Lerhistoria 263
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64 | 2013
Do Corporativismo ao Estado Social Democrático
Vinicius Dantas
Edição electrónica
URL: https://journals.openedition.org/lerhistoria/263
DOI: 10.4000/lerhistoria.263
ISSN: 2183-7791
Editora
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Edição impressa
Data de publição: 1 de junho de 2013
Paginação: 201-214
ISSN: 0870-6182
Este documento é oferecido por Bibliothèque Sainte-Barbe - Université Sorbonne Nouvelle Paris 3
Refêrencia eletrónica
Vinicius Dantas, «A privança no Portugal restaurado», Ler História [Online], 64 | 2013, posto online no
dia 11 novembro 2014, consultado no dia 30 setembro 2023. URL: http://journals.openedition.org/
lerhistoria/263 ; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.263
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Ler história | N.º 64 | 2013 | pp. 201-214
Introdução
Em um congresso realizado na Universidade de Oxford em meados de
1990, historiadores de diversas áreas debateram sobre a importância de uma
personagem central na política das monarquias européias do século XVII: o
valido ou privado. Estes indivíduos intervinham directamente nas decisões de
governo, actuando como uma espécie de «primeiro-ministro», em conjunto
ou até mesmo em lugar de seus reis.
Como é sabido, a partir do valimento de D. Francisco Gómez de San-
doval y Rojas (1598-1618), duque de Lerma, na Espanha de Felipe III (1598-
-1621), as cortes européias testemunharam uma proliferação de validos. Mais
que um fenômeno ocasional, o valimento se tornava um modelo de moderni-
zação administrativa que poderia ser reproduzido em diversos contextos. De
uma forma geral, ao dividirem as suas prerrogativas com um privado, os mo-
narcas concentravam o processo de decisão política, agilizando as decisões.
Nesse sentido, governar com validos era uma prática política, que também
produzia importantes impactos institucionais.
Ao folhearmos as páginas do livro originário do referido colóquio, encon-
tramos dezessete capítulos sobre casos de valimento nas monarquias hispâ-
nica, francesa, inglesa e polaca, entre outras. Uma única menção à privança
em Portugal foi feita na conclusão da obra, em uma citação sobre o marquês
de Pombal e os ministros do século XVIII. Na historiografia sobre a monarquia
portuguesa, se já se conhecem os aspectos essenciais do valimento durante
o governo dos Filipes (1580-1640), ainda são escassos os estudos sobre a
privança na segunda metade do século XVII e a primeira do XVIII. Da regên-
cia de D. Luísa de Gusmão (1656-1662) ao reinado de D. José (1750-1777),
homens como António Conti, D. Luís de Vasconcelos e Sousa, 3.º conde de
Castelo Melhor, D. João da Mota e Silva, frei Gaspar da Encarnação e Sebas-
tião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, influenciaram, em maior
ou menor grau, as decisões régias como privados ou validos de seus reis2.
1 Abreviaturas utilizadas: ANTT (Arquivo Nacional da Torre do Tombo), BNP (Biblioteca Nacional de Portugal), BGUC
(Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra). Agradeço aos referees da Ler História e à Doutora Ana Isabel López-
-Salazar Codes pelas críticas e sugestões.
