De Olho Nela - Kate Stayman-London
De Olho Nela - Kate Stayman-London
De Olho Nela - Kate Stayman-London
Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
Epígrafe
Prólogo
O acordo
Pré-produção
Episódio 1 – “Hora do show”
Episódio 2 – “Exposição total”
Episódio 3 – “Impressões”
Episódio 4 – “De volta ao lar”
Episódio 5 – “Deserção”
Episódio 6 – “Declaração”
Episódio 7 – “Revelação”
Episódio 8 – “Decisão”
Episódio 9 – Reencontro
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Créditos
Para Dede, que acha que ninguém morreria se de vez em
quando as mulheres usassem calças em vez de vestidos nas
festas do The Bachelor.
Obrigada por escolher o papai e eu para fazer parte da
sua família.
Mas o amor é cego, e os amantes não
conseguem ver
As grandes tolices que cometem.
William Shakespeare
Bea [9h56]:
Bea [9h56]: Sério mesmo? Não vejo você há tanto tempo que
nem lembro mais da sua cara
***
Ray [7h23]: Oi
Bea [13h31]: Ok
8 DE JULHO
Bea [9h25]: Oi
Marin [9h34]: Não acredito que ele disse isso pra você!!!!
Bea [9h41]: Sei lá, oi, Ray, acho que somos apaixonados um
pelo outro faz quase uma década, apesar de você sempre
arrumar um jeito de mudar de cidade, de ficar com outra
garota, e agora você tá noivo, mas quando a gente
estava na cama de repente pareceu que a minha vida
toda começou a fazer sentido, talvez porque essa minha
história estivesse finalmente terminando, ou começando,
ou sei lá o quê, e aí você foi embora como sempre,
porque você é um covarde, mas eu te amo mesmo assim.
Mas queria não amar. Mas queria que você voltasse.
ENTREGA PARA:
Beatrice Schumacher
1841 Avalon Way
Los Angeles, CA 90026
Bea [14h30]: Acho que vou ficar por aqui, sabe? Tenho um
monte de trabalho atrasado
Marin [14h38]: Queria que você viesse pra cá. Tá todo mundo
querendo te ver.
TRANSCRIÇÃO DE MENSAGENS DE TEXTO, 25 DE AGOSTO:
BEA SCHUMACHER E RAY MORETTI
Bea [19h49]: Que horrível tudo isso, Ray. Estou com saudade
de você.
MENSAGENS SELECIONADAS DO TINDER DE BEA SCHUMACHER
m: E aí!!!!!!!!
Todd: e aí b
Todd: endereço?
Todd: que
Bea: (Aimeudeus, será que eu virei uma chata que não tem
assunto e fica falando sobre o tempo? Pff.)
Kip: Tudo bem por aqui. Que tal a gente se encontrar pra
beber alguma coisa?
Bea [22h56]: Oi, eu tô bem. Ele foi legal. Foi tudo bem.
Marin [22h57]: Você acha que vai sair com ele de novo?
Bea [22h59]: Não, foi muito sem graça. A gente quase não
tinha assunto, na verdade.
Marin [23h03]: Argh, que pena, gata. Quer que eu vá até aí?
Ray,
Não sei o que dizer pra você, mas acho que preciso dizer
alguma coisa.
Ainda sinto saudade. Muita saudade, não mais todo dia,
nem toda hora, não como antes, mas quando lembro por
um instante de como foi bom, nossa, eu fico sem rumo. Não
é ridículo? Depois de tantos meses e dos anos todos em que
fui manipulada por você, com você sumindo da minha vida
e reaparecendo quando bem entende, fazendo o possível e
o impossível para te esquecer, você ainda está na minha
pele, no meu sangue, como se fosse a substância que me
mantém viva. Puta que pariu, eu te odeio por isso, e me
odeio também, por aceitar fazer parte dessa palhaçada.
Porque, fala sério, por acaso eu sou uma idiota? Sou
patética a ponto de cair de quatro assim que um homem
bonito e inteligente me dá alguma atenção, apesar de saber
o quanto ele me faz mal, e de ter plena consciência disso?
Pra mim você é como um fosso do qual eu não consigo
sair. Tentar escalar a parede em busca de um fragmento da
luz do dia é extenuante, é muito mais fácil deixar os seus
braços ausentes me puxarem cada vez mais para baixo. Eu
fico me lembrando do seu gosto e minha respiração acelera,
meu corpo se contorce. Quando me lembro de você dentro
de mim, não consigo nem pensar direito.
Não sei como te dei esse poder sobre mim, e sou uma
louca por ter te concedido isso. E, puta merda, eu sei que
deve ser tudo coisa da minha cabeça, e que você mesmo
não tem nada a ver com isso. Você é apenas o receptáculo
de toda a minha tristeza, que brilha graças à energia
nuclear da minha solidão. Se eu tentar me imaginar sem
você, não me sinto livre. Me sinto sem chão, sem rumo.
Como se eu não fosse nada e não estivesse em lugar
nenhum.
Mas quando imagino você me abraçando, eu desmorono.
Ray, não sei mais como viver.
É loucura, eu sei que estou parecendo uma louca. Não vou
te mandar isso. Eu jamais mandaria. Mas, minha nossa, Ray.
Você não sente a minha falta? Não a ridícula que sou hoje,
mas quem eu era até pouco tempo, sua melhor amiga?
Eu estou perdida, Ray. Não sei mais o que existe entre a
gente.
TRANSCRIÇÃO DE MENSAGENS DE TEXTO, 14 DE OUTUBRO:
BEA SCHUMACHER E MARIN MENDOZA
@OMBea QUEM É ESSA TAYLOR E POR QUE ELA TÁ DIZENDO TODAS ESSAS
COISAS SOBRE FINANÇAS PESSOAIS CASA COM ELA JAYDEN
@OMBea (a gente resolveu topar a brincadeira da bebida)
***
Alyssa
Messersmith
Vice-Presidente Sênior de Programação de Reality Shows e
Documentários, American Broadcasting System.
Beatrice
Schumacher
Blogueira de Beleza & Estilo, proprietária das marcas
OMBeaTM e OMBea.com.
Pré-produção
Los Angeles, Califórnia
Mensagem Encaminhada
Mensagem Encaminhada
Olá, Lauren! Por mim tudo bem (quer dizer, é coisa pra
caramba, mas tudo bem!). Sobre o meu tipo de homem,
inteligente e divertido e gentil são as coisas mais
importantes, o resto é tudo opcional. E a diversidade é um
fator importantíssimo pra mim, claro!! Tipo físico, cor da
pele, história de vida — quero que esses homens tragam
uma nova imagem ao programa, assim como eu.
O acordo de confidencialidade está assinado e anexado —
e, sendo bem honesta, já contei para a minha melhor amiga
Marin sobre o programa, e acho que tudo bem falar com a
família, né? Vai ser uma dor de cabeça tremenda se a minha
mãe não ficar sabendo disso pela minha boca. Mais uma vez
obrigada, e até breve!
Mensagem Encaminhada
De: Lauren Mathers <lmathers@kissoff.com>
Para: Bea Schumacher <bea@ombea.com>
Assunto: RE: Contrato e próximos passos
Você ainda não contou pra sua mãe?? BEA!! Liga pra ela
agora mesmo — e por falar nisso, me manda os contatos
dela? Com certeza vamos precisar entrevistar seus pais e
descobrir qual é o melhor dia pra você ir apresentar os
caras pra eles.
***
BEA!!!!
***
“Você precisa ligar pro Chris Evans! Ele tem a bunda mais
bonita do país, tipo, oficialmente”, Marin insistiu enquanto
comia um triste sanduíche de peito de peru em um triste
estúdio secundário na sede da ABS em L.A. Lauren havia
permitido uma última refeição a Bea com sua amiga antes
de que se isolasse totalmente para as filmagens, um favor
pelo qual ela seria eternamente grata, apesar de a comida
em si deixar a desejar.
“Que ideia mais ridícula”, Bea disse, em meio a uma
risada. “Como eu conseguiria o número dele?”
“Manda uma mensagem direta, e aí é só conquistar o
coraçãozinho dele. Até parece que você não nasceu na era
da internet.”
“Ótimo plano, mas pra isso eu precisaria esperar até
devolverem o meu celular.”
“Argh”, suspirou Marin, se esparramando toda
extravagante na cadeira dobrável onde estava sentada.
Com seu pouco mais de um metro e meio, seu corpo magro
e seu cabelo curtinho chiquérrimo, Marin não era uma figura
intimidadora, mas enfrentava qualquer um que cruzasse
seu caminho (e o de Bea também, aliás). “Não acredito que
você tá sem celular faz três dias. Não tá se sentindo tipo
uma pioneira do Velho Oeste? Você tá com febre tifoide? Foi
devorada por um urso?”
“Estou quase lá”, respondeu Bea em tom grave, mas
havia um fundo de verdade em sua brincadeira. Depois de
três dias seguidos de entrevistas, ela estava absolutamente
exausta, e sabia que as coisas poderiam ficar piores quando
as filmagens começassem.
“E então?”, Marin perguntou, percebendo o estado de
ânimo abalado de Bea. “Como está se sentindo? Algum
arrependimento?”
