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Ciclos Da Cana-de-Açúcar e Do Ouro Na História Colonial Brasileira
Ciclos Da Cana-de-Açúcar e Do Ouro Na História Colonial Brasileira
Ciclos Da Cana-de-Açúcar e Do Ouro Na História Colonial Brasileira
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A coroa portuguesa chegou a proibir o cultivo de qualquer gênero diferente da cana-de-açúcar
em uma determinada faixa do litoral nordestino (Fausto, 2006). Freire (1976) chama atenção para
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destino esteve muito associado à sua condição de colônia. A região Sudeste não
sofria tanta intervenção inicialmente, tendo sido desenvolvidas atividades
diversificadas e mais condizentes com o interesse dos colonos que permaneceram,
de certo modo, à margem dos empreendimentos coloniais apoiados por Portugal10.
Portanto, a distância em relação à metrópole, devido aos custos e às dificuldades
de transporte na época, era uma variável relevante para o grau de intervenção
sofrido pela colônia ao longo de seu território:
possível destacar dois ciclos econômicos que, segundo Simonsen (1979), foram
cruciais na formação econômica do Brasil: a cana-de-açúcar e a mineração.
Embora seja inevitavelmente reducionista analisar tais episódios como ciclos, pois
dá uma idéia de surgimento ascensão e fim – o que não é totalmente verdade,
especialmente, no caso do açúcar –, estes permitem identificar, nas áreas
diretamente afetadas no período “hegemônico” do produto, a estrutura
institucional a eles associada.
Nos períodos mais prósperos dessas atividades, havia de fato uma
mobilização de esforços econômicos, de mão-de-obra bem como da máquina
burocrática e administrativa para explorar ao máximo as rendas disponíveis. A
partir do momento em que essas rendas davam sinais de esgotamento, apesar de as
atividades, muitas vezes, seguirem existindo, essa mobilização se dissolvia, o que
denota a idéia de ciclo. Vale lembrar que a decadência do açúcar nordestino e a
descoberta de ouro na porção central do Brasil levaram, em 1763, à mudança da
capital da colônia de Salvador (BA) para o Rio de Janeiro.
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Sobre a atividade açucareira: “(...) havia uma proibição formal de publicações relativas ao
comércio e aos lucros portugueses; a apreensão e destruição da obra de Antonil provam essa
asserção.”(Simonsen, 1937, p.112).
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Os colonos portugueses tinham uma visão de curto-prazo tão forte com relação ao tempo de
permanência no Brasil que, até o século XVIII, era comum homens migrarem para a colônia
deixando suas esposas em Portugal. Durante todo o período colonial, o número de mulheres
brancas, em particular, era muito reduzido (ver Wehling, 1994; ou Russel-Wood, 1977; em relação
às áreas mineradoras). Em relação à economia do açúcar, Padre Manuel da Nóbrega escreveu no
século XVI: “this people of Brazil pay attention to nothing but their engenhos and wealth even
though it be with the perdition of all their souls” (citado em Schwartz, 1987, p.88).
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que serão ressaltadas no decorrer do trabalho. Assim sendo, se, por um lado,
espera-se que tais eventos históricos tenham conseqüências negativas na
qualidade das instituições de modo geral e, portanto, no desenvolvimento de
longo prazo das cidades afetadas, por outro, é possível que tenham efeitos
diferenciados de acordo com suas características institucionais específicas. Nas
próxima duas seções, analisaremos com mais detalhe os choques institucionais do
ciclo da cana-de-açúcar e do ciclo do ouro e, na última seção, sugeriremos
brevemente possíveis implicações para o desenvolvimento institucional de longo
prazo das áreas afetadas.
4.1
O Ciclo da Cana-de-Açúcar
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Ao contrário do que se possa presumir, a localização da produção da cana não se deveu
basicamente a condições geográficas. A distância para Portugal teve um papel-chave na
localização geográfica. Por exemplo, hoje, o Brasil ainda é o maior produtor de açúcar,
representando 18.5% da produção mundial de 2005, mas 61% da produção atual se localiza no
estado de São Paulo. A produção de açúcar em São Paulo, hoje, é comparável com a da Índia,
segundo maior produtor mundial (dados do IBGE e do Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos).
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14 Em 1710, era necessário quatro vezes mais açúcar para substituir um escravo do que em 1608
(Schwartz, 1987).
15 No início do século XIX, há um renascimento do açúcar, expandindo-se, inclusive, em regiões que,
antes, não abrigavam grandes produtores. Não consideramos esta fase do século XIX no que
denominamos ciclo do açúcar por situar-se no final do período colonial e em uma época em que os
movimentos abolicionistas ganhavam força. Nesse caso, o ambiente institucional já se constituiu de
forma mais híbrida e não se pode interpretar esse renascimento como um choque institucional no
sentido que estamos interpretando o ciclo do açúcar.
16 No início da colonização, as terras brasileiras foram divididas nas chamadas capitanias hereditárias e
entregues à administração e exploração de capitães donatários que, entre outras poderes, concediam
enormes lotes de terras – as chamadas sesmarias – a colonos que tivessem condições de explorá-los
economicamente.
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enorme prestígio: “o ser senhor de engenho, he titulo, a que muitos aspirão porque
traz comsigo, o ser servido, obedecido e respeitado por muitos. E [...] bem se póde
estimar no Brazil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimão
os titulos entre os fidalgos do Reino” (Padre Antonil em 1711, citado em
Simonsen, 1977, p.105).
