Biology">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Marcadores Laboratoriais Da Função Hepática e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 40

Avaliação da Função Hepática

e Investigação de Icterícia
A avaliação da função hepática consiste em fazer um screening para verificar a pre-
sença de patologias que são capazes de promover alterações, entre elas a icterícia.

Anatomia e Fisiologia do Fígado


O fígado é considerado o maior órgão do corpo humano. Localiza-se na cavidade
abdominal, abaixo do diafragma, e ocupa a maior parte do hipocôndrio direito. Ele é
em sua maior parte recoberto pelo peritônio visceral e completamente coberto por uma
camada de tecido conjuntivo denso irregular. Possui dois lobos principais, o direito, que é
maior, e o esquerdo, que é menor. O que os divide é uma prega do mesentério, chamada
ligamento falciforme, conforme pode ser observado na Figura 1. Além dos lobos direito
e esquerdo, o fígado também é composto pelo lobo quadrado inferior, lobo caudado
posterior e ligamento redondo.

Figura 1 – O fígado, seus ligamentos e lobos


Fonte: Adaptada de Getty Images

Histologicamente, o fígado é composto por hepatócitos, que são as principais célu-


las funcionais e que realizam diversas funções metabólicas, endócrinas e secretoras, des-
de a metabolização de nutrientes, fármacos e outras substâncias, até a liberação da bile.

O fígado possui duas fontes de suprimento sanguíneo, uma delas é a artéria hepática,
que obtém o sangue oxigenado com metabólitos de tecidos periféricos, e a veia porta
hepática, que obtém o sangue venoso com fármacos, nutrientes recém-absorvidos, toxi-
nas do canal alimentar e até mesmo possíveis microrganismos, provenientes da absorção
do trato gastrointestinal (TGI).

Você Sabia?
Os fármacos são também chamados de xenobióticos. Eles são metabolizados nas mem-
branas das mitocôndrias e do retículo endoplasmático liso.

9
9
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Uma das funções hepáticas é a metabolização de carboidratos, que é muito importante­,


pois realiza a manutenção do nível de glicose no sangue, para que fique em níveis
normais. Em uma situação de jejum prolongado, a conversão de determinados aminoá-
cidos, outros açúcares, glicerol e ácido lático em glicose é uma ação também realizada
pelo fígado. Quando o nível de glicemia se apresenta alto no sangue (normalmente após
as refeições), o fígado converte essa glicose em glicogênio e em triglicerídeos, para que
possam ser armazenados.
Para a metabolização de lipídeos, os hepatócitos clivam ácidos graxos para gerar ATP,
armazenam alguns triglicerídeos, transportam ácidos graxos, triglicerídeos e colesterol
para o restante das células do corpo, utilizam o colesterol para a produção de sais biliares
e sintetizam lipoproteínas e o colesterol.
A maior parte das proteínas plasmáticas é sintetizada ou hidrolisada pelo fígado.
A amônia, removida dos aminoácidos é convertida em ureia para ser eliminada pela urina
e os aminoácidos (sem o grupo amino) são utilizados para a produção de carboidratos,
gorduras ou ATP. Substâncias como o álcool e medicamentos são detoxificadas pelo
fígado e excretadas na bile. Já os hormônios tireóideos e esteroides podem ser alterados
quimicamente ou excretados.
Grande parte da bilirrubina deriva do grupo heme dos eritrócitos já envelhecidos. Ela é
captada pelo fígado a partir do sangue e é secretada na bile. Depois a maior parte da sua
metabolização ocorre no intestino delgado, pela flora intestinal, e é eliminada pelas fezes.
Uma das funções realizadas pelo fígado é armazenar as vitaminas A, B12, D, E e K,
minerais como o ferro e o cobre. Ele também é responsável pela primeira ativação da
vita­mina D, juntamente com a pele e os rins. O fígado, portanto, é um órgão que recebe
e envia metabólitos e nutrientes de outras partes do corpo e possui diversas funções
como a metabolização, armazenamento e síntese de substâncias. Suas principais funções
estão ilustradas na Figura 2. Fluxograma 1. Funções do fígado

Absorvido do trato Metabólitos e fármacos


gastrintestinal dos tecidos periféricos
Veia porta Artéria
• Bilirrubina do fígado hepática • Bilirrubina
• Nutrientes • Metabólicos de hormônios
• Fármacos e fármacos
• Substâncias estranhas • Nutrientes

Fígado
• Metabolismo da glicose e de gorduras
• Síntese de proteínas
• Síntese de hormônios
• Produção de ureia
• Destoxificação
• Armazenamento

Metabólitos para
Secretado no duodeno
Ducto Veia tecidos periféricos
biliar hepática
• Sais biliares • Glicose
• Bilirrubina • Proteínas plasmáticas
• Água, íons •Albumina, fatores de coagulação,
• Fosfolipídeos angiotensinogênio
• Ureia
• Vitamina D, somatomedinas
• Metabólitos para excreção

Figura 2 – Funções do fígado


Fonte: Adaptada de TORTORA, 2016

10
O fígado possui a capacidade de se regenerar após uma perda significativa do
tecido, seja ela por uma lesão hepática que não seja causada e complicada por vírus,
por uma inflamação ou até mesmo por uma hepatectomia parcial.

As doenças hepáticas podem desestabilizar muitas funções realizadas pelo fígado,


causando desde a diminuição do metabolismo de alguma substância, até a mutação
das células hepáticas, gerando um tumor. Dentre as principais doenças hepáticas, há
as hepatites agudas e crônicas de origem viral, insuficiência hepática, cirrose e doença
hepática alcoólica.

A hepatite A é causada por um vírus da família Picornaviridae, que causa quadros


de uma hepatite aguda. Esse vírus é transmitido via fecal-oral e os aspectos clínicos são
quadros colestáticos, diarreia, náuseas, vômitos, febre, icterícia e dor muscular.

A hepatite B também é causada por um vírus, nesse caso da família Hepadnaviridae,


com transmissão sexual, perinatal ou percutânea. Inicialmente os sintomas clínicos podem
demorar para aparecer, principalmente em crianças. Pode ocorrer infecção aguda ou crô-
nica, que depende da idade do paciente, do momento em que adquiriu o vírus ou de seu
estado imunológico.

Cerca de
930.000 de
europeus Cerca de 2
milhões de
asiáticos
Cerca de
400.000 de
sul-americanos
Cerca de
350.000 de
africanos

Prevalência do AgHBs
> 8% - Alta
2-8% - Intermediária
> 2% - Baixa

Figura 3 – Mapa epidemiológico da hepatite B


Fonte: Adaptada de MARTINS et al., 2019

A hepatite C é causada por um vírus da família Flaviviridae. Normalmente os novos


casos apresentam-se como hepatite ictérica e seus sintomas clínicos são dores abdominais,
febre, perda de apetite e icterícia.
Além das hepatites, a cirrose também é uma das principais doenças que acometem
o fígado, pois é considerada como resultado de doenças hepáticas crônicas que estão
associadas a episódios de morte celular, necrose e a tentativa de regeneração do fígado.
A insuficiência hepática é uma disfunção grave do fígado que ocorre em até seis
meses depois do início de uma doença hepática. Em casos de ocorrência em até dois
meses, ela pode ser considerada uma insuficiência hepática fulminante, caso contrário

11
11
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

é uma insuficiência hepática aguda. A icterícia é um sinal clínico comum a várias con-
dições patológicas. Ela pode ser evidenciada em vários locais do organismo devido à
grande capacidade de impregnação do pigmento biliar. A icterícia se evidencia quando
a concentração plasmática está acima de 2,5 a 3,0 mg.dL-1. A doença é diagnosticada
pelo aumento da bilirrubina plasmática (hiperbilirrubinemia), como ocorre na Síndrome­
de Gilbert, caracterizada pela deficiência enzimática, que se manifesta clinicamente
como icterícia. A compreensão dos passos da formação e excreção da bilirrubina é
funda­mental para entender as manifestações clínicas que ocorrem na icterícia.

Figura 4 – Icterícia neonatal


Fonte: Getty Images

A maioria das doenças hepáticas são silenciosas em um primeiro momento. Assim, o que
indica o aparecimento de sintomas de icterícia no indivíduo adulto?

Testes de Função Hepática e sua Utilização Clínica


Os testes de função hepática são muito realizados em laboratório para avaliar a capa­
cidade de ação do fígado. Os exames laboratoriais são realizados pela amostra de
sangue­ do paciente, em que é possível medir a presença de certas substâncias químicas
que são liberadas pelo fígado. As principais substâncias avaliadas são albumina, bilirru-
bina, aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alca-
lina (FA) e a gama glutamil transpeptidase (GGT).

12
Figura 5 – Amostras de sangue para análise laboratorial
Fonte: Getty Images

Em muitos casos, o aumento das enzimas hepáticas ocorre devido ao uso de anti-infla-
matórios não esteroides, alguns antibióticos, diabetes, álcool, hipolipemiantes, cálculos
biliares, infecções como a hepatite viral e mononucleose, uso excessivo de alguns fitoterá-
picos e tumores de fígado.

Os testes de função hepática são importantes pois:


• Auxiliam no diagnóstico de uma doença hepática;
• Permitem realizar um diagnóstico específico;
• Determinam a gravidade do dano hepático;
• Permitem o monitoramento da doença.

Para avaliar a função hepática de um paciente é necessário entender o seu funciona-


mento e o que significa a liberação de cada uma das substâncias avaliadas em laborató-
rio. Como já citado anteriormente, a maior parte da bilirrubina deriva do grupo heme,
é absorvida pelo fígado e liberada na bile. Uma porção menor deriva de mioglobina,
citocromo, catalase e outras hemoproteínas. Além dessas duas formas, a bilirrubina tam-
bém deriva da eritropoese ineficaz, mas em quantidades menores do que as derivadas
de hemoproteínas.
A bilirrubina gerada e não conjugada (indireta) é transportada juntamente com a al-
bumina, não é solúvel em água e, consequentemente, não pode ser excretada na urina.
Quando passa no fígado, a bilirrubina é conjugada (direta), torna-se solúvel em água e é
liberada na bile e, posteriormente, excretada na urina.
Hiperbilirrubinemia é o aumento da quantidade de bilirrubina plasmática. Em al-
guns casos, o teste de bilirrubina é utilizado para indicar se há alguma lesão hepática,
mas é usado principalmente em casos de suspeita de icterícia. O aumento da bilirrubina
conjugada ou da não conjugada apresenta significados clínicos diferentes. O aumento
da bilirrubina não conjugada ocorre devido ao aumento da produção de bilirrubina,
principalmente a derivada da hemólise, e problema na captação pelo fígado ou de sua
conjunção. Caso o aumento seja da bilirrubina conjugada, é um indicativo de defeitos na
secreção ou de defeitos bioquímicos relacionados com a excreção pela obstrução, seja
ela intra ou extra-hepática (possível icterícia).

13
13
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

As aminotransferases são enzimas que estão presentes nos hepatócitos e são libe-
radas em caso de dano na membrana das células hepáticas. São aminotransferases de
avaliação laboratorial o AST e o ALT. O AST (aspartato aminotransferase), também
chamado de transaminase glutâmico-oxalacética (TGO), é encontrado no fígado, em
músculo esquelético, rins, cérebro, pâncreas, baço, pulmões e leucócitos. É considerada
uma das enzimas hepáticas mais utilizadas para avaliar dano hepático, assim como o
ALT. Juntamente com o AST, é avaliada a ALT (alanina aminotransferase), também
chamada de transaminase glutâmico-pirúvica (TGP), que é encontrado principalmente
no fígado, portanto é mais sensível na avaliação de dano hepático do que o AST.
Os resultados de AST e ALT devem ser analisados em conjunto, pois isoladamente
não é possível avaliar a presença de dano hepático. Em casos de aumento dos valores de
AST isoladamente, é impossível avaliar se esse aumento é causado exclusivamente pelo
fígado, pois o AST está presente também em outros tecidos. Já em casos de aumento
de ALT, a probabilidade desse aumento ser causado por um dano hepático é maior, pois
sua presença é maior no fígado, comparado com o AST. Consequentemente, quando
ambos estão com seus valores aumentados, é possível considerar que há uma lesão ou
doença hepática.
A FA é um grupo de enzimas que realiza a hidrólise de ésteres de fosfato quando em
pH alcalino. Pode estar presente em vários tecidos, mas é encontrada principalmente
no fígado, nos ossos, no intestino e na placenta. A sua função ainda é desconhecida,
mas estudos indicam que ela pode estar envolvida com o transporte de ácidos biliares
na bile. Quando ocorre qualquer tipo de obstrução no trato biliar, a atividade da FA é
maior. Laboratorialmente, é considerada como marcadora da colestase hepática, que é
a interrupção ou o retardamento do fluxo nos canais biliares. O aumento de FA plas-
mática também pode ser gerado em grávidas devido a sua presença na placenta e em
períodos de crescimento ósseo rápido, comum em crianças e adolescentes. Não se pode
correlacionar diretamente que o aumento de FA é resultante de uma colestase hepática,
portanto, quando há dúvidas sobre o causador do aumento de FA, é realizada uma aná-
lise de resultado de outras enzimas em conjunto, como a GGT.
A GGT é uma enzima que realiza a transferência dos grupos glutamil de peptídeos
gama glutamil para aminoácidos ou outros peptídeos e pode estar relacionada com o
transporte de peptídeos através das membranas celulares. Ela é encontrada na maioria
dos órgãos, exceto nos músculos, mas a sua atividade plasmática é atribuível principal-
mente a isoenzimas hepáticas. A especificidade da GGT é baixa em casos de doença
hepática, principalmente de icterícia, mas pode ser útil em dois casos específicos. O pri-
meiro é quando a FA sérica apresenta níveis altos e é necessário saber a causa, portanto,
quando a GGT também aumenta, é possível que a origem seja o fígado. O outro caso é
relacionado ao consumo crônico de álcool, em que os níveis de GGT aumentam.

