Gorchi 2008
Gorchi 2008
Gorchi 2008
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© by Fernanda Nascimento Corghi, 2008
Título em ingles - Urbanization and socio-spacial segregation in Bauru (SP): a case study
the hydrographic basic of Água Comprida Stream.
Keywords: - Urban planning;
- Social movements;
- Human ecology.
Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial
Titulação: Mestre em Geografia.
Banca examinadora: - Antonio Carlos Vitte;
- Julio César Suzuki;
- Lindon Matias Fonseca.
Data da defesa: 29/08/2008
Programa de Pós-graduação em Geografia.
ii
DEDICATÓRIA
iv
AGRADECIMENTOS
v
estudante, Maria Helena Rigitano, agradeço os esclarecimentos indispensáveis ao
entendimento da prática de concatenar soluções teóricas e legislativas. Seus
ensinamentos, dentro e fora da academia foram uma experiência edificante.
Panini, Darlene, Reinaldo, Rose, Dona Alice, uno vocês todos num grande
abraço de agradecimento pela oportunidade de compartilhar uma parte da formação da
história de Bauru através de suas ações. O espírito inquieto dessas ilustres lideranças
fomenta e edifica no coração de tantos outros, a esperança de melhorar Bauru. A eles
não cabe a justificativa e o conformismo de que é “culpa do poder público” e graças ao
seu ímpeto ativo e à sua busca por melhorias na teoria e na prática, Bauru é mais
limpa, mais arborizada, mais humana, mais solidária, mais questionadora e lutadora.
Às crianças, em especial, as crianças do Jardim Nicéia, deixo minha especial
admiração pelo ímpeto criador e modificador. Em suas mãos o mundo ganha cores e
se torna brincadeira, e através de suas ações vislumbram-se possibilidades que os
adultos em geral, como eu, tem dificuldade de enxergar e fazer valer na prática. Em
suas mãos a erosão vira play-ground, o lago vira clube, o fundo de vale vira quadra, e a
alegria se contagia até mesmo por espaços considerados degradados. Se os adultos
como eu, passassem a enxergar o mundo com a criatividade, a inventividade e a
pureza de olhar que as crianças têm sobre o espaço, com certeza seria mais divertido e
feliz andar por estas ruas tão vazias de pessoas e tão cheias de carros, e por estes
fundos de vale tão abandonados e tão cheio de potencialidades. Agradeço às crianças
por me ajudarem a enxergar um mundo mais puro e com mais possibilidades e alegrias.
Acredito nas crianças como fonte inspiradora de solução à ação planejadora que deseja
se libertar de velhas amarras e posturas arraigadas.
Com especial carinho e de todo meu coração, dedico este trabalho à família, aos
meus filhos e ao meu marido querido, com os quais aprendo todo dia. O carinho e o
colo seguro que encontro em meio a eles, me dá o incentivo necessário para seguir em
frente. Esse trabalho é por vocês e sem vocês não faria sentido. Se hoje concluo essas
páginas é pela diferença que a minha família em minha vida. Em meus pais o apoio
sempre presente. Em meus sogros a dedicação. Aos parentes distantes, os votos de
confiança. A todos deixo um grande abraço de agradecimento. Mais uma vez obrigada.
vi
INDICE
2 OBJETIVO.......................................................................................................... 5
vii
7.2.4 Depósitos tecnogênicos: a solução de fachada
7.3 Grau de alteração da vegetação
7.4 O processo de urbanização de Bauru
7.5 Planejamento urbano durante a ditadura
7.5.1 A indústria que não atingiu o esperado
7.5.2 Movimentos sociais
7.5.3 Núcleos Habitacionais e processo de favelamento
7.5.4 A didática da lógica especulativa
7.6 Planejamento urbano durante o liberalismo econômico
7.6.1 O processo de verticalização
7.6.2 O processo de segregação: loteamentos fechados
viii
INDICE DE FIGURAS
Figura 5.1: Regiões administrativas e pólos regionais do Estado de São Paulo 1981-
1991 (adaptado de IBGE, 2006; BAENINGER, 2000)................................................... 36
Figura 7.1: Ilustração do índice de Vulnerabilidade Social do Município de Bauru com
destaque à localização do Jardim Nicéia (SEADE, 2000) ............................................. 56
Figura 7.2: Toposseqüência em arenito na Região de Bauru (adaptado de KERTZMAN;
DINIZ, 1995, p. 35) ........................................................................................................ 59
Figura 7.3: Mapa geomofológico e de sub-bacias do município de Bauru (PONÇANO,
1981 apud ALMEIDA FILHO, 2000, p. 37) .................................................................... 61
Figura 7.4: Situação da mata original no município de Bauru na cor laranja - campos de
altitude, encraves de cerrado, zonas de tensão ecológica, contatos (FUNDACÃO, 2006)
...................................................................................................................................... 76
Figura 7.5: Fragmentos de vegetação nativa no município de Bauru na cor verde
(FUNDACÃO, 2006) ...................................................................................................... 75
Figura 7.6: Ilustração dos conjuntos habitacionais (zonas leste, norte, oeste) e
loteamentos fechados (zona sul) (ALVES, 2001, p. 123). ............................................. 96
Figura 8.1: Loteamentos com data de aprovação na bacia hidrográfica do córrego da
Água Comprida (KLEIN et. al., 2005) .......................................................................... 107
Figura 8.2:Cabeceira de drenagem do córrego da Água Comprida ............................ 112
Figura 8.3:Clinografia da cabeceira do córrego da Água Comprida ............................ 112
Figura 8.4: Interferências que comprometeram as diretrizes do Plano Diretor de 1996,
com destaque aos condomínios verticais representados em laranja e cinza (adaptado
de ALVES, 2001)......................................................................................................... 116
Figura 8.5: Projeto da avenida entre os residenciais fechados instalados na cabeceira
margeando o córrego da Água Comprida (CORGHI et. al., 2006) .............................. 117
Figura 8.6: Disposição dos residenciais, do Jardim Nicéia e das erosões na cabeceira
da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida (CORGHI et.al., 2006) .............. 119
Figura 8.7: Configuração morfológica do Nicéia (modificado de ALVES, et. al, 2004)119
Figura 8.8: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para a ZEIS
onde se situa o Jardim Nicéia (BAURU, 2007 d)......................................................... 136
Figura 8.9: Cabeceira do Córrego da Água Comprida com destaque às ocupações
urbanas, erosões, antes das obras de correção, e nascente do córrego na cor azul
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005) ...................................................................................... 139
Figura 8.10:Ilustração da Carta Geotécnica com destaque para a voçoroca do Jd.
Colonial (CORGHI, 2005 adaptado de KLEIN et. al., 2005) ........................................ 139
Figura 8.11: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para as
Áreas de interesse ambiental na cabeceira do córrego da Água Comprida (BAURU,
2007 c) ........................................................................................................................ 149
Figura 8.12: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para os
Instrumentos urbanísticos na cabeceira do córrego da Água Comprida(BAURU, 2007 b)
.................................................................................................................................... 149
ix
INDICE DE FOTOS
Foto 7.1 e Foto 7.2: Erosões relacionadas à ocupação urbana (Cohab 16 e Cohab 25)
(ALMEIDA FILHO, 2000, p. 128, 156) ........................................................................... 67
Foto 7.3: Avenida Nações Unidas alagada na altura da Antártica (Fonte: JORNAL DA
CIDADE, 2005).............................................................................................................. 86
Foto 7.4: Carros no leito do córrego das flores canalizado em meio à avenida Nações
Unidas (Fonte: JORNAL DA CIDADE, 2005) ................................................................ 86
Foto 8.1: Obras realizadas pela Secretaria de Obras de Bauru, em meio aos
residenciais fechados na cabeceira do Córrego da Água Comprida, visando à
implantação futura da avenida (Fonte: F. N. CORGHI, 2005) ..................................... 117
Foto 8.2: Destaque para a diversidade de materiais presentes numa moradia (Fonte:
F.N. CORGHI, 2005) ................................................................................................... 120
Foto 8.3: Moradora levando materiais de construção para sua residência (Fonte: F.N.
CORGHI, 2005) ........................................................................................................... 120
Foto 8.4: Alguns barracos de madeira ainda resistem no bairro (Fonte: F.N. CORGHI,
2008) ........................................................................................................................... 122
Foto 8.5, Foto 8.6, Foto 8.7: Rural e urbano se misturam em meio ao Nicéia, onde é
comum se encontrar animais de grande porte (Fonte: F.N. CORGHI, 2007).............. 124
Foto 8.8: Infra-estrutura adquirida informalmente por esforços dos próprios moradores
do Nicéia (ALVES et. al., 2004, p. 6) ........................................................................... 127
Foto 8.9 e Foto 8.10 Lixo no antigo leito do córrego e um dos caminhos de
concentração de água pluvial afetado por processo erosivo (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
.................................................................................................................................... 127
Foto 8.11 e Foto 8.12: Destaque para a entrada e área de lazer de um dos loteamentos
fechados (Fonte: GSP, 2007) ...................................................................................... 129
Foto 8.13 e Foto 8.14: Muro que separa o residencial do Jardim Nicéia e sua entrada
principal (Fonte: F.N.CORGHI, 2007).......................................................................... 129
Foto 8.15: Uma das microáreas de lazer do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2008)
.................................................................................................................................... 130
Foto 8.16: Crianças no meio de uma rua do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
.................................................................................................................................... 130
Foto 8.17 e Foto 8.18: Área de lazer projetada informalmente para o bairro (CORGHI,
2005) é utilizada como retrato de parede na casa de Dona Alice, liderança no bairro
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005 ) ..................................................................................... 131
Foto 8.19: Assentamento em meio aos eucaliptos do Horto Florestal se apresenta
também como opção aos moradores do Jardim Nicéia (Fonte: F. N. CORGHI, 2008) 135
Foto 8.20 e Foto 8.21: Evolução da voçoroca do Residencial Chácara Odete e obras
paliativas como solução emergencial (Fonte: F. N. CORGHI, 2003, 2004)................. 141
Foto 8.22: Instalação dos dissipadores de energia em frente à Av: Antenor de Almeida,
de acordo com o projeto de contenção das erosões (Fonte: F. N. CORGHI, abr. 2004)
.................................................................................................................................... 141
Foto 8.23 e Foto 8.24: Obras de retificação do leito do córrego (parceria entre prefeitura
e particulares), onde o esgoto foi canalizado do lado direito da foto e a mina d´água foi
inicialmente represada e, depois drenada para se aterrar a voçoroca (Fonte: F. N.
CORGHI, 2005) ........................................................................................................... 141
x
Foto 8.25: A mina d’água represada virou área de lazer das crianças da região,
inclusive de bairros mais distantes da bacia, como o Redentor, Carolina e Geisel
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005) ...................................................................................... 142
Foto 8.26 e Foto 8.27: Assoreamento do canal e Incisões no terreno ao lado do
cachimbo nas obras da erosão do Chácara Odete (Fonte: CORGHI et. al., 2008) ..... 143
Foto 8.28, Foto 8.29 e Foto 8.30: Evolução da voçoroca do Jd. Colonial de 2002 a 2004
(Fonte: F. N. CORGHI)................................................................................................ 144
Foto 8.31 e Foto 8.32: Caminhões descarregando entulho na cabeceira da erosão do
Jd. Colonial e catadores de lixo próximos à tubulação de esgoto aberta (dez./2003) e
voçoroca já entulhada com camada de terra por cima dos entulhos (2005) (Fonte: F. N.
CORGHI) ..................................................................................................................... 144
Foto 8.33: Criança brincando nos taludes da erosão (Fonte: F. N. CORGHI, mar. 2004)
.................................................................................................................................... 145
Foto 8.34: Vista aérea da Floresta ameaçada (modificado de RODRIGUES, 2007).. 147
Foto 10.1: Diretrizes e apontamentos da população sendo feitos em reunião do Plano
Diretor diretamente sobre mapa do córrego da Água Comprida – setor 11(Fonte: F. N.
CORGHI, dez. 2005) ................................................................................................... 165
Foto 10.2: Reunião onde discute-se as diretrizes para a bacia hidrográfica do córrego
do Água Comprida (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005) ............................................... 166
Foto 10.3: Consolidação de um saber próprio dos munícipes sobre seu território
transcritos na forma de diretrizes urbanísticas (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005) ..... 166
Foto 10.4: Faixa pendurada na frente do Jardim Nicéia durante a tentativa de remoção
(Fonte: F.N. CORGHI, 2007) ....................................................................................... 168
INDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 7.1: Distribuição da população, segundo grupos do Índice Paulista de
Vulnerabilidade Social-IPVS/Estado de São Paulo e município de Bauru (SEADE, 2000)
.........................................................................................................................................56
Gráfico 7.2: Comparação dos dados anuais com a média do período de 1940-1997-
Posto D6-036 (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 85)................................................................58
Gráfico 7.3: Voçorocas na área urbana (ALMEIDA FILHO, 2000)..................................67
Gráfico 7.4: Produção de conjuntos habitacionais entre as décadas de 60 e 80 ..........94
Gráfico 7.5: Quantidade de edifícios entre as décadas de 40 e 90 .............................100
INDICE DE MAPAS
Mapa 7.1: Localização do município de Bauru no Estado de São Paulo e no Brasil......54
Mapa 8.1: Localização da bacia Hidrográfica do Córrego da Água Comprida no
município de Bauru .......................................................................................................103
Mapa 8.2: Mapa da Bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida com avenidas,
alguns bairros e rodovia................................................................................................104
Mapa 8.3: Mapa de compartimentos altimétricos do Córrego da Água Comprida com
destaque para área de estudo......................................................................................109
Mapa 8.4: Mapa clinográfico do córrego da Água Comprida com destaque para área de
estudo............................................................................................................................110
xi
INDICE DE TABELAS
xii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL
E DINÂMICA TERRITORIAL
RESUMO
Dissertação de mestrado
Fernanda Nascimento Corghi
xiii
denominada Jardim Nicéia, teve origem durante o governo militar (1964-1988), governo
que busca desenvolver o capitalismo, porém não investe em política social. O processo
de favelização surgiu como sintoma de parte dos migrantes que não tinha condição de
financiar uma casa pelo sistema de financiamento da habitação e invadiu áreas
institucionais. O Nicéia se enquadra neste processo e, atualmente se encontra em
contraste fronteiriço e temporal aos loteamentos fechados que surgiram depois da
década de 90, ligados às novas centralidades, cuja idealização se encontra no modelo
de cidade que surgiu a partir da intensificação da globalização. A relação centro
periferia muda. As novas periferias urbanas são formadas por condomínios,
loteamentos, shopping centers, e o Nicéia surge como resquício da ditadura em meio a
essa nova lógica processual. Para a constituição do presente projeto procurou-se
participar do processo de luta dos ativistas da bacia, observando, fornecendo dados, e
registrando sob a forma de entrevistas a atuação dos envolvidos. As alterações físicas
foram registradas sob a forma de fotografias. A cartografia se baseou em fotos aéreas e
mapas de altimetria, clinografia e geotecnia para analisar como o processo de
urbanização se desenvolveu no sítio urbano. A bibliografia permitiu contextualizar os
movimentos no processo de urbanização brasileira e compreender a luta pela
racionalidade socioambiental no mundo contemporâneo. Os movimentos sociais
estudados lutam por interesses, aquém da mera racionalidade econômica e graças a
eles, a mata que já poderia estar loteada, hoje continua preservada, e a ocupação
irregular em meio aos condomínios, que já poderia ter sido removida, encontra-se em
franco processo de usucapião especial. Os movimentos socioambientais se pautam nas
diretrizes do Plano Diretor Participativo e continuam dispostos a lutar pela
reapropriação social da natureza, mesmo sem a aprovação da Câmara Municipal.
xiv
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL
E DINÂMICA TERRITORIAL
ABSTRACT
Master degree dissertation
Fernanda Nascimento Corghi
This research is based on the hypothesis that production of urban space of Bauru
is product of complex relationship between characteristics of the natural environment
and antropical interactions in the urban area. Therefore this Project is linked with the
processes of territorial dispute which emerge from the unlike urban space in the origin of
the hydrographic basin of Água Comprida stream, on which it intends to analyze the
process of unequal formation, according to the logic of urbanization of the county and of
Brazil. Bauru is a sub-regional center of the State of São Paulo, and as such,
reproduces in its territory the type of segregational capitalistic production, which turns it
into a scenario of constant class struggles. The debates on urban reform are intensified
on the contemporary urban space, since the fortified residential areas and the
shantytown, as demonstration of the concentration of capital are an expression of the
logic of territorial division and of the (re)production of the complex social situation. The
study area is distinguish for its complex territorial fragmentation and a history of
environmental degradation, where a relative concentration of closed condominiums are
located in the midst of an unregulated low-income settlement and a remaining forest in
order to be parceling, in spite of the community’s disapproval. The illegal occupation,
xv
called as Jardim Nicéia, originated during the military government (1964-1988) that
seeks to develop capitalism, but does not invest in social policy. The “ghettoing” process
emerged as a symptom from the migrants who had no means of financing a house
through the housing finance system and invaded institutional areas. The Nicéia fits in
this process, and currently is in contrast both of terms of boundary and season with the
closed lotting areas which surged after the 90s, linked to the new centralities areas,
whose idealization is the model city that emerged from the intensification of
globalization. The center-periphery relationship changes. The new urban peripheries are
formed by condominiums, lots, shopping centers and the Nicéia appears as a remaining
of dictatorship period among this new logic procedural. For the constitution of this
project attempts were made to participate in the fighting process together with the
activists of the basin, observing, providing data, and forming interviews with the people
involved. The physical alterations were registered in the form of photography. The
cartography was based on aereal photos and maps of altitude, slope and geotecnics in
order to analyze how the urbanization process has developed in the urban area. The
bibliography has contextualized the movements in the process of Brazilian urbanization,
as well as the understanding of the struggle for socio-environmental rationality in the
contemporary world. The social movements studied have interest struggles, which are
mainly linked to economic rationality, and thanks to them, the forest which could have
been parceling, continues today preserved, and illegal occupation among the
condominiums, which might already have been removed, is a free process of Land
Ownership. The socio-environmental movements are guided in the regulations of the
Participative Master Plan and still willing to fight for social relocation of nature, even
without the approval of the city council municipal.
xvi
1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
1
agentes responsáveis pelo processo de urbanização do município e de se acompanhar
“in loco” os resultados positivos dessa integração.
Nosso foco de estudo se concentra sobre o território da cabeceira da bacia
hidrográfica do Córrego da Água Comprida, um território tão fragmentado que convivem
lado a lado, uma favela "meio" urbanizada, em processo de usucapião; três
condomínios residenciais fechados, dos quais dois foram os responsáveis por agravar o
processo de degradação do fundo de vale do córrego e um remanescente vegetal com
possibilidade de ser desmatado para a construção de mais um residencial, mas que
encontra a resistência da comunidade para se efetivar.
Desde que se deu a maior abertura política para a participação popular nas
diretrizes de planejamento do município de Bauru, as mudanças espaciais ocorridas no
território urbano da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida, comprovam que
as mudanças positivas correspondem aos anseios da população através de ativismos e
movimentos sociais pela reapropriação socioambiental na cabeceira do córrego.
Mudanças estas que foram monitoradas desde 2003 através de trabalhos de campo e
registros fotográficos e, atualmente, foram subsidiadas pelas diretrizes urbanísticas do
Plano Diretor Participativo.
No território estudado, encontra-se uma relativa concentração de condomínios
fechados em meio a um assentamento de baixa renda e a remanescentes florestais.
Apesar da ordem econômica geralmente se sobrepujar a qualquer racionalidade
ambiental, os movimentos que hoje emergem dessa fragmentação espacial lutam pela
racionalidade ambiental e são justamente contrários a essa tendência.
O movimento social pela Preservação da Floresta urbana do Córrego da Água
comprida quer a todo custo evitar a implantação de um empreendimento residencial na
área da mata e, para tanto, se utiliza dos mais diferentes meios de lutar pela causa,
tanto institucionais quanto estratégias de propaganda e de recursos tecnológicos. Uma
parte desse trabalho, inclusive subsidia uma das ações nas instâncias públicas.
O processo de usucapião coletivo especial do Jardim Nicéia, favela urbanizada
entre os residenciais fechados, e vizinha próxima a mata citada, atualmente se encontra
em instâncias superiores do judiciário. Após a aprovação do Estatuto da Cidade,
2
prefeitura e associações comunitárias ofereceram o respaldo necessário à comunidade
do “bairro” para a aquisição da titularidade da gleba onde se situa.
O contexto de origem desse assentamento irregular, conhecida por favela do
Nicéia, remete ao Brasil militar das décadas de 60 e 70, quando há um grande afluxo
de migrantes para as cidades em busca de oportunidades de emprego. Bauru como
pólo sub-regional polariza parte desse contingente, sem, contudo prover essa
população. Essa tendência da cidade industrial de economia planificada se liga aos
movimentos internacionais em torno do “consumo”, cujos reflexos são a proliferação de
favelas e migrações.
Os primeiros que chegaram ao Jardim Nicéia, em fins da década de 60, e
mesmo os que chegaram até meados da década de 90 viveram sob finas tábuas de
madeira, e materiais rústicos, sem infra-estrutura. As melhorias ao longo dos anos
foram sendo adquiridas informalmente, pela luta da própria população, que ao longo
dos anos conseguia trazer para o bairro o arruamento e os postes de iluminação, a
creche entre outras.
Mesmo assim, essa população não é a verdadeira dona da área. O risco de
perder a moradia motiva o sonho e a luta dos atuais moradores do Jardim Nicéia,
principalmente os mais antigos, pela posse do lote. A legislação do Estatuto da Cidade
fornece subsídios para que a população do Nicéia saia da posição de ocupação
“irregular” para se tornar a autêntica dona da área, regularizada juridicamente.
O movimento de preservação da mata nativa vizinha ao Jardim Nicéia conta com
a representação deste “bairro” também em sua luta contrária a urbanização da área da
mata próxima. Pelo histórico de implantação dos residenciais fechados próximos sabe-
se que a alteração do ecossistema local pode levar a feitos erosivos danosos. Desde
2003 essa área já contava com pequeno processo erosivo que após a implantação dos
residenciais fechados se ampliaram vertiginosamente, ocasionando grande arraste de
solo e agravamento do processo de assoreamento do córrego.
No período de 2003 a 2005 conduzia-se um projeto de iniciação científica sobre
essa problemática, que permite que atualmente se tenha um histórico de
desenvolvimento das erosões, tanto pelo trabalho de campo, quanto pela atuação
voluntária dentro dos órgãos competentes. Este trabalho, inclusive, subsidia ações dos
3
ativismos no sentido de fornecer também um histórico das conseqüências decorrentes
da urbanização.
A área, com potencial como área de lazer, já utilizada pela população da região,
contou com a intervenção da população local mais AGB (Associação dos Geógrafos
Brasileiros) para que a retificação das erosões fosse efetuada por particulares e poder
público de maneira diferente da habitual de se enterrar com entulhos e lixo as erosões.
Os mesmos agentes sociais que lutaram para que as erosões fossem corretamente
corrigidas se encontram atualmente solidários ao movimento de preservação da mata
próxima aos feitos erosivos, já que uma associação de bairros lidera o movimento
apoiada por ONGs e recursos de informação.
Já em fins de 2003 verificava-se a mobilização popular como única alternativa
para barrar o vício de administração pública para com o manejo das áreas degradadas
e até mesmo para com o processo de ocupação do solo urbano por vias legais, que
ainda não garantem que interesses socioambientais prevaleçam sobre interesses
particulares. As diretrizes do Plano Diretor Participativo pautam as ações dos
movimentos sociais do território estudado, mesmo sem terem sido aprovadas,
classificando as áreas do Jardim Nicéia e da mata nativa do córrego da Água
Comprida, respectivamente, como sendo de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) e
ARIE (Área de Relevante interesse ecológico).
Dada essa problemática e a possibilidade de se acompanhar os movimentos
socais que se levantam frente aos avanços burocráticos se procurou estudar o território
da cabeceira do córrego da Água Comprida através do histórico dos movimentos
sociais, de entrevistas, e profissionais dos órgãos públicos, profissionais liberais,
participantes dos movimentos sociais pela preservação da mata nativa e pela
regularização fundiária do Jardim Nicéia. A revisão bibliográfica forneceu subsídio para
se situar o processo de urbanização da área em relação às mudanças ocorridas em
Bauru e no Brasil. O fim desses ativismos ainda é incerto, porém o processo conta com
um verdadeiro resgate da cidadania por parte dos envolvidos.
4
2 OBJETIVO
5
d) caracterizar os agentes sociais e a tecnoburocracia envolvida na constituição
do atual Plano Diretor Participativo;
e) analisar a participação popular na constituição do Plano Diretor;
f) analisar as propostas geridas pela participação popular quando da constituição
do atual plano Diretor com especial destaque para a gestão da questão
ambiental urbana.
6
3 METODOLOGIA DE TRABALHO E EXECUÇÃO
Este trabalho vem sendo desenvolvido desde 2003 pela autora, quando era
bolsista de Iniciação Científica CNPQ, cujo objetivo visava a estabelecer uma
correlação entre as características do meio físico e as diretrizes urbanísticas da cidade
de Bauru. Com a finalização desta iniciação científica e durante o processo de
constituição do presente projeto, entramos em contato com os moradores da Bacia do
Córrego da Água Comprida e verificamos que os mesmos já questionavam algumas
propostas da Prefeitura Municipal.
Um dos questionamentos dos moradores que nos chamou à atenção foi o fato de
os mesmos estarem percebendo que na maioria dos casos, a intensificação dos
processos erosivos na Bacia do Córrego Água Comprida estava associada à
constituição de condomínios fechados que estavam ocupando os principais divisores de
água do referido córrego e, assim, os moradores passaram a questionar o poder
público sobre o processo de aprovação de empreendimentos procurando revertê-lo ao
ponto de lutar contra a implantação de outro loteamento no remanescente de mata
local.
Outro fato relevante é a obrigatoriedade pelo Estatuto da Cidade de as
municipalidades constituírem Planos Diretores, com participação não somente da
tecnoburocracia das prefeituras, mas também com a participação da população e de
entidades da sociedade civil local, com audiências públicas.
