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Barroso. Boletim XXXIX

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Boletim do

Venerável D. António Barroso


Director: Amadeu Gomes de Araújo, Vice-Postulador
Propriedade: Associação dos Amigos de D. António Barroso. NIPC 508 401 852
Administração e Redacção: Rua de Luanda, n.º 480, 3.º Esq. 2775-369 Carcavelos
Tlm.: 934 285 048 “Chamada para a rede móvel nacional” – E-mail: vicepostulador.antoniobarroso@gmail.com
Publicação trimestral | Assinatura anual: 5,00€

III Série  .  Ano XIII  .  N.º 39  .  Abril / Setembro de 2023

O MISSIONÁRIO ANTÓNIO BARROSO


E A JUVENTUDE AFRICANA (1)
Por Amadeu Gomes de Araújo vens. As primeiras escolas femininas de
Moçambique nasceram da sua iniciati-
Uma das áreas a que o espírito va, como adiante se informa.
reformador de D. António Barroso
prestou cuidada atenção, foi à juven- Ensino e formação
tude. Como padre, em Angola/Congo, As primeiras funções que o missio-
e, depois, como bispo, em Moçambique nário António Barroso exerceu à che-
e em Meliapor, deu prioridade ao en- gada a Angola, em simultâneo com as de
sino e à formação dos jovens. Assu- pároco, foi as de professor do ensino
miu o ensino como base para a acção primário.(1) O seu primeiro biógrafo,
evangelizadora. Inovador, sonhador, Pe. Oliveira Braz, informa que nos anos
entendia o ensino como um dos direi- em que trabalhou naquela colónia, de
tos básicos do homem e, por isso, se 1881 a 1888, nunca juntou um tostão,
empenhou tanto na instrução do povo, porque aplicava a côngrua que recebia,
prestando particular atenção aos jo- no apoio a alunos carenciados. Cuidou

Igreja de Nossa Senhora do Cabo, da Ilha


de Luanda, primeiro posto de trabalho
do Pe. António Barroso. Foi nomeado
pároco da freguesia de Nossa Senhora do
Cabo, em 2-10-1880, e professor de ins-
trução primária da Ilha, em 12-10-1880.

