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Atelie1, 9 - Racismo Ambiental J Cidadania e Biopolítica
Atelie1, 9 - Racismo Ambiental J Cidadania e Biopolítica
Atelie1, 9 - Racismo Ambiental J Cidadania e Biopolítica
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Resumo
Este artigo é uma revisão teórica em torno da categoria racismo ambiental. Para vis-
lumbrar a relevância desse conceito para o pensamento geográfico nacional, recorre-
se às contribuições oferecidas pelos paradigmas: cidadania, biopolítica e racismo.
Dessa forma, pretende-se não só dialogar com um conceito emergente, o racismo
ambiental, como também ambiciona-se verificar a legitimidade da hipótese: se a ocu-
pação do solo é, de fato, determinada pela cor da pele.
Palavras-chave: Racismo. Racismo Ambiental. Cidadania. Biopolítica. Resistência.
Abstract
This paper is a theoretical review focused on the environmental racism category. To
understand its relevance to national geographical thought, I bring out contributions
from the paradigms: of citizenship, biopolitics, and racism. I intend not only to dis-
cuss the emerging concept of environmental racism, but also to verify the hypothesis
that land use may be determined by skin color.
Keywords: Racism. Environmental Racism. Citizenship. Biopolitics. Resistance.
Resumen
Este artículo es una revisión teórica sobre la categoría del racismo ambiental. Para
vislumbrar la relevancia de ese concepto para el pensamiento geográfico nacional, se
recurre a las contribuciones ofrecidas por los paradigmas: ciudadanía, biopolítica y
racismo. De esa forma, se pretende no sólo dialogar con un concepto emergente, el
racismo ambiental, como también se ambiciona verificar la legitimidad de la hipóte-
sis: si la ocupación de la tierra es, de hecho, determinada por el color de la piel.
Palabras clave: Racismo. Racismo ambiental. Ciudadanía. Biopolítica. Resistencia.
Introdução
Esta textualidade, expressão do pensamento geográfico, aborda o conceito ra-
cismo ambiental. Uma categoria recente, nascida a partir da segunda metade do século
XX, por meio dos movimentos negro e de justiça ambiental, e que vem mobilizando
pesquisadores/as de diversas áreas do conhecimento, como os da ecologia política e os
das ciências humanas, para a compreensão das contradições territoriais, balizadas pelas
etnicidades. Sobretudo aqueles/as da geografia, que exploram a espacialidade pela racia-
lidade, a exemplo de Milton Santos (1996), Fabiana Luz (2020), Renato dos Santos
(2012), Diogo Cirqueira (2020), Lorena de Souza e Vinicius Aguiar (2019), Antonia
Garcia (2012) e Paula Regina Cordeiro (2020).
O esforço destes escritos é o de promover uma revisão teórica sumária acerca
do racismo ambiental, articulada com a cidadania, a biopolítica e a racialidade. O objeti-
vo é o de enfatizar a relevância do racismo ambiental, atestado no vácuo de cidadania e
na materialização da biopolítica, para a compreensão das assimetrias étnicas estruturan-
tes da organização espacial. A hipótese que impulsiona este exercício interpretativo é: a
distribuição das territorialidades urbana e rural é determinada pelo alijamento do seg-
mento étnico indesejado.
Para cumprir com este intento, o artigo é dividido em três seções. A primeira,
“o que é racismo ambiental?”, esboça a categoria racismo ambiental. Ao passo que a
segunda, “da negação da cidadania para o império da biopolítica: pilares do racismo
ambiental”, explicita, como o título sugere, a ausência da cidadania e a atuação da biopo-
lítica como alicerces sobre os quais repousam as desigualdades sócio-ambientais. A
terceira e última seção, “do racismo para o racismo ambiental: convergências estrutu-
rais”, fundamenta a base racial do racismo ambiental, ambos encarados como compo-
nentes intrínsecos das desigualdades sócio-espaciais.
