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Toxicologia UFRJ - 2

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Acidente Botrópico:

Os acidentes botrópicos são registrados em todo o país, devido à ampla


distribuição deste gênero. Pertencem ao grupo botrópico as serpentes
popularmente conhecidas como jararaca, caiçaca, urutu, jararacussu . Causam
cerca de 90% dos envenenamentos por serpentes peçonhentas no Brasil.

O veneno botrópico apresenta 3 atividades principais:

1. Ação Inflamatória aguda: também chamada atividade “proteolítica”, é


melhor definida como inflamatória aguda. Decorre da ação de várias
frações como metaloproteinases, fosfolipases e serinoproteases
responsáveis pelos fenômenos locais do envenenamento. Toxinas
encontradas nesses venenos podem atuar por ação direta sobre
diferentes substratos, causando lesão tecidual através da
ativação/liberação de mediadores celulares e moleculares do processo
inflamatório como leucócitos, derivados do ácido araquidônico
(leucotrienos, prostaglandinas, prostaciclinas), ativação do sistema
complemento e de
cininas, liberação de
citocinas inflamatórias,
como TNF-α, INF-γ, IL-1
e IL-6.
2. Ação Coagulante: é
devida a enzimas que
atuam em pontos
específicos da cascata de
coagulação, levando ao
consumo de vários
fatores de coagulação e
do fibrinogênio, com a
formação de fibrina
intravascular que, pela
ativação da
fibrinólise/fibrinogenólise
, é rapidamente degradada em produtos de degradação da
fibrina/fibrinogênio (PDF). Responsável pela incoagulabilidade sanguínea
observada nesses envenenamentos.
3. Ação Hemorrágica: é atribuída, particularmente, a ação de
metaloproteinases (hemorraginas) que, lesam o endotélio vascular, além
de também atuar na inflamação. Os sangramentos observados em
muitos pacientes também é atribuído a anormalidades na quantidade e
na função plaquetária, além da coagulopatia descrita acima.

Quadro Clínico:

O acidente botrópico pode evoluir com alterações locais e/ou sistêmicas:

Alterações locais: Sangramento pelos orifícios de inoculação do veneno é


geralmente relatado, em pequena quantidade. A dor e o edema aparecem
precocemente e progridem nas primeiras horas. Equimose local ou próxima à
área de drenagem linfática regional pode ser observada. Bolhas podem surgir,
de conteúdo variável (seroso, hemorrágico, necrótico, purulento).
Alterações sistêmicas: A alteração sistêmica mais freqüentemente observada
é a incoagulabilidade sangüínea com ou sem hemorragias. Equimose (local e
regional), gengivorragia, epistaxe e hematúria são as manifestações
hemorráigcas mais comumente observadas. Hematêmese, hemoptise,
hemoperitônio, sangramento intracraniano, hemorragia meníngea, hemorragia
hipofisária e complicações hemorrágicas obstétricas são raras. A hipotensão e o
choque são descritos raramente e, em geral, ocorrem nas primeiras horas após
o acidente.

Complicações locais

Alguns casos podem evoluir com complicações como:

• Infecções: abscesso, celulite, erisipela ocorrem com freqüência variável


(de 1 a 20% segundo a literatura). Os germes mais freqüentemente
encontrados nos abscessos pertencem ao grupo dos bacilos gram-
negativos, sendo particularmente freqüente o achado deMorganella
morganii, e anaeróbios.
• Necrose: sua incidência varia de 1 a 20% é mais freqüentemente
observada quando o acidente ocorre nos dedos
• Síndrome compartimental: a síndrome compartimental é uma
complicação rara que geralmente ocorre nas primeiras 24 horas após a
picada. O quadro é decorrente da compressão do feixe vásculo-nervoso,
causada pelo edema acentuado.
• Alguns fatores que favorecem a ocorrência das complicações
locais são: picada em dedos, utilização de torniquete ou garrote,
incisões no local da picada e retardo na administração do
antiveneno.

Complicações sistêmicas

A insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação observada raramente e


ocorre, em geral, nas primeiras 48 horas após o acidente. Pode estar associada
a hipovolemia (decorrente de sangramento ou seqüestro de líquidos na região
picada), hipotensão/choque e coagulopatia de consumo. A lesão mais
comumente observada tem sido a necrose tubular aguda e, raramente, a
necrose cortical.

A evolução para quadro séptico pode ocorrer nos pacientes que apresentaram
infecção secundária e não foram tratados adequadamente.

Acidente Crotálico:

As serpentes do gênero Crotalus são responsáveis por cerca de 8-9% dos


acidentes ofídicos no Brasil.

Ação do veneno
As principais atividades do veneno são:

1. Ação neurotóxica: a crotoxina, importante fração do veneno crotálico,


age na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular impedindo a
liberação da acetilcolina, ocasionando paralisia muscular.
2. Ação miotóxica: leva a necrose seletiva de fibras da musculatura
esquelética (rabdomiólise) e também é atribuída a crotoxina.
3. Ação Coagulante: o veneno crotálico apresenta atividade trombina-like,
que pode ocasionar incoagulabilidade sangüínea.

4. Quadro Clínico

O quadro local é discreto, podendo ser observado leve edema. Alguns pacientes
referem sensação de parestesia na região da picada.

Nestes acidentes, as manifestações sistêmicas se apresentam mais evidentes.


Ocorre turvação visual, ptose palpebral, anisocoria, oftalmoplegia, paralisia
velopalatina, com dificuldade à deglutição e diminuição do reflexo do vômito,
alteração da gustação e do olfato. Em casos mais graves o paciente pode
evoluir com insuficiência respiratória aguda.

Devido à atividade miotóxica, ocorre mialgia generalizada e escurecimento da


urina, pela mioglobinúria.

Complicações

Complicação Local

Infecção secundária na região da picada tem sido raramente descrita.

Complicação Sistêmica

Insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação que pode ocorrer. Instala-
se, na maioria das vezes, nas primeiras 48 horas, sendo a necrose tubular
aguda, a lesão usualmente observada. Está associada à rabdomiólise e
eventual efeito direto do veneno.

Escorpionismo:

Características epidemiológicas dos acidentes por escorpiões

Cerca de 34.000 acidentes escorpiônicos foram notificados no ano de 2005, no


Brasil, sendo mais freqüentes na região Sudeste (no Estado de Minas Gerais) e
Nordeste (especialmente nos estados da Bahia e Pernambuco).
Os acidentes são mais comuns na zona urbana e sua sazonalidade varia em
cada região do país. A letalidade nacional situa-se em torno de 0,3%,
observando-se um aumento na faixa etária infanto-juvenil.
No Brasil, tem importância médica o gênero Tityus1. As principais espécies
relacionadas aos acidentes são T. serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus, T.
paraensis e T. metuendus.
Ação do veneno

Toxinas presentes no veneno dos escorpiões atuam sobre canais de sódio


causando despolarização das terminações nervosas sensitivas, motoras e do
sistema nervoso autônomo (SNA). A ação sobre as terminações sensitivas
causa o quadro doloroso no local da picada. A ação sobre o SNA pode causar
liberação maciça de neurotransmissores (adrenalina e acetilcolina),
determinando o quadro clínico sistêmico, dependente da predominância dos
efeitos adrenérgicos e/ou colinérgicos nos diversos sistemas ou aparelhos do
organismo.

Quadro Clínico

Alterações Locais

A dor no local da picada é o sintoma mais freqüente nesses acidentes. Ocorre


logo após a inoculação do veneno e em geral é intensa. Pode haver irradiação
para a raiz do membro acometido. Outras manifestações locais incluem
parestesia, eritema, sudorese e piloereção.

Alterações Sistêmicas

É mais comum em crianças. Podem ser observados inicialmente, além do


quadro local descrito anteriormente, sinais de estimulação adrenérgica que
ocorrem precocemente, nas primeiras horas após o acidente, como vômitos,
hipertensão arterial, taquicardia, sudorese, tremores. Fasciculações, sialorréia,
priapismo, hipotensão arterial, arritmias cardíaca, insuficiência cardíaca e
edema agudo de pulmão também são.
Os acidentes podem ser classificados em leves, moderados e graves, baseado
na presença e intensidade das manifestações clínicas (Tabela 3)
Os acidentes graves são observados com maior freqüência em crianças e
associados a exemplares adultos de T. serrulatus.

Prognóstico

O prognóstico, nos casos graves, depende fundamentalmente da precocidade


no diagnóstico, soroterapia específica e tratamento de suporte adequado.