A partir destas situações, Iniciação Científica, movimento espontâneo dos
moradores do Córrego Água Comprida e obrigatoriedade do Plano Diretor, passamos a
constituir o núcleo da problemática de nosso mestrado e conjuntamente a este
processo passamos a atuar na transmissão de informações acadêmicas, como por
exemplo, a noção de processo erosivo, qualidade geotécnica dos solos, projeto de
urbanização, o significado dos loteamentos fechados e a importância da bacia
hidrográfica na qualidade ambiental urbana para os moradores.
Isto na forma de cursos rápidos ou mesmo em conversas informais com os
líderes da comunidade e agentes da Prefeitura. Em outras palavras atuamos como
“assessoria” informal da comunidade, munindo-a de instrumentos técnicos e
7
procurando resgatar e chamar à atenção dos moradores para as suas próprias
experiências, fossem elas individuais ou coletivas, visando com isto à constituição e
solidificação de um “saber”, que permitisse aos moradores não somente questionar
certas posições oficiais do corpo tecnocrático da prefeitura de Bauru referente ao Plano
Diretor, mas também formular uma proposta alternativa àquelas. Uma parte dos
estudos formulados subsidiou ações de preservação da mata num dos órgãos
deliberativos do município, o CONDEMA.
8
3.2 As entrevistas
9
Ainda conforme este autor, se optou por registrar o andamento das entrevistas
num caderno de campo logo após a rotina de trabalho. Portanto, o que vem a público é
um texto trabalhado pelo narrador, no qual se mantém o sentido intencional dado ao
conteúdo das palavras do entrevistado, e não necessariamente à transcrição perfeita de
palavras, por vezes carregadas de vícios de linguagem, erros de gramática e palavras
repetidas. Por isso, verificar-se-á ao longo da dissertação, um texto de predominância
do narrador. Determinou-se por utilizar a aplicação da teoria da amostragem no caso
das entrevistas realizadas no Jardim Nicéia, pela necessidade de confirmação das
seguintes hipóteses e questionamentos:
10
3.3 A cartografia
12
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
13
4.1 Valor de uso e valor de troca do solo urbano
A diferença entre valor de uso e valor de troca (SMITH apud HARVEY, 2006, p.
13, et. seq.) é um dos pontos de partida da economia política e de tributação ricardiana
assim como para o Capital (Marx). Harvey explica que para Marx as mercadorias têm
duplo valor, o de uso quando se destina a um uso particular e o de troca quando possui
uma relação dialética em relação a outras mercadorias.
Para Marx os aspectos da alienação universal presentes na mercadoria são
expressão das inúmeras relações sociais da qual ela é produzida e consumida, portanto
não se trata de dois conceitos separados e fixos. O método marxista coloca o solo em
relação dialética aos estudos geográficos e sociológicos, por constituir uma ponte entre
as abordagens espaciais e econômicas (dos problemas do uso do solo) (HARVEY,
1980, p. 134-5).
A sociedade urbana tem uma lógica diferente da lógica de mercadoria. O mundo
da mercadoria tem sua lógica imanente, a do dinheiro e do valor de troca generalizado
sem limites. O urbano se baseia no valor de uso e nos atos que se desenrolam no
tempo, tornando o espaço altamente significante. O processo industrialização-
urbanização, concebido numa relação dialética, tende a destruir a cidade e a realidade
urbana, ao subordiná-la a uma virtual predominância do valor de troca e da
generalização da mercadoria pela industrialização (HARVEY, ibid.; LEFEBVRE; 2001,
p. 82).
A troca e a equivalência reduzem a simultaneidade e os encontros ao mercado, à
racionalidade economicista e produtivista, cujo conteúdo ideológico está ligado ao da
produção industrial e do mercado de produtos. Uma racionalidade que nada tem de
inofensivo. É a partir do processo industrialização-urbanização que se situa a atual
problemática da cidade e da realidade urbana (do urbano) (HARVEY, 1980, p. 134-5).
O capitalismo transforma o espaço em mercadoria. Nesse sentido o volume de
investimentos fixado no território determina o valor do espaço e, este passa a interessar
segundo sua favorabilidade frente ao fluxo de mercadorias. “Sendo o capitalismo um
agente essencialmente desnaturalizador da relação homem-natureza, (...) o capital
tenderá mais à quantidade de valor de trabalho morto agregado ao solo, do que,
propriamente, pelas condições naturais dos lugares” (MORAES; COSTA; 1984, p. 163).
14
Harvey (op.cit.) ressalta seis aspectos que colocam o solo e suas benfeitorias como
mercadoria na economia capitalista:
15
4.2 A influência do fordismo no novo tipo de sociedade
4.2.1 Keynesianismo
17
atividades mais excitantes. Por isso a intervenção Estatal global e limitada era
justificada como forma de assegurar o equilíbrio harmonioso do sistema.
Os seus antecessores economistas clássicos e neoclássicos acreditavam numa
“mão invisível” reguladora do mercado, onde qualquer nível de produção sempre teria
assegurado o seu escoamento. As crises e desempregos resultariam de fatores
externos, como a intervenção estatal e a pressão dos trabalhadores pelo aumento dos
salários. A lei de Say, parte dessa “teoria clássica econômica” por acreditar que “toda a
oferta cria a sua própria procura” viu seu fim justamente com a superprodução pela
falta de compradores e de emprego. As inovações de Keynes segundo Defauld (1977,
p.14) e Camargo (2005, p. 80-2) são:
18
A função objeticva do keynesianismo, na interpretação da corrente marxista;
encontra-se assim confirmada. A teoria keynesiana, sem que o seu autor tenha
disso verdadeira consciência, veio justificar uma intervenção generalizada do
Estado que permite diferir temporariamente a crise generalizada do
capitalismo. O intervencionismo keynesiano é assim a ideologia de referência
do ‘capitalismo monopolista de Estado’ como haveria de testemunhar o seu
sucesso nos períodos de crise, nos quais nunca o processo de acumulação foi
tão intenso, e a sua adopção pelos governos democratas no poder dos
Estados Unidos, explicitamente apoiados pelas grandes indústrias (...). Todavia
como foi frisado por H. Denis, o ‘nacionalismo econômico’ de Keynes (...) são a
negação do ‘problema do imperialismo’ e da questão do subdesenvolvimento
do Terceiro Mundo, caracteres, todavia, fundamentais do capitalismo
contemporâneo (DEFAULD, 1977, p.135).
19
da organização industrial apoiados pela exigência da grande empresa impõe um
funcionalismo simplificador onde contextos sociais transbordam do urbano. Com o
pretexto da organização as “zonas “ e “áreas “ reduzem a cidade a uma justaposição de
espaços, de funções elementos práticos, subordinados aos centros de decisão. A
homogeneidade predomina sobre as diferenças provenientes da natureza, do meio
camponês da história. É inútil procurar racionalmente a diversidade.
A gestão centralizada das “coisas“ e da “cultura” onde são tomados os centros
de decisão ideológicos, econômicos e políticos olham com desconfiança a cidade como
forma social que tende para a autonomia, e passa a ser entendida como mera
interposição entre ele e o operário. Dessa situação nasce a tendência para a destruição
da cidade para a intensificação da problemática urbana.
O “urbano” contém o sentido da produção industrial no sentido da dominação
técnica sobre a natureza. A própria produção industrial implica a urbanização da
sociedade e exige conhecimentos específicos da urbanização, que se mantém numa
ordem planificada e programada. O fetichismo pelo programa trás uma racionalidade
que nada tem de inofensivo, garantida pelas instituições, onde o urbano cada vez mais
se torna uma estratégia distante do seu conceito fundamental como realização efetiva
da sociedade enquanto prática sensível de intensificação da vida urbana (LEFEBVRE,
2001, p. 82-3).
20
fim de 73 como propulsor da expansão pós-guerra sendo seu tripé o trabalho
sindicalizado, os benefícios do consumo e da produção de massa e o aumento dos
padrões materiais com o surgimento de ambientes estáveis para os lucros corporativos.
Apesar dos ganhos de estabilidade financeira e material para o mundo, os
problemas do fordismo se intensificam de 1965 a 1973 pela sua incapacidade em lidar
com as contradições do capitalismo. Nem todos eram atingidos pelos benefícios
fordianos, principalmente as mulheres e os que apresentavam diferenças étnicas. O
descontentamento dos excluídos das alegrias do consumo em massa eclodem,
principalmente na década de 60, em movimentos de libertação nacional em certas
nações que tem a destruição das economias locais pela opressão cultural em troca do
aumento do padrão de vida e aumento dos serviços públicos
A rigidez dos instrumentos do capital fixo de larga escala, de longo prazo e dos
sistemas de produção em massa impedem a flexibilidade de planejamento. Toda
tentativa de superar esses problemas encontrava resistência da própria classe
trabalhadora. Os sindicatos são acusados de perda do ideal democrático e de entrave
às tentativas de superar os problemas de rigidez (HARVEY, 2006, p.133-4).
O ímpeto da expansão pós-guerra leva a um excesso de fundos e, com a
escassez de áreas produtivas, dispara-se uma crise mundial pela forte inflação. A
recessão é exacerbada pelo choque do petróleo gerando entre as décadas de 70 e 80
uma reestruturação da economia marcada pela transição da acumulação rigidez
fordista para a acumulação flexível.
Nesse aspecto, a competição internacional se intensifica a medida que Europa
Ocidental e Japão já recuperados desafiam a hegemonia dos EUA, sendo seguidos por
uma gama de países recém industrializados do terceiro mundo, nos quais passa a
ocorrer a migração de multinacionais, como sudeste Asiático e América Latina,
movimento denominado de “fordismo periférico” (HARVEY, 2006, p.134-141, 174). As
corporações dos EUA se vêem com muita capacidade ociosa em condição de
intensificação de competição, levando a dispersão para zonas de controle mais fáceis.
Assim, surgem novos focos de acumulação flexível em regiões sem tradição
industrial, onde os contratos de trabalho são fracamente respeitados ou inexistentes.
Os patrões são os primeiros a tirar proveito do enfraquecimento do poder sindical e da
21
grande quantidade de mão-de-obra excedente, proporcionando a substituição do
trabalho regular pelo temporário ou sub-contratado, voltados para as necessidades
específicas das empresas.
Mulheres, negros e minorias étnicas adquirem relativa paridade de trabalho,
antes de predominância masculina branca, porém com ressalvas quanto à exploração
da mão-de-obra feminina, a baixa remuneração e a falta de segurança no trabalho. As
cooperativas patriarcais ressurgem em meio a novas práticas, como o comércio ilegal,
enquanto os trabalhadores do grupo central de empresas, geralmente do outro lado do
Atlântico gozam de estabilidade e segurança de emprego (HARVEY, 2006, p.143-6).
Novas técnicas e formas organizacionais de produção põem em risco os
negócios de organização tradicional, ameaçando até as corporações mais poderosas.
As próprias empresas fordistas correm atrás das novas tecnologias, movimento
denominado por alguns de “neofordismo”.
A tensão sempre existente no capitalismo entre monopólio, competição,
centralização e descentralização de poder se manifesta de modos novos. O capitalismo
mostra-se cada vez mais organizado através da dispersão e da mobilidade geográfica,
das respostas flexíveis dos mercados de trabalho e de consumo. As informações agora
são uma mercadoria muito valorizada, pois a análise instantânea de dados se mostra
essencial à coordenação de interesses corporativos descentralizados.
O conjunto das novas tecnologias implica o surgimento de novos modelos
tecnológicos, como os setores de microeletrônica e telecomunicações. As
transformações ocorrem em todos os meios de organização do processo reprodutivo
demandando mudanças profundas nos hábitos e costumes, principalmente de consumo
(PONTES, 2006, p. 329-330). Por isso o controle do fluxo de informações e dos
veículos de propagação do gosto e da cultura populares também se converte em arma
vital na batalha competitiva:
22
A formação de um mercado global significa a criação de um único mercado
mundial de dinheiro e de crédito, onde a estrutura desse sistema financeiro global
alcança tal grau de complexidade que as fronteiras entre bancos, corretoras, e
instituições de serviços financeiros se faz com tamanha fluidez que parece desprezar
as restrições de espaço tempo:
23
contradições internas por meio da produção do espaço1, onde para se compreender a
diferença entre a cidade pré-industrial e a que se desenvolve a partir da industrialização
e do desenvolvimento do modo capitalista de produção torna-se necessário distinguir
um marco de oposição entre o valor de uso e o valor de troca, ou seja, a cidade pela
vida urbana e pelo tempo urbano e, os espaços como produtos consumíveis
(LEFEBVRE, 1972, apud SPOSITO, 2004, p. 38).
Neste processo de sucessivas formas organizativas do capitalismo mundial, a
transformação do colonialismo ao imperialismo, do fordismo à acumulação flexível, do
moderno ao pós-moderno, deixa claro na atual transformação do espaço a superação
da dependência fordista por espaços para sediar grandes unidades produtivas
(RODRIGUES, 1998, p. 68-9). O ritmo acelerado das alterações tecnológicas,
organizacionais e territoriais surgidas em fins do século XX com a Terceira Revolução
Industrial impõe rupturas em todos os espaços-tempo e uma série de contradições ao
movimento geral da sociedade (SPOSITO, 2004, p. 12-7).
Os significados do espaço e do tempo mudam com a transição do fordismo para
a acumulação flexível, com cada vez mais valorização da escala temporal. Em sua
análise do pós-modernismo, Harvey situa este movimento como um processo de
ruptura com a idéia modernista de planejamento e desenvolvimento de larga escala e
explicita o projeto urbano pós-modernista como parte de um:
1
O espaço condiciona as próprias relações sociais e o exercício de poder, portanto espaço e dinâmica
política são indissociáveis, tanto no sentido das relações instantâneas de poder existentes na sociedade,
quanto no questionamento das instituições e nomes, estabelecidos na base do conflito e do negócio
(SOUZA, 2006, p.318, 334-5).
24
estabelecer. Essa cidade pós-moderna, difusa e fragmentada faz relação com a função
que ocupa nos sistemas urbanos nacionais e internacionais, do ponto de vista político,
econômico ou cultural, posição de vanguarda ou de centralidade (UEDA, 2006, p. 237).
As teorias e conceitos teóricos que fundamentaram a compreensão da
concentração urbana do século XX não mais subsidiam as novas formas de produção do
espaço urbano, que necessitam de uma análise que contemple as escalas intra e
interurbanas (aqui entendidas respectivamente como, escala de estruturação interna das
cidades, e de estudo das relações entre as cidades) acompanhando a escala dos
investimentos que não mais se limitam aos mercados locais ou unicamente a essas
áreas urbanas (SPOSITO, 2004, p. 12-7).
O espaço do atual momento histórico compreende todos os espaços do mundo,
a paisagem mundial é a da produção espacial capitalista. O que se busca são
“vantagens comparativas” num único sistema, o que cria a ilusão de integração. Nas
palavras de Octavio Ianni (1995, p.89 apud RODRIGUES, 1998, p. 69) encontra-se
explicação para a contradição existente neste processo:
A cidade antes das relações fabris do século XIX se configura num organismo
relativamente autônomo. A maneira pela qual se dá a sua inserção geográfica em
relação a sua região repercute na maneira pela qual ela cumpre certo papel econômico
no curso da história, geralmente artesanal.
Rochefort (1998, p. 17) afirma que a implantação das fábricas gera a
necessidade de ampliar o mercado consumidor para além das fronteiras do local de
produção e é com essa polarização das atividades econômicas a partir das grandes
25
cidades que começa a surgir uma verdadeira rede urbana regional, que se torna base
da geografia urbana da cidade do século XX.
A noção de rede urbana começaria a se assentar na análise das zonas de
influência das cidades grandes e médias, que constituiriam os dois primeiros escalões
de hierarquia para o conhecimento da organização urbana da região como um todo. Daí
advém o princípio de que uma organização racional deveria dominar as particularidades
individuais de cada aglomeração com o intuito de adaptá-la às novas perspectivas da
economia regional (ROCHEFORT, 1998, p. 54 et. seq.).
A necessidade crescente de organizar esse espaço e prever a sua expansão
leva a necessidade de planejar o território. Essa organização racional do espaço
provém das necessidades de expansão das cidades e deve se efetuar numa concepção
global, já que a organização espacial dos serviços, principalmente industriais, modifica
o conjunto de toda a sociedade.
O problema dessa organização é racionalizar o desenvolvimento e organizar a
localização e o funcionamento das atividades, donde a cidade grande por cumprir um
papel primordial de centro regional deve dispor de um centro comercial de fácil acesso.
Podem-se deixar as coisas por si só e corrigir seus efeitos desastrosos ou agir de
antemão na busca pelo espaço que se almeja no futuro, de forma a se prever a
escassez de equipamentos urbanos, moradias, água, espaço, etc.
Com as mudanças do sistema capitalista no século XX, para se compreender a
cidade é necessário ultrapassar o âmbito da rede urbana regional e entender os laços
que a subordinam a uma unidade econômica mais vasta. Os bancos regionais cedem
lugar aos nacionais, as empresas industriais abrem suas portas aos capitais exteriores,
e parte da riqueza regional é investida em outras regiões (ROCHEFORT, 1998, p. 18).
Como resultado dessa apresentação da organização setorial, convém refletir
sobre a organização e desenvolvimento de grandes cidades numa concepção global
que abarque uma política combinada de organização do espaço regional, já que ele
permite abrir campo para as perspectivas de uma reorganização global.
26
4.5.2 O planejamento urbano como desenvolvimento econômico
27
imobiliários passou a ser ela própria um sinal de desenvolvimento urbano (SOUZA,
1998, p.11).
O planejamento comandado pelo Estado foi encarado como pivô dessa
modernização excludente e contraditória. E ao mesmo tempo em que se tinha a
concentração espacial de privilégios, outras deformidades do espaço urbano passaram
a incrementar a exclusão social, como a segregação residencial e a geração de vazios
urbanos, especialmente em cidades do Terceiro mundo.
Lefebvre (1981 apud SOUZA, 1998, p.12) esclarece que o espaço tornou-se ele
próprio uma força produtiva das mais estratégicas ao longo da evolução do capitalismo,
sendo perfeitamente compreensível que a noção de desenvolvimento urbano se
apresentasse como uma apoteose da modernização tecnológica da sociedade em
sentido capitalista.
Por isso, nada mais comum do que se ouvirem alusões ao “desenvolvimento
urbano” como o propósito do crescimento de uma cidade ou da modernização do
espaço urbano, sobretudo relacionado à verticalização, à expansão territorial e à
realização de obras viárias, sem que isso signifique uma maior justiça social para o
maior número de pessoas ou um desenvolvimento social autêntico (SOUZA, 1998, p.8).
28
5 URBANIZAÇÃO DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA BRASILEIRO
2
O Programa de Metas desenvolvido do governo Juscelino Kubitshek, que governou de 1956 a 1961,
fixa metas de cinco anos para setores básicos da economia, com o objetivo de intensificar o ritmo de
industrialização do país e construir a nova capital federal, Brasília. Cinco grandes áreas foram cobertas:
energia, transporte, alimentação, indústrias básicas e educação, esta última, em especial, voltada a
formação de técnicos (BAER, 1983, p. 56 apud ALCOFORADO, 2005, p. 128)
29
que tentavam ir contra esse excessivo centralismo conhecem as duras táticas de
repressão militar, sob o pretexto de garantir a “segurança nacional” (BECKER; EGLER,
1993, p. 124-148).
O projeto “Brasil-Potência” (1967–1974) já tinha a intenção de transformar a
economia brasileira numa das maiores potências econômicas mundiais e com o
desenvolvimento dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, o governo militar
consolida o projeto de industrializar o território nacional e modernizar o país para
acelerar o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, o que resultou, porém, numa
modernização conservadora, sob forte endividamento externo e emersão no país no
sistema mundo como semi-periferia (BECKER; EGLER, 1993).
(...) o termo industrialização não pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito,
isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua mais
ampla significação, como processo social complexo, que tanto influi na
formação de um mercado nacional, quanto nos esforços de equipamentos do
território para torná-lo integrado, como a expansão do consumo em formas
diversas, o que impulsiona a vida de relações (leia-se terceirização) e ativa o
processo de urbanização (SANTOS, 1993 apud LOSNAK, 2004, p. 121).
3
Malha programada foi uma estratégia promovida pelo governo militar de integrar o território visando à
promoção de uma expansão capitalista moderna, segundo o movimento de valorização articulado a
indústrias e serviços. A malha governamental, sob rígido controle técnico e político, envolveu o território
como um todo e atuou sobre todos os tipos de redes - comunicação, transporte, viária , urbana, etc - e
criou novos territórios superpostos à divisão política administrativa vigente, que seriam geridos por
instituições estatais para as quais seriam canalizados os investimentos. Os efeitos da “malha” são mais
30
investimentos para si. Os órgãos de planejamento setorial sucumbem às diretrizes
dessa ordem imposta e ampliada em várias escalas e redes: viária, de comunicação,
bancária, institucional, etc.
A estratégia espacial aplicada principalmente durante o II PND aparece no
planejamento oficial com a criação da Comissão Nacional para o Desenvolvimento
Urbano (CNDU), desdobramento da antiga Comissão Nacional de Política Urbana
(CNPU) criada no governo Geisel durante o I PND. Com ela implanta-se o programa
cidades médias, cuja estratégia governamental consiste em transferir a escala macro
regional para a sub-regional através de pólos de crescimento responsáveis por interligar
os circuitos nacionais e internacionais aos fluxos financeiros e de mercadorias (REIS,
FILHO, 1996).
O Brasil se transforma em um país urbano em poucas décadas pelo elevado
crescimento urbano, porém esse crescimento econômico se sustenta por uma
esmagadora maioria de mão-de-obra barata. Uma crescente pobreza dependente da
economia informal sustenta o crescimento metropolitano, onde as estruturas
econômicas formais se complementam (BECKER; EGLER, 1993).
31
Como conseqüência os camponeses se vêem a mercê da exploração associada ao
paradoxo da concentração de terra (BECKER; EGLER, ibid., p. 138).
32
A partir desse momento nasce a “ciranda financeira”: dívida externa, dívida
interna, déficit público, emissão de títulos públicos e nova ampliação da dívida interna, o
que viria a provocar o descontrole inflacionário. O Estado autoritário amplia a cooptação
e a corrupção, defendendo prioritariamente os interesses privados, setoriais e regionais
(CANO, 1993, p. 20).
(...) a partir de 1974 aparece a idéia de promover ações que visariam antes
frear o crescimento das grandes cidades do que corrigir as conseqüências
sobre o seu espaço, num esforço geral para repensar a reorganização do
território e para considerar certo número de condições que permitiriam a
interiorização do desenvolvimento. Foi assim que nasceu o programa dito
“programa das cidades médias”, visando dar a algumas delas condições de
desenvolvimento que lhes permitissem desempenhar (...) um papel mais
importante no conjunto do sistema urbano brasileiro (ROCHEFORT, 1998, p.
95).
33
serviços de saúde, educação e transporte. O terceiro setor de intervenção é o
“informal”, com o intuito de aumentar o emprego. Isso representa um aspecto original
do programa, visto que as medidas específicas para a melhoria da pequena produção
dos bens e serviços são quase sempre sistematicamente esquecidas no
estabelecimento das políticas urbanas (ROCHEFORT, 1998, p. 99).
Esses principais objetivos, absolutamente corretos, definidos nos PNDU, porém,
foram negados pela prática e as reais conseqüências se mostraram antagônicas a
todos eles. Com o aumento da concentração de renda, retrocede o índice de geração
de empregos. As áreas que mais crescem são as de maior contenção populacional, os
custos de infra-estrutura se elevam e os investimentos se reduzem. Um dos motivos foi
a visão muito simplista sobre a estruturação de cidades na rede urbana, que culminou
numa modernização do processo produtivo limitada a alguns setores e em pontos
específicos do território. As migrações internas aumentam em direção a esses centros,
levando as cidades médias e os centros urbanos de grande porte a atingirem seu
saturamento (REIS FILHO, 1996, p. 142-3).
Os PNDs não estabelecem uma política territorial e populacional para orientar a
distribuição da população no território, face ao desenvolvimento tecnológico e, “admitir
um acréscimo de 70 a 80 milhões de novos habitantes urbanos, em apenas duas
décadas, sem uma profunda alteração no sistema de planejamento, é caminhar para o
caos”.O programa deveria ter fortalecido o sistema urbano regional para fortalecer a
economia de cada setor e região com a escolha das cidades prioritárias, ao invés de
tentar subverter de uma maneira muito simplista a atual dependência das cidades
médias em relação aos grandes pólos do Sudeste. O programa como um todo mostra-
se dissociado da política econômica do país, a exemplo da escolha das cidades para
implantação do BNH. As cidades médias se vêem agora com problemas extremamente
graves para os planejadores, a urbanização acelerada, a concentração crescente e o
agravamento das desigualdades (REIS FILHO, op. cit.).
34
5.1.3 Desconcentração industrial
Escala
Figura 5.1: Regiões administrativas e pólos regionais do Estado de São Paulo 1981-
1991 (adaptado de IBGE, 2006; BAENINGER, 2000)
36
da casa própria, a saída, tanto em relação às necessidades de reestruturação
produtiva, quanto de suprimento da demanda habitacional nacional.
A situação interna do país, porém, era incompatível à dimensão desse plano,
dada nossa fragilidade financeira público e privada (CANO, 1993, p. 17-20). Para que
fosse possível sua implantação, o novo regime escolheu os salários dos trabalhadores
como vítima (GUIMARÃES, 1990, p. 56-7 apud CAMARGO, 2005, p. 73).
37
38
sucedidas com a habitação de baixo custo, o Banco Nacional da Habitação reorienta
seus investimentos para os mercados de maior poder aquisitivo, mais claramente a
partir de 1969” (MARICATO, 1979, p. 85 apud CAMARGO, 2005, p. 92).
A própria Constituição de 1969 estabelece a produção de habitação como
atividade econômica de competência da iniciativa privada, cabendo ao Estado o papel
de atuar de forma complementar em relação à essa primazia capitalista.
39
As metas nacionais abstratas pela expansão urbana programada e a quase
nenhuma participação da população cria imensas dificuldades de base. As cidades são
necessárias às políticas econômicas, mas se deixa aos agentes informais a tarefa da
produção do espaço urbano. Assim, o contingente populacional que chega às cidades
conta com sua força de trabalho como recurso principal, já que não dispõe de capital.
