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Os Puritanos - Predestinação
Os Puritanos - Predestinação
Os Puritanos - Predestinação
Predestinação
S
oube de certo jovem que frequentava uma Igreja Dr. Sproul disse: “O Espírito Santo atua com a Pala-
Pentecostal, após ter descoberto as doutrinas da vra... a Palavra e o Espírito andam juntos... O Espírito é
graça, passou a compartilhar com outros irmãos so- o revelador da verdade”. A verdade doutrinária nos traz
bre elas em sua congregação. A liderança ao tomar conhe- convicção e se dirige a nossa consciência.
cimento do fato eliminou o moço da igreja, especialmente Nunca vou esquecer o que disse Dr. Sproul: “Se meu
porque estava ensinando a doutrina da Predestinação. entendimento da predestinação não é correto, então meu
Por que esta palavra, predestinação, provoca tanto pecado é composto, uma vez que eu estava difamando os
ódio e incompreensão se ela é encontrada literalmente santos que, por se oporem ao meu ponto de vista, estão
na inspirada Palavra de Deus Bíblia e por isso mesmo defendendo os anjos”.
amada por Ele? Muitos afirmam que esta é uma doutrina Percebo que muitos que estão em igrejas supostamen-
diabólica, como se uma entidade maligna caprichosamen- te reformadas chegaram à convicção (quando muito) de
te a tivesse criado para anunciar um fatalismo descabido que a doutrina da predestinação é bíblica e por isso, cor-
no qual o homem teria sido jogado. reta. Mas neles ainda há um problema. A questão parou
Durante grande parte da minha vida vivi no meio pres- na mente, não desceu ao coração, não tocou a consciência.
biteriano onde eram citados seus símbolos de fé e neles Vou dizer em outras palavras: Não amam a predestinação,
explicitamente se via o ensino glorioso da predestinação. não gostam dela, mesmo que o Senhor a ame!
Mas, para ser sincero, eu não sabia com a devida proprie- Em certo sentido estas pessoas são coerentemente er-
dade qual o valor e o significado desta verdade bíblica e radas. Por não amarem esta doutrina que Deus revelou,
consoladora. Para mim era algo irrelevante, uma doutrina decidiram que nunca falariam dela e pastores concluíram
que, se não falsa, era no mínimo complexa e desprovida que nunca pregariam sobre a mesma. Que pena, privar o
de valor prático. Dizia: se você não crê na predestinação, rebanho daquilo que Deus revelou para edificar a Igreja e
amém, se você crê, amém também. Hoje concluo que eu consolá-la! É tirar o alimento do rebanho, é deixá-lo com
assim pensava porque em mim não havia conhecimento fome e sede de verdades tão confortadoras.
e sem conhecimento não se tem convicção. Um homem Mas falar de predestinação é falar dos decretos de
sem convicção não tem profundidade no que crer, não Deus, do seu amor pactual e eterno para com o Seu povo,
defende e nem vive segundo sua opinião, porque não a da Sua soberania, da Sua graça, do seu beneplácito; é falar
tem fundamentada e, quando necessário, jamais fará re- do Seu chamado eficaz, da Sua justiça imputada a nós, da
formas em sua vida. Não tem motivações fortes e jamais nossa justificação e glorificação. É falar da nossa rege-
sofreria por aquilo que acredita, pois tem apenas algo neração, da nossa fé, do nosso arrependimento, da nossa
que está no cérebro, mas não no coração, na consciên- salvação; é falar da nossa responsabilidade em sermos
cia. A consciência é normativa sobre nossos atos: nos santos e ganhar almas para Cristo, da nossa responsabi-
condena ou nos absolve. Uma consciência culpada pode lidade de evangelizar os povos. Enfim, é “deixar Deus ser
ser maligna ou benigna. Se nos condena levando-nos ao Deus” como disse Lutero ao humanista Erasmus.
arrependimento é uma bênção, mas se está insensível ou Que este número nos faça mais humildes e Deus mais
cauterizada, é uma maldição. grandioso; que sirva para tirar de nós o ceticismo e o
Para que nossa consciência funcione de forma posi- preconceito contra a soberania de Deus na salvação, algo
tiva ela deve ser influenciada por uma convicção pro- que cada vez mais tem sido banido do arraial cristão; que
funda aplicada pelo Espírito Santo. Essa é a posição de nos mostre que Deus salva eficazmente e unicamente
um pregador do evangelho, diz Paulo: “... porque o nosso aos seus eleitos, aos que escolheu pelo beneplácito de
evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, Sua vontade mediante o lavar regenerador do Espírito
mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena Santo; por eles Cristo veio ao mundo e naquela rude cruz
convicção” se fez maldito: “E lhe porás o nome de Jesus porque ele
Por terem profundas convicções, os pastores e os cren- salvará o seu povo dos pecados deles”, disse o anjo a
tes da igreja primitiva e muitos que lutaram pela fé refor- José (Mt 1:21). Aos eleitos Deus chama e por Ele somos
mada, foram mortos, jogados às feras, queimados vivos trazidos a Cristo.
cantando salmos de louvor ao Senhor Deus. Boa leitura!
2 Revista Os Puritanos
Que São os Decretos
de Deus?
Deus, que faz todas as coisas segundo o conselho da Sua própria vontade,
predestina os homens segundo o Seu próprio propósito.
Revista Os Puritanos 3
Johannes G. Vos
Os decretos de Deus são imutáveis. 14. Qual é a diferença entre preor- Referências bíblicas
Não podem ser modificados e, por isso, denação e predestinação? • 1Tm 5.21. Anjos eleitos para a glória
serão cumpridos com toda certeza (Sl Preordenação é um termo que se eterna.
33.11). aplica a todos os decretos de Deus re- • Ef 1.4-6; 1Ts 2.13-14. Homens escolhi-
11. Qual a abrangência dos decre- ferentes a tudo o que acontece no uni- dos em Cristo para a vida eterna.
tos de Deus? verso criado; predestinação denota os • Rm 9.17-18, 21-22; Mt 11.25-26; 2Tm
Os decretos de Deus abrangem to- decretos de Deus referentes ao destino 2.20; Jd 4; 1Pe 2.8. A rejeição do restante
4 Revista Os Puritanos
Que São os Decretos de Deus?
ordenou que ele ouça o evangelho, se 10. Suponha que alguém diga: “Se eu problema porque é um mistério. Só po-
arrependa dos seus pecados, creia em for predestinado para a vida eterna, eu demos afirmar que a Bíblia ensina clara-
Jesus etc., para que a pessoa possa re- a receberei não importa se eu creia ou mente os dois: a preordenação soberana
ceber, com certeza e sem falhar, a vida não em Cristo. Por isso, não preciso me de Deus e a responsabilidade humana.
eterna. preocupar em ser ‘cristão’”. Como é que Rejeitar qualquer uma dessas verdades
7. O que se quer dizer quando se se deveria responder a essa pessoa? bíblicas é rejeitar o claro ensinamento
fala no “poder soberano” de Deus? A objeção levantada baseia-se numa da Palavra de Deus e se envolver em difi-
Essa expressão refere-se à verdade compreensão equivocada da doutrina culdades teológicas até mesmo maiores.
de que Deus é supremo. Não há auto- da eleição. Deus não elege ninguém 13. Como deveríamos responder à
ridade nem lei mais alta do que Deus para a vida eterna sem o uso dos meios objeção: “não seria injusto da parte
a quem o próprio Deus tenha que res- para isso. Quando alguém é eleito para de Deus eleger alguém para a vida
ponder. Ninguém tem o direito de dizer a vida eterna, é também preordenado eterna e ao mesmo tempo preterir um
a Deus: “Que fazes?”. a crer em Cristo como o seu salvador. outro?”?
8. No caso daqueles a quem Deus 11. Suponha que alguém diga: “Se Essa objeção baseia-se na supo-
“preteriu”, qual a razão para que Ele os re- Deus, desde toda a eternidade, me sição de que Deus está obrigado a
jeite e não os escolha para a vida eterna? designou para a desonra e a ira por tratar a todos os homens com igual
A Bíblia descreve esse ato de “pre- causa dos meus pecados, então de favor, a fazer a todos tudo aquilo que
terir” como fundamentado na sobe- nada adianta eu acreditar em Cristo, fizer a um único. A resposta bíblica a
rania de Deus, isto é, não se baseia pois não serei salvo não importa quão essa objeção encontra-se em Roma-
em nada do caráter, das obras ou bom cristão eu possa me vir a ser. Não nos 9.20-21. Tal contestação envolve,
da vida da pessoa em questão, mas me adianta nada acreditar em Cristo”. na verdade, a negação da soberania
procede da autoridade suprema que Como é que se poderia responder a de Deus, pois assume que Deus deve
Deus possui. Isso não significa que essa réplica? satisfação das Suas decisões à raça hu-
Deus não tenha razões para “preterir” De nada nos serve um atalho para mana, ou ainda que existe alguma lei
àqueles a quem Ele rejeitou; significa tentar bisbilhotar o conselho secre- ou poder superiores aos quais Deus
apenas que essas razões são do con- to de Deus e descobrir se estamos ou deve satisfação e pelos quais deve ser
selho secreto de Deus, não reveladas não entre os eleitos. As coisas ocultas julgado. A verdade é que (a) Deus é
a nós, nem se baseia no caráter, obras são de Deus e as reveladas são para o soberano e não deve satisfação de
ou conduta humanas. Vide Romanos nosso conhecimento. Se alguém dese- Seus atos a ninguém, exceto a Ele
9.13, 15, 20-21. ja real e ardentemente crer em Cristo mesmo; (b) Deus não tem a obrigação
9. No caso daqueles a quem Deus sobe- para ser salvo, isso é um bom sinal de de eleger ninguém para a vida eterna;
ranamente “preteriu”, qual a razão para que Deus o escolheu para a vida eterna. ser-Lhe-ia perfeitamente justo deixar
também os ordenar à desonra e à ira? A única forma por meio da qual pode- toda a humanidade perecer em seus
A razão para os ordenar à desonra e mos descobrir os decretos de Deus é vir pecados; (c) embora Deus eleja a al-
à ira é o próprio pecado deles. Notem- realmente a Cristo e receber, no tempo guém para a vida eterna, Ele não tem
-se as palavras: “infligidas por causa dos oportuno, a certeza da nossa salvação. nenhuma obrigação de eleger a todos,
seus próprios pecados”. Portanto, Deus Depois, e só depois, é que poderemos pois a eleição de alguns decorre da
ao preordenar alguns homens para o dizer com confiança que sabemos que Sua graça, e, por isso, ninguém que
castigo eterno não leva em conta ape- estamos entre os eleitos. tenha sido “preterido” não a pode rei-
nas a Sua soberania (assim como faz 12. Que dificuldade particular a vindicar como direito. É verdade que
ao “preterir” essas mesmas pessoas), doutrina da eleição envolve? a Bíblia mostra Deus lidando com os
mas baseia-se no atributo da Sua per- A dificuldade é: Como que se pode homens de modo diferenciado, isso
feita justiça. Eles são castigados porque, harmonizar o decreto da eleição de é, dando a alguns aquilo Ele negou a
como pecadores, merecem ser castiga- Deus com a livre agência humana? Se outros. Isso, contudo, não é “injusto”,
dos, não porque Deus os rejeitou. No Deus preordenou tudo o que acontece, pois não envolve injustiça. Ninguém
inferno, os ímpios reconhecerão que inclusive o destino eterno de todos os tem razão nenhum para alegar que
estão sofrendo um castigo merecido e seres humanos, como é que podemos Deus o tratou com injustiça.
que Deus tratou com eles estritamente ser livre agentes responsáveis pelo que
Johannes Geerhardus Vos, Catecismo Maior de
segundo a justiça. fazemos? Não podemos solucionar esse Westminster Comentado., p.62,63. Ed. Os Puritanos
Revista Os Puritanos 5
Os Decretos
Eternos de Deus
Nada obriga a Deus; Ele é soberano absoluto; pode fazer o que quiser; nada
pode dizer-Lhe: Que fazes?
Por J. Greshan Machen algum querer dizer isto. Se tivéssemos querido dizê-Io,
seríamos obrigados a afirmar que Deus poderia violar
D
esejo começar a lhes falar do que Deus faz. Po- o pacto que fez com Seu povo ou fazer qualquer outra
rém, antes de falar do que Deus faz, primeiro vileza semelhante. Porém, se há algo certo é que Deus
deve- se perguntar se Deus pode realmente fa- nunca fará algo deste estilo. Parece-me que não é um
zer tudo. Há muitas maneiras de ver a Deus que na erro afirmar que não pode fazer nada semelhante.
realidade negam-Lhe por completo o poder de operar. Por que não pode fazer esse tipo de ação? Seria por-
Se, por exemplo, Deus não é mais que uma força cega, que há algo externo que O impede de fazê-Ia? Porque
ou um simples nome que damos ao Universo em sua se a fizer alguém em algum lugar discutirá Seus atos?
totalidade, ou se é tão-somente o nome que aplicamos Certamente que não! Nada obriga a Deus; Ele é sobera-
a uma parte do Universo, ou um simples símbolo que no absoluto; pode fazer o que quiser; nada pode dizer-
expressa as aspirações mais elevadas da humanidade, -Lhe: Que fazes?
então não se poderia dizer que opera mais que num Contudo, é absolutamente certo que, quando tem
sentido muito impreciso. Falando com precisão, so- que decidir entre uma obra boa e uma má, Ele esco-
mente as pessoas agem, e quando falamos de Deus lherá a boa e rejeitará a má. De fato, não há nada mais
como operando, fazemo-lo porque descartamos todas certo que isto. Nesta certeza se baseiam todas as de-
as concepções impessoais relacionadas a Ele e o consi- mais certezas. É absolutamente impossível que Deus
deramos, tal como a Bíblia faz, como pessoa. faça algo mau.
Como Deus é pessoa, é livre. A liberdade é uma carac- Por que é impossível? A resposta é fácil. É-Lhe im-
terística da personalidade. Uma máquina não é livre; a possível fazer algo mau porque seria contradizer Sua
água que flui por um canal construído para dirigi-la não própria natureza. “Deus é um Espírito infinito, eter-
é livre; uma planta não é livre. Porém, a pessoa é livre no, imutável em seu Ser, sabedoria, poder, santida-
para agir ou não, para agir de um modo ou de outro. de, justiça, bondade e verdade” (Breve Catecismo de
Como Deus é uma pessoa, também é livre. Na realidade, Westminster, pergunta 4). Estes são Seus atributos;
é livre num grau que nenhuma pessoa pode igualar. sem eles não seria Deus; estes atributos condicionam
Entretanto, quando dizemos que Deus é livre, é mui- todas as Suas ações.
to importante que entendamos exatamente o que que- Nunca, nem na mais insignificante ação que realize,
remos dizer e o que não queremos dizer. se apartará nem um milímetro dessa norma perfeita
Queremos dizer que Suas ações são muito incertas, que a perfeição de Sua própria natureza estabelece.
de tal modo que é sempre impossível estar seguro de Creio que isto é o que quis dizer um dos ministros
antemão se agirá ou não e de que forma o fará? Que- quando afirmou, se recordo bem suas palavras, que
remos dizer que Sua vontade é uma espécie de balança Deus é o Ser mais “constrangido” que existe. Sua pró-
que se inclina em direção a um lado ou outro sem razão pria natureza O constrange. É infinito em Sua sabedo-
alguma? Queremos dizer que não existe nada a que ria, portanto, nunca pode fazer algo que não seja sábio.
Suas ações tenham que se conformar ou que as enlace É infinito em Sua justiça; portanto, nunca pode fazer
em algum modo? algo injusto. É infinito em Sua bondade; portanto, nunca
Creio que não precisa muita reflexão para chegar- pode fazer algo que não seja bom. É infinito em Sua
mos a nos convencer de que não podemos de modo verdade; portanto, é impossível que minta.
6 Revista Os Puritanos
Os Decretos Eternos de Deus
Revista Os Puritanos 7
J. Greshan Machen
fins santos que busca, se Sua vontade contrário, em inúmeros casos, somente pósito ou plano. Não são independentes
quisesse hoje uma coisa, amanhã outra podemos descobrir que é Sua vontade um do outro, mas formam uma unidade
sem relação com nada que não fosse e isto deveria bastar-nos. Tenhamos a íntima igual, como Deus é um.
Sua vontade mesma, visto como se fos- segurança de que tudo o que Ele faz é Vejam que o Catecismo Menor fala
se independente de Seu conhecimento com um propósito santo. Este propósito desse propósito como de um propósito
e sabedoria, então Suas ações somente em detalhes está oculto no mistério da eterno. “Os decretos de Deus”, diz, “são
poderiam se considerar como depen- sabedoria divina. Negar-se a se inclinar Seu propósito eterno”. O que quer dizer
dentes de um azar cego e sem sentido; ante a vontade de Deus somente por ig- com isto? Bem, quer dizer algo que per-
e neste caso deixariam de ser ações ver- norar o propósito que O guia é o cúmulo tence ao coração do que a Bíblia ensina.
dadeiramente pessoais e Deus deixaria da impiedade. É o pecado dos pecados; e A Bíblia fala minuciosamente dos
de ser Deus. comparar nossa ignorância com a sabe- decretos de Deus como se sucedendo
Não. Quando pensamos na vontade doria e conhecimento infinitos de Deus um após o outro em ordem temporal.
devemos realmente basear-nos num é rebelião, orgulho e loucura. Que Deus Na realidade, a Bíblia às vezes emprega
determinismo sadio. A vontade do ho- nos livre de pecado semelhante! expressões audazes quando fala deste
mem não é livre o sentido de que aja Contudo, se bem que não tenhamos assunto. Inclusive fala de Deus que se
independente dos sentimentos e do direito de conhecer quais são os propó- arrepende do que tem feito. Por exem-
entendimento. Na realidade, se consi- sitos de Deus, Ele em Sua maravilhosa plo, diz que “se arrependeu o Senhor de
derarmos a vontade como algo separa- bondade tem querido, vez por outra, haver feito o homem” - Gênesis 6:6; e que
do do que está dentro do homem, que levantar o véu que oculta seus planos “o Senhor se arrependeu de haver consti-
venha a si, que se deixa aconselhar por a nós outros. Com que reverência deve- tuído Saul rei sobre Israel” - 1 Samuel
outras partes da sua natureza apesar ríamos contemplar os mistérios que nos 15: 35. Estas passagens podem parecer
de que também aja com completa in- revela atrás do véu! Com que reverência ao leitor superficial, se tomá-las isola-
dependência quando assim o deseja-se deveríamos apegar-nos ao Livro Santo das, como que querendo dizer que Deus
vemos a vontade nesta forma, estamos em que se nos revelam tais mistérios! decreta muitas coisas em momentos
muito, mas muito longe da realidade. Temos falado do propósito de Deus. diferentes e que os decretos são muito
Fazemos, na realidade, da vontade algo Os teólogos os chamam Seus decretos. diferentes uns dos outros.
que chamamos uma pequena persona- São muitos estes decretos! Um nú- Porém, esta interpretação seria mui-
lidade separada; rompemos a unidade mero infinito — estaríamos tentados a to superficial. Quando examinamos
da personalidade do homem. De fato, afirmar quantas são as manifestações estas passagens e outras semelhantes
não existe isso que se chama vontade da bondade de Deus em nós mesmos! E vemos com clareza o que quer dizer a
como algo isolado dos demais aspectos quando pensamos na vastidão do Uni- Bíblia. Quando fala de Deus que se arre-
da pessoa. O que chamamos vontade é verso e no infinito, não podemos dizer pende de algo que fez, considera a coisa
a pessoa toda enquanto toma decisões. nada menos que os decretos de Deus do ponto de vista dos homens que vivem
Com relação à Pessoa infinita de não se podem de modo algum contar. nesta terra em uma sequência tempo-
Deus, em certos aspectos importantes Essa afirmação contém uma grande ral. Deus, ora faz uma coisa e depois
não podemos falar da mesma forma verdade; e, contudo, quando considera- outra. Fez ao homem, e logo, quando
com que o fazemos das pessoas finitas. mos este assunto, algo além e com mais o homem pecou, o destruiu, à exceção
Contudo, em Seu caso igualmente ao profundidade, em um sentido igualmen- dos que deixou com vida. Fez rei a Saul,
das pessoas finitas que Ele tem criado, te verdadeiro podemos dizer que os e logo lhe tirou a realeza. Visto desta
é sempre certo que quando quer fazer propósitos de Deus, por infinito que nos perspectiva da execução dos decretos
algo, o quer fazer porque busca certos pareça seu número, não são mais que de Deus, é como se os decretos ou pro-
fins. Suas ações não são o movimento um único propósito, não são mais que pósitos de Deus houvessem mudado; e
casual de algo dentro dEle que se pode partes ou aspectos de um grande plano. a Bíblia assim o expressa com lingua-
chamar Sua vontade, mas que são ações Isto é o que o Catecismo Menor quer gem simples tomada da vida ordinária
da unidade soberana de Seu Ser e estão dizer quando afirma que os decretos de dos homens. Porém, é igualmente claro
determinadas por fins elevados e santos. Deus são “Seu propósito eterno”. Não que a Bíblia não quer indicar que esta
Não quero dizer que quando Deus é por acaso que se emprega a palavra forma de falar deva ser tomada ao pé da
quer fazer algo, nós possamos sempre “propósito” no singular. Os inúmeros de- letra como se quisesse dizer que Deus se
ver qual é o fim que busca. Antes, ao cretos se constituem em um único pro- surpreendera da mesma forma em que
8 Revista Os Puritanos
Os Decretos Eternos de Deus
Revista Os Puritanos 9
A Bíblia e a
Predestinação
““Que diremos, pois, há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum”(Rm. 9:14)
E
sta doutrina não é mais do que uma aplicação con- destinado – no sentido de determinado de antemão – se
creta da doutrina dos decretos divinos. Se Deus pré- de fato não está determinado para nada, mas que segue
-ordena tudo que vai acontecer, e se entre o que sendo algo incerto enquanto não se põe em movimento
acontece está a salvação de alguns e a perdição de outros, por meio de um ato da vontade humana.
então se segue logicamente que Ele pré-ordena ambas A razão para que se use esta linguagem de forma
as coisas. Este decreto antecipado de Deus de ambas as equivocada é óbvia. Muitos creem desde cedo na Bíblia.
coisas veio a chamar-se de predestinação. A doutrina da A Bíblia usa a palavra “predestinação”; portanto, têm
predestinação é precisamente a doutrina dos decretos de usar esta palavra, mesmo que a repudiem no seu
divinos aplicada à esfera específica da salvação. sentido mais óbvio.
