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José Valdeci
José Valdeci
José Valdeci
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Possui graduação em Psicologia pela UNINGÁ - Centro Universitário Ingá. Mestrando em Psicologia pela
Universidade Estadual de Maringá - UEM. Especialista em Saúde Mental, Psicopatologia e Atenção Psicossocial
pelo Centro Universitário de Maringá - UNICESUMAR. Especialista em Educação Especial e Inclusiva pela
Faculdade de Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná - UNIFATECIE. Foi membro do Instituto Psicologia em
Foco - Oficina do Saber e Jornal Psicologia em Foco, Maringá - PR (2015-2016). E-mail de contato:
josegrigoleto@outlook.com
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Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da
UERJ. Possui graduação em Direito pela UNIVEL e graduação em Psicologia pela Universidade Católica do
Paraná PUC-PR. Especialista em Psicanálise com crianças pela UTP-PR e Educação, políticas sociais e
atendimentos a famílias pelo ISEPE. Possui formação em Tanatologia (ISEPE). Possui Aperfeiçoamento em
Luto pelo Instituto 4 Estações - São Paulo/SP. Atuou como psicóloga do Hospital do Câncer UOPECCAN
(2001/2011). Certificada em Psicologia da Saúde pela ALAPSA e Especialista em Psicologia Hospitalar (CFP).
Email de contato: giovana_k@yahoo.com.br
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objective of this work is to examine how the process of grief of the person who lost a
homosexual partner by suicide. For that, a theoretical research was carried out counting on the
accomplishment of a bibliographical revision. As a result, it was perceived that society tends
not to sanction expressions of grief in homoaffective relationships as well as losses that are
caused by suicide. Therefore, in deaths in which there is the presence of homoeffective losses
and suicide, the possibility of complicating grief is significant.
Keywords: Homosexuality, suicide, disenfranchised grief.
Introdução
A homossexualidade, ainda hoje, é tratada como um assunto incômodo, gerando,
devido à sua visibilidade, desconforto para muitas pessoas, sendo alvo de olhares nebulosos,
hostis, preconceituosos e repressivos (SANTOS e BERNARDES, 2008), o que
consequentemente leva os homossexuais a vivenciarem, diariamente, situações de homofobia
e discriminação frente à sua orientação sexual.
Para Guimarães e Rosa (2012) homofobia se refere a qualquer forma de discriminação
dirigida aos homossexuais, em que se parte do pressuposto de que ser homossexual é ser
inferior, ilegítimo e errado frente ao heterossexual. Ainda “qualquer atitude de hostilidade e
forma de violência praticada contra a homossexualidade do sujeito [...] é considerada
homofobia” (GUIMARÃES e ROSA, 2012, p. 2).
É urgente mencionarmos que frente aos casos de homofobia e aos demais processos de
discriminação e exclusão que rodeiam os homossexuais, os números de casos de suicídio
nesta população são alarmantes. Segundo dados disponíveis em relatórios do GGB – Grupo
Gay da Bahia, no ano de 2016 foram registrados 21 casos de suicídio de homossexuais do
sexo masculino no Brasil. Em 2017 foram registrados 33 casos.
Desta maneira, e sobre a necessidade de se discutir e problematizar tal realidade, é
importante mencionar que falar sobre suicídio automaticamente leva o ser humano às
questões relacionadas ao fim da vida, à morte e ao morrer, o que coloca o sujeito frente a
frente com a ideia de finitude. Hoje, em nossa sociedade, como menciona Kovács (2002),
tem-se encarado a morte como um tema tabu, interdito, que gera desconforto e causa
incômodo. O suicídio, além disso, carrega consigo grandes estigmas que rodeiam as famílias e
vão além da simples questão da morte natural e esperada: o suicídio é um tipo de morte na
qual a pessoa decide por concretizar o ato de matar a si própria. Pessoas que perderam um
ente querido por suicídio, ou seja, os sobreviventes, muitas vezes se deparam com sequelas de
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ordem psicossocial que costumam ser intensas e duradouras, o que tende a aumentar o risco
para o suicídio (ANDRIESSEN, KRYSINSKA, 2012, p.24).
Segundo Ducati (2005) em relacionamentos homoafetivos, ou seja, entre pessoas do
mesmo sexo, a possibilidade de expressão do luto torna-se ainda mais difícil, visto que este
tipo de relacionamento não é aceito e tolerado, pela grande maioria da sociedade, incluindo os
familiares.