Essa população não constitui mercado para a produção de habitações através de
relações essencialmente capitalistas, portanto ela não afeta o processo de acumulação
de capital do Brasil baseado na abundante oferta de mão-de-obra barata e de fácil
renovação.
A grande concentração de renda e o intenso fluxo migratório interno ficaram
aquém da reforma política habitacional demagógica, implantada para minorar o
problema. A maior parte da população acabou por morar em favelas, periferias,
cortiços, debaixo de viadutos, ou sendo expulsa para locais distantes dos seus locais
de trabalho, em loteamentos clandestinos ou irregulares, ao mesmo tempo em que a
especulação imobiliária verticaliza as áreas centrais urbanizadas.
A ausência do Estado, junto à maior parte da população de renda mais baixa,
define a ilegalidade da política da habitação e sua dualidade, uma produção tipicamente
capitalista e a outra de subsistência, que se configura no espaço da miséria. O
problema da produção de moradia é deixado por conta do indivíduo, já que as reformas
do governo de 1964 seriam maiores do que os recursos para resolvê-las.
40
Assim, o Brasil ingressa na modernidade pela via autoritária, pelo projeto
geopolítico do Brasil-potência. A economia alcança a posição de oitavo PIB do mundo,
o parque industrial atinge elevado grau de complexibilidade e diversificação, a
agricultura apresenta indicadores flagrantes de tecnificação e dinamismo, e uma
extensa rede de serviços interliga a quase totalidade do território nacional (BECKER,
EGLER,1993, p. 169).
Os núcleos urbanos são a sede das novas instituições, da circulação de bens,
capital e informações e também o lugar onde a força de trabalho, expulsa pela
modernização agrícola, reside, circula e se ressocializa. A pobreza constitui um entrave
à maior expansão das grandes empresas, mas permite a proliferação de fabricação
menos capitalizada e criadora de emprego. O mercado unifica a economia urbana e,
quanto maior a cidade, maior a possibilidade de multiplicação das atividades informais.
Explica-se a expansão do emprego mal remunerado e das metrópoles como local da
crise urbana, das carências sociais se manifestando em movimentos de “posseiros,
invasões dos sem-teto e loteamentos clandestinos, ao contrário do que ocorre nas
economias centrais. No Brasil a periferia cresce com a indústria e a migração de baixa
renda. O lugar da pobreza torna-se invariavelmente o lugar da riqueza (BECKER,
EGLER,1993).
Nas metrópoles tem-se os problemas de gestão complexa comum às grandes
aglomerações urbanas que se repartem entre as distintas administrações locais, bem
como os problemas específicos das cidades de economia periféricas (redes) resultando
em elevado potencial de conflitos reivindicatórios de direito á cidadania, as grandes
aglomerações se tornam palco da luta pela redemocratização da sociedade e pela
preservação do parque industrial nacional. A modernização conservadora moderniza o
aparelho tecnológico e de distribuição das redes, mas a estrutura social continua a
mesma, com a maior parte servindo de mão de obra barata e não se beneficiando das
próprias benesses da modernização que propulsiona. Ao contrário do que percebe nas
metrópoles dos países centralizados, São Paulo é formada á partir da exclusão. Ao
mesmo tempo em que tem-se a difusão do capital, da indústria e do emprego, se tem
favelas, marginalização, periferização e outros efeitos demográficos que refletem a
nossa conservadora instituição social modernizadora (BECKER, EGLER,1993).
41
6 URBANIZAÇÃO BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 80 E 90
42
Encontra-se, assim, mesmo em pequenos núcleos urbanos, bem como no meio
rural, uma parcela da população residente totalmente integrada, através de circuitos de
produção, de comunicações e transportes, ao mais avançado padrão de consumo
ofertado pelos grandes centros, ao mesmo tempo em que, nos grandes e médios
centros, existem significativos contingentes e geração de renda. Verifica-se, uma
expressão nova do atual ciclo da acumulação, que produz uma face moderna e de alta
renda e complexidade, e outra de características opostas. O novo desenho dos
mercados reflete uma reconversão industrial pós-fordista com maior flexibilidade,
automação e terceirização, onde a grande planta industrial perde sua razão. Os novos
recortes territoriais se dão através da reestruturação dos investimentos aos chamados
eixos de desenvolvimento influenciados ou por ou áreas polarizadoras ou pelo tipo de
articulação e integração existentes entre os centros urbanos hierárquicos
(CARACTERIZAÇÃO, 2001, p. 54).
45
A ordem centro-periferia é redefinida pela criação de “ilhas” de classe média
incrustadas na periferia, antes normalmente formada por conjuntos habitacionais, frutos
da autoconstrução e precariedade dos meios de consumo coletivo das décadas de
1950 e 1960 (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996, p. 28–9; SPOSITO, 2006, p. 181). Sob esse
ponto de vista, se tem uma cidade fragmentada, que não se relaciona entre si, seja pela
presença de vazios urbanos, seja pelos muros segregadores dos residenciais fechados.
46
6.1.2 Loteamentos fechados: a expansão da ilegalidade
47
Diferentemente do loteamento fechado, o condomínio está previsto na Lei
Federal nº 4591/64. Nesta modalidade não se tem a obrigação legal de transferir
espaços ao Poder Público. O aproveitamento do espaço de uma gleba é condominal,
cada titular é proprietário de uma unidade de casa ou sobrado seguindo o mesmo
princípio jurídico. Não é permitido dissociar a unidade do conjunto condominal e
tampouco apropriar-se das partes de uso comum.
O incorporador comercializa unidades e os próprios condôminos são donos de
uma fração ideal do terreno, com domínio sobre as áreas comuns, conforme o Art. 1º
desta lei: “As edificações ou conjunto de edificações [...] sob a forma de unidades
isoladas [...] constituirá, cada unidade, propriedade autônoma, sujeita às limitações
desta lei”. As matrículas no Cartório de Registro de Imóveis são abertas em função da
edificação que está vinculada ao terreno e coisas de uso comum. Abaixo uma tabela
explicativa para efeito de diferenciação entre loteamento (lei nº 6766/79) e condomínio
de casas ou sobrados (lei nº 4591/64), lembrando-se que loteamento fechado não
existe do ponto de vista jurídico, vide Tabela 6.1.
Loteamento Condomínio
As vias e logradouros passam a ser do As ruas e praças, jardins e áreas livres
condomínio público, podendo ser continuam de propriedade dos
utilizados por qualquer do povo, sem condôminos, que delas se utilizarão
nenhuma restrição a não ser aquelas conforme estabelecerem em convenção
impostas pelo próprio município.
Cada lote tem acesso direto à via Os lotes têm acesso ao sistema viário do
pública. projeto condomínio, que, por sua vez,
alcançara a via pública.
A gleba loteada perde sua A gleba inicial perde a sua
individualidade, deixa de existir para dar caracterização; ela continua a existir
nascimento aos vários lotes, como como um todo, pois o seu aproveitamento
unidades autônomas destinadas a é feito também como um todo, integrado
edificação. por lotes de utilização privativa e área de
uso comum.
FONTE: Freitas, 2000, p. 73 (apud FOSCHINI, 2007, p. 72-4)
48
6.2 Revoltas populares
49
O Estado encontra-se incapaz de expressar os interesses da sociedade civil e
de consolidar um novo pacto social para superar as raízes autoritárias da crise
institucional. A elaboração de uma nova constituição e a eleição direta de um novo
presidente representam uma nova fase de liberdades políticas sociais no Brasil,
assegurando plena liberdade de expressão e participação, porém extremamente
conservadora no que diz respeito à propriedade territorial, inviabilizando qualquer
reforma consistente de reforma agrária.
Em parte, isso se deve ao fato, da reforma constituinte emergir do confronto de
posições entre grupos de pressão da área de especulação imobiliária ou ligados à
dinâmica de produção do espaço e entre a área de administração pública brasileira
técnico corporativista (ROLNIK, 1994, p. 357). O Estado assiste à diminuição de sua
autonomia e ao fortalecimento de corporações autônomas. A ele cabe o papel de
atender a imensa demanda social reprimida, sem contudo, ter capacidade de controle
e gerenciamento suficientes dos recursos públicos para isso. Acentua-se a lógica
empresarial e configura-se a crise do Estado (BECKER; EGLER, 1993, p. 234).
Para vencer a miséria são necessários recursos vultosos que só poderiam ser
de proveniência estatal, que não poderá ser eximido de uma distribuição mais
eqüitativa da renda nacional, apesar de envolver a captação de recursos privados. O
resgate da política é também peça chave para a conquista da cidadania. A
governabilidade depende de instituições democráticas, sujeitas ao controle social da
nação e voltada para seus interesses (BECKER; EGLER, 1993, p.250).
50
polarizado e desestruturado em que elas se tornaram. Os artigos 182 e 183 da nova
constituição transferem todas as responsabilidades aos planos diretores municipais,
legitimando sua autonomia para planejar e gerir suas realidades numa nova perspectiva
econômico-político–territorial (ROLNIK, 1994, p. 356; SOUZA; RODRIGUES, 2004, p.
66).
E isso ocorre num momento em que as cidades passam por um momento de
experimentação de novas formas de democratização da gestão e de constituição da
cidadania, já que faltava tradição dessa ordem no plano social. A organização sindical
emerge desse quadro de tensões sociais e leva a questão social a ser entendida dentro
de sua especificidade, e não como fruto do crescimento econômico, como vinha sendo
encarado pelos reformadores. Ao final do período a dimensão social passa a
predominar na tematização da questão urbana e o urbanismo é acionado como
instrumento na formulação de diagnósticos preocupados em gerir com eficiência a
cidade existente (RIBEIRO; CARDOSO, 1994; BECKER; EGLER, 1993).
Nos anos 90 o Estado sucumbe ao papel de auxiliar de forma mais direta
possível os interesses empresariais, e de desburocratizar, privatizar e flexibilizar as
exigências legais, além de oferecer incentivos fiscais para que a própria cidade
funcione como uma empresa, e seja competitiva para atrair investimentos e turistas
(SOUZA, 2006, p. 152 et. seq.). A Agenda 21, aprovada pela Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), aborda os assentamentos
humanos como um problema ambiental, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo se
fortalece, trazendo legitimidade ao mercado (RIBEIRO; CARDOSO, 1994).
O figurino neoliberal acentuadamente “mercadófilo” do empresarialismo ou
empreendedorismo urbano, quer fazer crer que a palavra gestão possui a conotação de
um controle mais democrático, em contraposição ao termo planejamento, taxado de
rígido e tecnocrático pela prática das décadas anteriores. Decerto, o empresarialismo
urbano não se mostra antipático a idéia de participação, diversamente do que ocorria
com o planejamento corbusiano ou regulatório clássico, mas a conjuntura do
imediatismo do planejamento pouco ou nada tem a ver com avanços democráticos
(SOUZA; RODRIGUES, op. cit.).
51
Em termos de legislação, os planos diretores participativos são aprovados como
parte do planejamento municipal, de modo a garantir a função social das áreas do
município pela lei federal do Estatuto da Cidade, que já vinha sendo apontada desde o
projeto de lei da Constituição Federal de 1988 nos artigos 182 e 183 (NYGAARD, 2005,
p.19-20). Para garantir a gestão democrática da cidade, o Estatuto disponibiliza
diversos instrumentos de gestão participativa e instaura como obrigatória a participação
significativa da população e das associações representativas dos vários segmentos da
comunidade no âmbito municipal, de modo a garantir o controle direto de suas
atividades e o pleno exercício da cidadania.
Assim, durante boa parte dos anos 90, há certa euforia com os planos diretores,
como se estes fossem verdadeiros reformadores urbanos, porém a diferença é que um
bom plano posto em prática depende da dinâmica da sociedade civil, em particular dos
ativismos e movimentos sociais. E isso ainda hoje se apresenta como um problema
visto que muitos prefeitos os tem tratado com negligência (SOUZA; RODRIGUES,
2004, p. 59-68).
52
7 BAURU
53
zona
urbana
54
De acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social 4, vide Gráfico 7.1,
Bauru possui 8,1% de sua população muito vulnerável à pobreza e 12% com nenhuma
vulnerabilidade à pobreza, ambos os índices são extremos do índice que conta com 6
escalas de classificação e mesmo assim apresentam os resultados dos dois extremos
muito próximos, em termos de porcentagem populacional.
Miséria e riqueza se distribuem de forma quase equitativa pela população de
Bauru, porém destoam das porcentagens médias do Estado de São Paulo da seguinte
maneira. Em relação à porcentagem das pessoas que não apresentam nenhuma
vulnerabilidade social à pobreza, o estado de São Paulo apresenta 6,9 % de sua
população vulnerável, enquanto Bauru apresenta um índice de 12%. Isso significa que
em Bauru uma concentração de riqueza superior em aproximadamente o dobro da
média do Estado de São Paulo.
4
O índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) permite obter uma ampla visão sobre as condições
de vida, dos riscos sociais e das possibilidades de mobilidade social dos vários segmentos sociais. A
partir da compreensão do local da residência como um dos condicionantes de uma vida digna e segura, a
segregação residencial é compreendida como um dos determinantes do processo de manutenção e
reprodução da pobreza. Portanto, analisar as condições de vida de determinado segmento social implica
relacioná-lo às reais possibilidades de acesso a mercados e bens de serviços públicos e privados. Nesse
sentido, a dimensão espacial somada aos indicadores de renda, escolaridade e ciclos e vida familiar,
torna-se condição decisiva para se localizar as áreas que concentram os contingentes populacionais
mais sensíveis aos efeitos negativos da segregação residencial e que a tornam mais vulneráveis à
pobreza. Com essa abordagem a dimensão espacial é introduzida na operacionalização do IPVS,
resultando numa cartografia temática, cujo detalhamento espacial faz referência aos pontos que precisam
de ações focalizadas, especialmente por parte do poder público municipal. Os seis grupos que
constituem o IPVS, juntamente com a representação cartográfica são contemplados da seguinte maneira.
Grupo 1- Nenhuma vulnerabilidade- engloba os setores censitários em melhor situação econômica (muito
alta), com os responsáveis pelo domicílio possuindo os mais elevados níveis de escolaridade e
renda.Seus responsáveis tendem a ser mais velhos, com menor presença de crianças pequenas e de
moradores nos domicílios, quando comparados ao conjunto do Estado de São Paulo. Grupo 2 –
Vulnerabilidade muito baixa – nessas áreas concentram-se , em média, famílias mais velhas, em temos
de dimensão socioeconômica média ou alta, cujos setores censitários se classificam em segundo lugar
no Estado. Grupo 3- Vulnerabilidade baixa – formado pelos setores censitários que se classificam nos
níveis altos ou médios da dimensão socioeconômica e seu perfil demográfico caracteriza-se pela
predominância de famílias jovens e adultas. Grupo 4 – Vulnerabilidade Média – composto pelos setores
que apresentam níveis médios na dimensão socioeconômica, estando em quarto lugar na escala em
termos de renda e escolaridade do responsável pelo domicílio. Neste setor concentram-se famílias
jovens, com forte presença de chefes de família com menos de 30 anos e de crianças pequenas. Grupo 5
–Vulnerabilidade alta – engloba os setores censitários que possuem as piores condições na dimensão
socioeconômica (baixa), estando entre os dois grupos em que os chefes de família apresentam em
média, os níveis mais baixos de renda e escolaridade. Concentra famílias mais velhas com menor
presença de crianças. Grupo 6 – Vulnerabilidade Muito Alta – o segundo dos dois piores grupos em
termos da dimensão socioeconômica (baixa), com grande concentração de famílias jovens. A
combinação entre chefes jovens, com baixo nível de renda e de escolaridade e presença significativa de
crianças pequenas insere este grupo no de maior vulnerabilidade à pobreza (SEADE, 2000)
55
Gráfico 7.1: Distribuição da população, segundo grupos do Índice Paulista de
Vulnerabilidade Social-IPVS/Estado de São Paulo e município de Bauru (SEADE, 2000)
56
Como o índice considera a segregação residencial como uma das características
de vulnerabilidade à pobreza, além dos níveis de acesso a serviços públicos, Bauru se
apresenta como uma cidade especialmente marcada pela distribuição desigual das
habitações e dos serviços públicos em relação ao Estado de São Paulo. Na Figura 7.1
observa-se a predominância dos maiores índices de vulnerabilidade às margens do
perímetro urbano e em alguns poucos pontos distribuídos pela mancha urbana,
enquanto os extratos que representam pouca vulnerabilidade à pobreza concentram-se
na área central e ao sul do sítio. Note-se pela mesma ilustração, na área destacada por
um círculo em meio à zona Sul da Cidade, área de predominância de grupos 4 e 1, a
presença de um único grupo de grau 6. Ele representa o Jardim Nicéia, única ocupação
irregular da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida, rodeada por condomínios
de alto padrão.
Esta ocupação, em especial, apresenta uma grande familiaridade com o sítio
urbano, o qual ocupa, e apesar dos altos índices de vulnerabilidade á pobreza, em meio
a índices nem tão baixos assim, ela se porta como pioneira no uso da legislação mais
democrática pela regularização fundiária na cidade de Bauru.
57
chuvas de alta intensidade e curta duração são características das chuvas que podem
deflagrar processos erosivos.
Gráfico 7.2: Comparação dos dados anuais com a média do período de 1940-1997-
Posto D6-036 (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 85)
58
encosta, os solos podzólicos, de textura arenosa/média, onde predominam os
processos erosivos; e na baixada, os solos hidromórficos, onde ocorrem alagamentos,
surgências d'água, etc (Figura 7.2) (KERTZMAN; DINIZ, 1995; SALOMÃO, 1994 b).
59
sistema de colinas médias sua ocorrência limita-se ao topo, mas somente quando este
apresenta-se ligeiramente convexo e não muito expesso.
O município de Bauru situa-se na bacia Sedimentar do Paraná e está inserida no
Planalto Arenítico Basáltico do Estado de São Paulo (Planalto Ocidental), onde o
quadro geológico regional é caracterizado por Rochas do Grupo Bauru (Cretáceos
Superior), recobrindo as rochas vulcânicas da formação Serra Geral, que afloram em
direção ao Vale do Tietê. O substrato rochoso é formado quase totalmente por rocha do
Grupo Bauru, com as rochas básicas da Formação Serra Geral ocorrendo apenas no
limite sudeste (SALOMÃO, 1994 a).
Bauru situa-se no Planalto Ocidental Paulista, que em linhas gerais, pode-se
dizer ter sido elaborado por erosão diferencial sobre rochas de distintas composições
que resultaram na formação de diversos platôs (PONÇANO et.al., 1981 apud
SALOMÃO, 1994 a). Assim, o relevo da região de Bauru apresenta um domínio de
colinas amplas ocupando generalizadamente as porções mais elevadas do platô e
parcialmente as porções rebaixadas de domínio da Bacia do Rio Batalha. Nota-se a
presença de relevos muito movimentados em forma de escarpas, morrotes alongados,
isolados e colinas médias constituindo relevos de transição, junto às bordas do platô
(SALOMÃO, op. cit.).
As formas de relevo potencializam os processos erosivos regionais e locais, uma
vez que são formadas por rampas longas e inclinadas com rupturas e declives que
favorecem a concentração de fluxo de água. Quando associada a substratos areníticos
esses processos erosivos são do tipo de reativação de drenagens naturais freqüentes
nas áreas de cabeceiras de drenagem e linhas preferenciais de concentração de fluxo
d´água (SALOMÃO, 1994 a).
Bauru está inserida na Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de Recursos
Hídricos da bacia Tietê-Batalha e Tietê-Jacaré, ocupando respectivamente 74,3% e
25,7% da área municipal (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 5). O sítio urbano do município se
divide em quatro sub-bacias hidrográficas (Tabela 7.1,Figura 7.3). A bacia do Ribeirão
Campo Novo abrange principalmente a área rural. As bacias do Rio Batalha e a do Rio
Bauru, em maior proporção, sediam a área urbana (SANTOS, 2007, p. 30).
60
Figura 7.3: Mapa geomofológico e de sub-bacias do município de Bauru (PONÇANO,
1981 apud ALMEIDA FILHO, 2000, p. 37)
61
A área urbana encontra-se praticamente inteira na Bacia do Rio Bauru, divididas
em 10 sub-bacias hidrográficas dos afluentes do Rio Bauru. O primeiro trecho é
chamado Água da Ressaca, depois estão Água da Forquilha, Água do Sobrado,
Córrego da Grama, Água do Castelo e Ribeirão das Flores, Córrego do Barreirinho,
Água Comprida, Vargem Limpa (com dois trechos distintos) e Córrego do Arroz
(INSTITUTO, 2003).
62
responsável por 19% das erosões, atrás somente da bacia do córrego da Grama que
corresponde a quase 35% do percentual total.
A alta porcentagem de erosões verificada na Bacia Hidrográfica do córrego da
Água Comprida relaciona-se ao seu forte processo de urbanização, sobretudo
relacionado à grande concentração de capitais ao longo de sua extensão, por ser
cortada pelas avenidas de maior fluxo da cidade, com numerosa implantação de
edifícios e serviços públicos, próxima ao shopping da cidade e a grandes redes de
supermercado. Esta bacia, principalmente a zona da cabeceira, na região Sudeste, se
posta como setor de atração de capitais na cidade de Bauru.
O Rio Batalha é um dos mais importantes afluentes do Rio Tietê, responsável por
58% do abastecimento do município, faz a divisa entre Bauru e Piratininga. Na área
rural o rio Batalha possui quase 200 afluentes (INSTITUTO, 2003). Em 1996 foi criada a
criação da APA - Área de Proteção Ambiental - do Rio Batalha, com intenção de
recuperar este rio.
Em suas margens se encontram importantes remanescentes florestais e
espécies ameaçadas de extinção. Grande parte deles compõe um cenário calamitoso,
principalmente dentro do perímetro urbano da cidade. Nas margens do Rio Bauru, a
63
mais de cem anos, começou a expansão humana em Bauru. Hoje a cidade inteira está
dentro de sua Bacia Hidrográfica, lançando mais de 1000 litros por segundo de esgotos
sem tratamento em seus afluentes, tornando praticamente nula a quantidade de
oxigênio na água ao sair do município (INSTITUTO, op. cit.; SILVEIRA, 2004 b).
Em mais de três pontos despeja-se cerca de 60 litros de esgoto por segundo no
Rio Batalha, comprometendo inclusive a qualidade de suas águas. As matas ciliares
foram desmatadas a mais de 50 anos e por isso o processo de erosão e
assoreamentos é marcante. O DAE – Departamento de Águas e Esgoto- tem planos de
abastecer parte da cidade com suas águas (INSTITUTO, op. cit.).
A situação continua crítica e pouco foi feito ao longo dos últimos anos para
revertê-la. Rios e córregos são atacados em várias frentes - poluição, assoreamento
decorrente de erosões, degradação de mata ciliar e ocupação de áreas de preservação
permanente. Mesmo possuindo extensas bacias de drenagem, o município de Bauru
ainda dispõe de uma ineficiente e precária rede de galerias de águas pluviais
(SILVEIRA, 2004 b).
Alguns córregos de Bauru já receberam interceptores às suas margens,
tubulações que recolhem o esgoto que seria despejado no trecho do leito, jogando o
esgoto em algum ponto mais adiante. Mendonça (op. cit.) explica que, através de
instalação de uma grande rede de interceptores, seria possível despoluir os córregos e
concentrar o esgoto apenas no rio Bauru, até que uma estação de tratamento fosse
construída e começasse a operar. Os problemas não foram resolvidos mesmo nesses
córregos que já têm interceptores, pois os vazamentos de esgoto por tubos estourados
continuam a manter a água poluída.
A maior parte das nascentes da bacia do rio Bauru está em locais de erosão,
agredidas por lixo e esgoto. Além da poluição da água por detritos orgânicos, a mata
ciliar que protege o leito sofre degradação. O assoreamento também é o principal
problema do rio Batalha. Acredita-se que suas águas são suficientes para abastecer
64
Bauru por mais três anos apenas. As erosões ocuparam o leito do rio e soterraram as
nascentes (MENDONÇA, 2004 apud SILVEIRA, 2004 b).
A ocupação das áreas de preservação permanente por favelas e avenidas
deixam-na sob risco, pois a ocupação descontrolada das margens destrói áreas
prioritárias para a conservação do rio, devido à má utilização do solo, que aumenta o
problema das erosões. Embora haja tantos entraves, há também avanço na avaliação
do ambientalista Mendonça (op. cit.), que considera um avanço, o fato de Bauru
compreender esses problemas e realizar seu planejamento com base neles,
subsidiando as discussões do novo Plano Diretor, baseadas na degradação ambiental.
Os processos erosivos acompanham Bauru desde o início de sua urbanização,
justamente pela sua localização numa região de afloramento de arenitos no Planalto
Ocidental Paulista. O regime de chuvas tropicais, é propício ao surgimento de erosões,
quadro agravado consideravelmente quando somado às ações antrópicas. As causas,
basicamente, são relacionadas com a ausência de critérios técnicos, tanto para nortear
a expansão urbana, que ocorre de forma expressiva nas últimas décadas, quanto para
a aprovação de projetos de loteamentos residenciais e de conjuntos habitacionais,
muitas vezes em locais não apropriados (IPT, 1994).
A falta de investimento inicial com materiais e mão–de–obra para infra-estrutura,
a forma de organização do sistema viário perpendicular às curvas de níveis do terreno e
o parcelamento do solo de forma especulativa justificam boa parte do aparecimento de
erosões nos loteamentos urbanos, pela concentração de águas pluviais e servidas no
sistema viário inadequado, não raro, com ausência de pavimentação, guias e sarjetas,
e deficiente sistema de drenagem (IPT, op. cit.).
A área urbana de Bauru encontra-se, hoje, intensamente degradada, por erosões
lineares (ravinas e voçorocas), de médio e grande porte, que causam destruição de
obras, assoreamentos de fundo de vales, desvalorização do solo urbano, riscos à vida e
prejuízos municipais incalculáveis. As medidas preventivas durante as fases de
planejamento e implantação das obras urbanas certamente reduziriam os elevados
custos em obras de recuperação e controle, que se mostram, ao longo do tempo, de
eficiência e durabilidade reduzidas, pela falta de aplicação correta dos conhecimentos
técnico científicos no combate à erosão. Além disso, os custos para a correta
65
reabilitação das áreas degradadas são muito elevados e, bem superiores aos da
implantação de todas as obras de infra-estrutura preventivas necessárias para que se
evite problemas futuros nos loteamentos (CAVAGUTI, SILVA, 1995).