As isoenzimas são enzimas que apresentam a mesma função. No entanto, possuem


estruturas e regulações diferentes.

14
Figura 6
Fonte: Getty Images

A albumina é a principal proteína encontrada no plasma e sua síntese é realizada


pelo fígado. Ela mantém a pressão oncótica plasmática e se liga a vários ânions, fár-
macos, ácidos graxos e hormônios. Em casos de doença hepática crônica, é comum
que os níveis de albumina diminuam, sendo um importante marcador para realizar
um prognóstico. É importante saber que a diminuição da albumina não é somente um
marcador de diminuição de sua síntese pelo fígado, pois ela também pode ocorrer em
casos de ingestão inadequada de proteínas, lesão renal, gastrointestinal ou até mesmo
em pacientes de queimaduras.
O tempo de protrombina (TP) é um teste que mede a taxa em que a protrombina é
convertida em trombina com a presença de cálcio, fibrinogênio, tromboplastina e outros
fatores de coagulação. Em casos de pacientes com doenças hepática, o TP é prolongado,
pois é possível que o fígado esteja muito lesionado e não consiga sintetizar apropriada-
mente os fatores de coagulação que dependem da vitamina K para que sejam ativados.

O CH3 CH3 CH3 CH3

CH3

CH3
O

Figura 7 – Estrutura química da vitamina K1


Fonte: Adaptada de Getty Images

A maior parte da vitamina K presente no corpo humano é produzida pelas bactérias da flora
intestinal, por meio de um processo chamado de simbiose.

O fibrinogênio é sintetizado no fígado. É uma glicoproteína, considerada um fator


de coagulação que gera o coágulo de fibrina. Essa reação é realizada sob a influência da
trombina, que é o principal passo da cascata de coagulação. Quando em níveis eleva-
dos, o fibrinogênio presente no plasma pode ser resultado de pacientes com diabetes,
aterosclerose, tabagistas ou até mesmo por influências genéticas. Os níveis diminuídos

15
15
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

podem ser gerados pela síntese hepática prejudicada, pelas fibrinolisinas, que realizam
a lise do fibrinogênio, ou até mesmo pela conversão do fibrinogênio em fibrina em caso
de excesso, impedindo a reposição adequada.

A alfafetoproteína é encontrada apenas em fetos, pois sua produção é cessada após o


nascimento. Ela é o equivalente da albumina no feto. Nesse caso, ela pode ser detectada
no plasma de grávidas, porém se não existe gravidez e a alfafetoproteina é encontrada,
pode ser indicação desde tumores e doenças hepáticas benignas, quando em baixa
quantidade, até um carcinoma hepatocelular, quando em quantidades maiores.

As concentrações de transferrina são correlacionadas com a capacidade de ligação


total do ferro plasmático, mas também é sugerida como um indicador da síntese de pro-
teínas pelo fígado.

O Papel dos Testes de Função Hepática na Avaliação Prognóstica


Os resultados clínicos dos testes laboratoriais de função hepática nos permitem avaliar­
a situação do fígado e, consequentemente, caso tenha alguma alteração, realizar uma
avaliação prognóstica da situação.

É de extrema importância o entendimento da correlação dos valores dos testes, sejam


eles altos ou baixos, com as ações que geraram esses valores, ou seja, entender de que
forma o fígado está agindo, para detectar se há lesão ou qualquer tipo de alteração me-
tabólica, o motivo dessa situação e como isso se apresenta em forma de resultados de
exames laboratoriais.

A diferenciação dos locais onde são encontradas as transaminases AST e ALT tem
ajudado na realização do prognóstico e no diagnóstico. Segundo o índice de Ritis, nas
doenças hepáticas como hepatites virais agudas, o AST e o ALT devem ter um valor de
relação menor que 1 e em casos de doenças como a cirrose e hepatites crônicas, essa
relação é maior que 1. Quando ambos os valores apresentarem aumento, deve-se analisar
qual está mais alta e correlacionar com tipo de lesão, conforme a "Avaliação do nível de
lesão no fígado".

Avaliação do nível de lesão no fígado


ALT > AST = Maior lesão, menos profunda
ASR > ALT = lesão mais grave

A bilirrubinemia está em excesso quando sua produção é elevada e atinge o máximo­


da capacidade de ligação do pigmento pela albumina, sai da circulação e dirige-se para
vários tecidos, em especial fígado, rins, pulmões, coração, glândulas suprarrenais e cére­
bro. As concentrações elevadas de bilirrubina, quando depositadas na pele e esclerótica,
nem sempre significam que a bilirrubina sérica reflita realmente a concentração do com-
posto acumulado.

16
Paciente, sexo masculino, dez anos, realizou exames de rotina e apresentou valores de FA
elevados e nenhuma outra alteração em testes de função hepática. Pode-se dizer que esse
paciente possui uma disfunção hepática?

Avaliação Laboratorial das Doenças


Hepáticas: Aguda e Crônica
A insuficiência hepática aguda é o desenvolvimento de uma disfunção após uma
doença no fígado. Tem como características a encefalopatia hepática e elevação pro-
longada de TP, e suas causas mais comuns são o consumo de paracetamol e as hepa-
tites do tipo B e E.
Por outro lado, a insuficiência hepática crônica é caracterizada pela falência hepática,
doença que leva à cirrose; esta, por sua vez, é irreversível e culmina com a total parada de
funcionamento do órgão.

Avaliação Laboratorial da Insuficiência Hepática Aguda


A avaliação laboratorial da insuficiência hepática aguda tem como objetivo deter-
minar qual a causa dessa hepatite e as possíveis consequências e complicações. Para a
investigação da causa, uma das análises realizadas é a determinação de concentração de
paracetamol no sangue.
A realização da sorologia para pesquisa de hepatites de causas virais também é rea-
lizada, porém é complicada, pois o antígeno de superfície da hepatite B pode se tornar
indetectável rapidamente. De todo modo, em casos de insuficiência hepática aguda,
exceto pela ingestão excessiva de paracetamol, a principal conduta é realizar o trans-
plante hepático, pois quando ocorre a descoberta da causa, é muito tarde para realizar
um tratamento específico.
É possível observar alterações nos testes de função hepática, detecção e atividade de
aminotransferases no plasma, principalmente quando surge a encefalopatia em que a
presença da icterícia é intensa.
A concentração de fibrinogênio e dos fatores de coagulação (II, V, VII, IX e X) apre-
sentam-se diminuídos, ou seja, ocorre a presença de defeitos de coagulação e isso é re-
fletido no prolongamento do TP, que pode ser utilizado como uma medida para avaliar a
gravidade e a evolução. Além da diminuição desses fatores essenciais para a coagulação,
ocorre a hipoglicemia, causada por problemas na glicogênese, gliconeogênese e glicoge-
nólise, o que pode auxiliar o diagnóstico de uma insuficiência hepática.

Pacientes que são diagnosticados com insuficiência hepática, principalmente aqueles


com a insuficiência fulminante, podem sobreviver, porém o prognóstico é pior para os
portadores de hepatites virais (exceto A e E), e melhor para aqueles que realizaram o
consumo excessivo de paracetamol.

17
17
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Devido ao mau prognóstico, o transplante hepático como uma opção terapêutica


começou a ser considerado, principalmente para esses pacientes portadores de hepa-
tites que, consequentemente, possuem uma menor probabilidade de recuperação com
outros tratamentos.

Avaliação Laboratorial da Cirrose e da Hepatite


A cirrose é uma doença hepática decorrente da inflamação crônica de uma hepatite,
de parasitas no fígado, produtos químicos ou o alcoolismo, que geram a destruição dos
hepatócitos, episódios recorrentes de morte celular e tentativas de regeneração do fígado.

Quando ocorre regeneração recorrente, os hepatócitos acabam sendo substituídos


por tecido conjuntivo adiposo ou fibroso, que não realizam a função de um hepatócito,
o que leva a complicações do metabolismo hepático.

Um dos principais aspectos clínicos da cirrose é a icterícia, hemorragia não controlada­,


edema de membros inferiores e o aumento de sensibilidade a fármacos (pois o fígado é
o principal órgão que os metaboliza).

Em pacientes com cirrose hepática é possível observar níveis séricos de bilirrubina


elevados e que podem permanecer por alguns anos. Essa bilirrubina é em sua maior
parte a não conjugada.

Os níveis de AST, ALT e FA apresentam-se aumentados na maioria dos pacientes e


esses valores podem variar, portanto indicam a evolução da cirrose, sendo considerados
marcadores de monitoramento, assim como a albumina. A albumina e seus valores sé-
ricos, que acompanham o estado funcional do fígado, mais especificamente das células
parenquimatosas, ou seja, quanto menor o nível sérico, mais lesão celular. Em casos de
diminuição, pode indicar uma ascite ou hemorragia em desenvolvimento.

Além disso, também é possível observar alterações no mecanismo de coagulação, em


que ocorre o prolongamento do TP, pois diminui a resposta à proteína K na via paren-
teral e o aumento de sangramento devido à diminuição de fibrinogênio e das plaquetas.

A cirrose biliar primária é uma doença hepática autoimune de causa desconhecida e


apresenta condições de colestase crônica. Nesse caso, os ductos biliares interlobulares e
septais são destruídos. Sabe-se que acomete mais mulheres do que homens e a maioria
apresenta icterícia, prurido e outros sintomas, como o cansaço, que não são específicos.
Labora­torialmente, pode-se observar alterações nos marcadores hepáticos com as seguintes­
características: aumento de fostafase alcalina, bilirrubina e a diminuição da albumina.

As hepatites são inflamações no fígado e podem ser causadas por fármacos, vírus,
toxinas como o álcool e por causas autoimunes, que é uma causa mais rara. Para deter-
minar a presença de hepatite, são realizados os testes de função hepática, que também
estimam a gravidade da hepatite e permitem acompanhar a progressão, assim como
acompanhar a resposta à terapia. É importante realizar a distinção entre os tipos de
hepatite, sua causa e identificar o agente etiológico, porém, os testes de função hepática
não conseguem diferenciar as causas virais das não virais, portanto, devem ser realiza-
dos testes sorológicos para complementar o diagnóstico. As cinco principais hepatites

18
(A, B, C, D e E) são causadas por vírus. Exceto o vírus da hepatite B, que é um vírus de
DNA, todos os outros são de RNA. Todos podem causar uma hepatite aguda, porém
somente as hepatites B e C podem provocar infecções de forma crônica. Elas podem ser
transmitidas de diferentes maneiras, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 – Tipos de hepatite

Tipos de hepatite
Meio de Transmissão
A B C D E

Entérica Sim Não Não Não Sim

Sexual Não Sim Possível Possível Não

Perinatal Não Sim Possível Possível Não

Parenteral Rara Sim Sim Sim Não

Pós-transfusão Não Raro Raro Não Não

As suspeitas clínicas de uma hepatite viral ocorrem em casos nos quais o paciente
apresenta icterícia e dor na parte superior direita do abdômen, condizente com a po-
sição anatômica do fígado. Há casos em que os pacientes não apresentam sintomas,
mas o diagnóstico é realizado devido à anormalidade da função hepática analisada nos
resultados dos marcadores hepáticos.