Porém, esta doutrina não é tão só uma dedução da Não insistamos, contudo, na palavra, mas fixemo-nos
doutrina geral dos decretos divinos; também se encon- no que constitui o substrato da mesma. Tratemos do
tra de forma explícita na Bíblia de forma claríssima. âmago do problema. Na verdade, o que é a discussão?
Por que, segundo a Bíblia, alguns homens se salvam Deus predestinaria o homem para salvação porque ele
e entram na vida eterna, enquanto outros recebem o crê em Cristo ou este crê em Cristo porque está pre-
justo castigo de seus pecados? Exatamente porque al- destinado?
guns creem em Jesus Cristo e outros não? Não estamos diante de um problema sem importân-
Bem, é bom dizer que aqueles que creem em Jesus cia ou puramente acadêmico. Não se trata de uma suti-
serão salvos e todos os que não creem serão conde- leza teológica. Pelo contrário, é um problema de grande
nados. Isto é evidente. Porém, por que alguns homens importância para as almas dos homens.
creem em Jesus e outros não creem nEle? É tão somente É claro que algumas pessoas pensam de forma equi-
porque alguns, por decisão própria, decidem crer em vocada; erram quanto a esta questão, contudo aceitam
Cristo, enquanto outros, por decisão semelhante, esco- o que é suficiente da Bíblia, de modo que são cristãos.
lhem não crer? No entanto, seria um grande equívoco deduzir por isto
Ou, por acaso, alguns homens creem, e outros não, que estamos diante de uma questão sem importância.
porque Deus os tem destinado de antemão, em Seus Pelo contrário, quanto mais me fixo no estado atual
eternos propósitos, a um destes dois cursos de ação? da igreja, quanto mais considero a História recente da
Se o primeiro é o certo, a doutrina da predestinação é Igreja, mais me convenço de que se equivocar neste
errônea. Se a vontade humana é o fator final na decisão problema que aqui tratamos nos conduzirá de forma
de crer ou não crer, de ser salvo ou não, então o resulta- inevitável a mais e mais erros e com frequência vem a
do é um absurdo continuar-se falando de predestinação. ser algo que abre brechas e deteriora o testemunho de
Alguns, na verdade, defendem tal absurdo. A todos os cristãos e da Igreja.
predestinação, dizem, significa tão somente que os que Bem, se o problema é tão importante, que solução
creem estão predestinados a salvar-se. Os que creem tem? Soluciona-se através de preferências e argumen-
dependem deles mesmos, porém, uma vez tendo crido tos pessoais a respeito do que se crê ser justo e ade-
por decisão própria, então estão predestinados a rece- quado? Dirão os que opinam de uma maneira: “Não
ber a vida eterna. gosto deste conceito de predestinação absoluta; não
10 Revista Os Puritanos
A Bíblia e a Predestinação
gosto desta ideia de que desde toda a antemão qual vai ser a decisão da von-
eternidade tudo está determinado no tade do homem.
propósito de Deus quem e quantos se Alguns dizem que “Deus não sabe de
salvarão e quem e quantos se perde- antemão qual vai ser a decisão da von-
rão; eu gosto mais da ideia de que o tade do homem. Ele se limita a esperar
salvar-se ou perder-se dependa do que para ver o que fará esta vontade do ho-
se escolhe.” Dirão os que pensam de mem e então, quando o homem decide,
forma contrária em resposta ao pen- Por que, segundo Deus atua como consequência disso
samento anterior: “Em troca, a mim é dando a salvação aos que escolheram
bom o que a ti não agrada; eu gosto da a Bíblia, alguns crer e envia à morte os que escolheram
ideia de uma predestinação absoluta; não crer”.
agrada-me crer que quando alguém homens se salvam Segundo esta opinião, a única
se salva, isto depende por completo predestinação de que se pode falar é
de Deus e não do homem; prefiro re- e entram na vida a predestinação condicional. É uma
troceder ante o mistério que isto traz, predestinação com um grande “SE”.
ante o inescrutável conselho da vonta- eterna, enquanto Deus não predestina nada para a vida
de de Deus”. eterna ou para a morte definitiva senão
É assim que devemos debater o outros recebem que se limita a deixar estabelecido de
problema? Deve depender do que nos antemão que se alguém crê em Cristo
agrada ou desagrada? Creio que não! o justo castigo entrará na vida eterna e se alguém não
Se fosse depender disto, não valeria a crê em Cristo entrará na morte eterna.
pena discutir a questão. Se estamos de seus pecados? A decisão referente ao grupo ao qual
diante de um problema de simples cada pessoa chegará a formar parte de-
preferência, então eu diria que me-
Exatamente porque pende de cada um, e Deus nem sequer
rece ser colocado na lista que figura sabe qual vai ser a decisão.
sob o antigo refrão: “Sobre gostos e
alguns creem A outra forma que assume esta te-
cores não se tem posto de acordo os oria afirma que Deus conhece de ante-
autores.” Talvez, seria melhor acabar
em Jesus Cristo mão, porém não preordena. Deus sabe
com as discussões. Não, amigos! Só há de antemão, dizem, qual vai ser a deci-
uma maneira de solucionar a questão.
e outros não? são de cada um dos homens quanto a
É examinar o que diz a Bíblia acerca crer ou não em Cristo, porém não deter-
dele. Nunca demos por findo o proble- mina tal decisão.
ma dizendo que gostamos mais de uma Esta forma de teoria, quando são re-
resposta do que de outra, senão que há lembrados os decretos divinos em geral,
necessidade de uma solução depois de é um pobre fruto híbrido. Permanece
ouvir o que tem dito, quanto ao mesmo, no meio do caminho; se depara com to-
a santa Palavra de Deus. chamado fé ou é esse ato da vontade das as dificuldades reais ou imaginárias
Então, o que diz a Palavra acerca do humana conhecido como fé o resultado que acompanham a predeterminação
problema da predestinação? da predestinação? completa de tudo que sucede da parte
Antes de vermos a resposta bíblica Este é o problema formulado de de Deus e se vê também rodeado de di-
para este problema é importante que te- maneira sintética. Porém, é importante ficuldades próprias.
nhamos uma ideia bem clara do mesmo. dar-se conta de que a primeira das duas Porém, já é hora de voltarmos à Bí-
Já temos formulado a questão an- respostas ao problema tem adotado blia. Ela se expressa com absoluta clare-
tes. Deus predestina a alguns homens duas formas diferentes. za quanto a este problema e se coloca de
para salvação porque creem em Cris- Se considera-se que a predestinação forma radical contra este tipo de pensa-
to, ou podem alguns homens crer em para a salvação depende da decisão da mento que acabamos de expor. A Bíblia
Cristo porque foram predestinados? vontade humana entre crer e não crer, é totalmente oposta à ideia de que Deus
Em outras palavras, a predestinação então se expõe o problema anterior re- não sabe o que o homem vai decidir e
depende do ato da vontade humana ferente a se Deus conhece ou não de se opõe da mesma forma à ideia de que
Revista Os Puritanos 11
J. Greshan Machen
Deus não preordena o que conhece de rejeitaram. Por quê? Só porque assim na Antioquia da Psídia lembramos que
antemão. Frente a tais ideias, diz-nos, da decidiram independentes dos decretos alguns gentios que ouviram a mensa-
forma mais clara que se possa imaginar, de Deus? Jesus mesmo dá a resposta: gem creram. Bem, quais foram os gen-
não só o conselho de Sua vontade, mas tios que os ouviram e creram? Teriam
também de forma concreta que Deus “Por aquele tempo, exclamou Jesus: Gra- sido os que por vontade própria decidi-
tem predeterminado a salvação de al- ças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, ram crer? Em absoluto! O texto nos diz
guns e a perdição de outros. porque ocultaste estas coisas aos sábios e exatamente o contrário: “... e creram to-
Isto achamos, na realidade, presen- instruídos e as revelaste aos pequeninos. dos os que haviam sido destinados para
te no Velho Testamento. Nada poderia Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agra- a vida eterna” Atos 13:48). Não vejo
repugnar mais a revelação do VT acer- do” (Mt.11:25-26). como poderíamos propor a doutrina
ca de Deus do que esta ideia de que as da predestinação de forma mais clara e
decisões do homem constituem uma es- “Porque assim foi do teu agrado.” com menos palavras que neste texto. Só
pécie de exceção à soberania de Deus. Esta é, segundo Jesus, a razão definitiva creem em Cristo os que de antemão têm
Se há algo que pareça mais claro que o porque alguns receberam um conheci- sido determinados a isto pelos decretos
restante no VT é que Deus é o Senhor mento salvífico e outros não. de Deus. Não estão predestinados por-
absoluto do coração do homem. Ele Acha-se com clareza no ensino de que creem, mas só podem crer porque
pode mudar o coração do homem de nosso Senhor referido no evangelho estão predestinados.
velho em novo. Isto não é mais do que de João17:9: “É por eles que eu rogo; Nas cartas de Paulo, a grande dou-
dizer que as ações que nascem no cora- não rogo pelo mundo, mas por aqueles trina da predestinação se ensina repeti-
ção do homem não ficam fora do plano que me deste, porque são teus...”. “Eram das vezes. De fato, não seria exagerado
de Deus, mas que constituem uma parte teus...”, disse Jesus um pouco antes, “... dizer que constitui a base de tudo que
integral do mesmo. Deus, segundo o VT, tu mos confiaste, e eles têm guardado Paulo ensina. O apóstolo se preocupa
é Rei e o é com soberania absoluta que a tua palavra (v.6)”. Não vejo como po- também em aclarar qualquer possível
não admite exceções nem restrições de deria ensinar a predestinação com mais consequência que seus leitores tenham
nenhuma espécie. clareza do que no conjunto da oração a respeito desta grande doutrina; com
No exercício da dita soberania abso- sacerdotal de Jesus neste capítulo 17 uma lógica absolutamente intrépida
luta, segundo a Bíblia, Deus escolheu de João. Um pensamento básico — po- encurrala nosso orgulho humano e o
Israel. Esta eleição de Israel não se deria quase dizer que o pensamento bá- enfrenta com o fato definitivo da von-
deveu a algum mérito ou virtudes que sico do mesmo — é que a predestinação tade misteriosa de Deus.
Israel possuísse. O VT reitera este gran- precede a fé. Os discípulos pertenciam “E ainda não eram os gêmeos nasci-
de pensamento. Não, deveu-se à graça a Deus — isto é, a Seu plano eterno — dos”, disse Paulo de Jacó e Esaú, “...nem
misteriosa de Deus. Israel foi o povo de antes de crer; não chegaram a perten- tinham praticado o bem ou o mal (para
Deus não porque houvesse decidido ser cer a Deus porque creram, mas creram que o propósito de Deus, quanto à elei-
o povo de Deus, mas porque foi predes- porque já pertenciam a Deus e porque, ção prevalecesse, não por obras, mas
tinado a ser o povo de Deus. Quem não em cumprimento do Seu plano, Deus os por aquele que chama), já lhe fora dito
capta isso não está captando o “miolo” chamou para Si. a ela: O mais velho será servo do mais
da revelação do Velho Testamento. A mesma doutrina se ensina no li- moço. Como está escrito: Amei a Jacó,
Porém, quando passamos ao Novo vro de Atos. Este é o livro, lembre-se, porém me aborreci de Esaú” (Rm 9:11-
Testamento, o que parecia já claro no que contém a famosa pergunta do car- 13). Como poderíamos dizer de forma
VT se torna mais evidente e maravilho- cereiro de Filipos: “Que farei para ser mais clara do que nesta passagem, que
so. Se os homens se salvam, segundo o salvo”? A resposta de Paulo e Silas foi: a predestinação de Jacó para salvação e
Novo Testamento, se salvam pela pre- “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e a de Esaú para a rejeição não se deveu a
determinação misteriosa de Deus. Só tua casa” (Atos 16:30-31). A salvação se nada que eles fizeram ou que se houves-
posso mencionar umas poucas passa- oferece com a condição de se crer em se previsto que fariam — nem sequer
gens que ensinam isto. Jesus Cristo. Porém, como explicar, se- a fé prevista de um e a incredulidade
Encontram-se nos ensinos do Senhor gundo a Bíblia, que alguns creem e ou- e desobediência previstas do outro —
Jesus que são referidos nos Evangelhos tros não? O livro de Atos oferece a res- mas a eleição misteriosa de Deus?
Sinópticos. Quando Jesus ofereceu a posta da forma mais clara possível. Ao Então, o apóstolo se depara com uma
salvação, alguns a aceitaram e outros a falar da pregação de Paulo e Barnabé objeção. Uma objeção que até hoje con-
12 Revista Os Puritanos
A Bíblia e a Predestinação
Revista Os Puritanos 13
Os Cinco Pontos do Calvinismo
O acróstico TULIP representa os assim chamados cinco pontos do Calvinismo, os quais são, em resumo,
como seguem:
1. Depravação Total. Tanto por causa do pecado original, como pelos seus próprios atos pecaminosos,
toda a humanidade, exceto Cristo, em seu estado natural é inteiramente corrupta e completamente má,
ela é restringida de manifestar a sua corrupção em plenitude por causa da instrumentalidade da graça co-
mum de Deus. Em conformidade com a sua natureza, ela é completamente incapaz de salvar a si mesma.
2. Eleição Incondicional. Antes da criação do mundo, em sua simples e livre graça e amor, Deus elegeu
a muitos pecadores para uma completa e final salvação, contudo, sem prever a fé ou as boas obras, ou
qualquer outra coisa que lhes servisse de condição ou causa, que movesse Deus a escolhe-los. Que seja
afirmado, a base da eleição não estava neles, mas em Si mesmo.
3. Expiação Limitada. Cristo morreu eficazmente, o que é verdadeira salvação somente para o eleito, ape-
sar da infinita suficiência de sua expiação e o divino chamamento a todos ao arrependimento e confiança
em Cristo, prover a garantia para a proclamação do evangelho a todos os homens. Eu pessoalmente,
prefiro os termos “expiação definitiva”, “expiação particular”, ou “expiação eficaz”, em vez de “expiação
limitada”, tanto por causa de uma possível confusão da palavra “limitada”, como também, por causa de
todo “limite” evangélico que a expiação possa ter em seu desígnio (o Calvinista), ou em seu poder de
aplicar o seu propósito (o Arminiano).
4. Graça Irresistível. Esta doutrina não significa que o não-eleito encontrará a graça irresistível de Deus, mas
sim, que a graça salvadora de Deus não se estende igualmente a ele. Nem mesmo significa que o eleito
encontrará a irresistível graça salvadora de Deus, desde o início se estendendo a ele, como se o eleito
pudesse resistir a sua oferta por um período. O que ela significa é que o eleito é incapaz de resistir con-
tinuamente a graciosa oferta de Deus. No tempo designado, Deus atrai o eleito, um por um, a si mesmo,
removendo a sua hostilidade e oposição a Ele e seu Cristo, produzindo o desejo de receber o seu Filho.
5. Perseverança dos Santos. O eleito está eternamente seguro em Cristo, que preserva para Si mesmo,
capacitando-lhe a perseverar nEle até o fim. Aqueles que professam ser cristãos, e se apostatam da fé (1
Tm 4:1), são como João disse: “eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois se
fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era
dos nossos” (1 Jo 2:19).
Fonte: Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 1998), pp. 1125-1126.
Tradução livre 04/08/2004: Rev. Ewerton B. Tokashiki
Extraído: http://www.ipportovelho.org/index.php?option=com_content&view=article&id=239:os-cinco-pontos-do-calvinismo-&catid=39:biblioteca
&Itemid=207
14 Revista Os Puritanos
Eleição por Graça
“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o
ressuscitarei no último dia” (João 6.44)
U
m conto: “Em uma cidade remota, vivia um ho- sível e doce, porém, também era forte. Era melhor ser
mem de raros dons. Era um famoso escultor e seu amigo”.
praticava também as artes marciais. É preciso Jeová é como este artista. Alguns o vêem como um
mencionar que tanto em uma como em outra era um Pai amoroso que não faria dano a ninguém; outros o
verdadeiro mestre. percebem como um Deus que estabelece justiça, casti-
Lamentavelmente vários de seus amigos não o en- ga e repreende. No entanto, nenhum dos grupos pensa
tendiam. Alguns criam que para ser escultor era neces- corretamente. O apóstolo Paulo tinha a ideia correta
sário um caráter doce e manso. O resto pensava que de Deus: “Considerai, pois, a bondade e a severidade
um praticante de karatê devia ser um homem duro, de Deus” (Rm 11:22). No conto mencionado, o barro
violento e de quem todos tivessem medo. moldado representa os eleitos e o bloco sem forma os
Convidou, então, a todos seus amigos. Queria lhes reprovados.
observassem suas habilidades. Se bem que a misericórdia de Deus não poderia ma-
Antes que os amigos chegassem à reunião, o homem nifestar-se sem a existência de pecadores, tão pouco o
tomou uma massa de barro e a dividiu em duas partes. justo juízo de Deus poderia igualmente se evidenciar
Com o primeiro pedaço moldou uma formosa escultura. sem a existência de condenados. Devemos amar e te-
Se tratava de um conjunto de pessoas, animais e flores mer a nosso Deus. A misericórdia e a justiça divinas se
num grande bosque. Pintou a obra de arte e a endure- completam; não se contradizem e dependem uma da
ceu no forno. Com o outro pedaço de barro construiu outra. São como os dois lados de uma mesma moeda; a
um bloco sem forma e também o cozeu. moeda se chama “predestinação” e os dois lados, “elei-
Os amigos chegaram no dia marcado e ele decidiu ção” e “reprovação”.
retirar primeiro a escultura.