Exames complementares

Nos acidentes moderados e graves observa-se leucocitose com neutrofilia,


hiperglicemia, hiperamilasemia, hipopotassemia e hiponatremia. Em casos
graves a enzima creatinoquinase M e B (CKMB) e a troponina I (proteína
altamente específica para o tecido miocárdico) podem estar aumentadas.
Alterações eletrocardiográficas como taquicardia ou bradicardia sinusal, extra-
sístoles ventriculares, alterações similares às encontradas no infarto agudo do
miocárdio, bloqueio de condução atrioventricular ou intraventricular podem
ocorrer.
A radiografia de tórax pode evidenciar alterações compatíveis com o aumento
da área cardíaca e edema agudo de pulmão.
Em formas graves o ecocardiograma pode mostrar hipocinesia transitória do
septo interventricular e da parede posterior do ventrículo esquerdo.
Tratamento

Específico

A soroterapia está indicada em pacientes com manifestações sistêmicas, e as


doses devem ser administradas de acordo com a gravidade estimada do
acidente (Tabela 3).

Geral

Nos casos onde há dor intensa, utilizar infiltração local de anestésico, do tipo
lidocaína 2%, sem vasoconstritor, até o máximo de 4mL por aplicação, nos
adultos, que poderá ser repetida até um total de 3 vezes, a intervalos de uma
hora, dependendo da intensidade da dor. Em crianças deverá ser respeitada a
dose máxima por dose. Entretanto, ocasionalmente, pode ser necessário
associar analgésicos opióides.
Nos casos em que a dor tem menor intensidade apenas analgésicos orais (ou
sistêmicos) e compressas quentes no local podem controlar a dor.

Primeiros socorros

• Compressa morna no local da picada


• Procurar o serviço médico mais próximo;
• Se possível, levar o animal para identificação.

Prevenção

• Evitar acúmulo de lixo doméstico, material de construção nas


proximidades das casas;
• Não colocar as mãos em buracos, sob pedras e troncos podres. É comum
a presença de escorpiões sob dormentes da linha férrea;
• Usar telas em ralos do chão, pias ou tanques;
• Vedar frestas e buracos em paredes e assoalhos; colocar saquinhos de
areia nas portas e telas nas janelas;
• Afastar as camas e berços das paredes; evitar que roupas de cama e
mosquiteiros encostem no chão;
• Acondicionar lixo domiciliar em sacos plásticos ou outros recipientes que
possam ser mantidos fechados, para evitar baratas, moscas ou insetos
de que se alimentam os escorpiões;
• Preservar os inimigos naturais dos escorpiões: aves de hábitos noturnos
(coruja), galinhas, gansos.

Tabela - Classificação quanto à gravidade dos acidentes por escorpiões


e propostas de tratamento.

Tratamento Tratamento
Classificação Manifestações Clínicas
Inespecífico Específico
Observação
clínica
Leve Dor, eritema, sudorese, piloereção -
Anestésico local
e/ou analgésico
Quadro local e uma ou mais manifestações Internação 2-3 ampolas de
Moderado
como: náuseas, vômitos, sudorese e hospitalar SAAr ou SAEs
sialorréia discretas, agitação, taquipnéia e Anestésico local
taquicardia e/ou analgésico
Além das manifestações acima: vômitos
profusos e incoercíveis, sudorese e Internação em
4-6 ampolas de
sialorréia intensa, prostração, convulsão, Unidade de
SAAr ou SAEs
coma, bradicardia, insuficiência cardíaca, Terapia Intensiva
edema agudo de pulmão, choque

SAAr: Soro Anti-aracnídico. SAEs: Soro Anti-escropiônico. Fonte: Manual de Diagnóstico e


Tratamento de Acidentes

Anamnese:

O diagnóstico de uma intoxicação aguda, como em outras patologias, baseia-se


nas informações colhidas cuidadosamente sobre a história, no exame da
sintomatologia clínica e em exames laboratoriais de rotina e, eventualmente,
em análises toxicológicas. Esta etapa deve ser realizada após a avaliação clínica
do paciente e adotadas as medidas terapêuticas necessárias.

I - Anamnese

É a base do diagnóstico toxicológico. As informações colhidas diretamente com


o paciente e/ou seus acompanhantes, e com investigação das circunstâncias
envolvidas, orientam o diagnóstico na maioria dos casos (entre 80-90% das
ocasiões). Entretanto, a história nem sempre é obtida facilmente, em especial
quando se trata de crianças ou pacientes que tentam suicídio. Nessas
situações, as informações devem ser confirmadas, se possível, com as
manifestações clínicas e laboratoriais esperadas na intoxicação com o agente
tóxico implicado na história. Quando o paciente estiver incapacitado (no caso
de crianças ou pacientes com rebaixamento do nível de consciência) ou
relutante (suicidas e usuários de drogas ilícitas) para prestar esclarecimentos
relacionados à exposição, as informações deverão ser colhidas com familiares,
amigos, equipes de resgate (médicos e socorristas, bombeiros, policiais),
empregadores, entre outros.

No levantamento deve-se dar atenção especial para alguns detalhes. São os


chamados (em inglês) 5 Ws:

• WHO – QUEM?
Primeiramente, deve-se identificar o paciente, incluindo sexo, idade, peso,
patologias de base (cardíaca, pulmonar, hepática, renal, neurológica,
psiquiátrica ou hematológica), passado de atopia, história de casos anteriores
ou história familiar de tentativa de suicídio, onde esteve e com quem,
medicação habitual (de uso do paciente, parentes e amigos), uso de
medicamentos sem receituário, uso de suplementos herbáceos/dietéticos ou
remédios caseiros. Devem ser incluídos questionamentos a respeito das
atividades ocupacionais atuais e passadas (focalizando-se em substâncias
químicas como metais e gases) e hobby. No caso de pacientes do sexo
feminino, em idade fértil, recomenda-se realizar sempre o diagnóstico de
gravidez, pois uma gravidez indesejável é causa freqüente de tentativas de
suicídio em adolescentes.

• WHAT – O QUÊ?
Estabelecer qual foi o produto envolvido (medicamento; droga de abuso;
agrotóxico de uso agrícola, doméstico ou veterinário; raticida; produto
domissanitário, entre outros) bem como a sua apresentação (sólido, líquido,
gás ou vapor) e pH. Se for um produto formulado, é de suma importância
analisar a sua composição, pois nesses produtos além do ingrediente ativo
(substância principal) são adicionadas outras substâncias que, algumas vezes,
são mais tóxicas. Deve-se estimar a quantidade (dose tóxica ou não tóxica)
ingerida ou com a qual o paciente entrou em contato e que, geralmente, são
maiores nas exposições intencionais. Na maioria das vezes ocorre ingestão ou
exposição a um único produto, porém, deve-se estar atento para a
possibilidade de intoxicações múltiplas, nas quais existem possibilidades de
interação de efeitos, para então instituir adequadamente as medidas
terapêuticas.

• WHEN – QUANDO?
Avaliar o tempo decorrido desde a exposição (mais ou menos de uma hora) e,
no caso de exposições repetidas, durante quanto tempo o paciente esteve
exposto. Este parâmetro é importante para a indicação ou não de medidas de
descontaminação. Também é importante estabelecer o que aconteceu no
período decorrido (ocorrência de vômito espontâneo ou induzido e seu aspecto;
muitas vezes é feita desnecessariamente a lavagem gástrica e, somente depois
ou durante a sua realização consulta-se um Centro de Informação e Assistência
Toxicológica).

• WHERE – ONDE?
A investigação do ambiente (domicílio, local de trabalho, casa de amigos, festas
raves, terreno baldio, escola, ou outro local) onde o paciente foi encontrado
pode conter dados que contribuirão para o esclarecimento da intoxicação.
Deve-se procurar restos de alimentos ou do agente tóxico, cartelas ou frascos
de medicamentos vazios, garrafas de bebidas alcoólicas, embalagens de
agrotóxicos ou frascos /caixas de raticidas, seringas ou outros artifícios para
uso de drogas, notas de despedidas e presença de odores.

• WHY – POR QUÊ OU COMO?


A determinação da circunstância na qual aconteceu a exposição, assim como a
via de contato, pode fornecer dados importantes para predizer a intensidade e
a gravidade da intoxicação. A exposição pode se dar de forma:

a) Acidentais – (investigar se o acidente foi individual). Podem ser:

- profissionais: podem resultar de exposição aguda, sobreaguda ou crônica;


- medicamentosas: por erro de administração (produto, frasco ou dose
errados), por interação ou intolerância;
- alimentares - pela presença natural de substâncias tóxicas, migração de
substâncias tóxicas das embalagens, por contaminação biológica (intoxicação
alimentar: botulismo, aflatoxinas e toxiinfecção alimentar: estafilococos,
salmonela, E. coli, etc), contaminação química (agrotóxicos, hormônios) e
aditivos e conservantes (autorizados e fraudulentos);
- domésticas ou infantis: por descuido dos pais e cuidadores (colocação de
substâncias perigosas ao alcance das crianças e troca de recipientes). Deve-se
avaliar a possibilidade de abuso ou maus tratos;

b) Intencionais - em geral são as mais graves e incluem as tentativas de


suicídio, tentativas de homicídio, aborto, abuso sexual, assaltos, abuso infantil
e farmacodependência;
c) Iatrogênicas - por prescrição médica ou por automedicação.