Fundador: Pe. António F. Cardoso


Design: Filipa Craveiro | Alberto Craveiro
Impressão: Escola Tipográfica das Missões - Cucujães - tel. 256 899 340 “Chamada para a rede fixa nacional” | Depósito legal n.º 92978/95 | Tiragem 2.000 exs. | Registo ICS n.º 116.839 P1
Boletim do Venerável D. António Barroso
da instrução e da promoção humana que, o Instituto Leão XIII destinado à a tal respeito».(7)
dos jovens, como assunto prioritário. educação de crianças do sexo feminino». Dava também grande importância
Assumiu o ensino como uma base para E o educador pioneiro recorda que ao ensino e à prática da agricultura. Es-
o seu trabalho de evangelizador: «De- «Na vasta extensão da Província de Mo- creveu, a propósito: «O primeiro cuidado
vendo ser dos primeiros cuidados duma çambique não existia uma única casa de das missões deve ser a agricultura; nun-
missão religiosa, a instrução popular, tra- educação feminina, quer para os que po- ca será próspera uma missão que tenha
támos logo de obter uma casa adequada dem pagar a instrução quer para os que de importar tudo o que consome. Disto
para tal fim». não dispõem de recursos. tira logo três resultados capitais: aliviar as
Anos mais tarde, já prelado de Mo- Os primeiros mandavam, portanto, despesas, ensinar os hábitos de trabalho
çambique, em ofício que dirigiu ao mi- muitas vezes com sacrifícios, as suas filhas ao indígena, introduzir novas culturas e
nistro do Ultramar, em Lisboa, escre- para Lisboa, Cabo ou Natal, e os segundos processos no país, que em pouco tempo
veu: viam-nas crescer órfãs de todo o mimo e serão seguidos pelo indígena, que é sufi-
«É um facto sabido de todos, que entre instrução».(3) cientemente observador, para tirar os co-
as Colónias sujeitas à Coroa Portuguesa, Em ofício datado de 1 de Fevereiro rolários lógicos destas inovações».(8)
Moçambique é a menos favorecida no im- de 1893, declarou: «É meu desejo que
Continua
portante ramo de instrução e educação. haja no novo colégio um número de luga-
Em toda esta vastíssima Província não res o mais largo que se possa, destinado
NOTAS:
existe um único instituto de educação, que a orfãs de pai e mãe, ou só dum dêles;
mereça tal nome, para o sexo feminino, outro para raparigas pretas e um tercei- 1 - Em 12 de Outubro de 1880, um
mês depois da chegada, foi nomeado
quer para indígenas, quer para europeias ro para pensionistas».(4) E, em ofício ao professor de instrução primária da Ilha
ou mestiças. ministro do Ultramar, de 21 de Janeiro do Cabo, em Luanda, seguindo as pisadas
do avô materno, Joaquim Gomes Barro-
Em vista da carência absoluta de ins- de 1896, cinco meses após a inaugu-
so, que fora seu mestre-escola.
tituições desta ordem, foi um dos meus ração, afirmou: «Há um grande número 2 - Ofício de D. António Barroso ao
primeiros cuidados estabelecer uma Casa para a classe das crianças gratuitas, isto é, ministro do Ultramar (02-05-1893). In
BRÁSIO, António – D. António Barroso,
de Caridade e Beneficência, para as filhas órfãs, abandonadas e pobres. O Instituto Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa:
desta Província poderem, sem terem de se tem actualmente quinze, mas esse núme- Centro de Estudos Históricos Ultramari-