King, impulsionou a emersão do racismo ambiental. O ativismo negro na luta por direi-
tos civis e ambientais, acrescido da militância por justiça sócio-ambiental, pautados no
questionamento da poluição industrial em territórios ocupados pelos descendentes da
diáspora africana, deram a tônica do debate público sobre o assunto. Esse questionamen-
to embasou a reivindicação por justiça social, direitos civis, equidade e a contestação às
discriminações institucionais (sociais e ambientais, sobretudo as de domínios raciais)
praticadas pela sociedade e pelo Estado.
A fundamentação epistêmica do racismo ambiental remonta aos escritos de Ro-
bert Bullard (1996, p. 01). Ele é um dos responsáveis pela redação histórico-territorial
desse conceito. “O tema do racismo ambiental aparece inicialmente nos Estados Unidos
e vem se espalhando por outros países na África e na Ásia. No Brasil, ONGS e entidades
sindicais ainda estão iniciando este debate [...].”
A necessidade de avaliação do impacto causado na posse do solo é estimulada
pela ação da produção capitalista que – apropriando-se dos aparatos legais das institui-
ções estatais, dentre eles a legislação ambiental – deixa de auxiliar grupos socialmente
vulneráveis, a saber, negros e indígenas. Não dispondo do suporte do Estado na garantia
de suas vidas, essas comunidades passam a contar com a própria sorte no cumprimento
desse fim. Por isso Robert Bullard (1996, p. 01), em seus estudos dedicados à investiga-
ção do silêncio das políticas públicas nos Estados Unidos, que não recobrem os segmen-
tos subalternos, afirmou:
a destruição dos espaços sagrados dos povos de terreiro, expoentes de tradições afro-
religiosas.
É necessário que o racismo ambiental, exposto sob o imperativo da negação de
cidadania e das práticas biopolíticas, seja enfrentado. Caso contrário os agrupamentos
subalternos serão dizimados. A fim de vislumbrar horizontes de expectativas, frente a
um presente genocida, é vital grafar insurgências territoriais articuladas pelos segmentos
étnicos.
Como o racismo ambiental nasceu nos EUA pela contestação negra por justiça
socioambiental, o caminho a ser adotado aqui, no Brasil, é o do mapeamento apurado
dessas resistências. Entender quem são, o que objetivam e como se posicionam as rebe-
liões pretas espaciais aos donos do poder, em prol do acesso cidadão ao meio ambiente,
é o desafio do nosso século.
Quem pode elaborar o inventário dessas resistências socioambientais é o Mo-
vimento Negro Brasileiro (MNB), também conhecido, como designou Nilma Lino Go-
mes (2017), de Movimento Negro Educador. Guiado pela luta antirracista, manifesta na
articulação do diálogo entre a sociedade civil preta e o Estado para garantia da dignidade
da vida e para igualdade socioespacial a todas as raças, essa aglutinação tem muito a
ensinar em direção da ressignificação ambiental.
Esse coletivo vem intervindo, de modo pedagógico, em momentos decisivos da
história do Brasil (como no levante de Palmares, nas lutas abolicionistas, na Frente Ne-
gra Brasileira, na promulgação do Estatuto da Igualdade Racial e na homologação da Lei
de Cotas) em direção da inclusão socioespacial dos/as filhos/as de África. Eis o caminho
a ser percorrido em uma territorialidade na qual o acesso à existência e à cidadania afro-
descendentes são negados pela dinâmica agrária de marca biopolítica.
desigualdades no acesso ao meio ambiente que, por sua vez, tenha conexão com o ra-
cismo ambiental? A resposta é afirmativa. Conforme o diagnóstico dos/a autores/a, o
racismo é uma ideologia sistêmica que emoldura as relações socioespaciais. A conexão
entre racismo e racismo ambiental se dá pela espacialidade corpórea e territorial. O cor-
po melanodérmico, tomado não apenas como residente do espaço, é extensão da própria
espacialidade. Ou seja, o corpo preto é uma espacialidade. Isso porque é nessa corporei-
dade que se materializa as tensões socioambientais estabelecidas.