O forte poderio local contrastava com o Estado português marcadamente
centralizador e burocrata. Enquanto metrópole, Portugal procurava criar regras e
dispositivos de controle da atividade açucareira tendo em vista, essencialmente,
manter um fluxo constante de renda e preservar seu poder nas áreas de interesse
(Wehling, 1994). Assim sendo, em Pernambuco, cerca de 80% da receita do
governo resultava de uma série de impostos sobre o açúcar (Schwartz, 1987,
p.96). Diversos relatos da época chamam atenção para a oposição entre a
opulência dos senhores de engenhos e os repetidos pedidos de isenção de
impostos e moratória de dívidas. O ambiente político-institucional da economia
do açúcar tornava-a, portanto, uma atividade fundamentalmente rent-seeking que
sustentava esse universo econômico e político dos engenhos.
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Em 1729, o Governor Luís Vahia Monteiro escreveu: “The most solid properties in Brazil are
slaves, and a man’s wealth is measured by having more or fewer (…), for there are lands enough,
but only he who has slaves can be master of them” (citado por Schwartz, 1987, p.81).
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4.2
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O Ciclo do Ouro
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Nessa época, foram encontrados ouro e diamantes na Bahia, mas são escassos registros da
mineração baiana.
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entre 1493 a 1850; alcançou cerca de 50% do que o resto do mundo produziu nos
séculos XVI, XVII e XVIII” (Simonsen, 1937, p.258).
As notícias das descobertas de ouro geraram um grande fluxo migratório
para as regiões mineradoras. Tamanha foi a fascinação exercida pelas minas que,
decorridos os primeiros 25 anos, a região centro-sul, antes, inabitada, concentrava
cerca de 50% da população brasileira (Fausto, 2006). A coroa chegou a se
preocupar seriamente com o despovoamento de Portugal, recorrendo a
dispositivos legais para restringir a emigração para a colônia (Porto, 1967; Costa,
1982a).
Juntamente com a enxurrada populacional, as regiões mineradoras
sofreram diversas intervenções da metrópole com o objetivo de controlar e se
apropriar ao máximo do ouro brasileiro. Uma série de impostos e regras para a
exploração das minas e movimento de bens e pessoas foi criada para garantir um
montante de renda que fosse adequado para Portugal, dada a repentina riqueza
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limitados, pois não se exploraram grandes minas – como ocorria com a prata no
Peru e no México – e sim o metal aluvião que se encontrava depositado no fundo
dos rios”.
O trabalho escravo era intensamente usado e considerado mais duro que
nos engenhos. Entretanto, a relação dos senhores com seus escravos era diferente.
Não só porque os próprios senhores, conforme mencionamos anteriormente,
tinham características distintas, mas, também, porque o escravo tinha algum poder
nessa relação. Os escravos “(...) podiam esquivar-se de muitos maus tratos dada a
possibilidade de utilizar contra seus donos a arma da denúncia de fraudes fiscais;
qualquer delação, mesmo infundada, podia causar sérios transtornos” (Costa,
1982a, p.11). Na verdade, mesmo que raramente usada, foi instituída pela coroa
portuguesa uma legislação de acordo com a qual o escravo podia ganhar sua
liberdade denunciando evasão fiscal (Reis, 2005).
Além disso, freqüentemente, os escravos compravam a própria alforria.
Inicialmente, através do roubo. Com o tempo, foi se tornando comum permitir que
o escravo trabalhasse parte do tempo por conta própria, pagando uma parte ao
senhor. É interessante notar, segundo Reis (2005), que a exploração do ouro em
si envolvia um alto grau de assimetria de informação entre o escravo, diretamente
envolvido na atividade, e o seu dono ou supervisor. Os escravos podiam roubar ou
esconder o que encontrassem e os mineradores dependiam da disposição deles em
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4.3
Herança Colonial: Implicações Institucionais de Longo Prazo
4.4
Variáveis Históricas
alguma das áreas supracitadas e se seu ano de fundação for anterior a 176019.
Como o ciclo do açúcar se desenvolveu no litoral brasileiro, excluímos da amostra
municípios identificados por esse método que se localizassem a mais de 200 km
da costa20.
No caso do ciclo do ouro, a identificação dos municípios afetados foi
diferente. Com base em relatos históricos (ver, por exemplo, Russel-Wood, 1977;
Simonsen, 1937; Boxer, 2000; Fausto, 2006), podemos determinar os atuais
estados cujas histórias estão relacionadas ao ciclo do ouro (Bahia, Goiás, Mato
Grosso e Minas Gerais). A partir do mapa de “Caminhos Antigos, Mineração e
Máxima Expansão da Capitania Paulista” apresentado por Simonsen (1937),
podemos delimitar a localização precisa das minas históricas dentro de cada um
desses estados21.
De acordo com essas definições de ciclo, construímos duas variáveis
dummy que assumem valor um se o município foi diretamente afetado pelo
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Os resultados não se modificam quando consideramos como ciclo do açúcar apenas o período
que vai do início da colonização ao fim do chamado “século do açúcar”, isto é, 1700.
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Foram excluídos cinco municípios do interior da região Nordeste. Vale ressaltar que verificamos
que a criação dessas cinco cidades se dá no século XVII e está associada, na realidade, ao ciclo do
ouro.
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Os resultados também permanecem praticamente os mesmos quando incluímos todas as áreas
presentes no mapa “Caminhos Antigos, Mineração e Máxima Expansão da Capitania Paulista”
(Simonsen, 1977). Isto significa adicionar pequenas áreas no Norte e no Sudeste do Brasil que não
são usualmente associadas ao ciclo do ouro.
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Para se ter uma idéia do que isso representa, essa área equivale a duas vezes o território de
Portugal.
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