo por conta da ação de reintegração de posse de um dos donos da área. A
movimentação popular foi intensa e o esforço do advogado representante das famílias
também, o que culminou na suspensão da liminar. Rigitano (2007), funcionária da
Prefeitura, sobre essa questão, esclareceu que apesar de toda a mobilização popular
para elencar as diretrizes do Plano Diretor Participativo, entre elas o artigo 225 citado
acima, a Prefeitura não pôde mudar os planos do judiciário para o Jardim Nicéia, pois:

(...) A ZEIS que está prevista na área do Jd. Nicéia ainda não está aprovada.
Ela é uma proposta que está no projeto de lei que está na Câmara. Somente se
aprovado o Plano Diretor, a área passa a ser uma ZEIS (...) Na situação de
reintegração de posse não é o fato de ser ZEIS que vai determinar a posição do
juiz. O judiciário é um pouco autônomo nessa questão. Poderia ser até um
argumento em defesa da permanência da favela o fato de no Plano Diretor ser
ZEIS, mas não sei se o juiz vai estar olhando o nosso Plano Diretor para
decidir. É uma argumentação que a defesa tem que fazer [...] (RIGITANO,
2007).

136
O advogado responsável pelo processo de usucapião também nos esclarece,
porque o Plano Diretor não foi contra a ação de reintegração de posse:

Não foi porque aquilo é área particular. Para a burocracia do poder público
legalizar área particular é muito complicado. Pode ocorrer em algumas
situações: ou o particular faz doação para o poder publico” ou “[...] quando a
pessoa não consegue pagar mais, ela faz uma doação por conta dos tributos”
para ”o poder público tomar posse [...]. O IPTU é uma forma do poder público
legalizar os bolsões de pobreza [...] desde que [...] tenha fôlego pra ir atrás dos
devedores fazer gestão junto com eles. Coisa que lá não fizeram
(SLOBODTICOV, 2007).

Apesar da legislação que constrói a base jurídica para a regularização fundiária


sustentável ser vasta, seus próprios limites burocráticos não permitem que a Prefeitura
por si só institucionalize a área do Nicéia. Slobodticov (2007) esclarece que não há
legislação que permita isso à Prefeitura, apesar de todas as benfeitorias implantadas no
bairro, como água luz e telefone. Quando ele buscou regularizar o IPTU da área, a
resposta do ofício por ele encaminhado á Prefeitura foi negativa. “O poder público
tentou e tenta fazer muita coisa boa para o público, mas tem coisa que esbarra na lei, e
infelizmente, (...) não pode”.
Sobre essa questão Adalto (CANDIDO, 2007) revela seu ponto de vista:
“enquanto a gente não paga imposto, a Prefeitura só ajuda se quiser senão não tem
compromisso nenhum”.

              

O Jardim Nicéia como primeiro caso de usucapião especial a ser julgado no


município de Bauru, nos evidencia o quanto a própria legislação que busca regularizar
os assentamentos do quarto setor de forma a cumprir o papel social da terra, é a
mesma que subsidia a formação dos “anéis burocráticos”, que entravam e dificultam a
legalização da ocupação. Esses instrumentos seriam como:

137
(...) círculos de informação e pressão (portanto, de poder) que se constituem
como mecanismo para permitir a articulação entre setores do Estado (...) e
setores das classes sociais (...) ao redor de um interesse específico que pode
unir, momentaneamente (...) um 'círculo de interessados' na solução de um
problema (CARDOSO, 1974, p. 208).

Para responder a todos os requisitos necessários a que a legislação obriga no


caso da usucapião coletiva, os moradores ficam, de certa forma, vulneráveis à vontade
política e a boa vontade dos técnicos para concluir o processo de usucapião coletivo
por vias institucionais.
A representação terceirizada por outras Associações, por exemplo, se mostra
extremamente necessária para que os moradores pudessem lutar em caráter de
composse. Não obstante, os moradores poderiam ser representados por sua própria
Associação de Moradores, há tempos pretendida. O caminho da representação
terceirizada e intermediada pela Prefeitura, tomado como alternativa mais viável do que
regularizar a própria entidade do bairro foi encarado com desconfiança por alguns
moradores, o que os incentivou a se vincular a um advogado particular pela causa.
Como primeiro caso de usucapião coletiva a ser julgado em Bauru, esse
movimento de regularização fundiária abre as portas da experimentação e do uso da
legislação “mais democrática” surgida no início deste século, inclusive para que outros
assentamentos considerados irregulares possam ser inseridos legalmente à malha
urbana.

8.4 A (re)produção da degradação: os loteamentos e as erosões

A aprovação dos loteamentos fechados Chácaras Odete, atualmente


denominado Chácara Odete e Tavano, ocorreram ao redor do fundo do vale do córrego
da Água Comprida, vizinhos ao jardim Nicéia (Figura 8.9). Eles estão instalados numa
área boa para ocupação, segundo a carta geotécnica, porém, a área próxima ao leito,
onde se situam todas as tubulações de saídas de água, é classificada pelo mapa
geotécnico como sendo de muita restrição para construção (Figura 8.10).

138
Figura 8.9: Cabeceira do Córrego da Água Comprida com destaque às ocupações
urbanas, erosões, antes das obras de correção, e nascente do córrego na cor azul
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005)

Figura 8.10:Ilustração da Carta Geotécnica com destaque para a voçoroca do Jd.


Colonial (CORGHI, 2005 adaptado de KLEIN et. al., 2005)

139
Os laudos técnicos já registravam a presença de um pequeno processo erosivo
no local e as discussões no CONDEMA – órgão ambiental ligado à aprovação dos
empreendimentos - foram intensas para determinar uma ocupação com moderação e
prazos rigorosos quanto ao reflorestamento e cumprimento da construção de galerias
de água pluvial e dissipadores de energia (SÃO PAULO, 2002).
Estes prazos foram descumpridos, as chuvas de verão entre o ano de 2003 e
2004 carrearam grande quantidade de solo desnudo devido à saída das galerias
estarem desprovidas de dissipadores de energia hidráulica. Um dos resultados da
negligência foi o crescimento vertiginoso do pequeno processo erosivo, que se
transformou em uma imensa voçoroca, identificada pelo número 1 na Figura 8.9
(CORGHI, GIACHETI, 2004 a, p. 5-8; CORGHI, GIACHETI, 2004 b).
As alterações planialtimétricas ocorridas no local culminaram na implantação de
diversas medidas paliativas para conter o processo erosivo, dentre elas um colchão de
pedras, mas a força das águas em frente às tubulações da Avenida Antenor de Almeida
acabou por provocar a queda dos taludes e a alteração sensível do leito do córrego
(Foto 8.20, Foto 8.21).
Em julho de 2004, parte das obras de contenção começaram a ser instaladas
para serem concluídas em 2005 (Foto 8.22). Devido ao represamento de uma mina de
água ao lado das obras de retificação do leito do córrego, se realizou um projeto de
drenagem dessa água com seu redirecionamento para o córrego (Foto 8.23, Foto 8.24).
O aterramento da mina d’água foi efetuado de fato, em grande parte, com terra vinda da
voçoroca do Jardim Colonial logo à frente, pelos mesmos caminhões que se dirigiam
para lá levando entulho. Na época a presente autora denunciou nas páginas do Jornal
de Bauru, o crime socioambiental que era cometido.

140
Foto 8.20 e Foto 8.21: Evolução da voçoroca do Residencial Chácara Odete e obras
paliativas como solução emergencial (Fonte: F. N. CORGHI, 2003, 2004)

Foto 8.22: Instalação dos dissipadores de energia em frente à Av: Antenor de Almeida,
de acordo com o projeto de contenção das erosões (Fonte: F. N. CORGHI, abr. 2004)

Foto 8.23 e Foto 8.24: Obras de retificação do leito do córrego (parceria entre prefeitura
e particulares), onde o esgoto foi canalizado do lado direito da foto e a mina d´água foi
inicialmente represada e, depois drenada para se aterrar a voçoroca (Fonte: F. N.
CORGHI, 2005)

141
Vale a pena ressaltar a participação das crianças em todas as etapas do
crescimento do processo erosivo, pois este era considerado como área de lazer (Foto
8.25). Mesmo quando se utilizou da medida paleativa emergencial do colchão de
pedras, ou até mesmo quando a mina d´água foi represada ou quando a voçoroca
vizinha foi entulhada, as crianças sempre estiveram presentes no fundo de vale. Numa
das reuniões do Plano Diretor no Jardim Nicéia em 2005, em que a autora estava
presente, alguns moradores do Jardim Nicéia manifestaram o desejo de que a lagoa
fosse revitalizada para que as crianças pudessem brincar com salubridade.
Atualmente, de acordo com o projeto estipulado, as obras de construção dos
cachimbos estão a ocorrer, porém, a combinação da canalização aberta com os
cachimbos está atualmente ameaçada por falta de manutenção. É visível o processo
erosivo lateral nos taludes das obras (Foto 8.26, Foto 8.27).

Foto 8.25: A mina d’água represada virou área de lazer das crianças da região,
inclusive de bairros mais distantes da bacia, como o Redentor, Carolina e Geisel
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005)

142
Foto 8.26 e Foto 8.27: Assoreamento do canal e Incisões no terreno ao lado do
cachimbo nas obras da erosão do residencial Chácara Odete (Fonte: CORGHI et. al.,
2008)

A erosão resultante do loteamento Colonial, representada pelo número 2 na


Figura 8.9, ocorreu pelo desabamento da tubulação de drenagem, por esta ser
subdimensionada para a quantidade de água pluvial. As chuvas de verão carrearam o
solo desnudo e as tubulações, formando esta imensa voçoroca. Da primeira tubulação
apontada para o leito do córrego, até a última tubulação de esgoto, situada à montante,
foram parar em meio aos grandes taludes da voçoroca, ameaçando, inclusive, a
permanência do loteamento Jardim Colonial aberto. O escorregamento dos taludes e o
efeito de “piping” ampliaram-se com o passar dos anos, agravados pela tubulação de
esgoto aberta à montante (Foto 8.28, Foto 8.29, Foto 8.30).
Em fins de 2003, a erosão do Jd. Colonial foi licenciada para servir de Bolsão de
Entulho como medida emergencial, sob a justificativa de que a Secretaria do Meio
Ambiente não dispunha de máquinas apropriadas, nem de volume de terra para conter
a expansão do processo erosivo em direção à Área de Preservação Permanente do
loteamento (Foto 8.31, Foto 8.32).

143
Foto 8.28, Foto 8.29 e Foto 8.30: Evolução da voçoroca do Jd. Colonial de 2002 a 2004
(Fonte: F. N. CORGHI)

Foto 8.31 e Foto 8.32: Caminhões descarregando entulho na cabeceira da erosão do


Jd. Colonial, onde catadores de lixo trabalham próximos à tubulação de esgoto aberta
(dez./2003), e voçoroca já entulhada com camada de terra por cima dos entulhos
(2005) (Fonte: F. N. CORGHI)

144
O entulhamento ocorreu mesmo sobre os afloramentos de minas d´água, e sob o
protesto da população. A área tornou-se um problema, inclusive de saúde pública, por
tornar-se área de lazer e de trabalho das crianças do Jd. Nicéia, que rotineiramente se
apossavam do material reciclado para vendê-lo no próprio bairro (Foto 8.33) (CORGHI,
GIACHETI, 2004 a, p. 5-8). Corre-se o risco de reativação do processo erosivo,
decorrente do recalque do material orgânico decomposto, do processo de
contaminação do lençol freático e do canal fluvial por chorume e até mesmo, pela
emissão de gases provenientes da decomposição desse material.