Bea fez que não com a cabeça. “Não, na verdade não.
Acho que… enfim, passei boa parte do último mês e meio
me preparando pra esse bombardeio em público, e agora
que acabou é tipo… uau. Ainda nem parei pra pensar no
que estou prestes a fazer, sabe?”
“Sim, mas agora vem a parte mais legal! Minha nossa,
Bea, você pode conhecer o seu futuro marido amanhã à
noite. Não é uma loucura?”
“É, sim, Marin.” Bea sacudiu a cabeça. “É uma loucura. Só
que não vai acontecer.”
Marin abriu um sorriso de quem sabe das coisas. “Você diz
isso agora, mas aposto que, quando conhecer os caras, vai
perceber que está dando uma de tonta. Vai se lembrar do
quanto você quer se apaixonar.”
“Duvido.” Bea revirou os olhos. “Sei que você não
concorda, mas confia em mim: Lauren e eu já cuidamos
disso. Tá tudo planejado. Estou pronta pro jogo.”
Marin caiu na gargalhada. “Desculpa, mas você vai
conhecer vinte e cinco caras na frente das câmeras. Como
alguém pode estar pronta pra isso que você está prestes a
encarar?”
Episódio 1
“Hora do show”
(25 pretendentes restantes)
Filmado e exibido ao vivo em locação
em Malibu, Califórnia
TRANSCRIÇÃO DO PODCAST BOOB TUBE
EPISÓDIO #049
Cat: Vai ser um papo ótimo, então não percam, mas antes eu
tenho uma confissão a fazer.
Cat: Bom, tenho certeza de que muita gente vai ficar chocada
ao ouvir isso, mas o É Pra Casar não é exatamente um
símbolo de representação positiva das mulheres na
televisão.
Cat: Sim, como se a ideia de que uma mulher que não seja
um palito queira encontrar alguém fosse polêmica de
alguma forma. Mas enfim, o nome dela é Bea
Schumacher, uma das blogueiras plus-size mais famosas
da internet. Ainda que a Bea seja bastante parecida com
muitas mulheres americanas, não é muito comum ver
alguém como ela na televisão, e é quase impossível que
alguém com o tipo físico dela seja retratada como a
mocinha, e não a amiga ou a mãe da protagonista.
Mensagem Encaminhada
Mensagem Encaminhada
Mensagem Encaminhada
Mensagem Encaminhada
***
ohnny: Então, qual foi sua reação quando você viu Bea?
Kumal: […]
ohnny: Como você acha que as coisas estão indo até agora?
ohnny: … e?
Nash: [risos]
Nash: Ah, você tá falando sério? Tomara que sim! Não quero
parecer um babaca e ir embora que nem o outro cara fez.
***
Beth.Malone:
Beth.Malone:
Beth.Malone: Colorado
KeyboardCat: ISSO
***
***
***
Marin [8h40]: Nunca mais faça isso. E por favor deixe a Bea
em paz.
***
eles!!!!”
Jamm não é a única fã que pensa assim: até a publicação
desta reportagem, seu abaixo-assinado já contava com mais
de vinte mil assinaturas. Ainda não sabemos se os
produtores do É Pra Casar vão levar em conta a opinião dos
fãs, mas uma coisa é certa: todo mundo que acompanha a
temporada está ansioso para ver que tipo de punição Nash
e Cooper vão sofrer por desdenhar de Bea o tempo todo.
***
@Reali-Tea Espera aí, ela vai eliminar o Asher?? Sei que ela
ficou decepcionada porque não rolou o beijo (eu tb!!!!!!!),
mas não parecia que ela tinha gostado bastante dele??
Agora não dá pra saber — ele parece estar bem chateado, e
ela também.
VOZ EM OFF
VOZ EM OFF
VOZ EM OFF
VOZ EM OFF
VOZ EM OFF
ASHER
VOZ EM OFF
Ruby: Uau.
Ruby: É que eu nunca tinha ouvido você falar assim que nem
velha antes.
Ruby: Argh, sinto até raiva de mim mesma por ter vontade
de beijar um cara desses.
Cat: Né? Ele é tão óbvio e previsível… Por que a gente gosta
tanto dele?
Ruby: Espera aí, tem uma coisa que eu queria saber. O que
foi que aconteceu com Wyatt? Na primeira noite a Bea
parecia caidinha por ele… Ela vai sair com o cara ou não
vai?
Ruby: Não sei, não. Ao que parece, ela não está nem um
pouco a fim de casar, né? Não é tipo aquelas garotas que
montam álbuns no Pinterest e tratam o casamento como
a meta suprema da existência humana.
Cat: Com certeza, e acho que é por isso que eu gosto tanto
dela. Por outro lado, como o próprio nome diz, as pessoas
entram nesse programa pra arrumar alguém pra casar,
né? Não me decepciona, Bea!
ue: Ah, Bea era a filha dos meus sonhos! Toda séria e
fascinada por livros, desde pequenininha, né, Bob? Ela
nem dava bola por não ter muitas amiguinhas; sempre foi
muito comprometida com os estudos.
Bob: Parecia que ela não queria chamar atenção para si.
***
“Muito bem”, disse Alison com uma risadinha nervosa,
“pode abrir os olhos!”
“Que diabo é isso?”, Bea falou, sem conseguir se segurar.
Ela estava cercada de vestidos longos e cheios de brilho no
salão de convenções do hotel da rede Econo Lodge onde a
equipe estava hospedada, e que foi convertido em sala de
figurino, cabelo e maquiagem naquela semana.
“São para o seu encontro com Wyatt”, esclareceu Alison,
como se isso explicasse tudo.
“Em Cheshire, Ohio?” Bea estava incrédula. “As pessoas
daqui só se vestem de um jeito tão formal assim quando…
espera aí. Não, Alison. Não.”
Alison soltou uma risada de alegria indisfarçável. “Hoje é o
baile de formatura, querida!”
E assim Bea acabou em um vestido de festa Badgley
Mischka de caimento justo e bordado com paetês que
mudavam de cor sob a luz, num degradê de azul-marinho
para um turquesa intenso. Com saltos altíssimos e os
cabelos presos em cachos grossos, Bea sentia que enfim
estava tendo seu dia de glamour antes do baile de
formatura que tanto queria na época do colégio.
“Está vendo?”, disse Alison, de forma a encorajá-la. “Não
ficou nem um pouco parecida com um globo de discoteca.”
“Está mais pro vestido brilhante que a Ariel usou quando
saiu da água no final de A pequena sereia.”
“Ah, nossa, está aí um look pra eternidade”, comentou
Alison. “A sereiazinha finalmente ganhando pernas.”
“Mudando o próprio corpo pra agradar um homem, assim
como todas as mulheres”, retrucou Bea.
“Não você.” Alison deu um abraço carinhoso em Bea.
“Pois é. Eu não conseguiria nem se quisesse!”
Bea se lembrou de sua adolescência naquele lugar, dos
anos que tinha passado seguindo dietas da moda e dias
passando fome que nunca resultaram em uma perda de
mais de quatro ou cinco quilos (recuperados quase
imediatamente depois de fazer uma refeição normal). Não
importava o quanto se esforçasse, Bea sempre foi a aluna
mais gorda da escola, e talvez também a mais quieta, a que
fazia de tudo para não chamar atenção. Enquanto percorria
de limusine o trajeto até o pequeno parque no centro da
cidade onde encontraria Wyatt — cheio de carvalhos altos,
com o gazebo charmoso iluminado por cordões com
milhares de lâmpadas e uma multidão de gente gritando e
segurando cartazes para receber sua filha mais ilustre —,
ela ficou com a impressão de que, embora não estivesse
reescrevendo a história naquela noite, estava ao menos
fazendo uma bela retificação.
Era tudo um pouco surreal, mas, quando desceu da
limusine, ela pensou que a maior loucura de todas era o
homem à sua espera: alto, forte e loiro, Wyatt tinha aquele
físico perfeito de um quarterback de futebol americano — só
que com um smoking de caimento impecável, e não com
seu look habitual de fazendeiro, de botas e calça jeans.
Naquela noite, ele era o rei do baile.
“Você está tão bonita.” Ele abriu um sorriso tímido quando
ela chegou, e inclinou-se para beijá-la no rosto.
“Você também”, ela falou, de repente se dando conta de
que os dois estavam cercados por uma multidão.
“Trouxe isso pra você.” Wyatt mostrou uma caixa de
plástico, e Bea sentiu como se estivesse revivendo uma
lembrança que nunca tivera ao estender o braço para
colocar o arranjo de flores vermelho no pulso. “Bom, foi a
produção que trouxe, na verdade. Mas é bonito, você não
acha?”
Bea o beijou no rosto e concordou que era, sim.
“Como você é cavalheiro”, ela disse em tom de
brincadeira quando Wyatt abriu a porta da limusine, e ele
ficou todo vermelho. Apesar de sua beleza rústica, a
personificação da masculinidade no estilo caubói, havia ali
certa fragilidade — algo que Bea não era capaz de explicar,
mas que despertava seu instinto protetor. Era uma sensação
bizarra, principalmente levando em conta que os demais
participantes do programa pareciam hidras de mil cabeças,
com diferentes faces monstruosas sempre prontas para dar
o bote.