2 Elliott, John H. & Laurence Brockliss (eds) (2000), The world of the favourite, Yale University Press, 1999. Citado
aqui pela tradução espanhola: El mundo de los validos, Madrid, Taurus. Brockliss, Laurence (1982), «Observaciones
finales: Anatomia del Ministro-Favorito», in op. cit., p. 426. Sobre o governo dos Felipes e os impactos das políticas
dos validos do rei castelhano em Portugal: Gaillard, Claude, Le Portugal sous Phillippe III. L’action de Diego de Silva
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y Mendonça, Grenoble, Université des Langues et Lettres de Grenoble; Elliott, John H. (1990 [1986]), El conde-
duque de Olivares. El político en una época de decadência, Barcelona, Crítica; Hespanha, António Manuel (1989),
«O governo dos Áustrias e a ‘modernização’ da Constituição Portuguesa», Penélope. Fazer e Desfazer a História,
2, pp. 49-73; Oliveira, ,Antonio de (1990), Poder e oposição política em Portugal no Período Filipino (1580-1640),
Lisboa, Difel; Luxán Meléndez, Santiago de (1988), La revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales
y sus caracteres nacionales. El Consejo de Portugal: 1580-1640, Madrid; Idem, (1992), «El control de la hacienda
portuguesa desde el poder central. La Junta de Hacienda de Portugal 1602-1609», História. Revista da Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, 9, pp. 119-136; Bouza Álvarez, Fernando (2000), «A nobreza portuguesa e
a corte de Madrid. Nobres e luta política no Portugal de Olivares», in Fernando Bouza Álvarez, Portugal no tempo
dos Filipes. Política, Cultura, Representações (1580-1668), Lisboa, Cosmos, pp. 207-256; Schaub, Jean-Frédéric
(2001), Le Portugal au temps du comte duc d’Olivares (1621-1640), Madrid, Casa de Velázquez; Idem (1998),
«Dinámicas políticas en el Portugal de Felipe III (1598-1621)», Relaciones, 73, pp. 169-211. Sobre o valido Antonio
Conti: Guiraud, Michèle (2005), «António de Conti, favori de D. Afonso VI», Revista de História da Sociedade e da
Cultura, 5, pp. 101-131. Sobre os favoritos de D. João V: Silva, Maria Beatriz Nizza da (2009), D. João V, Rio do
Mouro, Circulo de Leitores, pp. 80-85; Monteiro, Nuno Gonçalo (2006), D. José na sombra de Pombal, Rio do Mouro,
Círculo de leitores, pp. 53-58. Apesar dos muitos trabalhos sobre o marquês de Pombal, só muito recentemente,
com a publicação da obra de Nuno Gonçalo Monteiro, os historiadores situaram a actuação do ministro de D. José
no contexto das discussões sobre o valimento. Veja-se: Monteiro (2006), D. José.., pp. 238-244; Idem, «Pombal’s
government: Between seventeenth-century valido and enlightened models» in Paquette, Gabriel B. (ed.) (2009),
Enlightened reform in Southern Europe and its Atlantic colonies, c.1750-1830, Ashgate, pp. 321-338. Entretanto,
pelos diferentes entendimentos das transformações políticas do Portugal do século XVIII e da actuação de Pombal,
a interpretação do marquês como um valido gerou um novo debate: Subtil, José (2011), «Pombal e o rei: valimento
ou governamentalização?», Ler História, 60; Idem (2007), O terramoto político (1755-1759). Memória e poder,
Lisboa, Universidade Autónoma de Lisboa. Para um balanço das duas interpretações de Monteiro e Subtil sobre
as transformações políticas no Portugal do século XVIII: Hespanha, António Manuel (2007), «A note on two recent
books on the Patterns of Portuguese Politics in the 18th century», e-Journal of Portuguese History, v. 5, n.º 2.
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3 Menezes, Luís de, conde de Ericeira (1945), História de Portugal Restaurado, Porto, Livraria Civilização, v. 3, pp. 77-78
e 164-165. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, mç. 3, doc. 96 (Luís). ANTT, Registo Geral
de Mercês, D. Afonso VI, liv. 5, fl. 339 v: «Carta título de Conde de Castelo Melhor, 10/IV/1660». BNP, Reservados,
mss 71, n.° 18: «Carta do officio de reposteiro-mor ao conde de Castello Melhor». Rafael Bluteau, «Reposteiro» in
Vocabulário Portuguez e Latino, Coimbra, Colégio das Artes da Cia de Jesus, 1728, vol. VII, p. 262. Cardim, Pedro
(2002), «A Casa Real e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade de Seiscentos», Tempo,
vol. 7, n.º 13, pp. 18-23.
4 Sobre as mercês concedidas durante o valimento de Conti, veja-se o pioneiro artigo de Gastão de Mello de Matos,
«Um processo político do século XVII» in VI Congresso do Mundo Português, Lisboa, 1942, pp. 640-641.
5 «Carta Patente Instaura o ofício de Escrivão da puridade, e nomeia para ele o Conde de Castelo Melhor», 21/VII/1662
publicada em: José Justino de Andrade Silva (dir.), Collecção Chronologica da Legislação Portugueza (1657-1674),
Lisboa, Imprensa de J. J. A. Silva, 1854, pp. 76-77. ANTT, Chancelaria de D. Afonso VI, Doações e privilégios, liv.