Segundo Salomão (1994, p.31-2) as diversas ravinas e voçorocas de grande
porte no perímetro urbano são desencadeadas pela concentração do escoamento de
águas superficial propiciada pela ocupação urbana. As maiores concentrações se dão
nos solos podzólicos, seguido pelos de textura média, e, com menos importância nos
solos de textura argilosa, Latossolo Roxo, e vermelho escuro e terra roxa estruturada.
Fatores geomorfológicos, geológicos e os tipos de solos são importantes para
desencadear os processos erosivos, mas independentemente da litologia, originam-se
da ação do homem, pelo desequilíbrio causado no comportamento das águas
superficiais e subsuperficiais (SALOMÂO, 1994, p. 31, 67).
Salomão (1994 a, p.67) verificou que as erosões de grande porte concentram-se
em cabeceiras de drenagem e originam-se logo após desmatamento, devido alterações
hidrológicas. A combinação da ação de águas superficiais e de sub-superfíciais, causa
alargamento e aprofundamento das calhas deixando expostas surgências d’água. A
ocupação urbana, principalmente na periferia, altera ainda mais as condições
hidrológicas pelo grande aporte de água nos cursos de água.
Segundo o mesmo autor, outro tipo de erosão linear origina-se da concentração
do escoamento superficial das águas pluviais e/ou servidas. O processo erosivo inicia-
se em superfície através do ravinamento, susceptível de ser aprofundado e de atingir o
lençol freático. Dadas as condições de origem, as voçorocas de reativação de
drenagem são mais difíceis de controlar do que as erosões causadas por escoamento
concentrado, sendo esta a razão por continuarem expostas por muito tempo e surgirem
em maior quantidade.
As observações de Almeida Filho (2000, p. 107-8), sobre as fotos aéreas de
1962 na bacia do rio Bauru, concluem que os processos erosivos urbanos em franca
evolução, desencadearam-se em decorrência da expansão da cidade a partir da
década de 60. Alves (2001) cita que a indústria das erosões em loteamentos foi um
dos maiores problemas da cidade antes da década de 80, quando a prefeitura não
exigia implantação de galerias de águas pluviais.
66
Rigitano (2003) esclarece que até a década de 1960 a produção de pequenos
conjuntos habitacionais estava inserida dentro da área urbana e aproveitava as infra-
estruturas existentes, mas a partir da década de 1970 a produção de grandes conjuntos
habitacionais aconteceu muito distante da área já urbanizada. Alves (2001)
complementa que esse processo de parcelamento do Período da "Cidade sem Limites",
na década de 70 gerou as maiores erosões da cidade, caracterizado por loteamentos
sem ou com implantação tardia de infra-estrutura, com implantação das ruas
perpendicularmente às curvas de nível (Foto 7.1, Foto 7.2, Gráfico 7.3).
COHAB 16 COHAB 25
Foto 7.1 e Foto 7.2: Erosões relacionadas à ocupação urbana (Cohab 16 e Cohab 25)
(ALMEIDA FILHO, 2000, p. 128, 156)
Gráfico 7.3: Voçorocas na área urbana (ALMEIDA FILHO, 2000)
67
A falta de uma rede de captação de drenagem, somada a impermeabilização e a
ocupação sem planejamento de fundos de vale e áreas de cabeceira, acabam por
formar extensas erosões, e conseqüentes problemas de inundações devido ao
assoreamento dos rios. Tanto as erosões mais antigas quanto as mais recentes, em
sua maioria surgiram por causa de loteamentos feitos de maneira equivocada,
desprovidos de ações preventivas e pela negligência de execução das obras de infra-
estruturas, como dissipadores de energia e pavimentação.
Alves (2001) afirma que nesse modelo especulativo a parte mais valorizada é o
interflúvio, onde na maioria dos casos não se tem preocupação com galerias de águas
pluviais ou bocas de lobo, e destina-se aos lotes particulares. As obras de drenagem
concentram-se na porção médio inferior da vertente. A energia das águas aumenta no
descer dessas encostas e destrói a rede de drenagem e a pavimentação, geralmente
de má qualidade.
As primeiras áreas a serem afetadas pelo processo erosivo, segundo este
mesmo autor, são as institucionais destinadas à região próxima às Áreas de
Preservação Permanente - APPs, onde são necessários gastos maiores com
dissipadores de energia de águas pluviais. Em trabalhos de campo pode-se constatar,
que mesmo os residenciais fechados, apresentam problemas com dissipação adequada
de águas pluviais, sendo comum a presença de sulcos e ravinas ao redor dos muros.
Segundo Alves (op. cit.) os próprios investidores impõem essa forma de
parcelamento, pois transferem a responsabilidade da manutenção da execução de
dissipadores de energia e dos fatores de risco do sistema ao poder público, que não
exige deles tais medidas. Dessa forma fica a critério dos órgãos públicos a manutenção
e o custeio dessas obras, enquanto os empreendedores economizam com infra-
estrutura. Os riscos de erosão sempre foram de conhecimento dos parceladores de
terra, no entanto o poder municipal se encarregou de arcar com as conseqüências.
Os custos para a correta reabilitação das áreas degradadas são muito elevados
e, bem superiores aos custos da implantação de todas obras de infra-estrutura
preventivas necessárias (CAVAGUTI, 1995). Santos (2007, p.97) afirma que o
EIA/Rima na prática significou um avanço no aspecto normativo de controle ambiental,
mas de fato essa legislação tem colaborado para legitimar atividades potencialmente
68
impactantes. A assinatura de responsabilidade técnica (ART) do profissional pode ser
utilizada para atender aos interesses do cliente, apesar da legislação prever punições.
Rigitano em entrevista ao Jornal da Cidade (MOLINA, 2004) afirmou que desde o
início de 2002 já se havia gasto mais de R$ 3 milhões com obras de estabilização
somente com projetos que passaram por licitação para sua execução, ou seja, que não
acrescentaram ações realizadas pela Secretaria de Obras. Com a grande quantidade
de erosões, o problema do assoreamento torna-se cada vez maior. No leito desses rios,
aparecem os problemas de enchentes e inundações em época de chuva (MENDONÇA,
2004 apud SILVEIRA, 2004 b), problemas que demandam de 15 milhões de reais em
galerias de águas pluviais, bacias de contenção, aterramentos e reflorestamento de
áreas de preservação permanente (IPT, 1991).
Segundo depoimento de Mendonça (2003), o EIA/Rima foi exigido somente uma
vez para a ampliação do loteamento Quinta Ranieri, dentro das diretrizes municipais,
mas o empreendedor acabou desistindo do empreendimento devido ao alto custo
cobrado por esse tipo de estudo. Rigitano (2003) complementa que a prefeitura, nesse
aspecto, não pode assumir o ônus de fazer o planejamento de um empreendimento,
sendo que é o proprietário particular quem vai lucrar com a sua instalação. O correto
seria o monitoramento das obras, principalmente as de drenagem, desde a implantação
do loteamento.
A cidade no ano de 2005 possuía 28 áreas com problemas de erosão, de acordo
com dados da Prefeitura, os quais já haviam carreado mais de 1,6 milhões de metros
cúbicos de terra para os fundos de vale (SILVEIRA, 2004 b).
Atualmente o número de erosões é de aproximadamente 30. Seria interessante a
efetivação de uma Carta de Risco de Erosão, para apontar as áreas de risco e
estabelecer orientações para o monitoramento das áreas críticas, porém sabe-se que a
problemática faz correlação com problemas ligados à descontinuidade política,
especulação imobiliária, falta de corpo técnico suficiente para respaldar toda a
fiscalização do município, desarticulação entre as próprias secretarias, dificuldades de
acesso às informações, e principalmente, falta de conscientização ambiental e de
parceria entre os setores civil, particular e público.
69
E de fato não faltam dispositivos legais e técnicos para respaldar uma política de
prevenção às erosões. O IPT já fez uma Carta Geotécnica em 1991, o Plano Diretor de
1996 o exige como um dos instrumentos de parcelamento do solo, em 2002 aprovava-
se a Lei Municipal 4.796 que dispõe sobre o combate de erosões. As reuniões do
Seminário temático Bauru + 10 já propuseram uma maior fiscalização do poder público
na restrição aos loteamentos, com a adoção de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV),
do EIA – Rima e a implantação do conceito Impactador-Pagador. Em todos estes
dispositivos, o proprietário do terreno erodido é considerado o responsável pelo evento.
A execução de parques ao longo dos fundos de vale foi e continua a ser proposta
do Plano Diretor, ou seja, já se passou mais de uma década entre o antigo e o novo
Plano Diretor e a quantidade de parques construídos entre os previstos é nula.
A integração entre os diversos setores e à princípio, entre os próprios órgãos
públicos, facilitada pela adesão aos recursos tecnológicos, pode propiciar o
gerenciamento do município, de acordo com suas particularidades, graças a
sobreposição das informações, hoje, espalhadas entre os diversos órgãos e presentes
nos saberes da população. Se todos os instrumentos existentes para gerir uma política
urbana fossem devidamente implantados, em respeito às particularidades de Bauru, o
Planejamento Urbano poderia ser melhor estruturado e condizente às próprias
limitações e potencialidades municipais.
A concepção e as diretrizes para instalação de loteamentos devem estar
fundamentadas na análise substancial das características dos terrenos e dos possíveis
processos do meio físico que podem vir a ocorrer nesses terrenos. Daí a necessidade
de um a legislação que exija dos empreendedores uma avaliação ambiental condizente
com o objetivo de seu empreendimento, a fim de provocar o mínimo de alterações
ambientais possíveis.
Erosão, lixo e esgoto se encontram na maior parte das nascentes da bacia do rio
Bauru, além da poluição da água por detritos orgânicos. A mata ciliar que protege o
leito sofre degradação. O assoreamento é o principal problema do rio Batalha. Acredita-
70
se que suas águas são suficientes para abastecer Bauru por apenas mais três anos
(MENDONÇA, 2004 apud SILVEIRA, 2004 b).
Os mais de 300 mil habitantes de Bauru produzem quase 1 Kg de lixo por dia
cada um, totalizando uma quantidade de aproximadamente 300 toneladas por dia,
destes, 200 toneladas de lixo doméstico são destinadas para o Aterro Sanitário e 100
para bolsões de entulho, terrenos baldios e lugares inapropriados espalhados pela
cidade, como fundos de vale, erosões e áreas de mata. De acordo com a EMDURB -
Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural (apud INSTITUTO, 2003) - são
coletados mensalmente, algo próximo de 5.000 toneladas de lixo domiciliar.
Segundo o Instituto Ambiental Vidágua (2003), o destino do lixo coletado é o
Aterro Sanitário, construído em 1993 após uma Ação Civil Pública, provocada pelas
inúmeras irregularidades no destino dado ao lixo na época, como erosões e fundos de
vale. Na época, a Prefeitura chegou a jogar o lixo de Bauru em municípios vizinhos,
como Arealva. O Aterro com capacidade inicial para 550 mil toneladas de lixo está
localizado nas proximidades das Penitenciárias I e II de Bauru.
O lixo hospitalar é destinado ao lado do aterro, em valas sépticas
impermeabilizadas. Já foram construídas no local mais de 10 valas. Sua coleta é
diferenciada do lixo doméstico e transportada por veículos especiais que chegam a
fazer diversas viagens ao aterro por dia. Os entulhos, provenientes de demolições e de
construção civil são depositados em 5 bolsões de entulho especialmente destinados
para isso. Bauru já teve mais de 70 bolsões oficiais, a maioria nas margens de
córregos, o que contribuía com a contaminação da cidade.
Apenas 1,57 % do lixo coletado em Bauru é reciclado, aproximadamente 6
toneladas por dia, algo em torno de 80 toneladas ao mês. São 23.461 residências por
onde os caminhões da coleta seletiva passam por semana, cerca de 32 % da cidade,
porém a grande maioria da população não participa. O lixo recolhido pela Coleta
Seletiva é classificado, separado e prensado por 24 catadores de lixo em duas centrais.
A Secretaria do Bem Estar Social comercializa o lixo reciclado separado e repassa os
recursos para a Associação dos Catadores.
71
7.2.4 Depósitos tecnogênicos: a solução de fachada
Bauru utiliza lixo no controle da erosão, tal como a maioria dos municípios
brasileiros, acreditando estar resolvendo dois problemas de uma vez, o da disposição
final do lixo e o da erosão, a denominada voçoroca-lixão. Nesse procedimento, o lixo
coletado pelos caminhões compactadores é transportado até a montante da erosão e
empurrado para seu interior com trator-esteira. Ao compactar o lixo com uma fina
camada de solo inferior a 30 cm, a aparência externa encobre, sob um aparente bom
aspecto visual, uma série de problemas conseqüentes do uso de lixo no controle de
erosão, tal como (CAVAGUTI, SILVA, 1995):
72
• contaminação dos recursos hídricos superficiais, pela exudação de chorume
no pé do talude em erosões de lixo visível, contaminação do lençol freático
pelo lixo enterrado em erosão, desprendimento do biogás proveniente da
decomposição do lixo e contaminação de crianças e animais que entram em
contato direto com a água.
5
A licença ambiental é o ato administrativo pelo qual a SEMMA - Secretaria Municipal do Meio Ambiente
-estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas para
operar atividades utilizadoras dos recursos ambientais que possam causar degradação ambiental; para
tal, estabelece estudos ambientais que apresentam subsídio para a análise da licença requerida, tais
como relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar,
diagnóstico ambiental, plano de manejo, de recuperação da área degredada e análise preliminar de
risco.Dentre os objetivos da Lei estão o de identificar os ecossistemas do Município, definindo as funções
específicas de seus componentes, as fragilidades, as ameaças, os riscos e os usos compatíveis,
procurando a conservação das áreas protegidas e compatibilização do desenvolvimento econômico e
social com o uso racional dos recursos ambientais. Em relação ao solo, prioriza o controle do processo
erosivo, a captação e disposição das águas pluviais, a contenção de encostas, o reflorestamento das
áreas degradadas, e restringe a disposição de quaisquer resíduos, mediante comprovação de sua
degradabilidade, capacidade de autodepuração, grau de percolação, garantia de não contaminação dos
aqüíferos subterrâneos, limitação, controle da área afetada e reversibilidade dos efeitos negativos. A
conservação é definida como o conjunto de medidas técnico-científicas, periódicas ou permanentes
necessárias a fim de promover a manutenção dos ecossistemas existentes, garantindo-se a
biodiversidade por tempo indeterminado.
73
dados técnicos a esse respeito, como vazão do escoamento superficial e subterrâneo à
época de execução da obra para chuvas de qualquer período de retorno. Normalmente
os Órgãos Municipais executam obras de controle paliativas para acalmar
temporariamente a população, sem objetivar a resolução definitiva do problema.
O uso do lixo urbano no controle de erosão não resolve o problema da erosão e
nem o do lixo, afirma Cavaguti; Silva (1995), as voçorocas–lixões contaminam o ar, o
solo e os recursos hídricos, gerando problemas sociais, sanitários, de saúde pública e
de engenharia. O aterramento das erosões não é mais uma prática indicada. Uma das
soluções para o problema instalado aponta para a alteração da topografia nas áreas
atingidas realizando o retaludamento do local. A água que normalmente surge no fundo
das voçorocas é drenada e canalizada. A terra das bordas do talude é depositada no
fundo, e o local pode sediar parques e outros projetos (RIGITANO, 2004 apud MOLINA,
2004).
74
Figura 7.4: Fragmentos de vegetação nativa no município de Bauru na cor verde
(FUNDACÃO, 2006)
75
Figura 7.5: Situação da mata original no município de Bauru na cor laranja - campos de
altitude, encraves de cerrado, zonas de tensão ecológica6, contatos (FUNDACÃO,
2006)
Até o século XVIII, a região de Bauru era habitada pelos índios Caigangues.
Aventureiros e colonos interessados na posse das terras devolutas, proposta pelo
governo imperial no século XIX, se dirigem ao interior do território brasileiro. A
ocupação da região se concretiza com o extermínio dos índios e, com a conseqüente
oferta de grande quantidade de terras virgens. O processo de ocupação toma forma por
6
As áreas de tensão ecológica estão entre 2 regiões fitoecológicas, e na interpenetração de seus
ambientes ocorre tanto mistura de espécies quanto enclaves que não se misturam (BRASIL, 1973).
76
volta de 1856. Nessa época o desenvolvimento do interior paulista é estimulado pelo
cultivo de café, atividade econômica base do modelo agro-exportador no fim do século
XIX, e subsidiado pela cana-de-açúcar e a pecuária (LAVEZO, 2005, p. 45-9).
Com o advento da República, a questão dos transportes ganha maior ênfase. Em
outubro de 1904, o presidente Rodrigues Alves decreta o traçado da ferrovia que
integraria a província de Mato Grosso à capital Rio do Janeiro. Em 1905 chega a E. F.
Sorocabana, já nessa época havia cerca de 200 casas e 600 habitantes. Em 1916 a E.
F. Paulista trás novos investimentos e a migração aumenta a procura de possibilidades
de emprego e de fazer fortuna. Entre 1910 e 1920 chegam os bancos conferindo um
maior dinamismo financeiro (CAMARGO, 2005, p. 67).
A Estrada de Ferro Noroeste, bem como a E.F. Paulista e a E.F. Sorocabana
conferiram a integração da região ao mercado europeu e norte-americano do café,
contribuindo à expansão material e organizacional do modo de produção capitalista na
região (CONTEL, 2000, p. 225). A chegada da E. F. Noroeste salienta uma primeira
divisão social do trabalho com o seu corpo técnico, elite do Rio de Janeiro, acostumado
à vida da metrópole nacional, condicionando o cotidiano local a tomar dimensões como
a capital do Estado (CONTEL, 2000, p.24), enquanto os migrantes dependiam
basicamente de seu salário relativamente baixo, para satisfazer as suas necessidades
habitacionais (SANTOS, 1994, p. 96 apud CAMARGO, 2005, p. 70).
Os trilhos da Estação Ferroviária da NOB abrem caminho ao café, da mesma
forma que os abre à especulação de terras, ao comércio e ao tráfico internacional,
atraindo os que buscam além do emprego o enriquecimento fácil (SANT´AGOSTINO,
1995, p. 181-7). A complexificação das atividades no meio urbano proporciona a
conseqüente polarização do município em relação aos municípios vizinhos, atraindo
novos fluxos de mercadorias e pessoas para a região como um todo (CONTEL, 2000,
p.15, p. 32 apud CAMARGO, 2005, p. 67-8).
Por volta de 1930, Bauru se destaca como pólo urbano regional de prestação de
serviço e se torna uma das mais importantes cidades do interior paulista. A população
mais do que dobra, vide Tabela 7.4, mas a cidade não se encontra equipada para
absorver toda a mão de obra excedente. Os índices de desemprego são altos
(SANT´AGOSTINO, ibidem). No contexto nacional entre as décadas de 30 a 50 a
77
maioria das habitações construídas não contava com nenhum tipo de política dos
órgãos públicos, sendo praticamente restrita ao setor privado, que obtinha ganhos com
o processo especulativo. Segundo Contel (2000, p. 224) a E. F. Noroeste supria as
políticas sociais, com atuação nas áreas de saúde e habitação, enquanto a Prefeitura
cobria ações urbanísticas, como a pavimentação e o arruamento.
A década de 30 é marcada pela crise do café e rompimento da política agro-
exportadora, dando lugar a uma acumulação industrial, que confere à São Paulo a
liderança na economia nacional. Como conseqüência, se tem o declínio do café nas
regiões noroeste e centro-oeste. A E.F. Noroeste perde o sentido e deixa de receber
investimentos governamentais (SANT´AGOSTINO, 1995, p. 190-3).
Índice de
População População População Urbana
Município urbanização
total 1920 Total 1934 do Centro 1934
1934
Bauru 20.386 45.852 22.733 51,50
Jaú 42.586 53.779 18.069 35,05
Lins 12.692 67.039 11.657 23,11
Bariri 23.830 25.398 5.356 23,39
Cafelândia 8.157(2) 32.556 4.839 17,46
Dois 19.590 17.577 4.660 39,69
Córregos
Pederneiras 28.488 23.312 4.247 21,02
Promissão 3.490(2) 25.923 4.236 16,69
Pirajuí 29.042 58.830 4.166 12,63
Agudos 15.702 23.509 3.592 19,02
(1) Inclui as populações urbanas de todos os distritos
(2) População com distrito
Fonte dos dados brutos: Fundação IBGE apud Sant'Agostino, 1995, p.188.
78
staff de apoio: médicos, advogados e outros profissionais liberais (SANT´AGOSTINO,
1995, p. 188).
Entre 46 e 67 o território brasileiro como um todo é incrementado por novas
necessidades advindas das demandas urbanas, num mundo ainda de predominância
rural. Com a introdução da nova constituição, a Prefeitura do município adquire status e
começa a se destacar como principal elemento de controle do espaço local pela maior
possibilidade de arrecadação de receita e de intervenção no espaço urbano (CONTEL,
2000, p. 228).
A passagem da ferrovia para a rodovia é marcada pela mudança do sistema de
ações locais da política bauruense da E.F. Noroeste para a Prefeitura. Em meio à
euforia desenvolvimentista do governo Kubitschek, dos anos 50, Bauru encontra no
Prefeito Nicola A. Junior ou “Nicolinha” (1956-1959) a idealização do projeto de Bauru
como uma metrópole interiorana, destacando-se nos transportes e na comunicação.
Esse período é marcado pelos movimentos migratórios, principalmente por causa
da modernização agrícola, do surgimento de faculdades e da crescente interiorização
da indústria de bens de consumo não duráveis, voltada para o consumo da própria
região. O comércio e todo o segmento terciário de apoio à agricultura e à população se
desenvolvem destacadamente, conferindo à cidade altas taxas de crescimento urbano,
vide Tabela 7.5.
Devido à estagnação do setor ferroviário aumentam a variedade de serviços
especializados e o número de estabelecimentos comerciais de médio e grande porte,
bem como as atividades financeiras e a administração de imóveis acentuando a
característica de Bauru como pólo terciário e ao mesmo tempo firmando a cidade como
pólo regional (LOSNAK, 2004, p. 176; SANT´AGOSTINO, 1995, p. 199).
79
Observe-se pela Tabela 7.6, que a perda de mão-de-obra do setor primário é
absorvida em parte pelo setor secundário e principalmente pelo setor terciário. Tal fato
se deve a pouca mão-de-obra necessária ao setor secundário devido a sua tecnologia,
o que limita a criação de vagas e reforça a tendência de substituição de trabalho na
produção por trabalho em escritório, ao mesmo tempo em que a “tecnologia do setor
terciário” é “profundamente intensiva de trabalho” (VERVIER, 1989 apud LOSNAK,
2004, p. 133).
80
Tabela 7.7: População residente por sexo e situação no município de Bauru
Variável = População residente (Habitante)
Ano
Sexo Situação do domicílio
1970 1980 1991 1996 2000
81
industrial nos anos 70-80, e a consolidação de Bauru entre os principais pólos
comerciais do interior paulista, a cidade não se livrou das conseqüências da recessão
constatada no País.
No setor da habitação, a Cohab-Bauru contribuiu para o incremento das
densidades populacionais, ao mesmo tempo em que, de acordo com dados fornecidos
pela Secretaria de Projetos Comunitários do município, aumenta o número de favelas
de Bauru (apud CAMPARGO, 2005; LAVEZO, 2005).
A pressão do sistema de ação estatal no início de seu funcionamento (67/69)
ainda permitia uma grande intervenção por parte da Prefeitura, porém na década de 90
não mais está ao seu alcance a intervenção na infra-estrutura física do município, como
foi possível até 80, dado os gastos com todas as políticas sociais devido aos
incrementos populacionais. A pressão das demandas urbanas torna quase impossível
se investir na infra-estrutura urbana (CONTEL, 2000, p. 234).
O sistema público de financiamento apresenta sinais de enfraquecimento. Um
dos exemplos é o viaduto inacabado sobre o pátio das antigas estradas de ferro. A
ferrovia outrora, própria razão de ser do dinamismo urbano bauruense, agora se
apresenta muito mais como obstáculo ao desenvolvimento dos novos vetores sobre a
mancha urbana (CONTEL, 2000, p. 232).
A Prefeitura recorre então a duas tomadas de capital externo, uma em 1992 com
a Caixa Econômica Federal e outra em 1996 com o Banco Chase Manhattan. Bauru
nesse empréstimo internacional abre as portas para a globalização, com todos seus
requintes de juros extorsivos e de “violência ao dinheiro” (SANTOS, 1996,p. 268 apud
CONTEL, 2000, p. 235).
Em 99 o governo federaliza a dívida possibilitando um aumento no prazo de seu
pagamento, porém Bauru fica refém do controle federal sobre as finanças locais, tal
como o controle centralizado estabelecido pela União durante o período da Constituição
militar (67-88), o que leva a repensar o modelo de federalismo dito “democrático” nos
quais as relações ente os entes federativos se propõem a pautar (CONTEL, op. cit.).
82
7.5 Planejamento urbano durante a ditadura
Apesar das prefeituras terem se tornado o marco geográfico mais importante das
cidades interioranas, a excessiva centralização por parte da união torna os municípios
fracos financeiramente. As prefeituras se tornam dependentes das verbas federais e os
planos diretores são impostos pelo governo federal como forma de manter a
organização e o controle do espaço urbano para o repasse de verbas (CONTEL, 2001,
p. 228; MOURA, 2003).
Assim, tem-se uma metodologia única para promoção dos planos diretores do
Estado, reflexo da política implementada pelo SERFAU- Serviço Federal de habitação
e urbanismo, criado em 1964 e encarregado por difundir a elaboração de Planos
Diretores por todo país.A Lei orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo (Lei n°
9.205 de 28/12/1965) estabelece que os municípios só receberiam auxílio financeiro se
possuíssem um Plano Diretor regularmente aprovado.
Rigitano (apud MOURA, 2003) enfatiza aquela época como uma época de
realizações de planos diretores mirabolantes, tal como o Plano Diretor de Bauru, onde
os fatores econômicos e financeiros do município parecem não terem sido
considerados na implantação real da cidade, apesar do rico levantamento de dados.