expatriarem, adquirir uma educação sóli- ro deve ser elevado e muito, para que os nos, 1961, p. 553.
3 - Ofício de D. António Barroso ao
da e profícua».(2) benefícios da educação se estendam ao Ministro do Ultramar (21-1-1896). In
Moçambique, para onde embarcou maior número possível».(5) Com esta BRÁSIO, António – D. António Barroso,
em Fevereiro de 1892, como Prelado, e iniciativa desejava comemorar o jubi- Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa:
Centro de Estudos Históricos Ultramari-
donde regressou, por razões de saúde, leu sacerdotal de Leão XIII, o Papa das nos, 1961, p. 593.
em Setembro de 1895, guarda memó- questões sociais, que tanto admirava. 4 - Ofício citado por CUNHA, Ama-
deu – Jornadas e Outros Trabalhos do Mis-
rias vivas do seu empenho na instrução Destes dois Institutos que criara, sionário Barroso. Lisboa: Agência Geral
da juventude. As primeiras escolas fe- legitimamente se orgulhava. Eram as das Colónias, 1938, p. 158.
mininas que se criaram naquela colónia meninas dos seus olhos, como escreve 5 - Ofício de D. António Barroso ao
ministro do Ultramar (21-1-1896). In
do Índico são, de facto, da iniciativa de um seu biógrafo. Sobre o fim que ti- BRÁSIO, António – D. António Barroso,
D. António Barroso. Em Julho de 1893, veram, com o advento da República, o Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa:
inaugurou o Instituto de Ensino Rainha P.e Oliveira Braz registou assim: «Essas Centro de Estudos Históricos Ultramari-
nos, 1961, p. 593.
D. Amélia, em Lourenço Marques, onde duas instituições, de tão fecundos resulta- 6 - BRAZ, Sebastião de Oliveira – D.
«as Irmãs de São José de Cluny ministram dos civilisadores, e alicerçadas em tantos António José de Sousa Barroso – esboço da
sua biographia. Porto: Livraria Portugue-
uma instrução sólida e variada a todas sacrifícios, varreu-as uma rajada de jaco-
za Editora, 1921, p. 41.
as crianças daquela cidade que dela se binismo estolido, logo apoz a implantação 7 - BARROSO, António – Padroado de
quiserem aproveitar». Dois anos depois, do actual regimen».(6) Portugal em África. Relatório da Prela-
zia de Moçambique. In BRÁSIO, António
inaugurou o Instituto Leão XIII, na Ca- Pretendeu criar colégios semelhan- – D. António Barroso, Missionário, Cientis-
baceira Grande, junto à Ilha, como, a tes noutros locais da Província. «Com ta, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos
propósito, informou o ministro do Ul- pequeno dispêndio poder-se-iam multipli- Históricos Ultramarinos, 1961, p. 229.
8 - BARROSO, António – O Congo.
tramar, por ofício datado de Lisboa, em car os institutos desta ordem, como já tive Seu Passado, Presente e Futuro. Co-
21 de Janeiro de 1896: «No dia 18 de ocasião de propor para Quelimane, pedin- municação à Sociedade de Geografia de
Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António
Agosto do ano pretérito tive a satisfação do ao Governo de Sua Majestade apenas
Barroso, Missionário, Cientista, Missiólo-
de inaugurar na Cabaceira Grande, no uma casa onde pudesse funcionar; não go. Lisboa: Centro de Estudos Históricos
continente fronteiro à Ilha de Moçambi- recebi, porém, até hoje, resposta alguma Ultramarinos, 1961, p. 147.