Desta forma, a partir dos pontos acima elencados, neste trabalho serão examinadas as
seguintes indagações que, em comum, carregam uma dupla carga de tabus, interditos e
estigmas sociais: Como se dá o processo de luto da pessoa que perdeu um companheiro
homossexual por suicídio? Qual o espaço possível na sociedade para a expressão deste luto?
Desta forma, o presente trabalho se caracteriza como uma pesquisa teórica
(RODRIGUES, 2007 apud PRAÇA, 2015) contando com a realização de uma pesquisa
bibliográfica para fundamentar e subsidiar os temas elencados: homossexualidade, suicídio e
luto. A Pesquisa bibliográfica, de acordo com Marconi e Lakatos (2012), se baseia em
levantamento realizado em bibliografias que dialoguem com a área na qual se deseja
pesquisar, tendo como objetivo colocar o/a pesquisador/a em contato com o que já foi escrito
e produzido acerca de determinado tema.
HOMOSSEXUALIDADE
A Homossexualidade: Breves Apontamentos Históricos
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direitos a tudo que refoge à mesmice do igual é condenar à invisibilidade” (DIAS, 2010, p.
01).
Através dos tempos, como destaca Molina (2011), as pessoas que se atreviam a fugir à
heteronormatividade, isto é, a compreensão da heterossexualidade como única forma normal
de expressão da sexualidade, eram alvos de punição, vergonha, segregação e, também,
violência.
Curioso citar que, segundo Borrillo (2010), na Grécia Antiga a homossexualidade era
reconhecida e validada como legítima expressão da sexualidade pela sociedade,
desempenhando uma função de iniciação na vida sexual, sendo provida de desejo e prazer. Já
na Roma Clássica, a homossexualidade era permitida e validada pela sociedade desde que
obedecesse a algumas condições, tais como: “(...) não afastar o cidadão de seus deveres para
com a sociedade, não utilizar pessoas de estrato inferior como objeto de prazer e (...) evitar
absolutamente de assumir o papel de passivo nas relações” (BORRILLO, 2010, p. 46).
No Império Romano, segundo Borrillo (2010) os homossexuais tidos como passivo
chegaram a ser condenados à fogueira pelo imperador Teodósio 1º, no ano de 390, sob a
influência do cristianismo, visto que esta corrente religiosa reprimia de maneira severa a
relação amorosa/sexual entre pessoas do mesmo sexo, na crença da relação heterossexual
como única de ordem moral e natural. Ainda, os homossexuais passivos eram severamente
punidos e, também, alvos de zombarias pela sociedade, já que havia uma “(...) dicotomia
“macho/fêmea”, “ativo/passivo”, [que] definiam os papéis sociais, o acesso ao poder e a
posição de cada indivíduo segundo seu gênero e sua classe” (BORRILLO, 2010, p. 47).
Com efeito, como destaca Borrillo (2010), ao fazermos uma conexão com os dias
atuais, é interessante pontuar que ainda hoje “(...) um grande número de homens que assumem
um papel ativo na relação sexual com outros homens não se consideram homossexuais”
(BORRILLO, 2010, p. 90), na crença de que ser homossexual é ser penetrado, em que
passividade se torne sinônimo de feminino e ser ativo/penetrador não se distancia do papel
socialmente incumbido ao masculino.
Recentemente, no século XX, o movimento gay passa a se organizar entre a década de
1970 e 1980, visando uma articulação entre a defesa de visibilidade, bem como pela
construção de reconhecimento enquanto cidadãos plenos de direitos (FERRARI, 2004).
Na busca por reconhecimento, nesta época o movimento gay contou com a criação de
vários grupos de intelectuais que se reuniam periodicamente para discutirem as matérias
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jornalísticas que eram vinculadas contra os homossexuais, além de lerem as edições do Jornal
Lampião da Esquina, publicação destinada às pessoas homossexuais (GREEN, 2000).
Importante mencionarmos que além destas existem outros tipos de orientação sexual,
mas que são pouco vistas pela sociedade, como é o caso dos assexuais (pessoas que não
sentem atração sexual por ninguém) e dos pansexuais (pessoas que sentem atração sexual por
pessoas independente do sexo/identidade de gênero).
Dentre os tipos de orientação sexual acima citados, a heterossexualidade, como já
sabemos, ainda é compreendida como única expressão normal e sadia da sexualidade humana
e, como conseqüência, qualquer exceção que fuja à regra torna-se alvo de gestos permeados
por hostilidades, preconceitos e intolerâncias, como é o caso dos/as homossexuais que passam
a serem alvos da homofobia.