19, fl. 162v: «Carta de Escrivão da Puridade». Sobre os escrivães da puridade, o estudo do conde de Tovar continua
a ser a melhor fonte de informação: Lemos, Pedro Tovar de (1961), «O escrivão da puridade» in Estudos históricos,
Lisboa, Academia Portuguesa de História, tomo III; Gomes, Rita Costa (2003), The Making of a Court Society: Kings
and Nobles in Late Medieval Portugal, Cambridge University Press, pp. 43-47. Sobre os secretários de Estado em
Portugal, veja-se: Costa,André da Silva (2008), Os secretários e o Estado do rei: luta de corte e poder político secs.
XVI-XVIII, Dissertação de Mestrado em História, Universidade Nova de Lisboa.
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6 Como sabemos, tais mudanças não significaram a extinção do valimento. Cf. Bérenger, Jean, «La supresión del
Ministro-favorito, o el crepúsculo de un modelo político: el caso austríaco» in Elliott & Brockliss (eds.), El mundo…,
op. cit., pp. 365-382. Após o falecimento de Mazarino, Luís XIV governou auxiliado pelos secretários Michel Le
Tellier, chanceler de França, Hugues de Lionne, secretário dos assuntos estrangeiros e Jean-Baptiste Colbert, con-
trolador general de finanças e secretário da Marinha. Para uma análise do funcionamento da administração central
da monarquia francesa após a morte de Mazarino cf. Sarmant, Thierry & Mathieu Stoll (2010), Régner et gouverner.
Louis XIV et ses ministres, Paris, Perrin, pp. 61-104.
7 Acerca do «modelo» de privança de Luís de Haro e da influência do governo «pessoal» de Luís XIV no sistema de
despacho da Monarquia Hispânica cf. Valladares, Rafael (2009), «Haro sin Mazarino. España y el fin del “orden de
los Pirineos” en 1661», Pedralbes, 29, pp. 339-393.
8 Ao longo do século XIX diversos literatos se ocuparam com o estudo do reinado de Afonso VI. Como exemplos: Andrade
Corvo, Um ano na corte, Lisboa, Typographia da revista universal, 1850-1851; José de Torres, «Reinado de D. Affonso
VI» in Archivo Pitoresco, vol. V (1862); Manuel C. Pereira Coutinho, «Desthronação de D. Affonso VI rei de Portugal» in
O Instituto, Coimbra, vols. XII-XIII (1865-1866); Julio Rocha, O favorito de D. Afonso VI, Lisboa, Typographia progres-
sista, 1879; Manuel Bernardes Branco, Sua majestade El-Rei o senhor D. Affonso VI e sua sereníssima esposa, Lisboa,
Typographia de Adolpho Modesto & Cia, 1885; João da Câmara, D. Affonso VI: Drama em cinco actos, Lisboa, Livraria
A. Ferin, 1890; Idem, O conde de Castelo Melhor: Romance histórico ilustrado, Porto, O primeiro de Janeiro, 1903.
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9 Fernando Palha, O conde de Castel Melhor no exílio. Ensaio biográphico, Lisboa, Imprensa Nacional, 1883, pp. 3-15.
10 Edgar Prestage, «O conde de Castelo Melhor e a retrocessão de Tánger a Portugal» in Separata do Boletim da
Segunda Classe, Coimbra, Imprensa da Universidade, v.11 (1917), p. 3; Idem, Correspondência do conde de
Castelo Melhor com o Pe. Manuel Fernandes e outros. (1668-1678), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1917.
11 Prestage, Edgar (1930), «Castel Melhor e a rainha D. Maria Francisca» in Miscelânea de Estudos em honra de
D. Carolina Michaelis de Vasconcellos, Coimbra, Imprensa da Universidade, pp. 1-15; Idem (1939), «A Catastro-
phe de Portugal e o tratado de liga de 1667 com a França», Arquivo Histórico de Portugal, IV, pp. 5-16. Sobre a
correspondência de Castelo Melhor com os diplomatas ingleses, veja-se, do mesmo período, Almeida, M. Lopes
de (1932), «Carta de Robert Southwell para o conde de Castelo Melhor sobre os negócios da Espanha (1666)»,
Separata da Biblios, Coimbra, Imprensa da Universidade, v. VIII, n.º 5-8.