Foto 8.33: Criança brincando nos taludes da erosão (Fonte: F. N. CORGHI, mar. 2004)

8.4.1 A mobilização da população contra os danos ambientais

Esse quadro de impactos ambientais levou as paróquias ligadas a Igreja Católica


localizadas na bacia hidrográfica no ano de 2004 a se mobilizarem pela preservação da
área. Os membros da Paróquia Sagrada Família optaram por fazer um parecer técnico
dos danos ambientais e um abaixo assinado pela preservação da qualidade ambiental

145
do patrimônio natural, que foi encaminhado às autoridades judiciais e políticas da
cidade (SANTOS, 2004).
Essa mobilização desenvolveu-se em diversas etapas, uma primeira, de
sensibilização, envolvendo a questão da água e os problemas ambientais da bacia;
num segundo momento, foi feita uma visita técnica, com um grupo reduzido de
indivíduos, em todas as áreas impactadas e organizada uma visita, convocando toda a
comunidade a conhecer os problemas ambientais da bacia e as nascentes a serem
preservadas.
Numa terceira oportunidade, optou-se pela importância da ação prática,
respaldada pelo parecer técnico da AGB local, e por um abaixo assinado, ambos com o
intuito de serem entregues à promotoria do Meio Ambiente e ao Poder Público
Municipal, no caso, a Secretaria de Planejamento. Um fato interessante desse processo
de mobilização foi o cuidado da comunidade em se antecipar contra a degradação da
área, para que as nascentes e o parque continuassem a ser de fato uma realidade, já
que a bacia tem um histórico da ocupação em desrespeito às diretrizes do Plano Diretor
de 1996 (SANTOS, op. cit.).

8.4.2 Movimento socioambiental pela preservação da floresta

O movimento socioambiental pela Preservação da Floresta urbana do córrego da


Água Comprida é um dos movimentos que se destacam nessa bacia hidrográfica, e
cujo foco de ação, se concentra em evitar a aprovação de um empreendimento numa
área de mata vizinha a esses feitos erosivos narrados anteriormente. Sabe-se das
conseqüências desastrosas que a implantação dos empreendimentos acima relatados
causou e, dos danos ambientais ocorridos ao longo de toda bacia hidrográfica,
associados ao desmatamento dos últimos anos, concentrados na cabeceira do córrego.
A Floresta Urbana Água Comprida localiza-se, mais precisamente, na cidade de
Bauru, totalmente em área urbana, próxima a UNESP, em frente ao 4º Batalhão de
Policia Militar, ao lado do loteamento aberto Jardim Colonial. Faz fronteira com os
loteamentos fechados Chácara Odete e Tavano, e estende-se até a SORRI. Essa

146
extensa área possui 60 hectares de vegetação de transição entre mata atlântica e
cerrado, com flora e fauna ricas em biodiversidade (Foto 8.34).
A possibilidade de desmatamento poderia trazer conseqüências ambientais
extremamente negativas para o município, como perda de biodiversidade, aumento do
assoreamento do córrego, o surgimento de erosões e a elevação da temperatura,
conforme o levantamento científico efetuado pelo Professor Doutor José Carlos
Figueiredo, metereologista do IPMET (Instituto de Pesquisas Meteorológicas), que
comprova o aumento da temperatura nas imediações da Unesp ao longo dos anos.

Foto 8.34: Vista aérea da Floresta ameaçada (modificado de RODRIGUES, 2007)

O movimento conta com o apoio de intelectuais, membros da Unesp,


representantes religiosos, líderes e associações de bairro, membros de ONGs (Instituto
Ambiental Vidágua e Amigos da Terra), Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB),
e, inclusive, com os estudos desta dissertação, dado o caráter participante da pesquisa
em relação ao movimento vivido pelos moradores da região da cabeceira do córrego. O
alcance global das estratégias de mobilização, tanto nos meios digitais quanto na
147
própria propaganda local, tem alcançado notoriedade como movimento de
representação socioambiental não só em Bauru como no Estado de São Paulo, e fora
do âmbito nacional

8.4.3 Diretrizes do plano diretor participativo para a área

Foi assim convencionado denominar a Floresta Urbana Água Comprida, por


escolha dos membros do comitê de mobilização para preservação da área, em uma das
reuniões inaugurais do grupo. A preservação do remanescente consta no Plano Diretor
Participativo, elaborado e discutido pela comunidade local, como Área de Relevante
Interesse Ecológico (ARIE) e é assegurada como prioridade de compra da Prefeitura,
caso posta a venda, através do direito de preempsão, assegurado pelo Estatuto da
Cidade-seção VIII (SÃO PAULO, 2006; BRASIL, 2005 a, p. 78-83).
Segundo Rigitano (2008) a Transferência do Direito de Construir (seção XI do
Estatuto da Cidade) dependerá de legislação específica (artigo 35) que conterá as
áreas sujeitas a esse instrumento. As áreas de relevante interesse ecológico poderão
se enquadrar nessa situação, de acordo com artigo 35, item II, apesar de sua difícil
aplicação neste caso, em virtude da dimensão da área. A área da mata do Córrego da
Água Comprida está em destaque nas ilustrações abaixo (Figura 8.11, Figura 8.12).
Os defensores da preservação da floresta apresentaram ao Conselho Municipal
de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), os estudos para tentar evitar a aprovação
dos projetos imobiliários. Um deles é um estudo do IPMet - Instituto de pesquisas
meteorológicas-, que versa sobre o aumento da temperatura na região da mata em dois
graus, após o desmatamento na área de cabeceira. Outros estudos são o presente
trabalho e o laudo da AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros - seção Bauru.
Por conta da Resolução 40 da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, lançada
em setembro de 2007, ficou instituído o “Desmatamento Zero” por 180 dias (SÃO
PAULO, 2007). O pedido dos empreendedores ficou temporariamente impedido por
força dessa resolução estadual, dando um fôlego para a população investir em novas
estratégias de mobilização.

148
Figura 8.11: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para as
Áreas de interesse ambiental na cabeceira do córrego da Água Comprida (BAURU,
2007 c)

Figura 8.12: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para os
Instrumentos urbanísticos na cabeceira do córrego da Água Comprida(BAURU, 2007 b)

149
DISCUSSÃO
9 PLANEJAMENTO E DEMOCRACIA

Planejamento urbano e gestão urbana têm a ver com democracia, porém é


necessário questionar o significado e a legitimidade de “democracia”. Nesse momento,
vale a pena remeter a democracia ateniense grega que, diferentemente da democracia
representativa, evitava alienar seu poder decisório em favor de qualquer instância
superior. Suas práticas de rotatividade, sorteio e mandatos curtos eram
intencionalmente implantadas para evitar a cristalização de poder em torno de um
indivíduo ou grupo, até mesmo porque a atividade política era vista como algo
transcendental (GOMES, 2002, p. 143-4 ; SOUZA, 2006, p. 39).
Quando se fala de planejamento urbano e gestão urbana democráticos, tal como
pretendido e estabelecido no Plano Diretor Participativo, deve-se atentar para o fato de
que a experiência democrática moderna não pode ser vista como mera extensão da
visão de democracia ateniense, pois diferentemente da democracia direta praticada na
época, a democrática atual é antes de tudo representativa, ou seja, aliena poder
decisório em favor de outro e permite que este tenha o direito de decidir em nome dos
demais. Souza (2006, 35-50) afirma que mesmo com a introdução de elementos de
democracia direta no contexto da democracia representativa, ela é estruturalmente
marcada por desigualdades, principalmente pelos seguintes fatores:

• Os candidatos, via de regra, são pré-selecionados;


• A administração e o legislativo são intransparentes;
• É difícil se perder de um mandato por atos impróprios;
• O “Estado” pende para os interesses dos grupos dominantes;
• O planejamento se pauta no aprimoramento do “status quo”;
• Os comportamentos dominantes menosprezam os grupos oprimidos.

150
Por todas essas razões, a palavra democracia por meio da representação se
mostra politicamente pouca disposta à participação. Existem inclusive, os que
argumentam contra a participação popular, sob o argumento de que não seria desejável
o julgamento de pessoas comuns devido à estreiteza de seus horizontes.
Quando se estabelece a estrutura de planejamento e de gestão democrática
urbana pela aprovação da lei do Plano Diretor, almeja-se a uma estrutura de gestão
que englobe o conjunto de toda sociedade, com a participação de todos os segmentos
sociais para discutir e estabelecer um pacto sobre o projeto de desenvolvimento do
município. Por isso, um planejamento e uma gestão eficazmente implantados devem
ser monitorados pelos cidadãos para de fato legitimarem a vontade de uma
coletividade, pelas mãos dos escolhidos para representá-la, caso contrário, os
representantes têm o direito de decidir livremente em nome dos eleitores.
Um primeiro e enorme passo foi dado pela Constituição Federal de 1988, que
reconheceu o direito de todos os brasileiros à moradia e à cidade, estabeleceu o
princípio da função social da propriedade e incluiu o usucapião especial urbano. Treze
anos depois o Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, e a medida provisória 2.220 do
mesmo ano, incluíram novos instrumentos para concretização desses direitos: a
concessão especial para fins de moradia (para os casos de terras públicas ocupadas) e
o usucapião coletivo (para terras particulares) (BRASIL, 2005 b, p. 10).
A reforma urbana visa a democratizar o máximo possível o planejamento e a
gestão, fazendo com que a população participe efetivamente da elaboração e da gestão
de políticas públicas e de projetos para a sua cidade, tendo por objetivos coibir a
especulação imobiliária, reduzir o nível de desigualdade socioeconômica e de
segregação residencial entre bairros ricos e pobres. A sociedade civil por ser formada
por diversos grupos que não fazem parte diretamente do aparelho do Estado é
indispensável para a transformação social e espacial autônoma e para criar projetos e
exigir o cumprimento das leis. Sabe-se, porém que muitos são os obstáculos políticos,
econômicos e sociopolíticos à uma reforma social autêntica (SOUZA; RODRIGUES,
2004, p. 68-76).
A participação é um meio de aumentar a eficiência econômica e gerencial,
visando à melhor satisfação das necessidades dos cidadãos e à minimização do

151
desperdício e da corrupção (SOUZA, 2006, p. 186 et.seq.). Quanto mais ampla e
profunda for a participação, maior será a probabilidade de ela poder contribuir para
minimizar certas fontes de distorção. O preconceito elitista, segundo o qual
especialistas decidindo em nome da maioria, garantem maior eficiência é falacioso. Em
um contexto conservador os técnicos a serviço de uma Prefeitura pouco ou nada
decidem por si próprios; as ações estatais são determinadas por políticos e burocratas,
normalmente influenciados, e ás vezes, “subornados”, em última análise, pelos grupos
que compõe a elite (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 34,190).
O que mais atrai o cidadão médio é melhorar, especialmente, no material, em
decorrência de sua participação direta em negócios de interesse social. Sob o ângulo
radicalmente democrático, os especialistas (arquitetos, geógrafos, juízes e outros) que
trabalharem com planejamento devem atuar como “ consultores populares”, como
assessores da sociedade civil (...), pois para a concretização dos fins politicamente
acordados em meio a uma discussão livre e transparente entre os cidadãos, eles não
podem substituir a experiência, os sentimentos e as aspirações dos homens e das
mulheres que vivem nos lugares e são usuários dos espaços, que serão,
eventualmente,objeto de alguma intervenção (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 34).
O planejamento e a gestão constituem campo interdisciplinar e do ponto político
é desejável que os cidadãos tenham a oportunidade de decidir sobre os destinos de
seus espaços e de suas cidades (...) situações onde os técnicos tem o papel de
consultores da população e não de funcionários à serviço de estruturas de poder
nebulosas e autoritárias (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 35).
Em países com maior tradição de planejamento e com uma “cultura de
planejamento” já consolidada isso é sabido há muito tempo. Deveria ser reconhecido
no Brasil também que o planejamento urbano, assim como a gestão urbana são do
ponto de vista técnico-científico, um campo interdisciplinar. Nesse campo, devem
cooperar, além dos arquitetos-urbanistas, geógrafos, economistas, juristas
especializados em direito urbano e outros profissionais, como consultores populares
para que a população legisle (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p.34; SOUZA, 2006 p.170).

