Psychology">
Caítulo 1. Pós Psico Cognitiva
Caítulo 1. Pós Psico Cognitiva
Caítulo 1. Pós Psico Cognitiva
PENSAMENTO III:
PSICOLOGIA
COGNITIVA
Conceitos
fundamentais da
teoria cognitiva
Julianne H. G. Horita
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A complexidade da mente humana vem instigando a curiosidade dos estudiosos
há séculos. Com os avanços tecnológicos e o interesse por conhecer melhor o
funcionamento do cérebro, o campo da neurociência vem evoluindo e contribuindo
cada vez mais para a compreensão do comportamento humano. A forma como
percebemos o mundo, aprendemos, pensamos e agimos sobre ele são atividades
descritas pela cognição, um objeto de estudo notável dentro da psicologia.
A cognição envolve processos mentais que atuam na aquisição, no armaze-
namento, na transformação e na aplicação da informação, como pensamento,
memória, linguagem, atenção, inteligência, raciocínio lógico e imaginação. Tais
processos mentais podem ser observados no comportamento das pessoas en-
quanto executam suas tarefas. Esse, portanto, é o objeto de estudo da psicologia
cognitiva para compreender a cognição humana (EYSENCK; KEANE, 2017; MATLIN,
2004).
2 Conceitos fundamentais da teoria cognitiva
Atenção
Para compreender este texto, você deve estar alerta, selecionando e focali-
zando conscientemente as palavras, ao mesmo tempo em que inibe estímulos
externos para ler de forma concentrada. Todos esses processos descritos são
componentes da atenção. Ela se refere a um conjunto de atividades mentais
que resultam num estado de concentração sobre determinado objeto. Com
ela, selecionamos, filtramos e organizamos as informações em unidades
controláveis e significativas (DALGALARRONDO, 2019).
A atenção pode ocorrer pelos sistemas top-down (de cima para baixo) e
bottom-up (de baixo para cima). O top-down é um processo ativo, em que, de
forma consciente, controlamos a atenção de acordo com os nossos objetivos.
Já o processo bottom-up é passivo; a atenção é controlada pelos estímulos
externos, ocorrendo a captação de estímulos sensoriais de forma automá-
tica. Além disso, a atenção pode ser classificada de outras formas, mas as
mais comumente estudadas para os propósitos da psicologia cognitiva são
a atenção seletiva (ou focalizada) e a atenção dividida (DALGALARRONDO,
2019; EYSENCK; KEANE, 2017).
Pela abordagem da atenção seletiva, destaca-se a seletividade como a
principal qualidade da atenção. Trata-se da capacidade de selecionar certos
estímulos enquanto ignoramos outros que não são relevantes no momento. Se
você está lendo efetivamente este capítulo, sem se distrair com os barulhos
do ambiente, você está aplicando a atenção seletiva. Essa seletividade é
importante para filtrarmos as informações levadas ao cérebro, para que seja
possível aumentar a nossa capacidade de processamento das informações
que são realmente essenciais para o nosso desempenho cognitivo e com-
portamental (DALGALARRONDO, 2019). A atenção dividida, por sua vez, ocorre
Conceitos fundamentais da teoria cognitiva 3
Memória
Quem seríamos nós sem as lembranças das nossas vivências? É por meio da
capacidade de armazenar as nossas experiências e recordá-las que podemos
definir quem somos. Portanto, a memória é essencial para a nossa identidade.
Podemos caracterizar três fases da memória: codificação, armazenagem e
recuperação (ou evocação). Na codificação, os dados sensoriais são captados
e transformados em forma de representação mental. Esse processo depende
da atenção. Na armazenagem, ocorre a retenção das informações codificadas.
Na recuperação, as informações armazenadas são recuperadas e podem ser
utilizadas (DALGALARRONDO, 2019; STERNBERG, 2008).
Há vários tipos de memória, a depender do caráter a ser avaliado. Se
pensarmos no modo de processamento consciente ou não, temos a memória
explícita (ou declarativa) e a implícita (não declarativa). Na memória explícita,
recordamos de forma consciente, como quando contamos algo que ocorreu
no passado ou descrevemos algo que vimos. Já na memória implícita, a recor-
dação ocorre sem essa percepção, sem consciência, como quando andamos
de bicicleta ou dirigimos: não ficamos conscientemente lembrando de cada
etapa necessária para executar as ações, tudo acontece de forma espontânea
(DALGALARRONDO, 2019).