Exame Físico :

As manifestações clínicas podem auxiliar a ratificação do diagnóstico, mas,


sobretudo é útil no estabelecimento da gravidade.

A – Reconhecimento de síndromes tóxicas

Em diversas situações, o agente tóxico implicado na intoxicação não é


identificado à admissão no serviço de saúde. No paciente sintomático, o exame
físico pode fornecer indícios inestimáveis para a identificação do agente
envolvido. Portanto, após a estabilização do paciente, deve ser feito um exame
físico mais minucioso e completo procurando-se identificar a substância
envolvida, com foco nos sinais vitais (pressão arterial, freqüência respiratória e
cardíaca), pupilas (tamanho e resposta à luz), temperatura, estado de
hidratação da pele e mucosas, peristaltismo e estado mental.

Através das alterações encontradas na avaliação dos parâmetros citado acima,


pode-se caracterizar uma determinada síndrome tóxica ou toxíndrome, que é
definida como um conjunto complexo de sinais e sintomas produzidos por doses
tóxicas de substâncias químicas que, apesar de diferentes, têm efeitos
semelhantes. As principais síndromes tóxicas e os agentes envolvidos são
descritas a seguir.

1. Síndrome anticolinérgica

Os pacientes apresentam agitação psicomotora e/ou sonolência, confusão


mental, alucinações visuais, mucosas secas, rubor cutâneo, hipertermia,
retenção urinária, diminuição dos ruídos intestinais, midríase e cicloplegia
(incapacidade de acomodação visual para perto). A maioria desses sintomas é
descrita na regra mnemônica:

Blind as a bat: completamente cego


Hot as hare: quente como o inferno
Red as a beet: vermelho como pimentão
Dry as a bone: seco como osso
Mad as a hatter: louco varrido

Os agentes que comumente causam essas manifestações são: antagonistas H1


da histamina, atropina, escopolamina (hioscina), antidepressivos tricíclicos,
vegetais beladonados (ex. saia branca e estramônio, também denominada
figueira-do-inferno ou figueira-brava), fenotiazínicos, medicamentos
antiparkinsonianos, etc. Essas substâncias exercem seus efeitos por bloqueio
dos receptores muscarínicos da acetilcolina.

2. Síndrome de depressão neurológica

As manifestações clínicas incluem de sonolência ao coma, hiporreflexia, miose,


hipotensão, bradicardia, hipotermia e edema pulmonar.
Agentes envolvidos: pode ser determinada por benzodiazepínicos,
carbamazepina, barbitúricos, carisoprodol, zolpidem, derivados da imidazolina
(descongestionantes tópicos), antidepressivos tricíclicos, inibidores da
acetilcolinesterase (principalmente organofosforados), salicilatos, álcoois
(etanol, metanol, etilenoglicol, isopropanol), monóxido de carbono, opióides
naturais (heroína, morfina) e seus análogos sintéticos (meperidina).

3. Síndrome colinérgica

Esta síndrome é determinada pela diminuição da atividade da enzima


acetilcolinesterase e caracteriza-se por: sialorréia, lacrimejamento, diurese,
diaforese, diarréia e vômitos.
Outros sintomas clínicos mais importantes como broncorréia (edema
pulmonar), bradicardia, broncoespasmo, fraqueza e fasciculações musculares e
convulsões também fazem parte desta síndrome. Os sintomas colinérgicos são
causados pela atividade excessiva da acetilcolina, porém, variam de acordo
com o receptor estimulado: receptor muscarínico, receptor nicotínico ou
receptor colinérgico central, conforme descrito quadro abaixo:

Sinais e sintomas colinérgicos


Muscarínicos Nicotínicos Centrais
Miose midríase Agitação
bradicardia taquicardia confusão mental
broncorréia, broncoespasmo broncodilatação letargia
vômitos, diarréia hipertensão convulsões
sialorréia, lacrimejamento diaforese coma
incontinência urinária fraqueza e fasciculação muscular óbito

Agentes envolvidos: os agrotóxicos organofosforados e carbamatos e certos


cogumelos podem produzir qualquer um dos sintomas listados na tabela acima.
O risco de exposição é maior entre trabalhadores rurais, mas, qualquer pessoa
pode estar exposta a esses produtos, em casa ou no trabalho. Militares e
antiterroristas devem se preocupar com os gases neurotóxicos (como o sarin).
Inseticidas à base de nicotina e a nicotina do tabaco apresentam atividade
colinérgica nicotínica. Os medicamentos fisostigmina, neostigmina e edrofônio,
são usados em distúrbios neuromusculares, mas seus efeitos colinérgicos
geralmente não são evidenciados.

4. Síndrome simpatomimética

Essa síndrome é caracterizada por agitação psicomotora, alucinações, paranóia,


sudorese, taquicardia, hipertensão arterial (ou hipotensão nos casos graves),
midríase, tremores, convulsões e arritmias nos casos graves. É determinada
por agentes que promovem estimulação da atividade simpática através de:

- aumento de liberação de catecolaminas (anfetaminas)


- bloqueio da recaptação (cocaína)
- interferência no metabolismo (inibidores da Monoaminooxigenase - IMAO)
- estimulação direta de receptor (adrenalina)

Os principais agentes simpatomiméticos são: anfetaminas, ecstasy, cocaína,


teofilina, fenilpropanolamina, efedrina, pseudoefedrina e cafeína.

5. Síndrome serotoninérgica
Esta síndrome usual é causada por estimulação excessiva de receptores
serotoninérgicos centrais e periféricos. O aumento da estimulação provocada
pelo neurotransmissor 5-hidroxitriptamina (serotonina) pode ser devido:

- ao aumento da produção de serotonina: triptofano;


- ao aumento da liberação da serotonina estocada: anfetamínicos (incluindo
ecstasy), bromocriptina, cocaína, L-dopa;
- à diminuição da recaptação da serotonina pelo neurônio pré-sináptico:
dextrometorfano, nefazadona, petidina (meperidina), inibidores seletivos da
recaptação da serotonina – ISRS (fluoxetina, paroxetina, sertralina, etc.),
venlafaxina e antidepressivos tricíclicos;
- à inibição da monoaminooxidase (MAO) responsável pelo metabolismo da
serotonina: moclobemida (inibidor seletivo da MAO-A) e inibidores não-
seletivos da MAO (isocarboxazida, iproniazida, etc.);
- à estimulação do receptor pós-sináptico da serotonina: dietilamida do ácido
lisérgico (LSD);
- ao aumento da resposta pós-sináptica à estimulação causada pela serotonina:
lítio.

Clinicamente a síndrome serotoninérgica apresenta-se como uma tríade de


sintomas envolvendo disfunção autonômica, alterações neurológica e mentais.
O diagnóstico é sugestivo quando há manifestação de quatro ou mais sintomas
em cada grupo descritos no quadro abaixo.

Diagnóstico clínico da síndrome serotoninérgica


Disfunção autonômica Alterações neurológicas Alterações mentais
diaforese tremores alteração da consciência
diarréia vertigem agitação
febre hiperrreflexia hipomania
taquicardia sinusal mioclonia letargia
hiper ou hipotensão convulsões insônia
taquipnéia rigidez muscular alucinações
midríase reflexo de Babinski hiperatividade
rubor opistótono
cãibras abdominais ataxia
sialorréia coma
calafrios

Contudo, deve-se realizar diagnóstico diferencial com outras situações que


possam apresentar manifestações clínicas em comum. O diagnóstico diferencial
mais importante e provável refere-se à síndrome neuroléptica maligna (SNM),
caso o paciente iniciou o uso de agentes neurolépticos ou teve a dose
aumentada antes do aparecimento dos sinais e sintomas. Deve-se ainda fazer
exclusão entre síndrome anticolinérgica; intoxicação por carbamazepina;
infecções do sistema nervoso central; insolação; abstinência de etanol, opióides
ou hipnótico-sedativos; overdose de simpatomiméticos e intoxicação por lítio.