A Controvérsia da Eleição
– Que sensível e doce és! Tua obra é mui fina! Excla- Se um dia o leitor desejar uma viva disputa entre cris-
maram maravilhados os presentes. tãos, permita-me oferecer-lhe uma sugestão: Pronuncie
Respondeu o mestre: uma só palavra: PREDESTINAÇÃO!
– Obrigado pelo elogio! Porém, na realidade não so- Para alguns esta palavra é um tesouro consolador
mente me dedico à escultura. que lhes ajuda a entender melhor a graça de Deus.
A resposta do artista deixou muitos de seus amigos Para outros é a pior das calúnias contra o caráter justo
perplexos. Se dirigiu a seu ateliê e trouxe até o lugar de Deus.
onde as pessoas estavam reunidas, o grande pedaço de A controvérsia que existe quanto à Predestinação
barro cozido. não se encontra na falta de evidências bíblicas. É inevi-
– Existem outras artes que não requerem sensibilida- tável que seja controversa qualquer coisa que desafie
de, disse com voz grave. a independência humana, seu orgulho e a supremacia
Depois de alguns segundos, lançou um grito e com da sua vontade.
sua mão estendida rompeu de um só golpe todo o bloco Muitos eruditos em teologia bíblica têm obser-
solidificado. vado que:
Revista Os Puritanos 15
Roger L. Smalling
“As dificuldades que sentimos com res- Mesmo que os conceitos de da Eleição: o conceito da justiça e o con-
peito à Predestinação não são derivadas predestinação e eleição sejam seme- ceito da presciência. No entanto, este
da Palavra. A Palavra está cheia dela, lhantes, não são exatamente iguais. A se convertem nas evid6encias mais
porque está cheia de Deus. E quando di- eleição encerra a decisão divina de sal- fortes para comprovar a certeza da
zemos: ‘Deus’, temos dito Predestinação” var a alguns; em troca, a predestinação predestinação. São as chamadas “pro-
se refere ao poder de Deus para arran- vas paradoxicas”.
Na realidade, a Predestinação é jar as circunstâncias a fim de cumprir
quatro vezes mais fácil de ser compro- seus decretos. 1. Argumento da justiça
vada do que a divindade de Jesus. No Eis aqui uma ilustração: Os que são contra a Predestinação
Novo Testamento há mais ou menos 10 Suponhamos que desejemos que um dizem: “A Predestinação não pode ser
versículos que expressam diretamente cavalo corra em círculos perfeitos. Pri- verdade porque Deus seria injusto em
a Deidade de Jesus. Porém, mais de 40 meiro, escolheríamos o cavalo (Isto é a escolher a uns e não a outros. E se a von-
expressam a Predestinação. eleição). Logo, construiríamos um cur- tade de Deus é irresistível como pode
No entanto, os mesmos cristãos dis- ral circular para que ele aprenda a cor- Ele fazer-se responsável pelo pecado?”.
postos a defender até a morte a Deidade rer em círculos (Isto é a Predestinação). Paulo antecipou esta objeção em Ro-
de Jesus, lutarão com igual fúria para O curral representa as circunstâncias manos 9.14-16:
refutar a doutrina da Predestinação. da vida em que pomos ao cavalo e é “Que diremos pois? Há injustiça da
Por quê? Como expressou o erudito exatamente como Deus arruma as cir- parte de Deus? De modo nenhum! Pois
evangélico, J.I. Packer, “...a mente car- cunstâncias de nossas vidas para asse- ele diz a Moisés: Terei misericórdia de
nal do homem, incluída entre os salvos, gurar que cumpramos com Seu decreto quem me aprouver ter misericórdia e
não suporta abandonar a ilusão de que desde a eternidade. compadecer-me-ei de quem me aprou-
ela mesma é capitã de seu próprio des- ver ter compaixão. Assim, pois, não de-
tino e dona de sua própria alma”. Importância da Doutrina da pende de quem quer ou de quem corre,
Eleição mas de usar Deus a sua misericórdia”.
Definição da Palavra A Eleição é como uma luz que ilumina Notemos que no texto anterior, Pau-
“Predestinação” quer dizer “destinado o significado da palavra “GRAÇA”. Sem lo não se desculpa de nenhuma maneira
antes”. Se refere ao concerto divino das ela, a graça é entendida como a recom- ante a objeção. Tão pouco a contesta.
circunstâncias do fato de cumprir com pensa por alguma atividade ou disposi- Porém afirma outra vez o direito de
seus decretos feitos antes da fundação ção humana e não como a causa desta Deus a ter ou não misericórdia, segun-
do mundo. disposição. do seu critério. Também destaca que a
A Eleição se refere ao decreto di- Se a definição correta da palavra Eleição não depende, nem da vontade
vino de criar, de entre a humanidade “graça” é “um favor imerecido”, então, humana, nem de seus esforços: “...não
condenada, certos indivíduos para se- a graça tem que ser independente de depende de quem quer ou de quem cor-
rem beneficiários do Dom gratuito da qualquer atividade humana. O mo- re...” (v. 16).
salvação. Deus fez isto sem referência mento em que aceitamos este concei- Paulo antecipa aqui uma objeção
aos méritos, ao estado da vontade, ou to, entendemos porque a graça e a baseada no livre arbítrio neutro. Curio-
a fé prevista dos eleitos. Deus não fez eleição são inseparáveis. Não é lógico samente, esta antecipação indica que a
arbitrariamente, mas baseado na Sua proclamar a doutrina da salvação pela predestinação soberana é precisamen-
graça. graça enquanto negamos que a Eleição te o que está afirmado. Sua resposta,
A Reprovação tem tudo a ver com o o seja. Paulo expressou esta unidade portanto, soa mais como uma crítica.
decreto de divino mediante o qual Deus com estas palavras: “Assim, pois, tam- “Tu, porém, me dirás: De que se quei-
deixa uma parte da humanidade peca- bém agora, no tempo de hoje, sobrevive xa ele ainda? Pois quem jamais resistiu
dora, seguir seu caminho até a conde- um remanescente segundo a eleição da à sua vontade? Quem és tu, ó homem,
nação eterna, servindo desta maneira graça” (Rm 11:5). para discutires com Deus?! Porventura,
de objeto da ira de Deus. pode o objeto perguntar a quem o fez:
Deus não os obriga a pecar. Tão pou- As Evidências Bíblicas Por que me fizeste assim?”.
co é o autor do pecado deles. Simples- A) Provas Paradoxicas Dizer que a Eleição é injusta, é discu-
mente os deixa continuar seu caminho Existem dois argumentos que apre- tir com Deus. Paulo entendeu a impos-
como castigo por seus pecados. sentam para tentar refutar a doutrina sibilidade de satisfazer o orgulho dos
16 Revista Os Puritanos
Eleição por Graça
Revista Os Puritanos 17
Roger L. Smalling
gativa: “Deus não rejeitou o seu povo a Romanos capítulo nove contém as Se Deus houvesse escolhido a Jacó
quem de antemão conheceu” (Rm 11:2). evidências mais dinâmicas sobre elei- porque viu de antemão que tinha um
Deus escolhe a Ezequiel e o envia aos ção porque está dedicado exclusiva- coração sensível às coisas espirituais, o
judeus embora lhe diga que eles rejeita- mente a este tema. Por isso o veremos versículo deveria dizer: “...(para que o
rão sua mensagem (Ez 3:6-7). Por que cuidadosamente. propósito de Deus quanto à eleição pre-
atua desta maneira? Porque os judeus Paulo expõe suas razões por meio valecesse, segundo um bom coração e
dessa época foram escolhidos como de três exemplos gráficos: (1)Jacó, Esaú, não segundo aquele que chama)...”. Está
povo nacional de Deus, não tendo como (2) Faraó e o (3) Oleiro. claro que a base da eleição não foi ne-
base suas reações ou atitudes, mas com 1. Primeira Ilustração: Jacó e Esaú, nhuma qualidade prevista em Jacó pois
base na vontade divina. v. 6-13 seria meritória.
Em I Co 2:7-10, Paulo assegura que Paulo insiste em dois conceitos: a No versículo 11 Paulo ressalta o vín-
Deus tem predestinado para nós uma eleição nacional e a eleição pessoal. Uti- culo entre o amor divino e a Eleição:
sabedoria especial, porém oculta para liza a primeira para explicar a segunda. “Amei a Jacó, porém me aborreci de
os príncipes deste mundo Deus sabia É importante deixar claro que Paulo Esaú” (v.11).
que o houvesse revelado aos príncipes não se refere unicamente a eleição na- Deus ama por livre eleição, não
da época de Cristo, não haveriam cruci- cional. Os versos 6 a 8 evidenciam que por mérito algum dos que foram elei-
ficado a Seu Filho. Por que, então, Deus o Apóstolo centraliza sua mensagem na tos. Seu amor é uma força poderosa e
não revelou sua verdade aos podero- eleição individual: pessoal que O faz buscar, salvar e pre-
sos? Simplesmente porque tinha essa “...nem todos os de Israel são de fato servar aos eleitos. É o Pastor que busca
sabedoria predestinada para nós e não israelitas; nem por serem descendência a ovelha perdida. Seu amor é ativo, não
para aqueles. de Abraão são todos seus filhos, mas: passivo; pessoal e não geral; voluntário
Deus não fundamenta Suas decisões Em saque será chamada a tua descen- e não forçado.
na reação prevista do homem porque dência. Isto é, estes filhos de Deus não Jacó e Esaú são símbolos dos eleitos
ninguém busca a Deus. Em Rm 10:20 são propriamente os da carne, mas de- e dos reprovados. Ele ama aos eleitos,
lemos: “Fui achado pelos que não me vem ser considerados como descendên- porém aborrece aos reprovados.
procuravam, revelei-me aos que não cia os filhos da promessa”. Esta interpretação representa um
perguntavam por mim”. Se destaca o mesmo no v. 27 por ha- dos três pontos de vista básicos com
Inclusive a lógica nos ajuda a enten- ver uma distinção entre judeus salvos e respeito ao tema delicado e complexo
der porque a presciência não explica judeus perdidos: do amor de Deus. Estes três tratam al-
a eleição. Todos sabemos que Deus é “Ainda que o número dos filhos de Is- gumas perguntas chave: A quem Deus
Todo Poderoso e Onisciente. É óbvio, rael seja como a areia do mar, o remanes- ama? Que distinções existem relativas
pois, que qualquer coisa que Deus vê cente é que será salvo”. às diferentes classes de indivíduos?
de antemão é também predestinada. Se Estas duas perguntas podem ser resu-
Deus é Todo Poderoso, pode impedir No versículo 11 do capítulo 9 de midas em dois elementos: extensão do
que aconteça qualquer coisa que con- Romanos, Paulo toma como ilustração amor, e tipo de amor. Os três pontos de
trarie Sua vontade soberana. uma história do Antigo estamento para vista se desenvolvem como base a estes
Exemplo: Suponhamos que Deus explicar a eleição divina: dois elementos.
prevê que Sr Fulano de tal nasceria “E ainda não eram os gêmeos nascidos,
em circunstâncias que o provocariam nem tinham praticado o bem ou o mal Amor Ódio
rejeitar a Cristo. Se Deus quisesse que (para que o propósito de Deus, quanto à
fosse salvo, poderia trocar essas cir- eleição prevalecesse, não por obras, mas
cunstâncias de modo que tivesse outra por aquele que chama)...”. Eleitos Reprovados
18 Revista Os Puritanos
Eleição por Graça
A existência de textos como Romanos celestial que nunca faria nenhum mal a um amor especial e eterno! Um autor
9:13 faz este conceito problemático. In- ninguém; que tem um amor passivo e Cristão se expressa assim:
clusive se aceitamos que a universalida- frustrado; amando a todos em geral sem “Nenhum Cristão verdadeiro duvida que
de do amor de Divino é claro que não é amar a ninguém em particular.; um Deus Deus o ama. Porém a quantidade de amor
equivalente. Não existem formas de to- impotente e frustrado que espera em vão que ele sente estará principalmente de-
mar a frase “Amei a Jacó, porém me abor- que o homem responda aos seus rogos. terminada por seu conceito de como e
reci de Esaú” e interpretá-la como Deus Tal conceito agrada bem ao homem mo- quando chegou-lhe o amor de Deus. Se
amou a Esaú tanto quanto a Jacó. Mesmo derno porque não representa nenhum ele sente que a decisão divina foi con-
que a palavra “aborreci” significasse um perigo. Não é sem razão que vivemos dicional, dependente da sua aceitação a
amor inferior (como alguns têm dito), em uma geração que não teme a Deus. Deus, então ele pode imaginar que o amor
isto não alivia a distinção. Pior, o profeta No Novo Testamento, os apóstolos de Deus também é condicional. O amor
Malaquias indicou que o aborrecimento pregaram o arrependimento a Deus e significará que é o resultado de um con-
divino para com Saú resultou em uma a fé no Senhor Jesus Cristo, porém re- trato oferecido por Deus: “Eu te amarei
aniquilação total de sua descendência. É servaram a mensagem do amor princi- primeiro”, diz Deus, “e se me amas a mim
um pouco difícil imaginar a aniquilação palmente para os crentes. Alguns textos também, então te amarei mais ainda”.
total como uma expressão de amor. sobre este ponto são: Sl 5:5 e 11:28; II
Mesmo o versículo famoso de João Ts 2:13; Hebreus 12:5-6; Tiago 2:5. “Porém se ele crê que Deus o tem
3:16 (“Amou o mundo de tal maneira...”) Um terceiro ponto de vista argu- amado com amor eterno, e portanto o
não apoie o ponto de vista universalista. menta que Deus ama o mundo inteiro tem escolhido e o tem chamado, o sen-
Inclusive se fosse possível mostrar que em Sua capacidade de Criador, porém tido do amor é mais profundo. Porque
a palavra ambígua “mundo” significas- a Seus filhos em Sua capacidade como já teremos um amor que já floresceu
se “todo ser humano”, nada indica que o Pai. Seu amor como Criador se estende antes de que tomasse lugar a reconci-
amor de Deus é equivalente para todos. a todos porque seus filhos também são liação. Temos amor que não foi depen-
De igual forma, nós podemos verifi- parte se Sua criação. dente de um “acordo”. Temos um amor
car por meio de uma concordância que idôneo, incondicional e irresistível. É
a Bíblia NUNCA fala do amor de Deus inexaurível em suas dimensões”.3
exceto em referência ao povo de Deus. Voltando ao tema principal, precise-
Tão pouco se pode evitar os textos que mos sobre Romanos 9.16: “Assim, pois,
indicam um amor particular para os não depende de quem quer ou de quem
eleitos. (“Revesti-vos, pois, como elei- corre, mas de usar Deus a sua miseri-
tos de Deus, santos e amados...” — Cl córdia”.
312; “...reconhecendo, irmãos, amados Este versículo talvez seja o mais im-
de Deus, a vossa eleição” —I Ts 1:4). portante em todo o capítulo. Com a ex-
Uma mulher veio uma vez se encon- Este conceito se baseia principal- pressão “Assim, pois...”, Paulo introduz
trar com Charles Spurgeon e disse-lhe mente em que Deus tem certas bênçãos uma conclusão devastadora. A eleição
que esta afirmação a molestava: “porém para todos indistintamente. Estas bên- não tem nenhuma base na vontade
me aborreci de Esaú”, porque pensava çãos incluem a preservação da raça (I humana. Al versículo põe em vão todo
que Deus amava a todos igualmente. Tm 4:10), chuva e sol para todos (Mt intento de argumentar em favor do po-
A resposta de Spurgeon foi esta: “Isso 5:45), e provisão de habitação para der da vontade humana como base da
não é o que me molesta, minha senhora. vários povos (Atos 17:26). Em teologia, eleição. No entanto, Paulo nunca nega
O que me molesta é como podia Deus chamamos estas bênçãos de “graça a existência da vontade humana, nem
amar a Jacó”... pois Jacó não o merecia. comum”, para distingui-las da “graça comenta sobre suas habilidades. Ele
É muito valioso proclamar o amor de especial”, isto é, a salvação. passa por alto a questão, e indica que
Deus como um dos seus atributos prin- Estas bênçãos comuns, comparadas a vontade humana não tem nada a ver
cipais, enquanto está em consonância com o amor particular divino para com com o assunto. Para Paulo, tal discussão
com a Sua santidade e o Senhorio de os eleitos, tem levado alguns teólogos seria como disputar sobre a qualidade do
Cristo. De outra sorte, tal proclamação a criar esta distinção no amor de Deus. alicerce colocado para uma casa embora
pode produzir na mente do ouvinte um Que consolo profundo para os Elei- a casa nunca seja construída sobre este
conceito de Deus como um grande “vovô” tos o conhecer que Deus os ama com fundamento.