152
9.1 O planejador como educador libertário

Souza (2006, p. 261 et. seq.) afirmar existir uma assimetria estrutural no que toca
a oportunidade de participar de processos decisórios coletivos numa sociedade
capitalista. Quem emprega tanto os especialistas em gestão pública quanto os
planejadores urbanos profissionais são as administrações estatais – com os
pesquisadores acadêmicos, que gozam de mais liberdade para critica se propor
alternativas, construindo a principal exceção a essa regra. Seria possível diante de tal
quadro acreditar numa neutralidade dos técnicos sabendo-os sujeitos a toda sorte de
injunções de natureza política?
Segundo este mesmo autor, não que o conhecimento técnico-científico
aprendido sobre os problemas urbanos e suas possíveis soluções nos cursos
universitários de arquitetura, geografia, sociologia, seja de menos importância, apenas
se quer salientar a presunção de que os planejadores urbanos e especialistas em
administração pública devem possuir a última palavra, porque estudaram e aprenderam
técnicas e métodos “racionais” de planejamento e gestão (no sentido burocrático de
“administração racional”, conforme a “razão instrumental”) é politicamente autoritária e
empiricamente refutável.
O “saber local” dos moradores e usuários de um dado bairro formal ou de uma
determinada favela, para Souza (op. cit.), podem conter, além de um rico acervo de
informações empíricas, tanto, ou melhor, senso que a interpretação de um técnico ou
estudioso dos problemas urbanos. O “discurso competente”, ou seja, a pretensão da
autoridade para tratar de determinados temas por parte dos detentores de certo tipo de
conhecimento especializado, normalmente obtido em universidades, é principalmente
quando se refere à campos que tenham a ver diretamente com assuntos de interesse
coletivo, uma usurpação.
Os tecnocratas costumam se achar superiores ao “homem comum” devido não
apenas o seu conhecimento pretendidamente racional e à sua pretensão absoluta de
objetividade, mas também porque, por conta de tudo isso, acredita em sua
“neutralidade”. Crêem ser capazes, graças à sua visão de longo prazo e aos seus
conhecimentos especializados de se colocar acima dos interesses de grupos
específicos (SOUZA, 2006, p. 261 et. seq.).

153
Os conhecimentos especializados de que dispõe, ao contrário do que pensam,
apesar de serem muitas vezes úteis ou potencialmente úteis, não os autoriza a achar
que podem indicar tanto um fim do planejamento e da gestão das cidades (vale dizer as
metas que irão reger e orientar a vida de uma coletividade urbana), quanto os meios
para se alcançarem os fins estipulados, como se somente eles, por serem teoricamente
recrutados tivessem a capacidade de propor soluções pautadas exclusivamente com o
“bem comum” e o “interesse público” (SOUZA, op. cit.).
Souza (2006, p. 262-6) acredita que democratizar o planejamento e a gestão
implica colocar ambos dentro de um raio de alcance do corpo de cidadão, retirando
ambos de seu “pedestal”, da sua condição de monopólio de profissionais a serviço do
Estado capitalista. O saber técnico-científico sobre planejamento e gestão precisam ser
mais acessíveis aos indivíduos criando ou reforçando heteronomias, aqui explicado
como quando a criatividade e a liberdade do operador são garantidas e estimuladas, e
não tolidas, como no moderno sistema industrial.
Ainda mais, quando a cidade-prisão, os muros e as cercas eletrificadas e os
aparelhos de vigilância, o medo, a segregação, a auto-segregação e suas “bolhas de
proteção” colaboram ainda mais para gerar um tipo de criança, depois de adolescentes
e finalmente de cidadãos muito diferentes daquele socializado em um espaço onde as
formas espaciais, os territórios e as imagens espaciais e símbolos inscritos na
paisagem traduzem liberdade e estimulem a solidariedade. O planejamento e a gestão
têm, quase sempre, desempenhado um papel na produção da “cidade-prisão”, mas não
é impossível que desempenhem um planejamento e uma gestão críticos.
Para Souza (2006, p. 262-6) desmistificar o planejamento e a gestão, sem,
porém deixar de compreendê-los como atividades que podem ser parcialmente
embasadas por um tipo de saber técnico-científico, depreende socializar o mais
possível esse saber, ao menos naquilo essencialmente relevante para permitir uma
decisão política corretamente informada por parte dos cidadãos. Isso corresponde a
reafirmar a natureza política dessas atividades. Para que isso seja concretizado, é
necessário formar profissionais especializados em técnicas e estratégias de
planejamento e rotinas de gestão dentro de uma mentalidade que não seja

154
tecnocrática. Também é necessário envidar esforços para envolver a sociedade civil,
informando-a e capacitando-a para melhor poder participar (SOUZA, 2006, p. 263-4).
Por isso, é essencial que os especialistas em planejamento e gestão
empregados pelas prefeituras dialoguem sem arrogância, com os demais cidadãos,
difundindo informações, e, ao mesmo tempo, reciclando os seus próprios
conhecimentos. Esses especialistas precisam entender a si próprios, em parte, como
uma espécie de educadores ou pedagogos.
O planejador como educador libertário, apreende o saber local e se abre para o
núcleo de bom senso dele, aguça sua sensibilidade e se dispõe a questionar coisas que
aprendeu, de modelos explicativos e leis vigentes. Esse planejador-educador não se
limita a adestrar o educando, a depositar em sua mente conteúdos impostos sem
discussão. A tarefa de gerar dados e informações, disponibilizando-as e tornando o
acesso acessível às políticas públicas, os planos e as leis formais, não deve ser
encarada, porém, como uma prerrogativa do Estado. Os ativismos sociais devem
procurar gerar seus próprios dados e informações, co-operando entre si e com as
universidades, para não ficarem a mercê do aparelho do Estado (SOUZA, 2006, p. 266-
272).
Em sua missão de “educadores”, os planejadores profissionais precisam
colaborar com a socialização da informação e a facilitação da comunicação, de forma
que as políticas públicas e os documentos legais sejam “traduzidos” para uma
linguagem acessível. É imprescindível que a linguagem seja inteligível mesmo aos
cidadãos leigos. O objetivo central é o de preparar a sociedade para uma participação
lúcida e com conhecimentos de causa. Uma das formas de permitir que os cidadãos
leigos saibam “decodificar” a produção do espaço urbano e as políticas públicas,
criando , objetivando e propondo alternativas, é investindo na formação de
“planejadores e gestores urbanos populares” (SOUZA, 2006, p. 267).

9.2 Racionalidade Ambiental

Leff (2004, p. 233-240) afirma que em um cenário de diversidade cultural,


soberania nacional e autonomias locais, a nova ordem sustentável não poderá se
construir pela globalização do mercado, mas sim através de processos socioculturais
155
nos quais se definem estratégias de apropriação, uso e transformação da natureza e
em que a economia global haverá de reconstituir-se como a articulação de economias
locais sustentáveis. Tais processos de transformação implica o encontro de diversas
racionalidades, algo muito mais complexo e complicado, porém mais viável como
estratégia de sustentabilidade que os ditames do mercado.
Além de tudo, a contradição entre economia e ecologia surge da compulsão ao
crescimento da racionalidade econômica. Esta dinâmica econômica implica um uso
crescente de matéria e energia, das condições de regeneração da natureza, e
reciclagem ecológica de resíduos dos ecossistemas, e em última instância do inelutável
incremento da entropia. Conforme os recursos vão se esgotando, desestruturando e
saturando, os ecossistemas perdem seu caráter de valores de uso. Como a
capitalização da natureza individualiza os recursos e as pessoas, os sentidos da
existência e da vida tornam-se prisioneiros do mercado, uma vez que foram convertidos
em produtores e consumidores.
Este autor acredita que a racionalidade é uma construção social e não o
resultado da evolução natural da civilização humana, na realidade o mercado foi
resultado de uma intervenção consciente e com freqüência violenta por parte do
governo que impôs a organização mercantil à sociedade para fins não econômicos. A
racionalidade econômica desenvolveu uma estratégia de poder para legitimar seu
princípio de racionalidade fundado em um modelo cientificista da modernidade onde as
demandas das comunidades locais e não capitalistas aparecem como carentes de
racionalidade, apesar dos “direitos e deveres”.
Quando discute sobre a globalização, Leff questiona a soberania do consumidor
que se sobrepõe a soberania dos povos, como se a lógica do mercado desse lugar a
um processo de racionalização tecnológica fundado no controle e na eficiência social.
Nesse sentido a racionalidade ambiental questiona a racionalidade da modernidade,
para valorizar outros princípios de produtividade e convivência. As diferentes
racionalidades culturais não são integráveis em um padrão único ou estandardizado de
racionalidade ambiental que emerge da racionalidade cartesiana e da Revolução
Industrial; não se submetem ao modelo hegemônico e uniformizador de uma lógica

156
polar, dicotômica e excludente (LEFF, 2004, p. 236; OLIVEIRA CUNHA, 1996 apud
LEFF, 2004, p. 237).
A insustentabilidade abre as possibilidades de pensar futuros alternativos e de
gerar outros valores e princípios produtivos. No entanto a ética ambiental é incapaz de
conter a destruição da natureza enquanto se limita, simplesmente, a estabelecer
códigos de conduta que se institucionalizam através de normas sansionáveis dentro
dos princípios jurídicos do direito positivo que a lógica formal da racionalidade
econômica complementa. Assim, a racionalidade econômica mercantiliza a natureza, as
condutas ecológicas e os valores culturais. O princípio da gestão dos recursos da
natureza não podem se sujeitar a uma posição negociadora no esquema contábil fixado
pela racionalidade econômica. A gestão democrática da biodiversidade implica um
processo de diferentes estratégias. A questão da sustentabilidade coloca a civilização
para construir uma racionalidade que dê viabilidade à um desenvolvimento sustentável
e democrático (LEFF, 2004, p. 237 et. seq.).
Devemos construir alternativas racionais, fundadas no saber atual sobre as
condições ecológicas do processo produtivo, nos valores da democracia e nos
princípios da diversidade cultural, isso implica desconstruir essa racionalidade
insustentável e construir uma racionalidade ambiental. A nova racionalidade se
confronta não somente com toda a racionalidade econômica, mas com todo o social
que a contém, com a ordem jurídica e o poder do Estado.
Apresenta-se assim, a necessidade de interiorizar um saber ambiental que
emergente no corpo das ciências naturais e sociais, para construir um conhecimento
capaz de integrar a multicasualidade e as relações de interdependência dos processos
da ordem natural e social que determinam, condicionam e afetam as mudanças
socioambientais, assim como para construir uma racionalidade produtiva fundada nos
princípios do desenvolvimento sustentável. Daí surgiu um pensamento da
complexidade (MORIN, 1993 apud LEFF, 2004, p. 239) e métodos interdisciplinares
para investigação de sistemas complexos.
A construção da racionalidade ambiental é um processo de produção teórica e
de transformações sociais, em que se entrelaçam as relações entre as formações
teóricas e ideológicas, a produção de saberes e conhecimentos para transitar a uma

157
economia global sustentável, como a possibilidade de incorporar um estilo alternativo
de desenvolvimento que implique um conjunto de processos sociais: a incorporação de
valores do ambiente na ética individual, nos direitos humanos e nas normas jurídicas
que orientam e sancionam o comportamento dos atores econômicos e sociais, a
democratização dos processos produtivos e do poder político, as reformas do Estado
que favoreçam a gestão participativa e descentralizada dos recursos naturais, as
transformações institucionais que permitam uma administração transversal do
desenvolvimento, a integração interdisciplinar do conhecimento e da formação
profissional e a abertura de um diálogo entre ciências e saberes não científicos (LEFF,
2004, p. 240).
A transição de uma racionalidade capitalista para uma racionalidade ambiental
implica a confrontação de interesses e a combinação de interesses objetivos comuns
de diversos atores sociais que incidem em todas as instâncias dos aparatos do Estado
(ALTHUSSER, 1971 apud LEFF, 2004, p. 251; LEFF, 2004, p. 251). A racionalidade
ambiental estaria constituída por um conjunto de critérios para a tomada de decisões
dos agentes sociais para orientar as políticas públicas, normalizar os processos de
produção e consumo e legitimar as ações e comportamentos de diferentes atores e
grupos sociais para alcançar certos fins definíveis e objetivos de desenvolvimento
sustentável.
A superexploração dos recursos naturais e da força de trabalho, a degradação
ambiental e a deteriorização da vida, antes problemas marginais (embora funcionais)
para o sistema econômico, foram adquirindo em seu processo cumulativo e expansivo
do capital um caráter crítico para seu crescimento. Daí o propósito de internalizar as
externalidades ambientais refuncionalizando a racionalidade econômica e seus
paradigmas de conhecimentos orientados para os objetivos da sustentabilidade. No
conceito de racionalidade ambiental prevalece um valor de adaptação e convivência
sobre a vontade de domínio da natureza no qual se fundem a racionalidade e os
paradigmas da ciência moderna (LEFF, 2004, p. 252).