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Boletim do Venerável D. António Barroso

ESTANDARTE DE D. ANTÓNIO BARROSO MARCOU


PRESENÇA NA PROCISSÃO DAS CRUZES

Por Victor Pinho, Bibliotecário do çoar todos numa atitude de enorme A Procissão das Cruzes deste ano, que
contou com o novo Estandarte de D.
Município de Barcelos, 1984-2020
satisfação e alegria.
António Barroso, realizou-se debaixo
O grande missionário e destacado de uma carga de água, a fazer recor-
Imagens de Antosbento e CMB Bispo do Porto agradeceu a todos e dar o bem molhado dia 4/10/1918,
muito especialmente ao Dr. Duarte quando D. António foi trasladado do
A Procissão das Cruzes, que se Porto para Barcelos. Em baixo, Arco
Nuno, grande barcelense, que decidiu de Romaria, da freguesia de Remelhe.
vem realizando, ultimamente com custear Estandarte e opas.
certa regularidade, no dia 3 de Maio, A Procissão das Cruzes, que se vem
dia principal da Festa das Cruzes e realizando no dia 3 de Maio, nem sem-
Feriado Municipal, teve este ano um pre fez parte do programa das Festas
motivo especial de interesse, a inte- das Cruzes.
gração do Estandarte da Causa de É certo que, na tarde do dia 20 de
Canonização de D. António Barroso. Dezembro de 1504, logo após o mira-
Debaixo de chuva, tal como acon- culoso aparecimento da cruz, ter-se-á
teceu quando os seus restos mortais, organizado uma Procissão, que deve
de comboio, foram trasladados do ter saído da Colegiada, e que contou
Porto para Barcelos, o Estandarte foi com o envolvimento do clero e da
levado durante todo o seu percurso, Confraria de Nossa Senhora da Mise-
pelo Arquitecto Alberto Craveiro, la- ricórdia, transportando uma cruz de
deado pelo Dr. Amadeu Araújo, Vice- madeira “muito alta, muito bem feita”,
-Postulador da Causa da Canonização que foi colocada naquele chão sagrado
e por mim próprio, acompanhados por como “divisa de mostramento” do re-
vários devotos e amigos de D. António ferido milagre. Mas esta procissão, nem
Barroso, com as respectivas opas. sempre se realizou. Só para falarmos
Momento significativo foi a passa- nos tempos mais recentes, a partir de
gem do Estandarte, com a imagem e as 1960, teve lugar nos anos de 1965,
insígnias de D. António Barroso, junto 1966, 1967, 1969, 1971, 1973, 1982,
ao seu monumento, com a imagem do 1985 e 1988, só mantendo certa regu-
venerando e insigne Bispo, da autoria laridade a partir de 1994, mas não se
do escultor Euclides Nunes, a aben- 
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Boletim do Venerável D. António Barroso
realizou, por exemplo, em 1999. imagens de D. António Barroso, com
A partir do ano de 1995, numa feliz a legenda: “Pobre nasci. Rico não vivi
ideia do Monsenhor Manuel Ferreira e pobre quero morrer”, e de Santa
de Marinha e de Santiago, oragos, res-
Araújo (1942-2019), Prior de Bar- pectivamente, de Remelhe e da antiga
celos, passou a integrar as 89 Cruzes freguesia de Moldes, numa feliz com-
Processionais das paróquias do Ar- posição em que avultam várias Cruzes
ciprestado de Barcelos, algumas das Pascais. Uma primeira Exposição das
quais muito antigas e de grande valor Cruzes existentes na cidade e con-
patrimonial e histórico. celho realizou-se no ano de 1967, de
Destas, merece destaque a Cruz 29 de Abril a 7 de Maio, na chamada
Paroquial de Santa Maria Maior, cuja Casa dos Rapazes, durante o período
Paróquia é a organizadora da Procis- das tradicionais Festa das Cruzes, com
são, programa principal da Festa das o patrocínio da Junta da Província do
Cruzes, responsabilidade do Município Minho. Na sequência de um apelo feito
de Barcelos em colaboração com a aos párocos, reitores das igrejas, cape-
Real Irmandade do Senhor Bom Jesus lães e superiores religiosos, ali estive-
da Cruz. ram presentes, segundo a imprensa da
Todo o dia 3 de Maio, Dia da Inven- época, desde a famosa cruz de Areias
ção da Santa Cruz, é marcado ainda, da de Vilar, cujo valor orçará os duzentos
parte da manhã, pelas cerimónias reli- contos, até aos grandes crucifixos em
giosas, sendo de destacar a Missa Sole- tamanho natural, à desconhecida cruz
Verso do Estandarte:
ne, presidida por um alto dignatário da Missionário e Bispo (1854-1918)
do oratório, e à simples cruz do ro-
Igreja, no Templo que lhe deu o nome, sário.
e onde se destacam os belos tapetes depois, em 1980, e em 1982, ano em A organização desta exposição teve
de pétalas de flores naturais. que se realizou a Procissão das Cruzes, o contributo do Padre Joaquim de Bri-
De realçar ainda do programa des- e a fase preliminar do XXV Campeo- to (1920-2004), pároco de Chorente,
te ano, a exibição dos Arcos de Ro- nato Europeu de Hóquei em Patins, de que percorreu todo o concelho e re-
maria, que foram apresentados, pela Seniores. colheu autênticas maravilhas de arte e
primeira vez, no programa de 1972, da O Arco de Romaria deste ano da de valor, dando a conhecer um valioso
presidência do Dr. Vasco de Faria, e, freguesia de Remelhe, apresentava as património quase desconhecido.