“Como foi o seu baile de formatura?”, Bea perguntou
quando estavam na limusine a caminho de seu antigo
colégio, com duas câmeras filmando a conversa.
“Sei lá”, admitiu Wyatt. “Eu não fui.”
“Sério?” Bea ficou perplexa. “Mas você era do time de
futebol americano, não era? No meu colégio, esses caras
eram tratados como reis.”
“Comigo não tinha muito disso, não”, falou Wyatt, meio
tímido. “Eu me dava bem com os caras e tudo mais, só que
a gente não tinha muito assunto fora dos treinos e dos
jogos.”
“Por que não?” A curiosidade de Bea era genuína.
Wyatt encolheu os ombros. “Nossos interesses eram
diferentes.”
“Ah”, Bea respondeu. Estava interessada em saber mais,
mas não quis parecer intrometida.
“E você?” Ele a tocou de leve no joelho. “Aposto que era a
garota mais bem-vestida da formatura.”
Bea sacudiu a cabeça. “Eu também não fui.”
“Como assim?”
“Ninguém me convidou.” Bea suspirou. “Eu andava com a
equipe técnica do grupo de teatro do colégio; era um povo
meio antissocial. Os eventos da escola não eram muito a
nossa praia.”
“Mas você queria ir, né?”
Bea sentiu um aperto no peito. Não só queria ir — estava
desesperada para receber um convite.
“Pedi pro meu padrasto gravar A garota de rosa shocking
quando passou na TV, e assisti um monte de vezes”,
confessou Bea. “Eu achava a Andie muito corajosa por ter
ido ao baile sozinha. Só que ela era linda, e tinha um monte
de caras secretamente apaixonados por ela. Se eu
aparecesse no baile sozinha, todo mundo ia rir da minha
cara.”
“Por que você acha isso?”, Wyatt perguntou em um tom
gentil. “O pessoal da sua escola te tratava mal?”
Bea se lembrou de um outro jogador de futebol
americano, também alto e loiro — mas o que Wyatt tinha de
meigo, o outro tinha de bruto. O que Wyatt tinha de
simpático e acessível, o outro tinha de frio e indiferente. Sua
existência representava um castigo diário para Bea, pela
audácia de sentir alguma coisa por ele.
“Não.” Bea abriu um sorriso para acompanhar a mentira.
“Era um pessoal bacana.”
O baile de formatura na Cheshire High School só seria no
final de maio, com direito a um jantar em que serviriam
frango borrachudo em um salão de festas com tapetes
extravagantes e lustres de cristal falso. Aquela “formatura”,
encenada para o episódio da semana do reality show, era
um baile bancado pela produção do É Pra Casar. O ginásio
daquela escola, cenário de diversos fiascos atléticos de Bea
e de cólicas menstruais fingidas para evitar mais
humilhações, estava decorado com serpentinas, balões e
luzes coloridas, além de lotado até não poder mais, com
alunos em roupas sociais de marcas genéricas dançando ao
som de uma banda que ninguém conhecia (e cuja
gravadora com certeza estava gastando uma boa grana
para ter uma exposição como aquela na TV). A banda — que,
Bea reparou, na verdade era bem boa, de garotas punks
com batom preto e meia arrastão rasgada — tocava em um
palco improvisado, que a produção havia montado sob uma
das tabelas de basquete, iluminado com luzes pesadas de
estúdio.
Bea e Wyatt esperaram para fazer sua entrada grandiosa
em um lugar bem menos glamouroso: o depósito de
equipamentos esportivos do ginásio, lotado de coletes
coloridos malcheirosos e sacos de bolas de basquete.
“Está nervosa?”, Wyatt perguntou.
“Um pouco”, admitiu Bea. “Adolescentes são criaturas
assustadoras.”
Wyatt parecia pálido. Bea notou que a tensão dele era
bem maior que a sua. A banda terminou mais uma música,
e o produtor posicionou Bea e Wyatt no local pelo qual
entrariam. Eles ouviram os aplausos ruidosos quando
Johnny subiu no palco e gritou: “Cheshire High, vocês estão
se divertindo hoje?”.
A molecada gritou a plenos pulmões, e um instante depois
o produtor empurrou Bea e Wyatt para dentro do ginásio,
onde conseguiram abrir caminho até o palco, apesar das
luzes ofuscantes e do que parecia ser uma horda de fãs
histéricos, cercados de holofotes e ruídos por todos os
lados.
“Vamos aplaudir a nova estrela de Cheshire, Bea
Schumacher!”, Johnny gritou enquanto Bea e Wyatt subiam
as escadas até o pequeno palco, sob os aplausos dos
alunos. “Então, Bea, fiquei sabendo que você não foi a
nenhuma festa nos tempos do colégio. O que está achando
do seu primeiro baile de formatura?”
Bea ouviu a plateia trocar cochichos entre si — ótimo,
pensou, mais uma ocasião para se sentir um fracasso no
ginásio da Cheshire High.
“Por enquanto, tudo indo bem!” Ela abriu um sorriso
forçado.
“Bom, e o que você diria se eu falasse que você e Wyatt
foram eleitos o rei e a rainha do baile?”
Bea encarou Johnny com uma expressão de ceticismo. “Eu
diria que essa votação foi forjada, porque ninguém aqui me
conhece, né?”
Os alunos acharam graça, e Johnny também deu risada.
“Agora você pegou a gente direitinho, Bea. Mas os alunos
também votaram para escolher seu próprio casal de rei e
rainha… vamos receber no palco Cort e Tara!”
Os adolescentes começaram a gritar e aplaudir de novo
quando dois alunos se juntaram a Bea e Wyatt: um carinha
alto de smoking alugado que com certeza era jogador de
basquete (ou de futebol americano? Ou as duas coisas?) e
uma garota loira toda delicada em seu vestido rosa
rendado.
“Muito bem, pessoal”, anunciou Johnny em um tom
conspiratório, “como só pode haver um casal de rei e rainha
do baile, que tal fazermos uma competição para ver quem
fica com a coroa? Está na hora do jogo do baile de
formatura!”
Bea não fazia ideia do que aquilo significava, mas no fim a
tal disputa era só uma versão não exatamente repaginada
do “jogo dos recém-casados”, em que Bea e Wyatt
competiriam contra Cort e Tara para ver quem conhecia
melhor a pessoa com quem tinham ido ao baile. Bea não
considerou aquilo muito justo, já que Cort e Tara
provavelmente haviam passado mais de dez minutos na
companhia um do outro até aquela noite, mas não
adiantava tentar reclamar. Um assistente de produção
entregou a cada um dos quatro uma pequena lousa branca
e canetas pretas grossas, para que escrevessem suas
respostas, que Johnny mais tarde pediria que fossem
mostradas a todos. Depois de cinco rodadas de uma disputa
prevista para ter sete, Cort e Tara haviam previsivelmente
vencido todas.
“Qual é o condimento preferido do seu par?” Johnny
perguntou em um tom dramático no início da sexta rodada.
Bea acertou o de Wyatt (“Ela tem razão, eu adoro mesmo
ketchup”), e revelou que o seu era creme azedo (“Vai bem
com todo tipo de batata!”), antes de Cort ser forçado a
admitir que nem sabia o que era condimento.
“O meu preferido é mostarda, Cort.” Tara sacudiu a
cabeça, toda desgostosa. “Ele sabe que eu adoro
mostarda.”
Cort baixou a cabeça de vergonha, e Bea e Wyatt sorriram
um para o outro, satisfeitos por enfim terem ganhado uma
rodada daquele jogo — mas seu triunfo não duraria muito.
“Muito bem, pessoal, guardamos a melhor parte para o
final”, avisou Johnny. “Qual foi o lugar mais maluco onde
vocês já transaram? Ou se beijaram, no caso de Cort e
Tara?”
Cort e Tara trocaram olhares maliciosos, e ela deu uma
risadinha. “É você quem está dizendo, Johnny.”
Os adolescentes mostraram suas respostas primeiro, e
logo ficou claro que não teriam como errar daquela vez.
Estavam os dois às gargalhadas quando gritaram em
uníssono: “A sala do professor Asalone!”. A plateia explodiu
em gritos e aplausos. Cort e Tara se cumprimentaram e,
apesar de Bea ficar feliz ao ver como aqueles adolescentes
falavam de sexo com tanta naturalidade, isso não a fez se
sentir nem um pouco melhor sobre a resposta que estava
prestes a revelar.
“Agora é a vez de vocês, Wyatt e Bea”, avisou Johnny.
“Bea, qual foi o lugar mais maluco onde você já transou?”
Bea suspirou e pensou que, se era para ser ridicularizada
por sua resposta de qualquer forma, era melhor dizer a
verdade. “Se preparem para uma grande surpresa,
pessoal”, ela falou, soltando uma risada que torceu para
que parecesse bem-humorada. “Minha resposta é: na
cama!”