A homofobia é uma realidade que muitas vezes é ignorada, intencionalmente ou não,
por grande parcela da população. Segundo Borrillo (2010) a origem da palavra homofobia
pertence à K. T. Smith datando de um artigo de 1971, quando este autor buscou analisar os
traços pertencentes à personalidade homofóbica. Ainda assim, foi apenas no ano de 1998 que
o termo apareceu pela primeira vez, em um dicionário de língua francesa. Já o termo
homossexualidade foi cunhado, segundo Mott (2003) e Molina (2011), pela primeira vez em
1869 pelo médico Karoly Maria Benkert. Existem muitas definições de homofobia, mas todas
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Mott (2002), ao defender que os/as homossexuais são, dentre todas as minorias
sociais, os/as mais odiados, menciona que a relação homossexual desde muito tempo foi
considerada como “(...) crime hediondo, condenado como pecado abominável, escondido
através de um (...) complô de silêncio” (MOTT, 2002, p. 01) o que, consequentemente,
resultou na “(...) internalização da homofobia por parte dos membros da sociedade global, (...)
pela própria família, no interior das igrejas e da academia” (MOTT, 2002, p. 01). Diante
disso, é nítido que “(...) a homofobia desempenha um papel importante na medida em que ela
é uma forma de inferiorização (...) além de conferir um status superior à heterossexualidade,
situando-a no plano do natural” (BORRILLO, 2010, p. 15).
Ainda, Barnes, Golden e Peterson (2010) pontuam que os homossexuais possuem
grande risco para o suicídio pelo fato de que são vítimas de violência, estigma e discriminação
em relação à sua orientação sexual. Assim, existem alguns riscos para o suicídio, dentre eles:
abuso sexual, isolamento, abuso de drogas, problemas familiares, prostituição, homofobia,
discriminação, terapias de conversão, rejeição familiar e hostilidade na época escolar.
SOBRE O SUICÍDIO
Conceituando o Suicídio
Conceitualmente, a palavra suicídio é dotada de várias definições que apresentam,
desde o século XVII, uma mesma ideia central entre si: o ato de terminar com a própria vida
(BOTEGA, 2015).
Derivado do latim sui (si mesmo) e caees (ação de matar), o suicídio não significa
apenas a ação de matar a si mesmo, mas é, sobretudo um ato humano que implica
em um processo cujo fim da linha termina em um ato que faz a pessoa que fica,
neste caso, o sobrevivente, sofrer (FUKUMITSU, 2013, p. 43).
Bertolote (2012) menciona que a origem da palavra suicídio remete ao médico inglês
Thomas Browne e data do ano de 1643, tendo o termo sido originado primeiramente em
grego, contando com tradução para o inglês como suicide dois anos depois. No entanto,
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Aragão Neto (2014) menciona que na literatura não há um consenso único acerca do início da
utilização da palavra suicídio, visto que alguns autores atribuem a etimologia do termo a
diferentes fontes e autorias.
Percebe-se que através dos tempos as atitudes das sociedades ocidentais frente ao
suicídio foram se modificando e criando novas maneiras de compreender e lidar com o ato de
terminar com a própria vida. Perpassando por culturas primitivas que lidavam com o suicídio
como um ato pleno do exercício racional, o suicídio era considerado pecado na Idade Média e
frequentemente relacionado com transtornos mentais a partir da segunda metade do século
XX (BOTEGA, 2015).
Contudo, nos dias de hoje o suicídio passou a ser um fenômeno de proporções
consideráveis e que representa um impacto significativo na saúde pública mundial, visto que é
uma das principais causas de óbitos em determinadas faixas etárias e regiões do planeta
(BERTOLOTE, 2012) sendo, pois, atualmente considerado como uma questão de saúde
pública (BOTEGA, 2015). Naturalmente, quando somos noticiados acerca de um caso de
suicídio, nos questionamos sobre os possíveis motivos que podem levar uma pessoa a acabar
com a própria vida (BERTOLOTE, 2012). O suicídio, no entanto, é compreendido como “(...)
um fenômeno extremamente complexo e multideterminado, ou seja, não ocorre por um único
fator ou causa” (ARAGÃO NETO, 2015, p. 18). Ainda, para Fukumitsu e col. (2015) o
suicídio envolve aspectos “(...) biológicos, psicológicos e sociais” (p. 49). Sendo assim,
“existem vários tipos de suicídio – os planejados, os impulsivos, os que não ofereceram
nenhuma pista e os que assinalaram que a morte poderia acontecer” (FUKUMITSU &
KOVÁCS, 2015, p. 42).