6. Síndrome de liberação extrapiramidal (distonia aguda)


Ocorre quando há bloqueio de receptores dopaminérgicos. O paciente
apresenta-se com quadro de hipertonia, espasmos musculares, sinal da roda
denteada, catatonia, acatisia, crises oculógiras, opistótono, mímica facial pobre,
choro monótono.
Pode estar presente nas intoxicações por bloqueadores dopaminérgicos
D2 (domperidona), metoclopramida, butirofenonas (haloperidol), fenotiazínicos.

7. Síndrome metemoglobinêmica

Origina-se pela conversão excessiva da hemoglobina em metemoglobina que é


incapaz de se ligar e transportar oxigênio. Dentre as manifestações clínicas
destacam-se: cianose, taquicardia, astenia, irritabilidade, dificuldade
respiratória, depressão neurológica e convulsões. Entre os agentes oxidantes
dstacam-se as sulfonas (dapsona), anilina e derivados, sulfonamidas, quinonas,
cloratos, metoclopramida, anestésicos locais, nitrobenzeno, azul de metileno,
entre outros.

O reconhecimento dessas síndromes permite a identificação mais rápida do


agente causal e, conseqüentemente, a realização do tratamento adequado.
Entretanto, é importante salientar que muitas vezes pode-se ter um quadro
clínico misto. Por exemplo, um paciente intoxicado por um antidepressivo
tricíclico pode apresentar manifestações anticolinérgicas, depressão neurológica
e convulsões.

Diminuição ou interrupção da absorção :

É a etapa em que se procura diminuir a exposição do organismo ao agente


tóxico, seja reduzindo o tempo e/ou a superfície de contato ou a quantidade do
agente em contato com o organismo. Compreende um conjunto de medidas de
grande importância, na tentativa de impedir o desenvolvimento da intoxicação,
mas na prática, tem sua eficácia limitada por uma série de fatores,
principalmente, o tempo.

Descontaminação de superfície:

As medidas de descontaminação são distintas de acordo com o tipo de contato


do agente tóxico com o organismo, ou seja, depende da via de introdução.

• Cutânea

Existem substâncias que, por suas características físico-químicas, são


absorvidas pela pele íntegra (como por exemplo, agrotóxicos e solventes
orgânicos). Em caso de contato orienta-se:

1- se o paciente apresenta-se consciente e clinicamente estável, ele deve ser


levado a uma sala de higienização. Caso contrário, a descontaminação deve ser
feita no próprio leito;

2- retire toda a roupa do paciente, o mais precoce possível, mas evite


hipotermia;

3- proceda à lavagem corporal ou da área afetada, exaustivamente, durante


15-20 minutos, com água corrente limpa e morna e com especial atenção para
os cabelos, região retro-auricular, axilas, umbigo, região genital e subungueal;

4- procure identificar o agente e conhecer seus efeitos tóxicos para melhor lidar
com ele. Por exemplo, se a substância for oleosa, deve-se usar sabão ou
xampu. Se o produto não é absorvível através da pele, mas é cáustico, deve-se
proceder da mesma forma, pois muitas substâncias corrosivas, além do efeito
nocivo local são potencialmente tóxicas se absorvidas (Tabela 30). Entretanto
deve-se tomar cuidado na descontaminação para não aumentar a superfície da
lesão;

5- resíduos sólidos devem ser retirados através de escovação e lavagem com


água corrente, exceto se a substância reagir com água;

6- é contra-indicado tentar neutralizar o agente tóxico porque o calor produzido


pela reação exotérmica de neutralização pode ser mais perigoso e ocasionar
lesões mais graves do que o próprio agente.

Observação importante:
A equipe assistencial deve proteger-se para evitar exposição a substâncias
potencialmente contaminantes. Para isso, recomenda-se o uso de luvas, jaleco
e óculos protetores. Em caso de exposição, lavar a área atingida rapidamente.

Tabela 30 - Exemplos de manifestações sistêmicas causadas por agentes corrosivos


Agente corrosivo Manifestações sistêmicas
ácido fluorídrico hipocalcemia; hipercalemia
ácido oxálico hipocalcemia; insuficiência renal
ácido pícrico lesão renal
ácido tânico lesão hepática
cloreto de metileno depressão do SNC; arritmias cardíacas
fenol convulsões; coma; lesão hepática e renal
formaldeído acidose metabólica
fósforo lesão hepática e renal

nitrato de prata metemoglobinemia

paraquate fibrose pulmonar


permanganato metemoglobinemia

• Ocular

O contato ocular com substâncias químicas pode provocar lesões graves nos
olhos. A córnea é muito sensível a agentes corrosivos e hidrocarbonetos. Estas
substâncias podem danificar rapidamente a superfície córnea que evolui para
uma cicatriz permanente.
Como nas exposições dérmicas, deve-se agir rapidamente para prevenir uma
lesão mais grave e permanente e a absorção do agente tóxico, observando-se
as seguintes recomendações:

1- retirar lentes de contato, se presentes;


2- pode-se utilizar colírio anestésico para facilitar a irrigação. entretanto o
colírio pode causar desepitelização de córnea. Deve-se preferir analgésicos
sistêmicos;

3- posicionar o paciente com a cabeça elevada para que a irrigação penetre no


canal lacrimal para limpá-lo também;

4- iniciar a lavagem do olho acometido, com eversão das pálpebras mantendo-


as abertas. Irrigar com soro fisiológico ou água limpa e corrente, por pelo
menos 30 minutos (não lave com menos de 1 litro de solução);

5- a lavagem deve ser feita sempre no sentido médio-lateral e com a cabeça


lateralizada, para evitar o comprometimento do outro olho;

6- em casos de exposições a substâncias ácidas ou alcalinas, a irrigação deve


ser realizada até que o pH do fluido ocular esteja entre 6 e 8;

7- é contra-indicado o uso de solução neutralizante pois a liberação de calor,


durante a reação, pode agravar a lesão;

8- após a descontaminação, o paciente deve ser examinado por um médico


oftalmologista para verificar se houve lesão e tratá-la especificamente.

• Respiratória

Além de ser uma via de intoxicação comum e muito eficiente para a absorção
de gases, vapores e aerodispersóides, muitas substâncias químicas podem lesar
a árvore brônquica. A absorção pode ocorrer tanto nas vias aéreas superiores,
quanto nos alvéolos. Para a descontaminação deve-se:

1- remover o paciente da fonte de exposição e fornecer oxigênio úmido


suplementar (se disponível) e suporte ventilatório, se necessário;

2- retirar as roupas do paciente e realizar lavagem corporal pois a


contaminação cutânea é freqüente nesses casos;

3- examinar cuidadosamente o paciente para verificar a existência de edema de


vias aéreas superiores, mediante presença de roncos e sibilos e de estridor
laríngeo, pois este pode evoluir rapidamente com obstrução completa das vias
aéreas. Os pacientes que apresentam evidências de comprometimento
progressivo de vias aéreas devem se intubados;

4- observar também os sinais tardios de edema pulmonar causado por


exposição a substâncias como dispnéia, hipoxemia e taquipnéia, que podem
surgir até várias horas após a exposição.

Observação importante:
Antes de entrar no ambiente contaminado, a equipe assistencial deve proteger-
se com equipamentos apropriados.

Descontaminação Gastrointestinal:
O trato gastrintestinal constitui a principal via de introdução do agente tóxico
na maioria das intoxicações. As medidas que promovem a evacuação gástrica
(indução de vômito e lavagem gástrica) ou que diminuem a absorção intestinal
(uso de adsorventes, catárticos e irrigação intestinal) têm sido utilizadas há
muitos anos. Entretanto, existem muitas controvérsias com várias restrições
sobre os usos, indicações e, principalmente, quanto à real eficácia desses
procedimentos, tanto no atendimento pré-hospitalar quanto no hospitalar.
Muitas vezes, esses procedimentos são desnecessários e aplicados de forma
iatrogênica.

Embora existam poucos estudos sobre os procedimentos de esvaziamento


gástrico na literatura médica, está bem estabelecido que depois de 60 minutos,
muito pouco ou quase nada da dose ingerida é removida por êmese ou lavagem
gástrica. Estudos mais recentes demonstram que uma dose única de carvão
ativado, mesmo sem a realização prévia de esvaziamento do estômago, é tão
eficiente quanto a seqüência tradicional de lavagem gástrica seguida do uso de
carvão ativado.

Através de um trabalho conjunto baseado em estudos clínicos, a Academia


Americana de Toxicologia Clínica e a Associação Européia dos Centros de
Intoxicação e dos Toxicologistas Clínicos, têm se posicionado regularmente
sobre esses procedimentos, desde 1997, com propostas de protocolos de
tratamento nos quais apresentam fortes restrições à indicação generalizada das
medidas de descontaminação gastrintestinal.