A plateia ficou em silêncio, e Bea viu alguns adolescentes
franzindo a testa e sacudindo negativamente a cabeça em
uma demonstração de piedade. Mas sentiu uma onda de
afeição quando Wyatt virou sua lousa, onde ela viu que
estava escrito “DESFILE DE MODA”.
“Uau.” Bea deu risada. “Pelo jeito nós dois nos deixamos
levar pelos estereótipos.”
Ela virou a sua lousa para mostrar que tinha escrito
“CELEIRO”, mas, em vez de rir, Wyatt ficou vermelho como
um pimentão.
“Wyatt?”, instou Johnny. “A resposta de Bea está certa?”
Wyatt olhou para o chão. “Não”, ele disse baixinho.
“Tudo bem”, disse Bea com um tom gentil. “Quer dizer,
você ouviu a minha resposta, né? Qualquer que seja a sua,
tudo bem.”
Os olhos de Wyatt encontraram os dela. “A resposta é em
lugar nenhum.”
Por um instante, Bea ficou confusa, mas então se deu
conta do que ele estava dizendo.
“Então você nunca…?”
Ele fez que não com a cabeça.
O ginásio inteiro ficou em silêncio, a não ser pelo zumbido
dos geradores. “E isso encerra o nosso jogo!”, Johnny
anunciou em tom grandiloquente, percebendo o
constrangimento que tinha se instalado na plateia. “Bea e
Wyatt, vocês foram grandes competidores, mas a coroa
deste ano vai ficar com Cort e Tara!”
Todos aplaudiram sem muito ânimo, e, depois que os
adolescentes receberam suas coroas de plástico, Johnny
deu início ao que estava programado para o restante da
noite: o baile. Os alunos se aglomeraram na pista quando a
banda voltou a tocar, e Bea e Wyatt foram pegar ponche e
se sentaram nas arquibancadas. Bea se sentiu grata por ter
uma chance de conversar a sós com Wyatt, apesar de eles
ainda estarem sendo filmados.
“Isso foi muito corajoso”, ela falou.
Ele encolheu os ombros. “Acho que eu não tive muita
escolha.”
“Isso não é verdade”, argumentou Bea. “Você poderia ter
mentido.”
“Com a minha cara de blefe?” Um sorrisinho surgiu em
seus lábios. “Você teria sacado na hora.”
Bea soltou uma risada sincera, e Wyatt entrelaçou os
dedos dela com os seus.
“Isso te assusta?”, ele perguntou. “O fato de eu ser… sabe
como é.”
“Não.” Bea sacudiu a cabeça. “Dá até um alívio, na
verdade.”
Wyatt inclinou a cabeça, em um gesto interrogativo.
“Sério? Por quê?”
“Acho que eu estava pensando que era a pessoa menos
experiente aqui, porque nunca tive um relacionamento
sério”, Bea falou baixinho. “É uma coisa intimidadora, se
sentir… sei lá. Pensei que vocês fossem me julgar, ou não
me levar a sério. Isso faz com que eu me sinta imatura, de
certa forma.”
O rosto de Wyatt se iluminou.
“É exatamente isso”, ele concordou. “Essa é a parte que
faz com que eu me sinta empacado. Como se ainda não
fosse um adulto.”
“E aqui, na cidade onde eu nasci e cresci — nesse colégio,
inclusive — isso fica à flor da pele, sabe? É como se eu
tivesse voltado a ser uma adolescente, sozinha na noite do
baile de formatura, me sentindo ridícula. Tipo uma
fracassada que só beijou na boca uma vez na vida, e que
não tem a menor esperança de encontrar um namorado de
verdade.”
“Pelo menos você beijou alguém.” Wyatt parecia
melancólico. “Eu nunca beijei ninguém na época da escola.”
“Sério?” Bea não sabia como conciliar a imagem daquele
homem com o que ele estava dizendo. “Tudo bem se eu
perguntar por quê?”
“Na verdade, eu nem sei por quê”, ele murmurou. “Eu era
muito tímido.”
“Desculpa”, Bea falou. “Eu não queria parecer
intrometida.”
“Não, não.” Ele lançou para ela um olhar intenso. “Você
está só tentando me conhecer. É isso o que eu quero, Bea.”
“Ah, é?”
Ele apertou sua mão. “De verdade, eu quero.”
“Que bom.” Bea sorriu ao constatar que Wyatt não tinha
mesmo nada a ver com outros caras daquele tipo que ela
conhecera quando morava em sua cidade natal. A questão
principal, aliás, parecia ser justamente esta: o quanto ele
era diferente dos demais.
“Vamos mudar de assunto.” Ele abriu um sorriso
simpático. “Por que você não me conta a história do seu
primeiro beijo?”
Bea sentiu seu estômago se revirar com a lembrança — a
cerveja quente e choca, o cheiro de mato, os arranhões no
rosto provocados pelos galhos enquanto ela corria. A
vergonha que sentiu quando seus irmãos a encontraram
esperando ao lado do carro e perguntaram se ela havia se
divertido na festa.
Wyatt notou a expressão no rosto de Bea.
“Desculpa… não precisa me contar, não”, ele falou.
Uma parte de Bea não queria contar mesmo; não queria
reviver a humilhação, e com certeza não queria que seus
irmãos descobrissem o que realmente havia acontecido
depois de tantos anos. Mas havia uma outra parte dela que
estava comovida com a coragem de Wyatt, com o fato de
ele ter subvertido todas as suas expectativas. Com seu
desejo — motivado por algo que ela não sabia explicar ao
certo — de confiar nele.
“Quando eu era menina, meus irmãos eram todos
atletas”, ela começou, meio sem jeito. “Os amigos deles
estavam sempre lá em casa, e eu passava a maior parte do
tempo escondida no quarto, mas às vezes eles tentavam
ser legais comigo, ou fazer alguma brincadeirinha — para
que eu me sentisse a típica irmã mais nova dos filmes,
sabe? Eles eram quase todos escandalosos e imaturos, só
tinha um cara que era mais quieto. O nome dele era James.
Era alto e tinha uns cabelos loiros bem grossos — era do
time de futebol americano do meu irmão Tim.”
“Você gostava dele?”, Wyatt perguntou.
“Pois é.” Bea ficou toda vermelha e se sentiu uma tonta
por, mais de uma década depois, mesmo sabendo que ela
era a estrela de um programa de TV enquanto James estava
sabia-se lá onde, ainda ser tão difícil admitir que havia
gostado de um menino.
“Pensei que ele fosse mais quieto por ser tímido, ou por
ser uma pessoa mais sensível.” Ela soltou uma risada
constrangida. “Imaginei que ele quisesse ter essas
conversas intensas, que ele fosse adorar falar de coisas
mais profundas. Pensei que fosse um grande segredo o fato
de eu gostar dele, mas os meus irmãos sabiam — uma vez
Tim comentou alguma coisa a respeito na mesa de jantar, e
eu fiquei morrendo de vergonha. Saí da mesa chorando.”
“Não tem nada de errado em ser uma pessoa emotiva”,
Wyatt falou baixinho. “Você não precisa se envergonhar
disso.”
“Seria bom se ele fosse mais assim como você”, Bea
comentou. “Você é a versão de James que na verdade eu
queria.”
“O que aconteceu quando ele te beijou?”, Wyatt quis
saber.
“Bem”, Bea respirou fundo, “teve uma festa em um lugar
que tinha um bosque, foi logo nas primeiras semanas do
meu ano de caloura. Tim e Duncan me levaram junto, e no
começo foi legal, sabe? Conversar com os amigos dele, as
meninas estavam sendo legais comigo, fazendo eu me
sentir bem-vinda. Mas aí… Aí James me chamou pra dar
uma volta.”
“E você foi, claro.”
“Lógico que sim! Parecia até um milagre, como se um
desejo que eu alimentava fazia tanto tempo estivesse se
realizando.” Bea fez uma pausa, sentindo uma onda de
náusea invadir seu corpo ao se dar conta de que usara
quase as mesmas palavras para descrever seu primeiro
beijo com Ray.
“Enfim”, continuou, “ele meio que me levou pros lados do
bosque, pra longe de todo mundo. Pensei que quisesse
conversar ou coisa assim, mas ele simplesmente me atacou,
começou a me beijar e enfiar as mãos dentro do meu
vestido. Ele foi muito bruto comigo. E eu… eu não queria.
Fiquei com medo, fiquei confusa, porque pensava nele fazia
tempo, mas aquilo tudo estava sendo horrível e assustador,
nada parecido com o que eu esperava. Depois de uns
minutos, eu já não aguentava mais. Comecei a chorar e
pedir pra ele tirar a mão de mim.”
“E ele escutou?”, Wyatt perguntou em tom cauteloso.
“Sim”, Bea respondeu com firmeza. “Graças a Deus ele
escutou. Mas depois ficou me olhando com a maior cara de
nojo. Disse que só tinha me beijado porque os meus irmãos
tinham pedido. Que ninguém mais iria querer nada comigo,
e que eu deveria agradecer. Eu pedi desculpas… Dá pra
imaginar? Eu pedi desculpas pra ele.”
“Nossa.” Wyatt sacudiu a cabeça. “E o que aconteceu
depois?”