Curioso destacar que, para o mesmo Fukumitsu e col. (2015), o suicídio é ambíguo: ao
mesmo tempo em que há o desejo de viver, há o desejo de acabar com a dor, isto é, busca-se
findar com o que incomoda e o que causa sofrimento, perturbando os pensamentos e o sentido
de viver. Na mesma vertente, Cassorla (2017) menciona que a pessoa com ideação suicida
está, evidentemente em sofrimento, passando a acreditar que o suicídio é a única saída para o
fim da sua dor. Fukumitsu & Kovács (2016) mencionam que os números de suicídios no
Brasil, chegam a 32 casos diários, o que equivale a uma pessoa tirando a própria vida a cada
45 minutos. No entanto, segundo Botega (2015), o número de tentativas de suicídio é dez
vezes maior do que o número de suicídios concretizados.
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Importante citar que Aragão Neto (2014) nos lembra que o suicídio não atinge uma
única parcela da sociedade, ou seja, não faz distinção de cor, raça, classe social ou credo
religioso.
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traumática, estando, consequentemente, rodeados pelo silêncio que se instaura pelo tabu do
suicídio, o que geralmente não permite que a pessoa possa falar abertamente sobre sua dor.
Além de carregar alto grau de estigma social, a morte por suicídio traz inúmeros
questionamentos acerca da possibilidade de escolher desistir da vida, visto que parte de uma
decisão do próprio indivíduo, o que acaba por instalar enormes dúvidas acerca dos fatores que
motivaram o ato em si. Desta forma, o estigma social passa a ser uma linha tênue que pode vir
a contribuir no aumento do sofrimento dos sobreviventes ao suicídio (ARAGÃO NETO,
2015), isso porque “a sociedade, particularmente a ocidental, é mal preparada e desestruturada
para responder às necessidades emocionais e sociais dos que passam por esse tipo de
infortúnio” (p. 128).
A morte requer um período de diálogo em que é preciso conversar sobre o ocorrido e
falar acercados sentimentos desencadeados pela perda. Assim, é na fala que podemos
externalizar o que nos angustia, compartilhar nossos sentimentos acerca da pessoa que morreu
e expressar nossa raiva, tristeza, dor ou qualquer outro sentimento que exista. No entanto, a
morte por suicídio não oportuniza aos sobreviventes um espaço para a expressão de seus
sentimentos, em que o falar é silenciado, visto que o suicídio se difere das mortes
consideradas “normais” (LUKAS E SEIDEN, 2007).
Por isso, Silva (2015) destaca que muitos familiares não admitem que houve suicídio
na família, quer seja para si próprio ou para alguma pessoa da família considerada “frágil” e
que por isso, não saberia lidar com a notícia. Além disso, a preocupação com explicações para
a sociedade torna-se um constrangimento que assola muitas famílias. Botega (2015), no
mesmo viés, menciona que pelo fato de o suicídio não ser uma forma socialmente aceitável de
se morrer, “às vezes, esconde-se o fato de a morte ter sido por suicídio, e, em outras vezes,
são negados os sentimentos mais doloridos” (p.226).
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Ainda, devido à presença deste sentimento, muitas pessoas acreditam que precisam punir a si
mesmas (WORDEN, 2008).
Segundo Kovács:
O suicídio é uma das mortes mais difíceis de elaborar, pela forte culpa que desperta.
Ativa a sensação de abandono e impotência em quem fica. O enlutado, além de lidar
com a sua própria culpa, é frequentemente alvo de suspeita da sociedade como
sendo o responsável pela morte do outro. (KOVÁCS, 1992, p 156).
Outro tipo de culpa é àquela dirigida a outras pessoas, ou seja, o sobrevivente busca
projetar a responsabilidade da morte no outro. Um dos motivos para tal feito é a busca de
controle e sentido na situação, em que há a necessidade de se entender os motivos que
levaram seu ente querido a cometer o suicídio (WORDEN, 2008).