Revista Os Puritanos 19
Roger L. Smalling
2. Segunda Ilustração: Faraó v.17-18 superiores às que possui um simples O primeiro argumento diz: A Eleição
Paulo apresenta aqui a difícil doutri- vaso de barro. mencionada aqui se refere ao plano di-
na da Reprovação, segundo a qual Deus No entanto, Paulo não nega que os vino de incluir os gentios na oferta da
tem passado por alto por alguns no Seu homens tenham vontade; simplesmen- salvação, e não a eleição de indivíduos
decreto da Eleição. Se Deus elege a al- te rejeita a ideia de que a vontade hu- específicos. O problema com tal inter-
guns para a salvação, é evidente que mana seja a base da eleição. pretação é que Paulo não era gentio. Era
existem outros que não são escolhidos. Deus, o oleiro, “prepara” vasos para judeu. Porém persistiu em usar “nós” e
Conquanto a Eleição e a Reprovação desonra (os Reprovados), como uma “nos” e o plural de verbos como “feitos
são as duas faces da Predestinação, não demonstração do justo juízo de Deus; e herança” e “dando-nos”. Ele se inclui a
funcionam igualmente. Na Eleição, Deus vasos para honra (Eleitos), para expres- si mesmo no “plano” da predestinação.
troca a mente para dispô-las a aceitar a sar a glória de Sua graça. Mas, no v. 13 ele diz “tendo nele crido,
salvação em Cristo. Na Reprovação, Deus Os contrastes são óbvios. O amor fostes...”. Isso mostra que não estava
não necessita a atuar no homem porque e a misericórdia de Deus para com os pensando nos gentios especificamente
este já está disposto a pecar sem ne- Eleitos são eternos. Sua ira para com até o v. 13. Entre os versículos 1-12,
nhuma ajuda. No livro de Êxodo, alguns os Reprovados também. Estes dois gru- estava pensando nos crentes em geral,
versículos dizem que Deus endureceu o pos estão nos extremos da eternidade e não nos gentios somente.
coração de Faraó; outros, que Faraó en- nunca se reconciliam. Todo ser humano O segundo argumento assegura que
dureceu seu próprio coração. Qual das é um destes dois vasos. as frases “em Cristo” e “escolheu nele”
duas afirmações está correta? As duas. Uma vez que o orgulho humano é quer dizer que Deus sabia que estarí-
Deus endurece o coração do Reprovado derrotado, e a verdade triunfa: Nós exis- amos em Cristo e que com base nEle
ao confrontá-lo com a verdade e Faraó timos para Deus (para Sua glória) e não fomos escolhidos.
reagiu de acordo com a sua natureza Ele para nós. Porém a fé salvadora é em si mesma
pecaminosa endurecendo seu próprio C. Efésios Um: Causas e Efeitos, v. 3-11 uma obra da graça de Deus baseada na
coração. Deus não faz nenhuma injustiça Todas as bênçãos espirituais que nos predestinação (Atos 13:48) e é, também
as Reprovados. Ele faz com que tenham chegam têm sua causa em que Deus nos uma bênção espiritual. Logicamente, a
o que mais desejam: o pecado. Eles dese- escolheu antes da fundação do mundo. frase “em Cristo” tem que ser um resul-
jam que Deus se afaste e não os moleste. Assim, a Eleição é a causa, e a bênçãos tado da eleição e não a causa dela. Se
É um aparente paradoxo que alguns re- espirituais são o efeito. Uma destas fosse de outro modo, o texto deveria
cebam de Deus o que mais desejam e o la- bênçãos é a santidade. “... para que fôs- ler-se: “...escolhidos POR SER em Cristo”
mentarão por toda a eternidade. Outros semos santos e irrepreensíveis perante e não “escolhidos em Cristo”.
recebem de Deus o que menos deseja- ele...” (v.4). Paulo não nos deixa ao luxo A ordem correta que estabelece
vam (até que Deus lhes dá novos desejos), e por ao contrário a ordem das coisas e Efésios cap.1 é: A Vontade de Deus pro-
e serão agradecidos para sempre. Não é imaginar que a santidade prevista em duz a Graça. A Graça produz a Eleição.
uma injustiça, é uma justiça poética. nós é a causa de nossa Eleição. Se fosse A Eleição produz fé, santidade, reden-
Lembramos que cada um de nós me- assim, teríamos que dizer que Deus nos ção e todas as outras bênçãos espiritu-
recia o mesmo destino de Faraó. Antes pôs em Cristo porque viu que éramos ais. Nossa salvação é como um anel de
de nos aproximarmos de Cristo todos santos, e não porque viu que éramos pe- diamante com muitas facetas. A base
tínhamos um coração duro. A diferença cadores. Teríamos assim um Evangelho do anel é a eleição que sustenta todo o
está na misericórdia de Deus e não na de Eleição por méritos e não por graça. diamante. A base tem que ser bem pre-
superioridade dos eleitos —“Logo, tem Quais são estes benefícios, segun- parada antes de que a joia seja montada.
ele misericórdia de quem quer, e tam- do o contexto? Santidade (v. 4); Amor Da mesma forma, era necessário que o
bém endurece a quem lhe apraz” (v.18). a Deus (v. 5); Adoção (v. 5); Aceitação decreto da eleição precedesse todos os
3. Terceira Ilustração: O Oleiro, v. completa (v. 6); Redenção pelo sangue outros aspectos de nossa salvação.
19-22 (v. 7); Sabedoria e Inteligência Espiri- Vejamos outras facetas da salvação
Os que são contra a o doutrina da tual (v.8); Conhecimento da vontade de fora de Efésios cap. 1, que falam da pre-
Predestinação crêem que a ilustração Deus (v. 9); Herança no céu (v. 11); Sela- cedência da Eleição.
de Paulo não pode ser aplicada à situa- dos com o Espírito Santo (v. 13). A Eleição precede a Fé Salvadora:
ção humana. Pensam que o homem tem Vários são os argumentos que ten- “Creram todos os que estavam destina-
vontade e pensamento, características tam refutar a clara explicação de Paulo: dos para a vida eterna” (Atos 13:48).
20 Revista Os Puritanos
Eleição por Graça
Revista Os Puritanos 21
A Atitude de Calvino
Diante da Predestinação
Calvino escreveu que, ao tratar da predestinação, deveríamos evitar duas atitudes: curiosidade excessiva quanto ao
que Deus não nos tem revelado e uma timidez exagerada em ensinar o que está revelado.
No primeiro caso, “a curiosidade humana faz com que a discussão sobre Predestinação, que já é por si algo difícil,
resulte mais confusa e inclusive perigosa. Não há proibições que possam impedir se caminhar por veredas proibidas
nem remontar-se até às alturas. Se fosse permitido, não deixariam nenhum segredo de Deus a ser averiguado ou de-
cifrado. Como por toda parte há tantos que utilizam essa audácia e atrevimento, alguns dos homens que por demais
não são maus, a eles se deveria lembrar a seu tempo qual é o dever a este respeito”.
“Primeiro, pois, que recordem que quando estudam Predestinação estão penetrando nos recintos sagrados da sabe-
doria divina. Se alguém irrompe com segurança despreocupada neste lugar, não chegará a satisfazer a curiosidade e
entrará num labirinto do qual não achará saída. Porque o homem não tem direito a averiguar sem restrições coisas que
o Senhor tem decidido que permaneçam escondidas nEle; nem tão pouco têm direito a investigar desde a eternidade
esta sublime sabedoria, que Deus quis que reverenciássemos porém que não entendêssemos, a fim de que por meio
dEle, nos enchêssemos de temor. Com Sua palavra tem declarado os segredos da Sua vontade que tem decidido nos
revelar. Tem decidido revelar-nos enquanto previu que nos dizia respeito e nos beneficiaria”.1
Para Calvino, ao ocupar-nos da Predestinação a Palavra de Deus é a única norma. “Se prevalece este pensamento que
a Palavra de Deus é o único caminho que nos pode guiar à busca de tudo que é justo a respeito dEle, a única luz para
iluminar nossa visão de tudo que deveríamos ver dEle, nos preservará facilmente e nos livrará de toda temeridade.
Porque sabemos que enquanto excedemos os limites da Palavra, nosso curso andará desviado e na escuridão, e que
erraremos, resvalaremos e tropeçaremos repetidas vezes. Tenhamos pois isto mui presente acima de tudo: buscar
qualquer outro conhecimento da Predestinação que o que a Palavra de Deus manifesta não é menos insano do que
querer caminhar no deserto sem trilhas ou querer ver no escuro. E não nos envergonhemos de ser algo ignorantes
neste terreno, já que existe uma certa ignorância sábia. Antes bem, abstenhamo-nos voluntariamente de indagar em
uma classe de conhecimento, cujo desejo ardente é tanto néscio como perigoso, e ainda mortal, inclusive. Porém se
nos agita uma curiosidade atrevida, faremos bem em contrapor-lhe este pensamento moderador: assim como não é
bom comer demasiadamente mel, tão pouco no caso do curioso a investigação da glória não se transforma em glória.
Porque há boa razão para que nos dissuadamos desta insolência que nos pode jogar na perdição”.2
A segunda atitude que deveríamos evitar, diz Calvino, é a dos que “quase exigem que se oculte toda menção da
Predestinação; de fato, nos ensinam que há que se evitar qualquer pergunta a respeito dela do mesmo modo que
evitaríamos um arrecife”. Também esta atitude está equivocada. Porque a Escritura é a escola do Espírito Santo, na
qual, igualmente, não se omite nada que seja necessário e útil conhecer e tão pouco nada se ensina que não seja
conveniente saber. Portanto, devemos cuidar de não privar aos crentes de qualquer coisa revelada na Escritura com
respeito a Predestinação, para não parecer, ou que os privamos maliciosamente da bênção de Deus, ou que acusamos
o Espírito Santo e zombamos dEle por haver publicado o que não é proveitoso suprimir. Afirmo que devemos permitir
que o cristão abra os olhos e ouvidos a toda manifestação que Deus lhe dirija, contanto que o faça com tal moderação
que quando o Senhor fechar os Seus Santos lábios, também feche de imediato o caminho das investigações.3
Calvino conclui suas observações dizendo que deseja que os que querem ocultar a predestinação “admitam que não
deveríamos investigar o que Deus tem deixado em secreto, que não deveríamos negligenciar o que tem sido posto
em descoberto, de modo que não se possa acusar de excessiva curiosidade por um lado nem de excessiva ingratidão
por outro...Assim pois, todo o que acumula ódio sobre a doutrina da Predestinação censura a Deus, como se Deus
houvesse imprudentemente deixado passar algo daninho para a igreja”.4
Deste modo Calvino ensinou o princípio da Sola Scriptura, toda a Escritura e somente a Escritura. O homem deve
ensinar tudo o que Deus tem revelado, incluindo a predestinação. Porém não deve ir além das Escrituras, especulando
no que Deus não tem revelado. Não se pode adotar uma atitude mais bela que esta que Calvino expressou.
Edwin H. Palmer
1 João Calvino, Institutas da Religião Cristã, III xxi, 1; 2 Calvino, III, xxi, 2.; 3 Calvino, III, xxi, 3.; 4 Calvino, III, xxi, 4
22 Revista Os Puritanos
Eleição, Motivo para
a Santificação
“Porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação
do Espírito e fé na verdade” (2 Tessalonicenses 2:13)
O
eterno e imutável propósito de Deus é que todo meio da livre e soberana graça de Deus. Mas como é
aquele que Lhe pertence de forma especial, que se pode possuir de fato essa salvação? Através da
todo aquele a quem pretende trazer ao Seu santificação do espírito, e de nenhum outro modo. Deus,
bem-aventurado gozo eterno, tem, antes de tudo, que desde o princípio, jamais elegeu aqueles a quem não
ser santificado. santificou pelo Seu Espírito. O conselho e o decreto de
Se em tudo o que formos — nossas inclinações, Cristo a nosso favor não depende da nossa santidade,
profissão de fé, honestidade moral, utilidade para os no entanto da nossa santidade depende a nossa felici-
outros, reputação na igreja — não formos santos indi- dade futura no conselho e decreto de Deus.
vidualmente, espiritualmente e evangelicamente, não
estamos entre aqueles que, pelo eterno propósito de A Santificação É Indispensável
Deus, foram escolhidos para a salvação e glória eternas. Segundo o imutável decreto de Deus ninguém pode
Não fomos escolhidos em Cristo antes da fundação alcançar a glória e a felicidade eternas sem graça e
do mundo para sermos primeiramente santos e inculpá- santificação. Os que foram ordenados para a salvação,
veis diante de Deus em amor (Ef.1:4)? Não, fomos, antes foram também ordenados para a santificação. A mais
de mais nada, “ordenados para a vida eterna” (At.13:48 tenra criança trazida à luz nesse mundo, não alcançará
– ACF; 2Ts.2:13). A intenção de Deus no decreto da elei- o descanso eternal se não for santificada e portanto, de
ção é a nossa salvação eterna, para “o louvor da glória modo consistente e radical, tornada santa.
de Sua graça” (Ef.1:5, 6, 11).
Que significa, então, quando se diz que fomos “eleitos A santificação é prova de eleição
em Cristo para que sejamos santos”? Em que sentido é a A única prova da nossa eleição para a vida e a glória é a
nossa santidade o propósito para o qual Deus nos elegeu? santificação operada em cada fibra do nosso ser. Assim
A santidade é o meio indispensável para se obter como a nossa vida, a nossa consolação depende tam-
salvação e glória. “Escolhi aqueles pobres pecadores bém da santificação (2Tm.2:19). O decreto da eleição é
perdidos para serem meus de forma especial”, diz Deus. o bastante para dar segurança contra a apostasia nas
“Escolhi salvá-los trazendo-os através de meu Filho, por tentações e provações (Mt.24:24).
intermédio da Sua mediação, para a glória eterna. Mas Como é que posso saber da minha eleição e que não
faço-o segundo meu propósito e decreto para que se- cairei em apostasia? Diz Paulo, “Aparte-se da injustiça
jam santos e inculpáveis diante de mim em amor. Sem todo aquele que professa o nome do Senhor” (2Tm.2:19).
a santificação que procede da obediência em amor a Diz-nos Pedro, “procurai, com diligência cada vez maior,
mim, ninguém jamais entrará na minha glória eterna”. confirmar a vossa vocação e eleição” (2Pe.1:10). Mas,
Pensar que se pode chegar ao céu sem santificação como é que fazemos isso? Pelo acréscimo de todas as
é esperar que Deus mude Seus decretos e propósitos virtudes arroladas por Pedro (2Pe.1:5~9). Assim, se
eternos; é esperar que Deus deixe de ser Deus e acate pretendemos estar na glória eterna, temos que nos es-
o desejo de pecadores de permanecem pecaminosos. forçar totalmente para “sermos santos e irrepreensíveis
Paulo, no entanto, nos mostra que fomos predestina- perante Ele”.
Revista Os Puritanos 23
John Owen
Problema. Se, desde a eternidade, eleição fosse cumprido e levado à sua mente proclamada no evangelho; mas
Deus escolheu livremente um certo nú- concretização. Ao pregar o evangelho, quanto à sua própria eleição, não se exi-
mero de pessoas para a salvação, que Paulo diz que tudo suportou “por causa ge que ninguém creia nela até que, pe-
necessidade têm elas de serem santas? dos eleitos, para que também eles ob- los seus próprios frutos, Deus lha revele.
Podem pecar o tanto que quiserem e tenham a salvação que está em Cristo Assim, ninguém pode dizer que não é
jamais perderão o céu, pois os decretos Jesus, com eterna glória” (2Tm.2:10). eleito até que sua condição prove que
de Deus não podem ser frustrados. A Deus ordena que Paulo permaneça e não o seja porque os frutos da eleição
Sua vontade não pode ser negada. E se pregue o evangelho em Corinto porque jamais podem operar nele. Esse frutos
não forem eleitas, sejam santas como Ele tinha naquela cidade “muito povo” são a fé, a obediência e a santificação
forem, ainda permanecerão perdidos, (At.18:10), isto é, aqueles a quem Ele (Ef.1:4; 2Ts.2:13; Tt.1:1; At.13:48).
porque jamais podem ter a salvação. havia graciosamente escolhido para a Aquele em quem se operam essas
Resposta. Tal modo de argumentar salvação. Veja também Atos 2:47; 13:48. coisas tem a obrigação, segundo o mé-
não é ensinado na Escritura, nem dela (iii) Em todo o lugar que chega, o todo de Deus e o evangelho, de crer na
pode ser aprendido. A doutrina da li- evangelho proclama a vida e a salva- sua própria eleição. Todo crente pode
vre eleição de Deus em amor e graça ção por Jesus Cristo a todo o que vai ter tanta certeza da sua eleição quanto
é plenamente ensinada na Escritura, crer, se arrepender e se render em obe- o tem da sua chamada, justificação e
onde é proclamada como a fonte de, e diência a Ele. O evangelho faz com que santificação. Pelo exercício da graça,
o grande motivo para a santificação. É os homens saibam plenamente qual é asseguramos a nossa vocação e eleição
mais seguro apegar-se aos claros tes- o dever e a recompensa deles. Nessas (1Pe.1:5~10).
temunhos da Escritura, confirmado na circunstâncias somente a arrogância e Mas os incrédulos e os ímpios não
maioria dos crentes, do que dar ouvi- a incredulidade podem usar o desígnio podem concluir que não são eleitos, se
dos a essas objeções perversas e vis que secreto de Deus como desculpa para não conseguirem provar que lhes seja
podem nos levar a odiar a Deus e aos continuarem pecado. impossível receber graça e santificação.
Seus desígnios. É melhor que o nosso Objeção. “Eu não me arrependerei, Noutras palavras, eles têm que provar
entendimento seja cativo da obediência nem crerei, nem obedecerei, se primei- que cometeram o pecado imperdoável
da fé, do que do questionamento de ho- ro não souber se sou ou não um eleito; contra o Espírito Santo.
mens néscios. afinal tudo depende disso”. A doutrina da eleição de Deus é en-
Especificamente, não somos apenas Resposta. Se é assim que pensa, o sinada em toda parte da Escritura para
obrigados a acreditar em todas as reve- evangelho nada tem a lhe dizer nem a o encorajamento e a consolação dos
lações divinas, mas temos também que lhe oferecer, pois você está opondo sua crentes e para motivá-los a serem mais
crer nelas conforme nos são apresenta- vontade própria à vontade de Deus. obedientes e santificados (Ef.1:3~12;
das pela vontade de Deus. O evangelho A forma que Deus estabeleceu para Rm.8:28~34).
requer que se creia na vida eterna, mas sabermos se somos ou não eleitos é pe-
ninguém, que ainda vive em seus peca- los frutos da eleição em nossas próprias Como É que a Eleição Motiva os
dos, precisa acreditar na sua salvação almas. Crentes à Santidade
eterna. Eis uma ilustração. Cristo morreu A graça e o amor de Deus na eleição, so-
Os parágrafos a seguir destroem por pecadores. Não se exige que certa beranos e para sempre reverenciados,
essas objeções: pessoa creia que Cristo morreu por ela são fortes motivos para a santificação,
(i) O decreto da eleição em si mesma, de modo particular, mas apenas que e a única maneira de demonstramos
absoluta, sem a consideração de seus Cristo morreu para salvar pecadores. gratidão a Deus é agradar-lhe com a
resultados, não faz parte da vontade Assim sendo, o evangelho exige de nós santidade de vida. Será que um crente
revelada de Deus. Não está revelado se fé e obediência, e somos obrigados a re- verdadeiro diria: “Deus me elegeu para
esta ou aquela pessoa é ou não eleita agir favoravelmente. Contudo, até que a vida eterna, portanto vou pecar o
(Dt.29:29). Portanto, isso não pode ser obedeça ao evangelho, ninguém tem tanto que quiser, pois jamais perecerei
utilizado como argumento ou objeção nenhuma obrigação de crer que Cristo nem serei condenando”?
sobre nada que envolva a fé e a obe- morreu por si em particular. Deus usa a eleição como um
diência. A mesma coisa acontece com a elei- motivador para o seu povo antigo
(ii) Deus enviou o Seu evangelho ção. Exige-se que se creia na doutrina (Dt.7:6~8, 11). Do mesmo modo o faz
aos homens para que o Seu decreto de porque ela está na Escritura e é clara- Paulo com os cristãos (Cl.3:12, 13). A
24 Revista Os Puritanos
Eleição, Motivo para a Santificação
eleição nos ensina humildade. Deus nos que seja proclamado: “Assim se fará ao mento o tornará relapso e negligente?
escolheu quando, por causa do pecado, homem a quem o rei [do Céu] deseja Não seria isso mais provável a alguém
éramos imprestáveis; não porque hou- honrar”? Escolheu-nos Deus para nos perdido e sem saber para onde ir? Não
vesse algum bem em nós. A eleição nos guardar de dificuldades, perseguições, seria isso mais provável a alguém sem a
ensina submissão à soberana vontade, pobreza, vergonha e reprovações no certeza de que alcançaria o seu destino?
arbítrio e domínio de Deus sobre tudo mundo? Paulo nos ensina bem o con- Problema. A eleição é desanima
o que nos concerne nesse mundo. Se trário (1Co.1:26~29). dora para o incrédulo.
Deus me escolheu desde a eternidade, Tiago nos mostra como deve viver Resposta. Podem ocorrer duas coi-
e no devido tempo trouxe-me à fé, não um eleito de Deus (Tg.1:9~11). O amor sas quando a eleição é proclamada aos
iria Ele também cuidar de todas as coi- na eleição é motivo e encorajamento incrédulos. Primeiro, eles poderão se
sas que me afetam? para a santidade por causa da graça esforçar ao máximo para provarem que
A eleição também nos ensina o amor, que podemos e devemos esperar de são eleitos respondendo com fé, obedi-
a benevolência, a compaixão e a tolerân- Jesus Cristo (2Co.12:9). A eleição de ência e santidade, ou, segundo, podem
cia para com todos os crentes, que são Deus nos dá a certeza de que a despei- não fazer nada e dizer que tudo isso
os santos de Deus (Cl.3:12, 13). Como to de todas as oposições e dificuldades depende de Deus.
ousaremos alimentar pensamentos que enfrentarmos, não seremos total e Agora, qual dessas duas atitudes é
grosseiros e severos, e alimentar ani- finalmente condenados (Rm.8:28~39; mais racional e notável? Qual delas evi-
mosidade e inimizade contra qualquer 2Tm.2:19; Hb.6:10~20). dencia que amamos verdadeiramente
um daqueles a quem Deus escolheu Problema. Com certeza alguém que a nós mesmos e estamos interessados
para a graça e glória? (Veja Rm.14:1, sabe que é eleito tem maior possibili- por nossas almas imortais?