“Nada. Ele voltou pra festa, e eu me escondi atrás do
carro do Tim até a hora de ir embora. Fiquei morrendo de
vergonha de contar pros meus irmãos o que tinha
acontecido. Acho que James também nunca falou nada —
ou, se falou, eles nunca comentaram nada comigo.”
Wyatt soltou um suspiro pesado, como se estivesse
absorvendo a carga do passado de Bea e tirando-a dos
ombros dela para levá-la nos seus.
“Bea, tudo bem se eu abraçar você?”, ele perguntou.
“Claro”, ela murmurou, e se sentiu muito bem quando se
aninhou nos braços fortes de Wyatt.
“Você pensa muito nesse James?”
“Na verdade, não.” Ela soltou o ar com força quando se
ajeitou confortavelmente no peito dele. “Mas acho que tem
alguma coisa nos homens que se parecem com ele — com a
sua aparência, e com a aparência de todos os homens do
programa, pra ser sincera… Uma parte de mim ainda acha
que eu deveria me sentir grata pela atenção de vocês,
mesmo se for de um jeito que não tem nada a ver com a
maneira como eu quero ser amada.”
“O que aconteceria se um de nós provasse que você está
errada?” Wyatt tocou gentilmente os cabelos de Bea,
inclinando de leve o rosto dela na direção do seu. “O que
você acha que aconteceria?”
“Acho que eu seria obrigada a repensar tudo.” Ela sorriu, e
Wyatt se abaixou para beijá-la.
Foi um beijo bem lento e tranquilo, um beijo acolhedor
que fez um calor se espalhar pelo corpo de Bea, um beijo
que provocou um pequeno aperto em seu coração quando
ela sentiu que aquele mesmo anseio que alimentava na
adolescência (anseio por romance, por paixão — e, claro,
por um maldito baile de formatura) ainda estava vivo. E
quanto mais ela tentava se convencer de que estava bem
sendo solteira, de que não precisava de nada daquilo, mais
aquele anseio vinha à tona, ameaçando destruir tudo aquilo
em que Bea imaginava acreditar.
Quando eles se afastaram um do outro, alguns
adolescentes gritaram e aplaudiram, e Bea riu de alegria, de
constrangimento e do próprio absurdo da situação. Só mais
tarde ela se deu conta de que tinha sido apenas a segunda
vez que tinha sido beijada em sua cidade natal.
TRANSCRIÇÃO DE MENSAGENS DE TEXTO, 21 DE MARÇO:
JON, TIM E DUNCAN SCHUMACHER
on [11h18]: O que vocês vão usar pra esse lance? Tem algum
código de vestimenta?
on [11h22]: ??
Tim [11h24]: Tem que ser uma roupa que mostre que a gente
tá falando sério
on [13h17]: Hahahahahaahhaahahahaha
on [13h22]: Socorro
***
ue: Na verdade, foi, sim! Ah, e depois eu pedi aos dois que
fossem comprar sorvete para o pessoal. As crianças
adoram. Eu teria comprado se fosse a encarregada da
comida da festa.
Nash: Ele falou que o tal lugar ficava numa estrada ali perto,
mas não disse que era uma estradinha de terra no meio
do nada com tipo uns quinze entroncamentos. E quando a
gente chegou lá… aquele cheiro.
Produção: (risos)
Cooper: (se virando para Nash) Ei… você acha que eles
fizeram isso porque você chamou a Bea de vaca gorda?
Beth.Malone:
NickiG: Relaxa Cat todo mundo aqui já sabe que você é uma
defensora feroz do Asher
nna-Jay: Pois é, não vai ser muito mais legal assistir a partir
de agora sem nenhum vilão no programa? Só os caras
que gostam MESMO da Bea?
***
Mike [6h39]: O que nem faz sentido, né, a gente não liberou
ela mais cedo ontem à noite?
***
***
Beth.Malone:
***
***
Mensagem Encaminhada
Mensagem Encaminhada
***
Beth.Malone:
Colin7784:
nna-Jay:
NickiG:
Beth.Malone:
KeyboardCat:
CARTAZ AFIXADO EM UMA LOJA DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS
EM BOONE, OKLAHOMA
***
RobF19: NÃO ENTREGUE TRABALHOS COM ATRASO PARA ACR. Ele não
está nem aí pro seu cachorro, pro seu resfriado, ou pra
qualquer imprevisto que você possa ter tido. Ele dá
bastante prazo pra fazer tudo, então se você deixou pra
última hora ele manda um belo de um foda-se. Nenhuma
desculpa cola com esse cara. Acreditem em mim, eu
tentei.
MarcusT17: Você não viu o cara na TV? Vai ver ele só não dá
abertura pra VOCÊ.
***
Bea estava absurdamente apreensiva com o que
aconteceria quando fosse apresentada aos filhos de Asher,
mas primeiro era preciso conhecer os alunos dele: ela
estava em um encontro do curso de História da imigração
asiática para os Estados Unidos de 1850 a 1900. A sala era
aconchegante, com uma mesa comprida de nogueira e
janelas enormes com vista para as árvores; o coração de
Bea disparou quando ela entrou e viu Asher de calça jeans e
camisa social, ainda mais bonito do que ela se lembrava.
“Como assim, e o paletó de tweed?”, ela brincou. “Você
está arruinando a minha fantasia com um professor
bonitão.”
Ele sorriu, se aproximou e deu um abraço nela — que
ficou animada e aliviada por Asher estar muito mais à
vontade ali do que no Marrocos.
“Acho que você vai ter que se contentar com um professor
de aparência normal”, ele falou.
Bea se sentou à mesa enquanto os alunos do penúltimo e
último anos do curso de história iam entrando, todos
aparentemente bem à vontade com a ideia de haver
câmeras no recinto.
“Muito bem.” Asher bateu palmas para dar início à aula.
“Com certeza vocês sentiram muita saudade de mim no
último mês, mas acho que o professor LaBruyere me
substituiu à altura, não?”
Os jovens concordaram de uma forma não muito convicta,
e Asher deu risada.
“Não custa nada fazer um elogio, ainda mais na televisão.
Vocês são terríveis.”
Os alunos se ajeitaram nas cadeiras e Asher começou a
falar sobre a participação pouco conhecida de soldados de
ascendência asiática na Guerra de Secessão, fornecendo
detalhes baseados em relatos de primeira mão que havia
lido em diários e transcrições de documentos militares para
reconstituir os movimentos de uma unidade específica do
Exército da União liderada por um cabo chinês.
“Algum asiático lutou pelos Confederados?”, questionou
um aluno.
“O que vocês acham?”, Asher perguntou para a classe.
“Como isso funcionaria?”
“Não funcionaria”, disse uma garota com cabelos loiros
compridos e blusa de lã azul-marinho. “A Confederação
tinha uma lei que proibia soldados não brancos.”
“Sim, mas só até 1865, quando eles estavam prestes a
ser derrotados”, rebateu uma outra garota, que era negra e
usava óculos de armação de tartaruga. “Mas os asiáticos
não eram uma raça reconhecida na época. Isso dificultava
as coisas.”
“Exatamente”, confirmou Asher. “Vocês já ouviram falar
de Chang e Eng Bunker?”
Os alunos o encararam com uma expressão de
interrogação, mas Bea abriu um sorrisinho; finalmente uma
resposta que ela sabia.
Asher reparou nela — ele nunca deixava passar nada.
“Bea?”, perguntou, com os lábios se curvando em um leve
sorriso.
“Eram gêmeos xifópagos tailandeses que vieram aos
Estados Unidos para fazer turnês em espetáculos
itinerantes”, ela respondeu, lembrando-se dos retratos em
aquarela e carvão da dupla que havia estudado na
faculdade uma década antes. “Foi por causa deles que
surgiu a expressão ‘gêmeos siameses’.”
Asher ficou radiante de orgulho. “Isso mesmo. Depois que
terminaram suas turnês, Chang e Eng se estabeleceram na
Carolina do Norte, onde se casaram com duas irmãs de lá,
tiveram vinte e um filhos e…? O que mais você acha que
eles fizeram, como homens ricos na Carolina do Norte na
década de 1850?”
A jovem loira sacudiu a cabeça. “Compraram escravos.”
“Sim.” Asher assentiu. “Na Guerra de Secessão, dois dos
filhos de Chang e Eng, Christopher e Stephen, lutaram para
proteger o direito de seus pais de serem proprietários de
escravos. Eram dois dos cinco soldados de ascendência
asiática que sabemos terem lutado pelos Confederados.”
Bea ficou impressionada. Desde que o conhecera,
considerava Asher uma pessoa tensa e travada, mas talvez
o motivo do desconforto fosse o fato de ele estar tão
distante de seu habitat. Ao vê-lo ali, tão à vontade, tão
cheio de carisma, sua atração por ele se tornou ainda mais
forte — assim como sua apreensão a respeito de como seria
o resto do dia.
Depois que a aula acabou, eles fizeram um passeio pelo
bucólico campus do Middlebury College, com seus prédios
em estilo colonial entre enormes gramados e densos
arbustos.
“Você parece se sentir em casa aqui”, ela comentou.