No caso da hepatite viral aguda, é realizado o diagnóstico por testes sorológicos e,


dependendo dos sintomas e da situação clínica que o paciente se encontra, pode ser neces-
sário realizar outros exames complementares, pois a maioria não apresenta sintomas ou
quando apresentam são de forma branda. Em crianças é possível realizar o diagnóstico de
hepatite viral aguda com mais segurança, caso os sintomas sejam compatíveis. De forma
geral, pacientes com hepatite aguda apresentam um aumento acentuado de AST e ALT,
com os valores de ALT maiores que de AST. Os outros marcadores hepáticos também
podem apresentar alterações dependendo da gravidade da hepatite, exceto a albumina e a
FA, que normalmente se apresentam dentro do valor de referência.

Quando é possível observar aumento do TP e elevação da bilirrubina de forma acen-


tuada, diminuição de albumina e hipoglicemia, pode-se considerar que a lesão hepato-
celular ocasionada pelos vírus da hepatite é grave.

19
19
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Pacientes sintomáticos com suspeita de Hepatite Aguda:

Paciente com sinais e sintomas * Coleta de TGP (ALT) / TGO (AST) na UBS

Resultado

TGP (ALT) / TGO (AST) elevadas Exames com resultados normais


em três vezes ou mais que o
valor normal
Investigar outra hipótese diagnóstica
Solicitar marcadores virais para
Hepatite A (Anti HAV IgM) e B
(HBS Ag e Anti IgM)

Conforme o resultado seguir


fluxo específico para Hepatite A
ou B aguda

Figura 8 – Investigação laboratorial das hepatites virais

São sinais e sintomas da hepatite aguda: febre, mal-estar, náuseas, vômitos, mialgia,
colúria, hipocolia fecal e presença ou não de icterícia.

Suspeito de hepatite A

Preencher a ficha
Coletar marcador viral para epidemológica de hepatites
hepatite A (Anti-HAV IgM) virais e encaminhar por
malote à vigilância epidemilógica

Anti-HVA IgM (+) Anti-HVA IgM (–)


O material será enviado ao
LANCEN, junto da ficha “SFIHA”,
Hepatite A aguda via vigilância epidemológica
LACEN fará os marcadores
virais para hepatite B
(HBsAg e Anti-HBc IgM)
Acompanhar o paciente da mesma amostra
na própria UBS até
a normalização das
transaminases e
remissão dos sintomas Conforme resultado,
seguir fluxo para
hepatite B ou C
(Considerando 60 dias
de janela imunológica
para o Anti-HCV)

Figura 9 – Investigação laboratorial das hepatites agudas

Tabela 2 – Interpretação dos resultados sorológicos


Interpretação dos resultados sorológicos

anti HAV-lgM Anti HAV total Interpretação

Positivo Positivo Infecção recente pelo vírus A

Negativo Positivo Infecção passada pelo vírus A

Negativo Negativo Ausência de contato, suscetível

20
Suspeito de hepatite B aguda

Coletar marcadores virais


(HBs Ag e anti-HBC IgM)

Resultado

HBs Ag: reagente HBs Ag (+) HBs Ag: reagente


HBs Ag: reagente
Anti-HBc IgM: não reagente Anti-HBc IgM (–) Anti-HBc IgM: não reagente
Anti-HBc IgM: reagente
Anti-HBc: reagente Anti HBc (–) (Lacen investiga anti HAV
Lacen repete o HBs Ag na IgM. Se negativo, investiga
mesma amostra. Se (–), leptospirose. Se negativo,
*Hepatite B aguda Encaminhar ao Cismepar solicita nova amostra HBsAg coletar anti HCV após 2 meses
(acompanhamento clínico para avaliação em 30 dias e seguir o fluxo de Hepatite C)
pela UBS) (portador de Hepatite B)

HBs Ag (–): alta Susceptível ao VHB: vacinar


HBs Ag (+): encaminhar ao contra Hepatite B
Coletar HBs Ag após 6 meses Cismepar para avaliação
– Não reagente = cura (portador de Hepatite B)
– Reagente = encaminhar ao
Cismepar para avaliação
(portador de Hepatite B) Descartar HB e investigar
outra hipótese diagnóstica

Figura 10 – Hepatite B aguda

A confirmação diagnóstica da infecção pelo HBV (vírus hepatite B) pode ser realizada
pelos testes sorológicos, que buscam identificar os antígenos e anticorpos presentes nes-
sa infecção. Esses antígenos e anticorpos aparecem e desaparecem no soro de acordo
com a fase evolutiva da infecção, conforme demonstra a Tabela 3 e a Figura 11.

Tabela 3 – Marcadores hepatite B


Anti- Anti- Anti- Anti DNA-HBV
Interpretação HBsAg HBeAg ALT
HBc HBc IGM HB e HBs (UI/mL)
Infecção aguda + + + + – – Aumentado Alta
HBV com – – – + Normal Não detectado
recuperação
Infecção antiga,
oculta, janela imune – – + – – – Normal Não detectado
ou falso-positivo
Vacinação prévia – – – – – + Normal Não detectado
Portador + – + – + – Normal <200
crônico inativo
Mutantes pré-core Normal ou
+ – + – + – ≥2000
ou corepromoter aumentado
HBV ativa Normal ou
+ + + – – – ≥2000
(perfil clássico) aumentado

21
21
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

anti-HBS (remissão)

Concentração Relativa
HBsAg (crônico)

HBsAg anti-HBc Total


(agudo) DNA viral (crônico)

HBeAg (crônico)

HBsAg
(agudo) soroconversão anti-HBe

anti-HBc IgM (agudo)


DNA viral
(agudo)

Tempo

Figura 11 – Evolução dos marcadores do vírus da


hepatite B (HBV) nas infecções agudas e crônicas
Fonte: Adaptada de cevs.rs.gov.br

Tabela 4 – Interpretação dos marcadores sorológicos para hepatite B

Marcadores Definição Significado Clínico


• Primeiro marcador da infecção pelo VHB;
• Aparece de uma a três semanas antes dos sintomas;
Antígeno de superfície do • Sua presença junto com o anti-HBc indica presença de infecção;
HBsAg vírus da hepatite B (VHB) • Desaparece nos primeiros seis meses da doença quando a evo-
lução é para a cura;
• Persistência por mais de seis meses indica infecção crônica.

• Éo marcador de infeccão recente, encontrado no soro até 32


Anticorpo da classe Igm semanas após a infecção. No entanto, esse marcador pode estar
Anti-HBc IgM contra o VHB presente na fase crônica quando houver reagudicação da infecção
pelo VHB.
• É o marcador de infecção passada que caracteriza o contato pré-
Anti HBc ou Anti Anticorpo da classe Igm vio com o vírus, permanecendo por toda a vida nos indivíduos
HBc total total (IgM + IgG) contra VHB que tiveram infecção pelo virus da hepatite B. É utilizado na
triagem para hepatite B.
Antígeno que indica • É o marcador que caracteriza a fase de replicação viral. Sua posi-
HBeAg replicação viral tividade indica alta infecciosidade.
• Surge após o desaparecimento do HBe Ag e indica o fim da fase
Anti-HBe Anticorpo contra HBeAg
de replicação.
• É o único anticorpo que confere imunidade ao VHB. Está presente
no soro entre a 1ª e a 10ª semana após o desaparecimento do HBs
Ag, sendo indicador de cura e imunidade. Está presente isolada-
Anti-HBs Anticorpo contra HBsAg
mente em pessoas vacinadas, ou que recebem imunoglobina
anti-hepatite B ou por transferência de anticorpos maternos
durante a gestação.

22
Tabela 5 – Interpretação dos resultados dos marcadores sorológicos para Hepatite B
Interpretação
HBsAg Anti-HBc Anti-HBs Procedimento do professional
dos resultados
Verificar esquema completo da vacina contra a
hepatite B. Se necessário, indicar ou completar o
Negativo Negativo Negativo Suscepítivel
esquema vacinal. orientar sobre as formas de pre-
venção das hepatites virais
Colher 2ª amostra do Anti-HBc. Se o resultado for
Contato com vírus ou
Negativo Positivo Negativo reagente, agendar infectologista no Cismepar e
infecção
realizar as orientações de prevenção das hepatites.

Negativo Positivo Positivo Imunidade, infecção passada Orientações de prevenção das demais hepatites.
Repetir todos os marcadores em 30 dias (para escla-
Positivo Negativo Negativo Incubação
recer fase aguda ou falso-positivo).
Repetir o HBsAg e o Anti-HBs em 30 a 60 dias. Se o
HBsAg (-) e o Anti-HBs (+), indicam cura e alta ao
Positivo Positivo Positivo Fase de Transição; é raro
paciente. Se o HBsAg (+) e Anti-HBs (-), encaminhar
ao Cismepar.
Realizar o Anti-HBc IgM (se tiver história de hepa-
Fase Aguda ou Hepatite tite aguda), ou repetir o HBsAg e o Anti-HBs em 6
Positivo Positivo Negativo
Crônica meses. Se Anti-HBs (+), cura e alta ao paciente. Se
HBsAg (+), encaminha-lo ao Cismepar.

Tabela 6 – Marcadores sorológicos para Hepatite C


Anti-HCV Interpretação dos Resultados Procedimento do Profissional
Negativo Suscetível Orientações de prevenção

Contato com vírus, infecção prévia


ou hepatite C crônica ou resultado
Positivo Seguir orientações médicas
falso (+), que pode ocorrer devido a
gravidez, lúpus, hipertiroidismo, etc.

Fármacos e o Fígado
A maioria dos fármacos são biotransformados pelo fígado, o que pode causar ele-
vação assintomática das enzimas hepáticas: aspartato aminotransferase (AST), alanina
aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA). Pode ocorrer também hepatotoxicidade
aguda, levando ao desenvolvimento de hepatite aguda provocada por drogas, causando
icterícia, dor abdominal ou prurido. Pode-se também desencadear alterações nos parâ-
metros de função hepática, resultado da deficiência da síntese proteica, levando ao prolon-
gamento do tempo de protrombina (TP) e/ou diminuição dos níveis de albumina, o que
é mais raro.
O termo LHID (lesão hepática induzida por droga) é utilizado para caracterizar
qualquer mal com significado clínico, podendo abranger toda e qualquer lesão hepática,
até mesmo as assintomáticas. Isso inclui lesões causadas por fitoterápicos, plantas, suple-
mentos nutricionais e drogas. Em relação ao uso de fármacos, a fisiopatologia da doença
depende da droga utilizada, assim como de seus mecanismos de ação.

23
23
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Por sua vez, o termo DILI (Drug Induced Liver Injury) define reações adversas
com dano hepático, na maioria das vezes não previsíveis. A DILI é causada por drogas
ou xenobióticos. Quando causada por ervas medicinais ou suplementos alimentares, a
doença pode ser chamada de HILI (Herbal Induced Liver Injury). As manifestações
clínicas de DILI/HILI são as mais variadas, podendo ser: leve, grave, hepatocelular, mis-
ta, colestática, vascular, aguda ou crônica. O diagnóstico dessas doenças é dado através
da história de exposição a drogas, ervas e suplementos. Para isso, são consideradas
exposições que possam ter ocorrido até seis meses antes do agravo ao fígado.

Os mecanismos do desenvolvimento de LHID incluem ligação covalente da droga


a proteínas celulares, resultando em lesão imunitária, inibição de vias metabólicas
celulares, bloqueio de bombas de transporte, indução de apoptose e interferência na
função mitocondrial.

Existem diversos fatores que agravam o risco de desenvolvimento das DILI:


• Idade ≥ 18 anos;
• Obesidade;
• Gestação;
• Consumo concomitante de álcool;
• Polimorfismos genéticos (cada vez mais reconhecido).

Os padrões de lesão hepática das DILI podem ser previsíveis se ela for aguda, com
lesão imediata após a exposição a determinada droga, ou imprevisível, quando a lesão
se desenvolve após período de latência e não tem relação com a dose administrada.
A DILI previsível (em geral, intoxicação por acetaminofeno) é uma causa comum de
icterícia grave e insuficiência hepática grave. A DILI imprevisível é uma causa rara de
doença hepática grave. Já a DILI subclínica são aquelas que não apresentam reações
clínicas evidenciadas, sendo as mais frequentes do que aquelas que apresentam reações
adversas conhecidas.

Na Tabela 7, estão listados os achados de intoxicação hepáticas.

Tabela 7 – Achados de intoxicação hepática

Achados Medicamentos

Acarbose, Acetaminofeno, Alopurinol, Amiodarona, Drogas para TARV, Bupropiona, Fluoxetina,


Hepatocelular: Germander, Extrato de chá verde, Baclofeno, Isoniazida, Kava, Cetoconazol, Lisinopril, Losarta-
ALT elevada na, Metotrexato, AINEs, Omeprazol, Paroxetina, Pirazinamida, Rifampina, Risperidona, Sertra-
lina, Estatinas, Tetraciclinas, Trazodona, Trovafloxacino, Valproato.