Em 1967, no governo de Nuno de Assis, o Centro de Pesquisas e estudos
Urbanos da FAU-USP (CPEU) fez o primeiro Plano Diretor para Bauru. Cria-se o
Escritório Técnico com a intenção de planejar e gerir a cidade baseado no
aprofundamento dos problemas socioambientais. O Plano era influenciado pelo
movimento moderno denominado urbanismo “progressista” tendo por destaque Le
Corbusier e a Carta de Atenas. Assim, a cidade é pensada tal como os pressupostos
teóricos de uma cidade modernista, ou seja, uma cidade estrategicamente dividida em
funções: habitação, circulação, trabalho e lazer (LOSNAK, 2004, p. 190 et. seq.).
Para a área da “habitação” o plano propôs a criação de quatro áreas residenciais
que diminuiriam de densidade no sentido periferia. Para facilitar a “circulação” previu-se
a construção de vias integrando todas as regiões da cidade de forma hierarquizada, as
vias principais saindo do centro para os bairros e as secundárias ligando as vias
principais às residenciais. Para o “trabalho” programou-se três distritos industriais de
portes distintos e um “centro cívico” reunindo os prédios públicos do centro ao Jardim
83
Bela Vista. Para o lazer denominou-se “recreação passiva” as áreas livres ao redor da
cidade que funcionariam como cinturão verde, e as “áreas de recreação”, lugares onde
estariam inclusos os parques, praças, parques infantis e lotes de recreio.
Este plano, porém não foi utilizado como diretriz para a organização do espaço
urbano, nem mesmo as diretrizes técnicas viárias. Segundo a visão do arquiteto
Jurandyr Bueno, um dos idealizadores do Plano, segundo entrevista realizada por
Sant´agostino (1995, p. 209), o Plano Diretor apresentava uma “linhagem urbanística
inglesa”, tal como as “cidades jardins”, e se apresentava utópico e importado demais
para a realidade da cidade.
84
A aprovação dos loteamentos era feita pelos próprios prefeitos sem critérios
técnicos para aprovação, execução ou fiscalização. Esse fato somado a ênfase
sanitarista típica da época, canalizando rios e cobrindo-os com avenidas implicou num
crescimento urbano desordenado, sem a devida preocupação com a ocupação
sustentável do solo, o que resultou num dos maiores problemas urbanos da atualidade,
erosões, assoreamentos, enchentes e oneração dos recursos públicos no saneamento
das carências de infra-estrutura.
Como fruto da denominada “Cidade Sem Limites“ se tem uma Bauru
fragmentada pela contradição centro-periferia, reforçada pela recém construída Avenida
Nações Unidas que escoa o trânsito em sentido “região nobre”, com loteamentos em
áreas de fundo de vale e sérios problemas ambientais como enchentes (Foto 7.3, Foto
7.4).
No pós-64, o Estado criou vários órgãos e programas para investimentos
urbanos, em sua maioria ligados ao SFH e ao BNH. Alguns foram substituídos;
outros fracassaram, mas mantiveram uma tecnocracia que pretendia orientar o
desenvolvimento urbano. Com o Estado direcionando a economia para os
investimentos em infra-estrutura dos mais variados aspectos: das rodovias
necessárias ao transporte de mercadorias, passando pelo escoamento do
trânsito urbano, exigência e orientação de planejamento urbano, às melhorias
das condições ambientais (saneamento, captação e fornecimento de água e
canalização de esgoto, drenagem de rios) e da moradia de setores das classes
trabalhadoras (LOSNAK, 2004, p. 189).
85
Foto 7.3: Avenida Nações Unidas alagada na altura da Antártica (Fonte: JORNAL DA
CIDADE, 2005)
Foto 7.4: Carros no leito do córrego das flores canalizado em meio à avenida Nações
Unidas (Fonte: JORNAL DA CIDADE, 2005)
86
7.5.1 A indústria que não atingiu o esperado
87
industriais intensificadas, mas não tanto como em outras regiões do Estado, e nem com
tanto número de empregos pela tecnologia empregada no setor (LOSNAK, op. cit.).
De 1960 a 1970 criam-se apenas 151 empregos na indústria, já na década de 80
o movimento de descentralização industrial se acentua no Estado, e o número de
empregos se torna significativo em Bauru, vide Tabela 7.8. A dinâmica do processo
industrial de Bauru está ligada diretamente à dinâmica de crescimento da região, que é
basicamente a de abastecer o mercado regional (FARIA, 1988, p. 34).
88
política. Muitos ferroviários, mesmo os que não tinham vinculação política tiveram suas
carreiras arruinadas (SANTOS, 2007, 165-6).
Em 1962 já havia a existência da Frente Anticomunista (FAC), que considerava
ameaça comunista o movimento social popular, grupos políticos ligados a teorias
marxistas, posições críticas ao catolicismo etc. Ela se proliferou pela região e recebeu
apoio das autoridades eclesiásticas e do exército. Seus discípulos se concentravam na
faculdade de direito e tinham práticas de depredação e violência (LOSNAK, 2004, p.
247-251).
Com a presença dos militares no estado os setores mais conservadores se
sentiram provavelmente mais a vontade. A repressão foi arrasadora para diluir a
efervescência política e as agitações de esquerda até 1964. De fato a repressão política
ao movimento dos ferroviários já existia de longa data sob práticas de controle,
segregação e até exclusão física dos grupos considerados perigosos pelas as elites.
Com as perspectivas de mudança durante o governo João Goulart os militantes
ferroviários ganharam forças para lutar por melhores condições de trabalho em meio a
mistos de reuniões e festas onde se misturavam família e sindicato, política e lazer.
Porém, logo após o golpe, vários sindicalistas foram presos. A eficiência da repressão
abalou a vida pessoal de muitos militantes (LOSNAK, op. cit.).
O interessante era o apoio das elites bauruenses, como o prefeito Nuno de
Assis, proprietários e empresários, à repressão dos chamados subversivos e
“comunistas”. Somente a partir de 1970 as articulações políticas e interações sociais
puderam fluir com relativa naturalidade pelos grupos subalternos que procuravam fazer
a vida fluir apesar da repressão (LOSNAK, 2004).
89
Na década de 70 entra em cena o paradigma ecológico no planejamento. O
ambiente passa a ser tema das discussões em torno das idéias de autonomia local. O
nível local e o planeta passam a ser territórios de ação coletiva e, o homem passa a ser
visto como parte da natureza e não apenas como objeto de ação sobre ela. A cidade
como questão ambiental inclui a questão dos assentamentos humanos e a questão
social no âmbito de uma política global, tal como regulamenta a Agenda 21 (RIBEIRO;
CARDOSO, 1994, p. 87-8).
Em Bauru, o movimento ambiental inicia-se como vertente da saúde, quando o
problema de intoxicação por chumbo em funcionários das fábricas de baterias, inclusive
com um caso de morte, leva a questionar o processo de produção e de contaminação
do meio. Há a participação da Pastoral Operária, Comunidades Eclesiásticas de Base e
Centro Bauruense de Ação Comunitária (SANTOS, 2007, p. 169-170).
Mendonça, em entrevista realizada por Santos (2007, p.172 et. seq.), faz
referência aos marcos do movimento ambiental em Bauru, entre eles a criação do
CONDEMA – Conselho de Defesa do Meio Ambiente - em 1984, órgão que obteria
maior respaldo quando se cria a Secretaria Municipal de Meio Ambiente em 1992, com
autonomia perante as outras secretarias municipais. As Organizações Não
Governamentais - ONGs - também tem desempenhado um papel importante no
município, entre elas a já desaparecida Gaia e, as atuantes Vid´água e Fórum Pró-
Batalha. A criação do Código Ambiental de Bauru em 1999 é o primeiro passo no
suprimento da carência de legislação ligada à questão ambiental.
Em fins da década de 90 as associações de bairro passam a se preocupar com
as questões ambientais, sobretudo devido ao surgimento de graves problemas de
erosão. A AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros) - seção Bauru representa um
papel importante de auxílio à comunidade, através da elaboração de laudos ambientais
e encaminhamentos às autoridades competentes, quando necessário. Entidades como
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), AGB, Sindicato dos Engenheiros, Associações
de Bairro, Pastorais e Ministério Público, entre outras, se mostram compromissadas
com a resolução dos problemas socioambientais da cidade, frente à omissão do poder
público (SANTOS, 2007, p. 173).
90
É imprescindível frisar a importância dos Conselhos Municipais como Condema,
e Condurb (Conselho municipal de desenvolvimento urbano) nas questões sócio-
ambientais do município; e de partidos políticos como PC do B (Partido comunista do
Brasil), PMDB (Partido do movimento democrático brasileiro) e PSTU (Partido socialista
dos trabalhadores unificados) conquistaram frente à problemas do município como
enchentes e inundações (SANTOS, 2007, p. 175-6).
91
Bauru pelos excluídos do sistema de financiamento, pois a COHAB nem sempre
apresenta um preço compatível a todos (FARIA, 1988). Esse movimento de favelização
foi combatido pela Prefeitura com a realização de mutirões de construção, programa
que a COHAB lançou para o Brasil no ano de 1979.
92
Tabela 7.9: Núcleos habitacionais surgidos em Bauru ente 1966 e 1987
Data de
Nome do conjunto Número de casas
inauguração
Jardim Santana 173 1966
Jardim Redentor 452 01/07/1968
Parque União 305 1968- 1969
Jardim Cecap 100 1969
Nova Esperança I 252 01/03/1970
Jardim Nova Esperança I 252 1970
Jardim Terra Branca 576 1971
Jardim Guadajara 72 1970-1972
Jardim Redentor II 662 1973-1974
Jardim América 304 1975
Bom Samaritano 105 01/04/1977
Parque Perdizes 95 27/09/1977
Jardim Nova Esperança II 400 01/06/1979
Jardim Rosa Branca 660 29/08/1978
Jardim Redentor III 132 01/07/1979
Presidente Ernesto Geisel I 800 01/05/1979
Presidente Ernesto Geisel II 1113 01/07/1980
Presidente Ernesto Geisel III 312 01/07/1980
Jardim Eldorado 199 1980
Jardim Progresso 240 1980
Alto Alegre 248 01/01/1981
Beija Flor 1220 01/07/1982
Vila São Paulo (mutirão) 104 01/12/1982
Jardim Europa (mutirão) 46 01/12/1982
Ouro Verde (mutirão) 120 01/11/1983
Parque Jaraguá (mutirão) 171 01/11/1983
Edson Bastos Gasparini 1228 01/08/1984
Luiz E. Coube (mutirão) 88 01/08/1984
DarciCésar Improta(mutirão) 137 1987
FICAM IV 262 1987
Fonte: modificado de COHAB/Bauru apud Faria (1988, p. 27; LOSNAK, p. 263-4, BAURU,
2007 b)
93
Gráfico 7.4: Produção de conjuntos habitacionais entre as décadas de 60 e 80
Tuga Angerami, atual prefeito reeleito de Bauru, cujo primeiro mandato foi de
1983 a 1988, acredita que o Plano Diretor não teve crédito devido aos critérios de
implantação dos conjuntos habitacionais, “bastante discutíveis e dirigidos por interesses
muito mais ligados à especulação imobiliária do que, na realidade, preocupados com
um crescimento disciplinado da cidade”, e classifica esse fenômeno não restrito
somente à Bauru, mas generalizado num quadro de expansão desordenada das
cidades brasileiras durante a década de 70. Anos de expansão dos núcleos
habitacionais populares, quando as COHABs, se apossam das periferias de Bauru
(MORAES, 1988).
94
habitacional, há um lucro potencializado pela especulação, reforçando a contradição
entre superavit habitacional e favelamento (CAMARGO, 2005, p. 118).
O isolamento periférico e o distanciamento dos equipamentos públicos e
coletivos oferecidos nas áreas centrais urbanas, acrescidos dos problemas ambientais
decorrentes da forma de ocupação do solo acabam penalizando a população mais
pobre. Os recursos que poderiam solucionar questões de melhorias dos bairros
populares acabam sendo investidos no controle de problemas ambientais (ALVES,
2001, p. 113).
A justificativa do distanciamento, das áreas adquiridas para novos
parcelamentos, tendo em vista o barateamento da terra, sob um olhar mais
crítico que nos interessa, foi uma maneira simplista e compromissada da
COHAB e outras entidades em colaborar com os proprietários de terras na sua
especulação imobiliária e, demonstra um comprometimento passivo e cúmplice
com um modelo capitalista e especulativo da cidade, que afinal também não
está comprometido de fato com o atendimento de casa própria a todos e
principalmente com os mais carentes (ALVES, 2001, p. 116).
Losnak (2004, p. 206-11) cita que quando se dava a entrega dos núcleos aos
novos moradores, estes eram entregues sem infra-estrutura, em lugares desabitados, e
distantes da dinâmica central da cidade, as melhorias tinham de ser conquistadas pelos
próprios moradores por meio de trabalhos individuais, organizações comunitárias e
mobilizações políticas. As relações de sociabilidade rapidamente se modificavam
estimulando o surgimento de diversas atividades econômicas.
A didática da lógica especulativa é a de reservar terras para maiores
valorizações futuras, de forma a ampliar o perfil de renda dos moradores adquirentes
das unidades habitacionais e aumentar o número de unidades habitacionais por área do
terreno. Com a chegada gradativa de infra-estrutura e equipamentos nas zonas
periféricas as áreas intermediárias passam a ser valorizadas. Por meio dessa prática de
valorização dos lotes. As elites conseguem atrair investimentos para áreas potenciais
em novos investimentos privados, como o shopping (ALVES, 2001, p. 127-9).
Fato é que a falta de uma gestão integral de terras públicas estruturadas relegou
as estruturas coletivas e espaços públicos a segundo plano. A maior preocupação
quase sempre foi apenas aprovar um loteamento ou conjunto habitacional privilegiando
a execução do maior número possível de unidades habitacionais e não havendo
95
maiores preocupações com a estrutura viária hierarquizada e com a organização das
áreas públicas (ALVES, op.cit.).
Figura 7.6: Ilustração dos conjuntos habitacionais (zonas leste, norte, oeste) e
loteamentos fechados (zona sul) (ALVES, 2001, p. 123).
96
A Lei Municipal do Parcelamento, uso e ocupação do solo de Bauru de 1982
restringe ainda mais a Lei Federal 6.766 de 1979, mas mesmo assim, a produção de
loteamentos sem infra-estrutura e em dissonância com o Plano Diretor anterior (1967)
aumenta consideravelmente, principalmente nos loteamentos executados pela COHAB
(ALVES,op.cit.).
O segundo plano diretor viria a ser defendido por todos os estratos sociais, em
face dos dados da Secretaria da economia e planejamento do estado de São Paulo
apontarem a micro região comandada por Bauru como a de maior crescimento
potencial e crescimento até o final do século e, com o ônus da metropolização
reversível. Tuga Angerami, prefeito de Bauru reeleito, cujo primeiro mandato foi de
1983 a 1988, adverte que apesar de se falar em planos, eles normalmente são
deixados de lado para permitir prevalecer outros interesses (MORAES, 1988, p. 77).
Pretendendo-se a um maior controle do solo urbano a Prefeitura amplia o corpo
técnico e o escritório técnico de planejamento fica responsável pelas diretrizes
urbanísticas para parcelamento, porém a falta de um melhor planejamento urbano e de
uma atuação diretiva e fiscalizadora do poder municipal continuou a ocorrer, agravando
os problemas já existentes com assoreamentos e enchentes (RIGITANO, 2003; ALVES,
2001).
No final dos anos 80 e início dos 90 há uma liberalização das leis através de uma
comissão de zoneamento formada pelo poder público para a construção de Shopping-
centers e de hotéis (ALVES, 2001). O comércio bauruense se dinamiza com a
expansão de grupos locais, como o Grupo de Hotéis Obeid que se espalha pela cidade,
e a instalação de filiais de grandes grupos (FARIA 1988, p. 35).
Conforme esclarecimentos de Rigitano (2003), o Escritório Técnico se transforma
em Secretaria do Planejamento – Seplan- em 1989, e embora devesse planejar
antecipadamente numa visão ampla toda a cidade, passa a ser consultado apenas
quando todo o projeto está definido e sob pressão de execução, quando o correto seria
desligar-se o órgão de aprovação dos loteamentos do de planejamento, e criar-se uma
secretaria exclusiva que não ficasse a mercê da troca de governo e da descontinuidade
administrativa. O que se percebe até hoje é a pouca estrutura da Seplan para atender a
tantas atividades (MOURA, 2003).
97
Em 1990 a Lei Orgânica Municipal (LOM) impõe ao município a elaboração do
Plano Diretor para Bauru, e em 1996 ele será elaborado por funcionários da Seplan,
DAE – Departamento de Água e Esgoto - e ENDURB – Empresa municipal de
desenvolvimento urbano e rural. O Plano pretendia abranger a todas as áreas, mas
devido à escassez de tempo para sua realização, apenas apontou as diretrizes. As três
Áreas de Preservação Ambiental foram criadas para conservação dos mananciais e
controle da expansão urbana, introduziu-se a Carta Geotécnica do IPT, a necessidade
de um plano de macrodrenagem e, a possibilidade de barragens de contenção nas
Nações Unidas, Água do Sobrado e Córrego da Grama (RIGITANO, 2003 apud
MOURA, 2003).
O IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo- elaborou
um extenso trabalho sobre a problemática das erosões em Bauru, resultando na
confecção da Carta Geotécnica, que mostra claramente as áreas de maior
suscetibilidade à formação de erosões (IPT, 1991). O atual Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado (lei 4.126/96) propõe a não ocupação das áreas definidas
com alto risco de formação de erosões, dispostas nesta Carta Geotécnica, parte
integrante do Plano Diretor de Bauru de 1996 (INSTITUTO, 2003).
As diretrizes de parcelamento foram organizadas de forma a obrigar os
empreendedores a executar as vias principais e a reservar as áreas de fundo de vale
para a criação de parques lineares (MOURA, 2003). O Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano (CONDURB) é criado em 1999 visando a tratar as questões
de legislação, plano diretor e diretrizes de projeto, e em 2001 é aprovada a criação do
Estatuto da Cidade, com o intuito de coibir prefeitos que se utilizam do Plano Diretor
como estratégia de governo.
Em dezembro de 2003 uma comissão foi nomeada para trabalhar na elaboração
do Novo Plano Diretor de Bauru, incumbida de prever ações a serem seguidas pelos
próximos prefeitos para normatizar o desenvolvimento da cidade. Os técnicos utilizaram
dados do Projeto Bauru + 10, Conferência das Cidades, Conferência do Meio Ambiente,
Conferência da Assistência Social, propostas da população, entre outros (SILVEIRA,
2004 b). O Plano Diretor estabeleceu diretrizes para drenagem habitação, áreas verdes,
sistema viário, vazios urbanos, saneamento, pólos de desenvolvimento, entre outros.
98
7.6.1 O processo de verticalização
100
Deve-se salientar que o processo de verticalização quando se expande pela
cidade do interior, anuncia a chegada do desenvolvimento, tão ansiado pela “Bauru
sem limites”, pelas semelhanças com as cidades grandes. A partir de 1990, este
movimento de verticalização intensifica-se sobremaneira, ligado aos novos vetores de
concentração do capital, de acordo com a polarização exercida pelos novos ícones da
modernidade dispersos pelo território.
Como se viu a Política Urbana dos artigos 182 – aprovada em 1988, aumenta a
autonomia dos governos municipais. A introdução do modelo neoliberal aumenta o
ingresso de capitais externos e com ele uma maior polarização e fragmentação da
cidade. Os primeiros loteamentos de alto padrão de Bauru refletem essa tendência e
são do final do século XX e início do século XXI, porém eram abertos à circulação de
pessoas nos seus espaços públicos. Com a exacerbação da propaganda da indústria
da segurança e do conforto, reforça-se o processo de implantação de loteamentos
fechados segregatícios, como demonstram a Tabela 7.11 e Tabela 7.12.
Vale-se ressaltar que os “loteamentos fechados”, diferentemente dos
condomínios fechados, são do ponto de vista jurídico ilegais, portanto todos os
loteamentos fechados de Bauru são discutíveis do ponto de vista jurídico, além de
representarem o avanço da segregação social.
A restrição à novos loteamentos desconexos da malha urbana já parcelada,
sempre foi interpretada pelos proprietários de terras e, mesmo pelo poder municipal,
como uma forma de congelar o desenvolvimento urbano. Essa confusão entre
desenvolvimento e crescimento urbano especulativo colaborou sobremaneira com o
processo de “fragmentação urbana”. O poder público geralmente submisso aos fatores
econômicos especulativos do mercado e aos aspectos políticos imediatista, raramente
consegue estabelecer diretrizes urbanísticas eficazes, para os próprios loteamentos e,
entre eles e a cidade (ALVES, 2001, p. 127-8).
O modo de implantação dos loteamentos fechados se mostra impactante do
ponto de vista ambiental, sendo atualmente um dos responsáveis pela formação das
erosões urbanas, por conta da implantação de empreendimentos em desacordo com a
101
geotecnia e as normas de dissipação de água. É comum ao redor do muro dos
residenciais, se encontrarem tubulações abertas, onde se inicia o processo de
ravinamento. Além disso, a implantação visa ao rendimento máximo do terreno. Nos
trabalhos de campo realizados juntamente com os profissionais da Secretaria de Meio
Ambiente e do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais),
era comum se verificar que, concomitantemente ao inicio das obras dos residenciais à
beira dos córregos, as nascentes eram drenadas em direção à beira do leito do rio, de
forma a se ganhar mais espaço para edificar.
Loteamentos fechados 3 -- 6 10 19
Fonte: Modificado de Bauru (2007 a)
102
ÁREA DE ESTUDO
8 Urbanização do córrego: produção da degradação e da exclusão
103
Mapa 8.2: Mapa da Bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida com avenidas,
alguns bairros e rodovia Marechal Rondon
104
O processo de ocupação da bacia hidrográfica segue a mesma tendência de
urbanização do município de Bauru. Primeiro instalam-se os conjuntos habitacionais
distantes do centro, como o Geisel e o Jardim Redentor, visando ao abrigo dos
trabalhadores que sediariam o distrito industrial7 (CAMARGO, 2005, p. 117, LOSNAK,
2004, p. 203). Os vazios urbanos ficam resguardados para maior especulação a espera
de infra-estrutura e avenidas. Com o passar do tempo, a cidade se aproxima, e as
áreas vazias valorizam-se. Em seguida, os conjuntos privados são lançados para a
população de maior poder aquisitivo em áreas melhores para obter a ampliação dos
coeficientes de aproveitamento e taxas de ocupação. São exemplos dessa fase os
condomínios verticais Vila Verde, Vila Grená, Campo Belo e Campo Limpo. Por último
se dá a implantação dos loteamentos horizontais e verticais de “alto padrão” para a
classe econômica mais beneficiada, como o Jardim Colonial (ALVES, 2001, p. 118).
Note-se pela Tabela 8.1 e Figura 8.1 que as primeiras ocupações da bacia
hidrográfica são os loteamentos abertos surgidos em fins da década de 40 até metade
da década de 60, quando se dá a maior produção de loteamentos do município, devido
ao incremento das atividades no setor terciário, de comunicação e do setor de
transportes em meio a euforia desenvolvimentista canalizada pelas ações do Prefeito
Nicolinha. Nesse período expansionista da cidade denominado “Cidade Sem Limites”,
com início em meados de 1940 e que se estende até hoje, o parcelamento ocorreu de
forma generalizada, como é o caso da Vila Engler, Jd. Carolina e Santos Dumont
(ALVES, 2001, p. 118 et. seq.).
7
Uma das estratégias do governo da ditadura militar (1965 a 1988 ) para desenvolver o capitalismo foi
investir na industrialização. Os operários deveriam sediar os novos núcleos habitacionais com
financiamento do governo, tal como o BNH, COHABs, INOCOPs e CECAPs. O movimento migratório em
busca desses novos centros industriais intensifica-se, sobremaneira. Parte dessa população se estrutura
e tem condição de financiar um imóvel, outra parte, atingida pelos efeitos negativos das mudanças
governamentais, principalmente no campo, com a modernização agrícola e projetos como o PróAllcool,
em 1973, encontra nas periferias e áreas abandonadas da cidade o refúgio para sobreviver, agravando o
processo de favelamento.
105
Quando a COHAB chega, em fins de 1960 e ao longo de 1970, percebe-se o
declínio da produção de loteamentos abertos e o aumento da construção dos conjuntos
habitacionais, momento em que há atração de migrantes buscando colocação no
mercado de trabalho. Nesse quadro de construção de quase uma dezena de conjuntos
habitacionais, se tem origem a formação da única ocupação irregular desta bacia
hidrográfica em meia à Zona Sul, ainda distante do centro, o Jardim Nicéia.
106
Figura 8.1: Loteamentos com data de aprovação na bacia hidrográfica do córrego da
Água Comprida (KLEIN et. al., 2005)
107
O que de fato vai diferenciar a ocupação e o desenvolvimento desigual desses
bairros é que, desde o início da formação urbana de Bauru, a classe
econômica mais alta, apoiada pela maioria absoluta dos representantes do
poder político de Bauru, prefeitos e vereadores, vai colaborar para a afirmação
e regulação por leis urbanísticas, como a lei de zoneamento e os planos
diretores, para que ela ocupasse as regiões sul, sudoeste e sudeste,
preferencialmente. Assim é nessas áreas que de forma aleatória e sem
qualquer contrapartida social e pública maior, que vão ser concedidos os
maiores índices de coeficientes de aproveitamentos e taxas de ocupações
(ALVES, 2001, p. 122-3).
108
Mapa 8.3: Mapa de compartimentos altimétricos do Córrego da Água Comprida com
destaque para área de estudo
109
Mapa 8.4: Mapa clinográfico do córrego da Água Comprida com destaque para área de
estudo
110
Conforme o movimento de urbanização foi se intensificando, a nascente do
córrego da Água Comprida, primeiramente próxima às margens da rodovia Marechal
Rondon, ponto localizado com o número 1 na Figura 8.2, foi migrando para as partes
mais baixas do morro, chegando a localizar-se em meio ao Jardim Nicéia, ponto
localizado pelo número 2 e, depois para o centro de onde se fez a rotatória da Avenida
Antenor de Almeida, ponto 3, até alcançar, atualmente, a altura dos residenciais
fechados na jusante do alto curso, ponto 4.