“É o lugar perfeito pra mim”, ele disse, segurando sua
mão. “Quando terminei o doutorado, estava sozinho com
duas crianças pequenas, e não tinha tempo pra me dedicar
a um cargo de professor titular. A posição de professor
convidado caiu como uma luva. Posso fazer o que eu gosto,
mas ainda me sobra tempo pra ser pai.”
“Que maravilha.” Bea apertou a mão dele. “Você acha que
vai fazer carreira aqui?”
Asher interrompeu a caminhada. Bea se virou para ele.
“Na verdade, não.”
“Ah, é?”
“Eu não sabia quando seria a hora certa pra te contar
isso”, ele começou, “mas acho que pode ser agora mesmo.
Como os meus filhos já estão maiores, eu estou pensando
se não está na hora de assumir um cargo de professor
titular. Não tem nenhuma cadeira livre aqui, então vou me
mudar no segundo semestre.”
“Você já sabe pra onde?”
“Já recebi ofertas de Michigan e de Columbia.” Ele fez
uma pausa. “E da USC.”
“Lá em…?”
“Los Angeles.”
“Oh”, Bea suspirou.
“Obviamente, tenho muitos fatores a considerar. O que é
melhor pra minha carreira, pras crianças — e sei que os
meus pais iam adorar se eu fosse pra Nova York. Eles ainda
moram em Westchester.”
“Claro”, concordou Bea. “Faz todo o sentido.”
Ele segurou suas mãos. “Mas eu ainda estou pensando.
Certo?”
Bea assentiu. “Ok.”
Durante a pausa nas filmagens depois do almoço,
enquanto ela vestia uma calça jeans justa e um suéter de
caxemira Marc Jacobs cor de vinho com uma gola V que
mostrava um decote discretíssimo (“Uma mamãe
gatíssima”, como observou Alison), Bea tentava se
convencer de que aquele jantar era só mais um entre os
tantos encontros daquele programa. Mas, quando se viu nos
degraus da frente da casa de Asher com presentes
embrulhados nas mãos e câmeras às suas costas, Bea
sentiu o peso daquela noite — não só por causa do que
aconteceria caso desse alguma coisa errado, mas também
do que significaria se corresse tudo bem.
Ela mal havia encostado na campainha quando ouviu
gritos de “EU ATENDO, EU ATENDO, EU ATENDO” e um tropel de
passos dentro da casa. A porta se escancarou, e lá estava
Linus, com óculos enormes, um moletom do Homem-
Aranha, uma calça legging escura e um tutu chiquérrimo.
“Você é a Bea?”, ele perguntou, dando um passo ao lado
para que ela entrasse.
“Sim”, ela respondeu no mesmo tom solene. “Você é o
Linus?”
Ele assentiu.
“Gostei muito do seu tutu”, Bea comentou, e a expressão
dele se iluminou imediatamente.
“É azul, de menino! Entra, a gente vai comer FRANGO”, ele
gritou enquanto entrava, deixando a porta aberta atrás de
si.
“Olá, olá, me desculpa.” Asher foi correndo até a porta,
usando um avental e luvas térmicas. “Eu estava tirando o
frango do forno. Posso te ajudar com o casaco?”
“Com essas coisas nas mãos?” Bea deu uma risada. “Tudo
bem… só me mostra onde é o closet.”
Bea imaginava o lar de Asher como uma casa moderna e
organizada — um ambiente clean e minimalista —, mas isso
não era uma opção viável para alguém que tinha filhos,
claro. Na verdade, era uma casa cheia de vida, lotada de
livros, badulaques e equipamentos esportivos, sem falar em
fantasias e roupas de dança espalhadas por toda parte. Em
uma vitrola antiga tocava um disco de Leon Bridges, e Linus
rodopiava pela sala de estar enquanto Asher terminava o
jantar na cozinha, que era aberta e dava para o resto da
casa.
“Quer um vinho?”, ele ofereceu.
“Por favor”, ela disse.
Nesse exato momento, Linus chamou: “Bea, vem dançar
comigo!”.
Asher lançou para ela um olhar de quem pede desculpas.
“Amiguinho, a Bea acabou de chegar, então que tal ela
sentar um minutinho?”
“Eu adoro dançar.” Bea se esquivou de um operador de
câmera para se juntar a Linus, mas um pigarrear bem alto a
fez deter o passo.
“Hã-ham.”
Bea se virou e viu de pé, nas escadas, uma menina de
doze anos que mais parecia uma cópia em miniatura de
Asher: a mesma postura rígida, os mesmos óculos de
armação preta, a mesma expressão meio desdenhosa no
rosto. Se não fosse pelos cabelos brilhantes e escuros que
vinham até a altura do queixo e terminavam numa franjinha
bem definida, Bea poderia muito bem ter confundido Gwen
com uma versão mais jovem do pai.
“O jantar já está saindo?”, Gwen perguntou de um jeito
seco, olhando para Asher e evitando intencionalmente o
contato visual com Bea.
“Já estou terminando”, Asher falou. “Quer vir aqui ficar
com a gente?”
“Não, obrigada, eu tenho lição de casa pra fazer.” Gwen
virou as costas e começou a subir de volta. “Me avisa
quando estiver pronto.”
“Pode deixar”, Asher gritou, mas a essa altura a porta do
quarto já havia se fechado.
“Então, aquela era a Gwen.” Asher sorriu enquanto levava
a taça de vinho para Bea, que aceitou de bom grado e deu
um belo gole.
“Acho que ela gostou de mim”, Bea brincou, apreensiva,
torcendo para que a noite não tivesse sido arruinada antes
mesmo de começar.
Asher lhe deu um beijo no rosto. “Não se preocupa. Logo
ela se acostuma com a ideia.”
Bea se recostou nele e tentou relaxar. Se Asher não
estava incomodado, ela também não precisava ficar. Alguns
minutos mais tarde, porém, a mesa já estava posta, mas
Gwen ainda não tinha descido. O pai gritou o nome dela
pela terceira vez, a irritação já se tornando aparente.
“Gwen, vem logo. Hora de comer!”
“Eu tinha uma planilha pra terminar”, ela falou, bem séria,
enquanto descia as escadas, mas deteve o passo no andar
de baixo. “O que é isso?”
Ela apontou com o queixo para os presentes deixados na
mesinha da entrada. Bea se levantou para pegá-los.
“É pra gente?”, Gwen quis saber.
Linus foi pego de surpresa. “Presentes”, murmurou,
arregalando os olhos por trás dos óculos enormes.
“Eu ia esperar pra depois do jantar, mas…” Bea lançou
um olhar para Asher, que assentiu.
“Vocês podem abrir agora, mas não demorem. Não estão
com fome também?”
“Não!”, Linus exclamou enquanto rasgava o papel de
presente. Gwen, por sua vez, recebeu seu pacote em
silêncio e se acomodou à mesa sem fazer menção de abri-
lo.
“Richard A-vê-don”, Linus leu em voz alta. “Quem é esse?”
“Se pronuncia Á-ve-don”, corrigiu Bea em um tom gentil,
abrindo o gigantesco livro de fotos que havia comprado.
“Ele é um dos fotógrafos de moda mais famosos de todos os
tempos. Tem fotos expostas até em museus.”
“Uau, não acredito!” Linus foi virando as páginas
delicadamente. “Que nem o museu que você foi com o meu
pai?”
“Exatamente.” Bea sorriu e arriscou um olhar para Asher.
“Seu pai me falou que você adora roupas, assim como eu.
Aí tem algumas das minhas fotos favoritas quando tinha sua
idade, então pensei que você fosse gostar também.”
Linus deu um abraço apertado em Bea — o máximo que o
tutu permitia —, e ela fechou os olhos, sentindo o peso
daquele pequeno corpo contra o seu. Quando ergueu o
olhar, notou que Asher os observava com uma expressão
cheia de emoção.
Do outro lado da mesa, porém, Gwen encarava Bea de
cara fechada.
“Pensou que ia ser simples assim?”, questionou. “Que era
só trazer presentes e a gente ia querer que você fosse a
nossa nova mãe?”
“Gwen!”, exclamou Asher.
“Que foi?” O tom de Gwen era impassível. “É verdade,
né?”
“Não”, Bea respondeu com um tom suave. “Claro que eu
sei que vocês não vão formar suas opiniões sobre mim só
pelos presentes que estou dando. Eu vim até aqui pra
passarmos um tempo juntos — é esse o objetivo desta
noite.”
“Então por que você trouxe presentes?”
“Pra causar uma boa impressão.” Bea sorriu. “Viu só? Meu
plano funcionou perfeitamente.”
Houve um instante de silêncio enquanto Gwen olhava
para Bea, como se a avaliasse. Bea não desviou o olhar… e
foi nesse momento que Gwen abriu o presente: um DVD do
clássico de 1938 Levada da breca.
“É um dos meus filmes favoritos”, explicou Bea, “e pensei
que você fosse gostar.”
“Por que você acharia isso?” Gwen torceu o nariz. “Parece
ser um romance.”