Colestática: Amoxicilina/clavulanato, Esteroides anabolizantes, Clorpromazina, Clopidogrel, Contracepti-


FA elevada e vos orais, Eritromicina, Estrógenos, Irbesartana, Mirtazapina, Fenotiazinas, Terbinafina, Anti-
bilirrubina total depressivos triciclicos.

Mista: FA e Amitriptilina, Azatioprina, Captopril, Carbamazepina, Clindamicina, Cipro-heptadina, Ena-


lapril, Nitrofurantoína, Fenobarbital, Fenitoína, Sulfonamidas, Trazodona, Sulfametoxazol/
ALT elevadas trimetoprima, Verapamil.

24
Os medicamentos potencialmente hepatotóxicos são capazes de desenvolver três tipos
de lesões hepáticas que, bioquimicamente, podem ser classificadas como:
• hepatocelular: hepatotoxicidade hepatocelular com elevação das aminotransferases
(AST, ALT ou ambas), podendo ser acompanhado por hiperbilirrubinemia em casos
mais graves. Hiperbilirrubinemia, nesse contexto, é considerada icterícia hepato-
celular e, de acordo com a Lei de Hy, associada à mortalidade superior a 50%. Se
a lesão hepatocelular é acompanhada de icterícia, comprometimento da função de
síntese e encefalopatia, então a chance de regeneração e restabelecimento é baixa e
o transplante de fígado deve ser considerado. Esse tipo de lesão pode ocorrer com
drogas do tipo isoniazida e acetaminofeno;
• colestática: hepatotoxicidade colestática caracteriza-se pelo aparecimento de pru-
rido e icterícia seguidos da grande elevação dos níveis das enzimas canaliculares. É
uma lesão menos grave do que a lesão hepatocelular, porém a recuperação pode
ser lenta. Vários fármacos podem desencadear esse tipo de lesão como amoxicili-
na/clavulanato e clorpromazina;
• mistas: nestas síndromes clínicas não há predomínio na elevação nem das amino-
transferases e nem da fosfatase alcalina. Os sintomas também podem ser mistura-
dos. Drogas como a fenitoína podem causar esse tipo de lesão.

O diagnóstico é realizado pela identificação de padrões característicos nas alterações


laboratoriais e pela exclusão de outras causas. A sintomatologia é variável, podendo
não apresentar sintomas ou sintomas inespecíficos e gerais como mal-estar, náuseas e
anorexia, icterícia, piora da função de síntese do fígado e encefalopatia. O rápido reco-
nhecimento de que se trata de LHID melhora consideravelmente o prognóstico, pois,
assim, as chances de cura e melhora do paciente são maiores.

Em razão de não haver exame laboratorial diagnóstico, outras causas de doença


hepática, especialmente virais, biliares, alcoólicas, autoimunes e metabólicas, devem
ser excluídas. A readministração de drogas, embora possa aumentar as evidências para
o diagnóstico, deve ser evitada. Os casos suspeitos de DILI devem ser relatados ao
MedWatch (programa de monitoramento de reações adversas a drogas da FDA).

Avaliação Laboratorial no Transplante Hepático


Após transplantes, exames deverão ser realizados para monitorar e acompanhar o
bom funcionamento do órgão transplantado. Depois deverão ser feitas revisões anuais e
o paciente deverá ser submetido aos seguintes exames:
• Avaliação clínica e laboratorial: compatível com a doença de base, sendo os exa-
mes laboratoriais para hepatite, avaliação das funções hepáticas com dosagens de
ALT, AST, FAL, bilirrubina, proteínas totais, coagulograma e outros que envolvem
a avaliação do funcionamento do fígado como um todo);
• Ultrassonografia de abdome com doppler de vasos hepáticos;
• Biópsia hepática.

Além disso, o paciente deve ser monitorado quanto aos níveis terapêuticos de tacrolimus
e cefalospiras, que são imunossupressores usados para evitar rejeição.

25
25
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Agora é a hora de pôr em prática tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Elabore uma
síntese destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir sua sín-
tese, considere as leituras básicas e complementares realizadas.

Em Síntese
O fígado é um órgão fundamental para a manutenção da vida e para o bom funcio-
namento de todo o organismo. Por isso, quando ocorrem doenças hepáticas, a manu-
tenção da glicemia, por parada de funcionamento do metabolismo de carboidratos, e a
produção de proteínas plasmáticas podem estar prejudicadas.
Os sintomas de doenças hepáticas geralmente aparecem quando elas estão avançadas.
É o caso da icterícia no indivíduo adulto, que só aparece quando o fígado não consegue
mais colocar a bilirrubina na bile e eliminá-la nas fezes.
Para o diagnóstico, monitoramento e avaliação do prognóstico dessas doenças são uti-
lizados exames laboratoriais. Eles são capazes de mensurar a gravidade e a progressão
das doenças (detecção de inflamações, lesões ou disfunções), além de medir a resposta a
tratamentos. Diante de qualquer alteração, os biomarcadores serão alterados, diagnos-
ticando doenças no fígado.
Os testes de função hepática são realizados em amostras de sangue, e medem os níveis
de enzimas e outras substâncias produzidas pelo órgão. Entre as substâncias analisadas
estão: alanina transaminase (ALT), albumina, fosfatase alcalina (FA), alfafetoproteína,
aspartato transaminase (AST), bilirrubina, gama glutamil transpeptidase, desidrogena-
se láctica e 5’-nucleotidase.
As concentrações de algumas delas apresentam a eficiência com a qual o fígado executa
suas funções normais de síntese de proteínas e de secreção de bile. Caso haja como re-
sultado concentrações de outras substâncias, detecta-se a presença de uma disfunção e
o grau da inflamação hepática.
O tempo de protrombina (TP) é um dos testes de função hepática, sendo usado para cal-
cular a razão normalizada internacional (RNI). O TP e a RNI são medições do tempo ne-
cessário para o sangue coagular. O fígado sintetiza algumas proteínas necessárias para
o processo de coagulação, denominadas fatores de coagulação sanguínea. Dessa forma,
medições de TP ou RNI anormais podem indicar um distúrbio agudo do fígado. Por sua
vez, nos distúrbios crônicos, o aumento de TP ou RNI indica, tipicamente, a progressão
para insuficiência hepática. Um exemplo disso ocorre quando um menino de dez anos
apresenta apenas a FA alterada, o que pode indicar um caso de colestase hepática, ne-
cessitando melhor investigação.
Por esse motivo, é necessário a realização de testes de função hepática para verificar o
funcionamento do fígado.

26
Contextualizando o Cenário
As proteínas são essenciais para o bom funcionamento do organismo humano. Elas par-
ticipam das principais funções orgânicas e da manutenção da homeostase. Assim, torna-se
fundamental conhecer as técnicas laboratoriais de mensuração das proteínas. Da mesma
forma, é importante saber como conjugar os resultados com as patologias relacionadas.
Diante desse cenário, o principal questionamento para esse estudo é: quais são as
principais técnicas de separação das proteínas?

Proteínas
As proteínas são as macromoléculas mais importantes encontradas na natureza
e em toda a estrutura do corpo humano. Elas possuem muitas funções e controlam
praticamente todos os processos que ocorrem em uma
célula. As proteínas de cada organismo são construídas
a partir do mesmo conjunto de 20 aminoácidos. Portan- O termo resíduo se refere à
to, podemos dizer que proteínas são polímeros de ami- perda de água quando há
noácidos, em que cada resíduo de aminoácido é unido a formação de uma liga-
ção peptídica.
a outro por uma ligação covalente específica, chamada
ligação peptídica.

Figura 12
Fonte: Getty Images

Os aminoácidos apresentam algumas estruturas que são comuns a todos. Eles pos-
suem um grupo carboxila e um grupo amina ligados ao carbono central, chamado
também de carbono α. Nesses casos, o carbono α é um centro quiral. A única exceção
é a glicina, que possui como grupo radical um hidrogênio e, por apresentar dois grupos
iguais (dois hidrogênios), o carbono α não é quiral nesse aminoácido. O fato de um ami-
noácido possuir um centro quiral faz com que ele possua duas conformações possíveis,
a D– (dextrogira) e a L– (levogira) (NELSON; COX, 2014).
Após análises de muitas estruturas proteicas, se observou que os resíduos de aminoá-
cidos são exclusivamente estereoisômeros L–. Alguns microrganismos e vários processos
terapêuticos, como os antibióticos bacitracina e gramicidina A e o agente antitumoral ble-
omicina, são polipeptídeos que contêm aminoácidos D– e L– (RODWELL et al., 2015).

27
27
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Os aminoácidos se diferenciam entre si por seus grupos radicais, também chamados


de cadeias laterais, que variam em estrutura, tamanho e carga elétrica. Esses fatores
influenciam na solubilidade dos aminoácidos em água e, por consequência, na sua bio-
disponibilidade. Por esse motivo, a classificação dos aminoácidos é feita pelas caracte-
rísticas físico-químicas desses grupos, especialmente em relação a sua polaridade ou ca-
pacidade de interagir com a água (NELSON; COX, 2014). Assim, eles são classificados
em apolares, aromáticos, polares e neutros, polares carregados positivamente e
carregados negativamente.

Figura 13 – Grupos dos aminoácidos que compõem as proteínas


Fonte: Adaptada de NELSON; COX, 2014

Os aminoácidos com seus grupos amino, carboxila e os grupos radicais ionizáveis de


alguns aminoácidos são ácidos e bases fracos. Um aminoácido que não possui um grupo
R ionizável, quando é dissolvido em água em pH 7,0, está na solução como um íon bipolar,
ou zwitteríon (do alemão, íon híbrido). Cada grupo ionizável possui um valor de pKa.
De acordo com Nelson e Cox (2014) o pKa mede a tendência de doação de próton por
um grupo, sendo que essa tendência diminui dez vezes a cada unidade aumentada de pKa.
Cada grupo ionizável de cada aminoácido apresenta um pK específico, e a avaliação
da presença ou não de carga elétrica em determinado pH da solução é importante para
avaliar a solubilidade do aminoácido em água, pois quanto maior a quantidade de cargas
elétricas em uma molécula, mais solúvel em água ela é. Essa regra vale para todas as
moléculas, incluindo os aminoácidos, os peptídeos e as proteínas.

28
A ligação peptídica que une os aminoácidos é formada pela catálise realizada pelo
ribossomo, a partir da codificação do RNAm, que chega ao citoplasma a partir do nú-
cleo. A ligação peptídica é formada pela reação entre o grupo carboxila de um amino-
ácido, com o grupo amina do outro aminoácido, restando uma molécula de água que
une os dois aminoácidos. Para formar um peptídeo, deve ser utilizado o código molde
de RNAm. Portanto, o primeiro aminoácido de qualquer cadeia polipeptídica possui
sempre o grupo amina livre, e é chamado de aminoácido animo-terminal. Da mesma
forma, o último aminoácido da estrutura possui o grupo carboxila livre, e é chamado
de aminoácido carboxi-terminal. Com essa união dos aminoácidos, ocorre a formação
da estrutura primária da proteína. Dependendo da sequência de aminoácidos, a cadeia
polipeptídica pode adquirir formato de α-hélice ou de cadeia β-pregueada e com isso
forma a estrutura secundária da proteína. A estrutura secundária pode enovelar-se ou
permanecer alongada, com um determinado formato tridimensional, que é chamado de
estrutura terciária da proteína. Várias proteínas apresentam apenas esses níveis confor-
macionais, como, por exemplo, a triose fosfato isomerase, porém muitas delas possuem
duas ou mais estruturas terciárias juntas (subunidades), formando a estrutura quaterná-
ria. Um excelente exemplo de proteína com estrutura quaternária é a hemoglobina, que
está nos eritrócitos e tem a função de transportar gás oxigênio e dióxido de carbono
na corrente sanguínea. Para que as subunidades permaneçam unidas, são necessárias
ligações covalentes, como as pontes de dissulfetos, e ligações não covalentes, como liga-
ções de hidrogênio, interações hidrofóbicas etc. As subunidades podem atuar de forma
independente ou cooperativamente no desempenho da função bioquímica da proteína.