Associação dos Amigos de D. António Barroso

ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
Nos termos do art.ª 18 dos estatutos da Associação, convoco
os sócios para se reunirem em Assembleia Geral, no dia 30 de
Setembro de 2023, pelas 15 horas, na Biblioteca do Centro Social
de Remelhe - D. António Barroso, em Remelhe, Barcelos, para
deliberarem sobre os seguinte pontos da
ORDEM DE TRABALHOS
1  -  Nomeação dos corpos sociais para o triénio 2023/2025 (Di-
recção, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal).
2  - Alteração do nome da associação e da sede e consequente
alteração de estatutos referentes ao artigo 1.º e n.º 2 do
artigo 2.º.
3  -  Outros assuntos de interesse.
Se, à hora marcada, não houver quórum, a Assembleia funcio-
Face da pagela de D. António Barroso. Tem sido solicitada por
nará, decorrida meia hora, com qualquer número de membros. alguns leitores e estamos disponíveis para continuar a oferecê-la.
Aproveitando a presença de numerosos bispos nas Jornadas Mun-
Pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral,
diais da Juventude, mandámos imprimir 15.000 exemplares, para
Alberto Severino Novais dos Santos Craveiro distribuir por algumas dioceses de Angola, Moçambique e Brasil.

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Boletim do Venerável D. António Barroso

Amigos incondicionais - D. António Barroso e


D. Henrique Reed da Silva (2)
O sonho diferente ricamente, Ultramar português, Portugal
de duas crianças vê-se compelido a tomar medidas, a ter
Logo em Janeiro, no dia 19, a cida- que sobreviver à pressão e ao ritmo ace-
de de Lisboa, capital do reino, vê nascer lerado e imparável imposto pelo pulsar
Henrique José Reed da Silva. Outro me- corrido dos relógios do desenvolvimen-
nino terá de esperar quase até ao fim to em marcha.
do ano, para ver a luz do dia, na recôndi- O envio de padres seculares para
ta aldeia de Remelhe. É no dia 5 de No- terras de missão é uma das soluções
vembro, que o pequeno António José de possíveis, mas não de fácil concretização.
Sousa Barroso adormece pela primeira Num país maioritariamente católico, a
vez sob o olhar atento dos pais, Eufrásia Igreja Católica e a Monarquia resistiam
Rosa Barroso e José António de Sousa. às ondas avassaladoras de laicização e de
Henrique e António não sonham, por agressão impulsionadas com a difusão
enquanto, que se irão cruzar nos mean- dos ideais liberais. A falta de padres, mis-
dros da vida, nem que esta os levará a sionários e formadores grassava. No séc.
Por Margarida Pogarell, enfrentar mundos desconhecidos, ter- XVIII, a expulsão dos Jesuítas pelo mar-
Professora e escritora ras exóticas e mortais, e, muito menos, quês de Pombal e seguinte extinção das
o papel de relevo que hão-de assumir, Ordens religiosas em Portugal, em 1834,
Duas crianças. Dois destinos. Henrique no contexto do seu país. Deixemo-los deixara os territórios de além-mar num
acaba longe do brilho e da glória. António, crescer. profundo abandono. O que agora surgia
ironia das ironias, coloca-se às portas do No decorrer da segunda metade do era um problema de difícil solução para
Paraíso… séc. XX, com a difusão de novos ideais um país em declínio: a ameaça de ver o
civilizacionais, o incremento dos mo- seu domínio ser ocupado por outros.
Meu querido Barroso, vimentos missionários e o crescente Ultrapassado e sob enorme pressão, por
apetite das emergentes potências euro- causa dos movimentos de expansão im-
Abre o ano de 1854. Portugal está peias pelos territórios do, então, histo- 
ainda de luto. Permanece a desgraça que
se abatera sobre o reino de Portugal. Em
15 de Novembro, nem D. Maria II nem
Eugénio, nado morto, haviam sobrevivido
ao 11.º parto da rainha, desgastada pelas
múltiplas gravidezes e crises sustentadas,
na luta pelo governo do país. O povo
chora a sua rainha. Assumida a regência
por D. Fernando II, o rei consorte, D. Pe-
dro V, o príncipe-herdeiro, ainda menor,
parte em viagem pela Europa, antes de
tomar as rédeas do poder, na companhia
do infante D. Luís, seu irmão.
O país está sedento de paz. Após as
invasões francesas, as lutas fratricidas
entre liberais e monárquicos e as con-
vulsões intestinas, ao longo de quase
duas décadas, haviam mantido o país em
xeque, na esteira das ondas dos movi-
mentos que varriam a Europa. Em 1854,
apesar do choque, há um hálito de espe- Na capela da Quinta do Ramalhão, em Sintra, em 12 de Maio de 1927, o bispo de
Trajanópolis celebra o casamento de D. Maria Benedicta Portocarrero de Almeida
rança no ar. A vida política e social vai-
Coutinho e do Dr. Albano Guedes de Almeida Coutinho, filho dos srs. Viscondes
-se recompondo, suavizados os ânimos dos Olivais. Assistiram algumas das mais aristocráticas famílias portuguesas. As
revolucionários. A regeneração promete meninas Maria da Piedade Anjos Pinto e Maria Helena Pinto Leite de Melo Breyner,
avançar, com a paz mediada e firmada no pegaram na cauda da noiva, sua tia.
In revista Illustração, 2.º ano, nº 35, de 1 de Junho de 1927.
compromisso de refazer o país.