Existem várias opções para a descontaminação do trato gastrintestinal. São


procedimentos simples que não exigem equipamentos sofisticados. O tempo
para sua realização varia conforme o agente tóxico, devendo-se observar a
toxicidade da substância, a dose ingerida, a forma farmacêutica (quando se
tratar de um medicamento) e a apresentação (produtos líquidos são quase
completamente absorvidos em cerca de 30 minutos após a ingestão;
apresentações sólidas são absorvidas, em geral, no intervalo de 1-2 horas).

Portanto, existem circunstâncias nas quais a descontaminação gástrica pode


diminuir o potencial tóxico da substância ingerida, mesmo quando realizada até
2 horas após a ingestão. Como exemplos incluem-se:

- ingestão de substâncias altamente tóxicas (paraquate, fluoracetato de sódio,


bloqueadores de canais de cálcio, colchicina, etc.);
- ingestão de doses potencialmente tóxicas ou letais da substância;
- ingestão de medicamentos de liberação controlada ou com cobertura entérica;
- ingestão de substâncias que não são adsorvidas pelo carvão ativado (lítio,
ferro e outros metais);

Após este período, a descontaminação gástrica só tem valor no caso de


substâncias que retardam o esvaziamento gástrico como os barbitúricos,
anticolinérgicos e antidepressivos tricíclicos.

Lavagem gástrica

É um método de descontaminação gástrica mais invasivo do que a êmese


induzida e que é amplamente usado em hospitais e em unidades de emergência
e é bastante seguro se bem realizado. Embora não existam muitos estudos que
comprovem sua eficácia, ela é provavelmente um pouco mais eficiente que a
êmese induzida, se realizada pouco tempo após a ingestão do tóxico.
Entretanto, não remove com eficácia, plantas tóxicas, pílulas e cápsulas não
dissolvidas (especialmente fármacos de liberação lenta ou controlada ou com
cobertura entérica). Além disso, pode retardar o uso do carvão ativado e pode
ainda, acelerar a passagem do agente tóxico para o intestino, principalmente se
o paciente não estiver posicionado adequadamente. Não há necessidade de
realizar lavagem gástrica em casos de ingestão de doses pequenas e
moderadas, se o carvão ativado puder ser administrado prontamente.

a- Indicações

Entretanto existem algumas situações em que a lavagem gástrica poderá ser


feita:

• para remover agentes sólidos ou líquidos, quando o paciente ingeriu


quantidade maciça (overdose) ou uma substância muito tóxica. É mais eficiente
se realizada nos primeiros 30 a 60 minutos da ingestão para a maioria das
drogas, embora para alguns agentes que retardam o esvaziamento gástrico
(salicilatos, drogas anticolinérgicas, antidepressivos triciclícos) ela é efetiva por
um período de tempo maior;
• em pacientes que receberão carvão ativado e estão impossibilitados de o
tomarem por via oral e que receberão uma sonda nasogástrica para isso;
• quando houver ingestão de substâncias cáusticas que possuem efeito
sistêmico mais importante que sua ação no trato digestivo, como paraquate,
fluoracetato de sódio e creolina;
• quando houver intoxicação mista com cáusticos e outras drogas, estas
podendo ser de grande risco para a vida do paciente, a lavagem pode ser feita
desde que a sonda seja passada por via endoscópica para que não haja risco de
perfuração de esôfago, aproveitando para se fazer o exame endoscópico;
• para remover conteúdo gástrico para realização de endoscopia digestiva.

b- Contra-indicações

• em pacientes comatosos, obnubilados ou convulsionando, deve ser realizada


com muita cautela, e o risco benefício bem avaliado, porque nesses pacientes
os reflexos de proteção das vias aéreas estão ausentes ou muito alterados ou
diminuídos, podendo assim, predispor ou causar a aspiração do conteúdo
gástrico. Nesses casos recomenda-se realizar a intubação orotraqueal para a
proteção das vias aéreas e prevenir a aspiração de conteúdo gástrico;
• quando o agente apresenta-se na forma de drágeas ou comprimidos
entéricos, ou quando tratar-se de ingestão de plantas, que não serão
removidos devido ao limite do calibre da sonda. Nesses casos, recomenda-se a
irrigação intestinal;
• a realização de lavagem gástrica na ingestão de substâncias corrosivas é
controversa. Devido à fragilidade do esôfago, a passagem da sonda pode
causar perfuração do esôfago, possibilidade de refluxo e conseqüente aumento
da superfície de contato com a substância cáustica e de reação exotérmica
provocada pela reação do cáustico com a água. Entretanto, muitos
gastroenterologistas recomendam que a lavagem deve ser feita o mais precoce
possível após a ingestão de líquidos cáusticos com a finalidade de remover o
material corrosivo do estômago e preparar para a endoscopia que deve ser
realizada 12-24 horas após o acidente;
• em pacientes submetidos recentemente a cirurgia de esôfago;
• em pacientes com suspeita de fratura de base de crânio não deve ser passada
a sonda nasogástrica. Neste caso deve-se utilizar sonda orogástrica.

c- Efeitos Adversos

• perfuração do esôfago ou do estômago;


• sangramento nasal devido à passagem traumática do tubo;
• intubação traqueal inadvertida;
• vômito causando aspiração pulmonar de conteúdo gástrico em pacientes
obnubilados, sem proteção de vias aéreas;
• laringoespasmo, principalmente, em pacientes semiconscientes que não
colaboram com a passagem do tubo;

d- Técnica

• este procedimento exige pessoal capacitado e ambiente hospitalar, pois


embora seja uma técnica simples, podem ocorrer complicações como
posicionamento indevido na traquéia, traumatismo (epistaxe) e aspiração
pulmonar;
• se o paciente estiver comatoso (Escala Coma de Glasgow menor ou igual a
8), realize uma intubação traqueal para a proteção das vias aéreas, antes de
iniciar o procedimento;
• passe uma sonda gástrica de grosso calibre (nº 18-22, em adultos e nº 8-12,
em crianças) pela boca ou pelo nariz (utiliza-se mais comumente sonda
nasogástrica) até o estômago. A instalação da sonda deve ser feita com o
paciente em decúbito dorsal e com leve flexão do pescoço (se não houver
suspeita de trauma raquimedular). Antes de iniciar a colocação da sonda deve
ser feita uma estimativa do comprimento a ser usado (medindo-se da ponta do
nariz ao lóbulo da orelha e, então, até o apêndice xifóide);
• posicione o paciente em decúbito lateral esquerdo, pois essa posição facilita o
procedimento e evita o retorno de material do duodeno para o estômago;
• conferir a posição correta da sonda: insuflar ar através de uma seringa com o
estetoscópio sobre a região epigástrica para assegurar que esteja bem
posicionada;
• retire primeiramente o máximo de conteúdo gástrico que conseguir, sem
diluir (reservar amostra para análise toxicológica, se esta estiver disponível ou
indicada). Se o tóxico retirado do estômago ainda for contaminante tome
providências para a retirada e isolamento adequado da substância removida;
• administre soro fisiológico, aquecido a 38ºC, para evitar hipotermia, na dose
de 10mL/Kg (em adolescentes e adultos podem ser usados até 250mL por
instilação). Remova por gravidade ou por sucção até se obter um retorno claro.
O volume de retorno deve ser o mesmo do instilado. O uso de grande
quantidade de líquidos em crianças pode causar hipotermia ou distúrbios
hidroeletrolíticos.

3 - Administração de adsorventes

Os adsorventes são substâncias que têm a propriedade de se ligarem ao agente


tóxico formando um composto estável que não é absorvido pelo trato
gastrintestinal, sendo eliminado nas fezes. Os adsorventes mais empregados
normalmente na prática clínica correspondem ao carvão ativado e à Terra de
Füller.
• Carvão ativado em dose única

O carvão ativado é empregado como medida de descontaminação


gastrintestinal na maioria dos casos de intoxicação há muitos anos. Atua
através da adsorção de substâncias tóxicas, diminuindo assim, a disponibilidade
para absorção pelo sistema digestivo. O carvão ativado consiste em carvão
vegetal, obtido através da pirólise de material orgânico a partir da polpa da
madeira, sofrendo um processo de ativação posterior pela passagem de gás
oxidante em altas temperaturas que remove substâncias previamente
adsorvidas e produz uma fina rede de poros, com uma área de superfície de
950-2.000 m2/g e, portanto, altamente adsorvente, capaz de se ligar a uma
grande quantidade de produtos tóxicos, incluindo substâncias orgânicas.
Apenas poucas substâncias não são adsorvidas pelo carvão ativado (Tabela 31).