Tal fato deve-se à aceleração do processo de urbanização desta cabeceira,
processo este ligado ao aumento do nível de sedimentos que é levado para a área. Em
menos de uma década o nível do solo elevou-se de maneira que a nascente passou a
emergir em vários níveis diferentes do morro por causa da deposição gradual de
sedimentos que se sobrepunha ao nível do solo no qual ela corria. Portanto ela sempre
ia aparecendo um nível altimétrico abaixo.
O solo da cabeceira da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida
apresenta declividade inferior a 2% como pode se ver nas áreas pintadas em verde em
meio ao Jardim Nicéia na Figura 8.3, tanto no caminho anteriormente percorrido como
no atualmente percorrido pelo córrego. Nesse caso verifica-se o surgimento dos feitos
erosivos na área de cabeceira por onde se concentram linhas preferenciais de água,
fato constatado em meio ao Nicéia. Como citado por Salomão (1994) é comum o
surgimento de feitos erosivos relacionados à reativação de linhas de drenagens
naturais.
A realidade vivenciada pelos moradores do Jardim Nicéia afere com esse dado,
pois o bairro situa-se ao redor do antigo leito, e é rotineiro o fluxo de águas em meio a
essa linha de drenagem natural ligada a eventos pluviosos, o que provoca o arraste do
solo desnudo. Como há casas muito próximas dessa linha de drenagem, verifica-se o
aparecimento de rachaduras no interior de algumas residências. Além do mais, há fluxo
de água proveniente da lavagem dos ônibus situados a algumas quadras acima do
Nicéia, o que torna esse caminho natural das águas constantemente “reativado”,
quadro que somado ao lixo jogado pelos próprios moradores, acaba por formar ilhas de
água parada, que se tornam focos de contaminação e criadouro de insetos.
111
Figura 8.2:Cabeceira de drenagem do córrego da Água Comprida
112
A classificação proposta por De Biasi (1992), no qual as áreas inferiores a 2%
são mais propensas às inundações, é fato problemático no Nicéia. No antigo leito do
córrego, no meio do bairro, onde se localizam os solos hidromórficos, ocorrem
episódios de inundação de grande intensidade que chegam a impedir a travessia de
uma margem à outra, já que as casas dispõem-se paralelamente e perpendicularmente
ao antigo leito, quando não sobre este.
Verifica-se que os processos erosivos são freqüentes no bairro, assim como em
toda a jusante do alto curso, próxima aos residenciais, identificados com os números 1
e 2 na Figura 8.3, sobretudo causadas pela má dissipação da drenagem superficial. A
forma do relevo da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida potencializa os
processos erosivos locais, por ser formada por rampas longas e inclinadas. A
associação dos substratos areníticos do solo, à reativação de linhas de drenagens
naturais, acaba por resultar em sulcos e ravinas nas linhas preferenciais de
concentração de água.
113
degradação ambiental e desajustes no meio social, coibindo da forma como pode
possíveis danos decorrentes da ocupação extensiva que diretrizes municipais não
conseguem refrear. As discussões do Plano Diretor Participativo deixaram nítida a
vontade popular de preservar as reservas significativas de vegetação nativa que ainda
restam nessa bacia hidrográfica.
Já em 1998, marca a história do movimento ambiental de Bauru uma primeira
mobilização de associação de moradores, contra a abertura do sistema viário que
estava provocando erosões. Em 2004, uma forte mobilização de moradores solicitou
práticas coerentes no controle de voçorocas, e com a formulação do Plano Diretor
Participativo, as reivindicações avançaram até para a preservação de manchas de
Cerrado existentes na bacia (SANTOS, 2006).
114
residencial encontra-se em trâmite burocrático para aprovação sobre a mata fronteiriça
ao residencial Jardim Colonial, o loteamento responsável pela abertura da erosão
perpendicular ao córrego em 2002. Esse fato bastou para que o movimento pela
preservação da Floresta urbana do Córrego da Água Comprida eclodisse em 2007
apresentando clara relutância tanto a esse feito em particular, como na luta por causas
maiores relacionadas aos impactos da urbanização no mundo, como o efeito estufa.
Acresce-se a essa complexibilidade, a campanha para execução do plano Diretor
Participativo iniciada em 2003 e que atualmente encontra um plano em vias de
aprovação na Câmara de vereadores. As reuniões promovidas para estimular a
participação no planejamento buscaram capacitar a população, principalmente as
lideranças regionais. Esclarecimentos técnicos foram compartilhados com a população
e os termos do Estatuto da Cidade detalhadamente exemplificados, inclusive pela
autora, porém percebeu-se a ausência de muitos funcionários públicos nos debates. O
parecer de uma funcionária, em relação à participação da Seplan, nas discussões do
Plano Diretor, deixa transparecer dentro do próprio órgão responsável pelas diretrizes
municipais, o posicionamento tecnocrático8 de parte dos funcionários.
Não participou nenhum técnico da Seplan que aprova loteamento, que aprova
planta, fiscaliza a cidade ou mesmo que faz o planejamento do sistema viário
(...) É Lógico que eles não deveriam influenciar nas decisões da população,
mas entender a cidade e como a cidade funciona (ORTOLANI, 2007, grifo do
autor).
8
De acordo com Marcelo Lopes de Souza, os planejadores acabam por desempenhar o papel de
acríticos do “status quo”, quando tomados como profissionais a serviço do Estado e, portanto, de
interesses empresariais diversos. Assim, seu papel como co-promotor do desenvolvimento urbano, os
coloca como criadores e aperfeiçoadores de meios mais eficazes de permanência da ordem vigente, ou
seja, o da atuação do aparelho estatal na promoção do crescimento econômico e da modernização
capitalista. Mesmo que suas crenças pessoais anseiem por um desenvolvimento urbano sustentável,
essa “neutralidade” do planejador, sem que disso se dê conta, mantém os interesses dos grupos
dirigentes. Parte desse legado advém da própria formação introjetada na faculdade (SOUZA, 2006, p.
264-5).
115
Contraditoriamente a esse processo, em 1997 e 1998, parte dos empreendimentos
Campo Limpo e Campo Belo (Figura 8.4), edifícios verticais de oito andares, foram
aprovados sobre a área prevista para a avenida, inviabilizando o traçado previsto pelo
Plano Diretor de 1996 (ALVES, 2001, p. 120 et. seq.).
Figura 8.4: Interferências que comprometeram o Plano Diretor de 1996, com destaque
aos condomínios verticais, em laranja e cinza (adaptado de ALVES, 2001)
Esta avenida não conta com estudos técnicos, como EIA – RIMA, para se fixar
às margens do córrego da Água Comprida, principalmente depois dos impactos
ambientais desencadeados pela implantação dos empreendimentos residenciais
fechados próximos à área da nascente, melhor explicado no Subcapítulo 8.4. A
prefeitura, num dos trabalhos de campo, estava a concretar o leito do córrego sob a
justificativa de que esta obra faria parte de um projeto para diminuir a declividade do rio
em cerca de 2% através do assoreamento gradual pelos cachimbos que estão sendo
implantados, tudo visando à instalação futura das avenidas margeando o leito do
córrego (Foto 8.1). O traçado original seguiu sem nenhuma alteração nas diretrizes no
novo Plano Diretor, porém, ele só será possível na jusante do baixo curso a menos que
se empurre a avenida para a área de Preservação Permanente entre os residenciais
implantados na cabeceira do córrego, onde atualmente está uma erosão aterrada e
uma obra de canalização aberta (Figura 8.5).
116
Foto 8.1: Obras realizadas pela Secretaria de Obras de Bauru, em meio aos
residenciais fechados na cabeceira do Córrego da Água Comprida, visando à
implantação futura da avenida (Fonte: F. N. CORGHI, 2005)
117
8.2.1 Jardim Nicéia: um caso de exclusão
118
Figura 8.6: Disposição dos residenciais, do Jardim Nicéia e das erosões na cabeceira
da bacia hidrográfica do córrego da Água Comprida (CORGHI et.al., 2006)
largo central
Figura 8.7: Configuração morfológica do Nicéia (modificado de ALVES, et. al, 2004)
119
Foto 8.2: Destaque para a diversidade de materiais presentes numa moradia (Fonte:
F.N. CORGHI, 2005)
Foto 8.3: Moradora levando materiais de construção para sua residência (Fonte: F.N.
CORGHI, 2005)
120
8.2.2 A origem
121
Foto 8.4: Alguns barracos de madeira ainda resistem no bairro (Fonte: F.N. CORGHI,
2008)
122
desse contingente populacional atingido pela política de queda do salário real para
suprir os déficits da dívida externa, pela quebra de estabilidade do emprego ,
principalmente, pelas reformas trabalhistas do campo, e os incentivos ao programa
Proálcool, surgido em 1973, visando a substituição da gasolina pelo álcool, devido a
crise do petróleo.
O BNH procura prover a demanda por habitação, porém a renda exigida para o
processo de financiamento sobrepuja as condições econômicas dessa ala da
população mais necessitada. Ao mesmo tempo em que as habitações desse sistema
sofrem um superávit, o que se verifica é o aumento do processo de favelamento na
cidade como alternativa às conseqüência da modernização conservadora promovida
pelos militares. A grande preocupação é inserir o país na economia mundo enquanto a
população fica relegada a segundo plano. Bauru apesar de pólo sub-regional
concentrador de atividades na hierarquizada malha urbana programada não se livra dos
efeitos antagônicos da crise.
A citação de Correa (2000, p.30-5) é pertinente ao Jardim Nicéia, ao retratar o
espaço vivido como campo de representações afetivas, que torna próximo lugares e
áreas longínquas em função da afetividade. Através dessas práticas espaciais, a gestão
do território e o controle da organização se reproduzem na forma como as sociedades
produzem seus espaços (DUARTE. 1980; SANTOS, 1978 apud GOMES, 2000, p. 66).
Ao mesmo tempo em que se tem uma comunidade sendo formada essencialmente por
parentes e amigos, tem-se a reprodução de práticas rurais que acabam por denunciar a
origem de muitos moradores. A mixagem do rural e do urbano evidencia-se pelos
animais soltos pelo bairro e hortas existentes nos pequenos lotes dessas residência
(Foto 8.5, Foto 8.6, Foto 8.7).
123
Foto 8.5, Foto 8.6, Foto 8.7: Rural e urbano se misturam em meio ao Nicéia, onde é
comum se encontrar animais de grande porte (Fonte: F.N. CORGHI, 2007)
Note-se que entre 1992 e 1993 o número de habitantes mais do que dobra,
conforme pode se ver na Tabela 8.3. Associa-se esse fato à doação de lotes feita por
Dona Isaura, que na época acreditava ser a verdadeira dona da gleba. Esse fato
difundiu o Jardim Nicéia pelas facilidades de se encontrar habitação, e cidades
vizinhas, com Santa Cruz, vieram gradativamente para o bairro, trazendo família e
124
mudanças. Pelas entrevistas nota-se também o incremento populacional de origem
pernambucana em fins da década de 90.
Fonte: Modificado da Secretaria municipal do bem-estar social do município de Bauru-SP (apud LAVEZO,
2005)
125
caminhões de entulho, os quais ele conseguiu que fossem despejados no interior dessa
erosão, onde a casa de alvenaria em que eles moram atualmente está alicerçada.
A moradora mais antiga no bairro, conhecida por Dona Cida (SANTOS, 2007 b),
em seus 40 anos de Jardim Nicéia, conta como conseguiu os postes de luz, do qual
somente a parte alta do bairro se beneficiou por muito tempo. Estes seriam fruto de
suas reclamações diretamente ao prefeito Tidei de Lima, onde ela trabalhava como
doméstica, antes da chegada dos postes de eletricidade através do prefeito Izzo.
Também afirma que os tijolos doados para a construção do poço artesiano, do
qual o bairro se abasteceu por muitos anos, seriam os utilizados para a construção de
sua casa, mas dada a extrema necessidade de abastecimento de água, ela os cedeu
às obras. Como o bairro não tinha infra-estrutura e era no meio do mato, ela ia lavar
roupas no Jd. Samburá com suas quatro crianças.
Atualmente, não são poucos os problemas do bairro. A ausência de posto de
saúde, creche e escola obrigam os moradores a atravessar a rodovia Marechal Rondon
de tráfego intenso e a andar 1,5 km até o Jardim Europa. As ruas não são
pavimentadas, e em períodos de chuva detectam-se problemas de sulcos e erosões.
Partes do bairro sofrem inundação e chegam a inviabilizar o transporte coletivo (ALVES
et.al., 2004, p. 6). Muito lixo ainda é jogado no antigo leito do córrego por alguns
moradores, mesmo a contra gosto da maioria que gostaria de utilizá-lo como área de
lazer (Foto 8.9, Foto 8.10). O que atualmente mais aflige esta população é a incerteza
quanto ao futuro da permanência no bairro, devido à falta de titularidade dos terrenos.
126
Foto 8.8: Infra-estrutura adquirida informalmente por esforços dos próprios moradores
do Nicéia (ALVES et. al., 2004, p. 6)
Foto 8.9 e Foto 8.10: Lixo no antigo leito do córrego e um dos caminhos de
concentração de água pluvial afetado por processo erosivo (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
127
8.2.4 Disparates sócio-econômicos
128
Tabela 8.4: Renda da população do Jardim Nicéia
Sem Salário Até 1 De 2 a 4 Acima de 4 Total
Foto 8.11 e Foto 8.12: Destaque para a entrada e área de lazer de um dos loteamentos
fechados (Fonte: GSP, 2007)
Foto 8.13 e Foto 8.14: Muro que separa o residencial do Jardim Nicéia e sua entrada
principal (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
129
A carência de equipamentos no Jardim Nicéia, porém não aparenta limitar o
encontro e as brincadeiras dos moradores. Uma característica interessante do bairro é
a criação de microáreas de lazer como extensão da casa dos moradores, ao longo de
todo o bairro. A qualquer hora do dia e mesmo em dias chuvosos encontram-se
pessoas nas ruas. As crianças brincam em todos os cantos, inclusive no processo
erosivo instalado no meio do “largo central” (Foto 8.15, Foto 8.16).
Foto 8.15: Uma das microáreas de lazer do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2008)
Foto 8.16: Crianças no meio de uma rua do Jardim Nicéia (Fonte: F.N.CORGHI, 2007)
130
Foto 8.17 e Foto 8.18: Área de lazer projetada informalmente para o bairro (CORGHI,
2005) é utilizada como retrato de parede na casa de Dona Alice, liderança no bairro
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005 )
Em outro momento dessa pesquisa projetou-se uma área de lazer para o bairro,
projeto este que foi entregue em posse dos moradores e se situa em uma das
residências, cuja moradora o exibe como retrato de parede e o utiliza como exemplo
para a revitalização do largo central (Foto 8.17, Foto 8.18). Esta moradora, Dona Alice é
uma ativista e uma liderança no bairro. Graças aos seus esforços o Jardim Nicéia tem
angariado maior reconhecimento como movimento de reivindicações nos órgãos
públicos e entre a população de Bauru, já que ela não mede esforços para freqüentar
as reuniões e comissões promovidas para melhorias do município.
131
lavrada. Em troca, os moradores deveriam construir apenas casas de alvenaria, dentro
de um prazo de dois anos (LAVEZO, op. cit.).
Enquanto a Justiça não definia quem eram os donos particulares, os moradores
do Nicéia, juntamente com a Delegacia Regional de Bauru do Sindicato dos
Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp) e a Associação dos Mutuários e
Moradores de Bauru e Região (Ammbre) promoveram uma ação de reconhecimento de
propriedade dos terrenos em 2002, logo após a aprovação do Estatuto da Cidade,
dando início ao que seria o primeiro caso de usucapião coletivo do município (LAVEZO,
2005, p. 20; MARANHO, 2007; RIGITANO, 2007).
Conforme as especificações do Artigo 12 º do Estatuto das Cidades (BRASIL,
2005 a) somente podem ser partes legítimas para a propositura da ação de usucapião
especial urbana:
9
Composse é a posse comum sobre o mesmo bem (divisível ou indivisível), exercida concomitantemente
por dois ou mais sujeitos (pessoas físicas e/ou jurídicas). A composse está para o mundo dos fatos,
assim como o condomínio está para o mundo jurídico. Pode se verificar a composse como se os co-
titulares fossem condôminos (posse de coisa indivisa) (GUILHERME, 2007).
132
Outra alternativa encontrada pelos moradores foi a de contratar um advogado
particular para representar a causa. O “presidente do bairro” em 2007, Maranho (2007),
explica que cerca de 60 moradores optaram por aderir a essa prática, para se
precaverem contra os possíveis interesses da associação de engenheiros e garantirem
maior eficiência no processo. Maranho, como principal responsável pela intermediação
ente os moradores e o advogado, cita o Plano Diretor com certa descrença quanto à
sua efetividade.
De acordo com os esclarecimentos do advogado, Slobodticov (2007), o bairro
não teria condições de entrar com uma ação de usucapião especial coletivo porque o
Nicéia precisaria estar numa condição de condomínio e isso seria muito difícil para
moradores que nem ao menos conseguiram legalizar a Associação do bairro devido à
falta de capital e estrutura. Administrar em condomínio significa tomar qualquer decisão
no bairro somente mediante convocação preliminar de todos os moradores, atas e
assembléias formalizas e, ao menos constando de algumas publicações em jornal. Por
conta disso, ele optou por entrar com uma ação de usucapião especial individual,
também de acordo com os termos do Estatuto das Cidades, no qual as famílias por ele
representadas estão garantidas contra qualquer ação de despejo, como de fato se
confirma.
Cândido (2007) e Maranho (2007), mais conhecidos como Adalto e Wando, são
também lideranças no bairro, e estão sempre informados sobre os avanços ocorridos
do processo de regularização fundiária nas instâncias superiores. Ambos nos informam
que o processo de usucapião coletivo realizado pela Prefeitura tomou recentemente os
mesmos rumos da documentação elaborada pelo advogado particular nas instâncias
jurídicas. Na ação movida pela Prefeitura e associados, o bairro inteiro seria incluído na
ação de usucapião coletiva.
Mesmo assim, cerca de 20 famílias vislumbraram outra possibilidade de adquirir
um pedaço de terra. Sob o auxílio da CUT - Central Única dos Trabalhadores-,
juntaram-se ao movimento de reforma agrária no Horto Florestal e atualmente almejam
somar-se às famílias selecionadas pelo INCRA para adquirir 5 ha de terra.
A área do Horto Florestal ocupada fica na divisa entre Bauru e Pederneiras e
está em processo de desapropriação desde o segundo semestre de 2005. O grupo de
133
Agricultura Familiar Terra Nossa - ligado à FAF- Federação da Agricultura Familiar-, e à
CUT, está a cerca de 5 anos vivendo em meio aos eucaliptos que compõem a
paisagem, e aos poucos conquistam mais áreas para a produção agropecuária
(MORAES, 2006).
A área desde fins de 2007 foi decretada como sendo de domínio publico e
atualmente os assentados buscam por infra-estrutura e corte dos eucaliptos. As famílias
selecionadas pelo INCRA já estão recebendo incentivos para a compra de
equipamentos à produção, construção da casa e alimentação. O cenário se compõe de
uma vasta mata de eucaliptos que se estende por quilômetros onde se encontram
pequenos núcleos compostos por casas de madeira e lona entre os troncos. Pequenos
assentamentos se distribuem tendo por origem de seus moradores causas diversas.
Num desses assentamentos, a cerca de 5 quilômetros do início da mata de eucaliptos,
se encontram os primeiros moradores do Nicéia que se aventuraram nessa empreitada
de se juntar aos Sem-Terra (Foto 8.19).
Alguns alugaram as suas casas no Nicéia, outros optaram por manter ambas as
casas, e os mais otimistas venderam as casas do Nicéia, algumas com mais de 15
anos, e preferiram se concentrar no assentamento. Dona Sueli (ANTUNES, 2008),
como prefere ser chamada, conta que prefere garantir a posse de terra junto ao INCRA
– Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -, pois assim pode desenvolver
atividades rurais e garantir o sustento da família, que atualmente se divide entre as 2
casas, a de alvenaria no Nicéia, e a de bambu e lona no horto, nenhuma regularizada.
Diz que procura uma oportunidade de sustento para sua família e com os incentivos
proferidos pelo INCRA pretende dar início à produção agrária. Seu marido, vítima do
saturnismo causado pelo chumbo da fábrica de bateria na qual trabalhou em Bauru,
onera muito do orçamento familiar com remédios.
134
Foto 8.19: Assentamento em meio aos eucaliptos do Horto Florestal se apresenta
também como opção aos moradores do Jardim Nicéia (Fonte: F. N. CORGHI, 2008)
135
Figura 8.8: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para a ZEIS
do Jardim Nicéia (BAURU, 2007 d)
(...) A ZEIS que está prevista na área do Jd. Nicéia ainda não está aprovada.
Ela é uma proposta que está no projeto de lei que está na Câmara. Somente se
aprovado o Plano Diretor, a área passa a ser uma ZEIS (...) Na situação de
reintegração de posse não é o fato de ser ZEIS que vai determinar a posição do
juiz. O judiciário é um pouco autônomo nessa questão. Poderia ser até um
argumento em defesa da permanência da favela o fato de no Plano Diretor ser
ZEIS, mas não sei se o juiz vai estar olhando o nosso Plano Diretor para
decidir. É uma argumentação que a defesa tem que fazer [...] (RIGITANO,
2007).
136
O advogado responsável pelo processo de usucapião também nos esclarece,
porque o Plano Diretor não foi contra a ação de reintegração de posse:
Não foi porque aquilo é área particular. Para a burocracia do poder público
legalizar área particular é muito complicado. Pode ocorrer em algumas
situações: ou o particular faz doação para o poder publico” ou “[...] quando a
pessoa não consegue pagar mais, ela faz uma doação por conta dos tributos”
para ”o poder público tomar posse [...]. O IPTU é uma forma do poder público
legalizar os bolsões de pobreza [...] desde que [...] tenha fôlego pra ir atrás dos
devedores fazer gestão junto com eles. Coisa que lá não fizeram
(SLOBODTICOV, 2007).
137
(...) círculos de informação e pressão (portanto, de poder) que se constituem
como mecanismo para permitir a articulação entre setores do Estado (...) e
setores das classes sociais (...) ao redor de um interesse específico que pode
unir, momentaneamente (...) um 'círculo de interessados' na solução de um
problema (CARDOSO, 1974, p. 208).
138
Figura 8.9: Cabeceira do Córrego da Água Comprida com destaque às ocupações
urbanas, erosões, antes das obras de correção, e nascente do córrego na cor azul
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005)
139
Os laudos técnicos já registravam a presença de um pequeno processo erosivo
no local e as discussões no CONDEMA – órgão ambiental ligado à aprovação dos
empreendimentos - foram intensas para determinar uma ocupação com moderação e
prazos rigorosos quanto ao reflorestamento e cumprimento da construção de galerias
de água pluvial e dissipadores de energia (SÃO PAULO, 2002).
Estes prazos foram descumpridos, as chuvas de verão entre o ano de 2003 e
2004 carrearam grande quantidade de solo desnudo devido à saída das galerias
estarem desprovidas de dissipadores de energia hidráulica. Um dos resultados da
negligência foi o crescimento vertiginoso do pequeno processo erosivo, que se
transformou em uma imensa voçoroca, identificada pelo número 1 na Figura 8.9
(CORGHI, GIACHETI, 2004 a, p. 5-8; CORGHI, GIACHETI, 2004 b).
As alterações planialtimétricas ocorridas no local culminaram na implantação de
diversas medidas paliativas para conter o processo erosivo, dentre elas um colchão de
pedras, mas a força das águas em frente às tubulações da Avenida Antenor de Almeida
acabou por provocar a queda dos taludes e a alteração sensível do leito do córrego
(Foto 8.20, Foto 8.21).
Em julho de 2004, parte das obras de contenção começaram a ser instaladas
para serem concluídas em 2005 (Foto 8.22). Devido ao represamento de uma mina de
água ao lado das obras de retificação do leito do córrego, se realizou um projeto de
drenagem dessa água com seu redirecionamento para o córrego (Foto 8.23, Foto 8.24).
O aterramento da mina d’água foi efetuado de fato, em grande parte, com terra vinda da
voçoroca do Jardim Colonial logo à frente, pelos mesmos caminhões que se dirigiam
para lá levando entulho. Na época a presente autora denunciou nas páginas do Jornal
de Bauru, o crime socioambiental que era cometido.
140
Foto 8.20 e Foto 8.21: Evolução da voçoroca do Residencial Chácara Odete e obras
paliativas como solução emergencial (Fonte: F. N. CORGHI, 2003, 2004)
Foto 8.22: Instalação dos dissipadores de energia em frente à Av: Antenor de Almeida,
de acordo com o projeto de contenção das erosões (Fonte: F. N. CORGHI, abr. 2004)
Foto 8.23 e Foto 8.24: Obras de retificação do leito do córrego (parceria entre prefeitura
e particulares), onde o esgoto foi canalizado do lado direito da foto e a mina d´água foi
inicialmente represada e, depois drenada para se aterrar a voçoroca (Fonte: F. N.
CORGHI, 2005)
141
Vale a pena ressaltar a participação das crianças em todas as etapas do
crescimento do processo erosivo, pois este era considerado como área de lazer (Foto
8.25). Mesmo quando se utilizou da medida paleativa emergencial do colchão de
pedras, ou até mesmo quando a mina d´água foi represada ou quando a voçoroca
vizinha foi entulhada, as crianças sempre estiveram presentes no fundo de vale. Numa
das reuniões do Plano Diretor no Jardim Nicéia em 2005, em que a autora estava
presente, alguns moradores do Jardim Nicéia manifestaram o desejo de que a lagoa
fosse revitalizada para que as crianças pudessem brincar com salubridade.
Atualmente, de acordo com o projeto estipulado, as obras de construção dos
cachimbos estão a ocorrer, porém, a combinação da canalização aberta com os
cachimbos está atualmente ameaçada por falta de manutenção. É visível o processo
erosivo lateral nos taludes das obras (Foto 8.26, Foto 8.27).