Figura 14 – Níveis estruturais das proteínas


Fonte: Adaptada de Getty Images

A conformação de uma proteína em estado original com sua função preservada é


chamada de proteína nativa. A estrutura nativa apresenta uma flexibilidade conforma-
cional para funcionar e pode se desestabilizar facilmente. O processo de manutenção
contínua do grupo de proteínas celulares que está ativo é chamado proteostase. Para
que as proteínas da célula possam estar funcionantes é necessária a atividade coordenada
da síntese e enovelamento de proteínas, do redobramento de proteínas parcialmente des-
dobradas e da degradação de proteínas desnaturadas ou desdobradas irreversivelmente.
Em circunstâncias não fisiológicas, as proteínas apresentam diferentes mudanças confor-
macionais (KEIM et al., 2002). O enovelamento de uma proteína pode ser alterado com
mudanças bruscas do pH, de pressão ou sua exposição a temperaturas elevadas. Além
disso, a agitação térmica também desnatura uma proteína (RONDEAU et al., 2007).

29
29
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

De acordo com Jacobucci (2010), a desnaturação pode ocasionar modificações, não somente
no grau de digestibilidade, mas também na biodisponibilidade de aminoácidos para o meta-
bolismo. Pode também alterar a velocidade e os mecanismos de absorção dos peptídeos, bem
como sua biodisponibilidade.

Mensuração Laboratorial das Proteínas Sanguíneas


Várias metodologias para a medição dos componentes proteicos presentes no sangue
foram desenvolvidas no final do século XIX. Em 1878, surgiu o primeiro método de
quantificação das proteínas (TORRES FILHO, 2008). Posteriormente, foi comprovada a
presença de cargas elétricas nas proteínas, e que a indução de campos elétricos poderia
ser utilizada para separá-las. A partir disso, se formaram os fundamentos da eletroforese,
que foi gradativamente aperfeiçoada (BURTIS; ASHWOOD, 2001). Depois, o gel agarose
foi descoberto, o que ocasionou uma melhora significativa nas técnicas de eletroforese.
Depois disso, diferentes tipos de amostras, como soro, plasma, líquor ou hemolisado de
hemoglobinas puderam ser avaliados. Por causa dessa utilização, o processo de purifi-
cação da agarose precisou ser melhorado pela indústria. Uma outra descoberta de gel
proporcionou maior avanço das técnicas: a acrilamida seguida pela poliacrilamida.

A poliacrilamida é altamente seletiva, pois apresenta características físicas como densi-


dade, elasticidade, transparência e tamanho dos poros ideais para a eletroforese. Em 1963,
surgiu como suporte o acetato de celulose, que proporcionou um método simples para
fracionamento de proteínas e enzimas, e que permite um grau muito bom de separação e
quantificação das frações proteicas. A eletroforese capilar surgiu em 1986 e possui grande
aplicação para fracionar moléculas pequenas ou outras mais complexas.

São numerosas as técnicas utilizadas para o fracionamento das proteínas séricas.


A técnica de precipitação salina por solubilidade química diferencial permite uma separa-
ção grosseira da albumina e globulina. Há um método de fracionamento químico, no qual
os espectros proteicos podem ser separados um dos outros por meio de procedimentos
semelhantes à escala industrial. A albumina pode ser determinada por meio do método
químico denominado biureto, que reage com átomos de nitrogênio ou com corantes,
sendo o mais comum o bromocresol ou púrpura de bromocresol, que se liga preferen-
cialmente à albumina.

A ultracentrifugação é utilizada para estudar subgrupos das globulinas. Nesse procedi-


mento a taxa de sedimentação em alta velocidade depende do tamanho e da forma mole-
cular, do tipo de solvente utilizado para dissolver as proteínas e da força de centrifugação.
Em condições padrões, a velocidade de qualquer classe de globulinas depende primaria-
mente do tamanho molecular, conhecida como número de Svedberg. As classes­mais
comuns de globinas são a 7S, 19S e 22S. A eletroforese separa as moléculas pela carga
elétrica e pelas configurações atômicas estruturais e, assim, subdivide as globulinas em
grupos e não em proteínas individuais. A eletroforese de proteínas divide as globulinas
séricas em alfa, beta e gama de acordo com a mobilidade eletroforética.

30
Outras técnicas bastante utilizadas são baseadas no uso de anticorpos dirigido con-
tra antígenos sobre a molécula proteica, como o imunoensaio, que inclui testes como
imunodifusão radial, eletroimunodifusão em “foguete” de Laurell, imunonefelometria,
imunofluorometria, e radioimunoensaio, entre outros.
As técnicas de imunoensaio quantificam as proteínas individuais e não em geral,
o que garante resultados mais fidedignos com excelente sensibilidade e especificidade.
A imunoeletroforese ou técnicas semelhantes, como a imunofixação, dão um passo à
frente do imunoensaio e separam algumas moléculas globulínicas individuais em compo-
nentes estruturais eu em subclasses.
Além disso, a imunoeletroforese também pode detectar proteínas anormais que diferem
estruturalmente das proteínas normais, ou cujos componentes estruturais são produzidos
em diferentes proporções, conforme descrito na sequência (RAVEL, 1997).

A mensuração das proteínas se tornou fundamental para o diagnóstico de doenças relacio-


nadas às alterações proteicas. Para se quantificar as proteínas, existem algumas técnicas.
Qual é a importância dessa quantificação?

Técnicas de Separação Proteica


A separação das proteínas sanguíneas é necessária para que a avaliação e a interpre-
tação possam ser feitas. Existem várias técnicas para que se possa fazer essa separação.
A primeira delas é a eletroforese, uma técnica de separação de proteínas pelo uso
de forças eletroforéticas e eletroendosmóticas presentes no sistema, que consiste em
colocar uma ou várias proteínas em um suporte. Esse suporte deve ser feito e estar en-
volvido em um tampão com pH determinado. A técnica funciona porque as proteínas
possuem uma combinação de diferentes aminoácidos, bem como quantidade variável,
o que confere a ela peso e carga elétrica distinta. Quando elas são colocadas nesse
suporte, o pH faz com que os grupos radicais dos aminoácidos fiquem carregados eletri-
camente, sendo que todas as proteínas sanguíneas estão carregadas negativamente no
pH do sangue (7,4). Por isso ao se aplicar uma corrente elétrica ao suporte que esteja
nesse pH, as proteínas são atraídas para o polo positivo. Os suportes utilizados para
proteínas podem ser: acetato de celulose ou gel de poliacrilamida (PAULA E SILVA;
LOPES; FARIA, 2008)
A amostra de soro humano, rica em proteínas, é aplicada sobre um suporte que pode
ser um meio composto de acetato de celulose, gel de agarose ou gel de poliacrilamida e,
em seguida, a fonte da eletroforese é ligada e um potencial elétrico gerado por um polo
positivo (ânodo) enquanto outro negativo (cátodo) incide sobre o suporte. Esse potencial
elétrico faz com que ocorra a migração das proteínas em direção ao anodo. Com isso,
as proteínas percorrem distâncias distintas, de acordo com o seu peso molecular e sua
carga elétrica, gerando diferentes bandas.

31
31
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Figura 15 – Eletroforese em gel de agarose


Fonte: Adaptada de DRABIK; BODZOŃ-KUŁAKOWSKA; SILBERRING, 2016

Em seguida, é realizada a revelação das frações proteicas corando-se as bandas que


podem ser visibilizadas a partir do uso de corante sensível a proteínas. Os resultados
devem ser sempre expressos em percentagem e de concentração das diversas frações e
em forma gráfica (PAULA E SILVA; LOPES; FARIA, 2008). A análise das bandas é feita
por densitometria ou eluição, gerando um gráfico através do qual as bandas podem ser
comparadas e avaliadas para evidência de alguma anormalidade.

Figura 16 – Eletroforese em gel de agarose: as proteínas são


visualizadas com corante azul de Coomassie após eletroforese
Fonte: Adaptada de PAULA E SILVA; LOPES; FARIA, 2008

Albumina

Alfa 2 globulina
haptoglobina
macroglobulina Imunoglobulina
ceruplasmina

α1 β γ
α2
IgG

IgD IgM
IgA
Alfa 1 antitriosina Tranferrina
TBG
alfafetoproteína beta-lipoproteína
alfa 1 glicoproteína ácida C3

Figura 17 – Principais proteínas encontradas em cada banda eletroforética


Fonte: Adaptada de PAULA E SILVA; LOPES; FARIA, 2008

32
Interpretação Laboratorial do Proteinograma
Entende-se por proteinograma o gráfico em que se registam, separadamente, as
frações proteicas do soro sanguíneo. As proteínas que constituem o foco da análise
clínica laboratorial são as que circulam na corrente sanguínea. Entre essas incluem-se as
proteínas plasmáticas, proteínas de transporte, de defesa e de coagulação.
As proteínas séricas totais correspondem à soma da concentração das proteínas circu-
lantes. O doseamento das proteínas totais compreende a quantificação dessas proteínas
no sangue (proteínas séricas), na urina (proteinúria) e no líquor, com maior relevância
para a albumina e as imunoglobulinas, que representam a maior porção desse valor.
A determinação da proteína total no soro é um exame de sangue que afere as quan-
tidades de proteína total, albumina e globulina no sangue. As quantidades de albumina
e de globulina também são comparadas (razão albumina: globulina). Em condições nor-
mais, existe mais albumina do que globulina, sendo, portanto, a razão > 1. Uma razão
<  1 ou > 1 fornece indícios sobre problemas orgânicos (WILLIAMSON; SNYDER,
2017). Na Tabela 8, estão listados os valores de referência das proteínas totais.

Figura 18
Fonte: Getty Images

Tabela 8 – Valores de referência das proteínas totais

Idade Valores de Referência (VR)

0 a 7 dias 4,6 a 7,0 g/dL

7 dias a 1 ano 4,4 a 7,5 g/dL

1 a 3 anos 5,5 a 7,5 g/dL

3 anos até idade adulta 6,0 a 8,0 g/dL

Fonte: Adaptada de WILLIAMSON; SNYDER, 2017

33
33
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

A dosagem de proteínas totais é utilizada para diagnóstico de doenças que acome-


tem o fígado, os rins ou a medula óssea, bem como outros distúrbios metabólicos ou
nutricionais. Também é utilizada para triagem de deficiências nutricionais e gamopatias.

Quadro 1 – Interpretação dos valores de proteína total

Valores • Hipergamoglobulinemias (monoclonal ou policlonal);


Elevados • Estados hipovolêmicos.

• Deficiência nutricional (má absorção, marasmo);


• Síntese diminuída ou ineficaz de proteínas (doença hepática grave,
agamaglobulinemia);
• Perda aumentada;
• Doença renal (síndrome nefrótica);
Valores • Doença GI (Gastro intestinal) (enteropatias com perda de proteínas,
Diminuídos ressecação cirúrgica);
• Doença dermatológica grave (queimaduras, pênfigo vulgar e eczema);
• Catabolismo aumentado (febre, inflamação, hipertireoidimo, neopla-
sia maligna, doenças crônicas);
• Dilucional (líquidos IV, intoxicação hídrica);
• Terceiro trimestre de gravidez.

Fonte: Adaptado WILLIAMSON; SNYDER, 2017

As limitações desses resultados incluem proteínas falsamente elevadas (pseudo-hiperpro-


teinemia), que podem ser causadas por hemoconcentração, devido à desidratação ou resse­
camento da amostra. Leva-se em consideração também a postura ortotástica por várias
horas após a qual o paciente se levanta, ação que também aumenta as proteínas totais.

O valor das proteínas totais séricas pode sofrer variações por alteração de uma ou
mais proteínas específicas ou por alterações do volume de água no plasma. As altera-
ções nos níveis de proteínas totais apresentam uma correlação clínica variada e o inte-
resse da sua determinação é, essencialmente, o uso como teste de screening para avaliar
se os níveis proteicos estão de acordo com o esperado (FURTADO, 2015).

A interpretação laboratorial da eletroforese ou imunofixação das proteínas é fundamental


para diagnóstico e conduta correta no tratamento, controle e monitorização do paciente.

A eletroforese das proteínas séricas (EPS) consiste em um método de separação


física­das moléculas de proteína com base em sua carga. Alterações que ocorrem tanto
na qualidade quanto na natureza das proteínas, quando determinada pela EPS, possibili-
tam ao profissional de saúde detectar e monitorar vários estados fisiopatológicos. A EPS,
ampliada por procedimentos de acompanhamento, como quantificação de proteínas e
imunofixação (IF), fornece a melhor ferramenta para triagem geral do estado de saúde
do paciente. As gamopatias monoclonais compreendem um grupo de distúrbios caracte-
rizados pela proliferação de um único clone de plasmócito, o qual produz uma proteína
imunologicamente homogênea: a proteína monoclonal ou para proteína (proteína M).

A EPS é normalmente realizada por eletroforese em gel de agarose ou pelo método


eletroforético de zona capilar. Trata-se do método recomendado para detecção de prote-
ína M. Quando detectada, essa proteína pode ser quantificada por meio de um traçado
densitométrico do gel.