158
9.2.1 Sustentabilidade ambiental

Apesar de tudo, continua-se atribuindo a espiral de degradação socioambiental


ao crescimento demográfico dos pobres e seu impacto sobre a capacidade de carga
dos ecossistemas. Perde-se de vista que a expulsão da população para zonas
ecologicamente marginais é efeito da racionalidade econômica que, por um lado,
produz uma sociedade opulenta de hiperconsumo, e por outro, uma sociedade em
condições de sobrevivência, depredadora por sua condição de pobreza extrema (LEFF,
2004, p. 302).
A capacidade de carga dos ecossistemas depende dos tipos culturais de
assentamento e de produção da população e seu impacto é medido pela cultura e pela
tecnologia, por padrões de produção e de consumo. As mudanças nos padrões de uso
do solo e a substituição de práticas tradicionais por culturas comerciais expulsam a
população de seu meio, gerando diversos impactos. Sem dúvida os processos
econômicos e tecnológicos foram os principais fatores que ocasionaram a destruição
ecológica dos trópicos, bem como a transformação de seus padrões culturais e das
práticas produtivas que ali se impuseram. A maior parte das pesquisas analisa somente
as relações de causalidade linear, perdendo de vista a complexidade das
interdependências e retroações dos processos (LEFF, 2004, p. 297-9).
A sustentabilidade do desenvolvimento mostra a necessidade de reverter essas
tendências e de construir uma racionalidade produtiva sobre novos princípios. Isto
implica passar a um planejamento prospectivo de modelos alternativos de
desenvolvimento sustentável, fundados num ordenamento ecológico das atividades
produtivas e dos assentamentos humanos; o que leva a gerir o planejamento segundo
outros critérios que os das forças de mercado e da produtividade tecnológica (LEFF, op.
cit.).
A racionalidade ambiental promove estratégias para uma economia
descentralizada, fundada no ordenamento ecológico do território e na gestão
participativa da população sobre os recursos ambientais, estabelecendo novos
equilíbrios regionais e redefinindo a capacidade de suporte físico de cada região ao
crescimento populacional. Isto requer a articulação intersetorial das políticas
populacionais com as políticas econômicas, que permitam desenvolver o potencial
159
ecológico para satisfazer as necessidades básicas de uma população crescente. Isto
expõe a necessidade de articular processos de natureza diversa e diferentes escalas
temporais e temporais (LEFF, 2001, p.299).

9.2.2 Reapropriação social da natureza

As lutas pela terra estão passando a ser lutas econômicas pela sobrevivência de
vida das populações e lutas políticas que questionam as estruturas de poder e lutam
pela tomada de decisões. Os princípios da diversidade ecológica e cultural e da gestão
participativa dos recursos vêm se enraizando efetivamente no movimento ambientalista.
Com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em
1992, as demandas de democratização alcançaram notoriedade mundial através da
fertilização cruzada do movimento ambiental e indígena e do movimento pela
democracia nas lutas sociais do mundo e do continente americano (LEFF, 2004, p. 263
et. seq.).
As lutas sociais pela reapropriação da natureza reivindicam por justiça ambiental,
por autonomia, pela democracia, pela participação e pela autogestão, ultrapassando as
demandas tradicionais de justiça derivadas dos benefícios do modo de produção
dominante, pois vão além da resolução dos conflitos ambientais através da valorização
econômica da natureza e da concentração de direitos sobre o uso de recursos. As
estratégias de poder econômico pela apropriação da natureza geram uma elevação dos
custos dos recursos ambientais e determinam o valor de bens e serviços ambientais, o
que abre uma disputa pela valorização da natureza. Essa revalorização capitalizada da
natureza não resolve a contradição entre conservação e desenvolvimento, mas leva a
repensar o potencial do ambiente para o desenvolvimento alternativo da natureza e da
cultura como forças produtivas (LEFF, op. cit.).
Para Leff (2004, p. 463 et. seq.), porém, a capitalização da natureza e a
economização do mundo vêm destruindo as bases ecológicas da produção e
subjugando culturas. Daí surge o propósito de incorporar os valores e potenciais da
natureza para gerar um processo de desenvolvimento sustentável. No entanto, os
custos ambientais e a valorização dos recursos naturais não são determinados de

160
maneira objetiva e quantitativa na esfera econômica, dependem de visões culturais,
direitos comunitários e interesses sociais.
Para Leff o movimento ambiental ao transmitir os custos ecológicos para o
sistema econômico representa uma resistência á capitalização da natureza, através de
uma luta social pela sua apropriação, para melhorar as condições de vida e de
sustentabilidade, para a desconstrução da racionalidade econômica e o
descentramento das próprias bases do processo produtivo. Nessa perspectiva a
natureza se torna um meio de produção e não apenas o insumo de um processo
tecnológico. Os princípios de equidade e democracia de uma ética de outridade e uma
política da diferença abrem novas perspectivas para a construção de sociedades
sustentáveis, além do esverdeamento da economia através do cálculo dos custos da
preservação e da restauração ambiental.
Leff (op. cit.) é conciso ao ratificar que os movimentos sociais reivindicam para si
as condições ecológicas e comunitárias que foram ocultadas pela ordem econômica
dominante. A racionalidade ambiental propulsiona à criação de novas teorias e valores
que questionam o paradigma econômico dominante e orientam a ação social para a
construção de uma nova racionalidade produtiva, fundada nos potenciais da natureza e
nos significados da cultura. A democracia ambiental representa toda uma crítica ao
modo de produção fundado na racionalidade econômica e nos interesses do capital,
propugna a participação criativa das comunidades na construção de uma nova
economia forjada em uma nova racionalidade das práticas produtivas fundada nos
potenciais ecológicos de cada região, assim como nos seus valores culturais e
potenciais produtivos da natureza.
A reapropriação da natureza aponta para o princípio da equidade na diversidade,
o que implica a autodeterminação das necessidades, a autogestão do potencial
ecológico de cada região em estilos alternativos de desenvolvimento e a autonomia
cultural de cada comunidade, definindo as condições de produção e de vida da
população em relação ao manejo sustentável de seu ambiente.
Não existe uma medida quantitativa e homogênea que possa dar conta de
quantificar a qualidade de vida definida por diferentes racionalidades culturais, e é nos
mundos de vida das comunidades que os princípios de racionalidade cultural do

161
ambientalismo tomam seu sentido de diversidade e participação, pois é onde se pode
conceber a construção dessa nova racionalidade. A reapropriação social da natureza
vai além do compromisso com os direitos das gerações futuras de dispor recursos para
ao seu sustento e desenvolvimento, pois não se trata de um problema de avaliar a
exploração e uso da natureza e da pretensão de resolver a questão da distribuição
ecológica. Trata-se da legitimação dos direitos de propriedade e de condições de
existência das comunidades sobre seu patrimônio de recursos e de sua própria
doutrina, e da redefinição de seus processos de produção, seus estilos de vida e
sentidos existenciais (LEFF, 2004, p. 465-6).
As lutas sociais pela reapropriação social da natureza vão além da valorização
econômica da natureza e da concentração de direitos sobre o uso dos recursos, elas
inclusive questionam a possibilidade de alcançar uma justiça quando o objetivo de
define a partir das regras dos direitos humanos individuais outorgados a partir de cima
derivados do modo de produção, do estilo e vida e do sistema político dominante.
A reapropriação da natureza aponta para o princípio da equidade na diversidade
que implica a autogestão do potencial ecológico de cada região em, estilos alternativos
de desenvolvimento e autonomia cultural de cada comunidade. É nesse sentido de
racionalização dos princípios que a racionalidade ambiental desconstrói a racionalidade
formal econômico-ecológica-jurídica que orienta e legaliza os processos de
capitalização da natureza. Os novos direitos indígenas e ambientais vão gerando suas
condições de legitimação dentro do marco jurídico prevalecente, questionando-o e
ampliando-os para dar vazão a novas demandas e reivindicações sociais (LEFF, 2004,
p. 467).
A sustentabilidade depende dos estilos culturais e interesses sociais que definem
as formas de propriedade, de apropriação, de transformação e uso dos recursos que se
estabelecem através de relações de poder que se entretecem entre a racionalidade
econômica e a ambiental, impulsionada pelos atores sociais do ambientalismo.

162
ANÁLISE DOS RESULTADOS
10 BAURU: CONSIDERAÇÕES FINAIS

10.1 Plano Diretor Participativo

As reuniões de bairro do plano diretor participativo fomentaram possibilidades de


melhoria, no permitir que as diretrizes do plano se compatibilizassem aos interesses
populares. As reivindicações populares fizeram prevalecer suas intenções de preservar
o patrimônio socioambiental de Bauru sobre os interesses da elite, pelo menos nas
diretrizes do plano, tanto que sua aprovação encontra resistência na Câmara Municipal,
onde se concentram, em parte, o grupo dominante do município, inclusive grandes
empreiteiros.
A participação popular nos encontros do Plano Diretor Participativo possibilitou o
exercício da “cidadania”, através de um processo de reivindicações e conquistas, de
formação e educação política de novos militantes do movimento social, o que se refletiu
nas medidas mais restritivas do novo Plano. As palavras de Reinaldo, um ambientalista
dedicado às melhorias do município de Bauru, e que reside na bacia hidrográfica do
córrego da Água Comprida – setor 11 do plano, elucidam em parte, o que representou
na prática, o P. D. P. - Plano Diretor Participativo.

O P.D.P. foi um exercício de cidadania muito proveitoso e um marco, ainda que


singelo, de novos rumos para a solução dos problemas da urbe. O fato de ser
participativo por lei é um avanço que abre grandes possibilidades,
principalmente a descentralização do poder (...) trazendo uma forma menos
injusta do crescimento das cidades. Acredito que muitos dos que participaram
do P.D.P. lá estavam por serem pró ativos na esperança de melhorar as suas
comunidades. O exercício é sempre proveitoso, pois, confronta as pessoas
com os problemas de outros e o poder público com aquilo que não pode ver
senão “in loco” (...). No que diz respeito ao meu setor, posso assegurar que foi
naturalmente bem sucedido, pois se apresentou para os trabalhos pessoas
capacitadas em varias áreas de conhecimento. O movimento pela preservação
da floresta do Água Comprida é um exemplo de um anseio da comunidade que
ganhou forças e interação no PDP. A aprovação do PDP ajudara em muito
(RECHE, 2008).