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12 Matos, Gastão de Melo de (1935), «A Anticatastrophe: estudo crítico», in Separata do 2.° Volume do Arquivo Histórico
de Portugal, Lisboa, p. 7. Além de Prestage e de Matos, em 1916 D. Francisco de Souza e Holstein (1838-1878),
marquês de Sousa Holstein, publicou um artigo sobre os anos de exílio de Castelo Melhor na corte de Carlos II e
Catarina de Bragança (1677-1685) contribuindo para um melhor conhecimento das atividades de Castelo Melhor
na corte britânica. Cf. D. Francisco e Souza Holstein, «O conde de Castelo Melhor em Londres» in Separata da
Revista de História, Porto, Typographia da Empreza Literária e Tipographica, n.º 19 (1916).
13 Silva, César da (1922), O conde de Castelo Melhor. Chronica episódica do reinado de D. Afonso VI, Lisboa, João
Romano Torres & Cia Editores, p. 10. Eduardo Burnay, «O conde de Castel-Melhor: As suas presumidas relações
com os alquimistas, mágicos, filósofos, moedeiros-falsos e envenenadores do século XVII», Separata de O Instituto,
Coimbra, Imprensa da Universidade, vol. 69 (1923), p. 7.
14 Ribeiro, Ângelo (1937) «A organização da vitória» in Damião Peres & Ângelo Ribeiro (orgs), História de Portugal,
Barcelos, Portucalense, v. 6, pp. 77-100. Ribeiro, Mário de Sampayo (1938), A destronação de El-Rei D. Afonso
VI e a anulação de seu matrimônio, Lisboa, tip. de Inácio Pereira Rosa, 1938, p. 18.
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15 Gastão de Melo de Matos (1944),, «O sentido da crise política de 1667», Anais da Academia Portuguesa de História.
Ciclo da Restauração, vol. VIII, p. 337. O mesmo período seria lembrado pelo autor em outras ocasiões. Para além do
já citado estudo crítico sobre a Anticatastrophe veja-se: «Nos bastidores da política seiscentista: Sebastião César de
Meneses», Lisboa, Trabalhos da associação de arqueólogos portugueses, V (1941), pp. 7-39; Idem, «Um processo
político do século XVII» in Congresso do mundo português, VI congresso, tomo 2.°, II Secção: Restauração e Guerra
da independência, Lisboa, 1942, pp. 633-667; Idem, «Panfletos do século XVII», in Anais. Ciclo da Restauração
de Portugal, Lisboa, Academia portuguesa de história, X (1946), pp. 15-26. Entretanto, apesar das contribuições
de Matos à historiografia sobre Castelo Melhor, neste mesmo período ainda eram predominantes os julgamentos
morais sobre o valido. Cf. Magalhães, Antonio Manuel (1943), Uma grande figura da Restauração. O conde de
Castelo Melhor, Dissertação de licenciatura, Coimbra, FLUC; Oliveira, José Marques de (1950), Alguns aspectos
da administração do Conde de Castelo Melhor (1662-1667), Dissertação de licenciatura, Lisboa, FLUL; Pedro,
Guiomar Reis (1950), Acção política do 3.º conde de Castelo Melhor na Restauração, Dissertação de licenciatura,
Lisboa, FLUL; Campos, José Damasceno (1952), Acção governativa do Conde de Castelo-Melhor, Dissertação de
licenciatura, Coimbra, FLUC.
16 Macedo, Jorge Borges de (1961), «O conde de Castel-Melhor. Ensaio biográfico», in Os grandes portugueses,
Lisboa.
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17 Torgal, Luís Reis (1981 [1978]), Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, Coimbra, Imprensa Geral
da Universidade, v. 1, p. 96. Sobre as interpretações nacionalistas da Restauração veja-se do mesmo autor «A
restauração: breves reflexões sobre a sua historiografia», Revista de História das Idéias, n.º 1 (1976), pp. 23-40;
Hespanha, Antonio Manuel (1993), «As faces de uma ‘Revolução’» in Penélope, n.º 9/10, pp. 7-16; Cunha, Mafalda
Soares da (2009), «Sebastianismo, os Jesuítas e os Bragança. Reflexões historiográficas em torno de 1640»,
Economia e Sociologia, n.º 88-89, pp. 357-375.