3; Paulo tudo fez por causa dos eleitos). dade de ser preguiçoso e negligente na Nada é mais infalivelmente certo
A eleição nos ensina o desprezo pelo sua vida espiritual. do que isso: “todo aquele que nEle crê
mundo e por tudo o que lhe pertence. Resposta. Alguém segue numa jor- não [perecerá], mas [tem] a vida eterna”
Escolheu-nos Deus para constituir-nos nada, sabe que está no caminho certo (Jo.3:15 - ACF).
reis e imperadores do mundo? Levan- e sabe que se se mantiver no caminho
Extraído e traduzido do livro “O Espírito Santo” do
tou Deus o Seu eleito para ser rico, no- chegará certa e infalivelmente ao fim grande teólogo puritano inglês John Owen e que
bre e honorável entre os homens para da sua jornada. Será que esse conheci- será publicado pela Editora Os Puritanos
Confissão de Fé de Westminster
Capítulo III → DOS ETERNOS DECRETOS DE DEUS
Revista Os Puritanos 25
Doutrina da Eleição — Fonte de
Encorajamento Para a Pregação
do Evangelho a Pecadores?
“Teve Paulo durante a noite um visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; por-
quanto eu estou contigo e ninguém ousará te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (Atos 18.9-10)
Os fatos aqui relatados ocorreram em Corinto, cidade grega destacada pela sua riqueza e magnificência, e não me-
nos pela luxúria e licenciosidade. Paulo parece ter sido a primeira pessoa a pregar O Evangelho naquela cidade. Sua
pregação, embora tenha obtido algum sucesso imediato, encontrou violenta oposição e ele parece ter ficado por um
tempo grandemente desencorajado. Ciente da sua completa insuficiência para acalmar a inimizade dos judeus, ou
para conter a torrente de impiedade que prevalecia entre os gentios, ele estava quase pronto a desistir, e a procurar
algum outro campo de trabalho mais promissor.
Mas Deus, que conforta os abatidos, apareceu-lhe em uma visão e prometeu estar com ele e protegê-lo. Também
assegurou-lhe que, embora a situação parecesse tenebrosa e desencorajadora, os seus esforços ainda seriam coro-
ados com significativo sucesso, pois disse-lhe: “Tenho muito povo nesta cidade”. Encorajado por essa declaração,
permaneceu lá por um ano e seis meses, e teve um papel decisivo na formação de uma grande e florescente igreja.
Em que sentido era verdade que Deus tinha muito povo em Corinto? Não em que eles fossem verdadeiros crentes,
pois quando essa declaração foi feita muito poucos haviam abraçado a fé cristã. A massa do povo continuava idólatra
e entregue aos mais grosseiros vícios. Mas havia muitas pessoas naquela cidade cujos nomes estavam no livro da
vida, das quais Deus tinha proposto fazer troféus da Sua graça — pessoas que Deus havia dado a Cristo no pacto da
redenção e que tinham sido predestinadas para a adoção de filhos.
Mas, se elas tinham sido dadas a Cristo e sido predestinadas para a vida eterna, que necessidade havia de que Paulo
lhes pregasse o Evangelho, ou que algum meio fosse usado para efetivar sua conversão e salvação? Não serão salvos
aqueles que Deus escolheu para a salvação? Sem dúvida que sim; mas eles não serão salvos sem a instrumentalidade
dos meios, porque é parte do Seu divino propósito que eles sejam salvos desta forma. A razão pela qual Deus deter-
minara que Paulo continuasse a pregar o Evangelho em Corinto era porque Ele tinha muitas pessoas naquela cidade.
Isso foi dito para o seu encorajamento, e foi a principal fonte de encorajamento que ele teve para perseverar em seus
labores. Ele sabia que essas pessoas estavam mortas no pecado. Ele sabia que todos os seus esforços para despertá-
-las para a vida espiritual eram totalmente impotentes; e que, por consequência, elas iriam inevitavelmente perecer,
a menos que Deus se interpusesse pela Sua graça. Quão animadora portanto deve ter sido para ele a compreensão
de que Deus não tinha destinado todos os habitantes daquela grande cidade para uma completa destruição, mas
havia determinado, através da sua instrumentalidade, trazer multidões das trevas para a Sua maravilhosa luz! E essa
consideração susteve Paulo não só em Corinto mas em todos os lugares onde era chamado para pregar o Evangelho,
“Tudo suporto”, desse ele, “por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação que está em Cristo
Jesus com eterna glória” (II Tm 2.10). A mesma consideração deveria nos suster e encorajar em nossos esforços para
promover os interesses do reino de Cristo na terra. Eu retiro do texto, portanto, a seguinte doutrina:
26 Revista Os Puritanos
A Eleição Condicional
Contrastada com a
Eleição Incondicional
Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor, o povo que ele escolheu
para sua herança”
A
rminianismo: A escolha divina de certos indi- no mundo como pecadores culpados e perdidos. Como
víduos para a salvação, antes da fundação do criaturas caídas, eles não têm desejo de ter comunhão
mundo, foi baseada na Sua previsão (presci- com o seu Criador. Ele é santo, justo e bom, ao passo que
ência) de que eles responderiam à Sua chamada (fé eles são pecaminosos, perversos e corruptos- Deixados
prevista). Deus selecionou apenas aqueles que Ele à sua própria escolha, eles inevitavelmente seguem o
sabia que iriam, livremente e por si mesmos, crer no deus deste século e fazem a vontade do seu pai, o dia-
Evangelho. A eleição, portanto, foi determinada ou bo. Consequentemente, os homens têm se desligado do
condicionada pelo que o homem iria fazer. A fé que Senhor dos céus e têm perdido todos os direitos de Seu
Deus previu e sobre a qual Ele baseou a Sua escolha amor e favor. Teria sido perfeitamente justo para Deus
não foi dada ao pecador por Deus (não foi criada ter deixado todos os homens em seus pecados e miséria
pelo poder regenerador do Espírito Santo), mas re- e não ter demonstrado misericórdia a quem quer que
sultou tão somente da vontade do homem. Foi dei- seja. É neste contexto que a Bíblia apresenta a doutrina
xado inteiramente ao arbítrio do homem o decidir da eleição.
quem creria e, por conseguinte, quem seria eleito A doutrina da eleição declara que Deus, antes da
para a salvação. Deus escolheu aqueles que Ele sabia fundação do mundo, escolheu certos indivíduos dentre
que iriam, de sua livre vontade, escolher a Cristo. As- todos os membros decaídos da raça de Adão para ser o
sim, a causa última da salvação não é a escolha que objeto de Seu imerecido amor. Esses, e somente esses,
Deus faz do pecador, mas a escolha que o pecador Ele propôs salvar. Deus poderia ter escolhido salvar to-
faz de Cristo. dos os homens (pois Ele tinha o poder e a autoridade
para fazer isso), ou Ele poderia ter escolhido não salvar
Calvinismo: A escolha divina de certos indivíduos ninguém (pois Ele não tem a obrigação de mostrar mi-
para a salvação, antes da fundação do mundo, repousou sericórdia a quem quer que seja), porém não fez nem
tão somente na Sua soberana vontade. A escolha de uma coisa nem outra. Ao invés disso, Ele escolheu salvar
determinados pecadores feita por Deus não foi baseada alguns e excluir (preterir) outros. Sua eterna escolha
em qualquer resposta ou obediência prevista da parte de determinados pecadores para a salvação não foi
destes, tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, baseada em qualquer ato ou resposta prevista da par-
é Deus quem dá a fé e o arrependimento a cada pessoa te daqueles escolhidos, mas foi baseada tão somente
a quem Ele escolheu. Esses atos são o resultado e não no Seu beneplácito e na Sua soberana vontade. Desta
a causa da escolha divina. A eleição, portanto, não foi forma, a eleição não foi condicionada nem determina-
determinada nem condicionada por qualquer qualida- da por qualquer coisa que os homens iriam fazer, mas
de ou ato previsto no homem. Aqueles a quem Deus resultou inteiramente do propósito determinado pelo
soberanamente elegeu, Ele os traz, através do poder próprio Deus.
do Espírito, a uma voluntária aceitação de Cristo. Desta Os que não foram escolhidos foram preteridos e
forma, a causa última da salvação não é a escolha que deixados às suas próprias inclinações e escolhas más.
o pecador faz de Cristo, mas a escolha que Deus faz do Não cabe à criatura questionar a justiça do Criador por
pecador. não escolher todos para a salvação. É suficiente saber
Revista Os Puritanos 27
David Steele e Curtis Thomas
que o Juiz de toda a terra tem agido A) Declarações gerais mostrando que Porque os que dantes conheceu, tam-
bem e justamente. Deve-se, contudo, ter Deus tem um povo eleito, que Ele predes- bém os predestinou para serem confor-
em mente que se Deus não tivesse gra- tinou esse povo para a salvação e, desta mes à imagem de seu Filho, a fim de
ciosamente escolhido um povo para Si forma, para a vida eterna: que ele seja o primogênito entre muitos
mesmo, e soberanamente determinado DT 10.14 “Eis que do Senhor teu irmãos; e aos que predestinou, a estes
prover-lhe e aplicar-lhe a salvação, nin- Deus são o céu e o céu dos céus, a ter- também chamou; e aos que chamou, a
guém seria salvo. O fato de Ele ter feito ra e tudo o que nela há. Entretanto o estes também justificou; e aos que justi-
isto para alguns, à exclusão dos outros, Senhor se afeiçoou a teus pais para os ficou, a estes também glorificou”.
não é de forma alguma injusto para os amar; e escolheu a sua descendência RM 8.33 “Quem intentará acusação
excluídos, a menos que se mantenha depois deles, isto é, a vós, dentre todos contra os escolhidos de Deus? É Deus
que Deus estava na obrigação de prover os povos, como hoje se vê”. quem os justifica”.
salvação a todos os pecadores - o que a SL 33.12 “Bem-aventurada é a nação RM 11.28 “Quanto ao evangelho,
Bíblia rejeita cabalmente. cujo Deus é o Senhor, o povo que ele eles na verdade, são inimigos por causa
A doutrina da eleição deve ser vis- escolheu para sua herança”. de vós; mas, quanto à eleição, amados
ta não apenas contra o pano de fundo SL 65.4 “Bem-aventurado aquele a por causa dos pais”.
da depravação e culpa do homem, mas quem tu escolhes, e fazes chegar a ti, CL 3.12 “Revesti-vos, pois, como
também deve ser estudada em conexão para habitar em teus átrios! Nós sere- eleitos de Deus, santos e amados, de
com o Eterno Pacto ou acordo feito en- mos satisfeitos com a bondade da tua coração compassivo, de benignidade,
tre os membros da Trindade. Pois foi casa, do teu santo templo”. humildade, mansidão, longanimidade.”
na execução deste pacto que o Pai esco- AG 2.23 “Naquele dia, diz o Senhor I TS 5.9 “...porque Deus não nos desti-
lheu desse mundo de pecadores perdi- dos exércitos, tomar-te-ei, ó Zorobabel, nou para a ira, mas para alcançarmos a
dos um número definido de indivíduos servo meu, filho de Sealtiel, diz o Senhor, salvação por nosso Senhor Jesus Cristo,
e deu-os ao Filho para serem o Seu povo. e te farei como um anel de selar; porque TM 1.1 “Paulo, servo de Deus, e após-
O Filho, nos termos desse pacto, con- te escolhi, diz o Senhor dos exércitos”. tolo de Jesus Cristo, segundo a fé dos
cordou em fazer tudo quanto era neces- MT 11.27 “Todas as coisas me foram eleitos de Deus, e o pleno conhecimento
sário para salvar esse povo escolhido e entregues por meu Pai; e ninguém co- da verdade que é segundo a piedade”.
que lhe foi concedido pelo Pai. A parte nhece plenamente o Filho, senão o Pai; I PE 1.1 “Pedro, apóstolo de Jesus
do Espírito na execução desse pacto foi e ninguém conhece plenamente o Pai, Cristo, aos peregrinos da Dispersão no
e é a de aplicar aos eleitos a salvação senão o Filho, e aquele a quem o Filho Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia”.
adquirida para eles pelo Filho. o quiser revelar”. I PE 1.2 “...eleitos segundo a presci-
A eleição, portanto, é apenas um MT 22.14 “Porque muitos são cha- ência de Deus Pai, na santificação do
aspecto (embora muito importante) do mados, mas poucos escolhidos”. Espírito, para a obediência e aspersão
propósito salvador do Deus Triúno, e MT 24.22 “E se aqueles dias não do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz
dessa forma não deve ser vista como sal- fossem abreviados, ninguém se salva- vos sejam multiplicadas”.
vação. O ato da eleição em si mesmo não ria; mas por causa dos escolhidos serão I PE 2.8 “Como uma pedra de tropeço
salvou ninguém. O que ele fez foi des- abreviados aqueles dias”. e rocha de escândalo; porque tropeçam
tacar (marcar) alguns indivíduos para MT 24.31 “E ele enviará os seus an- na palavra, sendo desobedientes; para
a salvação. Desta forma, a doutrina da jos com grande clangor de trombeta, os o que também foram destinados. Mas
eleição não deve ser divorciada das dou- quais lhe ajuntarão os escolhidos desde vós sois a geração eleita, o sacerdócio
trinas da culpa do homem, da redenção os quatro ventos, de uma à outra extre- real, a nação santa, o povo adquirido,
e da regeneração, pois de outra forma midade dos céus”. para que anuncieis as grandezas daque-
ela será distorcida e deturpada. Em ou- LC 18.7 “E não fará Deus justiça le que vos chamou das trevas para a sua
tras palavras, se quisermos manter em aos seus escolhidos, que dia e noite maravilhosa luz”.
sua perspectiva bíblica, e corretamente clamam a ele, já que é longânimo para AP 17.14 “Estes combaterão contra
entendido, o ato da eleição do Pai deve com eles?”. o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá,
ser relacionado com a obra redentora do RM 8.28-30 “E sabemos que todas porque é o Senhor dos senhores e o Rei
Filho, que Se deu a Si mesmo para salvar as coisas concorrem para o bem da- dos reis; vencerão também os que estão
os eleitos e com a obra renovadora do queles que amam a Deus, daqueles que com ele, os chamados, e eleitos, e fiéis”.
Espírito, que traz o eleito à fé em Cristo. são chamados segundo o seu propósito.
28 Revista Os Puritanos
A Eleição Condicional Contrastada com a Eleição Incondicional
Revista Os Puritanos 29
David Steele e Curtis Thomas
quantos haviam sido destinados para infrutíferos no pleno conhecimento de EF 1.4 “...como também nos elegeu
a vida eterna”. nosso Senhor Jesus Cristo. Pois aquele nele antes da fundação do mundo, para
AT 18.27 “Querendo ele passar à em quem não há estas coisas é cego, ven- sermos santos e irrepreensíveis diante
Acáia, os irmãos o animaram e escreve- do somente o que está perto, havendo-se dele em amor”
ram aos discípulos que o recebessem; e esquecido da purificação dos seus anti- RM 16.7 “Saudai a Andrônico e a
tendo ele chegado, auxiliou muito aos gos pecados. Portanto, irmãos, procurai Júnias, meus parentes e meus compa-
que pela graça haviam crido”. mais diligentemente fazer firme a vossa nheiros de prisão, os quais são bem
FP 1.29 “...pois vos foi concedido, por vocação e eleição; porque, fazendo isto, conceituados entre os apóstolos, e que
amor de Cristo, não somente o crer nele, nunca jamais tropeçareis. Porque assim estavam em Cristo antes de mim”.
mas também o padecer por ele”. vos será amplamente concedida a entra- D) A eleição foi baseada na misericór-
FP 2.12-13 “De sorte que, meus da no reino eterno do nosso Senhor e dia soberana e especial de Deus. Não foi
amados, do modo como sempre obe- Salvador Jesus Cristo”. a vontade do homem, mas a vontade de
decestes, não como na minha presença C) A eleição não é a salvação, mas é Deus que determinou que pecadores iriam
somente, mas muito mais agora na mi- para a salvação. Assim como o presidente ser alvos da misericórdia e ser salvos:
nha ausência, efetuai a vossa salvação eleito não se torna o presidente de fato EX 33.19 “Respondeu-lhe o Senhor:
com temor e tremor; porque Deus é o até o dia da sua posse (instalação), assim Eu farei passar toda a minha bondade
que opera em vós tanto o querer como aqueles que são eleitos para a salvação diante de ti, e te proclamarei o meu
o efetuar, segundo a sua boa vontade”. não são salvos até que sejam regenera- nome Jeová; e terei misericórdia de
I TS 1.4-5 “...conhecendo, irmãos, dos pelo Espírito e justificados pela fé em quem eu tiver misericórdia, e me com-
amados de Deus, a vossa eleição por- Cristo: (Em Efésios 1:4 Paulo mostra que padecerei de quem me compadecer”.
que o nosso evangelho não foi a vós os homens foram eleitos “em Cristo” an- DT 7.6-7 “Porque tu és povo santo
somente em palavras, mas também em tes que o mundo existisse. Em Rm 16:7 ao Senhor teu Deus; o Senhor teu Deus
poder, e no Espírito Santo e em plena ele mostra que os homens não estão real- te escolheu, a fim de lhe seres o seu
convicção, como bem sabeis quais fo- mente “em Cristo” até que se convertam). próprio povo, acima de todos os povos
mos entre vós por amor de vós”. RM 11.7 “Pois quê? O que Israel bus- que há sobre a terra. O Senhor não to-
II TS 2.13-14 “Mas nós devemos ca, isso não o alcançou; mas os eleitos mou prazer em vós nem vos escolheu
sempre dar graças a Deus por vós, ir- alcançaram; e os outros foram endure- porque fôsseis mais numerosos do que
mãos, amados do Senhor, porque Deus cidos”. todos os outros povos, pois éreis menos
vos escolheu desde o princípio para a II TM 2.10 “Por isso, tudo suporto em número do que qualquer povo”.
santificação do espírito e a fé na verda- por amor dos eleitos, para que também MT 20.15 “Não me é lícito fazer o
de, e para isso vos chamou pelo nosso eles alcancem a salvação que há em que quero do que é meu? Ou é mau o
evangelho, para alcançardes a glória de Cristo Jesus com glória eterna”. teu olho porque eu sou bom?
nosso Senhor Jesus Cristo”. AT 13.48 “Os gentios, ouvindo isto, RM 9.10-24 “E não somente isso, mas
TG 2.5 “Ouvi, meus amados irmãos. alegravam-se e glorificavam a palavra também a Rebeca, que havia concebido
Não escolheu Deus os que são pobres do Senhor; e creram todos quantos ha- de um, de Isaque, nosso pai (pois não
quanto ao mundo para fazê-los ricos na viam sido destinados para a vida eterna.” tendo os gêmeos ainda nascido, nem
fé e herdeiros do reino que prometeu ITS 2.13-14 “Por isso nós também, tendo praticado bem ou mal, para que
aos que o amam?”. sem cessar, damos graças a Deus, por- o propósito de Deus segundo a eleição
7. É através da fé e das boas obras que quanto vós, havendo recebido a pala- permanecesse firme, não por causa das
alguém confirma sua chamada e eleição: vra de Deus que de nós ouvistes, a re- obras, mas por aquele que chama), foi-
II PE 1.5-11 “E por isso mesmo vós, cebestes, não como palavra de homens, -lhe dito: O maior servirá o menor. Como
empregando toda a diligência, acrescen- mas (segundo ela é na verdade) como está escrito: Amei a Jacó, e aborreci a
tai à vossa fé a virtude, e à virtude a ci- palavra de Deus, a qual também ope- Esaú. Que diremos, pois? Há injustiça da
ência, e à ciência o domínio próprio, e ao ra em vós que credes. Pois vós, irmãos, parte de Deus? De modo nenhum. Por-
domínio próprio a perseverança, e à per- vos haveis feito imitadores das igrejas que diz a Moisés: Terei misericórdia de
severança a piedade, e à piedade a frater- de Deus em Cristo Jesus que estão na quem me aprouver ter misericórdia, e te-
nidade, e à fraternidade o amor. Porque, Judeia; porque também padecestes de rei compaixão de quem me aprouver ter
se em vós houver e abundarem estas coi- vossos próprios concidadãos o mesmo compaixão. Assim, pois, isto não depen-
sas, elas não vos deixarão ociosos nem que elas padeceram dos judeus”. de do que quer, nem do que corre, mas
30 Revista Os Puritanos
A Eleição Condicional Contrastada com a Eleição Incondicional
Revista Os Puritanos 31
Objeção à Eleição
Soberana de Deus
Todos os predestinados, e apenas os predestinados, são chamados, e eles
são chamados somente porque Deus primeiramente os pré-conheceu (amou
de antemão) e os predestinou.