Deve-se salientar que as reuniões promovidas para a construção do Plano


Diretor Participativo possibilitaram a construção de um saber ambiental próprio da

163
sociedade de Bauru. Constatou-se, porém, que, passado o período de estímulo às
reuniões, promovido pela Prefeitura, as discussões tiveram um desaquecimento
considerável, e as secretarias municipais que faziam o papel de intermediação com a
população foram extintas, como a secretaria que se responsabilizava pela conexão com
as lideranças regionais, a SEAR (Secretaria das Administrações Regionais).
Mesmo com a extinção desse órgão, que teve uma participação tão importante
durante o período de difusão do Plano Diretor, os movimentos estudados não só se
ampliaram, como passaram a se articular diretamente com outros movimentos de
associações de bairro e entidades populares, sem interlocução dos órgãos públicos, o
que de fato é um avanço quando tomados como movimentos autônomos.
Em contrapartida, a gestão do território continua sem interferência da população
a espera da aprovação do plano. Percebe-se que passado o período de estímulo a uma
maior “abertura democrática” e ao subseqüente desaquecimento político da população
perante os órgãos públicos, as diretrizes não escaparam ao “coronelismo” político.
Como exemplo, dessa transição de atitude política da sociedade civil,
diretamente ligada ao estímulo dos órgãos públicos, cita-se a questão da restrição do
coeficiente de construção e a restrição de áreas para construção, diretrizes que viriam a
atingir diretamente o setor empresarial e os representantes do setor imobiliário. Bem se
sabe que muitos dos investidores são de fora da cidade e que os impactos ambientais
decorrentes da má utilização do solo recaem para os próprios moradores do município,
através de onerosas obras de correção e incalculáveis prejuízos socioambientais.
Após embates acalorados e polêmicos entre empreendedores e sociedade civil,
por fim determinou-se que este índice seria reduzido, de acordo com a vontade da
maior parte da população, mas a Câmara Municipal tratou logo de intervir para
aumentar o coeficiente de construção e de expansão do perímetro urbano da cidade.
Esta emenda, como tantas outras, ainda pode sofrer alterações, entretanto, este é um
exemplo de que a confluência de interesses divergentes sobre uma mesma
problemática não escapou à formulação de uma única diretriz de planejamento. Salvo a
possibilidade, porém, que os “representantes do povo” no cenário político, têm de fazer
valer os seus próprios interesses e os de seu estrato social, sobre decisões coletivas.

164
Sem a gestão participativa, concomitantemente ao PDP, ele perde o seu sentido
enquanto legislação que visa à cidadania, justamente pela falta de articulação dos
setores, junto às suas diretrizes em âmbito legal, o que reforça a idéia de formulação de
um plano, apenas como válvula de escape para a massa dos que buscam melhorias
socioambientais.
No atual processo em que estamos, pode-se responder que o status quo sente
as conseqüências do plano, pelos embates que a população vem travando pela
manutenção de seus direitos. Por mais que o Plano Diretor não tenha sido aprovado, é
necessário evitar que a ordem vigente continue a tomar as decisões públicas em favor
da manutenção tenra do capital e da exclusão da população, pois a introdução de uma
legislação mais democrática, como o Estatuto da Cidade, permite que a população
como um todo, o que significa abarcar a todos os estratos sociais, seja gestora do seu
território e se utilize de instrumentos institucionais em seu favor.
Portanto, é necessário fazer valer dessa legislação através da ação, seja por
meio de autênticos ativismos de bairro, seja por meio de movimentos sociais de cunho
reformista, a exemplo do Jardim Nicéia e do movimento pela preservação da mata do
córrego da Água Comprida. O necessário é fazer a lei pegar (Foto 10.1, Foto 10.2, Foto
10.3).

Foto 10.1: Diretrizes e apontamentos da população sendo feitos em reunião do Plano


Diretor diretamente sobre mapa do córrego da Água Comprida – setor 11(Fonte: F. N.
CORGHI, dez. 2005)

165
Foto 10.2: Reunião onde discute-se as diretrizes para a bacia hidrográfica do córrego
do Água Comprida (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005)

Foto 10.3: Consolidação de um saber próprio dos munícipes sobre seu território
transcritos na forma de diretrizes urbanísticas (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005)

166
10.1.1 Nicéia: do ativismo de bairro à mudança estrutural

O movimento pela regularização fundiária e melhorias urbanísticas no Jardim


Nicéia pode ser classificado, dentro da concepção de Souza (2006, p. 281) como um
ativismo de bairro forte, o que significa dizer que enquanto forma de organização e
participação política ele já tem efetivamente contribuído com a articulação política entre
os diversos processos políticos, econômicos e culturais que se desenrolam em
ressonância às questões relativas às carências específicas do bairro.
Sabe-se que este “bairro” encontra-se em processo de regularização fundiária e
é o responsável por inaugurar em Bauru o uso da legislação mais “democrática” do
Estatuto da Cidade. O estado avançado em que a tramitação burocrática da usucapião
coletiva do assentamento. se encontra, nas estâncias do poder jurídico, permite
vangloriar certa esperança por ganho de causa, mas mesmo assim, parte dos
moradores optaram por aderir ao Movimento dos Sem-Terra (MST) no Horto Florestal.
Nesse sentido, o ativismo do jardim Nicéia tem fomentado o aprendizado de
participação política e o exercício de cidadania dessa população, pelo estímulo a
formação de um olhar crítico em relação às formas de organização, planejamento e
gestão da cidade de Bauru (Foto 10.4). Esse ativismo em especial, tem potencial para
se tornar um legítimo movimento social de organização e contestação social, dado o
caráter da segregação sócio-espacial no qual ele se encontra e a sua relativa
proximidade do movimento ambiental pela preservação do córrego, que já atinge
proporções maiores, e do movimento de reforma agrária do MST.
Mesmo a regularização fundiária, um instrumento aparentemente de cunho
democrático, muitas vezes pode servir para subsidiar interesses do capital e ações
nada democráticas, tanto como os outros instrumentos do Estatuto da Cidade. O real
uso democrático das legislações está em quem o faz e como o faz. O Plano Diretor
Participativo almeja atingir tais feitos, e o ativismo social como forma ativa de
articulação política, tem efetivamente ajudado a ampliar a consciência das pessoas em
relação aos seus direitos como cidadãs e, em especial, sobre os seus direitos à cidade.
Nos atuais processos de disputa popular pelos interesses sócio-ambientais, a
legislação é a mesma e mostra-se extremamente frágil e “cheia de buracos”, que

167
parecem propositais para dificultar as ações tanto por parte da população do Nicéia,
quanto do movimento Sem Terra e o tombamento ambiental da floresta do Água
Comprida. O próprio Estatuto da Cidade ao se propor a garantir a “função social da
propriedade urbana” merece ser questionado como instrumentos de manutenção da
ordem baseada no modo de produção capitalista. Sua função se restringiria antes a
retardar a explosão da bomba capitalista ou realmente a promover apontamentos para
transformações mais profundas e ambiciosas, como as propostas pela reforma agrária
e urbana?

Foto 10.4: Faixa pendurada na frente do Jardim Nicéia durante a tentativa de remoção
(Fonte: F.N. CORGHI, 2007)

Ainda, no que se refere ao Plano Diretor Participativo de Bauru, a legislação


busca regularizar os assentamentos do quarto setor, de forma que a terra cumpra o seu
papel social. Sob o ponto de vista jurídico a lei se faz com esse fundamento e parece
buscar realmente uma forma democrática de legitimar esse papel da terra, mas do
ponto de vista da reprodução do capital, a questão da regularização fundiária ou função
social da propriedade é um tanto contraditória quando analisamos o papel do Estado

168
como gestor das condições de reprodução do capital. Isso significa dizer que o Plano
Diretor corre o risco de cair em descrença, se não for bem amparado pela população,
pois o Estado e seus anéis burocráticos, expressão utilizada por Cardoso (1974, p.
208), parecem servir à hegemonia do grupo social dominante, sobre as demais
instituições.

10.1.2 Novas formas de se fazer política

Os novos movimentos ambientalistas atentam para novas formas de se fazer


política, aquém dos processos jurídicos estabelecidos pelas formas dominantes do
pensamento sociológico ”normal”. Esses novos parâmetros seriam uma maneira nova
de estabelecer as regras do jogo de estratégias de luta no campo da ecologia política e
de mudanças sociais (LEFF, 2004, p. 455).
Entre as táticas de mobilização do movimento pela preservação da mata está a
utilização de espaços públicos para as reuniões, o uso de vários canais de informação
alternativos, como a internet, e a formação de redes de interação em escalas diversas,
desde a local até a planetária. A forte campanha veiculada na internet proporcionada
pela Organização não governamental Amigos da Terra, “Friends of the Earth”, para
pressionar os políticos de Bauru e o governador do Estado, José Serra, consiste em
enviar o maior número de cartas a esses políticos. O texto explicativo insere o
movimento de preservação num contexto amplo de preservação (RODRIGUES, 2007).

As florestas são essenciais para a vida sobre a Terra. A estrutura, função e


integridade dos ecossistemas devem ser vistos como tendo um valor infinito.
Toda forma de vida florestal é única e requer um habitat adequado e proteção.
A Floresta da Água Comprida deve ser protegida para suprir as necessidades
sociais, econômicas, ecológicas, culturais e espirituais, das atuais e futuras
gerações e garantir manutenção da integridade do solo, água, ar e
conservação da biodiversidade. A responsabilidade pelo manejo florestal deve
ser dos governos, ONGs, e da população local. As florestas, devem ser
exclusivamente manejadas pela população do município com a colaboração de
outros setores interessados da sociedade (SALVEMOS, 2007).

Essas táticas se apresentam como alternativas diante dos agentes ”que


produzem culturas subdominantes (...) diante das estratégias hegemônicas de
produção cultural das classes dominantes e eruditas”, visto que a “autonomia dos

169
diferentes grupos (...) deve nortear, como princípio básico, a condução destes múltiplos
e diferenciados processos identitários” (SERPA, 2007, p. 148). Para Castoriadis (1983
apud SERPA, 2007, p. 149), a autonomia na direção da participação igualitária, no
processo de tomada de decisões, é condição sine qua non para sua execução
A Universidade Estadual Paulista (UNESP) tem sido utilizada como espaço de
discussão, debates, e reuniões. Duas palestras de caráter informativo foram
organizadas de maneira a proporcionar os devidos esclarecimentos sobre o movimento
e as melhores estratégias de atuação frente aos trâmites burocráticos. Os temas foram
“Preservando Floresta Urbana Água Comprida” e “Formas de Tombamento de
Patrimônio Natural”. Porém, Panini (2008) liderança do movimento ressalta a falta de
um posicionamento da UNESP de apoio à preservação da mata.
A existência de redes de comunicação planetária e a simultaneidade fazem
desaparecer as antigas estruturas e hierarquias, que no passado, pareciam naturais.
Dessa maneira, a relação entre o espaço público e a ação política do grupo que
reivindica num contexto sem classes, e sem hierarquia, permite que a opinião expressa
na esfera pública seja purificada, ou considerada uma “opinião verdadeira” (SERPA,
2007, p. 141, 145; HABERMAS, 1984 apud SERPA, 2007, p. 141).
Como forma de manifestação da opinião pública, o movimento contou com a
distribuição de um abaixo assinado, que alcançou mais de 10.000 assinaturas, e
veiculou inclusive por outros países. As mobilizações ao redor da mata sempre foram
enfatizadas, uma delas foi o lançamento do movimento, a outra o dia do Abraço do
Água Comprida, uma outra contou com shows e um dia de eventos, e não param por aí,
pois o movimento divulga a intenção de promover outros eventos nos meios digitais,
rogando a colaboração dos interessados.
Entre as táticas de mobilização do movimento pela regularização fundiária está a
de captar a massa carente nos bolsões de pobreza de Bauru e remanejá-la para áreas
improdutivas e com potencial para o agronegócio, como o Horto Florestal. A resistência
dessas famílias e a utilização desses grandes espaços improdutivos alimentam as
esperanças de se adquirir um pedaço de terra.
Estes movimentos podem ser classificados, conforme Souza (2006, p. 281),
como movimentos sociais fortes, pois se mostram preocupados em questionar a

170
racionalidade vigente e a ordem econômica imposta, dada a amplitude das
conseqüências sócio-ambientais sofridas. Conforme Leff (2004, p. 455) este seria um
dos movimentos classificados como ambientalistas por ser contra a destruição dos
recursos naturais, o desmatamento exacerbado, o efeito estufa e, por ser a favor da
conservação dos recursos naturais, da diversidade biológica e do melhoramento do
ambiente; pelo desenvolvimento de novas tecnologias e promoção de processos de
autogestão e de participação na tomada de decisões.
Esses movimentos sociais se encontram num contexto de alcance maior, como
movimento de resistência às formas tradicionais de valorização do espaço, por isso se
acredita que possam levar à transformações mais profundas e ambiciosas como
movimentos de resistência no município, principalmente da forma como se mostram
articulados em rede a outros movimentos, pois lutam, ao mesmo tempo, por um direito
de reapropriação do território e pela autogestão dos recursos naturais (LEFF, op. cit.).
Essas táticas se apresentam como alternativas diante dos agentes ”que
produzem culturas subdominantes (...) diante das estratégias hegemônicas de
produção cultural das classes dominantes e eruditas”, visto que a “autonomia dos
diferentes grupos (...) deve nortear, como princípio básico, a condução destes múltiplos
e diferenciados processos identitários” (SERPA, 2007, p. 148).
O movimento de regularização fundiária e de reforma agrária juntos tem poder
para questionar toda a lógica da racionalidade vigente e a ordem econômica imposta,
pois são decorrentes dos problemas do campo que afetam diretamente a infra-estrutura
urbana. Esses movimentos sociais quando unos, se encontram num contexto de
alcance maior como movimentos de resistência às formas tradicionais de valorização
do espaço, por isso acredita-se que eles podem levar à transformações mais profundas
e ambiciosas como movimentos de resistência, principalmente na forma como se
mostram articulados em rede a outros movimentos.