34
Nas metodologias eletroforéticas (agarose ou de zona capilar), as proteínas são clas-
sificadas pela sua posição final em: albumina, alfa-1, alfa-2, beta e gama. A maioria das
imunoglobulinas (IgA, IgG, IgM, IgD e IgE) apresentam mobilidade gama e ocupam maior
parte da região gama, mas podem ser encontradas nas regiões beta-gama e beta, podendo
inclusive ser encontradas na área alfa-2-globulina (WILLIAMSON; SNYDER, 2017).

Tabela 9 – Valores de referências da eletroforese de proteína

EPS Valores de Referência (VR)

Albumina 3,5 a 5 g/dL

Alfa-1 globulina 0,1 a 0,3 g/dL

Alfa-2 globulina 0,5 a 1,0 g/dL

Betaglobulina 0,5 a 0,9 g/dL

Gamaglobulina 0,6 a 1,4 g/dL

Fonte: Adaptada de WILLIAMSON; SNYDER, 2017

A EPS apresenta inúmeras aplicações terapêuticas sendo usada para:


• Monitoramento de pacientes com gamopatias monoclonais;
• Diagnóstico de gamopatias monoclonais, quando usada em associação à imunofixação;
• Exame complementar no diagnóstico de doença hepática, hipogamoglobulinemias
e hipergamoglobulinemia, estados inflamatórios, neoplasias, doença renal e distúr-
bios do TGI.

A EPS pode ser considerada em todos os pacientes com níveis séricos elevados de
proteínas totais ou sinais e sintomas inexplicáveis, sugestivos da presença de distúrbio de
plasmócitos, incluindo as seguintes alterações:
• Elevação de vhs (velocidade de hemossedimentação) ou viscosidade do soro;
• Anemia inexplicada, dor lombar, fraqueza ou fadiga;
• Osteopenia, lesões osteolíticas ou fraturas espontâneas;
• Insuficiência renal com sedimento urinário discreto;
• Proteinúria maciça em pacientes com mais de quarenta anos de idade;
• Hipercalcemia;
• Hipergamoglobulinemia;
• Deficiência de imunoflobulina;
• Proteinúria de Bence Jones;
• Neuropatia periférica inexplicada;
• Infecções recorrentes.

Para a interpretação dos resultados, é importante considerar os Quadros 2 e 3, os


quais apresentam as causas de EPS com valores elevados e diminuídos, respectivamente.

35
35
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Quadro 2 – Valores elevados

• Habitualmente em pacientes hospitalizados, hemoconcentração,


perfusão de albumina;
• Indivíduos normais: nenhum significado clínico;
• Bisalbuminemia (banda dupla), permanente;
• Bisalbuminemia, adquirida, transitória;
Albumina • Antibióticos betalactâmicos em altas doses (formação de complexos);
• Hiperbilirrubinemia (icterícia, complexada com bilirrubina);
• Azotemia (ureia e outros compostos N do sangue);
• Pancreatite, fístula pancreática ou ascite (lise da albumina por enzi-
mas pancreáticas).

• Distúrbios inflamatórios agudos;


• Alcoolismo grave;
Alfa1 Globulina • Alguns distúrbios hepáticos;
• Bandas duplas (fenótipos AAT).

• Síndrome nefrótica;
• Estimulação estrogênica aumentada;
• Bandas duplas nas seguintes condições: Fenótipos de haptoglo-
Alfa2 Globulina bina (Hp) – sem significado clínico;
• Hemólise (complexo Bp-Hp);
• Betaliproteínas de migração anormal (amostras velhas).

• Hipolipoproteinemias;
• Anemia ferropriva;
• Estrogênio, gravidez ou esteroides anabolizantes;
• Comigração com transferrina, Hb (em excesso à quantidade ligada
nos complexos Hp-Hp);
Betaglobulina • Inflamação aguda (fase mais tardia);
• Imunoglobulinas monoclonais (presença de IgA);
• Bandas duplas;
• Fenótipos de transferrina;
• Etilistas.

• Gamopatia policlonal: infecções subagudas, crônicas (AIDS, infec-


ções hepáticas, doença hepática crônica, distúrbio autoimune);
• Banda estreita: componente monoclonal, gamopatia monoclonal
Gamaglobulina de significado indeterminado, fibrinogênio, PCR;
• Duas bandas estreitas: Gamopatias biclonais ou duplas;
• Maiores que duas bandas: hipergamaglobulinemia oligoclonal, autoi-
mune, infecções virais, bacterianas, parasitárias.

Fonte: Adaptado de WILLIAMSON; SNYDER, 2017

36
Quadro 3 – Valores diminuídos

• Analbuminemia congênita;
• Deficiência Nutricional;
• Síntese diminuída;
• Insuficiência hepatocelular, lesão hepática (cirrose, hepatite);
Albumina • Perda orgânica tecidual;
• Urinária (Síndrome nefrótica), cutânea (queimaduras excessivas),
excreção urinária na gravidez;
• Hipercatabolismo;
• Distúrbios endócrinos (tireotoxicose, síndrome de Cushing).

• Insuficiência hepatocelular;
• Desnutrição, perda de proteína;
Alfa1 Globulina • Deficiência congênita de ATT;
• Doença de Tangier.

• Deficiência de fenótipos de haptoglobina (Hp) – sem signifi-


cado clínico;
Alfa2 Globulina • Deficiência nutricional, insuficiência hepatocelular, perda de
proteína, hemólise intravascular (diminuição de Hp);
• Pancreatite.

• Doença hepática ou renal crônica;


• Hipo-betalipoproteinemias;
• Lesões térmicas;
Betaglobulina • Inflamação aguda;
• Deficiência de IgA;
• O C3 sofre degradação e desaparece de amostras velhas.

• Fisiológica do recém-nascido;
• Imunodeficiências, induzidas (esteroides, imunossupressores,
quimioterapia e radioterapia;
Gamaglobulina • Síntese suprimida causada por gamopatias monoclonais (mie-
loma múltiplos, doenças de cadeias leves e amiloidose);
• Linfomas e leucemias.

Fonte: Adaptado de WILLIAMSON; SNYDER, 2017

Esses exames apresentam algumas limitações que devem ser levadas em conside-
ração. A presença de uma proteína monoclonal circulante pode interferir em um ou
mais exames laboratoriais realizados em analisadores automáticos com base em líquido,
precipitando durante a análise ou em virtude das propriedades específicas de ligação.
Além disso, o fibrinogênio no plasma é visualizado como uma banda distinta entre as re-
giões de mobilidade beta e gama, sendo indistinguível de uma proteína M. Sendo assim,
recomenda-se adicionar trombina com a qual o fibrinogênio reage e forma um coágulo,
e, após repetição da eletroforese, não é mais detectado.

A síndrome nefrótica está frequentemente associada a um aumento das bandas alfa-2


e beta, que podem ser confundidas com proteína.

Assim, a IF sérica é mais sensível do que a EPS, e determina o tipo de cadeia pesada
e cadeia leve da proteína monoclonal. Entretanto, ao contrário da EPS, a IF não fornece
uma estimativa quantitativa da proteína M, sendo indicada a realização junto com a eletro-
forese (WILLIAMSON; SNYDER, 2017; RAVEL, 1997).

37
37
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Bioquímica Pediátrica
A bioquímica pediátrica é um tema extremamente relevante, apesar de uma literatura
escassa. Para isso, é preciso considerar suas particularidades, uma vez que as crianças
apresentam os sistemas ainda em desenvolvimento, com respostas individualizadas e
valores de referência específicos para os analitos, bem como manifestações diferentes
para as diversas doenças.

Distúrbios da Função Renal


Cada vez mais se torna comum o surgimento de distúrbios renais em crianças. Tais
distúrbios, dependendo do grau, podem se tornar muito graves, precisando de medidas
imediatas e assertivas.
A doença renal crônica é definida pela presença de lesão renal e pela perda da função
renal, sendo diferenciada em cinco estágios, de acordo com a intensidade da perda da fun-
ção renal (Tabela 10).

Tabela 10 – Definição e estágios da doença renal crônica (K/DOQI, 2002)


Clearance COM DOENÇA RENAL* SEM DOENÇA RENAL
creatinina ml/
min./1,73m² Com hipertensão* Sem hipertensão Com hipertensão Sem hipertensão
≥ 90 1 1 Hipertensão Normal
60 – 89 2 2 Hipert. + < RFG –
30 – 59 3 3 3 3
15 – 29 4 4 4 4
< 15** 5 5 5 5
*hipertensão arterial; **este estágio corresponde ao que se tem denominado de IRC em estágio final, ou terminal, indicando a necessidade de
terapias de substituição da função renal.

Fonte: Adaptada de BELANGERO, 2015

Em caso de pacientes pediátricos, deve-se considerar para crianças maiores de dois


anos de idade o valor de 60ml/min./1,75m2. Para as faixas etárias menores, os valores
devem ser diferenciados, como mostrado na Tabela 11. Belangero (2015) sugere tam-
bém que seja considerada a queda de 50% como nível máximo de normalidade.

Tabela 11
Clearance de Creatinina
Idade
± SD ml/min./1,73m²
1ª semana 40,6 ± 14,8
2ª a 8ª semana 65,8 ± 24,8
Maior de 8 semanas e menor
95,7 ± 21,7
do que 2 anos
Fonte: Adaptada de BELANGERO, 2015

A coleta de 24 horas de urina, por ser muito difícil em crianças, pode ocasionar erros
de avaliação. Por isso, o clearance de creatinina deve ser realizado por fórmulas que re-
lacionam a estatura ou altura em centímetros, com o valor da creatinina sérica em mg%.

38
As diferenças entre os coeficientes das duas fórmulas têm sido justificadas pelas metodolo-
gias laboratoriais empregadas na mensuração da creatinina sérica (BELANGERO, 2015).

Tabela 12 – Estimativa do clearance de creatinina em crianças usando a


creatinina sérica em mg% e a altura (ou estatura) em centímetros
Autores Clearance Creatinina k
< 1 ano = 0,45 Adolescentes
= k X altura (cm)/creat.
Schwartz et al. masculinos = 0,7 Todas as
sérica (mg%)
outras idades = 0,55
= k X altura (cm)/creat.
Counahan et al. Faixa pediátrica = 0,43
sérica (mg%)
Fonte: Adaptada de BELANGERO, 2015

A infecção de trato urinário (ITU) é uma das infecções bacterianas mais frequentes
na pediatria, e a mais prevalente no lactente, de acordo com a Sociedade Brasileira de
Pediatria (2016). A urocultura deve ser realizada na ITU, porém o exame de urina já
pode demonstrar alterações que permitem o início do tratamento precoce, já que resul-
tados da cultura demoram 24 a 72 horas para serem obtidos. Em alguns centros, a
coleta de urina é feita inicialmente através de saco coletor e, se tiver alterações, faz-se
uma nova coleta através de método adequado para a realização da urocultura.

Na criança, os sinais e sintomas dependem da idade do paciente, sendo que nas


menores são mais inespecíficos. A febre é o sintoma mais frequente no lactente. Outros
sinais que devem ser levados em conta são: irritabilidade, recusa alimentar, icterícia,
distensão abdominal e baixo ganho ponderal.

A formação da cicatriz renal deve ser evitada com diagnóstico e a terapêutica preco-
ces. Após os dois anos de idade, aparecem sintomas mais relacionados ao trato urinário
inferior, tais como: disúria, polaciúria, urge-incontinência, enurese e tenesmo, além de
cistites. Estes quadros podem evoluir para pielonefrite (SBP, 2016).

Síndrome de Bartter
A síndrome de Bartter é uma canalículopatia, na qual o canal de Na+ – K+ – Cl–
não consegue reabsorver esses íons no túbulo renal. Com isso, ocorre alcalose me-
tabólica hipocalêmica, hipoclorêmica, hiperreninêmica, com renina e prostaglandina
aumentadas, e perdas urinárias de potássio, cloro e sódio, com pressão arterial normal.
Além disso, ocorre poliúria, polidipsia e desidratação, podendo se manifestar no perío-
do neonatal ou nos primeiros anos de vida. A maioria dos pacientes é desnutrida, com
grande retardo do crescimento. Estudos de crescimento e desenvolvimento de pacientes
com síndrome de Bartter indicam que o retardo é grave durante a infância, sendo que a
estatura normal raramente é obtida (MAIA et al., 2011).

Metabolismo de Carboidratos
O metabolismo de carboidratos envolve vários processos, desde a glicólise até a forma-
ção de glicoconjugados. Distúrbios desses metabolismos apresentados pelo paciente pedi-
átrico são geralmente hereditários.