“E é”, admitiu Bea, “mas a protagonista tem um leopardo
como bicho de estimação, e muita coisa gira em torno disso,
e o seu pai, hã… Ele me contou que você gosta de
leopardos, sabe? Cary Grant faz o papel de um diretor de
museu, e tem um cachorro que rouba um osso de
dinossauro, então…”
Bea olhou para Asher em busca de ajuda, mas ele
encolheu os ombros com ar de quem pede desculpas. “Eu
nunca vi.”
“Então o meu pai contou sobre o meu projeto de
pesquisa.” Gwen virou o DVD de um lado para o outro nas
mãos. “Pelo jeito vocês conversaram bastante sobre Linus e
eu.”
“Claro que sim”, explicou Bea. “Ele tem muito orgulho de
vocês.”
“Mas no Marrocos você disse que não sabia se estava
pronta pra ser mãe.”
“Gwen”, advertiu Asher, “esse é um assunto meu e da
Bea, certo?”
“Não é, não”, Gwen tratou de corrigir. “Passou na TV, todo
mundo sabe. E o assunto é nosso também, pai. E se a Bea
resolver cair fora também, como a nossa mãe?”
Bea respirou fundo — ela não tinha a menor ideia das
circunstâncias em que se dera o divórcio de Asher, e estava
louca para saber mais.
“Não é a hora nem o lugar de conversar sobre isso.” O
tom de Asher se tornou mais tenso, e Bea percebeu que ele
estava ficando vermelho de raiva.
“Então quando vai ser?”, questionou Gwen. “Essa é a
única vez que teremos para conhecer a Bea, e você espera
mesmo que no fim do jantar a gente diga ‘Ai, nossa, mal
posso esperar pra ela vir morar aqui’?”
Asher fez menção de responder, mas Bea pôs a mão no
braço dele para interrompê-lo.
“Ei”, ela disse para Gwen e Linus, “vocês sabiam que o
meu pai biológico abandonou minha família quando eu
ainda era bebê?”
Os dois se viraram para ela, Linus arregalando os olhos,
Gwen estreitando os seus.
“Aquele cara de Ohio não era o seu pai?”, Linus quis
saber.
“Ele é o meu padrasto”, explicou Bea. “Minha mãe está
com ele desde quando eu tinha quatro anos e, pra mim, o
meu pai de verdade é ele. Não mostraram isso na TV, mas
aquele dia na casa dos meus pais eu fiquei muito
chateada… fui me esconder no meu quarto, e os meus pais
foram me procurar. Eu disse que tinha medo de nunca
conseguir me apaixonar, de ficar sozinha pra sempre.”
Asher a encarou com uma expressão de incômodo.
“E o que eles disseram?”, Linus perguntou.
“Meu padrasto disse que, se eu quisesse me casar, não
bastava só me apaixonar. Eu estaria escolhendo alguém pra
fazer parte da minha família, e precisaria ser aceita pela
família dele. Então ele me contou como isso se deu entre
ele e minha família — e que nada aconteceu por acaso. Nós
escolhemos ficar juntos, de ambos os lados. Sabem o que
eu fiz logo depois disso?”
Gwen deu uma boa olhada em Bea quando se deu conta
do que estava ouvindo. “Você foi falar com o meu pai.”
“Pois é.” Bea engoliu em seco. “Foi quando eu falei sobre
os meus sentimentos por ele, e o seu pai me contou sobre
vocês.”
“Eu não sabia disso”, Asher falou baixinho. Bea se virou
para ele, tentando transmitir com o olhar o quanto aquele
momento tinha sido significativo — assim como o que
estavam vivendo ali.
“Sei que isso é muito importante pra você, Gwen, pode
acreditar”, Bea garantiu. “Mas quero te dizer também que,
pra mim, todos nós precisamos decidir se queremos fazer
parte da vida uns dos outros. A decisão não é só minha,
nem só do seu pai, mas de vocês dois também. Todo mundo
precisa escolher ficar junto. Não tenho como falar pelo seu
pai, mas sei que jamais ficaria à vontade fazendo parte da
sua família se nós quatro não achássemos que é assim que
tem que ser. Tudo bem?”
Gwen encarou Bea por um bom tempo e… assentiu. “Tudo
bem.”
“Querem saber de mais alguma coisa?”, Bea perguntou.
“Espero não deixar nada sem resposta.”
“Ei, pessoal”, Asher falou num tom gentil, “que tal a gente
parar de interrogar a Bea e começar a jantar? A comida está
esfriando!”
As crianças acataram a sugestão do pai e, por alguns
instantes, os únicos ruídos na casa foram os dos garfos e
facas arranhando os pratos enquanto todos comiam. Então
Gwen se virou para Asher.
“Você vai estar em casa amanhã, né?”
Asher fez que sim com a cabeça. “Viajo pra Nova York no
sábado.”
“A gente pode ver o filme da Bea amanhã à noite, então?
Aí você pode falar pra ela se eu gostei ou não da próxima
vez que se encontrarem.”
“É uma ótima ideia”, respondeu Asher. Ele olhou para Bea
do outro lado da mesa e, com um sorriso discretíssimo,
formou as palavras: Eu te disse.
“Legal”, disse Gwen, e voltou sua atenção para o frango
com purê de batatas como se nada tivesse acontecido,
como se aquela não tivesse acabado de se tornar uma das
melhores noites da vida de Bea.
***
***
Cat: Ainda não dá pra ter certeza, mas pelo que eu andei
lendo no Reddit…
Ruby: E acho que dá pra dizer que o Luc também já era, né?
Ruby: E teve o lance dos tapas e beijos em Nova York, que foi
meio safadinho, então acho que não dá pra dizer que o
cara é totalmente sem sal.
Cat: Bom, pelo bem da Bea, tomara que ela tenha conseguido
pelo menos transar gostoso antes de ser totalmente
sacaneada.
***
Mensagem Encaminhada
Olá, pessoa que estiver lendo isso. Não sei muito bem o que
dizer, mas no episódio de ontem à noite, em Ohio, Bea falou
que, quando o programa começou, ainda estava tentando
esquecer alguém. E eu acho que esse alguém sou eu. E a
verdade é que eu não me esqueci dela. Muito pelo contrário.
Sei que a temporada já está no meio e que talvez seja tarde
demais. Mas, se tiver alguma chance de eu me encontrar
com ela, ou falar com ela, posso ir pra qualquer lugar, eu
pago passagem, faço o que for preciso. Então, se existir a
mínima chance de isso acontecer, entrem em contato
comigo. Por favor. Eu não quero perdê-la.
***
então por que foi com ela pra Atlanta? Por que não ficou
comigo?”
Ray sacudiu a cabeça em um gesto de frustração. “Não
sei o que você quer que eu diga.”
Bea não sabia se valia a pena insistir, se não estava só
jogando sal nas próprias feridas. Mas precisava ouvir a
verdade. Para seguir em frente, fosse com ele ou com outra
pessoa, era preciso saber.
“Eu li uma matéria uma vez”, ela falou, “sobre uma
pesquisa científica que analisou o padrão de buscas das
pessoas no consumo de pornografia.”
“Espera aí, como é que é?” Se Ray parecia confuso antes,
àquela altura estava totalmente perplexo.
“Pois é, o pesquisador teve acesso a um monte de dados,
e comparou o que as pessoas diziam que queriam em um
parceiro romântico com o que elas queriam de verdade. E
descobriu que um número enorme de homens — eu esqueci
a porcentagem exata, mas uma boa parte — via na internet
pornografia com mulheres gordas. Mas quando tinham que
responder que tipo físico desejavam em suas parceiras,
quase ninguém mencionava uma gorda.”
O rosto de Ray revelou seus sentimentos quando ele
entendeu aonde Bea queria chegar.
“Então a pesquisa explicava como a coisa funciona na
prática”, Bea continuou, “que tem um monte de mulheres
tentando perder peso por achar que é o que os homens
querem, e os caras estão saindo com mulheres magras
porque pensam que é isso o que querem. Sabe como o
responsável pela pesquisa definiu isso?”
Ray não respondeu, apenas baixou os olhos.
“Um comportamento ineficiente. Uma perda de tempo.”
Ele piscou os olhos várias vezes. “Eu sei que desperdicei
seu tempo, Bea. Por anos.”
“Mas por quê?”, Bea quis saber. “Ray, eu não tenho como
te perdoar se você não me disser o que fez de errado.”
“Na época eu estragava tudo com todas as mulheres com
que me envolvia, e não queria fazer isso com você. Eu
precisava muito estar com você.” Ele sacudiu a cabeça. “Pra
mim, eu estava protegendo a nossa relação.”
“Até onde eu sei, as últimas duas mulheres com quem
você dormiu foram Sarah e eu, e não dá pra dizer que deu
muito certo.”
Ray deu um longo gole no vinho, e Bea percebeu que as
mãos dele estavam tremendo.
“Quando a gente estava em L.A., eu sabia que adorava a
sua companhia. E o quanto você era importante pra mim. E
sabia… porra, Bea, eu sabia que te queria.”
“E é tão difícil assim dizer isso?” O tom de voz de Bea era
baixo e frio.