As organizações socioambientais tendem a associar-se em redes de


agrupamento autônomos, segmentados e policéfalos, em estruturas não
hierárquicas, descentralizadas e participativas. Esses novos movimentos se
caracterizam por suas novas demandas de participação social, pela obtenção
de bens simbólicos e pela recuperação de estilos tradicionais de vida, pela
defesa de novos direitos étnicos e culturais, ambientais e coletivos (LEFF,
2004, p. 455).

171
A cultura de degradação e da segregação, como fruto de processos culturais
arraigados e disseminados pela cultura dominante, se dissemina nos bancos
acadêmicos e instituições. Como a capitalização da natureza individualiza os recursos e
as pessoas, o sentido da existência e da vida tornam-se prisioneiro do mercado, uma
vez que foram convertidos em produtores e consumidores. Conforme os recursos vão
se esgotando, desestruturando e saturando, os ecossistemas perdem seu caráter de
valor de uso (LEFF, 2004).
A forma de constituição do Plano Diretor de Bauru é um processo embrionário de
institucionalização, do interesse socioambiental em relativa paridade ao interesse
privado, e colabora para que as diretrizes do município ao menos quantifiquem
vontades da população, mesmo que estas sejam díspares dos interesses imobiliários.
O combate eficiente aos desastres ambientais, deve se apoiar sobre ações
integradas entre os diversos agentes envolvidos, para que a própria comunidade esteja
capacitada a inferir no processo de intervenção no meio, de forma a evitar que
diretrizes urbanísticas públicas levem à aprovação de projetos de eficiência duvidosa e
descontextualizada do planejamento integrado. E aqui pode se referir perfeitamente à
decisão tomada pela Câmara municipal de vereadores, ao criar barreiras para aprovar
determinadas diretrizes, conseqüentes de muita discussão entre as classes.

A sustentabilidade do desenvolvimento mostra a necessidade de reverter


essas tendências e de construir uma racionalidade produtiva sobre novos
princípios. Isto implica passar a um planejamento prospectivo de modelos
alternativos de desenvolvimento sustentável, fundados num ordenamento
ecológico das atividades produtivas e dos assentamentos humanos; o que leva
a gerir o planejamento segundo outros critérios que os das forças de mercado
e da produtividade tecnológica (LEFF, 2001).

Tal proposta é possível, se integrada às potencialidades humanas do município:


os estudantes, a comunidade, o poder público, o privado, os órgãos ambientais e
outros, visto que todos estão envolvidos com a realidade de Bauru, embora de forma
desintegrada. O Plano Diretor Participativo de Bauru, antes de ser uma série de
diretrizes, é uma possibilidade social de construir a racionalidade ambiental,
principalmente se potencializada com a integração desses diversos agentes sociais que
dele participam, na gestão do território.

172
A transição de uma racionalidade capitalista para uma racionalidade ambiental
implica a confrontação de interesses e a combinação de interesses objetivos
comuns de diversos atores sociais que incidem em todas as instâncias dos
aparatos do Estado (ALTHUSSER, 1971 apud LEFF, 2004). A racionalidade
ambiental estaria constituída por um conjunto de critérios para a tomada de
decisões dos agentes sociais para orientar as políticas públicas, normalizar os
processos de produção e consumo e legitimar as ações e comportamentos de
diferentes atores e grupos sociais para alcançar certos fins definíveis e
objetivos de desenvolvimento sustentável (LEFF, 2004).

O que se assiste nesses debates acirrados é a pretensa construção de novas


perspectivas para os rumos da cidade de Bauru, e aqui se dá ênfase à questão
temporal para que tais mudanças ocorram, pois estas, sejam quais forem, só são
possíveis com a construção de mudanças no presente, pois de interesses
institucionalizados para o “futuro” as gavetas da prefeitura estão cheias. Faz-se vital
para a continuidade do processo de mudanças no padrão urbanístico, a inserção da
população também como gestora de seu meio, capaz de se articular e fazer valer seus
interesses até mesmo quando a Câmara Municipal se faz contrária às diretrizes.

O princípio da gestão dos recursos da natureza não pode se sujeitar a uma


posição negociadora no esquema contábil fixado pela racionalidade
econômica. A gestão democrática da biodiversidade implica um processo de
diferentes estratégias de apropriação, gestão e transformação da natureza. A
questão da sustentabilidade coloca a civilização para construir uma
racionalidade que dê viabilidade à um desenvolvimento sustentável e
democrático (LEFF, 2004).

Para que os “interesses do cidadão” ocorram efetivamente, os seres humanos


devem se tornar autênticos agentes do presente, integrados ao passado e à
construção do futuro. Esse enfrentamento significa também o aprofundamento
de discussões, considerando os valores, ou seja, as contribuições de diversas
culturas em diversas épocas e locais, aceitando compromissos sobre as
ciências, as filosofias e o imaginário de cada uma (LEVI, 1990).

A experiência decorrente dos estágios e participações voluntárias nos órgãos


públicos de Bauru e na vida acadêmica, durante e após a graduação, permitiu se
adquirir uma experiência em campo e uma visão interna sobre o funcionamento dos
órgãos públicos, que levou a constatações particulares a respeito das questões
municipais. Sobre a questão da fiscalização, percebeu-se que o município não tem
condição de fiscalizar a todos os empreendimentos em execução e nem de altuar a
todas as infrações ocorridas. Mesmo quando os funcionários saem a campo com essa
intenção, constatou-se que a questão entre o papel de quem fiscaliza e entre quem

173
infringe a lei, muitas vezes sai do âmbito profissional e parte para a vida particular do
funcionário, resultando inclusive, em ameaças a vida.
Outro fato constatado dessas experiências foi a mudança de postura de alguns
profissionais, dependendo do cargo ocupado e do caso a ser tratado. Uma drenagem
de nascente, pode tanto ser um fato ilegal digno de ser notificado aos órgãos
competentes, como, dependendo do caso, pode não ser “tão ilegal assim” e passar
despercebida aos olhos dos que deveriam vê-la.
Um fato interessante, que se pôde constatar em muitas conversas com os
funcionários públicos, durante esses 5 anos, é o fato do tão criticado “vício de
administração pública” estar contido, na verdade, num certo estado de conformismo
generalizado por parte de alguns funcionários, e de reprodução de práticas corriqueiras,
o que não quer dizer que sejam as melhores, no qual as atitudes para se lidar com as
questões emblemáticas do município acabam por se limitar ao mesmo trato dado a
décadas e que resultam, portanto, nos mesmos problemas a décadas, como as erosões
e as boçorocas-lixões.
Quando se aponta para os problemas que travam o poder público, na verdade, a
própria fundamentação estatal é um problema institucionalizado. O que se dizer sobre a
repetição insensata de atitudes imediatistas “tapa buraco”. Percebe-se que não há um
compromisso em estudar a melhor solução, ou de se buscar novas alternativas, salvo
algumas exceções de funcionários muito críticos por excelência, no qual se percebia,
pelas próprias atitudes, uma vontade inata de mudar toda a estrutura vigente.
Porém, como se disse anteriormente, a questão muitas vezes sai do âmbito
profissional e/ou encontra entraves dentro dos próprios poderes superiores no órgão
em que se trabalha. Uma clara manipulação política e de jogos de interesse paira acima
das regras da sociedade. As leis que pegam e que não pegam, expressão utilizada por
Maricato (2001) estão intrinsecamente ligadas ao modo como os funcionários as
recebem e como a sociedade civil, como um todo, é informada e afetada por ela.
Sabe-se que a região sudeste do município de Bauru tem sido alvo de
investimentos vultosos e que se posta como foco de crescimento da cidade, com novos
empreendimentos em vias de aprovação na Prefeitura e redes de bens e consumo
previstas. Os residenciais fechados, bem como as favelas, são ícones da cidade do

174
atual momento histórico de urbanização. A displicência com as obras de implantação,
de drenagem, de contenção dos processos erosivos, e todas as disparidades para com
as insipientes diretrizes exigidas pela Prefeitura só demonstram, o quanto a execução
no canteiro de obras se faz independente das restrições ambientais e de uma
consciência crítica quanto à interdependência de processos responsáveis pelo
equilíbrio do meio físico.
A academia já prevê os processos erosivos, enquanto o planejamento insiste em
ser preventivo, principalmente para o combate das erosões. A comunidade se antepõe
às diretrizes urbanísticas mesmo sem o necessário conhecimento técnico que a
academia e os demais órgãos ambientais subsidiam. Muitos dos professores da
academia e da delegacia de ensino, inclusive, fazem parte dos grupos gestores,
enquanto a quantidade de alunos é ínfima se comparada a esse fato. A estudante de
arquitetura e urbanismo relata sua experiência acadêmica:

É-nos transmitida àquela velha idéia de urbanização, da manipulação social,


da necessidade de restabelecer a ordem mediante a desordem, a necessidade
de separar para entender e controlar. Percebi o quão somos induzidos a
encontrar belezas e problemas sem realmente ver o que de fato acontece, as
características peculiares de cada situação, os indivíduos envolvidos, de
somente observar sem realmente participar e explorar. Estudamos e
aperfeiçoamos nossa cegueira.
(...) é de extrema importância estar perto da comunidade, só ela realmente
sabe quais são seus problemas e nela está uma possível solução, só com ela
poderemos construir um projeto que de fato atenda a todas as micro
necessidades que conseqüentemente darão em macro resultados. Acredito
que as pessoas que ali estão continuam sendo manipuladas e não são
instruídas a realmente debater os problemas que enfrentam de modo a obter
sucesso e mudança para toda a cidade.
(...) ao entrar em contato com a comunidade, percebi que já existia mobilização
e projeto. Já existia discussão e o primeiro passo do projeto deveria ser
conhecer estas pessoas e suas ações. Destas ações deveriam começar o
estudo, análise e projeto. Eu percebi que não tinha a oferecer, muito pelo
contrario, queria ouvir e aprender queria potencializar essas forças,
potencializar a mim e essas pessoas (KLEIN, 2007).

Os residenciais de alto padrão repetem em sua malha e em seu tecido a tipologia


e os padrões de urbanismo disseminados pela metrópole, em desrespeito às
características geomorfológicas, culturais e outras especificidades de Bauru, reflexo do
processo de disseminação da produção capitalista e da difusão dos mercados de
consumo em âmbito global.