Tabela 31 - Exemplos de substâncias não adsorvidas pelo carvão ativado


álcalis e ácidos sais inorgânicos
cianeto ferro
etanol e outros álcoois lítio
etilenoglicol ácidos minerais
fluoreto potássio

Alguns alimentos parecem diminuir a capacidade adsorvente do carvão e


também pode ocorrer dessorção quando o complexo tóxico-carvão passa
através dos intestinos. Entretanto, com as doses preconizadas isto não parece
ser clinicamente significativo.

Estudos realizados com voluntários humanos demonstram que a sua eficácia é


inversamente proporcional ao tempo (sendo mais eficaz se usado até 1 hora
depois da ingestão), e diretamente proporcional à quantidade e freqüência das
doses administradas. Embora existam orientações para o uso de carvão
ativado, mesmo se foram decorridas várias horas após a ingestão de
substâncias com atividade anticolinérgica (e que retardam o esvaziamento
gástrico), não existem estudos controlados que validam essas recomendações.

O carvão ativado pode ser usado após o vômito induzido pela solução
emetizante, após a lavagem gástrica ou, isoladamente, nos pacientes onde a
descontaminação gástrica esteja contra-indicada, ou seja, ineficaz devido ao
tempo decorrido após a ingestão.

Alguns estudos sugerem que a administração de carvão ativado sozinho, é tão


ou mais efetivo que os procedimentos de esvaziamento gástrico (êmese e
lavagem gástrica) seguidos pela administração de carvão ativado.

a- Indicações

A administração de carvão ativado em dose única pode ser considerada


quando:

• suspeita-se da ingestão de doses potencialmente tóxicas e de substâncias que


comprovadamente são adsorvidas pelo carvão ativado;
• mesmo sem saber se a substância ingerida é adsorvida pelo carvão, devido à
possibilidade de outras substâncias terem sido ingeridas concomitantemente;
• a administração de várias doses de carvão pode aumentar a eliminação de
certas drogas da corrente sangüínea.

b- Contra-indicações

• íleo sem distensão não é contra-indicação para o uso de uma única dose de
carvão ativado, porém doses repetidas devem ser evitadas;
• após a ingestão de ácidos ou álcalis, pois além de ser ineficaz para adsorver
tais substâncias, compromete o exame endoscópico e dificulta a cicatrização;

c- Efeitos adversos

• a administração muito rápida pode causar vômitos;


• constipação intestinal ou a formação de fecalomas (em pacientes com
propensão a constipação intestinal) podem ocorrer inicialmente, principalmente
após a administração de várias doses de carvão ativado, seguida de diarréia
(mecanismo osmótico);
• distensão gástrica com risco potencial de aspiração pulmonar. Existem relatos
de pneumonia aspirativa, bem como de obstrução traqueal, injúria pulmonar
grave e efusão pleural por administração direta de carvão na árvore
respiratória;
• são disponíveis comercialmente em vários países (não no Brasil), misturas de
carvão ativado e sorbitol. Mesmo administrado em dose única, o sorbitol pode
causar vômitos e cólicas. A administração de doses repetidas pode cursar com
perda de fluidos e risco de desidratação;
• pode diminuir o efeito de alguns antídotos que são administrados por via oral.

d- Técnica e dose

• se houver depressão neurológica ou respiratória, as vias aéreas devem ser


protegidas antes da administração do carvão;
• as doses tradicionalmente recomendadas, de acordo com a idade são: 1g/Kg
em crianças menores de 12 anos e de 25-100g (em média utiliza-se 50g) em
adolescentes e adultos, não sendo indicada a associação com catárticos;
• administre por via oral ou pela sonda naso ou orogástrica. Em crianças, a
aceitação por via oral nem sempre é eficaz. Como no Brasil existe apenas a
apresentação em pó, recomenda-se a diluição em água ou em soro fisiológico
na concentração de 10-20%. Apresentações em comprimidos possuem menor
eficácia e não devem ser usadas;
• uma ou duas doses adicionais podem ser administradas no intervalo de 1-2
horas, para assegurar descontaminação adequada, particularmente, nos casos
de grandes ingestões. Em algumas situações, pode ser necessária a
administração de várias doses de carvão para alcançar a proporção de 10:1
(carvão: agente tóxico). Nesses casos, as doses são administradas por um
período de várias horas;
• para algumas substâncias que apresentam circulação entero-hepática pode
ser administrada a metade dose inicial de carvão ativado, de 6 em 6 horas para
impedir que isso aconteça.

e- Associação com catárticos

Após administração de carvão, as fezes tornam-se escuras, sendo este


parâmetro clínico utilizado para a avaliação da motilidade intestinal. Embora a
maioria das preparações provoque constipação, algumas formulações podem
provocar diarréia.

Apesar de ter sido preconizado durante muito tempo, o uso concomitante de


catárticos, para reduzir o risco de constipação e aumentar o trânsito intestinal,
estes agentes parecem diminuir a eficácia do carvão in vivo (existem
controvérsias sobre este assunto). Além disso, os catárticos aumentam o
volume de fluidos intestinais e retardam o esvaziamento gástrico, reduzindo,
dessa forma, a quantidade de carvão disponível no intestino delgado para a
adsorção do agente tóxico.

• Terra de Füller

A Terra de Fuller é uma argila de cálcio monte-morilonita de ocorrência natural


e alta pureza utilizada como agente adsorvente no tratamento de intoxicação
pelo herbicida paraquate em virtude da alta capacidade de ligação do composto
bipiridílico aos minerais presentes na argila, assim como observado em seu
comportamento no solo. Quando armazenada, parece ser química e
biologicamente estável durante anos. Permanecendo intacto o frasco, mantém-
se a esterilidade por tempo indefinido. A dose de ataque (inicial) recomendada
para a Terra de Füller é de 60 gramas diluídas em 200mL de manitol (VO ou
por SNG) de 2-2 horas, nas primeiras 6 horas e após, de 4-4 horas, durante 3
ou 4 dias.

O critério de interrupção do uso dos adsorventes é o aparecimento nas fezes ou


até completar um período máximo de 48 horas.

Administração de antídotos e antagonistas específicos:

Os antídotos e antagonistas específicos são substâncias químicas que, por


diferentes formas e por mecanismos antagônicos, reduzem ou revertem os
efeitos nocivos dos agentes tóxicos.

Quanto ao tipo de ação que desempenham, podem ser classificados em


antídotos e antagonistas que:

a- impedem a formação de metabólitos tóxicos – ex.: N-Acetilcisteína


nas intoxicações por paracetamol e etanol ou fomepizol nas intoxicações
por metanol e etilenoglicol;

b- ligam-se ao agente tóxico formando complexos menos tóxicos e


de fácil excreção renal (quelação) – ex.: deferoxamina para ferro; D-
Penicilamina para o cobre e EDTA cálcico para o chumbo;

c- adsorvem o agente tóxico impedindo sua absorção – ex.: carvão


ativado para a drogas adsorvíveis; terra de Füller para o herbicida
paraquate; amido para o iodo;

d- exercem ação competitiva sobre o sítio alvo – ex.: naloxona nas


intoxicações por opióides; flumazenil nas intoxicações por
benzodiazepínicos; atropina e acetilcolina nas intoxicações por
anticolinesterásicos; propranolol nas intoxicações por beta-adrenérgicos
(salbutamol, terbutalina); oxigênio nas intoxicações por monóxido de
carbono;

e- atuam corrigindo distúrbios funcionais ou dano celular produzido


pelo agente tóxico – ex.: pralidoxima na recuperação da inibição da
enzima acetilcolinesterase inibida por organofosforados; biperideno para a
correção dos distúrbios extrapiramidais induzidos por drogas como
metoclopramida e fenotiazínicos; gluconato de cálcio para correção da
hipocalcemia produzida por fluoretos; dantrolene no controle da
hipertermia maligna;

f- atuam por mecanismos imunológicos – ex.: soros antipeçonhentos


usados nos acidentes ofídicos, aracnídicos, escorpiônicos e por Lonomia;
fragmentos Fab antidigoxina.

Essas substâncias têm importante função no tratamento das intoxicações.


Possuem a ação mais específica, mais eficaz e, muitas vezes, mais rápida
dentre todas as substâncias ou métodos com utilidade terapêutica em
Toxicologia Clínica. Podem reduzir significativamente a morbidade e a
mortalidade em certas intoxicações, mas, não são disponíveis para a
maioria dos agentes tóxicos e, segundo estimativas, são utilizados em
apenas 1% dos casos.

O consumo e a experiência clínica na utilização desses medicamentos


apresentam grandes variações regionais. Por exemplo, a N-Acetilcisteína é
freqüentemente empregada nos Estados Unidos e Inglaterra, tendo vista o
grande número de intoxicações por paracetamol nesses países. No Brasil,
casos graves deste tipo de intoxicação ainda são raros, porém existe uma
grande possibilidade para o aumento dessas exposições, considerando-se a
elevação do consumo de paracetamol em razão da epidemia nacional de
dengue.