Foto 8.25: A mina d’água represada virou área de lazer das crianças da região,
inclusive de bairros mais distantes da bacia, como o Redentor, Carolina e Geisel
(Fonte: F. N. CORGHI, 2005)
142
Foto 8.26 e Foto 8.27: Assoreamento do canal e Incisões no terreno ao lado do
cachimbo nas obras da erosão do residencial Chácara Odete (Fonte: CORGHI et. al.,
2008)
143
Foto 8.28, Foto 8.29 e Foto 8.30: Evolução da voçoroca do Jd. Colonial de 2002 a 2004
(Fonte: F. N. CORGHI)
144
O entulhamento ocorreu mesmo sobre os afloramentos de minas d´água, e sob o
protesto da população. A área tornou-se um problema, inclusive de saúde pública, por
tornar-se área de lazer e de trabalho das crianças do Jd. Nicéia, que rotineiramente se
apossavam do material reciclado para vendê-lo no próprio bairro (Foto 8.33) (CORGHI,
GIACHETI, 2004 a, p. 5-8). Corre-se o risco de reativação do processo erosivo,
decorrente do recalque do material orgânico decomposto, do processo de
contaminação do lençol freático e do canal fluvial por chorume e até mesmo, pela
emissão de gases provenientes da decomposição desse material.
Foto 8.33: Criança brincando nos taludes da erosão (Fonte: F. N. CORGHI, mar. 2004)
145
do patrimônio natural, que foi encaminhado às autoridades judiciais e políticas da
cidade (SANTOS, 2004).
Essa mobilização desenvolveu-se em diversas etapas, uma primeira, de
sensibilização, envolvendo a questão da água e os problemas ambientais da bacia;
num segundo momento, foi feita uma visita técnica, com um grupo reduzido de
indivíduos, em todas as áreas impactadas e organizada uma visita, convocando toda a
comunidade a conhecer os problemas ambientais da bacia e as nascentes a serem
preservadas.
Numa terceira oportunidade, optou-se pela importância da ação prática,
respaldada pelo parecer técnico da AGB local, e por um abaixo assinado, ambos com o
intuito de serem entregues à promotoria do Meio Ambiente e ao Poder Público
Municipal, no caso, a Secretaria de Planejamento. Um fato interessante desse processo
de mobilização foi o cuidado da comunidade em se antecipar contra a degradação da
área, para que as nascentes e o parque continuassem a ser de fato uma realidade, já
que a bacia tem um histórico da ocupação em desrespeito às diretrizes do Plano Diretor
de 1996 (SANTOS, op. cit.).
146
extensa área possui 60 hectares de vegetação de transição entre mata atlântica e
cerrado, com flora e fauna ricas em biodiversidade (Foto 8.34).
A possibilidade de desmatamento poderia trazer conseqüências ambientais
extremamente negativas para o município, como perda de biodiversidade, aumento do
assoreamento do córrego, o surgimento de erosões e a elevação da temperatura,
conforme o levantamento científico efetuado pelo Professor Doutor José Carlos
Figueiredo, metereologista do IPMET (Instituto de Pesquisas Meteorológicas), que
comprova o aumento da temperatura nas imediações da Unesp ao longo dos anos.
148
Figura 8.11: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para as
Áreas de interesse ambiental na cabeceira do córrego da Água Comprida (BAURU,
2007 c)
Figura 8.12: Ilustração do Plano Diretor Participativo de Bauru com destaque para os
Instrumentos urbanísticos na cabeceira do córrego da Água Comprida(BAURU, 2007 b)
149
DISCUSSÃO
9 PLANEJAMENTO E DEMOCRACIA
150
Por todas essas razões, a palavra democracia por meio da representação se
mostra politicamente pouca disposta à participação. Existem inclusive, os que
argumentam contra a participação popular, sob o argumento de que não seria desejável
o julgamento de pessoas comuns devido à estreiteza de seus horizontes.
Quando se estabelece a estrutura de planejamento e de gestão democrática
urbana pela aprovação da lei do Plano Diretor, almeja-se a uma estrutura de gestão
que englobe o conjunto de toda sociedade, com a participação de todos os segmentos
sociais para discutir e estabelecer um pacto sobre o projeto de desenvolvimento do
município. Por isso, um planejamento e uma gestão eficazmente implantados devem
ser monitorados pelos cidadãos para de fato legitimarem a vontade de uma
coletividade, pelas mãos dos escolhidos para representá-la, caso contrário, os
representantes têm o direito de decidir livremente em nome dos eleitores.
Um primeiro e enorme passo foi dado pela Constituição Federal de 1988, que
reconheceu o direito de todos os brasileiros à moradia e à cidade, estabeleceu o
princípio da função social da propriedade e incluiu o usucapião especial urbano. Treze
anos depois o Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, e a medida provisória 2.220 do
mesmo ano, incluíram novos instrumentos para concretização desses direitos: a
concessão especial para fins de moradia (para os casos de terras públicas ocupadas) e
o usucapião coletivo (para terras particulares) (BRASIL, 2005 b, p. 10).
A reforma urbana visa a democratizar o máximo possível o planejamento e a
gestão, fazendo com que a população participe efetivamente da elaboração e da gestão
de políticas públicas e de projetos para a sua cidade, tendo por objetivos coibir a
especulação imobiliária, reduzir o nível de desigualdade socioeconômica e de
segregação residencial entre bairros ricos e pobres. A sociedade civil por ser formada
por diversos grupos que não fazem parte diretamente do aparelho do Estado é
indispensável para a transformação social e espacial autônoma e para criar projetos e
exigir o cumprimento das leis. Sabe-se, porém que muitos são os obstáculos políticos,
econômicos e sociopolíticos à uma reforma social autêntica (SOUZA; RODRIGUES,
2004, p. 68-76).
A participação é um meio de aumentar a eficiência econômica e gerencial,
visando à melhor satisfação das necessidades dos cidadãos e à minimização do
151
desperdício e da corrupção (SOUZA, 2006, p. 186 et.seq.). Quanto mais ampla e
profunda for a participação, maior será a probabilidade de ela poder contribuir para
minimizar certas fontes de distorção. O preconceito elitista, segundo o qual
especialistas decidindo em nome da maioria, garantem maior eficiência é falacioso. Em
um contexto conservador os técnicos a serviço de uma Prefeitura pouco ou nada
decidem por si próprios; as ações estatais são determinadas por políticos e burocratas,
normalmente influenciados, e ás vezes, “subornados”, em última análise, pelos grupos
que compõe a elite (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 34,190).
O que mais atrai o cidadão médio é melhorar, especialmente, no material, em
decorrência de sua participação direta em negócios de interesse social. Sob o ângulo
radicalmente democrático, os especialistas (arquitetos, geógrafos, juízes e outros) que
trabalharem com planejamento devem atuar como “ consultores populares”, como
assessores da sociedade civil (...), pois para a concretização dos fins politicamente
acordados em meio a uma discussão livre e transparente entre os cidadãos, eles não
podem substituir a experiência, os sentimentos e as aspirações dos homens e das
mulheres que vivem nos lugares e são usuários dos espaços, que serão,
eventualmente,objeto de alguma intervenção (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 34).
O planejamento e a gestão constituem campo interdisciplinar e do ponto político
é desejável que os cidadãos tenham a oportunidade de decidir sobre os destinos de
seus espaços e de suas cidades (...) situações onde os técnicos tem o papel de
consultores da população e não de funcionários à serviço de estruturas de poder
nebulosas e autoritárias (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p. 35).
Em países com maior tradição de planejamento e com uma “cultura de
planejamento” já consolidada isso é sabido há muito tempo. Deveria ser reconhecido
no Brasil também que o planejamento urbano, assim como a gestão urbana são do
ponto de vista técnico-científico, um campo interdisciplinar. Nesse campo, devem
cooperar, além dos arquitetos-urbanistas, geógrafos, economistas, juristas
especializados em direito urbano e outros profissionais, como consultores populares
para que a população legisle (SOUZA; RODRIGUES, 2004, p.34; SOUZA, 2006 p.170).
152
9.1 O planejador como educador libertário
Souza (2006, p. 261 et. seq.) afirmar existir uma assimetria estrutural no que toca
a oportunidade de participar de processos decisórios coletivos numa sociedade
capitalista. Quem emprega tanto os especialistas em gestão pública quanto os
planejadores urbanos profissionais são as administrações estatais – com os
pesquisadores acadêmicos, que gozam de mais liberdade para critica se propor
alternativas, construindo a principal exceção a essa regra. Seria possível diante de tal
quadro acreditar numa neutralidade dos técnicos sabendo-os sujeitos a toda sorte de
injunções de natureza política?
Segundo este mesmo autor, não que o conhecimento técnico-científico
aprendido sobre os problemas urbanos e suas possíveis soluções nos cursos
universitários de arquitetura, geografia, sociologia, seja de menos importância, apenas
se quer salientar a presunção de que os planejadores urbanos e especialistas em
administração pública devem possuir a última palavra, porque estudaram e aprenderam
técnicas e métodos “racionais” de planejamento e gestão (no sentido burocrático de
“administração racional”, conforme a “razão instrumental”) é politicamente autoritária e
empiricamente refutável.
O “saber local” dos moradores e usuários de um dado bairro formal ou de uma
determinada favela, para Souza (op. cit.), podem conter, além de um rico acervo de
informações empíricas, tanto, ou melhor, senso que a interpretação de um técnico ou
estudioso dos problemas urbanos. O “discurso competente”, ou seja, a pretensão da
autoridade para tratar de determinados temas por parte dos detentores de certo tipo de
conhecimento especializado, normalmente obtido em universidades, é principalmente
quando se refere à campos que tenham a ver diretamente com assuntos de interesse
coletivo, uma usurpação.
Os tecnocratas costumam se achar superiores ao “homem comum” devido não
apenas o seu conhecimento pretendidamente racional e à sua pretensão absoluta de
objetividade, mas também porque, por conta de tudo isso, acredita em sua
“neutralidade”. Crêem ser capazes, graças à sua visão de longo prazo e aos seus
conhecimentos especializados de se colocar acima dos interesses de grupos
específicos (SOUZA, 2006, p. 261 et. seq.).
153
Os conhecimentos especializados de que dispõe, ao contrário do que pensam,
apesar de serem muitas vezes úteis ou potencialmente úteis, não os autoriza a achar
que podem indicar tanto um fim do planejamento e da gestão das cidades (vale dizer as
metas que irão reger e orientar a vida de uma coletividade urbana), quanto os meios
para se alcançarem os fins estipulados, como se somente eles, por serem teoricamente
recrutados tivessem a capacidade de propor soluções pautadas exclusivamente com o
“bem comum” e o “interesse público” (SOUZA, op. cit.).
Souza (2006, p. 262-6) acredita que democratizar o planejamento e a gestão
implica colocar ambos dentro de um raio de alcance do corpo de cidadão, retirando
ambos de seu “pedestal”, da sua condição de monopólio de profissionais a serviço do
Estado capitalista. O saber técnico-científico sobre planejamento e gestão precisam ser
mais acessíveis aos indivíduos criando ou reforçando heteronomias, aqui explicado
como quando a criatividade e a liberdade do operador são garantidas e estimuladas, e
não tolidas, como no moderno sistema industrial.
Ainda mais, quando a cidade-prisão, os muros e as cercas eletrificadas e os
aparelhos de vigilância, o medo, a segregação, a auto-segregação e suas “bolhas de
proteção” colaboram ainda mais para gerar um tipo de criança, depois de adolescentes
e finalmente de cidadãos muito diferentes daquele socializado em um espaço onde as
formas espaciais, os territórios e as imagens espaciais e símbolos inscritos na
paisagem traduzem liberdade e estimulem a solidariedade. O planejamento e a gestão
têm, quase sempre, desempenhado um papel na produção da “cidade-prisão”, mas não
é impossível que desempenhem um planejamento e uma gestão críticos.
Para Souza (2006, p. 262-6) desmistificar o planejamento e a gestão, sem,
porém deixar de compreendê-los como atividades que podem ser parcialmente
embasadas por um tipo de saber técnico-científico, depreende socializar o mais
possível esse saber, ao menos naquilo essencialmente relevante para permitir uma
decisão política corretamente informada por parte dos cidadãos. Isso corresponde a
reafirmar a natureza política dessas atividades. Para que isso seja concretizado, é
necessário formar profissionais especializados em técnicas e estratégias de
planejamento e rotinas de gestão dentro de uma mentalidade que não seja
154
tecnocrática. Também é necessário envidar esforços para envolver a sociedade civil,
informando-a e capacitando-a para melhor poder participar (SOUZA, 2006, p. 263-4).
Por isso, é essencial que os especialistas em planejamento e gestão
empregados pelas prefeituras dialoguem sem arrogância, com os demais cidadãos,
difundindo informações, e, ao mesmo tempo, reciclando os seus próprios
conhecimentos. Esses especialistas precisam entender a si próprios, em parte, como
uma espécie de educadores ou pedagogos.
O planejador como educador libertário, apreende o saber local e se abre para o
núcleo de bom senso dele, aguça sua sensibilidade e se dispõe a questionar coisas que
aprendeu, de modelos explicativos e leis vigentes. Esse planejador-educador não se
limita a adestrar o educando, a depositar em sua mente conteúdos impostos sem
discussão. A tarefa de gerar dados e informações, disponibilizando-as e tornando o
acesso acessível às políticas públicas, os planos e as leis formais, não deve ser
encarada, porém, como uma prerrogativa do Estado. Os ativismos sociais devem
procurar gerar seus próprios dados e informações, co-operando entre si e com as
universidades, para não ficarem a mercê do aparelho do Estado (SOUZA, 2006, p. 266-
272).
Em sua missão de “educadores”, os planejadores profissionais precisam
colaborar com a socialização da informação e a facilitação da comunicação, de forma
que as políticas públicas e os documentos legais sejam “traduzidos” para uma
linguagem acessível. É imprescindível que a linguagem seja inteligível mesmo aos
cidadãos leigos. O objetivo central é o de preparar a sociedade para uma participação
lúcida e com conhecimentos de causa. Uma das formas de permitir que os cidadãos
leigos saibam “decodificar” a produção do espaço urbano e as políticas públicas,
criando , objetivando e propondo alternativas, é investindo na formação de
“planejadores e gestores urbanos populares” (SOUZA, 2006, p. 267).
156
polar, dicotômica e excludente (LEFF, 2004, p. 236; OLIVEIRA CUNHA, 1996 apud
LEFF, 2004, p. 237).
A insustentabilidade abre as possibilidades de pensar futuros alternativos e de
gerar outros valores e princípios produtivos. No entanto a ética ambiental é incapaz de
conter a destruição da natureza enquanto se limita, simplesmente, a estabelecer
códigos de conduta que se institucionalizam através de normas sansionáveis dentro
dos princípios jurídicos do direito positivo que a lógica formal da racionalidade
econômica complementa. Assim, a racionalidade econômica mercantiliza a natureza, as
condutas ecológicas e os valores culturais. O princípio da gestão dos recursos da
natureza não podem se sujeitar a uma posição negociadora no esquema contábil fixado
pela racionalidade econômica. A gestão democrática da biodiversidade implica um
processo de diferentes estratégias. A questão da sustentabilidade coloca a civilização
para construir uma racionalidade que dê viabilidade à um desenvolvimento sustentável
e democrático (LEFF, 2004, p. 237 et. seq.).
Devemos construir alternativas racionais, fundadas no saber atual sobre as
condições ecológicas do processo produtivo, nos valores da democracia e nos
princípios da diversidade cultural, isso implica desconstruir essa racionalidade
insustentável e construir uma racionalidade ambiental. A nova racionalidade se
confronta não somente com toda a racionalidade econômica, mas com todo o social
que a contém, com a ordem jurídica e o poder do Estado.
Apresenta-se assim, a necessidade de interiorizar um saber ambiental que
emergente no corpo das ciências naturais e sociais, para construir um conhecimento
capaz de integrar a multicasualidade e as relações de interdependência dos processos
da ordem natural e social que determinam, condicionam e afetam as mudanças
socioambientais, assim como para construir uma racionalidade produtiva fundada nos
princípios do desenvolvimento sustentável. Daí surgiu um pensamento da
complexidade (MORIN, 1993 apud LEFF, 2004, p. 239) e métodos interdisciplinares
para investigação de sistemas complexos.
A construção da racionalidade ambiental é um processo de produção teórica e
de transformações sociais, em que se entrelaçam as relações entre as formações
teóricas e ideológicas, a produção de saberes e conhecimentos para transitar a uma
157
economia global sustentável, como a possibilidade de incorporar um estilo alternativo
de desenvolvimento que implique um conjunto de processos sociais: a incorporação de
valores do ambiente na ética individual, nos direitos humanos e nas normas jurídicas
que orientam e sancionam o comportamento dos atores econômicos e sociais, a
democratização dos processos produtivos e do poder político, as reformas do Estado
que favoreçam a gestão participativa e descentralizada dos recursos naturais, as
transformações institucionais que permitam uma administração transversal do
desenvolvimento, a integração interdisciplinar do conhecimento e da formação
profissional e a abertura de um diálogo entre ciências e saberes não científicos (LEFF,
2004, p. 240).
A transição de uma racionalidade capitalista para uma racionalidade ambiental
implica a confrontação de interesses e a combinação de interesses objetivos comuns
de diversos atores sociais que incidem em todas as instâncias dos aparatos do Estado
(ALTHUSSER, 1971 apud LEFF, 2004, p. 251; LEFF, 2004, p. 251). A racionalidade
ambiental estaria constituída por um conjunto de critérios para a tomada de decisões
dos agentes sociais para orientar as políticas públicas, normalizar os processos de
produção e consumo e legitimar as ações e comportamentos de diferentes atores e
grupos sociais para alcançar certos fins definíveis e objetivos de desenvolvimento
sustentável.
A superexploração dos recursos naturais e da força de trabalho, a degradação
ambiental e a deteriorização da vida, antes problemas marginais (embora funcionais)
para o sistema econômico, foram adquirindo em seu processo cumulativo e expansivo
do capital um caráter crítico para seu crescimento. Daí o propósito de internalizar as
externalidades ambientais refuncionalizando a racionalidade econômica e seus
paradigmas de conhecimentos orientados para os objetivos da sustentabilidade. No
conceito de racionalidade ambiental prevalece um valor de adaptação e convivência
sobre a vontade de domínio da natureza no qual se fundem a racionalidade e os
paradigmas da ciência moderna (LEFF, 2004, p. 252).
158
9.2.1 Sustentabilidade ambiental
As lutas pela terra estão passando a ser lutas econômicas pela sobrevivência de
vida das populações e lutas políticas que questionam as estruturas de poder e lutam
pela tomada de decisões. Os princípios da diversidade ecológica e cultural e da gestão
participativa dos recursos vêm se enraizando efetivamente no movimento ambientalista.
Com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em
1992, as demandas de democratização alcançaram notoriedade mundial através da
fertilização cruzada do movimento ambiental e indígena e do movimento pela
democracia nas lutas sociais do mundo e do continente americano (LEFF, 2004, p. 263
et. seq.).
As lutas sociais pela reapropriação da natureza reivindicam por justiça ambiental,
por autonomia, pela democracia, pela participação e pela autogestão, ultrapassando as
demandas tradicionais de justiça derivadas dos benefícios do modo de produção
dominante, pois vão além da resolução dos conflitos ambientais através da valorização
econômica da natureza e da concentração de direitos sobre o uso de recursos. As
estratégias de poder econômico pela apropriação da natureza geram uma elevação dos
custos dos recursos ambientais e determinam o valor de bens e serviços ambientais, o
que abre uma disputa pela valorização da natureza. Essa revalorização capitalizada da
natureza não resolve a contradição entre conservação e desenvolvimento, mas leva a
repensar o potencial do ambiente para o desenvolvimento alternativo da natureza e da
cultura como forças produtivas (LEFF, op. cit.).
Para Leff (2004, p. 463 et. seq.), porém, a capitalização da natureza e a
economização do mundo vêm destruindo as bases ecológicas da produção e
subjugando culturas. Daí surge o propósito de incorporar os valores e potenciais da
natureza para gerar um processo de desenvolvimento sustentável. No entanto, os
custos ambientais e a valorização dos recursos naturais não são determinados de
160
maneira objetiva e quantitativa na esfera econômica, dependem de visões culturais,
direitos comunitários e interesses sociais.
Para Leff o movimento ambiental ao transmitir os custos ecológicos para o
sistema econômico representa uma resistência á capitalização da natureza, através de
uma luta social pela sua apropriação, para melhorar as condições de vida e de
sustentabilidade, para a desconstrução da racionalidade econômica e o
descentramento das próprias bases do processo produtivo. Nessa perspectiva a
natureza se torna um meio de produção e não apenas o insumo de um processo
tecnológico. Os princípios de equidade e democracia de uma ética de outridade e uma
política da diferença abrem novas perspectivas para a construção de sociedades
sustentáveis, além do esverdeamento da economia através do cálculo dos custos da
preservação e da restauração ambiental.
Leff (op. cit.) é conciso ao ratificar que os movimentos sociais reivindicam para si
as condições ecológicas e comunitárias que foram ocultadas pela ordem econômica
dominante. A racionalidade ambiental propulsiona à criação de novas teorias e valores
que questionam o paradigma econômico dominante e orientam a ação social para a
construção de uma nova racionalidade produtiva, fundada nos potenciais da natureza e
nos significados da cultura. A democracia ambiental representa toda uma crítica ao
modo de produção fundado na racionalidade econômica e nos interesses do capital,
propugna a participação criativa das comunidades na construção de uma nova
economia forjada em uma nova racionalidade das práticas produtivas fundada nos
potenciais ecológicos de cada região, assim como nos seus valores culturais e
potenciais produtivos da natureza.
A reapropriação da natureza aponta para o princípio da equidade na diversidade,
o que implica a autodeterminação das necessidades, a autogestão do potencial
ecológico de cada região em estilos alternativos de desenvolvimento e a autonomia
cultural de cada comunidade, definindo as condições de produção e de vida da
população em relação ao manejo sustentável de seu ambiente.
Não existe uma medida quantitativa e homogênea que possa dar conta de
quantificar a qualidade de vida definida por diferentes racionalidades culturais, e é nos
mundos de vida das comunidades que os princípios de racionalidade cultural do
161
ambientalismo tomam seu sentido de diversidade e participação, pois é onde se pode
conceber a construção dessa nova racionalidade. A reapropriação social da natureza
vai além do compromisso com os direitos das gerações futuras de dispor recursos para
ao seu sustento e desenvolvimento, pois não se trata de um problema de avaliar a
exploração e uso da natureza e da pretensão de resolver a questão da distribuição
ecológica. Trata-se da legitimação dos direitos de propriedade e de condições de
existência das comunidades sobre seu patrimônio de recursos e de sua própria
doutrina, e da redefinição de seus processos de produção, seus estilos de vida e
sentidos existenciais (LEFF, 2004, p. 465-6).
As lutas sociais pela reapropriação social da natureza vão além da valorização
econômica da natureza e da concentração de direitos sobre o uso dos recursos, elas
inclusive questionam a possibilidade de alcançar uma justiça quando o objetivo de
define a partir das regras dos direitos humanos individuais outorgados a partir de cima
derivados do modo de produção, do estilo e vida e do sistema político dominante.
A reapropriação da natureza aponta para o princípio da equidade na diversidade
que implica a autogestão do potencial ecológico de cada região em, estilos alternativos
de desenvolvimento e autonomia cultural de cada comunidade. É nesse sentido de
racionalização dos princípios que a racionalidade ambiental desconstrói a racionalidade
formal econômico-ecológica-jurídica que orienta e legaliza os processos de
capitalização da natureza. Os novos direitos indígenas e ambientais vão gerando suas
condições de legitimação dentro do marco jurídico prevalecente, questionando-o e
ampliando-os para dar vazão a novas demandas e reivindicações sociais (LEFF, 2004,
p. 467).
A sustentabilidade depende dos estilos culturais e interesses sociais que definem
as formas de propriedade, de apropriação, de transformação e uso dos recursos que se
estabelecem através de relações de poder que se entretecem entre a racionalidade
econômica e a ambiental, impulsionada pelos atores sociais do ambientalismo.
162
ANÁLISE DOS RESULTADOS
10 BAURU: CONSIDERAÇÕES FINAIS
163
sociedade de Bauru. Constatou-se, porém, que, passado o período de estímulo às
reuniões, promovido pela Prefeitura, as discussões tiveram um desaquecimento
considerável, e as secretarias municipais que faziam o papel de intermediação com a
população foram extintas, como a secretaria que se responsabilizava pela conexão com
as lideranças regionais, a SEAR (Secretaria das Administrações Regionais).
Mesmo com a extinção desse órgão, que teve uma participação tão importante
durante o período de difusão do Plano Diretor, os movimentos estudados não só se
ampliaram, como passaram a se articular diretamente com outros movimentos de
associações de bairro e entidades populares, sem interlocução dos órgãos públicos, o
que de fato é um avanço quando tomados como movimentos autônomos.
Em contrapartida, a gestão do território continua sem interferência da população
a espera da aprovação do plano. Percebe-se que passado o período de estímulo a uma
maior “abertura democrática” e ao subseqüente desaquecimento político da população
perante os órgãos públicos, as diretrizes não escaparam ao “coronelismo” político.
Como exemplo, dessa transição de atitude política da sociedade civil,
diretamente ligada ao estímulo dos órgãos públicos, cita-se a questão da restrição do
coeficiente de construção e a restrição de áreas para construção, diretrizes que viriam a
atingir diretamente o setor empresarial e os representantes do setor imobiliário. Bem se
sabe que muitos dos investidores são de fora da cidade e que os impactos ambientais
decorrentes da má utilização do solo recaem para os próprios moradores do município,
através de onerosas obras de correção e incalculáveis prejuízos socioambientais.
Após embates acalorados e polêmicos entre empreendedores e sociedade civil,
por fim determinou-se que este índice seria reduzido, de acordo com a vontade da
maior parte da população, mas a Câmara Municipal tratou logo de intervir para
aumentar o coeficiente de construção e de expansão do perímetro urbano da cidade.
Esta emenda, como tantas outras, ainda pode sofrer alterações, entretanto, este é um
exemplo de que a confluência de interesses divergentes sobre uma mesma
problemática não escapou à formulação de uma única diretriz de planejamento. Salvo a
possibilidade, porém, que os “representantes do povo” no cenário político, têm de fazer
valer os seus próprios interesses e os de seu estrato social, sobre decisões coletivas.