175
Em Bauru essa sobreposição de valores e tentativa de massificação cultural, se
repercute de tal forma que as conseqüências advindas do modo predatório e
descaracterístico de implantação dos empreendimentos urbanos se repercutem de
forma não menos fiel às classes mais baixas tão impactantes e impermeáveis quanto
os grandes lotes dos residenciais de alto padrão.
As duas imensas voçorocas provocadas pela implantação dos loteamentos
chegaram a ameaçar a permanência dos empreendimentos recém implantados e a
Área de Preservação Permanente de um deles, sem contar os impactos negativos à
dinâmica de todo o córrego. Lixo foi introduzido sobre minas d´água. Pessoas se
amontoaram ao redor do lixo em busca de sustento. E crianças brincaram em meio a
todo esse processo, sem cessar. Esse lixo ainda pode contaminar o canal fluvial pela
liberação de chorume, sem falar na liberação de gases e na própria reativação do
processo erosivo por recalque.
Existe algum ativismo mais eficiente do que se manter ativo durante todas as
etapas de tentativa da sobreposição da racionalidade econômica sobre a local? Se
pensarmos nas crianças e nas erosões de Bauru como, respectivamente, ícones do
valor de uso e da ruptura da paisagem, em confronto à ordem imposta, percebe-se, que
pelo menos na área de estudo focada, o meio ambiente e as crianças sempre estiveram
agindo contra a sobreposição do valor de troca sobre a racionalidade ambiental.

10.2 A verdadeira participação

Para se compreender essa problemática urbana, impõe-se compreender o ponto


de partida sobre a nossa época, o processo de industrialização, por ser ele o indutor
das transformações da sociedade atual, dos problemas relativos ao crescimento e à
planificação, do desenvolvimento da realidade urbana da sociedade moderna e por
conseqüência “industrial”. Os núcleos urbanos no seu conjunto de rede de cidades têm
no Estado, o poder centralizado,e na vida comunitária, os contrastes entre a riqueza e a
pobreza. O saber ambiental emerge do questionamento dessa racionalidade
insustentável, com o objetivo de construir sociedades sustentáveis, baseadas nos
processos ideológicos, nos interesses sociais e nos objetivos do movimento
ambientalista para a construção de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2004, p. 242).
176
Entre as novas formas de orientação da ação social se encontram os
movimentos pela racionalidade ambiental, novos movimentos políticos, aquém da
brecha permitida pela legislação, justamente por seu caráter limitador em relação aos
objetivos pretendidos com os movimentos de reapropriação social da natureza. Estes
movimentos lutam para sua autonomia e autogestão, termos incompreensíveis numa
sociedade regida por poderes heterônomos, onde as diversas legislações pretendem
abrir fendas para a inclusão desse “novo” olhar, que nada mais é, do que uma luta pela
permanência da cultura e do conhecimento armazenado pelas gerações.
O atual processo de urbanização, entendido com parte de um processo mais
amplo de constituição do território de uma cidade, conseqüência do processo de
urbanização do atual momento histórico, explicado pela industrialização e pela difusão
do consumo, não pode querer romper todo o processo de urbanização do mundo. O
nosso fragmento territorial revela-se aquém da heteronomia cega, e aproxima-se de
uma abertura para participação popular, saindo do plano do campo do autoritarismo e
da ilusão da participação. Falar em co-gestão seria precipitado, ainda mais quando o
Plano Diretor, ainda é uma forma imposta de exigir democracia, mas pode-se falar do
exercício de cidadania pleno dentro das possibilidades.
Os Estatutos e as Conferências das cidades podem se propor a levar diretrizes
megalomaníacas para as instâncias superiores, mas como diretrizes no papel, muito
pouco ou quase nada diferem uma da outra ou de um ano para outro, tal como as
próprias diretrizes dos planos diretores tem se mostrado falíveis quando a cargo
somente dos órgãos públicos. As próprias diretrizes de papel elaboradas para a bacia
hidrográfica do córrego da Água Comprida, tem uma serie de exemplos para elucidar o
descaso para com as diretrizes dos planos, pela mesma máquina estatal que os criou.
A efetiva participação está no processo de luta, no qual os movimentos já
alcançaram tamanha repercussão e reconhecimento. Dificilmente cairão em descrédito
como as diretrizes do papel. “Os movimentos ambientais emergentes não lutam
somente por uma maior eqüidade e participação no sistema econômico e político
dominante, cujas regras de funcionamento seriam compartilhadas pelos grupos sociais
em conflito, mas para construir uma nova ordem social” (LEFF, 2004) a qual espera-se
estar vivos para participar.

177
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil está inserido no modo de produção capitalista como país periférico. A


função do Estado nacional desenvolvimentista do período militar (1964-1988), iniciado
no governo de Juscelino Kubitsheck (1956-1961) é a de seguir o modelo de
planejamento clássico, cuja instrumentação é a intervenção estatal com fins de
desenvolver o capitalismo. Portanto, esse é um modelo de planejamento autoritário,
pautado na ideologia positivista, cientificista.
Nas décadas de 60 e 70 se tinha investimento em infra-estrutura, mas não em
política social, se tinha ditadura, os Planos nacionais de desenvolvimento - I PND
(1972-1974) e o II PND (1975-1979). Nesse momento se tem um duro movimento de
repressão política, com o sufocamento de qualquer manifestação política que pudesse
ser contra o regime ditatorial.
Em meados da década de 80, se tem o princípio da municipalização presente na
constituição de 88. Ao mesmo tempo o estado nacional está em crise econômica e
financeira para pagamento da dívida, há uma retração de sua atuação e novos atores
capitalistas passam a surgir. A partir do momento que o estado não tem mais dinheiro
para intervir na economia e no planejamento estatal, entra em cena o modelo da gestão
participativa, ou seja, ocorre uma descentralização política, com uma maior abertura
aos desejos do cidadão e com vistas a uma co-gestão do território. Novos atores e
novos conflitos se estabelecem na forma urbana.
O mundo do trabalho sofre transformações estruturais, com a transição do
fordismo para o modelo de acumulação flexível, e isso entra para o urbano na forma de
segregação socioespacial mais forte e violenta. Nosso fragmento territorial se insere
nessa lógica processual, não só na forma, porque a relação centro periferia mudou,
mas porque surgem novas periferias urbanas: os condomínios, os loteamentos, os
small centro, os shopping Centers. Dentro dessas novas periferias está encrustado, por
uma herança dos PNDs, o Jardim Nicéia, e nesse momento se estabelece o conflito
que estrutura a tese: a questão da cidade dispersa.
O Nicéia foi criado durante o governo militar (1964-1988) em 1965, governo este
que consolida o projeto da malha programada, que atua sobre todos os tipos de redes e

178
implanta o programa cidades médias, cuja estratégia governamental consiste em
transferir a escala macro regional para a sub-regional através de pólos de crescimento
responsáveis por interligar os circuitos nacionais e internacionais aos fluxos financeiros
e de mercadorias. O interesse é criar condições para desenvolver o capitalismo.
Hoje o crescimento vegetativo é presente na maior parte das cidades, em
contrapartida às altas contribuições do fluxo migratório presentes no passado, desde os
anos 50, quando se tinha uma relação campo-cidade definida com fluxos migratórios. O
passado relatado pelos moradores do jardim Nicéia atesta para um fluxo migratório
regional, inicialmente desencadeado em fins da década de 60 pela dificuldade de se
empregar no campo, e em outro grande marco no início dos anos 90, quando se tem a
doação de lotes feita pela senhora que se julgava proprietária das terras da gleba, Dona
Izaura, o que atraiu pessoas de toda a região pela oportunidade de se adquirir terras.
O segundo PND faz os grandes conjuntos habitacionais, as COHABs, BNHs,
Cecaps, que apareceram como solução ao migrante da zona rural que seria atraído
para a cidade e viria a constituir o novo operariado urbano, até o momento em que
passa a faltar recursos financeiros ao estado, e é justamente o momento em que o
Estado diminui o repasse de verbas e passa a aumentar a favelização. Com a política
de contenção salarial, uma parcela da população não tinha mais como se sustentar.
A favelização é um sintoma de uma parte dos migrantes que não tinha nem a
mínima condição de ter uma casa financiada pelo sistema de financiamento da
habitação e foi invadir, ocupar, favelas em fundo de vale, porque é terra pública,
extremamente barata. A especulação imobiliária nunca teve interesse em terra pública
em fundo de vale. Não é todo mundo que foi morar em casa, nem todo mundo que foi
morar na favela, mas houve uma segregação dos migrantes.
A história de origem do Nicéia faz parte do quadro nacional pintado na ditadura,
em contrate fronteiriço e temporal com os loteamentos fechados que surgiram de 1990
para cá, principalmente a partir do ano 2000, ligados aos novos ícones de polarização,
essencialmente regidos pelo valor de troca, de consumo, de facilidades, de status, da
indústria da segurança. Morar tem a ver com o consumo do espaço, com o fetichismo
da mercadoria, e não com valores de uso em relação àquele sítio urbano ou a
vizinhança e à cidade já existente. Por isso, pode-se ter uma herança da falta de

179
política social do PND, como o Nicéia, ao lado de residenciais fechados, ícones de
consumo para morar na cidade atual, ainda apoiados numa propaganda imobiliária de
incentivo à remoção da “favela”, tal como na ditadura, para engendrar a venda de lotes,
sendo que esta favela é a pioneira do uso da legislação do usucapião especial coletivo
na cidade de Bauru, e também é a responsável por ressignificar o uso daquele sítio
urbano, essencialmente por relações de valor de uso.
Nessa vila, as relações familiares e de amizade são o principal motivo de atração
de moradores, de proveniência até mesmo de bairros de classe média baixa de Bauru,
formando um espaço de relações humanas rico e diversificado, responsável por
ressignificar o sítio, até mesmo em espaços degradados, devido a predominância de
uso familiar. Cada rua do Nicéia faz parte da história de vida e de luta dos moradores,
pois se o bairro conta com arruamento, e se este se encontra iluminado pelos postes e
abastecido por rede de esgoto e de água, isso é fruto de muita luta.
Diferentemente dos residenciais, onde as relações comerciais já são o motivo
pelo qual eles foram implementados, e o motivo pelo qual possuem uma venda de
lotes. O habitar nesse espaço está ligado muito mais às práticas de marketing, e aos
rótulos que essa propaganda dissemina, e aos valores que ela vende, do que ao
existente na realidade de fato. E o passado recente desses residenciais, sabe-se pelo
breve histórico acompanhado nesta dissertação, que é calcado em ruptura do
ecossistema por imensas erosões no solo, por processo de entulhamento por lixo, pelo
aumento da segregação sócio-espacial, pela disseminação da indústria da segurança,
do conforto, do status, enfim, de “valores e atitudes compráveis”.
Os moradores do Nicéia possuem uma relação íntima com a natureza, uma
relação basicamente de valor de uso. O espaço ocupado pela mata funde-se aos
espaços internos das residências, os quintais se mostram receptivos à vegetação, ao
cultivo de espécies e de animais. Os remédios caseiros dos quais a comunidade se
utiliza é de proveniência da mata, e os moradores sabem como utilizá-los e que plantas
selecionar para o preparo. O mel de abelhas jataí, fartamente explorado no mercado, é
fornecido gratuitamente pelos que possuem a colméia em casa, basta pedir. Como
também basta manifestar o desejo de melhorar a saúde, ou de ampliar a casa, ou até