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Boletim do Venerável D. António Barroso
perial das poderosas emergentes nações Moldes, uma grande casa agrícola, en- 5 de Maio de 1884, algo absolutamente
europeias, o Governo português vê-se contra “o rapaz” um protector atento. invulgar. Na ocasião, o mais jovem pre-
constrangido a seguir em frente com a O aristocrata, que vira morrer mulher e lado do país. António foi nomeado bispo
formação de jovens missionários para as filhos, desavindo com o único filho so- contava já 37 anos.
colónias ultramarinas. brevivente,(2) a partir de certa altura, Ambos são inteligentes, diligentes
É neste intrincado contexto políti- toma a seu cuidado a educação do jovem e cativantes. António é descrito como
co, nacional e internacional, que os ca- espontâneo de olhar inteligente e, alter- muito bondoso e determinado, um herói.
minhos dos dois jovens, se cruzam, no nando-lhe a labuta da terra e dos livros, Henrique, como mui distinto, simpático
Colégio Real das Missões, em Cernache troca-lhe as alfaias agrícolas pelas religio- e galante. Ambos se consideram zelosos
do Bonjardim. sas. O futuro possível. António, compro- servidores da dignidade e interesses da
metido, terá de sobreviver à dureza do religião que professam e da Coroa por-
Entre contar e cantar inextrincável e perigoso sertão africano tuguesa, que veneram.
Henrique chega, aos 17 anos, ao e às intrincadas jogadas internacionais, Mas, enquanto António, pragmático,
Colégio Real das Missões, no dia 29 de em terras de missão. Nada a fazer. Antes despreza comodidades materiais e gasta
setembro de 1871. António, dois anos morrer que quebrar. para bem dos outros, Henrique, também
mais tarde, a dois dias de completar 19 Henrique, por sua vez, é um jovem pragmático, não se dá com a humildade,
anos.(1) Depreende-se ter existido uma citadino. Vive na capital do reino. A famí- adora o conforto, porta-se como um
competição latente e saudável entre os lia é escolarizada. A mãe é irlandesa. O príncipe e gasta como se o fosse.
dois amigos. Muito diferentes de índole pai, funcionário público, participara nas Quando, em 1880, partem juntos, em
e carácter. Henrique é a estrela. Brilha lutas liberais, integrando o Batalhão de missão, para Angola, Henrique, protegido
naturalmente e sem esforço. António Voluntários da Rainha D. Maria II.(3)A por mão superior, fica em Luanda, no
tem de lutar afincadamente, mas o seu sua família gravita à volta da família real. conforto da capital. Ascende meteorica-
brilho é profundo e consistente. As no- Os mais altos nomes da nobreza portu- mente na carreira eclesiástica. António,
tas andam ela por ela. O comportamen- guesa, como Pombal, Saldanha e Palmela assume notável responsabilidade ao ser
to de António é continuamente clas- apadrinham os filhos de Sebastião José nomeado chefe da missão do Congo.
sificado como muito bom, torna-se o e Eliza Reed da Silva. Apenas Henrique Com os seus companheiros, parte, em
representante dos seus colegas. Henri- é apadrinhado por elementos da elite plena época das chuvas, para o descon-
que, por sua vez, ter-se-á esforçado por capitalista de Cabo Verde, para onde o fortável, inexplorado e mortal interior
reprimir alguma rebeldia, que os padres pai é destacado, em 1851, no âmbito dos da selva africana. António andará sempre