Worden (2008), ainda apresenta a raiva como um sentimento comum nos casos de
suicídio, visto que os/as sobreviventes se questionam o porquê, sentindo-se rejeitados e
desamparados pela pessoa que se suicidou. Ainda, a vergonha, segundo Kaslow& Aronson
(2004) apud Worden (2008) é um sentimento que a família vivencia pelas influências e reação
das outras pessoas da sociedade. Os sobreviventes por suicídio vivem o dilema de não
possuírem respostas para o/s motivo/s para que o suicídio tenha ocorrido. Em alguns poucos
casos a pessoa que se suicidou deixa uma carta, no entanto, as dúvidas frequentemente
permanecem (BARNES, 2010).
Lukas e Seiden (2007) pontuam que “Por que?” é a palavra mais frequentes entre os
sobreviventes, surgindo em perguntas desde o momento em que se noticia o suicídio, podendo
se estender por muito tempo, com o surgimento de várias questões que buscam preencher o
vazio instalado pelo desconhecido.
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Ainda, Silva (2013) apresenta o luto como “(...) uma vivência esperada pela perda de
alguém querido” (p. 60). No mesmo viés, Doka (2016) e Parkes (1998) afirmam que as perdas
e o luto são experiências universais, visto que inevitavelmente iremos, em algum dia de
nossas vidas, perder aquilo que amamos e, dessa forma, iremos experienciar o luto. Em
resumo: “(...) o luto é, talvez, o preço que pagamos pelo amor” (PARKES, 1998, p.22).
No entanto, mesmo que a experiência da perda seja universal e inevitável, a maneira
como as pessoas irão vivenciar/responder ao luto são distintas, individuais e subjetivas, visto
que cada relação é construída, também, de maneira singular e única (DOKA, 2016). Doka
(2016) pontua que as reações do luto não são apenas de ordem emocional, mas que se
estendem para as esferas psicológicas, comportamentais, cognitivas, sociais e espirituais de
cada pessoa enlutada.
Desta maneira, ao falarmos sobre as especificidades do processo de luto nos barramos
aos conceitos de fases e etapas que autores criaram (KÜBLER-ROSS, 2008; BOWLBY,
2015; WORDEN, 2009), ao longo das décadas buscando explicitar didaticamente a maneira
na qual o enlutado irá reagir após o rompimento de um vínculo afetivo.
No fim da década de 1960 a médica suíça Elisabeth Kübler-Ross nos apresentou à
ideia de fases ou estágios que as pessoas tendem a vivenciar em situações de luto, mais
especificamente ao receber o diagnóstico de uma doença incurável. As fases são: negação,
raiva, barganha, depressão e aceitação (KÜBLER-ROSS, 2008). Kübler-Ross ficou
internacionalmente reconhecida por seu trabalho, tendo realizado inúmeros seminários,
concedido entrevistas e tendo publicado várias obras de extrema importância para o cuidado
com as pessoas em fim de vida (KÜBLER-ROSS, 1995, 1998, 2003, 2008).
No entanto, ao longo das décadas, o trabalho de Kübler-Ross passou a ser alvo de
inúmeras críticas, mais especificamente por não abordar de maneira empírica os dados que
apresentava, visto que contava apenas com sua prática médica para desenvolver seus trabalhos
e teorias (KONIGSBERG, 2011; STROEBE, SCHUT, BOERNER, 2017). Ainda, o trabalho
de Kübler-Ross foi alvo de acusações de plágio por autores que afirmaram que já trabalhavam
com a ideia de fases antes da publicação do primeiro livro de Kübler-Ross (PARKES, 2013).
Em síntese, mesmo com as críticas é importante destacarmos que Kübler-Ross possui
um papel significativo para a atual maneira com que as pessoas lidam com o processo de
morrer, tendo sido pioneira e revolucionária na promoção da atuação humana com os
pacientes incuráveis (KOVÁCS, 2012).
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Conceitualmente, luto não reconhecido pode ser compreendido como o luto que não
pode ser abertamente reconhecido, publicamente vivido ou receber algum tipo de suporte
social (DOKA, 1999).
Nesta vertente, Corr (1999) menciona que o conceito de luto não reconhecido admite
que, de forma direta ou indireta, a sociedade se nega a reconhecer, validar ou dar suporte ao
luto de determinados indivíduos, famílias ou grupos/comunidades.
Segundo Doka (2008) o conceito de luto não reconhecido nasceu quando, em uma de
suas aulas, uma aluna fez um comentário acerca da experiência de perder o ex-marido por
câncer dois anos após o divórcio. Segundo ela, foi extremamente difícil encontrar algum
suporte social para lidar com sua ambivalência de sentimentos, tanto ao visitar seu ex-marido
no hospital quanto no dia de seu funeral, chegando a ouvir comentários que questionavam o
seu direito de enlutar-se, visto que eles já não eram mais casados e, por isso, segundo a
sociedade, não possuíam nenhum tipo de vínculo.