As indicações para o uso de antídotos e antagonistas devem seguir os


seguintes critérios:

1. especificidade de ação frente ao agente tóxico;


2. condições clínicas que justifiquem o seu uso (intoxicações graves ou com
prognóstico de severidade);
3. concentrações sangüíneas do toxicante em níveis potencialmente tóxicos
ou letais (por determinação analítica ou por estimativa através da dose
ingerida);
4. os benefícios terapêuticos superem os riscos, uma vez que os antídotos
também possuem toxicidade intrínseca;
5. ausência de contra-indicações.

Os antídotos e antagonistas podem ser agrupados em duas


categorias:

Grupo I - Antídotos e antagonistas indicados precocemente

Algumas intoxicações exigem o emprego imediato de determinados agentes


específicos e, alguns deles, possuem papel preponderante na fase de
reanimação do paciente, sendo denominados de antídotos ou antagonistas
reanimadores. Essas substâncias, juntamente com outros medicamentos
habituais (adrenalina, bicarbonato, lidocaína, glicose, etc), devem compor
as caixas de primeiros socorros utilizadas em emergências médicas. A
seguir são descritos alguns exemplos:

• Atropina – inibe a ação da acetilcolina por competição nos receptores


muscarínicos. Sua administração está indicada nas intoxicações por
anticolinesterásicos (agrotóxicos organofosforados e carbamatos) e diante
de manifestações muscarínicas: miose, turvação visual, sudorese,
hipersecreção brônquica, bradicardia (ou taquicardia), hiperperistaltismo e,
eventualmente, diarréia. Esta sintomatologia, em geral, precede os sinais
de comprometimento muscular (paresias, paralisias, fasciculações) e, nos
casos graves, estupor e coma. As doses recomendadas são 1-4 mg/dose,
EV, em adultos e, 0,01-0,05 mg/Kg/dose, EV, em crianças. Pode-se repetir
a cada 15-30 minutos até que o paciente apresente sinais de atropinização:
ressecamento de secreções e de mucosas e aumento da freqüência
cardíaca (superior a 120 bpm). Alcançados esses parâmetros, deve-se
ajustar a dose para manutenção desses efeitos. Seu uso deve ser suspenso
gradualmente, sendo restituído se reaparecerem os sinais colinérgicos
muscarínicos.

A atropina também está indicada em casos de bloqueio de condução nas


intoxicações por digitálicos, betabloqueadores e antagonistas de cálcio. O
parâmetro clínico para sua indicação é freqüência cardíaca inferior a 40
bpm. devendo ser administrada com cautela em pacientes idosos ou
portadores de cardiopatia isquêmica e arritmias prévias.

• Flumazenil – trata-se de um inibidor competitivo altamente específico


dos receptores dos benzodiazepínicos no SNC e, portanto, capaz de
reverter o coma induzido por esses compostos. Como já mencionado, é útil
não apenas na etapa de diagnóstico (por sua especificidade de ação), mas
também como substância reanimadora. A administração rotineira a
pacientes comatosos, com suspeita de intoxicação benzodiazepínica, pode
precipitar convulsões e piorar a evolução clínica de pacientes intoxicados.
Seu emprego é formalmente contra-indicado em pacientes em uso crônico
de benzodiazepínicos ou que apresentam convulsões (mesmo febris) ou
mioclonias e naqueles em que há confirmação ou suspeita de coingestão de
outras drogas que possuem baixo limiar para convulsão (antidepressivos
tricíclicos, lítio, cocaína, isoniazida, inibidores da MAO, etc.). Nesses casos,
recomenda-se a realização de eletrocardiograma antes da administração de
flumazenil para verificar possíveis anormalidades usualmente encontradas
nas intoxicações por antidepressivos tricíclicos, como taquicardia sinusal e
prolongamento do intervalo QRS. A dose para adultos, por via EV, é de 0,2-
0,3mg, durante 30 segundos e, repetindo-se a cada minuto, até se obter o
nível de consciência desejado, até um total de 3 mg. Em crianças,
recomenda-se o uso de 0,01mg/Kg, repetindo-se minuto a minuto, até
dose máxima de 1mg. O flumazenil tem curta duração de ação, variando de
20 a 40 minutos.

• Naloxona – é um antagonista de ação competitiva nos receptores


opiódes (mu, kappa e delta) no SNC e, portanto, reverte a parada
respiratória e o coma induzido por heroína, codeína, morfina e outros
opiáceos sintéticos (meperidina, metadona, paregórico, difenoxilato,
fentanil, propoxifeno, etc.). Este antagonista não previne o
desenvolvimento de edema pulmonar não cardiogênico que pode ocorrer
nessas intoxicações. Assim como o flumazenil, tem dupla utilidade:
diagnóstica e terapia reanimadora. Sua ação é rápida e pode ser
fundamental no diagnóstico diferencial do coma, evitando exames
desnecessários (punção lombar, tomografia de crânio) ou mesmo
procedimentos invasivos (intubação endotraqueal). Apesar de seu efeito
específico e altamente eficaz, nem sempre deverá substituir as medidas de
reanimação (intubação, ventilação, oxigênio) em casos de parada
respiratória. Para crianças, a dose inicial recomendada, por via EV, é de
0,01mg/Kg e, crianças maiores, utiliza-se uma dose mínima de 2 mg,
podendo ser repetida após 3 minutos, até o máximo de 10mg. Em adultos,
emprega-se 0,4 a 2mg e, se necessário, repete-se em intervalos de 2-3
minutos, até a dose total de 10mg. Se após o uso dessa dosagem, não
houver resposta, o diagnóstico de intoxicações por opióide deve ser revisto.
No Brasil, não se justifica a administração rotineira de naloxone a todo
paciente comatoso, a menos que exista história ou evidência clínica de
intoxicação opiácea.

• Oxigênio – a oxigenioterapia é de uso habitual e inespecífico nas


intoxicações que cursam com hipoxemia devido à hipoventilação (agentes
depressores do SNC) ou por outras causas (broncoaspiração, edema
pulmonar, etc.). Além dessa ação inespecífica, o oxigênio age como um
antagonista na intoxicação por monóxido de carbono (CO). A ligação do CO
à hemoglobina forma carboxihemoglobina e diminui a proporção de
oxihemoglobina originando hipóxia celular (sem hipoxemia) por déficit de
transporte de oxigênio às células. Nesses casos, o oxigênio competirá com
o CO pela ligação à hemoglobina e deve ser administrado na máxima
concentração possível. A precocidade na aplicação da oxigenioterapia
(removendo o paciente da fonte de exposição) é de extrema importância
para se evitar lesões por anóxia. O oxigênio também é empregado em
outras intoxicações que provocam hipóxia tecidual (metemoglobinemias,
cianeto e gás sulfídrico).

• Nitrito de amila, nitrito de sódio 3% e tiossulfato de sódio 25% -


essas três substâncias são utilizadas nas intoxicações por cianeto e
compõem o “Kit cianeto”. Assim que for confirmada a intoxicação por
cianeto e tomadas as medidas iniciais e de descontaminação, inicia-se
imediatamente a administração dos antídotos específicos, na seguinte
ordem: 1º nitrito de amila (por inalação), 2º nitrito de sódio (por via EV) e
3º tiossulfato de sódio (EV). Os nitritos oxidam a hemoglobina formando
metemoglobina que se liga ao cianeto livre. Essas substâncias também
aumentam a destoxificação endotelial do cianeto por produção de
vasodilatação. As doses recomendadas são:

1º- Nitrito de amila: é uma substância muito volátil e deve ter suas
ampolas quebradas de forma a possibilitar a inalação pelo paciente
enquanto o acesso venoso e as outras drogas são providenciadas. Produz
um nível de metemoglobina de 5%.

2º- Nitrito de Sódio 3%: em adultos devem ser administrados 300 mg


(10mL da solução) EV em 3-5 minutos. Em crianças, a dose deve ser
adaptada segundo a concentração de hemoglobina. A administração EV de
uma única dose produz um nível de metemoglobina de 20-30%. A oxidação
da hemoglobina para metemoglobina ocorre em 30 minutos. Se não houver
resposta, pode ser administrada metade da dose inicial.

3º- Tiosulfato de Sódio 25%: é um doador de enxofre que promove a


conversão do cianeto em tiocianato (menos tóxico) pela ação da enzima
sulfurtransferase (rodanase). Pode ser administrado sozinho ou em
combinação com nitritos. Em adultos são administrados 50ml da solução EV
também de forma lenta; para crianças a dose é de 1,65ml/kg da mesma
solução, também EV e de forma lenta.