Seguindo as pegadas dos/as autores/as já citados/as, enfrentar tais tensões pres-
supõe nomear a realidade imposta, semantizada de racismo ambiental. Afinal, quem
nomeia toma posse. Uma vez nomeada, convém cartografar as lutas e resistências. Inspi-
rados em Ratts (2018), codificamos essas resistências de corpos-espaços, estes que, por
sua vez, são ávidos de cidadania para subversão de ambientes racializados, sob o espec-
tro da biopolítica. O diálogo com o movimento negro educador pode ser a flecha de
Oxóssi que apontará o caminho para a construção de uma geografia(s) da(s) diferença(s).
Uma ciência concebida pelo (no) corpo-espaço negro, pelo diálogo com os movimentos
sociais afro-diaspóricos.
Afinal, como lembra Bárbara Christian (2002), o modo negro de fazer ciência
nada tem a ver com o cartesianismo abstrato ocidental. É um modo que consubstancia às
vivências socioambientais do corpo negro. Por isso, nem sempre essa geografia(s) da(s)
diferença(s), feita na corporeidade preta e militante, encontra respaldo em uma espacia-
lidade eivada pela hegemonia leucodérmica.
Por outro lado, convém dizer que uma geografia da diferença já está em curso.
Seja pelas diretrizes sócio-ambientais a exemplo de Félix-Silva, Oliveira e Bezerra
(2020), que examinaram, de modo preliminar, as insurgências de uma comunidade pes-
queira da Planície Litorânea do Piauí; Aguiar e Souza (2019) que destacam, como teste-
munho de resistência ao racismo ambiental no Brasil, a criação do GT (Grupo de Traba-
lho) em saúde e meio ambiente, fruto do ativismo acadêmico, e a composição da Rede
Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), comprometida, a partir da interlocução com os
movimentos sociais, com a denunciação, intervenção e resistência sócio-ambientais; e
Jesus e Oliveira (2021) que grafam o ativismo feminino negro indígena, de base inter-
seccional, no sul da Bahia, no enfrentamento das disputas ambientais.
Ou pelas diretrizes simbólico-estéticas, significadas pela literatura, um dos ca-
nais de disseminação do pensamento geográfico, nas quais se encontram a obra de Ita-
mar Vieira Júnior (2019), intitulada de Torto arado. Esta narra a saga das irmãs Beloní-
sia e Bibiana em uma espacialidade assinalada pela luta pela terra e pelo bem viver. O
modo como as irmãs confrontam a operação étnico-socioespacial, conduzidas pela cos-
movisão afro-diaspórica e pela reivindicação da identidade quilombola, é revolucionário.
Como pôde ser observado, em ambas as diretrizes foi detectada a influência do
Movimento Negro Educador. No entanto, essas e outras relutâncias, não citadas aqui,
são algumas iniciativas que carecem de adensamento a fim de dá corpo à geografia(s)
da(s) diferença(s).
Considerações finais
O que apresentamos foi um esboço de leituras, acerca do racismo ambiental, a
fim de recuperar a sua atualidade em uma espacialidade na qual a identidade étnica é
determinante na ocupação do solo.
À luz do que foi tratado aqui, a certeza que nos move é: a ocupação ambiental é
urdida por desigualdades, lânguida de cidadania, intensificadas sobre corporeidades
espaciais negras. Todo esse empreendimento é erguido sob a assinatura do Estado biopo-
lítico.
O que resta a ser feito é a inscrição na ordem do discurso, pelo ativismo dos
movimentos sociais negros, na qual são instauradas as disputas pela narrativa a partir do
uso ambiental, para que a justiça socioambiental seja conquistada.
Para concluir, a palavra fica a cargo do escritor Itamar Vieira Junior (2019, p.
262). As considerações finais do premiado romance Torto arado, repercutem aqui tam-
bém. Elas denunciam a racionalidade vigente que regula a posse territorial: “sobre a terra
a de viver sempre o mais forte.” Até quando? Será que há insubordinações socioespaci-
ais de grupos étnicos?
Como foi nomeada a realidade imposta (racismo ambiental, de natureza anti-
cidadã, de marca biopolítica) quiçá o momento seja oportuno para escrever resistências
ambientais, de posse do suporte do Movimento Negro Educador, para, assim, tecer ou-
tros amanhãs.
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