não se coíbem de assinalar. Também a propósitos da reconstrução social, polí- na esteira de Henrique, até o ultrapassar
Matemática, a última disciplina con- tica e económica do país. O tão ansiado pela fama de ”herói africano e pai dos
quistada, por Henrique, não terá sido momento de Regeneração é alcançado pobres”.
o seu forte. António, por seu lado, sem após o levantamento militar do duque Ambos são homens criativos e com
jeito para a música, nem para o canto, de Saldanha, no mesmo ano. Finalmente, ideias definidas. António lida com o im-
se consegue disciplinar. E entre cantar assente numa “paz de contrários”, se vai possível. Henrique vive no impossível.
e contar se decidirá o futuro. Ambos estabelecendo a acalmia necessária para É neste elevado realizar de sonhos
são ordenados padres, em 1879. O ca- o desenvolvimento e modernização de e projectos, em terras de missão, que
minho que os espera é áspero, cheio de Portugal. a amizade e união destes dois homens
escolhos e ter-lhes-á custado muitas será posta à prova, por motivos ex-
noites de sono e desgaste, físico e mo- A estima e o patrocínio do pai? ternos, que os transcendem. Mexeri-
ral. Mas enquanto António, que entrara Henrique é o último de onze filhos. cos desestabilizadores, problemas de
já homem feito para a vida eclesiástica, Quando nasce, o pai está em Cabo Verde, jurisdição, apontados por monsenhor
Henrique terá entrado menino para um onde morre em 1871.(4) Desde crian- Zaleski,(6) delegado apostólico da Pro-
seminário, aos 10 anos, com o engodo ça que o persegue a aura de uma certa paganda Fide (os olhos e ouvidos do Va-
de “ir para ali para ser bispo”, acenando aristocracia e, entre dentes, murmura-se ticano), e a construção da fabulosa, mas
como se o já fosse, no recreio, para os que é filho ilegítimo de D. Fernando Saxe dispendiosa catedral de São Tomé de
seus colegas. Duas experiências tão dís- Coburgo Gotha, logo, irmão do rei D. Meliapor, abespinham o Governo por-
pares, quão díspares serão as suas vidas. Luís I. Facto é que Henrique terá mere- tuguês e a Santa Sé. O financiamento
António é o primogénito de uma cido ao rei consorte particular “estima e da belíssima catedral neogótica, sagrada
família pobre, enraizada num ruralismo patrocínio”. A atenção recebida, o porte em 1896, requereu, indubitavelmente,
profundo, religioso e analfabeto, onde o majestoso e aristocrático de Henrique empenho e procura desesperada de so-
avô, professor sem escola, vai semean- e, até uma certa parecença física com D. luções criativas, ousadas e viáveis. Por-
do as primeiras letras. Habituado a uma Fernando II, granjeou-lhe a fama de filho tugal enfrentava o espectro da falência.
vida rude e plena de sacrifícios, trabalho ilegítimo do monarca. Facto é que, foi de- Em 1897, António vê-se obrigado a usar
exaustivo e abnegação católica, o jovem vido a esta mercê régia que, o pequeno a subtileza dos seus dotes diplomáticos.
desenvolve elevada resistência atlética e Henrique que entrara para o seminário A pedido do núncio apostólico em Lis-
moral. No vizinho, Bernardo Limpo da com a missão de ser bispo,(5) o foi real- boa, monsenhor Aiuti(7) tem de intervir,
Fonseca, senhor da Casa de Torre de mente, mal festejara os trinta anos, em 
P6
Boletim do Venerável D. António Barroso