18 Torgal (1981 [1978]), Ideologia política…, v. 1, p. 162.
19 Entre os trabalhos fundamentais nesse processo de revisão historiográfica: Albuquerque, Martim de (1974), A
sombra de Maquiavel e a ética tradicional portuguesa, Lisboa, Universidade de Lisboa; Idem (1978), Jean Bodin
na Península Ibérica: ensaio de história das idéias políticas e do direito público, Lisboa, Fundação Calouste Gul-
benkian; Hespanha, António Manuel (1986), As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal – Sec.
XVII, Lisboa; Idem (1986), A historiografía jurídico-institucional e a morte do Estado, Madrid, Instituto Nacional de
Estudios Jurídicos. Sobre a revisão do conceito de centralização no Portugal seiscentista: Cardim, Pedro(1998),
«Centralização política e Estado na recente historiografia sobre o Portugal do Antigo Regime», Nação e Defesa,
vol. 87, pp. 129-158; Schaub, Jean-Frédéric (1995), «La Penisola Iberica nei secoli XVI e XVII: la questione dello
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Entretanto, esse novo paradigma coexistiu com estudos que ainda re-
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produziam parcial ou integralmente os tradicionais juízos de valor sobre o
reinado afonsino e o seu ministro, apresentando Castelo Melhor em tom apo-
logético como um «patriota» à serviço da «nação» portuguesa. Apesar do tipo
de abordagem escolhida, tais trabalhos foram fundamentais pela divulgação
de novas fontes arquivísticas para o estudo do período20.
Para que se delineasse uma nova compreensão do valimento de Castelo
Melhor foi necessário passar do estudo individual à análise do papel institucio-
nal do valido. Esta perspectiva foi alcançada através da comparação da história
de Portugal do século XVII com a das outras monarquias européias do mesmo
período. Um dos principais responsáveis por essa nova abordagem foi o histo-
riador do Direito António Manuel Hespanha. Ao destacar a existência de uma
multiplicidade de jurisdições no Portugal do século XVII, as transformações es-
truturais do reino durante o período filipino (1580-1640) e o papel renovado das
cortes no governo de D. João IV, Hespanha trouxe importantes inovações aos
estudos sobre o poder na Época Moderna21. A partir das contribuições metodo-
lógicas e historiográficas de Hespanha, o reinado afonsino ganhou destaque,
sobretudo através dos trabalhos de Pedro Cardim e de Ângela Barreto Xavier.
No seu livro sobre as Cortes portuguesas do século XVII, Pedro Cardim
refletiu sobre os impactos do valimento de Castelo Melhor nas instituições
e destacou que o governo do conde retomou certos aspectos do valimento
do conde duque de Olivares na Monarquia Hispânica22. Em outro trabalho,
o autor dissertou sobre a natureza pragmática e improvisada da política do
valido de D. Afonso VI. De acordo com Cardim, Castelo Melhor, durante os
seus cinco anos de governo, não seguiu qualquer projecto político ou idéias
previamente definidas23. Em outro texto sobre a casa real portuguesa, Car-
Stato», Studi Storici, n.º 1, pp. 9-49. Sobre a internacionalização da historiografia portuguesa, veja-se: Schaub,
Jean-Frédéric (2000), «Novas aproximações ao Antigo Regime português», Penélope, n.º 22, pp. 119-140; Idem
(2003), «The internationalisation of Portuguese historiography», e-journal of Portuguese History, v. 1, n.º 1, &
v. 1, n.º 2; Cardim, Pedro & Mafalda Soares da Cunha (2007), «From periphery to centre: the internationalization
of the historiography of Portugal», Historisk Tidskrift, n.º 127, vol. 4, pp. 643-657.
20 Black, Maria Luísa de Bivar (1996), Um escrivão da puridade no poder. O conde de Castelo Melhor. 1662-1667,
Lisboa, SPB Editores & Livreiros; Ramos, Margarida P. A. e Silva Covas (1995), O governo de D. Afonso VI: Uma
administração em tempo de guerra. (1662-1667), Dissertação de mestrado em História Moderna, Lisboa, FLUL;
Sousa, Francisco da Silveira de Vasconcellos e (2001), O ministro de D. Afonso VI. Luís de Vasconcelos e Souza
3.° Conde de Castelo Melhor, Porto, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa; Rocha, Maria Manuela Martins
(1990), A promoção da imagem do rei D. Afonso VI e do governo de Castelo Melhor no mercúrio portuguez,
Dissertação de mestrado em literatura e cultura portuguesas, Lisboa, FCSH, UNL.