Veremos mais à frente a classificação da memória segundo o processo
temporal, a memória de trabalho, de curto prazo e de longo prazo, além das
relações com a aprendizagem. No entanto, para podermos focar em outros
aspectos desse processo adiante, vamos adiantar e destacar aqui os tipos
de memória de longo prazo importantes de conhecer (MATLIN, 2004):
Pensamento
Definir o que chamamos de “pensamento” é bastante complexo, e seus elemen-
tos podem se sobrepor a vários outros processos mentais. Para Dalgalarrondo
(2019), as partes que compõem o pensamento são os conceitos, os juízos e
o raciocínio. O conceito é considerado a unidade básica fundamental do
pensamento, caracterizando-se pelas representações mentais de atributos
abstratos e gerais de objetos ou fenômenos, eliminando-se os aspectos
sensoriais.
Raciocínio lógico
Estamos a todo tempo relacionando conceitos, formulando juízos, criando
argumentos para defender o nosso ponto de vista ou tirando conclusões
sobre situações — por vezes, de forma precipitada. Elaboramos uma cadeia
de afirmações e as transmitimos esperando que o outro acompanhe a nossa
linha de raciocínio. De que modo isso ocorre?
A princípio, há dois tipos de raciocínio: dedutivo e indutivo. O raciocínio
indutivo envolve fazer generalizações, tirar conclusões com base em pre-
missas referentes a fatos particulares. Tais conclusões são probabilidades,
não necessariamente são verdadeiras. Já o raciocínio dedutivo parte de
proposições, afirmações, que são conectadas para se chegar a conclusões
Conceitos fundamentais da teoria cognitiva 5
Linguagem
A linguagem humana envolve um complexo sistema de comunicação. Tem as
propriedades de ser comunicativa, arbitrariamente simbólica — considerando
que a relação entre um símbolo e seu referente se dá de forma aleatória —,
regularmente estruturada e em múltiplos níveis, produtiva de modo quase
ilimitado e dinâmica — por estar em constante evolução (STERNBERG, 2008).
Dois aspectos da linguagem se destacam. Da parte receptiva, destacam-
-se a compreensão e a decodificação, ou seja, a captação dos significados
dos símbolos. Da parte expressiva, destacam-se a produção e a codificação
da linguagem, sendo a codificação relacionada a transformar os pensamen-
tos de forma que possa ser expresso. Esses aspectos ficam mais evidentes
quando pensamos na facilidade que algumas pessoas têm de compreender
um segundo idioma, mas não conseguem se expressar de forma escrita ou
verbal com ele (STERNBERG, 2008).
A psicolinguística, que trata da psicologia da linguagem, em sua busca para
entender como as pessoas compreendem e utilizam a linguagem, elaborou
6 Conceitos fundamentais da teoria cognitiva
Imaginação
A imaginação se refere às representações mentais na ausência de um estímulo
físico. Podemos criar imagens mentais a partir de qualquer sentido, embora
as imagens visuais sejam as mais comuns. Ela exerce uma função importante
para resolver questões espaciais e que exigem criatividade. Há uma discussão
entre os pesquisadores sobre como as imagens mentais são armazenadas,
se em código analógico, em que a representação é bastante semelhante ao
objeto real, ou se em código proposicional, uma representação abstrata do
tipo linguística. Porque a imaginação é um objeto de estudo de difícil acesso,
a controvérsia permanece, embora haja uma maioria que tenha preferência
pela perspectiva analógica. De modo geral, as imagens mentais aproximam-se
das percepções dos objetos físicos (MATLIN, 2004).
Inteligência
A inteligência engloba, de certo modo, todos os conceitos vistos até agora. Ela
pode ser definida como a capacidade de aprender por meio das experiências e
de se adaptar ao ambiente utilizando a metacognição — que é o entendimento
e o controle que temos sobre os nossos próprios processos cognitivos. A adap-
tação pode ser influenciada por fatores culturais e pelos contextos sociais.
Conceitos fundamentais da teoria cognitiva 7
Memória de trabalho
Sempre que precisamos reter uma informação para utilizá-la após alguns
segundos ou minutos, como fazer contas matemáticas, lembrar números de
telefone ou, até mesmo, guardar as palavras até o fim desta sentença para
compreender o que foi escrito, estamos utilizando a memória de trabalho.