E
sta edição de Sound of Grace lida com alguns dos ideias humanas sobre sua total autonomia e à força
argumentos usados por aqueles que discordam todo-poderosa de seu “livre-arbítrio”. Entretanto, é uma
com a visão histórica de que a Bíblia fala sobre distorção grosseira do que a Bíblia ensina claramente
“eleição”. Uma das objeções mais comuns é algo pare- sobre o assunto da eleição.
cido com isso: Pela visão acima, a “presciência” de Deus é uma
“Eu concordo de coração que Deus ‘escolhe algumas grande coberta usada pelos homens para “limpar” e
pessoas para serem salvas’. Entretanto, Sua escolha é esconder a verdade da soberana graça eletiva de Deus.
baseada inteiramente em Sua presciência. Como Deus Entretanto, isto deixa um grande e terrível buraco na co-
vê o futuro e ‘prevê’ todas as coisas que acontecerão, Ele berta. Como esta edição de Sound of Grace nos mostra
claramente pré-conhece aqueles que desejarão aceitar em diferentes artigos, a “presciência de Deus” é um ato
Jesus quando a oportunidade for apresentada.. Deus, divino e não apenas um mero atributo. É algo que Deus
com base nessa ‘presciência’ (conhecimento prévio), faz, não algo que ele “sabe de antemão”. Presciência de
escolhe aqueles que Ele ‘prevê’ que aceitarão a Cristo Deus é realmente Seu prévio amor ou prévia escolha de
por seu próprio livre-arbítrio”. Seu povo. No entanto, é melhor definido com “a prévia
Não é necessário pensar muito para ver que esta ideia escolha de Deus, baseada em seu amor prévio”.
nega completamente que Deus, no sentido que for, so- Não iremos repetir aqui o que foi claramente ex-
beranamente escolhe homens para salvação. De forma posto na edição impressa. Entretanto, eu gostaria de
simples, uma visão como esta, na verdade, diz o seguinte: discutir diversas passagens-chaves que falam da “pres-
(1) O homem precisa estar desejando, por si próprio, ciência” de Deus. Um dos textos que são usados em
aceitar a Cristo. tentativas inúteis de provar que a escolha de Deus é
(2) Deus observa o futuro e vê quais pessoas deseja- fundamentada em seu pré-conhecimento da inclinação
rão que “Cristo as salve” do homem é Romanos 8:29. No entanto, esse texto não
(3) Deus decide escolher todos estes que primeiro está falando sobre o que Deus sabe (informação pré-
O escolheram. via) mas quem (indivíduos) Ele conheceu de antemão. O
(4) A graça eletiva de Deus é totalmente “condicio- texto em nenhum lugar sugere que Deus “conheceu de
nada” pelo desejo humano de ser salvo. antemão aqueles que desejariam crer”. Uma ideia como
(5) Nossa eleição para a salvação não é baseada na esta não pode ser encontrada em qualquer lugar neste
soberania de Deus mas na soberania e poder do “livre- versículo. O texto diz “aqueles que [Deus] de antemão
-arbítrio” do homem. conheceu” e nunca menciona ou implica alguma coisa
sobre um suposto desejo do homem de ser escolhido.
Em nenhum sentido podemos dizer que Deus “es- Observe a passagem:
colheu” alguém se seguirmos este esquema. No final, “Pois AQUELES que de antemão conheceu, também
Deus meramente ratifica a escolha do homem. Deus não os predestinou para serem conformes à imagem de seu
pode ou é capaz de escolher “quem Ele desejar”. Deus Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
só pode esperar que Ele “preveja” no futuro algumas irmãos.” (Romanos 8:29)
32 Revista Os Puritanos
Objeção à Eleição Soberana de Deus
O contexto inteiro deste trecho de para cada indivíduo deste grupo de pes- tas “chamados” no verso 28. Somos cha-
Romanos 8 está defendendo a posição soas. Todos os crentes foram: mados “segundo Seu propósito” e este
teológica que dá ao crente a segurança (1) “conhecidos” por Deus (vs. 29) propósito é nos conformar à imagem de
de que Deus ao mesmo tempo deseja (2) “predestinados” por Deus (vs. 29) Cristo. O primeiro passo que Deus toma
e é capaz de cumprir a grande pro- (3) “chamados” por Deus (vs. 30) para alcançar este propósito é chamar-
messa dada em Romanos 8:28. Como (4) “justificados” por Deus (vs. 30) -nos da morte para a vida, ao regenerar
nós podemos ter certeza que todas as (5) “glorificados” por Deus (vs. 30) nossos corações mortos e nos conceder
coisas, sem a mínima exceção, irão po- fé para crer no evangelho. “Chamado”
sitivamente “cooperar para o bem” do De acordo com a Bíblia, todos aque- nestes versículos não pode ser nada
povo de Deus? O verso 29 até o final do les que Deus de antemão conheceu (vs. menos que um chamado ou regenera-
capítulo são a resposta a esta questão. 29), também foram predestinados por ção eficazes.
Rm 8:29 continua com a palavra “por- Ele (vs. 29) para serem conformes à QUATRO: A promessa do versículo
que”, seguindo a verdade descrita no imagem de Cristo. Todos aqueles que 28 é para todos os que “amam a Deus”,
versículo 28. O argumento prossegue Ele predestinou, a estes Deus também ou aqueles “chamados segundo Seu
provando porque tudo prometido no chamou (vs. 30). Note que todos aqueles, propósito”. Paulo está descrevendo
versículo 28 deve trabalhar para o bem sem exceção, que foram predestinados as mesmas pessoas de duas maneiras
de todos os filhos de Deus. Paulo men- também são, sem exceção, chamados diferentes. Quem ousaria dizer que a
ciona cinco pontos que caminham jun- assim como todos, sem exceção, que razão pela qual somos predestinados
tos como elos em uma corrente. Cada foram conhecidos de antemão também para sermos conformes a imagem de
um dos cinco elos são integralmente foram predestinados. Todos os elos for- Jesus é porque “amamos a Deus”? Não,
conectados ao elo que o precede e ao mam uma corrente do singelo propósito meu amigo, nós amamos a Deus somen-
que se segue. Observe esses elos nos divino de graça para Seu rebanho. De- te porque nós fomos amados primeiro
seguintes versículos: veria ser óbvio que os versículos clara- por Ele na graça eletiva. Nós fomos
“Porque OS QUE dantes mente estabelecem os seguintes fatos: então predestinados por causa deste
(1) conheceu, também OS UM: É impossível fazer os versos di- amor. Olhe cuidadosamente ao argu-
(2) predestinou para serem confor- zerem que Deus primeiro chama todos mento nos textos. Aqueles que foram
mes à imagem de seu Filho, a fim de os homens e então predestina aquelas predestinados são aqueles que foram
que ele seja o primogênito entre mui- que Ele “prevê” que estão desejando ter previamente conhecidos ou amados
tos irmãos; e AOS QUE predestinou, a fé. O texto diz que nosso chamado nas- por Deus. Aqueles que “amam a Deus”
ESTES também ce da predestinação. Nós fomos predes- são aqueles que primeiro foram ama-
(3) chamou; e AOS QUE chamou, a tinados antes de ser chamados, e nós fo- dos e escolhidos por Ele em sua sobera-
ESTES também mos chamados somente porque fomos na graça. “Livre-arbítrio” não pode ser
(4) justificou; e AOS QUE justificou, a primeiramente predestinados. O texto enfiado no contexto com um martelo.
ESTES também é claro. Nós somos chamados primei- Todos os elos nesta corrente foram
(5) glorificou.” (Rm 8:29,30) ramente porque fomos conhecidos de ligados durante a eternidade na força
antemão e predestinados. O arminiano da graça soberana. Nada nesta corrente
É fácil perceber que estes cinco pon- inverte a ordem clara do texto. Ele faz o depende de elos fracos feitos pelo de-
tos mencionados nos versículos são efeito ser a causa, distorce e confunde sejo errático e pecaminoso do homem.
verdades para todos os crentes, sem ex- o que Paulo está dizendo. Vamos continuar com o argumento de
ceção. Porém, é essencial para nós ver DOIS: Todos os predestinados, e ape- Paulo neste texto de Romanos 8. Nós
que esses cinco elos são somente para nas os predestinados, são chamados, e estamos no terceiro elo, chamados, da
crentes, e somente verdades porque eles são chamados somente porque corrente. Todos aqueles, sem exceção,
eles são os eleitos. A causa de nenhu- Deus primeiramente os pré-conheceu que são “chamados” também são, sem
ma dessas coisas pode ser atribuída ao (amou de antemão) e os predestinou. exceção, “justificados”. A Bíblia é clara.
livre-arbítrio do homem. O “AOS QUE”, Eu repito – a Bíblia é clara como cristal
em todos os casos, é sinônimo de “ES- se nós apenas deixamos a Escritura sig- Aqueles (as pessoas previamente ama-
TES” no próximo elo da corrente. Há um nificar o que ela diz. das e predestinadas por Deus) que Ele
povo (os eleitos) em questão e todos os TRÊS: Os “chamados” no verso 30 chamou, a estes (somente a estes e to-
cinco elos da corrente são verdadeiros são as mesmas pessoas que foram di- dos estes) também justificou. Agora, se
Revista Os Puritanos 33
John G. Reisinger
as palavras significarem o que elas di- é dado como o novo Mestre para cada certeza que o Cristo viria e morreria na
zem, então todos que foram “chamados chamado. A graça realmente reina em cruz; da mesma forma Deus “conheceu
por Deus” devem também ser “justifica- todo crente porque o pecado foi morto de antemão” que os eleitos seriam sal-
dos por Deus”. Você não pode separar e todos os requisitos da lei são cumpri- vos. É interessante notar que algumas
estes dois elos. É impossível encontrar dos. versões utilizam a palavra “conhecido”
o conceito arminiano de livre-arbítrio enquanto outras traduzem como “escol-
dentro do texto. Nós não podemos crer Uma das melhores formas de entender hido”. O contexto está falando sobre a
que Deus “chama” (no sentido dado à todos os cinco elos de Romanos 8:29- morte de Cristo:
palavra por Paulo aqui) todos os ho- 31 e o argumento que Paulo sustenta é “o qual [Cristo], na verdade, foi conheci-
mens, e então justifica apenas aqueles observá-lo ao contrário. do ainda antes da fundação do mundo...”
que desejam responder a este chamado. (1) “Quem é o homem que será defini- (1 Pedro 1:20 NVI)
Uma ideia como esta força o texto a tivamente glorificado no Paraíso?” R.: “Ele [Cristo] foi escolhido por Deus antes
dizer exatamente o oposto do que ele Todos aqueles que têm sido justificados da criação do mundo...” (1 Pedro 1:20
está dizendo. Os seguintes pontos estão pela graça de Deus. NTLH)
explícitos no texto: (2) “Quem são aqueles que certamente Seria ridículo dizer que Deus decidiu
Nosso chamado nasce, ou é causado por serão justificados pela graça de Deus?”. enviar Cristo ao mundo porque Ele
nossa predestinação, e não por outro R.: Todos aqueles que foram soberana- “previu” que Cristo viria ao mundo e
meio. mente e de forma eficaz chamados pelo morreria. Deus não “escolheu” enviar
Todo aquele que é chamado é segura- Espírito Santo através do Evangelho. Cristo porque Ele “previu” que peca-
mente justificado, e todo aquele que é (3) “Quem são aqueles que temos a dores O condenariam à morte. Deus
predestinado é seguramente chamado. certeza de serem chamados de forma soberanamente propôs enviar Cristo e
Aqui, Paulo está falando sobre o Chama- eficaz?” R.: Todos aqueles predestina- o próprio Deus foi o autor da morte de
do Eficaz de Deus e não o chamado uni- dos por Deus. Cristo. No mesmo sentido, Deus sober-
versal. (4) “Quem são aqueles que foram pre- anamente propôs a salvação individual
CINCO: O quinto e último elo da corrente destinados por Deus?” Todos aqueles dos eleitos e somente Ele é o único au-
é “glorificação”. Novamente, todos, sem escolhidos (previamente amados ou tor e consumador de nossa salvação
exceção, que foram justificados tam- pré-conhecidos) pela soberana e eletiva individual. Deus preordenou minha
bém são todos, sem exceção, que nos graça de Deus. salvação exatamente da mesma forma
Paraíso serão glorificados definitiva- Vamos comparar alguns outros versos como Ele preordenou a morte de Cristo.
mente. É interessante que o Apóstolo que falam da “presciência” de Deus e No Pentecostes, Pedro estava explican-
usa os verbos no passado. Na mente ver o que realmente significa. 1 Pedro do o significado e a causa dos eventos
e propósito dos decretos imutáveis 1:1,2 é uma passagem paralela à Ro- daquele dia. Note que Pedro usa a mes-
de Deus, todos os cincos atos estão manos 8:29. Fala dos “eleitos” serem ma palavra quando se refere à morte
selados e seguros. Nós sempre fomos escolhidos por Deus “de acordo com a de Jesus:
“glorificados” na mente e no propósito presciência”. “Este homem lhes foi entregue por
de Deus. Este último ponto ajuda-nos propósito determinado e pré-conheci-
a entender porque este é o único lugar “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos per- mento de Deus...” (Atos 2:23 NVI)
no Novo Testamento em que Paulo pula egrinos da Dispersão no Ponto, Galácia, “a este, que foi entregue pelo determi-
da justificação para a glorificação, sem Capadócia, Ásia e Bitínia, eleitos segun- nado conselho e presciência de Deus...”
mencionar santificação. Paulo não está do a presciência de Deus Pai, na santi- (Atos 2:23 RA)
rejeitando a verdade da necessidade ficação do Espírito, para a obediência Era “propósito determinado e pré-
da Perseverança dos Santos, mas no e aspersão do sangue de Jesus Cristo: conhecimento de Deus” ter Cristo cru-
contexto o Apóstolo está lidando com Graça e paz vos sejam multiplicadas.“ (1 cificado no mesmo sentido que nós so-
as obras de Deus baseadas em Seus so- Pedro 1:1,2) mos “pré-conhecidos” para ser salvos.
beranos propósitos da graça eletiva. O Nós somos destinados à salvação pelo
poder de Deus irá cumprir tudo que Ele Em vários versos seguintes Pedro usa a “determinado conselho e presciência de
propõe. Santificação é garantida na cor- mesma palavra e nos conta que a morte Deus” no exato sentido de que Cristo
rente porque a lei está escrita em todo de Cristo foi “pré-conhecida” por Deus. foi destinado à cruz. Isto é exatamente
coração justificado e o Espírito Santo Em qualquer sentido Deus sabia com o que a Bíblia está dizendo. Nenhuma
34 Revista Os Puritanos
Objeção à Eleição Soberana de Deus
Revista Os Puritanos 35
Os Benefícios de Não Ignorar
a Eleição em Sua Bíblia
A Eleição enriquecerá nossa adoração. Quem pode admirar um Deus que é
frustrado pela vontade rebelde dos seres humanos?
M
uitas pessoas acham que a doutrina da elei- rebelde dos seres humanos? Martinho Lutero escreveu,
ção é inútil e talvez até mesmo perniciosa. "não é irreligioso, ocioso, ou supérfluo, e sim saudável
Não é nada disso. Faz parte do ensino inspi- e necessário no mais alto grau para um Cristão saber
rado da Bíblia e é, portanto, "útil," como Paulo insistiu se a sua vontade tem ou não qualquer coisa a ver com
que toda a Bíblia é (2 Tm 3:16-17). Eis aqui uma rápi- assuntos que pertencem à salvação... Porque se eu for
da visão sobre como a eleição impacta coisas como o ignorante quanto à natureza, extensão e limites do que
evangelismo e a adoração: eu posso e tenho que fazer com relação a Deus, eu tam-
1. A Eleição nos torna humildes. Aqueles que não bém serei igualmente ignorante e inseguro quanto à
entendem a eleição frequentemente supõem o oposto, natureza, extensão e limites do que Deus pode e deseja
e é verdade que aqueles que acreditam na eleição às fazer em mim – ainda que Deus, na realidade, faça tudo
vezes parecem ser orgulhosos ou presunçosos. Mas em todos. Agora, se eu sou ignorante quanto às obras e
isso é uma aberração. Deus nos diz que ele escolheu o poder de Deus, eu sou ignorante do próprio Deus; e se
alguns completamente pela graça e completamente à eu não conheço a Deus, eu não posso adorá-lO, louvá-lO,
parte do mérito ou até mesmo de alguma habilidade dar-Lhe graças, ou servi-lO, porque eu não sei o quanto
de receber a graça. Ele fez assim precisamente para eu deveria atribuir a mim e o quanto a Ele. Portanto, nós
que orgulho fosse eliminado: "Porque pela graça sois precisamos ter em mente uma distinção clara entre o
salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de poder de Deus e o nosso, entre a obra de Deus e a nossa,
Deus; não de obras, para que ninguém se glorie." (Ef se quisermos viver uma vida santa."
2:8-9). 4. A Eleição nos encoraja em nosso evangelismo. As
2. A Eleição encoraja nosso amor a Deus. Se nós pessoas costumam supor que se Deus vai salvar certos
temos uma parte em nossa salvação, mesmo que peque- indivíduos, então Ele os salvará, e não há nenhum sen-
na, então nosso amor a Deus é diminuído exatamente tido em nós termos qualquer coisa a ver com isso. Mas
daquela quantia. Se, por outro lado, tudo vem de Deus, não é assim que funciona. A Eleição não exclui o uso
então nosso amor a Ele deve ser ilimitado. Tristemente, dos meios pelos quais Deus trabalha, e a proclamação
a igreja de hoje frequentemente considera o amor de do Evangelho é um desses meios (1 Co 1:21).
Deus como algo garantido. "É claro que Deus me ama”, Além disso, é só a verdade da eleição que nos dá algu-
nós dizemos. "Eu me amo; por que Deus também não ma esperança de sucesso quando proclamamos o Evan-
me amaria?". É como a pequena menina que adorava gelho a homens e mulheres não-salvos. Se o coração de
o tema do dinossauro Barney na televisão ("eu te amo, um pecador é tão oposto a Deus quanto a Bíblia declara
você me ama; nós somos uma família feliz"). Mas ela ser, e se Deus não elege as pessoas para a salvação,
acabou cantando assim: "Eu me amo, você me ama; nós então que esperança de sucesso poderíamos ter com
somos uma família feliz." É assim que nós tendemos a o nosso testemunho? Se Deus não chama eficazmente
pensar a respeito do amor de Deus. Nós achamos que pecadores a Cristo, é certo que nós também não temos
merecemos o Seu amor. Entender que somos eleitos só condições de fazê-lo. Ainda mais, se o agente efetivo
pela graça arruína o nosso modo egocêntrico e presun- da salvação não é a escolha e o chamado de Deus - se a
çoso de pensar. escolha depende do indivíduo ou de nós, por causa de
36 Revista Os Puritanos
Os Benefícios de Não Ignorar a Eleição em Sua Bíblia
nossa capacidade de persuadir outros qualquer cristão que pensa e sente, vi- sua graça e, melhor de tudo, que todos
para aceitar a Cristo - como nós pode- ver com algo assim? aqueles que Deus escolheu para a sal-
ríamos sequer ousar testemunhar? E se Mas por outro lado, se Deus elegeu vação serão salvos. Nós podemos ser
nós cometermos um erro? E se dermos alguns para a salvação e se ele está destemidos, sabendo que todos os que
uma resposta errada? E se nós formos chamando esses indivíduos eleitos a são chamados por Deus certamente vi-
insensíveis às reais perguntas da pes- Cristo, então nós podemos ir em frente rão a Ele.
soa? Se isso acontecer, as pessoas não corajosamente, sabendo que o nosso Fonte: Extraído do site www.bomcaminho.com -
Extraído do blog OldTruth.comFonte original:
crerão. Elas podem no fim ir para o testemunho não precisa ser perfeito, The Doctrines of Grace: Rediscovering the Essen-
inferno, e o destino eterno delas será que Deus usa até mesmo testemunhos tials of Evangelicalism (As Doutrinas da Graça:
Redescobrindo os Princípios Básicos do Evangeli-
em parte culpa nossa, e como poderá fracos e gaguejantes para derramar a calismo).