A administração de vasopressores pode ser necessária uma vez que os


nitritos podem causar hipotensão por vasodilatação.

• Fomepizol (4-metilpirazol)- é um potente inibidor da desidrogenase


alcoólica, a primeira enzima responsável pela biotransformação do etanol e
de outros álcoois. Este medicamento previne a formação de metabólitos
altamente tóxicos, formaldeído e ácido fórmico nas intoxicações por
metanol, e glicoaldeído e os ácidos glicólico e oxálico, nas intoxicações por
etilenoglicol. Este procedimento prolonga os tempos de meia vida desses
álcoois, sendo indicada hemodiálise. O tratamento tradicional dessas
intoxicações consistia na administração de altas doses de etanol para se
obter concentração sérica em torno de 100mg/dL (níveis de embriaguez).
Como o etanol também é dialisável, há necessidade de aumentar a dose
para manter os níveis de inibição emzimática. Embora mais dispendioso, o
uso de fomepizol deve substituir o uso do etanol, particularmente, nos
casos que envolvem crianças pequenas, em pacientes que ingeriram
dissulfiram ou portadores de pancreatite e, também, quando não se dispõe
de suporte laboratorial para uma rápida determinação dos níveis
sangüíneos do etanol (para monitoramento do tratamento). Além disso, o
etanol possui maior risco de efeitos adversos, como hipoglicemia. Para o
fomepizol, a dose de ataque é de 15 mg/Kg, seguida de 4 doses de 10
mg/Kg a cada 12 horas e, depois, 15 mg/Kg a cada 12 horas , sempre por
via EV, em infusão de 30 minutos, até que os níveis séricos de metanol e
etilinoglicol estejam abaixo de 20mg/dL.

Grupo II - Antídotos e antagonistas indicados após avaliação

Embora a precocidade no uso seja fator condicionante de eficácia, a


utilização de antídotos e antagonistas específicos não deve ser a primeira
medida adotada diante de um paciente intoxicado. Muitas vezes, os
possíveis benefícios podem ser menores que o risco da intoxicação.
Portanto, a necessidade do seu emprego deve ser considerada através da
avaliação adequada da ingestão de doses tóxicas ou através da
interpretação do nível sérico do toxicante.

A seguir são detalhados alguns exemplos:

• N-Acetilcisteína (NAC) - é um agente mucolítico que tem sido usado


com sucesso para prevenir hepatotoxicidade nas intoxicações por
paracetamol. Este composto pode substituir o glutation hepático (como
doador de grupos sulfidrilas -SH), ligando-se rapidamente ao metabólito
intermediário e altamente eletrofílico, a N-Acetil-p-Benzoquinona-Imina, ou
aumentado sua redução a paracetamol. Apresenta maior eficácia quando
administrado dentro de 8-10 horas após a ingestão. Entretanto, são
propostos outros mecanismos para diminuir a extensão do dano hepático
como, por exemplo, modificação na produção de citocinas, seqüestro de
radicais livres ou de oxigênio, mesmo quando administrado após 24 horas.
Assim, o papel da NAC como um precursor de glutation e antioxidante tem
sido a base de investigação para seu uso nas intoxicações causadas por
agentes que se ligam a grupos sulfidrilas ou que apresentam mecanismo de
toxicidade associado à produção de radicais livres ou estresse oxidativo. A
necessidade do emprego deste antídoto deve ser considerada nos casos de
ingestão de 140-150mg/Kg de paracetamol ou, se a concentração sérica,
obtida após 4-24 horas após a ingestão, estiver em níveis que apresentem
risco de lesão hepática, de acordo com o nomograma de Rumack-Matthew.
Pode ser usado empiricamente, se a quantidade ingerida for desconhecida
ou se a concentração sérica não for disponível.

• Azul de metileno – é indicado no tratamento das metemoglobinemias


tóxicas, principalmente, nas intoxicações por nitritos, anilinas e derivados,
compostos fenólicos (naftalina) e sulfonas (dapsona), entre outros. O azul
de metileno é reduzido, pela enzima metemoglobina redutase e NADPH, a
azul de leucometileno e este, por sua vez, reduz a metemoglobina a
hemoglobina. A enzima G6PD (glicose -6-fosfato desidrogenase) é essencial
para a geração de NADPH e, portanto, essencial para o funcionamento do
azul de metileno como antídoto. Seu uso está indicado em pacientes com
sintomas de hipóxia celular (dispnéia, confusão mental ou dor torácica) ou
quando os níveis de metemoglobinemia excedem 30%. O efeito deste
antídoto é relativamente breve e, em casos de intoxicação por substâncias
que possuem meias-vida de eliminação prolongadas (ex.: a meia-vida da
dapsona em dose terapêutica é de 30 horas e, em overdose chega a 77
horas), é freqüente a recorrência de metemoglobinemia, sendo
eventualmente necessária a aplicação de doses adicionais do antídoto.

• Deferoxamina – é um agente quelante específico para o ferro. Liga-se


ao ferro livre e compete pelo ferro da ferritina e hemossiderina. Não afeta o
ferro localizado na transferrina, hemoglobina e citocromos, O complexo
ferro-deferoxamina formado é hidrossolúvel e excretado pelos rins tornando
a urina de cor vinho rosé. Reações in vitrodemonstraram que 100mg de
deferoxamina é capaz de quelar 8,5mg de ferro elementar. Seu uso é
indicado para níveis séricos de ferro superiores a 450mcg/dL ou na
presença de sinais clínicos de importantes (acidose metabólica, choque,
gastroenterite grave ou evidências de drágeas radiopacas no trato
gastrintestinal).

• Pralidoxima (Contrathion®) – trata-se de um antídoto que reverte a


inibição da enzima acetilcolinesterase reativando a enzima fosforilada e
protegendo-a de inibição posterior. Sua ação é mais evidente sobre os
efeitos nicotínicos revertendo as fasciculações e fraqueza de músculos
esqueléticos. Sobre os efeitos muscarínicos tem menor eficácia do que os
agentes antimuscarínicos (atropina e glicopirrolato) com os quais este
antídoto é invariavelmente administrado. Está indicado apenas nas
intoxicações por organofosforados (embora existam resultados clínicos
positivos para inseticidas carbamatos que possuem atividade nicotínica).
Deve ser empregado nos casos classificados como moderados ou graves
que já apresentam sinais nicotínicos ou depressão do SNC.

• Octreotida – é um polipeptídio sintético análogo à somatostatina que


suprime a liberação pancreática de insulina através de ligação ao receptor
de somatostatina, com bloqueio do canal de cálcio. É, portanto, uma
substância útil no manejo de intoxicações causadas por fármacos que
induzem a secreção endógena de insulina como as sulfoniluréias (as mais
utilizadas são gliburida, glipizida e clorpropamida) e outros
hipoglicemiantes orais e também na intoxicação hipoglicêmica causada por
quinino. A indicação de octeotrida deve ser considerada quando não há
resposta ao uso de glicose (após a infusão de 1g/Kg) ou à ingestão de
alimentos calóricos. Por ser um polipeptídio, é disponível apenas para
administração parenteral (subcutânea ou intravenosa).

• Vitamina K (fitomenadiona) – é um co-fator essencial para a síntese


hepática dos fatores de coagulação II, VII, IX e X. Em doses adequadas, a
vitamina K reverte os efeitos inibitórios dos derivados cumarínicos e
indandiônicos na síntese desses fatores. Somente a síntese de novos
fatores é afetada e, assim, os efeitos anticoagulantes são retardados até
que os fatores circulantes sejam degradados. Em geral, não se observam
efeitos até 2-3 dias devido à meia-vida prolongada dos fatores IX e X (24-
60 horas). Sua administração só é indicada quando houver prolongamento
do tempo de protrombina (TP) e/ou sangramento ativo. Não é indicada
para tratamento empírico nas ingestões de anticoagulantes, pois a maioria
dos casos não requer tratamento.

Observações importantes:

1- a farmacocinética do agente tóxico e do antídoto ou antagonista deve


ser considerada porque pode haver recorrência da síndrome tóxica se o
antídoto for eliminado mais rapidamente que o toxicante, particularmente,
nos casos em que o mecanismo de interação ocorre por competição no
sítio-alvo ou por inibição da conversão em metabólitos tóxicos. Portanto,
em certas situações pode ser necessária a aplicação de várias doses do
antídoto ou antagonista ou administrá-lo por infusão contínua.

2- apesar de serem essenciais no tratamento de certos agentes tóxicos, o


seu uso não exclui a necessidade de terapia de suporte continuada e, em
alguns casos, eliminação extracorpórea.

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