21 Além dos já citados trabalhos «O governo dos Áustrias…» e As vésperas do Leviathan…, veja-se do mesmo autor:
«As cortes e o reino: Da União à Restauração», Cuadernos de Historia Moderna, n.º 11 (1991), pp. 21-56.
22 Cardim, Pedro (1998), Cortes e cultura política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Cosmos, p. 31.
23 Cardim, Pedro (2002), «O processo político (1621-1667)» in António Manuel Hespanha (coord.), José Mattoso
(dir), História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), Lisboa, Círculo de Leitores/Lexicultural, v. 8, p. 64.
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24 Cardim, Pedro (2000), «A Casa Real e os orgãos centrais de governo…», op. cit., pp. 52-56; Idem, O poder dos
afectos. Ordem amorosa e dinâmica política no Portugal do Antigo Regime, Dissertação de doutoramento, Lisboa,
FCSH, UNL, cap. 7, pp. 477-560.
25 Xavier, Ângela Barreto (1998), “El Rei aonde póde, & não aonde quer”. Razões da política no Portugal seiscentista,
Lisboa, Edições Colibri, p. 147.
26 Xavier, Ângela Barreto (1999), «The ‘valimento’ of Castelo Melhor (1662-1667). Reasons of State in Portugal in the
second half of the Seventeenth Century», Arquivio della ragion di Stato, Quaderno I: Prudenza civile, bene comune,
guerra giusta. Percorsi della ragion di Stato tra Seicento e Settecento, pp. 103-104; Idem (2003), «A crise política
de 1667-1668», in António Manuel Hespanha (ed), O milénio português. Século XVII, Lisboa, Círculo de Leitores.
27 Xavier, Ângela Barreto, Pedro Cardim & Fernando Bouza Álvarez (1996), Festas que se fizeram pelo casamento
do rei D. Afonso VI, Lisboa, Quetzal editores; Xavier, Ângela Barreto & Pedro Cardim (2006), D. Afonso VI, Lisboa,
Circulo de Leitores.
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28 Valladares, Rafael (1998), La rebelión de Portugal (1640-1680). Guerra, conflicto y poderes en la Monarquía
Hispánica, Valladolid, Junta de Castilla y León.
29 Antunes, José Carlos Janela (2003), Le Portugal de la «Restauração». La politique du comte de Castelo Melhor
(1662-1667) et l’attitude de la France, thèse doctorat, Paris, Université Paris IV.
30 Sobre os rendimentos da casa de Castelo Melhor durante o governo do valido. Cf. Salvado, João Paulo (2009),
Nobreza, monarquia e império. A casa senhorial dos almotacés-mores do reino. (Séculos XVI-XVIII), Dissertação
de doutoramento em História dos descobrimentos e da expansão portuguesa, FCSH, UNL, pp. 125-130.
31 Lourenço, Maria Paula Marçal (2007), D. Pedro II. O pacífico (1648-1706), Rio do Mouro, Círculo de Leitores.
Sobre o governo do «pacífico» veja-se também: Braga, Paulo Drumond (2006), D. Pedro II. 1648-1706, Lisboa,
Tribuna da História. Para os anos de Castelo Melhor na corte inglesa (1677-1685) Cf. Troni, Joana Almeida (2008),
Catarina de Bragança (1638-1705), Lisboa, Edições Colibri.
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32 Dantas, Vinícius Orlando de Carvalho (2009), O conde de Castelo Melhor: Valimento e razões de Estado no Portugal
seiscentista (1640-1667), Dissertação de Mestrado, Niterói, Universidade Federal Fluminense. Cf. nosso artigo «La
privanza del conde de Castelo Melhor y la justificación del valimiento en el Portugal de los Braganza (1662-1667)»,
Espacio, Tiempo y Forma. Serie IV, Historia Moderna, 2013. (no prelo)
33 Mello, Evaldo Cabral de (2003 [1995] ), A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-
-1715, Rio de Janeiro, Editora 34.