A partir dessa provocação, o autor aprofundou seus estudos acerca da experiência do
luto de ex-cônjuges, o que culminou com a apresentação do pioneiro artigo intitulado
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Cada pessoa fica enlutada de sua maneira, não existindo, portanto, maneiras
melhores ou piores, nem a imposição de uma sequência rígida, que normatize o
processo. Portanto, mesmo que se identifiquem as fases e uma possível sequência
temporal, convém não esquecer que o luto é uma experiência pessoal e única, para
cada pessoa. (FRANCO, 2002, p. 26).
Por isso, segundo Casellato (2015), o que se observa é que há o fracasso da empatia,
isto é, há uma falha na “(...) capacidade de compreender o significado e validar a experiência
[da perda] de outra pessoa” (p. 19).
Ademais, Attig (2004) menciona que além de um fracasso da empatia, a não
autorização ao direito do luto é um fracasso político que envolve aspectos relacionados ao
abuso de poder e a negligência. Falar em poder é falar em autoridade, logo, quando há abuso
de poder significa que está ocorrendo o uso indevido desta autoridade, como, por exemplo,
quando alguém pretende saber ou entender mais do que os outros em assuntos que são pouco
conhecidos para si ou quando alguém acredita possuir conhecimentos superiores para poder
escolher pelos outros.
Ainda, há a existência de uma falha ética em relação a não autorização ao direito do
luto, uma vez que não autorizar que o outro expresse seu luto é um desrespeito à dignidade e
aos direitos humanos, porque, segundo o autor acima, respeitar é acolher, compreender e agir
respeitosamente frente à vulnerabilidade do outro.
À vista disso, em relação aos tipos de lutos que não são reconhecidos, Doka (1999,
2008) apresenta categoriais de perdas que tendem a não ser socialmente reconhecidas pelos
seguintes motivos:
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2) Quando a perda não é reconhecida: São as perdas que a sociedade não julga como
significativas, perdas estas que podem transitar entre perdas concretas, ou seja, quando não há
mais o objeto fisicamente e perdas que ocorrem quando a pessoa está viva, há a existência
física, porém essa é tratada como morta. São exemplos de perdas concretas não reconhecidas
socialmente: a morte de um animal de estimação, aborto (em caso de aborto induzido, isto é, o
aborto ocorre com o consentimento da pessoa) e a mortalidade perinatal. Por outro lado, são
exemplos de perdas que ocorrem quando a pessoa está viva: pessoas em situação de
institucionalização (perda social), estado de coma (morte psicológica) e pessoas com falta de
consciência (morte encefálica). Importante destacar que nestes dois últimos casos os entes
queridos geralmente vivenciam um profundo sentimento de perda que não é publicamente
reconhecido, porque é inaceitável enlutar-se por um corpo ainda vivo, ou seja, a pessoa não
morreu, ela continua biologicamente viva.
4) A morte não é reconhecida: Algumas perdas fazem com que a pessoa enlutada fique
receosa em buscar suporte social, com medo da reprovação causada pela circunstância da
morte. São exemplos: morte por suicídio, acidente de trânsito por ingestão de álcool, overdose
e AIDS.
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5) A maneira com que o indivíduo enluta não é validada: Luto não reconhecido
também ocorre quando o indivíduo vivencia seu luto de maneira que a sociedade não
compreenda como sendo adequada. Socialmente, o que se espera com o luto são expressões
emotivas que envolvam o choro. No entanto, algumas pessoas experienciam seu pesar de
forma cognitiva, ou seja, são mais introspectivas e não expressam com lágrimas seus
sentimentos, o que faz com que alguns interpretem como sendo ausência de pesar.
Percebe-se, pois, que as pessoas que não recebem o direito de enlutar-se acabam por
sofrer em silêncio, não recebendo suporte e reconhecimento social suficiente para vivenciar o
luto por suas perdas (DOKA, 2002, 2016).
Desta forma, o luto não autorizado necessita de atenção dos profissionais de saúde
para um correto e adequado manejo. Não validar a perda de uma pessoa/família/comunidade é
impedir a expressão do luto, é forçar uma voz a se calar, silenciando-a.
Referências
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