“Sim, mas não pelos motivos que você imagina. É difícil
porque tenho vergonha de como fui burro. Na época,
quando tentava imaginar nós dois juntos — juntos de
verdade —, eu não conseguia. Simplesmente não fazia
sentido. Quando conheci a Sarah, pensei: Certo, isso, sim,
faz sentido. Fui morar com ela porque fazia sentido, fiz o
pedido de casamento porque fazia sentido. Foi só no último
verão que percebi que estava sendo idiota, que tinha
cagado a minha vida — e a sua, e a dela —, mas àquela
altura parecia tarde demais. Eu não sabia como corrigir as
coisas.”
“E agora?”, insistiu Bea. “E agora, o que mudou? Você me
viu na TV e de repente tudo se encaixou e seu caminho se
iluminou? Ray, como é que eu vou acreditar que você
mudou mesmo? Depois de tudo? Como é que eu vou
conseguir acreditar?”
“Porque eu estou aqui.” Ele pôs as mãos em seus joelhos,
e ela sentiu um calor se espalhando por seu corpo,
exatamente como tinha acontecido no Quatro de Julho.
“Porque eu roubei o exemplar da People da Sarah e fiquei
olhando pra você com aquela roupa por horas. Comprei
todas as revistas que falavam de você, aliás. Comecei a ler
todos os blogs, a acompanhar todos os boatos, fiquei
desesperado por qualquer informação sua, sobre esses
caras que estavam tentando tirar você de mim.”
Bea estava tão nervosa que começou a tremer. “Eles não
estavam tentando me tirar de você, Ray. Foi você que não
me quis.”
“Aí é que você se engana.” Ray segurou os pulsos de Bea.
“Quando entrei naquele pátio e te vi com aquele vestido, eu
quis você mais do que qualquer outra coisa na vida. Queria
te beijar de um jeito que fizesse você se esquecer da
existência daqueles caras todos. Pra você lembrar que um
dia também me quis.”
Ele subiu as mãos até seus cotovelos, juntando os
antebraços com os dele, chegando mais perto.
“O problema nunca foi eu te querer ou não”, ela
murmurou.
“Então qual é o problema?” Ray estava a poucos
centímetros de distância, e Bea se lembrou do gosto dele,
do cheiro de cravo-da-índia com almíscar, como sabia que
seria, o mesmo de sempre.
“O jeito como você me fez sofrer… Sei lá. Não sei se
consigo confiar em você. Nem se devo fazer isso.”
“Me deixa tentar consertar as coisas. Eu estou aqui, Bea.
Apaixonado por você. Me deixa te provar isso. Me deixa te
provar isso pelo resto da nossa vida.”
Em seguida ele começou a beijá-la, e foi tudo muito
estranho e familiar, se sentir confortada e em pânico com o
toque inconfundível dele, e de repente foi como se algo
dentro dela tivesse voltado pro lugar certo num clique: era a
resposta à dúvida que por tanto tempo a tinha perseguido
— se algum dia ela voltaria a sentir os lábios de Ray contra
os seus.
Bea não sabia dizer quanto tempo aquilo durou, aqueles
beijos na ponte, com as pernas entrelaçadas como um casal
de adolescentes. No fim, alguém da produção teve que
interromper e avisar que estavam ficando sem luz; a equipe
precisava encerrar o trabalho do dia, e era hora de voltar ao
hotel.
Na van que os trazia de volta rumo ao Sena, Ray
perguntou a Bea se eles podiam passar a noite juntos. Uma
voz na cabeça dela gritava: Sim, por favor, sim, mas ela
afastou esse pensamento e disse que não estava pronta,
que precisava de mais tempo.
“Você tem todo o meu tempo, Bea.” Ray a abraçou e a
puxou para si, como se ela fosse dele. “Cada minuto que me
resta é seu.”
Naquela noite, Bea ficou com medo de passar outra noite
acordada, mas o cansaço finalmente a venceu. Depois de
tanta confusão e euforia e angústia e satisfação, ela
percebeu que não havia nada mais a fazer além de dormir.
@YayStephy PERAÍ PERAÍ PERAÍ ELA DISSE NÃO PROS DOIS PERAÍ PERAÍ
#GrandeFinalPraCasar #comoassim
Bea [14h30]: VEM LOGO PRA CÁ!!!! O David acabou de dizer que
aprendeu a fazer twerk, e vai mostrar pra gente!! Marin
ele tá muito bêbado vai ser um HORROR
Mensagem Encaminhada
VOZ EM OFF
SAM
RAY
VOZ EM OFF
VOZ EM OFF
VOZ EM OFF
***
Jefferson: …
GD: “Bom, se você não acha, por que tratou a Bea mal?”
Jefferson: …
PFV ME ADOTA.
***
Cat: Isso também, mas estou noventa por cento feliz por
Asher e Bea e dez por cento orgulhosa da minha série
invicta.
Ruby: Nossa, você tinha que dar uma última alfinetada, né?
Beth.Malone: Quê?
Beth.Malone: Legal.
LAUREN MATHERS GARANTIDA NO COMANDO DO É PRA CASAR
POR MAIS QUATRO ANOS
por Tia Sussman, deadline.com
***
Na vida com Asher no Brooklyn, tudo se encaixou logo de
cara; foi como experimentar uma calça jeans linda e saber
de antemão que serviria perfeitamente. Bea adorava o
apartamento antigo em que moravam em Park Slope e
passar as manhãs de sábado nas feiras de rua com as
crianças e as noites cozinhando em casa; adorava seus
colegas de trabalho maluquinhos na Teen Vogue e comer
dim sum aos domingos com os pais de Asher; adorava
passar fins de semana prolongados em L.A. bebendo vinho
com Marin e Alison, dormir aninhada no peito de Asher, e
acordar sentindo o mau hálito dele de manhã.
Só não adorava o inverno. Mas nem tudo na vida pode ser
perfeito — não seria justo.
Aquele dia em particular era o melhor que a primavera
em Nova York tinha a oferecer: tempo aberto e friozinho,
com uma brisa suave que espalhava pela cidade o cheiro de
flores recém-colhidas. Bea tinha passado o dia inteiro
correndo de uma reunião para outra (as amostras da
coleção que elaborava com Alison haviam acabado de
chegar, e estava todo mundo surtando porque ainda havia
muitas alterações a fazer). Seus pés doíam e ela estava
morrendo de vontade de tomar um latte gelado, mas
precisava ir de qualquer jeito à redação da Vogue, no prédio
da CondéNast, porque aquele era um compromisso que ela
havia planejando fazia meses e não poderia se atrasar de
jeito nenhum.
“Me desculpem, me desculpem, por favor!” Ela entrou
correndo no saguão, onde Asher, Gwen e Linus estavam à
sua espera. O look de Linus era mais do que marcante: um
quimono comprido e estruturado combinando com sapatos
brogue robustos.
“Você está incrível”, Bea falou, dando um abraço nele.
“Vai ser a pessoa mais bem-vestida na Vogue.”
“Tem certeza? Eu me troquei um monte de vezes.” Ele
remexeu as mãos nervosamente.
Bea percebeu pelo olhar de Asher que “um monte de
vezes” não era exagero.
“Oi”, ela falou, dando um beijo rápido em Asher e
conduzindo todos para os elevadores. “Você teve um bom
dia?”
“Melhor agora”, ele falou com um sorriso.
“Pai, sinto muito informar, mas você virou um velho
babão”, Gwen comentou.
“Qual é, Gwen”, provocou Bea. “Ele sempre foi, só não
demonstrava.”
Quando chegaram à redação da Vogue, uma colega de
Bea os recebeu para o evento tão esperado: um passeio
pelo lendário departamento de figurino da Vogue. Linus
vinha implorando por uma visita desde que Bea tinha
começado a trabalhar lá e, depois de meses de enrolação, o
momento enfim havia chegado. Ele ficou absolutamente
encantado enquanto passeava entre as araras de calças,
vestidos de baile, casacos e macacões. A própria Bea ficou
bem impressionada: não era todo dia que se podia ver
peças de alta-costura que faziam parte dos anais da história
da moda.
O passeio terminou na fabulosa sala de acessórios, lotada
de echarpes, cintos, sapatos e até algumas capas. A colega
de Bea falou que Linus poderia experimentar algumas
coisas, e ela pensou que ele fosse desmaiar.
“Acho que ele está tendo o melhor dia da vida dele.” Bea
entrelaçou seu braço com o de Asher.
“E talvez ele não seja o único”, Asher falou, curvando os
lábios em um sorriso misterioso.
“Você está curtindo tanto assim?” Bea deu uma bela
risada. “Tem um fetiche por sapatos e eu não estou
sabendo?”
“Já que você tocou no assunto, acho que está precisando
de um acessório novo. E eu tenho uma ideia bem específica
em mente.”
“Ah, é?”, balbuciou Bea. “Está pensando em quê, óculos
escuros? Um chapéu?”
“Não”, Asher falou enquanto apoiava o joelho no chão. Ele
tirou uma caixinha revestida de veludo preto do bolso do
paletó e, quando abriu, Bea viu o brilho do ouro rosé e das
opalas com os olhos cheios de lágrimas. “Eu estava
pensando mais em um anel.”
Agradecimentos
ISBN 978-65-5782-197-8
CONTEÚDO ADULTO