«Os Santos não fazem milagres, a graça de Deus é que age por
meio deles. O santo é um intercessor, aquele que reza por nós»
Papa Francisco, em 30/01/2022

com determinação, junto de Henrique,


para que este renuncie ao bispado de
São Tomé de Meliapor,(8) na Índia, sem
fazer grandes alardes.
A conversa entre os dois amigos não
terá sido fácil, mas António consegue o
pretendido junto do amigo. Henrique
renuncia, em silêncio, exigindo uma pen-
são. Desconhece-se como terá ficado a
sua amizade depois de António(9) ser,
de imediato, nomeado bispo de Meliapor,
para o substituir na Índia, com a missão
expressa de “compor alguns erros”, en-
tre outros, de administração de que o
amigo era acusado, no espaço de cerca
de um ano....
Continua

NOTAS:

1 - António Barroso nasceu, em 5


de Novembro de 1854, em Remelhe, no
concelho de Barcelos.
2 - Francisco António de Brito Limpo
(1829/1891), o primeiro dos seis filhos Família do Padre António Barroso. Foto tirada na Casa do Sousa, em Remelhe.
de Bernardo Limpo da Fonseca, foi ofi- Sentados e da direita para a esquerda: José António de Sousa (pai), Firmino José
cial da arma de engenharia, desenhador, (primeiro sobrinho: 1884-1935), Eufrásia Rosa Barroso (mãe), António José (segun-
inventou vários aparelhos topográficos do sobrinho: 1886-1962) e Angelina (cunhada). Em pé: Padre António José e Manuel
de grande valor, entre eles um nível de José (irmão).
precisão que é conhecido pelo nome de
Nível Brito Limpo. 7 - Monsenhor Andrea Aiuti, nomea- igreja de Meliapor.
3 - (1828-1834 e 1846). do delegado apostólico na Índia, a partir 8 - São Tomé de Meliapor, no sudes-
4 - Eliza Reed da Silva morre antes de 1887, foi secretário da Congregação te da Índia, foi um antigo território de
de 1867. Desconhece-se a data e o local. para a Propagação da Fé, de 1891 a 1893, Portugal, ocupado pelos britânicos, em
5 - A Capital, de 15 de Agosto de de onde saiu para a Baviera. Em 1896, 1749. Foi a sede da Diocese de São Tomé
1913, hemerotecadigital.cm-lisboa.pt tornou-se núncio apostólico, em Portu- de Meliapor. Atualmente é um bairro
6 - O Arcebispo Zalesky foi nomea- gal. Monsenhor Aiuti conhecia Henrique histórico e turístico, conhecido tam-
do, em 5 de Março de 1892, delegado e os seus planos da igreja de Meliapor, bém por Mylapore, da cidade de Chennai
apostólico da Propaganda Fide ou seja, conforme carta de Henrique a monse- (Madrasta), capital do estado indiano do
“os olhos e os ouvidos da Santa Sé”, para nhor Aiuti, de Calcutá,14-10-1896, con- Tâmil Nadu.
as Índias Orientais, onde foi responsável gratulando-o pela nomeação para nún- 9 - D. António Barroso foi bispo de
por todas as missões católicas romanas. cio, em Lisboa e relatando a sagração da São Tomé de Meliapor entre 1897 e 1899.

Associação dos Médicos Católicos Portugueses


Fundada no Porto, em 1915, sob o patrocínio de D. António Barroso, que
impulsionou e acarinhou o projecto, é presidida por José Diogo Ferreira
Martins, médico cardiologista pediátrico e Secretário-Geral da Federação
Internacional das Associações de Médicos Católicos, sediada no Vaticano.

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Boletim do Venerável D. António Barroso

TRIBUNA DO LEITOR

Entre 2019 e 2022, Eugénio Beirão - nome literá-


rio do talentoso músico e escritor João Rodrigues
Galamba - trouxe a público 6 obras, que expressam
a sua vasta sensibilidade artística. Os títulos vão da
ficção à história, entremeando com ficção de inspi-
ração bíblica. Contos e novelas e, em parceria com
M. de Montemor, um conjunto de belos poemas, uma
mescla de olhares sobre o tempo e a vida, numa ho-
menagem às suas origens comuns na Beira Interior.
Quatro destas obras são edições do autor e duas
foram editadas pela Tempo Novo Editora - Aveiro,
como consta das capas acima.
João Rodrigues Galamba é, de longa data, amigo
e colaborador da Causa de D. António Barroso, que
agradece a oferta dos livros. Estes seguirão para a Biblioteca do Centro Social D. António Barroso, em Re-
melhe, Barcelos.

CONTAS EM DIA
A última relação de contas (até 31 de Março de 2023), está disponível no Boletim n.º 38, III Série. De 1 de Abril de
2023 até 30 de Junho de 2023, realizaram-se as seguintes despesas: Escola Tipográfica das Missões (Boletim n.º 38):
608.06 €; Consumíveis e correio: 70,00 €; Escola Tipográfica das Missões (15.000 pagelas de D. António Barroso, a en-
viar para dioceses de Angola e Brasil): 418.20 €; Renovação anual de domínio do site domantoniobarroso.pt: 18.39 €.
TOTAL: 1.114. 65 €.
No mesmo período, recebemos os seguintes donativos para apoio à Causa da Canonização e despesas do Boletim: Sr.
Joaquim Alves Pereira: 500, 00 €; Sr. Manuel Lopes Tereso: 50.00 €; D.ª Maria Justina Brito Ferreira Silva: 15.00 €; D.res Ma-
ria Clara Beleza Ferraz e José Manuel Meira de Matos: 30.00 €; Sr. Manuel Augusto Senra: 25.00 €: TOTAL: 620. 00 €.

PARA APOIO À CAUSA DA CANONIZAÇÃO OU DESPESAS DO BOLETIM,


USE A CONTA DE D. ANTÓNIO, NA C.G.D. :

NIB: 003505420001108153073 IBAN: PT50003505420001108153073 BIC: CGDIPTPL

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