Deus é Insincero?
Alguém objeta: A doutrina da eleição faz Deus parecer insincero. Ele convida a todos os
homens para que participem das bênçãos do evangelho, e, no entanto, se esta doutrina
é verdadeira, as bênçãos do evangelho não são designadas para todos.
A concessão da graça especial, para mudar o coração do homem, a fim de que possa
crer em Cristo, não é de maneira nenhuma inconsistente com qualquer mandamento
ou promessa que Deus já tem feito. Enquanto os homens consideram a chamada do
evangelho como um convite que eles podem aceitar ou rejeitar a seu bel prazer, concor-
da com o seu estado presente inquirir se Deus é sincero ou não ao fazer aquele convite.
Porém, quando a chamada do evangelho é vista como um solene requerimento de
dever, do qual os homens terão de prestar contas, então nem se cogita em duvidar da
sinceridade de Deus.
Revista Os Puritanos 37
Eleição e Humildade
Antes de mais nada, penso que a eleição para um santo é uma das doutrinas mais desnudadoras
de todo este mundo, porquanto isenta-o de toda a confiança na carne, de toda a dependência a
qualquer coisa, excetuando Jesus Cristo. Quão frequentemente nos revestimos de nossa própria
retidão, adornando-nos com as pérolas e gemas falsas dos nossos próprios feitos e das nossas
obras. E, então, começamos a dizer: “Agora serei salvo, porque tenho esta ou aquela evidência
da minha salvação!” Entretanto, bem ao invés disso, aquilo que salva a um pecador é a fé pura,
despida de qualquer outro fator. Esta fé singular une o indivíduo crente ao Cordeiro, indepen-
dentemente de obras, embora a fé venha a produzir obras.
Novamente, afirmo que desconheço qualquer outra coisa que nos possa humilhar tão profun-
damente quanto a doutrina bíblica da eleição. Algumas vezes tenho-me deixado cair no chão e
tenho ficado prostrado, diante dessa verdade, quando procuro compreendê-la até às suas raízes.
Nessas ocasiões, tenho distendido as minhas asas, e, à semelhança de uma águia, tenho alçado
vôo na direção do sol. E assim o meu olhar se tem fixado no alvo, e as minhas asas não me têm
decepcionado, pelo menos durante algum tempo. Entretanto, quando já fui me avizinhando da-
quele alvo, e quando aquele pensamento tomou conta de minha mente — “Deus vos escolheu
desde o princípio para a salvação” — então senti-me ofuscado diante do seu resplendor, fiquei
pasmo diante da grandiosidade desse pensamento; e, desde aquelas alturas imensas, desci a
minha alma estonteada, prostrada e quebrantada, dizendo: “Senhor, eu nada represento. Eu sou
menos do que nada. Por que eu? Por que eu?”.
Amigos, se vocês desejam adquirir uma mais profunda humildade, então estudem a doutrina
bíblica da eleição, pois ela humilhará a vocês, sob as influências do Espírito Santo. Aquele que
se sente orgulhoso de sua eleição, é porque não é um dos eleitos do Senhor. Mas aquele que
se sente apequenado, debaixo do senso de haver sido escolhido, pode acreditar que é um dos
eleitos. Tal indivíduo tem toda a razão para acreditar que é um dos escolhidos de Deus, porquan-
to esse é um dos mais benditos efeitos da eleição, ou seja, ela ajuda-nos a nos humilharmos na
presença de Deus.
38 Revista Os Puritanos
Apreciando o Caráter
do Puritanismo
“Assim como as sequoias são atraentes aos olhos, porque sobrepujam o
topo das outras árvores, assim também a santidade e a firmeza dos grandes
puritanos resplandecem como um farol,”
E
xaminando grande parte dos livros e afirmações nistro em Wetherfield, Essex) o que o tornava tão preci-
a respeito dos puritanos — até pelos evangélicos so, ele respondeu: “Senhor, eu sirvo a um Deus preciso”.
— percebemos que seus autores tendem a ser cri- Veja o que está errado em muitas igrejas hoje: os
ticados pela imprensa. De fato, o título “puritano” foi crentes aceitam um ponto de vista sobre Deus que tem
criado originalmente como um pejorativo, e muitos sido distorcido em nome do cristianismo popular. Nos
ainda o vêem assim em nossos dias. Em um sentido, anos 1950, J. B. Phillips expressou isso em um livrete
não é difícil identificar erros, falhas e incoerências na- intitulado Your God is Too Small (Seu Deus é Pequeno
queles que levavam este nome, nos séculos XVI e XVII, Demais). A restauração de saúde e vigor às igrejas está
bem como naqueles que são os descendentes espiri- vinculada à necessidade de resgatarmos uma opinião
tuais deles. No entanto, focalizar-se nisso equivaleria elevada a respeito de Deus.
a ignorar as realizações incríveis destes homens em
muitos aspectos da vida. 2. A ESTIMA DAS ESCRITURAS
J. I. Packer entendeu o significado e a relevância dos Essa consideração das Escrituras é expressa com conci-
puritanos, ao compará-los com as sequoias do Norte da são na Pergunta 2, do Breve Catecismo de Westminster:
Califórnia: Que norma Deus nos tem dado a respeito de como po-
“Assim como as sequoias são atraentes aos olhos, porque demos glorificá-Lo e desfrutar dEle? Resposta: a Pala-
sobrepujam o topo das outras árvores, assim também a vra de Deus, contida nas Escrituras do Antigo e Novo
santidade e a firmeza dos grandes puritanos resplandecem testamento, é uma norma verdadeira para nos guiar em
como um farol, sobrepujando a estatura da maioria dos como podemos glorificá-Lo e desfrutar dEle.
crentes, em muitas épocas e, especialmente, nesta época de Ao fazer esta afirmação e colocá-la em seu catecismo,
coletivismo urbano angustiante, quando os crentes do Oci- estes homens estavam apenas reiterando o princípio
dente sentem-se e, às vezes, assemelham-se a formigas em Sola Scriptura, que estava no âmago da Reforma Protes-
um formigueiro e marionetes em atividade... Nesta situação, tante, e protegendo a essência tanto do evangelho como
o ensino e o exemplo dos puritanos têm muito a dizer-nos”. da igreja. O problema de nossos dias não é somente que
Isso nos deixa admirados. Qual era, então, o caráter do as Escrituras são rivalizadas com muitas outras formas
puritanismo, que lhe deu tão amplo alcance e importância de revelação, mas também que, muito frequentemente,
duradoura? Podemos selecionar cinco das principais carac- elas estão subordinadas à razão. Se o espírito do não-
terísticas dignas de consideração: -conformismo tem de sobreviver, ele não deve prostrar-
-se nem à nova revelação, nem à erudição, mas somente
1. A OPINIÃO DELES A RESPEITO DE DEUS à Palavra de Deus.
Tudo em que os puritanos criam originava-se de sua
opinião a respeito de Deus. (Isso também é verdade no 3. O ENTENDIMENTO DA SALVAÇÃO
que concerne aos seus precursores na Reforma, tanto É comum na teologia contemporânea — pelo menos
na Europa como na Inglaterra.) Isto é ilustrado pelo na teologia popular — imaginar a salvação como “o
fato de que o primeiro apelido depreciativo vinculado ponto de conversão”. Mas isso significa perder de vista
Revista Os Puritanos 39
Apreciando o Caráter do Puritanismo
os horizontes mais amplos da salvação. com a reforma da igreja. Eles tinham um como um todo, um papel que ia além
Thomas Manton nos dá um vislumbre conceito elevado da igreja. Isto come- da necessidade de evangelismo.
do entendimento bem estruturado da çou a se tornar evidente no criticismo A reação contra as aberrações do
doutrina da salvação, um entendimento deles em relação aos decretos religio- que se tornou conhecido como o Evan-
que era característico de seus colegas sos de Elizabeth. Muitos dos puritanos gelho Social, na primeira metade do
puritanos e moldava a opinião deles so- jovens eram graduados de Cambridge e século XX, levou, em muitos casos, à
bre o evangelho: entraram no ministério da Igreja Angli- negligência de uma responsabilidade
“O resumo do evangelho é isto: todos cana a fim de pressionar por uma refor- social mais ampla, em muitas igrejas
aqueles que, por meio de arrependimen- ma permanente que afetaria cada igreja não-conformistas. Contudo, parte sig-
to e fé, abandonarem a carne, o mundo local. O individualismo pós-iluminista nificativa da herança puritana ainda se
e o diabo, entregando-se ao Pai, ao Filho que se tornou a característica peculiar mantém preocupada em que a verdade
e ao Espírito Santo, como seu Criador, da igreja do século XXI nos roubou este de Deus seja aplicada aos interesses po-
Redentor e Santificador, encontrarão a conceito dos puritanos, os quais viam a líticos e sociais, capacitando os crentes
Deus como o Pai que os recebe como igreja como o corpo glorioso e a noiva a agirem como sal e luz em um mundo
filhos reconciliados, que perdoa os seus radiante de Cristo — a doutrina da igre- de trevas e deterioração.
pecados, por amor a Jesus, e lhes dá ja é a Cinderela da teologia. O problema de grande parte do res-
graça, por meio de seu Espírito. E, se surgimento do interesse pelos purita-
perseverarem neste caminho, Ele os 5. A PREOCUPAÇÃO PELO MUNDO nos, ressurgimento esse que varreu a
glorificará no final e lhes outorgará a COMO UM TODO Inglaterra na metade do século passa-
felicidade eterna”. O quinto distintivo digno de ser ressal- do, é que ele aceitou apenas a soterio-
Este entendimento amplo da salvação tado a respeito dos puritanos é o ponto logia puritano-reformada — uma sote-
explica o uso que os puritanos faziam de vista deles sobre a vida e a comu- riologia que não assimila a grandeza e a
do termo “regeneração” e sua riquíssima nidade como uma unidade integrada. integridade do ponto de vista de nossos
compreensão do evangelismo. Também Os puritanos criam que Deus havia antepassados espirituais, que conside-
explica a disparidade entre as expecta- sancionado a vida solidária na socie- ram o mundo como parte da vida. (Ad-
tivas referentes à conversão em nossos dade. Isso se refletiu nos ousados (mas miravelmente, isto se contrasta com o
dias e a maneira como elas se cumprem, imperfeitos) esforços deles na esfera ressurgimento correspondente que
uma disparidade que resulta de nosso política, alcançando seu zênite na Revo- aconteceu nas igrejas dos Estados Uni-
entendimento restrito da salvação. lução Gloriosa e no estabelecimento do dos.) Se tem de haver um futuro para
Commonwealth. Embora os puritanos o não-conformismo, na misericórdia de
4. A APRECIAÇÃO DA IGREJA diferissem quanto à natureza do rela- Deus, precisamos apreciar novamente
Se existe um elemento que pode ser cionamento entre a Igreja e o Estado, o caráter deste movimento, desde os
identificado como o principal cataliza- eles sustentavam a convicção de que a seus primeiros dias.
dor para o surgimento dos puritanos, igreja tinha um papel, dado por Deus, Apreciando o Caráter do Puritanismo - Pr. Mark Jo-
hnston. Pastor da Proclamation Presbyterian Chur-
esse elemento era a preocupação deles em referência à vida da comunidade ch (PCA), Bryn Mawr, Pennsylvania, USA
Ref. Rm. 9:20 e 11:23; Dt. 29:29; II Pe 1:10; Ef. 1:6; Lc. 10:20; Rm. 5:33, e 11:5-6, 10.
40 Revista Os Puritanos
Deus O Autor do Pecado?
“A avidez de conhecimento é uma espécie de loucura” (Calvino)
Por Fred H. Klooster de antemão a queda do primeiro homem, e nela viu também
a ruína de sua posteridade, mas também as determinou por
A
firme insistência de Calvino sobre a soberania Seu arbítrio. Pois, como pertence à sabedoria de Deus ser
da vontade de Deus, na reprovação, levou seus presciente de todas as coisas que hão de ocorrer, assim
objetores a sugerir que Deus, nesse caso, é o cabe ao Seu poder reger e regular tudo por Sua mão.2
autor do pecado. Os opositores de Calvino chegaram a
dizer que a doutrina de Calvino, a respeito da reprova- Não só a queda de Adão, mas também a de toda a
ção, livra o pecador da responsabilidade e torna Deus sua posteridade, estão incluídas na vontade de Deus:
autor do pecado. Calvino considerou também esta ob- “Naturalmente, eu admito que nesta condição miserável em
jeção. Ele admitiu prontamente que Deus quis a queda que agora os homens estão envencilhados, todos os filhos
de Adão,1 mas negou que Deus seja o autor do pecado, de A,dão caíram pela vontade de Deus. E foi is to que eu dis-
ou que o decreto de Deus livra o pecador de sua res- se no princípio: E preciso recorrer unicamente ao arbítrio
ponsabilidade. Com relação ao fato de desejar a queda da vontade divina, cuja causa está escondida
de Adão, Calvino disse: em Deus.”3
“Proclama a Escritura que todos os mortais foram sujeitos Calvino reconhecia, então, que Deus quis a queda
à morte eterna na pessoa de um só homem (Rm 5.12-18). de Adão, mas não entendia nem compreendia isto ple-
Como isto não podia ser imputado à natureza, não pode- namente:
mos considerar ser obscuro ter procedido do admirável “O primeiro homem caiu, pois, porque assim o Senhor julgou
conselho de Deus. E extremamente absurdo que os bons conveniente. No entanto, a razão porque Ele julgou assim,
patronos da justiça de Deus se mostrem perplexos diante nos é oculta”.4
de uma varinha e, contudo, saltem por cima de altas vigas.
De novo, pergunto: De onde vem que a queda de E Calvino acrescentou: “Entretanto, é certo não haver
A dão lançasse à morte eterna, sem remédio, a tantas gen- Ele julgado de outro modo senão porque via, por esse
tes com seus filhos infantes, senão porque assim pareceu meio, devidamente iluminada a glória do Seu nome”.5
bem a Deus? Importa que aqui emudeçam suas línguas que, Calvino não foi além disto. A causa evidente da conde-
de outro modo, são tão loquazes. O decreto, certamente, nação, assegurou ele, “é a corrupta natureza da huma-
é horrível, confesso-o. Entretanto, ninguém poderá negar nidade”, porém, “a causa oculta e absolutamente incom-
que Deus haja preconhecido o fim que o homem haveria preensível” está na predestinação de Deus. Aí Calvino
de ter, mesmo antes de o criar e, por isso, haja conhecido conclui: “E não nos envergonhemos de submeter nosso
de antemão, porque assim ordenou por Seu decreto. Se entendimento à imensa sabedoria de Deus, nem tema-
alguém investir aqui contra a presciência de Deus, trope- mos que ela seja impotente diante dos muitos arcanos
çará temerária e irrefletidamente. Ora, pergunto: Por que da sabedoria divina, pois é douta a ignorância dessas
considerar culposo o Juiz Celeste pela fato de não haver ig- coisas que não nos é dado nem lícito saber, já que a
norado aquilo que deveria acontecer? Por isso, se há razão avidez de conhecimento é uma espécie de loucura”.6
para queixa - justa ou especiosa - compete à predestinação. Em conexão com a queda de Adão e com o decreto
E não deve parecer absurdo o que digo: Que Deus não só viu divino, alguns dos opositores de Calvino fizeram dis-
Revista Os Puritanos 41
Fred H. Klooster
tinção entre a vontade de Deus e Sua cado. Calvino considerou esta atitude introduziu certas distinções. Por exem-
permissão. “Deste modo, eles (meus como “ofensa atroz”. 12
Ele exigiu que plo, Calvino sugeriu que se aceitarmos
opositores) sustentam que os ímpios seus opositores fossem mais cuidado- a ideia de que Deus é a autor do peca-
perecem porque Deus permite, e não sos com as palavras que em- prega- do, porque decretou a queda de Adão,
porque Deus quer”.7 Calvino rejeitou vam e com as acusações que faziam; podemos dizer também, forçosamente,
esta distinção. (A referência aqui à per- tais acusações injustificadas poderiam que Deus é o autor daquele ato iníquo
missão não deve ser confundi- da com levar os cristãos mais simples e mais pelo qual os judeus crucificaram a Je-
a expressão decreto permissivo, empre- inexperientes a “chocar-se contra a me- sus Cristo. Os judeus fizeram “aquilo
gada por alguns teólogos reformados. O donha e abominável rocha que faz de que Tua mão e Teu conselho determina-
decreto permissivo relaciona-se com o Deus o autor do pecado” (59). Calvino ram, de antemão, que deveria ser feito”.