39
39
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

A anemia hemolítica por deficiência de piruvato quinase (PK) é uma doença


rara. Os pacientes que apresentam essa deficiência possuem em média de 5 a 25% dos
níveis normais de piruvato quinase. Com isso, a quantidade de glicose usada na via glico­
lítica é limitada e as concentrações de ATP são diminuídas. A quantidade de piruvato e
lactato diminui e de alguns intermediários da via aumentam, como o 2,3-difosfoglice-
rato (DPG), que diminui a afinidade da hemoglobina por oxigênio. Com isso, a entrega
de oxigênio para o tecido é facilitada, permitindo uma tolerância maior à doença em
alguns pacientes (DEVLIN, 2007).

Já a anemia hemolítica por deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD)


afeta aproximadamente 400 milhões de pessoas em todo o mundo. A G6PD é uma enzima
do metabolismo da via das pentoses fosfato e exerce um papel especial na manutenção e
na preservação da integridade dos eritrócitos. Apesar da deficiência dessa enzima ser assin­
tomática na maioria dos pacientes, em alguns deles pode induzir hemólise – pela ingestão
de alimentos, uso de alguns fármacos, infecções – ou icterícia neonatal. O diagnóstico é
feito durante a triagem neonatal, através do teste do pezinho (SÁNCHEZ et al., 2003;
MAURÍCIO et al., 2006; MAIA et al., 2010; COMPRI et al., 2000; MEHTA et al., 2000).

Alguns sinais clínicos comuns são observados nos pacientes com anemia hemolítica,
seja por deficiência na piruvato quinase ou na G6PD, como sintomas de anemias, icterícia
e esplenomegalia. Além disso, alguns exames laboratoriais apresentam resultados alte-
rados: reticulocitose ≥ 100.000; hiperbilirrubinemia não conjugada; haptoglobina baixa;
LDH alta; e nos exames de urina hemoglobinúria e hemossiderinúria (PALARÉ, 2014).

A galactosemia clássica ou a deficiência de galactose-1-fosfato uridil transferase


(GALT) é considerada a forma mais comum e grave de galactosemia. Essa deficiência
enzimática faz com que galactose-1-fosfato (Gal-1-P) não possa ser convertida em glico-
se-1-fosfato. Por isso, se houver ingestão de lactose ou galactose, os metabólitos Gal-1-P
se acumulam no sangue e tecidos.

Os neonatos apresentam dificuldades de alimentação, vômitos, diarreia, perda de


peso, icterícia, hepatomegalia e ascite. A galactose precisa ser retirada da dieta, pois
se isso não ocorrer, a síndrome tóxica pode aumentar e causar cirrose, insuficiência
hepática ou morte por sepse fulminante associada à Escherichia coli (CONITEC, 2018).

Alteração no metabolismo dos carboidratos podem ser muito graves, causando, por exem-
plo, anemias hemolíticas. Quais são os principais tipos de anemias hemolíticas, suas princi-
pais causas e seus possíveis agravamentos?

Existem várias doenças genéticas causadas pelas deficiências de enzimas que parti-
cipam do metabolismo do glicogênio. Essas doenças são chamadas genericamente de
glicogenoses. Como o glicogênio é um polissacarídeo de armazenamento de energia no
fígado, no músculo estriado esquelético e nomúsculo cardíaco, esses órgãos podem ma-
nifestar sintomas, dependendo da enzima deficiente. É possível citar as principais glico-
genoses, como a doença de von GIerke, a doença de Pompe e a doença de Forbes-Cori.

40
A doença de von Gierke (glicogenose tipo I – GDSI) é causada pela deficiência
da enzima glicose-6-fosfatase (G6Pase), a qual catalisa a hidrólise de glicose-6-fosfato
(G6P) em glicose e fosfato inorgânico (Pi). São reconhecidos dois subtipos principais da
GSDI: GSD tipo Ia e GSD tipo Ib (GSDIb). Essa doença acomete fígado e rim, porém
não envolve músculo e coração. (SHERLOCK, 2002).

A GSDI é herdada em um padrão autossômico recessivo e sua incidência é estimada


em um para 100.000 nascidos vivos, sendo a GSD hepática mais comum. Suas caracte-
rísticas clínicas típicas podem envolver: hepatomegalia, ‘‘faces de boneca’’, baixa estatura
(devido ao retardo de desenvolvimento e retardo do crescimento), hipoglicemia grave,
acidose lática, convulsões precoces, hiperuricemia, hiperlipidemia, neutropenia, infec-
ções bacterianas recorrentes e doença inflamatória intestinal e fadiga crônica (SANTOS
et al., 2014). Além dessas alterações laboratoriais, a biópsia realizada em órgãos em que
há intensa atividade da enzima glicose-6-fosfatase pode determinar o grau de ativação
enzimática (NUNES, 2009).

A doença de Pompe (glicogenose tipo II) caracteriza-se pelo acúmulo de glicogênio


lisossômico primordialmente nas células dos tecidos musculares, além do fígado, do rim,
das glândulas endócrinas, da medula espinhal e do cérebro, devido à deficiência da enzima
lisossômica α-glicosidade-ácida (AGA) (DEVLIN, 2007).

Quando a doença se manifesta na infância, ainda nos primeiros meses de vida, ela
progride de forma aguda e intensa, podendo levar a criança ao óbito por problemas
cardíacos e respiratórios. Como a doença nem sempre apresenta um curso esperado, o
paciente deve ser monitorado de forma minuciosa (SILVA; AVILA, 2015).

Os principais sintomas da doença de Pompe, na forma infantil, são: macroglossia,


hipotonia e fraqueza muscular progressivas, arreflexia, déficit de sucção e deglutição,
déficit pôndero-estatural, insuficiência respiratória gradativa, hepatomegalia e retardo no
desenvolvimento motor. A cardiomegalia pode ser identificada a partir de uma radiogra-
fia de tórax, podendo ser o primeiro sinal a inferir a doença em lactentes com hipotonia.

De forma inicial, o paciente apresenta hipertrofia do músculo cardíaco que pode ser
seguida de dilatação e da destruição das fibras musculares. Os portadores da doença
ainda podem apresentar taquiarritmias supraventriculares e morte súbita, por causa da
hipertrofia do ventrículo esquerdo – principalmente em casos de infecções, desidrata-
ção, hipertermia e anestesia geral (PEREIRA et al., 2008).

A primeira etapa do diagnóstico é o exame de sangue para calcular a atividade enzi-


mática. Caso o diagnóstico seja positivo, ou seja, o paciente possua baixa atividade
enzimática da GAA, o diagnóstico deve ser confirmado através de outros métodos.
Então, ocorre a pesquisa de leucócitos, sendo o material enviado para a genotipagem
pelas técnicas de biologia molecular, para a confirmação da mutação genética. Também
pode-se fazer uma biópsia muscular ou a cultura de fibroblastos de pele.

A doença de Pompe não pode ser excluída pela ausência de acúmulo de glicogênio
no tecido muscular, pois o teor de glicogênio pode variar. A cromatografia de oligossa-
carídeos ou o achado de glicogênio GLc4 na urina também pode auxiliar no diagnóstico
(PEREIRA et al., 2008).

41
41
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

A doença de Forbes-Cori ou doença do armazenamento de glicogênio tipo III


(GSD-III) é um transtorno causado por uma deficiência de enzimas desramificadoras hepáti-
ca e muscular (amilo-1,6-glucosidase e 1,4-ɑ-D-glucano-4-ɑ-D-glicosiltransferase). Por isso, é
verificado um acúmulo de glicogênio anormal no fígado e no músculo (DEMO et al., 2007).

A hepatomegalia é o principal sintoma verificado nos primeiros anos de vida. Além


disso, fraqueza muscular, hipoglicemia e aumento das transaminases hepáticas são
também­características clínicas de destaque. Com o passar dos anos, a doença torna-
-se crônica e tende a comprometer o fígado, os músculos esqueléticos, o coração e os
ossos (SENTNER et al., 2016). A deposição de glicogênio no músculo do coração pode
ser diagnosticada com o exame ecocardiograma. Outra forma de identificar a patologia
é analisando mutações do DNA (KISHNANI et al., 2010), mas elas não têm correlação
significante com os sintomas.

As mucopolissacaridoses (MPS) são uma classe de doenças de caráter hereditá-


rio, nas quais enzimas que participam da degradação das glicosaminoglicanas (GAGs)
estão deficientes. Existem sete tipos de MPS que são determinados de acordo com a
enzima defeituosa do paciente. Quase todos são causados por defeitos autossômicos
recessivos, sendo que apenas no tipo II o gene recessivo se encontra no cromossomo X
(KLIEGMAN­, 2009). Todas as MPS são de difícil diagnóstico, que deve ser baseado em
testes enzimáticos específicos para ser definitivo.

A MPS do tipo II, também denominada doença de Hunter, é um distúrbio causado


pela deficiência da enzima iduronato 2-surfatase (IDS), responsável pela degradação de
dois tipos específicos de glicosaminoglicanas (GAGs): o dermatan sulfato e o heparan
sulfato (OLIVEIRA; MENDES, 2013). O gene que codifica a IDS localiza-se no cro-
mossomo Xq28; pacientes com o fenótipo clínico mais grave da doença apresentaram
deleções do gene da IDS (KAKKIS; WYNN, 2014).

A aparição dessa doença acontece entre os dois e os três anos de idade e pode se
apresentar de duas formas: fenótipo brando ou fenótipo grave (GOLDMAN; AUSIELLO,
2009). Pode-se dizer ainda que pacientes com a forma mais grave da doença possuem
fenótipos bastante semelhantes à MPS I, incluindo hepatoesplenomegalia, cardiopatias,
declínio neurocognitivo e surdez.

Para o diagnóstico da doença é realizado exame de urina, no qual se mede a presença


de GAGs. Para especificar o tipo de MPS, mede-se a atividade enzimática no sangue,
em leucócitos ou em fibroblastos da pele. O diagnóstico também é realizado no período
pré-natal por mensuração da atividade enzimática nos tecidos do vilo coriônico ou no
líquido amniótico (PEREIRA et al., 2011).

A MPS III, ou síndrome de Sanfilippo, é um grupo de quatro doenças que aparecem


por um defeito genético e causam deficiência na enzima lisossomal heparan-N-sulfatase.
As quatro formas de MPS tipo III se manifestam através de deterioração mental progres-
siva e problemas comportamentais (DELGADILLO et al., 2013).

42
Figura 19
Existem três métodos para diagnosticar uma MPS: exame de excreção de GAGs
na urina; exame de atividade enzimática; e teste genético. Destes, o segundo é o mais
eficiente e confiável para o diagnóstico, inclusive do subtipo. A atividade enzimática é
testada em leucócitos ou em cultura de fibroblastos, possibilitando o teste para os quatro
tipos de enzimas da degradação do heparan sulfato. Assim, de acordo com os níveis das
enzimas, será determinada a doença e seu tipo (WIJBURG et al., 2013). O exame ainda
pode ser realizado pelo líquido amniótico, facilitando um diagnóstico pré-natal.
Por sua vez, a MPS IV, também conhecida como síndrome de Morquio, ocorre pela
anormalidade da enzima galactose-6-sulfatase (do gene GALNS) no tipo A da síndrome,
ou de β-galactosidase (do gene GLB1) no tipo B, causando acúmulo de queratan sulfato
e dano progressivo.
O aparecimento dos sintomas começa a ocorrer geralmente entre um e dois anos de
idade. Caracteriza-se, principalmente, por baixa estatura, e pescoço e tronco curtos (com
comprometimento ósseo), levando a modificações na curvatura da coluna e encurtamento
de ossos longos.
Outras características que podem ser observadas são a ponta do nariz achatada e
a mandíbula quadrada. O esterno se curva para fora, causando o “peito de pomba”.
A estatura fica entre 100 e 130 cm, mas pode chegar a 150 cm. A má formação óssea
atinge também os dentes e pode causar infecções crônicas na boca. Os pulmões possuem
pequena expansão e deve ser sempre tomado os devidos cuidados para doenças pulmo-
nares (VIAPIANA et al., 2010).
Já na MPS VI ocorre deficiência na enzima arilsulfatase B (ASB), também chamada
de N-acetilgalactosamina 4-sulfatase, que acarreta em um acúmulo de dermatan sulfato
e condroitin sulfato nos órgãos e tecidos. O diagnóstico é apoiado pela evidência de
fenótipo clínico que inclui baixa estatura, disostose múltipla óssea, hepatoesplenomega-
lia, macrocefalia, hérnia inguinal ou umbilical, turvação da córnea ou espessamento da
válvula cardíaca. A confirmação é feita pela baixa atividade da enzima ASB, caracteri-
zada em 10% a menos do limite inferior normal (VALAYANNOPOULOS et. al., 2010;
PEREIRA et al., 2011).