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Conclusão
Como vimos, apesar dos muitos trabalhos que direta ou indiretamente
lidaram com os cinco anos de governo de Luís de Vasconcelos e Sousa, pou-
cos autores atentaram para os aspectos institucionais da sua privança. Nes-
se sentido, até há pouco tempo, predominavam as interpretações baseadas
no julgamento moral ou no engrandecimento das acções de Castelo Melhor.
Esta perspectiva de análise tem as suas origens nos discursos de apologia
e de oposição ao valido presentes nas fontes coevas e dos períodos pos-
teriores. Assim, a historiografia sobre o tema polarizou-se em dois grupos
principais. Para os que repudiaram as acções do ministro, Castelo Melhor foi
um ambicioso cortesão que não mediu esforços para a conservação da sua
privança, facilitada pela «incapacidade» do rei D. Afonso VI36. Já aqueles que
engrandeceram o seu governo argumentaram que o valido fora injustamen-
te condenado pelos seus opositores. Exercendo um papel fundamental nas
vitórias portuguesas da Guerra da Restauração, Castelo Melhor demonstrou
34 Subrahmanyam, Sanjay (1993), O império asiático português, 1500-1700. Uma história política e econômica,
Lisboa, Difel, p. 254. Sobre as negociações para a entrega de Bombaim, veja-se Nobre, Pedro Alexandre David
(2008), A entrega de Bombaim ao Reino Unido (1661-1668). Um processo diplomático, Dissertação de Mestrado
em História e Arqueologia dos Descobrimentos e da Expansão portuguesa, Lisboa, FCSH, UNL.
35 Ames, Glenn J. (2000), Renascent Empire? The House of Braganza and the Quest for Stability in Portuguese
Monsoon Asia, ca. 1640-1683, Amsterdam, Amsterdam University Press, p. 31. Numa perspectiva semelhante:
Chaturvedula, Nandini (2010), Imperial Excess: Corruption and Decadence in Portuguese India (1660-1706), Ph.D
Thesis, New York, Columbia University, pp. 28-29.
36 Apesar de uma acusação comum aos reis que governaram com validos, no caso de D. Afonso VI, a «incapacidade»
parece não ter se resumido à sua inabilidade para governar sozinho. Nesse sentido, fontes coevas nos legaram
a imagem de um rei fraco e doente, impossibilitado de suas funções governativas por sua «incapacidade física».
Sobre as imagens de D. Afonso VI, veja-se a citada biografia de Pedro Cardim e Ângela Barreto Xavier.
Vinícius Dantas | A privança no Portugal restaurado...
Vinicius Dantas
Centro de História de Além-Mar – FCSH-UNL e CAPES (Brasil)
37 A bibliografia sobre o valimento é vastíssima. Listamos aqui alguns trabalhos essenciais: Tomás y Valiente, Fran-
cisco (1990 [1963]), Los validos en la monarquia española del siglo XVII, Madrid, Siglo XXI; Ranum, Orest 1966
[1963], Les créatures de Richelieu: secrétaires d’Etat et surintendants des finances, 1635-1642, Paris, Éditions
A. Pedone; Bérenguer, Jean (1974), «Le problème du Ministériat XVIIe siècle», Annales E.S.C, 29, vol. 29, n.º 1,
pp. 166-192; Elliott John, (2004 [1986]), El Conde-Duque de Olivares, Barcelona, Crítica, ; Idem (2001 [1984]),
Richelieu y Olivares, Barcelona, Crítica, García García, Bernardo José (1996), La pax hispánica: política exterior
del duque de Lerma, Leuven University Press; Allen, Paul (2000), C. Phillip III and the Pax Hispanica, 1598-1621,
Yale University Press; Feros, Antonio (2002 [2000]), El duque de Lerma. Realeza y privanza en la España de Felipe
III, Madrid, Marcial Pons; Escudero, Jose Antonio (coord) (2004), Los validos, Madrid, Dykinson; Williams, Patrick
(2006), The great favourite. The Duke of Lerma and the court and government of Phillip III of Spain, Manchester
University Press; Thompson, I. A. A., «El contexto institucional de la aparición del ministro-favorito» in Laurence
Brockliss & John.H. Elliott, El mundo de los validos…, pp. 25-41.