164
Sem a gestão participativa, concomitantemente ao PDP, ele perde o seu sentido
enquanto legislação que visa à cidadania, justamente pela falta de articulação dos
setores, junto às suas diretrizes em âmbito legal, o que reforça a idéia de formulação de
um plano, apenas como válvula de escape para a massa dos que buscam melhorias
socioambientais.
No atual processo em que estamos, pode-se responder que o status quo sente
as conseqüências do plano, pelos embates que a população vem travando pela
manutenção de seus direitos. Por mais que o Plano Diretor não tenha sido aprovado, é
necessário evitar que a ordem vigente continue a tomar as decisões públicas em favor
da manutenção tenra do capital e da exclusão da população, pois a introdução de uma
legislação mais democrática, como o Estatuto da Cidade, permite que a população
como um todo, o que significa abarcar a todos os estratos sociais, seja gestora do seu
território e se utilize de instrumentos institucionais em seu favor.
Portanto, é necessário fazer valer dessa legislação através da ação, seja por
meio de autênticos ativismos de bairro, seja por meio de movimentos sociais de cunho
reformista, a exemplo do Jardim Nicéia e do movimento pela preservação da mata do
córrego da Água Comprida. O necessário é fazer a lei pegar (Foto 10.1, Foto 10.2, Foto
10.3).
165
Foto 10.2: Reunião onde discute-se as diretrizes para a bacia hidrográfica do córrego
do Água Comprida (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005)
Foto 10.3: Consolidação de um saber próprio dos munícipes sobre seu território
transcritos na forma de diretrizes urbanísticas (Fonte: F. N. CORGHI, dez. 2005)
166
10.1.1 Nicéia: do ativismo de bairro à mudança estrutural
167
parecem propositais para dificultar as ações tanto por parte da população do Nicéia,
quanto do movimento Sem Terra e o tombamento ambiental da floresta do Água
Comprida. O próprio Estatuto da Cidade ao se propor a garantir a “função social da
propriedade urbana” merece ser questionado como instrumentos de manutenção da
ordem baseada no modo de produção capitalista. Sua função se restringiria antes a
retardar a explosão da bomba capitalista ou realmente a promover apontamentos para
transformações mais profundas e ambiciosas, como as propostas pela reforma agrária
e urbana?
Foto 10.4: Faixa pendurada na frente do Jardim Nicéia durante a tentativa de remoção
(Fonte: F.N. CORGHI, 2007)
168
como gestor das condições de reprodução do capital. Isso significa dizer que o Plano
Diretor corre o risco de cair em descrença, se não for bem amparado pela população,
pois o Estado e seus anéis burocráticos, expressão utilizada por Cardoso (1974, p.
208), parecem servir à hegemonia do grupo social dominante, sobre as demais
instituições.
169
diferentes grupos (...) deve nortear, como princípio básico, a condução destes múltiplos
e diferenciados processos identitários” (SERPA, 2007, p. 148). Para Castoriadis (1983
apud SERPA, 2007, p. 149), a autonomia na direção da participação igualitária, no
processo de tomada de decisões, é condição sine qua non para sua execução
A Universidade Estadual Paulista (UNESP) tem sido utilizada como espaço de
discussão, debates, e reuniões. Duas palestras de caráter informativo foram
organizadas de maneira a proporcionar os devidos esclarecimentos sobre o movimento
e as melhores estratégias de atuação frente aos trâmites burocráticos. Os temas foram
“Preservando Floresta Urbana Água Comprida” e “Formas de Tombamento de
Patrimônio Natural”. Porém, Panini (2008) liderança do movimento ressalta a falta de
um posicionamento da UNESP de apoio à preservação da mata.
A existência de redes de comunicação planetária e a simultaneidade fazem
desaparecer as antigas estruturas e hierarquias, que no passado, pareciam naturais.
Dessa maneira, a relação entre o espaço público e a ação política do grupo que
reivindica num contexto sem classes, e sem hierarquia, permite que a opinião expressa
na esfera pública seja purificada, ou considerada uma “opinião verdadeira” (SERPA,
2007, p. 141, 145; HABERMAS, 1984 apud SERPA, 2007, p. 141).
Como forma de manifestação da opinião pública, o movimento contou com a
distribuição de um abaixo assinado, que alcançou mais de 10.000 assinaturas, e
veiculou inclusive por outros países. As mobilizações ao redor da mata sempre foram
enfatizadas, uma delas foi o lançamento do movimento, a outra o dia do Abraço do
Água Comprida, uma outra contou com shows e um dia de eventos, e não param por aí,
pois o movimento divulga a intenção de promover outros eventos nos meios digitais,
rogando a colaboração dos interessados.
Entre as táticas de mobilização do movimento pela regularização fundiária está a
de captar a massa carente nos bolsões de pobreza de Bauru e remanejá-la para áreas
improdutivas e com potencial para o agronegócio, como o Horto Florestal. A resistência
dessas famílias e a utilização desses grandes espaços improdutivos alimentam as
esperanças de se adquirir um pedaço de terra.
Estes movimentos podem ser classificados, conforme Souza (2006, p. 281),
como movimentos sociais fortes, pois se mostram preocupados em questionar a
170
racionalidade vigente e a ordem econômica imposta, dada a amplitude das
conseqüências sócio-ambientais sofridas. Conforme Leff (2004, p. 455) este seria um
dos movimentos classificados como ambientalistas por ser contra a destruição dos
recursos naturais, o desmatamento exacerbado, o efeito estufa e, por ser a favor da
conservação dos recursos naturais, da diversidade biológica e do melhoramento do
ambiente; pelo desenvolvimento de novas tecnologias e promoção de processos de
autogestão e de participação na tomada de decisões.
Esses movimentos sociais se encontram num contexto de alcance maior, como
movimento de resistência às formas tradicionais de valorização do espaço, por isso se
acredita que possam levar à transformações mais profundas e ambiciosas como
movimentos de resistência no município, principalmente da forma como se mostram
articulados em rede a outros movimentos, pois lutam, ao mesmo tempo, por um direito
de reapropriação do território e pela autogestão dos recursos naturais (LEFF, op. cit.).
Essas táticas se apresentam como alternativas diante dos agentes ”que
produzem culturas subdominantes (...) diante das estratégias hegemônicas de
produção cultural das classes dominantes e eruditas”, visto que a “autonomia dos
diferentes grupos (...) deve nortear, como princípio básico, a condução destes múltiplos
e diferenciados processos identitários” (SERPA, 2007, p. 148).
O movimento de regularização fundiária e de reforma agrária juntos tem poder
para questionar toda a lógica da racionalidade vigente e a ordem econômica imposta,
pois são decorrentes dos problemas do campo que afetam diretamente a infra-estrutura
urbana. Esses movimentos sociais quando unos, se encontram num contexto de
alcance maior como movimentos de resistência às formas tradicionais de valorização
do espaço, por isso acredita-se que eles podem levar à transformações mais profundas
e ambiciosas como movimentos de resistência, principalmente na forma como se
mostram articulados em rede a outros movimentos.
171
A cultura de degradação e da segregação, como fruto de processos culturais
arraigados e disseminados pela cultura dominante, se dissemina nos bancos
acadêmicos e instituições. Como a capitalização da natureza individualiza os recursos e
as pessoas, o sentido da existência e da vida tornam-se prisioneiro do mercado, uma
vez que foram convertidos em produtores e consumidores. Conforme os recursos vão
se esgotando, desestruturando e saturando, os ecossistemas perdem seu caráter de
valor de uso (LEFF, 2004).
A forma de constituição do Plano Diretor de Bauru é um processo embrionário de
institucionalização, do interesse socioambiental em relativa paridade ao interesse
privado, e colabora para que as diretrizes do município ao menos quantifiquem
vontades da população, mesmo que estas sejam díspares dos interesses imobiliários.
O combate eficiente aos desastres ambientais, deve se apoiar sobre ações
integradas entre os diversos agentes envolvidos, para que a própria comunidade esteja
capacitada a inferir no processo de intervenção no meio, de forma a evitar que
diretrizes urbanísticas públicas levem à aprovação de projetos de eficiência duvidosa e
descontextualizada do planejamento integrado. E aqui pode se referir perfeitamente à
decisão tomada pela Câmara municipal de vereadores, ao criar barreiras para aprovar
determinadas diretrizes, conseqüentes de muita discussão entre as classes.
172
A transição de uma racionalidade capitalista para uma racionalidade ambiental
implica a confrontação de interesses e a combinação de interesses objetivos
comuns de diversos atores sociais que incidem em todas as instâncias dos
aparatos do Estado (ALTHUSSER, 1971 apud LEFF, 2004). A racionalidade
ambiental estaria constituída por um conjunto de critérios para a tomada de
decisões dos agentes sociais para orientar as políticas públicas, normalizar os
processos de produção e consumo e legitimar as ações e comportamentos de
diferentes atores e grupos sociais para alcançar certos fins definíveis e
objetivos de desenvolvimento sustentável (LEFF, 2004).
173
infringe a lei, muitas vezes sai do âmbito profissional e parte para a vida particular do
funcionário, resultando inclusive, em ameaças a vida.
Outro fato constatado dessas experiências foi a mudança de postura de alguns
profissionais, dependendo do cargo ocupado e do caso a ser tratado. Uma drenagem
de nascente, pode tanto ser um fato ilegal digno de ser notificado aos órgãos
competentes, como, dependendo do caso, pode não ser “tão ilegal assim” e passar
despercebida aos olhos dos que deveriam vê-la.
Um fato interessante, que se pôde constatar em muitas conversas com os
funcionários públicos, durante esses 5 anos, é o fato do tão criticado “vício de
administração pública” estar contido, na verdade, num certo estado de conformismo
generalizado por parte de alguns funcionários, e de reprodução de práticas corriqueiras,
o que não quer dizer que sejam as melhores, no qual as atitudes para se lidar com as
questões emblemáticas do município acabam por se limitar ao mesmo trato dado a
décadas e que resultam, portanto, nos mesmos problemas a décadas, como as erosões
e as boçorocas-lixões.
Quando se aponta para os problemas que travam o poder público, na verdade, a
própria fundamentação estatal é um problema institucionalizado. O que se dizer sobre a
repetição insensata de atitudes imediatistas “tapa buraco”. Percebe-se que não há um
compromisso em estudar a melhor solução, ou de se buscar novas alternativas, salvo
algumas exceções de funcionários muito críticos por excelência, no qual se percebia,
pelas próprias atitudes, uma vontade inata de mudar toda a estrutura vigente.
Porém, como se disse anteriormente, a questão muitas vezes sai do âmbito
profissional e/ou encontra entraves dentro dos próprios poderes superiores no órgão
em que se trabalha. Uma clara manipulação política e de jogos de interesse paira acima
das regras da sociedade. As leis que pegam e que não pegam, expressão utilizada por
Maricato (2001) estão intrinsecamente ligadas ao modo como os funcionários as
recebem e como a sociedade civil, como um todo, é informada e afetada por ela.
Sabe-se que a região sudeste do município de Bauru tem sido alvo de
investimentos vultosos e que se posta como foco de crescimento da cidade, com novos
empreendimentos em vias de aprovação na Prefeitura e redes de bens e consumo
previstas. Os residenciais fechados, bem como as favelas, são ícones da cidade do
174
atual momento histórico de urbanização. A displicência com as obras de implantação,
de drenagem, de contenção dos processos erosivos, e todas as disparidades para com
as insipientes diretrizes exigidas pela Prefeitura só demonstram, o quanto a execução
no canteiro de obras se faz independente das restrições ambientais e de uma
consciência crítica quanto à interdependência de processos responsáveis pelo
equilíbrio do meio físico.
A academia já prevê os processos erosivos, enquanto o planejamento insiste em
ser preventivo, principalmente para o combate das erosões. A comunidade se antepõe
às diretrizes urbanísticas mesmo sem o necessário conhecimento técnico que a
academia e os demais órgãos ambientais subsidiam. Muitos dos professores da
academia e da delegacia de ensino, inclusive, fazem parte dos grupos gestores,
enquanto a quantidade de alunos é ínfima se comparada a esse fato. A estudante de
arquitetura e urbanismo relata sua experiência acadêmica:
175
Em Bauru essa sobreposição de valores e tentativa de massificação cultural, se
repercute de tal forma que as conseqüências advindas do modo predatório e
descaracterístico de implantação dos empreendimentos urbanos se repercutem de
forma não menos fiel às classes mais baixas tão impactantes e impermeáveis quanto
os grandes lotes dos residenciais de alto padrão.
As duas imensas voçorocas provocadas pela implantação dos loteamentos
chegaram a ameaçar a permanência dos empreendimentos recém implantados e a
Área de Preservação Permanente de um deles, sem contar os impactos negativos à
dinâmica de todo o córrego. Lixo foi introduzido sobre minas d´água. Pessoas se
amontoaram ao redor do lixo em busca de sustento. E crianças brincaram em meio a
todo esse processo, sem cessar. Esse lixo ainda pode contaminar o canal fluvial pela
liberação de chorume, sem falar na liberação de gases e na própria reativação do
processo erosivo por recalque.
Existe algum ativismo mais eficiente do que se manter ativo durante todas as
etapas de tentativa da sobreposição da racionalidade econômica sobre a local? Se
pensarmos nas crianças e nas erosões de Bauru como, respectivamente, ícones do
valor de uso e da ruptura da paisagem, em confronto à ordem imposta, percebe-se, que
pelo menos na área de estudo focada, o meio ambiente e as crianças sempre estiveram
agindo contra a sobreposição do valor de troca sobre a racionalidade ambiental.
177
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
178
implanta o programa cidades médias, cuja estratégia governamental consiste em
transferir a escala macro regional para a sub-regional através de pólos de crescimento
responsáveis por interligar os circuitos nacionais e internacionais aos fluxos financeiros
e de mercadorias. O interesse é criar condições para desenvolver o capitalismo.
Hoje o crescimento vegetativo é presente na maior parte das cidades, em
contrapartida às altas contribuições do fluxo migratório presentes no passado, desde os
anos 50, quando se tinha uma relação campo-cidade definida com fluxos migratórios. O
passado relatado pelos moradores do jardim Nicéia atesta para um fluxo migratório
regional, inicialmente desencadeado em fins da década de 60 pela dificuldade de se
empregar no campo, e em outro grande marco no início dos anos 90, quando se tem a
doação de lotes feita pela senhora que se julgava proprietária das terras da gleba, Dona
Izaura, o que atraiu pessoas de toda a região pela oportunidade de se adquirir terras.
O segundo PND faz os grandes conjuntos habitacionais, as COHABs, BNHs,
Cecaps, que apareceram como solução ao migrante da zona rural que seria atraído
para a cidade e viria a constituir o novo operariado urbano, até o momento em que
passa a faltar recursos financeiros ao estado, e é justamente o momento em que o
Estado diminui o repasse de verbas e passa a aumentar a favelização. Com a política
de contenção salarial, uma parcela da população não tinha mais como se sustentar.
A favelização é um sintoma de uma parte dos migrantes que não tinha nem a
mínima condição de ter uma casa financiada pelo sistema de financiamento da
habitação e foi invadir, ocupar, favelas em fundo de vale, porque é terra pública,
extremamente barata. A especulação imobiliária nunca teve interesse em terra pública
em fundo de vale. Não é todo mundo que foi morar em casa, nem todo mundo que foi
morar na favela, mas houve uma segregação dos migrantes.
A história de origem do Nicéia faz parte do quadro nacional pintado na ditadura,
em contrate fronteiriço e temporal com os loteamentos fechados que surgiram de 1990
para cá, principalmente a partir do ano 2000, ligados aos novos ícones de polarização,
essencialmente regidos pelo valor de troca, de consumo, de facilidades, de status, da
indústria da segurança. Morar tem a ver com o consumo do espaço, com o fetichismo
da mercadoria, e não com valores de uso em relação àquele sítio urbano ou a
vizinhança e à cidade já existente. Por isso, pode-se ter uma herança da falta de
179
política social do PND, como o Nicéia, ao lado de residenciais fechados, ícones de
consumo para morar na cidade atual, ainda apoiados numa propaganda imobiliária de
incentivo à remoção da “favela”, tal como na ditadura, para engendrar a venda de lotes,
sendo que esta favela é a pioneira do uso da legislação do usucapião especial coletivo
na cidade de Bauru, e também é a responsável por ressignificar o uso daquele sítio
urbano, essencialmente por relações de valor de uso.
Nessa vila, as relações familiares e de amizade são o principal motivo de atração
de moradores, de proveniência até mesmo de bairros de classe média baixa de Bauru,
formando um espaço de relações humanas rico e diversificado, responsável por
ressignificar o sítio, até mesmo em espaços degradados, devido a predominância de
uso familiar. Cada rua do Nicéia faz parte da história de vida e de luta dos moradores,
pois se o bairro conta com arruamento, e se este se encontra iluminado pelos postes e
abastecido por rede de esgoto e de água, isso é fruto de muita luta.
Diferentemente dos residenciais, onde as relações comerciais já são o motivo
pelo qual eles foram implementados, e o motivo pelo qual possuem uma venda de
lotes. O habitar nesse espaço está ligado muito mais às práticas de marketing, e aos
rótulos que essa propaganda dissemina, e aos valores que ela vende, do que ao
existente na realidade de fato. E o passado recente desses residenciais, sabe-se pelo
breve histórico acompanhado nesta dissertação, que é calcado em ruptura do
ecossistema por imensas erosões no solo, por processo de entulhamento por lixo, pelo
aumento da segregação sócio-espacial, pela disseminação da indústria da segurança,
do conforto, do status, enfim, de “valores e atitudes compráveis”.
Os moradores do Nicéia possuem uma relação íntima com a natureza, uma
relação basicamente de valor de uso. O espaço ocupado pela mata funde-se aos
espaços internos das residências, os quintais se mostram receptivos à vegetação, ao
cultivo de espécies e de animais. Os remédios caseiros dos quais a comunidade se
utiliza é de proveniência da mata, e os moradores sabem como utilizá-los e que plantas
selecionar para o preparo. O mel de abelhas jataí, fartamente explorado no mercado, é
fornecido gratuitamente pelos que possuem a colméia em casa, basta pedir. Como
também basta manifestar o desejo de melhorar a saúde, ou de ampliar a casa, ou até
180
mesmo de que alguém cuide das crianças, para se poder trabalhar, e a ajuda vem
prontamente. O Nicéia é especialmente diferente dos outros bairros desta bacia.
Sabe-se que a comunidade é essencialmente formada por conhecidos, familiares
ou amigos, que desde o começo da ditadura vem se estabilizando no bairro através de
gerações subseqüentes. Alguns hábitos rurais se perpetuam, outros hábitos urbanos
são incorporados, e a resultante é uma elevada sociabilidade no Nicéia, uma fusão à
natureza, íntima e necessária para as próprias atividades dos moradores e até mesmo
para o lazer das crianças. Se um canal fluvial é degradado e se torna desqualificado
para seu entretenimento, elas tratam logo de achar outro corpo hídrico do qual possam
usufruir. E o convite é certo. Elas adoram ser fotografadas.
Partindo-se da UNESP em sentido ao Horto, ou até mesmo ao centro de Bauru,
muitos são os bairros atravessados, mas em nenhum é possível se ver tanta gente na
rua, e de tantas faixas de idade diferentes, mesmo em dias de semana. No Nicéia, se
qualquer transeunte necessitar de algo e pedir para os moradores ele é contemplado.
Isso não ocorre da mesma maneira em outros bairros, onde na maioria das vezes
sequer se vê pessoas na rua que não estejam somente de passagem. No Nicéia as
pessoas estão paradas em frente às suas casas, sempre com um sorriso amistoso no
rosto. Num dos residenciais fechados próximos, a urbanidade é tão escassa nas ruas,
que um transeunte além de só entrar sob convincentes justificativas, não encontra o
mínimo sinal de vida no trânsito do pedestre. As frondosas casas parecem habitar
sozinhas as ruas de asfalto. A praça ricamente arborizada e qualificada
paisagisticamente, não apresenta vida em seus passeios.
Quando se vê pessoas fora dos muros, tão comuns na paisagem da cabeceira
do córrego da Água Comprida, obviamente é fácil identificar, ou são estudantes em
sentido à UNESP, ou são os moradores do Nicéia transitando por todo o território, pelos
outros bairros ao redor, pela mata. Eles têm total liberdade para transitar e dominam
esta liberdade, seja trabalhando, seja simplesmente andando, seja brincando, no caso
das crianças, seja no trajeto até o supermercado ou ao ponto de ônibus. Os moradores
do Nicéia são constantemente vistos por toda a região da cabeceira e próximos a ela,
menos, porém, no interior dos residenciais fechados, a menos que seja trabalhando na
construção civil ou no serviço doméstico, e na faculdade pública à leste, que muito se
181
utiliza do Nicéia em seus trabalhos. Se existem prisioneiros nesta região da cabeceira
e, se entre eles há pouca convivência e urbanidade, muito provavelmente ela está
ligada aos altos muros que barram a entrada e a saída dos atuais moradores, e até
mesmo nas instituições de ensino responsáveis por formar estes profissionais, tão
distantes de uma diversidade cultural em que possam se mesclar, sem sobrepujar as
diferenças.
Percebe-se que as relações decorrentes das novas centralidades, fundamentam
o movimento de cidade dispersa e segregada, que se constitui independentemente da
cidade histórica ou mesmo de uma história de cidade. O que se constitui é uma malha
urbana projetada sobre a realidade existente e que a ignora. Seu interesse é nas
facilidades decorrentes da reprodução do capitalismo, ou seja, nas estradas, nos
shoppings e small centers, nos residenciais fechados, ícones que pouca ou nenhuma
relação tem com o sítio que o sedia, ou com a população já existente.
O Jardim Nicéia, porém, não é um ícone de atração de capital, pelo contrário, e
não está ligado ao movimento de constituição de um tecido urbano disperso, ele é um
símbolo vivo da predominância do valor de uso sobre o de troca. E pioneiro no uso da
legislação de regularização fundiária instituída pelo Estatuto da Cidade. Sua existência
em si já é uma vitória e um exemplo de democracia. De nada adiante se implantar uma
legislação democrática se os cidadãos não a fazem valer na prática.
E ao mesmo tempo em que se disseminam os ícones da cidade, que tem início
com a intensificação do processo de globalização, principalmente a partir dos anos 90,
se disseminam valores massificadores e atitudes fetichistas, calcadas na
superficialidade do valor vendido pelo marketing. O projeto de planejamento trás
visivelmente um liberalismo das leis e uma tendência geral à atração de investimentos,
em detrimento de esforços direcionados para investimentos de maior interesse social. A
preocupação é menos com o “ordenamento” do espaço urbano do que com o aumento
da competitividade econômica entre as próprias cidades, principalmente favorável à
reprodução do capital imobiliário à manutenção do padrão de segregação.
Nesse perfil de cidade, a gestão democrática pode funcionar mais como uma
válvula de escape, do que engendrar uma consciência política e movimentos sociais de
182
cunho reformista, como eclodiam os movimentos sociais da esquerda da época
ditadura, apesar da dura repressão estatal.
No território urbano de Bauru, através dos estudos realizados, constatou-se que
a maneira mais eficaz de tornar uma lei de cunho socioambiental efetiva, é a
participação da população na gestão do território. As diretrizes de planejamento que a
população participou da composição durante a execução do Plano diretor Participativo
já “legislam” pela vontade pública antes mesmo dos “representantes do povo”
fornecerem o aval sobre a sua legalização, e isso se deve ao fato de que a população
lutou diretamente pela efetivação das diretrizes, até mesmo com setores imobiliários.
Poderia se falar aqui, até mesmo de um resgate à democracia ateniense, no sentido da
representação direta estar sendo a maneira mais eficaz de efetivar os interesses da
população, em relação às ações de seus representantes no poder político.
Por meio desta dissertação, fundamenta-se a hipótese de que a erosão no solo
urbano de Bauru é produto da relação entre as características do meio natural e as
formas de produção do espaço urbano de Bauru, tanto para a sua (re)produção como
para a sua prevenção, que só se mostrou eficazmente possível quando de proveniência
da vontade da população, aquém das diretrizes de planejamento já existentes, que na
prática não alteram em nada a realidade do município com relação aos feitos erosivos.
A população foi o único meio preventivo eficaz contra erosão, e isso se deve ao
fato de ela ter buscado na prática mudar a estrutura vigente, tentando evitar que os
vícios de administração pública se repetissem e que as diretrizes de planejamento,
fossem desrespeitadas, como é de tradição dos planos diretores anteriores de Bauru,
quando tratando-se da necessidade da iniciativa privada, resultando quase sempre no
surgimento de danos ambientais, entre eles os processos erosivos.
Através de inúmeros abaixo assinados, e laudos de órgãos competentes, como a
AGB, as leis para evitar erosão e os danos ambientais, e tantas outras de cunho
socioambiental, se fizeram cumprir no território de Bauru. A eficácia da implementação
da legislação é realidade pelo interesse da população em melhorar, e cogerir, o seu
próprio território.
Da mesma forma, os movimentos sociais que eclodiram ao longo da execução
desta dissertação apontaram como uma alternativa ao tecnocratismo, ainda presente
183
em representantes políticos e funcionários municipais, pois os avanços dessas
mobilizações socioambientais foram os únicos capazes de trazer as diretrizes de
planejamento para fora da esfera das gavetas públicas, motivadas pelo desejo de
reapropriação sociambiental do espaço.
Portanto, profanar a célebre frase de que é culpa da falta de planejamento, se
mostrou uma grande panacéia, nestes casos em especial, pois os que evitaram que o
movimento de urbanização desigual do espaço urbano e suas conseqüências negativas
para o meio tivessem continuidade, foram os movimentos de disputa territorial
presentes na cabeceira da bacia hidrográfica do Córrego da Água Comprida.
A partir dessas constatações, analisasse o processo de constituição do atual
plano diretor do município de Bauru-SP, com ênfase na participação popular; e mais
ainda, quando se tratando do processo de participação da população da bacia
hidrográfica do Córrego da Água Comprida, que mesmo passado o período de estímulo
fomentado pelos órgãos públicos, engendrou sobremaneira as lutas de disputa
territorial como alternativa ao conformismo generalizado da estrutura social vigente, e à
sobreposição de valores mercadológicos sobre os valores de uso. Os habitantes de
Bauru são os atores responsáveis pelas mudanças socioespaciais de cunho reformista
no meio.
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