43
43
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

Distúrbios da Função Hepática


São muitos os distúrbios envolvendo a função hepática. Entre eles, está a icterícia
neonatal, que é caracterizada pela hiperbilirrubinemia neonatal, sendo a patologia mais
frequente dos recém-nascidos. As quantidades de bilirrubina no recém-nascido a termo
apresentam-se nos primeiros três dias até 6-8 mg/dL, estando dentro dos limites fisio-
lógicos se for inferior a 12 mg/dL. No recém-nascido prematuro, o valor máximo de
bilirrubina pode chegar a 10-12 mg/dL no quinto dia, podendo atingir 15 mg/dL sem
nenhuma anomalia no metabolismo. O tratamento inclui fototerapias de alta intensi-
dade, aliadas a drogas que diminuem a produção de bilirrubina. Isso tem causado uma
redução considerável no uso da transfusão de sangue no tratamento dessa patologia
(CARVALHO, 2001).

As hepatites virais ocorrem por infecção dos vírus A, B, C, D e E, que são hepa-
totrópicos. Os vírus podem causar várias de manifestações clínicas, que vão desde um
estado de portador assintomático, hepatite aguda, fulminante ou crônica, até cirrose
hepática e carcinoma hepatocelular (FERREIRA et al., 2014). O diagnóstico das hepa-
tites é feito pela detecção dos marcadores presentes no sangue, soro, plasma ou fluido
oral da pessoa infectada. Isso é realizado através de imunoensaios, e/ou da detecção do
ácido nucleico viral, empregando técnicas de biologia molecular. (HEIAT; RANJBAR;
ALAVIAN, 2014).

A falência hepática aguda (FHA) é rara, porém apresenta caráter devastador, evo-
luindo para falência de múltiplos órgãos e óbito rapidamente. Por isso, o tempo entre
o início do quadro clínico e o desenvolvimento da encefalopatia deve ser inferior a
oito semanas. A FHA, geralmente, apresenta-se em uma criança ou adolescente previa-
mente hígido, iniciando com sintomas inespecíficos com duração variada. Depois surgem
sinto­mas como icterícia, vômitos, hipoglicemia e convulsões. Deve-se verificar se existe
evidên­cia bioquímica de falência hepática aguda, ou doença hepática crônica, associada
à coagulopatia de origem hepática não corrigível pela vitamina K, podendo apresentar
ou não encefalopatia hepática (ALBERTO et al., 2015).

A intolerância à frutose surge quando o paciente apresenta a enzima aldolase B,


da via glicolítica, deficiente no fígado (DEVLIN, 2007). Esses pacientes são sensíveis a
todas as fontes de frutose, o que inclui sacarose e sorbitol. A ingestão de um desses açú-
cares ocasiona vômitos, náuseas e sudorese, além de hipoglicemia e acidose metabólica.
A presença de diarreia em alguns indivíduos que tenham ingestão excessiva de frutose
causa alterações da microbiota intestinal, o que pode levar a sua má absorção.

O diagnóstico dessa intolerância é relacionado ao histórico clínico, e a investigação


laboratorial mediante o teste de hidrogênio expirado é considerada padrão ouro. Ou-
tra avaliação para essa doença é a dosagem de frutose na urina, de fosfato inorgânico
(Pi) sérico, de glicemia após a ingestão de frutose, ou de infusão intravenosa de frutose.
Os sintomas de hipoglicemia, de queda acentuada e prolongada no fosfato inorgânico
plasmático, de alterações urinárias com aumento do pH e de excreção de fosfato após
o teste confirmam o diagnóstico. Essas alterações são reversíveis. A última etapa para o
diagnóstico é a biópsia hepática para a determinação da atividade da aldolase (IMANSE;
MARRIAGE, 2005; MARCASON, 2010).

44
Figura 20
Fonte: Getty Images

As doenças hepáticas autoimunes são doenças imunomediadas, nas quais os hepa-


tócitos e ductos biliares são agredidos. Dentre essas doenças estão: a hepatite autoi-
mune (HAI), a colangite esclerosante primária (CEP) e a sobreposição das duas,
conhecida como colangite autoimune.

A HAI apresenta uma elevação de aminotransferases, por autoanticorpos não especí-


ficos, níveis elevados de IgG e histologia hepática com sinais de inflamação, na ausência
de outras causas. A definição dos autoanticorpos estabelece se a doença é do tipo 1 ou
tipo 2. A HAI tipo 1 possui anticorpos antimúsculo liso e/ou fator antinuclear e ocorre
tanto em adultos, como em crianças. Por outro lado, a HAI tipo 2 possui anticorpos
antimicrossomal de rim e fígado e ocorre em crianças mais novas.

A CEP é uma doença colestática crônica, sem causa definida, caracterizada por in-
flamação progressiva, fibrose e estenose dos ductos biliares intra e extra-hepáticos. O
diagnóstico é comprovado por meio da colangiografia, que mostra áreas de dilatações
intercaladas com estenoses. Além da cirrose, ocorrem também colangites de repetição e
colangiocarcinoma. Ela está associada à alta incidência de doença inflamatória intestinal
(SANTOS et al., 2017).

O ciclo da ureia é responsável pela transformação de amônia em ureia. Nesse meta-


bolismo, estão cinco enzimas que estão relacionadas a doenças tidas como defeitos no
ciclo da ureia:
• carbamil-fosfato sintetase = hiperamonemia tipo I;
• ornitina-transcarbamilase = hiperamonemia tipo II;
• arginino-succinato sintetase (AS) = citrulinemia;
• argininosuccinato liase (AL) = argininemia;
• arginase = acidúria argininosuccínica.

45
45
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

É importante destacar que as hiperamonemia tipos I e II causam a síndrome de


hiperornitinemia-hiperamonemia-homocitrulinúria.

Os pacientes com deficiência de qualquer uma dessas enzimas apresentam hipera-


monemia. Deve-se desconfiar de defeitos do ciclo da ureia quanto ocorre o aumento
dos níveis de amônio; e quando, entre um ou dois dias de vida, ocorre recusa alimentar,
irritabilidade, vômitos, letargia, ataxia, convulsões e coma (BACHMANN et al., 2004).

As acidemias orgânicas são doenças hereditárias do metabolismo de aminoácidos,


carboidratos e ácidos graxos, que apresentam acúmulo de ácidos orgânicos e seus deri-
vados no sangue, tecidos, urina e líquidos corporais. No recém-nascido ou no lactente,
desencadeia vômitos, letargia, hipotonia, convulsões e coma; sintomas que são acom-
panhados de acidose, cetonemia, hipoglicemia e hiperamonemia. As mais comuns são:
• Acidemia propiônica: deficiência de propionil-CoA carboxilase;
• Acidemia metilmalônica: deficiência de metilmalonil-CoA mutase;
• Acidemia isovalérica: deficiência da isovaleril-CoA desidrogenase;
• Acidemia glutárica tipo I: deficiência da glutaril-CoA desidrogenase.
Os distúrbios da oxidação dos ácidos graxos são doenças genéticas metabólicas,
em que o organismo é incapaz de oxidar os ácidos graxos para produção de energia.
O mais comum é a deficiência de Acil-CoA desidrogenase de cadeia média (MCAD).
Nas crises de hipoglicemia hipocetótica, ocorrem vômitos, hipotonia, letargia, coma
e encefalopatia, hipoglicemia hipocetótica, cardiomiopatia e miopatia, podendo evoluir
para o óbito. Essas crises podem ser desencadeadas por jejum prolongado ou infecções,
e os sintomas aparecem em conjunto ou isoladamente.

Lipidograma e Proteinograma Pediátrico


A dosagem do lipidograma constitui-se de colesterol total e frações de triglicerídeos.
É muito importante, uma vez que o número de crianças obesas ou acima do peso está
aumentando. As que têm sobrepeso (IMC > 85% para a idade e o sexo; relação peso/
altura > 85%; ou peso > 120% do ideal) devem ser acompanhadas e observadas, não
somente em relação ao peso ou ingestão saudável, mas também visando à prática de
atividade física. As recomendações para a coleta do perfil lipídico em crianças seguem
as orientações descritas na Tabela 13.

Tabela 13 – Orientações para coleta do Lipidograma

Teste Jejum
Colesterol 4h
Triglicerídeos –
< 1 ano 3h
1 a 6 anos 6h
6 anos 12h (máximo de 14h)
Fonte: Adaptada de SBC, 2005

46
Recomenda-se manter a dieta habitual e o peso por pelo menos duas semanas e um
estado metabólico estável. Orienta-se, no caso de cirurgia, aguardar um intervalo de no
mínimo oito semanas entre o procedimento cirúrgico e a coleta, além de não realizar
nenhuma atividade física vigorosa nas 24 horas que antecederem o exame laboratorial.

Tabela 14 – Valores referenciais desejáveis do perfil lipídico para crianças e adolescentes


Lípides Com jejum (mg/dL) Sem jejum (mg/dL)
Colesterol Total* < 170 < 170
HDL-C > 45 > 45
Triglicérides (0-9a)** < 75 < 85
Triglicérides (10-19a)** < 90 < 100
LDL-C < 110 < 110
*CT > 230 mg/dL há probabilidade de HF; **Quando os níveis de triglicérides estiverem acima de 440 mg/dL (sem
jejum) o médico solicitante fará outra prescrição para a avaliação de TG com jejum de 12h e será considerado um novo
exame de triglicérides pelo laboratório clínico.

Fonte: Adaptada de sbac.org.br

As proteínas são essenciais para o desenvolvimento do bebê, desde sua concepção


até a vida adulta. Além do crescimento, as proteínas cumprem funções na estrutura do
corpo, como articulações, cartilagens, cabelos e unhas, funções reguladoras, sistema de
defesa e controle da circulação do bebê.

Para que o bebê tenha todos os benefícios das proteínas é importante que ele seja
amamentado com o leite materno, alimento produzido pela mãe especialmente para
seu filho, de acordo com suas necessidades. As proteínas ingeridas nessa fase benefi-
ciam o indivíduo até a vida adulta, pois serão completamente utilizadas em quantidades
específicas a cada etapa de seus primeiros mil dias de vida (CAETANO et al., 2010).

Estudos mostram que crianças que consomem uma alta quantidade de proteína nos primeiros
anos de vida têm maior chance de desenvolver sobrepeso ou obesidade na vida adulta. Por
essa razão, o leite de vaca integral deve ser evitad , pois os cuidados na infância devem ser
totalmente pensados na prevenção das doenças crônicas como obesidade, diabetes, hiperten-
são arterial para a vida adulta.

Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu nesse capítulo! Para isso, elabore
uma síntese destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir sua
síntese, considere as leituras básicas e complementares realizadas.

Em Síntese
Nesse capítulo, foram estudadas as principais técnicas laboratoriais de mensuração das
proteínas, seguidas das técnicas de separação proteica e de interpretação laboratorial
do proteinograma.

47
47
UNIDADE Marcadores Laboratoriais da Função Hepática
e Proteinograma e Bioquímica Pediátrica

A quantificação das proteínas plasmáticas é um processo fundamental, pois indica como


está o funcionamento do fígado do paciente. Existem inúmeros métodos utilizados para
a detecção das proteínas. Algumas são baseadas no uso de anticorpos dirigidos contra
antígenos sobre a molécula proteica. Os imunoensaio incluem testes, como a imuno-
difusão radial, a eletroimunodifusão em “foguete” de Laurell, a imunonefelometria, a
imunofluorometria e o radioimunoensaio.
No entanto, a imunoeletroforese é a técnica mais utilizada para detectar proteínas
anormais que se diferem estruturalmente das proteínas normais. Através dela é pos-
sível diagnosticar inúmeras doenças, como gamopatias monoclonais, doença hepática,
hipogamoglobulinemias e hipergamoglobulinemias, estados inflamatórios, neoplasias,
doença renal e distúrbios do TGI.
São inúmeras as possibilidades de alterações no metabolismo dos carboidratos. Quando
graves, desencadeiam anemias hemolíticas, principalmente causadas pela deficiência de
piruvato quinase e de glicose-6-fosfato desidrogenase. Caso essas alterações não sejam
diagnosticadas de forma precoce, podem agravar e levar o paciente ao óbito.
A relação dos exames laboratoriais com a clínica pediátrica se torna, assim, essencial, bem
como a interpretação da função renal, do metabolismo de carboidratos e dos distúrbios
da função hepática.

48

Você também pode gostar