Ela é bastante limitada em sua capacidade de armazenamento e duração,
lidando apenas com as informações mais imediatas.
Primeiramente denominada memória de curto prazo, a memória de tra-
balho foi o termo proposto por Alan Baddeley e colaboradores diante das
peculiaridades descobertas que ultrapassaram o fator temporal. Baddeley,
então, sugeriu que a memória de trabalho teria quatro componentes (EYSENCK;
KEANE, 2017; STERNBERG, 2008):
Esquecimento
Por vezes, reclamamos de não nos lembrarmos de algumas coisas. Porém
você já parou para pensar em como seria se nada caísse no esquecimento,
se nos lembrássemos de cada detalhe de tudo o que acontece na nossa vida?
Não seria possível viver dessa forma, porque passaríamos o tempo todo
recordando detalhadamente fatos passados e não conseguiríamos seguir
com nossas vidas. Precisamos nos esquecer de algumas informações quando
elas já não são mais úteis. Talvez você não se lembre mais do seu número de
telefone antigo, mas se lembra do seu número atual. A teoria do decaimento
e a teoria da interferência tentam explicar por que esquecemos.
Tudo isso pode ser muito grave para a pessoa que está sendo acusada, já
que pode ser presa injustamente por um testemunho ocular questionável.
Compreensão da linguagem
Para compreendermos a linguagem, seja na modalidade escrita seja na fa-
lada/sinalizada, dependemos da atenção e da percepção para identificar
e selecionar os elementos que serão decodificados no processo receptivo
da língua. Passando pela análise das estruturas do sistema de referência
simbólica, como fonemas, morfemas, sintaxe e semântica até a análise do
discurso como um todo, alcançamos a compreensão.
Compreender como a língua se estrutura e como a organizamos para ser
funcional não é suficiente para sua compreensão a nível de comunicação.
Informações sobre os contextos social, cultural e físico em que o discurso
12 Conceitos fundamentais da teoria cognitiva
Produção da linguagem
A produção da linguagem é importante para que possamos expressar nossas
ideias, nossos sentimentos, nossos desejos. Só podemos ser compreendi-
dos pelo outro quando nos expressamos. Para isso, devemos nos atentar a
como estamos nos expressando para que aquilo que direcionamos ao outro
seja recebido da mesma forma que pensamos antes de produzir. Há alguma
semelhança no processo de produção da fala e da escrita, porém também
há diferenças.
Supõe-se que, na produção da linguagem, há inicialmente o momento de
decidir o que se deseja comunicar. Essa busca pelo significado geral acontece
na fala e na escrita da mesma maneira. No entanto, há várias diferenças entre
elas. Na produção da fala, a pessoa sabe quem está recebendo a mensagem e
pode receber um retorno imediato sobre o que está dizendo. Assim, embora
tenha menos tempo para se planejar do que na escrita, é possível adaptar o
discurso de acordo com a receptividade do interlocutor. A linguagem escrita
exige que a pessoa utilize um vocabulário mais amplo e sentenças mais
longas e complexas para compensar a ausência de elementos contextuais da
fala, como o ritmo e a entonação da voz. Ao escrever, é possível ter acesso
imediato ao que foi produzido e, até mesmo, corrigir alguns erros. No entanto,
a mensagem deve ser clara ao interlocutor, por não receber o mesmo retorno
de forma rápida e não ser possível adaptá-la na mesma velocidade que na
linguagem falada (EYSENCK; KEANE, 2017).
Conceitos fundamentais da teoria cognitiva 13
Referências
AUSTIN, J. L. How to do things with words. New York: Oxford University, 1965.
CRAIK, F. I. M.; LOCKHART, R. S. Levels of processing: a framework for memory research.
Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, v. 11, n. 6, p. 671-684, 1972.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2019.
EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2017.
IZQUIERDO, I. Memória. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.
MATLIN, M. W. Psicologia cognitiva. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2004.
ROCHA, J. C. B.; SILVA, A. M.; ELER, R. R. S. Culturas em quadrinhos: uma leitura pragmática
de práticas linguísticas entre surdos e ouvintes. Revista Espaço, n. 52, 2019.
SEARLE, J. R. Expression and meaning. Cambridge: Cambridge University, 1979.
STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
Leitura recomendada
BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2021.