180
mesmo de que alguém cuide das crianças, para se poder trabalhar, e a ajuda vem
prontamente. O Nicéia é especialmente diferente dos outros bairros desta bacia.
Sabe-se que a comunidade é essencialmente formada por conhecidos, familiares
ou amigos, que desde o começo da ditadura vem se estabilizando no bairro através de
gerações subseqüentes. Alguns hábitos rurais se perpetuam, outros hábitos urbanos
são incorporados, e a resultante é uma elevada sociabilidade no Nicéia, uma fusão à
natureza, íntima e necessária para as próprias atividades dos moradores e até mesmo
para o lazer das crianças. Se um canal fluvial é degradado e se torna desqualificado
para seu entretenimento, elas tratam logo de achar outro corpo hídrico do qual possam
usufruir. E o convite é certo. Elas adoram ser fotografadas.
Partindo-se da UNESP em sentido ao Horto, ou até mesmo ao centro de Bauru,
muitos são os bairros atravessados, mas em nenhum é possível se ver tanta gente na
rua, e de tantas faixas de idade diferentes, mesmo em dias de semana. No Nicéia, se
qualquer transeunte necessitar de algo e pedir para os moradores ele é contemplado.
Isso não ocorre da mesma maneira em outros bairros, onde na maioria das vezes
sequer se vê pessoas na rua que não estejam somente de passagem. No Nicéia as
pessoas estão paradas em frente às suas casas, sempre com um sorriso amistoso no
rosto. Num dos residenciais fechados próximos, a urbanidade é tão escassa nas ruas,
que um transeunte além de só entrar sob convincentes justificativas, não encontra o
mínimo sinal de vida no trânsito do pedestre. As frondosas casas parecem habitar
sozinhas as ruas de asfalto. A praça ricamente arborizada e qualificada
paisagisticamente, não apresenta vida em seus passeios.
Quando se vê pessoas fora dos muros, tão comuns na paisagem da cabeceira
do córrego da Água Comprida, obviamente é fácil identificar, ou são estudantes em
sentido à UNESP, ou são os moradores do Nicéia transitando por todo o território, pelos
outros bairros ao redor, pela mata. Eles têm total liberdade para transitar e dominam
esta liberdade, seja trabalhando, seja simplesmente andando, seja brincando, no caso
das crianças, seja no trajeto até o supermercado ou ao ponto de ônibus. Os moradores
do Nicéia são constantemente vistos por toda a região da cabeceira e próximos a ela,
menos, porém, no interior dos residenciais fechados, a menos que seja trabalhando na
construção civil ou no serviço doméstico, e na faculdade pública à leste, que muito se

181
utiliza do Nicéia em seus trabalhos. Se existem prisioneiros nesta região da cabeceira
e, se entre eles há pouca convivência e urbanidade, muito provavelmente ela está
ligada aos altos muros que barram a entrada e a saída dos atuais moradores, e até
mesmo nas instituições de ensino responsáveis por formar estes profissionais, tão
distantes de uma diversidade cultural em que possam se mesclar, sem sobrepujar as
diferenças.
Percebe-se que as relações decorrentes das novas centralidades, fundamentam
o movimento de cidade dispersa e segregada, que se constitui independentemente da
cidade histórica ou mesmo de uma história de cidade. O que se constitui é uma malha
urbana projetada sobre a realidade existente e que a ignora. Seu interesse é nas
facilidades decorrentes da reprodução do capitalismo, ou seja, nas estradas, nos
shoppings e small centers, nos residenciais fechados, ícones que pouca ou nenhuma
relação tem com o sítio que o sedia, ou com a população já existente.
O Jardim Nicéia, porém, não é um ícone de atração de capital, pelo contrário, e
não está ligado ao movimento de constituição de um tecido urbano disperso, ele é um
símbolo vivo da predominância do valor de uso sobre o de troca. E pioneiro no uso da
legislação de regularização fundiária instituída pelo Estatuto da Cidade. Sua existência
em si já é uma vitória e um exemplo de democracia. De nada adiante se implantar uma
legislação democrática se os cidadãos não a fazem valer na prática.
E ao mesmo tempo em que se disseminam os ícones da cidade, que tem início
com a intensificação do processo de globalização, principalmente a partir dos anos 90,
se disseminam valores massificadores e atitudes fetichistas, calcadas na
superficialidade do valor vendido pelo marketing. O projeto de planejamento trás
visivelmente um liberalismo das leis e uma tendência geral à atração de investimentos,
em detrimento de esforços direcionados para investimentos de maior interesse social. A
preocupação é menos com o “ordenamento” do espaço urbano do que com o aumento
da competitividade econômica entre as próprias cidades, principalmente favorável à
reprodução do capital imobiliário à manutenção do padrão de segregação.
Nesse perfil de cidade, a gestão democrática pode funcionar mais como uma
válvula de escape, do que engendrar uma consciência política e movimentos sociais de

182
cunho reformista, como eclodiam os movimentos sociais da esquerda da época
ditadura, apesar da dura repressão estatal.
No território urbano de Bauru, através dos estudos realizados, constatou-se que
a maneira mais eficaz de tornar uma lei de cunho socioambiental efetiva, é a
participação da população na gestão do território. As diretrizes de planejamento que a
população participou da composição durante a execução do Plano diretor Participativo
já “legislam” pela vontade pública antes mesmo dos “representantes do povo”
fornecerem o aval sobre a sua legalização, e isso se deve ao fato de que a população
lutou diretamente pela efetivação das diretrizes, até mesmo com setores imobiliários.
Poderia se falar aqui, até mesmo de um resgate à democracia ateniense, no sentido da
representação direta estar sendo a maneira mais eficaz de efetivar os interesses da
população, em relação às ações de seus representantes no poder político.
Por meio desta dissertação, fundamenta-se a hipótese de que a erosão no solo
urbano de Bauru é produto da relação entre as características do meio natural e as
formas de produção do espaço urbano de Bauru, tanto para a sua (re)produção como
para a sua prevenção, que só se mostrou eficazmente possível quando de proveniência
da vontade da população, aquém das diretrizes de planejamento já existentes, que na
prática não alteram em nada a realidade do município com relação aos feitos erosivos.
A população foi o único meio preventivo eficaz contra erosão, e isso se deve ao
fato de ela ter buscado na prática mudar a estrutura vigente, tentando evitar que os
vícios de administração pública se repetissem e que as diretrizes de planejamento,
fossem desrespeitadas, como é de tradição dos planos diretores anteriores de Bauru,
quando tratando-se da necessidade da iniciativa privada, resultando quase sempre no
surgimento de danos ambientais, entre eles os processos erosivos.
Através de inúmeros abaixo assinados, e laudos de órgãos competentes, como a
AGB, as leis para evitar erosão e os danos ambientais, e tantas outras de cunho
socioambiental, se fizeram cumprir no território de Bauru. A eficácia da implementação
da legislação é realidade pelo interesse da população em melhorar, e cogerir, o seu
próprio território.
Da mesma forma, os movimentos sociais que eclodiram ao longo da execução
desta dissertação apontaram como uma alternativa ao tecnocratismo, ainda presente

183
em representantes políticos e funcionários municipais, pois os avanços dessas
mobilizações socioambientais foram os únicos capazes de trazer as diretrizes de
planejamento para fora da esfera das gavetas públicas, motivadas pelo desejo de
reapropriação sociambiental do espaço.
Portanto, profanar a célebre frase de que é culpa da falta de planejamento, se
mostrou uma grande panacéia, nestes casos em especial, pois os que evitaram que o
movimento de urbanização desigual do espaço urbano e suas conseqüências negativas
para o meio tivessem continuidade, foram os movimentos de disputa territorial
presentes na cabeceira da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida.
A partir dessas constatações, analisasse o processo de constituição do atual
plano diretor do município de Bauru-SP, com ênfase na participação popular; e mais
ainda, quando se tratando do processo de participação da população da bacia
hidrográfica do Córrego da Água Comprida, que mesmo passado o período de estímulo
fomentado pelos órgãos públicos, engendrou sobremaneira as lutas de disputa
territorial como alternativa ao conformismo generalizado da estrutura social vigente, e à
sobreposição de valores mercadológicos sobre os valores de uso. Os habitantes de
Bauru são os atores responsáveis pelas mudanças socioespaciais de cunho reformista
no meio.

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12.2 Entrevistas temáticas

ANTUNES, R. As diferenças entre o processo de regularização fundiária do MST e do


Jardim Nicéia: depoimento [maio. 2008] Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru: Horto
Florestal, 2008. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

CÂNDIDO, A. : Esclarecimentos sobre a origem do Nicéia e os atuais rumos do


processo de regularização fundiária: depoimento [jun. 2007] Entrevistador: F. N. Corghi,
Bauru: Jardim Nicéia, 2007. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

195
KLEIN, C. S. A experiência e a participação acadêmica no planejamento popular:
[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <ferarq_nc@yahoo.com.br> em 9 de
fevereiro de 2007.

MACERI, T. K. O papel da Prefeitura e do Plano Diretor Participativo no primeiro caso


de regularização fundiária do município de Bauru – SP: depoimento [jun. 2007]
Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru: Secretaria de Planejamento, 2007. Entrevista
concedida ao projeto de Mestrado.

MARANHO, W. A. Por que os moradores do Nicéia estão optando pelo usucapião


especial individual?: depoimento [jun. 2007] Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru: Jardim
Nicéia, 2007. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

MENDONÇA, R. A. Problemas ambientais decorrentes dos Loteamentos no Município


de Bauru: depoimento [nov.2003]. Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru: Câmara Municipal
do Município de Bauru, 2003. Entrevista concedida para o Projeto de Iniciação
Científica: Estudos das limitações do meio físico visando à apresentação de diretrizes
para a elaboração de projetos de loteamentos no município de Bauru.

ORTOLANI, D. O papel das secretarias na constituição do Plano Diretor Participativo de


Bauru [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <ferarq_nc@yahoo.com.br> em
26 de janeiro de 2007.

PANINI, A. Perspectivas para o futuro da Mata do Córrego da Água Comprida pelo


líder do movimento [jul.2008]. Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru. Jardim Colonial/Bauru,
2008. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

RECHE, R. J. Esclarecimentos sobre a atitude ambientalista e a participação popular na


constituição das diretrizes do Plano Diretor Participativo [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <ferarq_nc@yahoo.com.br> em 10 de março de 2008.

RIGITANO, M. H. C. Bauru + 10. [6º Reunião do Grupo de Planejamento Urbano).


Bauru: Prefeitura Municipal de Bauru/UNESP, 2003. In loco. [mar. 2003].

______. O papel da Prefeitura e do Plano Diretor Participativo no primeiro caso de


regularização fundiária do município de Bauru – SP: depoimento [jun. 2007]
Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru: Secretaria de Planejamento, 2007. Entrevista
concedida ao projeto de Mestrado.

196
______. Considerações sobre a atuação dos órgãos públicos municipais de Bauru
durante o processo de implementação do Plano Diretor Participativo : depoimento [jul.
2008]. Entrevistador: F. N. Corghi, Bauru: Secretaria de Planejamento, 2008. Entrevista
concedida ao projeto de Mestrado.

SANTOS, J. A. dos. A participação popular no Plano Diretor Participativo de Bauru


[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <ferarq_nc@yahoo.com.br> em 27 de
dezembro de 2006.

SANTOS, M. A. dos. As origens do Nicéia: depoimento [nov. 2007] Entrevistador: F. N.


Corghi, Bauru: Jardim Nicéia, 2007. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

SILVA, R. T. da. As origens do Nicéia: depoimento [nov. 2007] Entrevistador: F. N.


Corghi, Bauru: Jardim Nicéia, 2007. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

SLOBODTICOV, R. As contradições jurídicas presentes no caso de regularização


fundiária do Jd. Nicéia em Bauru-SP: depoimento [jun. 2007] Entrevistador: F. N.
Corghi, Bauru: Slobodticov Advocacia, 2007. Entrevista concedida ao projeto de
Mestrado.

SOUZA, A. N. dos. As origens do Nicéia: depoimento [nov. 2007] Entrevistador: F. N.


Corghi, Bauru: Jardim Nicéia, 2007. Entrevista concedida ao projeto de Mestrado.

197

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