decreto de Deus e Sua vontade. Calvino admitiu que nenhuma destas palavras E lembrai-vos, disse Calvino, que “estas
se referia à distinção entre vontade e pode desenredar o mistério do decreto não são as palavras de Calvino, mas do
permissão). Ele reconhecia que, quando da reprovação. Porém, convencido de Espírito Santo, de Pedro e toda a Igreja
os homens pecam, “toda transgressão que a Escritura ensina que a vontade de Primitiva”.16
é deles mesmos... Porém, transformar Deus é a causa última de todas as coisas, Uma distinção que Calvino con-
todas aquelas passagens da Escritura desejou deixar o mistério aí. siderava de grande auxílio, aqui, é a
(onde a disposição da mente, no ato, é Pode-se sentir com que desgosto que existe entre a vontade de Deus e
distintamente descrita) em mera per- Calvino ouvia as críticas que exigiam a vontade de Satanás: “Há uma pode-
missão da parte de Deus, é um frívolo explicações. “Como se fosse minha a rosa diferença, porque ainda que Deus
subterfúgio e uma vã tentativa de es- obrigação de explicar a razão dos se- e Diabo queiram a mesma coisa, eles
capar da poderosa verdade”.8 Alguns cretos conselhos de Deus”, escreveu a querem de maneira inteiramente
dos Pais da Igreja, mesmo Agostinho, a ele retoricamente, “como se fosse mi- diferente... o homem quer para o mal
princípio, estavam muito ansiosos em nha a obrigação de fazer os mortais aquilo que Deus quer para o bem”.17
evitar ofensas; pelo emprego do termo entenderem o ponto crucial da sabe- Calvino insistiu em que “Deus está, e
permissão, “relaxaram um tanto aque- doria divina, cuja altura e profundi- deve estar sempre, inteiramente longe
la precisão de atenção devida à grande dade eles são ordenados a olhar e a do pecado”.18 De acordo com Calvino, o
verdade, em si”. Calvino contendeu em
9
adorar”. 13
Em outro lugar, ele sugeriu piedoso” confessará, na verdade, que a
relação àquelas passagens que falam que os perturbados por estes proble- queda de Adão não ocorreu sem o go-
de Deus cegando e endurecendo aos ré- mas deveriam observar a advertência verno e direção da secreta providência
probos, bem como com relação àquelas de Agostinho: “Vós, homens, esperais de Deus (arcana Dei providentia), mas
que se referem a José, a Jó, a Davi e a de mim um resposta; eu também sou também nunca duvidará de que o fim
Paulo, e mostrou que (nesses casos) o homem. Portanto, vamos nós (vós e e o objetivo do Seu secreto conselho
termo permissão é inadequado. O pe- eu) ouvir alguém que disse: Ó homem, são retos e justos. Porém, como a ra-
cador é sempre responsável por seus quem és tu? (Rm 9.20). A ignorância zão (desse conselho) está escondida na
pecados, porém, de algum modo, esses que crê é melhor do que o conheci- mente de Deus, os piedosos, sóbria e re-
pecados estão incluídos na incompre- mento temerário... Paulo descansou verentemente, esperam a sua revelação
ensível vontade de Deus, que não sim- porque reconheceu maravilha. Ele que será feita no dia em que veremos a
plesmente permite, “mas governa e chamou insondáveis os juízos de Deus Deus “face a face”, a quem vemos agora
sujeita todas as ações do mundo com e tu, ó homem, te aventuras a perquiri- por espelho, e obscuramente”.19
perfeita e divina retidão”.10 Em outras -los? Paulo fala dos caminhos de Deus Outra distinção que Calvino consi-
palavras, o “homem cai como ordena como inescrutáveis (Rm 11.33), e derou útil levar em conta, nesta ques-
a providência de Deus, mas cai por sua tu tens a pretensão de esquadrinhá- tão, é a que existe entre causa última e
própria iniquidade”.11 -los?”.14 Seguindo ele mesmo a adver- causa remota. No juízo de Calvino, esta
A insistência de Calvino sobre a von- tência de Agostinho, Calvino simples- distinção muito simples é de grande
tade de Deus como causa do decreto mente conclui: “Nada progrediremos, importância. Ele não se surpreendeu
da reprovação, e sua objeção ao termo querendo ir mais longe... “. 15
de que seu opositor Pighius “confun-
permissão, com relação ao pecado hu- Nos lugares onde Calvino discutiu disse tudo indiscriminadamente no
mano, levaram seus opositores a fazer estas questões com mais detalhes, ele discernimento de Deus, quando deixa
carga contra Deus, como autor do pe- apenas ampliou a mesma resposta e de distinguir entre causa próxima e
42 Revista Os Puritanos
Deus, o autor do Pecado
causa remota”.20 Calvino considerou claro e compreensível — a culpa pessoal mistérios do seu juízo, que a curiosida-
“ímpia e caluniosa” a acusação que Pi- do homem —, e não tentar escrutinizar de de saber qualquer coisa além, não
ghius fez contra ele, quando disse que indevidamente aquilo que, segundo o me atrai; e nenhuma suspeita funesta,
o Reformador transformou a “ queda do ensino da Escritura, isto é, a vontade de em relação à sua justiça, consegue afas-
homem em obra de Deus”, uma vez que Deus como causa última, não podemos tar a minha confiança e nenhum desejo
Calvino “retirou de Deus toda acusação compreender. A clara explicação da de lamuriar me seduz”.25
próxima do agir... ao mesmo tempo em condenação do descrente é sua própria
que remove dEle toda culpa e deixa o culpa. Calvino repetia isso com ênfase:
Extraído do excelente livro A Doutrina da
homem responsável sozinho”.21 Con- “Por sua própria má intenção o homem, Predestinação em Calvino, Editora SOCEP, pp. 64-69.
tudo, esta útil distinção não resolve o pois, corrompeu a pura natureza que NOTAS: 1 Ver cap. 2, nota 15, sobre a questão in-
fralapsariana e supralapsariana. Calvino não citou
mistério, para Calvino: “... porém, a ma- recebeu do Senhor e, por sua queda, ar- passagens específicas para o seu ponto de vista;
veja-se, porém, 3.23.7.
neira como foi ordenado pela presciên- rastou com ele toda a sua posteridade 2 Ibid., 3.23.7 (OS, 4.401 e seg); 3 Ibid., 3.23.4 (OS,
cia e decreto de Deus, que no futuro do à destruição. Consequentemente, deve- 4.397).; 4 Ibid., 3.23.8 (OS, 4.402).; 5 Ibid.;;6 Ibid.;;7
Ibid.; 8 BriejReplay in Theological Treatiscs, p.201
homem Deus não estivesse implicado mos considerar, como causa evidente (oe, 9.263). (55) Ibid. 9 Ibid.; 10 Ibid., p.203 roc. 9.264).
11 Inslilules 3.23.8 (oC, 4.402 e seg.). “Cadit igtitur
como associado no seu pecado, como da condenação, a corrupta natureza da homo, Dei providentia sic ordinante: sed suo vitio
autor ou aprovador da transgressão, é humanidade — causa que está próxima cadit”.; 12 BriefReplay in Theological Treatises, p.191
(Oe, 9.258). (59) Brief Replay ín Theological Treati-
claramente um segredo que excede, em de nós —, ao invés de procurarmos a ses, p.191 (oe, 9.258).;13 Ibid., p. 194 roc, 9,260).; 14
Institutes 3.23.5 (OS, 4.399).; 15 Ibid.; 16 BriefReplay
muito, a capacidade de compreender causa oculta e totalmente incompreen- in Theologica! Treatises, p.191 (oC, 9.258).; 17 Ibid.,
da mente humana, e eu não tenho ver- sível, na predestinação de Deus”.23 Nisto p.196 (OC, 9.261). Calvino estava citando Agostinho
na última parte.; 18 Ibid., p. 195 (OC, 9.261).
gonha de confessar ignorância” (69).22 “a ignorância é douta” e o “desejo de sa- 19 Ibid., p. 197 (OC, 9.261).; 20 Eternal Predestination
of God, p.l00 (OC, 8.296). Cf. Comentário de Calvino
Para Calvino, pois, a soberana vonta- ber é uma espécie de loucura”.24 Calvino sobre Rm 9.11 (OC, 49.177-79) e na Carta aos Mi-
de de Deus é a causa última da queda e seguiu seu próprio conselho, como o nistros da Suíça (1551), in Letters, 2.310. Note que
T.F. Torrance, entre outros, não fez esta distinção
reprovação de Adão, enquanto o pecado indica a seguinte rara confissão pesso- entre causa próxima e causa última e, por isso, não
reproduziu precisamente o pensamento de Calvino
humano é a causa próxima. Nesta últi- al: “Nada prescrevo aos outros que não neste ponto. Ca/vin’s Doctrine of Man, p. 106. Ver
ma — o pecado humano —, está toda re- proceda da experiência do meu cora- também nota 96 retro.
21 Eternal Predestination of God, pp. 123-28 (OC,
provação e culpa. Ao procurar entender ção. Pois o Senhor é minha testemunha 8.316).; 22 Ibid., 124.
23 Institutes 3.23.8 (OS, 4.403).
estas questões difíceis, Calvino insistiu e minha consciência o atesta, que eu, 24 Ibid.
em que devemos enfatizar aquilo que é diariamente, medito tanto sobre estes 25 Eternal Predestination of God, p. 124 (OS, 8.316).
Cânones de Dort
Artigo 6 → DECRETO ETERNO DE DEUS
Deus dá nesta vida a fé a alguns enquanto não dá a fé a outros. Isto procede do eterno
decreto de Deus. Porque as Escrituras dizem que Ele “...faz estas cousas conhecidas des-
de séculos.” e que Ele “faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade...” (Atos
15:18; Ef 1:11). De acordo com este decreto, Ele graciosamente quebranta os corações
dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto,
segundo seu justo juízo, Ele deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E
aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa
distinção entre os homens que estão na mesma condição de perdição. Este é o decreto
da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos,
impuros e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível con-
forto para as pessoas santas e tementes a Deus.
Revista Os Puritanos 43
Culto Pactual
A melhor, a mais bíblica classificação para a adoração seria “o culto pactual”. A
razão disso é que a estrutura-cerne da Escritura é o Pacto. A palavra pacto tem
significado multifacetado, mas em termos simples, é um relacionamento formal
entre duas partes envolvendo promessas e consequências. Quando começamos
a entender esse conceito, começamos a ver que a Bíblia toda é um documento
pactual.
A teologia do Pacto, não somente define o agir de Deus com o Seu povo através
da história e une toda a Bíblia como o desdobramento de um único plano re-
dentivo de Deus, mas também dita nossa piedade, que é nossa resposta a Deus.
Porque o pacto é entre duas partes, sua estrutura também influi no nosso culto.
Culto pactual, então, é um dialogo entre Deus e o Seu povo. Isto significa que
Deus fala conosco e nós lhe respondemos. Deus nos diz: “Eu serei o seu Deus” e
nós respondemos: “Nós seremos o seu povo”. Deus nos chama à adoração e nós
respondemos em cântico. Deus nos fala a Sua Lei, nós lhe respondemos com a
confissão dos nossos pecados, Ele nos absolve dos nossos pecados, nós respon-
demos em oração. Ele nos fala pela Palavra e nos sacramentos e nós respondemos
com dádivas de gratidão e doxologia. Isto é o coração do que significa dizer que
o nosso culto é um culto pactual.
Rev. Pr. Daniel Hyde é pastor da Oceanside United Reformed, Carlsbad, CA, USA
44 Revista Os Puritanos
João Calvino e a Doutrina da
Soberana e Justa Reprovação
“A avidez de conhecimento é uma espécie de loucura” (Calvino)
Fred H. Klooster tolo apenas se limita a advertir que não é lícito ao barro
querelar com o oleiro” (Rm 9.20).
P
rovavelmente, ninguém mais do que Calvino Ao sumariar a doutrina da reprovação, de Calvino
sabia que a doutrina da dupla predestinação podemos empregar as mesmas divisões usadas ao su-
é impopular “Agora, quando o homem na sua mariarmos a sua doutrina da eleição - com uma exceção.
compreensão humana, ouve estas coisas”, escreveu ele, Nossa discussão da doutrina de Calvino a respeito da
“sua insolência é tão irreprimível que ele prorrompe a “soberana e justa reprovação” tratará do decreto divino
esmo e em imoderado tumulto, como despertado por da reprovação - a causa, porém, não o fundamento da
som de trombeta na batalha”. Calvino estava pensando reprovação - seu propósito e seus meios. A reprovação
nos que aceitavam a eleição e negam a reprovação.“Na é tão soberana quanto a eleição; contudo, Calvino deu
verdade, muitos, como se quisessem evitar o opróbrio ênfase à soberania da justiça de Deus na reprovação,
de Deus, aceitavam a eleição em tais termos, que aca- em contraste com a soberania da livre graça, na eleição.
bavam negando a condenação de qualquer um,” obser-
vou; “na verdade, não existiria eleição se não houvesse O DECRETO DIVINO DA REPROVAÇÃO
reprovação”. Calvino entendeu o eterno conselho de Deus como
Calvino não queria significar que a reprovação fosse expressão de Sua soberana vontade e propósito para
uma dedução lógica da eleição; ele fez a asserção acima toda a história do mundo. A história é o desdobramen-
plenamente convicto de que a Escritura a exige. “Se não to deste imutável conselho de Deus. A presciência de
nos envergonhamos do Evangelho, devemos confessar Deus, bem como a Sua providência, estão enraizadas
que a eleição está aí plenamente declarada. Deus, por no Seu eterno conselho. O decreto da eleição é parte do
sua eterna boa vontade, que não tem causa fora de si eterno conselho de Deus. Agora seguiremos a Calvino
mesma, destinou à salvação àqueles de quem se agrada, na discussão da reprovação. A reprovação bem como a
rejeitando o resto. Aqueles a quem achou dignos da eleição dizem respeito ao decreto eterno ou ao conselho
eleição gratuita. Ele iluminou por Seu Espírito, de modo soberano de Deus. Aqui é onde começa a discussão do
que recebessem a vida oferecida por Cristo, ao passo assunto por Calvino.
que os outros descrêem voluntariamente, de modo que a) A reprovação envolve a obra decretiva de Deus.
permanecem nas trevas, destituídos da luz da Fé”. A revisão das definições de Calvino a respeito da
Calvino, falou abertamente do “plano incompre- predestinação demonstra que Calvino ligava a re-
ensível” de Deus e admitiu que a reprovação levanta provação ao eterno decreto de Deus: “Chamamos
questões que não podem ser respondidas. Considerou- predestinação ao eterno decreto pelo qual Deus deter-
-se compelidos a defender a doutrina da reprovação, minou, em si mesmo aquilo que deve ocorrer a cada
contudo, porque a Escritura o exige. Com referência a homem, pois os homens não são criados todos em igual
Romanos 9, ele disse “que está na mão e na vontade de condição; ao contrário, uns são preordenados à vida
Deus tanto o endurecer quanto o usar de misericórdia... eterna, e outros são preordenados à eterna danação.”
Nem tão pouco o próprio apóstolo Paulo se empenha “Estamos dizendo que a Escritura mostra claramente
em desculpar a Deus - como o fazem muitos aos quais que Deus, por seu eterno e imutável desígnio, deter-
me tenho referido - com falsidades e mentiras; o Após- minou, de uma vez por todas, aqueles a quem queria
Revista Os Puritanos 45
Frede H. Klooster
receber para sempre à salvação e, por esta referência especifica quando men- e maledicências, reconhece soberania
outro lado, aqueles a quem queria en- cionou os que rejeitam esta doutrina suprema à ira e ao poder de Deus, uma
tregar à perdição”. Logo Esaú, que não difícil: Tais pessoas não se opunham vez que é iníquo sujeitar, à nossa opi-
diferia em mérito de Jacó, foi repudia- apenas a ele, mas também a Paulo e ao nião, os profundos juízos de Deus, que
do, enquanto Jacó foi distinguido pela Espírito Santo”. absorvem todos os recursos da nossa
predestinação de Deus.” Calvino sustentou também que esta mente”.
Estes sumários do ponto de vista de doutrina da reprovação foi claramente Calvino estava se referindo as pa-
Calvino são claros. A reprovação rela- ensinada pelo próprio Cristo. Calvino lavras de Paulo: “Que diremos, pois,
ciona-se com o decreto divino. Contu- pergunta: “Toda árvore que meu Pai seDeus, querendo mostrara sua ira, e
do, devemos observar que Calvino não não plantou será arrancada” (Mt 15.13) dar a conhecer o seu poder suportou
fez referência especifica às distintas - paráfrase?” E Calvino acrescenta: “Isto com muita longanimidade os vasos da
pessoas da Trindade em conexão com significa plenamente que todos aque- ira, preparados para a perdição a afim
a reprovação, como fez em relação à les a quem o Pai não condescendeu em de que também desse a conhecer as ri-
eleição. A obra de Deus, naturalmente, plantar como árvores sagradas no seu quezas de sua glória em vasos de mise-
é operação do Deus Triúno, como foi an- campo, estão marcados e votados à des- ricórdia, que para a glória preparou de
tes observado. Calvino não repetiu isto truição. E se (meus adversários) dizem antemão?”. Ao argumento de que a frase
especificamente ao discutir a reprova- que isto não é sinal de reprovação, nada nas frases - “preparados para a perdi-
ção. Conquanto Calvino tenha dito que mais pode ser provado a eles, por mais ção” e “preparou de antemão” - parece
o Filho e o Pai são o autor do decreto claro que seja” excluir a reprovação do decreto, Calvino
da eleição, não fez a mesma referência Contudo, Calvino sabia que um ape- respondeu: “Mas, ainda que eu concor-
com relação à reprovação. lo a uma passagem clara da Escritura de que Paulo, com o seu modo diferente
Que o Espírito Santo é o atual mestre não fechava a boca de seus opositores. de falar, abranda a aspereza da primeira
desta doutrina da reprovação deduz-se Por isso apelou outra vez para a Carta frase, está muito longe de concordar em
do ponto de vista de Calvino a respei- aos Romanos: “Observem os leitores transferir, a outro fator, a preparação
to da inspiração da Escritura. Ele fez que Paulo, para por fim aos murmúrios para a perdição, senão atribui-lo ao se-
5 Atos 15:18; 6 Romanos 9:11,13,16,18; 7 I Timóteo 5:21; Mateus 25:34; 8 Efésios 1:5-6; 9 Romanos 9:22-23; Judas 4; 10 II Timóteo 2:19; João 13:18; 11
Efésios 1:4,9,11; Romanos 8:30; II Timóteo 1:9; I Tessalonicenses 5:9; 12 Romanos 9:13,16; Efésios 2:5,12.
46 Revista Os Puritanos
João Calvino e a Doutrina da Soberana e Justa Reprovação
creto conselho de Deus, visto que ainda ficamente com indivíduos; eleição e re- provados. Isto só Deus sabe. Por isso, no
há pouco, no contexto, ele afirmou que provação são especificas e particulares. curso da história não podemos tratar
Deus “instigou a Faraó” (Rm 9.17) e, em O decreto da reprovação não traduz a com qualquer indivíduo como se ele ou
seguida. acrescentou: “Logo, tem ele intenção geral de Deus, e não é limita- ela fosse claramente um reprovado. Te-
misericórdia de quem quer, e, também, do em sua referência a uma classe de mos obrigação de pregar o Evangelho
endurece a quem lhe apraz (Rm 9.18). pessoas, como contendiam os Arminia- a todos e podemos também desejar a
Conclui-se dai que a causa do endureci- nos posteriores. As definições gerais de salvação de todos aqueles a quem pre-
mento está no secreto conselho de Deus”. predestinação, citadas atrás, tornam gamos, e nunca temer, por agir assim,
Calvino endossa a interpretação de isso claro; assim também as referências que estejamos indo contra a vontade
Agostinho, que disse: “Quando Deus especificas a Esaú, diferentemente de de Deus, pela qual Ele, “soberanamente,
transforma lobos em ovelhas, usa de Jacó. Só à luz da reprovação individual decretou a reprovação de alguns”.
graça mais poderosa para domar a sua ou particular poderia surgir o proble- Mesmo quando a Igreja, obediente à
dureza; logo, Deus não converte aos obs- ma que Calvino considerou. O proble- ordem do seu Senhor, se vê na necessi-
tinados, porque não emprega essa graça ma origina-se da alegada inconsistên- dade de excomungar um de seus mem-
mais poderosa, que Ele poderia propi- cia do fato de dizer-se que Deus, “desde bros, nem mesmo nesse caso a pessoa
ciar se quisesse, pois não é destituído toda a eternidade, ordenou, segundo a excomungada deve ser mantida como
dela”. Ainda que Calvino não empregue sua vontade, àqueles que Ele quis que claramente reprovada, porque tal pes-
tais distinções como preterição e conde- recebessem o seu amor e àqueles sobre soa “está na mão e sob o juízo de Deus
nação - que teólogos reformados poste- os quais Ele quis manifestar o Seu juízo”, somente”. “Um dos objetivos da disci-
riores empregaram na discussão da re- e o fato de Deus “anunciar salvação a plina da excomunhão é levar o pecador
provação, nós encontramos estas ideias todos os homens indiscriminadamente”. ao arrependimento; para isto, a Igreja
distintas na sua discussão. Referir-nos- Os opositores desafiam a justiça de deve continuar a orar”. Aqui também
-emos a isto quando considerarmos o Deus precisamente porque o decreto está o ensino e o exemplo do apóstolo
pecado em relação ao decreto de Deus. de Deus se relaciona com os indivíduos. Paulo, que Calvino repete.
Ainda que o decreto de Deus, a respeito
A REPROVAÇÃO É PARTICULAR da reprovação se refira claramente aos
Transcrito do livro “A doutrina da Predestinação
Para Calvino, a reprovação, como o indivíduos, Calvino insistiu em dizer em Calvino” Fred H. Klooster, página 53-58, Editora
decreto da eleição relaciona-se especi- que nos não sabemos quem são os re- SOCEP, com permissão. Fonte: Revista Os Puritanos,
Ano VIII, No 1, Janeiro, Fevereiro, Março de 2000.
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